QUILOMBOSAl EM SAO PAULO Tradições, direitos e lutas

GOVERNO DO ESTADZ DE SAO PAULO

SECRETARIA DA JUSTICA E DA DEFESA DA CIDADANIA INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE SÁ0 PAULO "JOSÉ GOMESDA SILVA" Governo do Estado de São Paulo Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania Instituto de Tenas do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva"

Quilombos em São Paulo Tradições, direitos e lutas

Vários autores

São Paulo IMESP 1997

Quilombos em São Paulo Tradições, direitos e lutas

Coordenação geral:

Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva"' Tânia Andrade - Organizadora Benedito Anstides Riciluca Matielo Arlindo Gomes Miranda

Universidade de São Paulo Renato da Silva Queiroz

Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra Antônio Carlos Arruda da Silva

Fórum Estadual das Entidades Negras de São Paulo Flávio Jorge Rodrigues da Silva

Comissão ~ró-Índiode São Paulo Leinad Ayer de Oliveira

Maurício Pestana Agradecimentos

Às várias pessoas e organizações que, de forma voluntária, colaboraram com a organização deste livro. Aos realizadores deste livro, digitadores, produtores, gráficos e demais colaboradores.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Q 59 Quilombos em São ~ado:tradições, direitos e lutas 1 org. Tânia Andrade. - São Paulo: IMESP, 1997.

1. Quilombos 2. 3. Negros - Direitos 4. Terras de negros. constitucionais I. Andrade, Tânia, org.

Tiragem: 5.000 exemplares CDD (20.ed) 305.8

Catalogação: Eunides do Vale CRBW - 1166

Arte: Maurício Pestana Digitação: Maria Luíza Calixto Rios Projeto gráfico: Tânia Andrade Revisão: Mariana Cortez Sumário

Apresentação - Mário Covas...... 07 Parte I Histórico - Benedito Aristides Riciluca Matielo e Leinad Ayer de Oliveira...... 13 Introdução a um Desafio - Belisário clos Santos Júnior ...... 25 Direito de Propriedade dos Remanescentes das Comunidades de Quilombos - Gmpo de Trabalho (Decreto no 40.723/%)...... 3 1 Apresentação...... 35 Histórico de atuação do Grupo de Trabalho...... 38 Caracterização do objeto de estudo...... 38 FWsqmtos e procedimentos metodológicos adotacios - F'ressupostos metodológicos - Procedimentos adotados Principais conceitos, definições e critérios eleitos pelo Grupo de Trabalho para dirigir a intervenção pretendida...... 43 Critérios jurídicos - A questão da autoaplicabilidade do artigo 68 do ADCT - A questão da competência Critérios Antropológicos - Identificação das comunidades benefíciárias - Conceito de - Conceito de Território Situações já identificadas...... 49 Comunidade São Pedro Comunidade Nhunguara Comunidade Praia Grande Comunidade Ivaporunduva Comunidade Maria Rosa Comunidade Pilões Comunidade Sapatu Comunidade Cafundó Propostas...... 57 Audiência Pública...... 58 Glossário de Termos do Relatório Técnico ...... 59 Composição do Grupo de Trabalho...... 60 Os Pressupostos Jurídicos para Regularização Fundiária das Áreas Remanescentes de Comunidades de Quilombos - Luciano de Souza Godoy ...... 61 Parte I1 Herdeiros de Zumbi: Olhando o Futuro sem Esquecer o Passado - Sandra Santos73 A "Descoberta" do Cafundó - Carlos Vogt e Peter Fry ...... 8 1 Essa Terra é Santa, Essa Terra é Nossa - Renato da Silva Queiroz ...... 103 Parte I11 Quilombos: Repertório Bibliográfico de uma Questão Redefinida - Alfredo Wagner Berno de Almeida...... , ...... 12 1 Legislação Pertinente ...... 141 Artigo 215 e 216 da Constituição da República Federativa do Brasil Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Lei no 3.962, de 24 de julho de 1957 Artigo 11 da Lei no 4.925, de 19 de dezembro de 1985 Decreto no 40.723, de 21 de março de 1996 Decreto no 4 1.774, de 13 de maio de 1997 Lei no 9.757, de 15 de setembro de 1997 Documento...... 161 Título de Reconhecimento de Domínio - União FederalDncra no 0 1/95 Para Ver e Ouvir: Depoimentos & Fotografias ...... 167 Comunidade São Pedro Comunidade Ivaporunduva Comunidade André Lopes Comunidade Castelhanos Comunidade Cafundó Comunidade Nhunguara Comunidade Pilões Comunidade Nhunguara Encarte - Maurício Pestana Apresentação

A sociedade brasileira constitui um verdadeiro iiiosaico de uiii seiii-iiúiiiero de raças. povos e cplturas distintas que resultou iiuiiia das culturas iiiais ricas de que se teiii notícia no mundo. E bem verdade que nem todas essas contribuições foram legadas voluntariamente. Os africanos. retirados à força de sua terra natal. vieraiii e aqui forani rnaiitidos a ferro e fogo tiunia das maiores \.iolêiicias que se pode cometer contra o ser huiiiano. Prilados por séculos de seus direitos mais eleiiieiitares. tratados coiiio "coisas'. e coiiiercializados como animais. seniram ao jugo de seus seliliores e se viraiii despojados de qualquer eleiiieiito que llies conferisse a mínima dignidade. Aos fortes. contudo. nem niesiiio a chibata e a corrente aznedroiitani. A escravidão não foi suficiente para fuc.er cessar aos povos negros a sede pela liberdade e pela dignidade. Revoltados. niuitos arquitetaram escapadas fantásticas e. através de sua força fisica e de caráter. os sobre~iventesestabeleceram marcos de resistência que se toniaraiii pólos de disseminação da aspiração legítima daqueles guerreiros por igualdade e respeito. Quilombo significa povoado. união. E foi essa solidariedade que tornou possível escrever unia das páginas históricas que iiiais orgulliani o Brasil. e cuja figura mais significati\ a. Zuiiibi dos Palmares. receiiteriieiiie recebeu o iiierecido stattís de Iierói nacional

Reconliece~idoessa luta. o legislador coiistituiiite. através do Ato liL' 68 das Disposições Coiistitucioiiais Transitórias. deterniiiiou que os governos estaduais outorgassem. em caráter definitivo. os títulos de propriedade para as comunidades remanescentes dos antigos quilombos que ainda ocupasseili aqueles temtórios. Assiiii. o Governo do Estado de São Paulo finaliiiente resgata uma divida liistórica coiii essa população quilonibola. respeitando-lhes os costuiiies e as tradições e dando-lhes garantias de desenvolvimento. Representantes das Secretarias e 6rgãos do Estado, da comunidade negra e instituições de pesquisa compuseram um Grupo de Trabalho que realizou minuciosos estudos, tornando possível a identificação precisa das terras e das comunidades a serem contempladas. (A essas pessoas, nosso reconhecimento e gratidão pela dedicação com que se deb~~aramsobre uma causa tão justa). E, portanto, com grande orgulho que apresento a população paulista o resultado desse esforço democrático. Que seja este mais um passo na direção da consoliáa@o da cidadania e do reconhecimento legítimo da valiosa contribuição dos povos que. de há muito, têm o Brasil como pátria e São Paulo como lar.

Mário Covas Governador do Estado de São Paulo Qnilombos em São Paulo

Parte I Comunidade I\~aporundui~a- Andiara B. Automare - Itesp, junho 97 Histórico

". .. este livro traz a pziblico uma coletânea de textos relatando as diversas iniciativas implementadas, ou em processo de impleme~~tação,pelo Governo do Estado de São Pdo que visam o reconhecimento do direito das comunidades quilombolm e a titulação de seus territórios a partir da promulgação da

Constituição Federal... "

Benedito Aristides Riciluca Matielo Leinad Ayer de Oliveira Histórico

Ao ser promulgada em 5 de outubro de 1988, a Constituição Federai, no artigo 68 do ADCT. reconheceu a propriedade definitiva das terras ocupadas por comunidades quilombolas, impondo ao Estado o dever de emitir-lhes os titulos respectivos. Artigo 68 -Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade dejinitiva, devendo o Estado emitir-lhes os titulos respectivos. A Constituição Federai de 1988, nos artigos 215 e 216, impôs um conjunto de conceitos e diretrizes objetivando a valorização e difusão das manifms culturais materiais e imateriais. O reconhecimento da propriedade definitiva associado a previsão de tombamento de todos os documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quiiombos, em função de se constituírem patrimônio cultural brasileiro, como grupos formadores de nossa sociedade, introduziu, pela primeira vez, o reconhecimento constitucional as comunidades quilombolas. Artigo 215 - O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso asfontes da cultura nacional, e apoiarú e incentivará a valorização e a difusão das manifestaç8es culturais. § 19 O Estado protegerá as manifestaççõs das culturas populares, indígenas e apo-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizat6rio nacional. J 2". -4 lei disporá sobre ajxação de datas comemorativas de alta signijcação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. Artigo 216 - Constituempatrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência a identidade. a ação, a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos pais se incluem: I - as formas de expressão; IZ - os modos de criar, fazer e viver; ZZZ - as criações cientijcas, artisticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos e edificações e demais espaços destinados as manifestações artistico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagistico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e cientíjco. $ 19 O Poder Publico, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o paírimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outrasformas de acautelamento e preservação. f 29 Cabem h adminisiração pública, na forma da lei, a gestdo da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. $39 A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. f 49 Os danos e ameaças ao patrimbnio cultural serdo punidos, na forma da lei. f 59 Ficam tombados todos os documentos e os sitios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. Estabelecido o direito, coube ao Estado criar os mecanismos neasdrios para a sua aplicação. O cumprimento dos preceitos constitucionais impõe ao Poder PUblico a superação de conceitos construídos pelo direito, que trata a propriedade de maneira individual, exclusivamente. Faz-se necessário o estabelecimento de uma nova concep@o do direito, acompanhada de uma refiexão de toda a sociedade, que incorpore a propriedade coletiva e os componentes relativos às diferenças étnicas e culturais no processo de regularização fundiária. Várias iniciativas foram implementadas no âmbito do Governo Federal, através do Incra e da Fundação Cultural Palmares, no sentido de promover o reconhecimento do direito às comunidades quilombolas. Destacamos, também, as importantes iniciativas do Ministério Público Federal no sentido de agilizar os processos de regularização fundiaria e de patrocinar debates visando superar os entraves Quiiornbos eni São Paulo impostos pela legislação vigente. Cabe salientar, ainda, a existência de projetos de lei, em tramitação no Congresso Nacional, que contribuem para o aperfeiçoamento e detalhamento dos procedimentos administrativos referentes a regularização e titulação das terras de quilombos. Entre essas diversas experiências, destacamos a titulação através do Incra das áreas das Comunidades Remanescentes de Quilombos Boa Vista, Água Fria e Pacoval. no Estado do Pará, nos anos de 1995 e 19%. A emissão dos títulos de propriedade coletiva para essas três comunidades estabeleceu um procedimento, na esfera do Poder Público Federal, para o reconhecimento de áreas quilombolas incidentes em terras devolutas da união. O Governo do Estado de São Paulo, em 1995, sensível a questão e atendendo solicitação das comunidades quilombolas, das organizações do movimento negro e da sociedade civil, iniciou no âmbito da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania e no Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva7', um programa de equacionamento das questões relativas às áreas de quilombos no Estado. Essa iniciativa culminou com a assinatura, pelo Governador Mário Covas, do Decreto no 40.723196, criando um Grupo de Trabalho com o objetivo de fazer proposições visando a plena aplicabilidacíe dos dispositivos constitucionais, que conferem o direito de propriedade aos remanescentes das comunidades de quilombos em temtório paulista. Paralelamente, a Fundação Florestal, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, elaborou um Plano de Gestão Emergencial do Parque Estadual Intervales, em cujo teor foi desenvolvido um trabalho de identificação e mapeamento cios territórios quilombolas que se encontram absorvidos ou no entorno do referido Parque. O Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto no 40.723/%, foi integrado por representantes da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva", Secretaria de Meio Ambiente, Procuradoria Gerai do Estado, Secretaria de Governo e Gestão Estratdgica, Secretaria de Cultura, Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, Subcomissão do Negro, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - Sec@o São Paulo e Fónun Estadual de Entidades Negras. Empossado em 14 de maio de 1996, em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes. presidida pelo Governador Mário Covas, o Grupo & Trabalho adotou três procedimentos básicos para a condução dos trabalhos: pesquisas bibliográficas e obtenção de pareceres técnicos; divulgação dos trabalhos e chamamento a participa@o; pesquisasdecampo. Visando o enriquecimento dos debates e a ampliação do conhecimento sobre o tema, o Grupo de Trabalho, recolheu documentação pertinente ao assunto. conw-idou e teve a honra da participação de ilustres conhecedores da questão. a saber. Elizabeth Kablukow Bonora Peinado, Isabel Cristina Groba Vieira e Débora Stuch, do Ministério Público Federal; Sérgio Barros Leitão. do Instituto Sócioambiental; Tereza Santos, da Comissão Afro da Secretaria da Cultura; Lúcia Andrade, da Comissão pró-Índio de São Paulo e Carlos Vogt, da Unicamp, ambos indicados pela Associação Brasileira de Antropologia: Carlos Maretti. Renato Sales e Katia Pisciotta. da Fundação Florestal: Michael Mary Nolan. do escritório de advocacia que patrocina a ação da comunidade de Ivaporunduva, contando ainda com parecer do jurista Walter Ceneviva. Conio forma de divulgação dos trabalhos, o Grupo oficiou todas às Prefeituras e presidentes das Câmaras Municipais paulistas solicitando informações sobre a existência em seus territórios, de remanescentes das comunidades de quilonibos. Oficiou também. pessoas e entidades ligadas ao movimento negro, conforme indicação oferecida pela Assessoria Afro da Secretaria da Cultura. Promoveu. ainda. a visita de membros do Grupo às comuniáades quilombolas localizadas nas Regiões de Sorocaba e Vale do Ribeira de Iguape, permitindo assim o conhecimento de suas formas de organização. suas carèncias e suas riquezas culturais. Em atenção as competências específicas. determinadas pelo decreto, deliberou o Grupo oferecer como propostas, para definir as comunidades a serem beneficiárias do dispositivo constitucional. os critérios de auto-identificação do grupo/indivíduos na condição de quilombolas, definição respaldada pela ciència da antropologia; pela tradição; levantamentos históricos - materiais e orais e registros bibliográficos. O Grupo procedeu assim também em relação a definição quanto aos critérios de territorialidade: efetiva ocupação e a exploração agropecuária e florestal, inclusive extrativista. respeitando-se ainda as práticas tradicionais de cultivo, como o rodízio de terra, incluindo os espaços que se referem a recreação: a rnitos/simbologia: e as áreas necessárias a perambulação entre as famílias do grupo. O Grupo de Trabalho pode contar com a colaboração do Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Siiva". através do Departamento de Regulafiação Fundiária, que efetivou um diagnóstico da situação dominial de áreas ocupadas por comunidades, que abrangem toda a sorte de situações de natureza quanto a posse e domínio, inclusive sobrepostas por Unidades de Conserva@o, e recomendando ainda, o programa específico para atuação do Estado de São Paulo em terras públicas estaduais. e parcerias com Prefeituras. para terras devolutas niunicipais e distritais e parceria com a União para a atuação em terras particulares. Quilombos em São Paulo

Obteve, o Grupo informações da existência das seguintes comunidades: Cafimdó, no Município de Salto de Pirapora; Pilões, Praia Grande, Maria Claudia, Bombas e João Surrá. no Município de Iporanga; Poça, Bananal Pequeno, Aboboral, Pedro Cubas, Sapatu, André Lopes, Nhunguara, Ivaporunduva, São Pedro e Galvão, no Município da Estância Turística de Eldorado: Morro Seco, no Município de Juquiá; Mandira, no Município de Cananéia; Cangume, no Município de Itaóca; Biguá Preto, no Município de Miracatu e Aldeia de Jaó, no Município de Itapeva. As ações aptas a compatibilizar a política ambiental em vigor com os objetivos do dispositivo constitucional, tiveram como proposta a aceitação da ocupação das comunidades e revisão dos limites das unidades de conservação, quando necessário for, bem como planos de manejo sustentado e assessoria para produção de forma conservacionista. A par da questão fundiária e ambiental, entendeu que há de se atender, também, a questão sócio-econômica e cultural das comunidades, para garantir aos quilombolas o respeito aos seus direitos fundamentais e sua cidadania; garantir a melhora da qualidade de vida de sua popuiação segundo seus padrões e valores, a partir do fomento e da proteção das condições básicas a sua reprodução fisica e cultural. tais como, base temtorial e projetos de desenvolvimento econômico adaptados a sua raiz cultural e a capacidade regional. O Grupo propôs, ainda, a outorga de permissões de uso, em áreas públicas estaduais, aos remanescentes das comunidades de quilombos, como medida preliminar no sentido da reguiarização jurídica da situação de fato. nos termos do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. O referido Grupo elaborou minuta de anteprojeto de lei, posteriormente promulgada como Lei no 9757, de 15 de setembro de 1997. adequando a legislação paulista de legitimação de posse em terras devolutas a situação dos remanescentes de comunidades de quilombos, e minuta de decreto criando programa específico. atualmente Decreto no 41.774197, para atuação governamental nos moldes já indicados, prevendo inclusive parcerias com o Governo Federal, Prefeituras e demais segmentos da sociedade civil, que possam auxiliar nesse mister de resgate e defesa da cidadania. Cabe ainda destacar que todas as propostas enunciadas foram amplamente discutidas em audiência pública realizada no dia 30 de novembro de 1996, na Estância Turística de Eldorado, com a participação de aproximadamente 300 convidados. entre quilombolas, representantes dos órgãos públicos e ONGs. Também é importante destacar a iniciativa impetrada pelo Ministério Público Federal, em São Paulo. em cumprimento às funçks institucionais determinadas no artigo 129 da Constituição Federal: Artigo 129 - São funções institucionais do Ministério Publico: 111 -promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; Em 6 de maio de 1996, através da Portaria no 5, o Ministério Phblico Federal, em São Paulo, abriu inquérito civil visando adotar e fazer adotar pelos órgãos públicos competentes, todas as medidas cabíveis para a identificação e demarcação física de todas as comunidades remanescentes de quilombos da região do Vaie do Ribeira de Iguape, quer conhecidas, quer as que venham a ser conhecidas, com ênfase para aquelas que se encontram em áreas sobrepostas às Unidades de Conservação, tal como o Parque Estadual Intervales, prevenindo responsabilidades e, especificamente, visando o efetivo respeito às normas constitucionais. Para tanto, foi instalado um Grupo de Trabalho composto por antropólogo pertencente ao corpo tecnico daquela casa, por técnico requisitado no Itesp e por historiadores pertencentes ao quadro do Iphan com missão de identifícar e localizar fisicamente as comunidades remanescentes de quilombos no Vale do Ribeira de Iguape. Ademais, o Conseiho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo colaborou com o avango no processo de reconhecimento dos direitos das comunidades quilombolas, com a participação de seus membros no Grupo de Trabalho. Essa atuação repercutiu não apenas no Estado de São Paulo, mas serviu como experiência a ser repetida em todo o Brasil. Destacamos, também, a importância das ações realizadas pelo Fórum Estadual de Entidades Negras de São Paulo em apoio a luta dos quilombolas. Desde 1993, o Fórum vem promovendo encontros, com as organizações do movimento negro urbano, com o objetivo de dar visibilidade às questões referentes às comunidades quilombolas. Há que se destacar, ainda, iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção São Paulo - através da Subcomissão do Negro, da Comissão de Direitos Humanos que promoveu seminário sobre o tema em novembro de 1994. Impossível omitir a efetiva participação dos próprios quilomboias no processo de reconhecimento e consolidação dos seus direitos. As Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira conhecedoras dos seus direitos constitucionais, passaram a se reunir. com o apoio da Congregação de Jesus Bom Pastor - Pastorinhas, de Eldorado e de organizações da sociedade civil, para refletirem sobre a sua realidade. Foram realizadas inúmeras reuniões nas comunidades, nas igrejas, nos bairros. nas escolas e cidades do Vale. Na ocasião, dois grandes probiemas causavam preocupação e insegurança nas comunidades e precisavam ser resolvidos. A primeira grande precmpação era constituída pela ameaça de serem desalojados de suas terras, pela formação dos lagos das Usinas Hidroelétricas de Tijuco Alto. Funil, Batatal e Itaóca. Assim de Quilornhos ern São Punio reunião em reunião, de conversa em conversa, de encontro em encontro, no ano de 1991 criam o Moab - Movimento dos Ameaçados pela Barragens do Vale do Ribeira, com o metivo de organizar a resistência contra a construção das barragens na bacia do Rio Ribeira de Iguape, norteados pelas paiavras de ordem "Terra sim, Barragens não" e "Pela Regularização Fundiária do Vale". A segunda preocupação. interligada à primeira, era fazer com que os órgãos governamentais cumprissem os preceitos constitucionais e promovessem a titulação &s terras que pertenceram a seu ancestrais. Novamente, senhores de suas vidas, os participantes do Moab, não esperam apenas pela ação gmrnamental e decidem realizar, por conta, a demarcação de seus territórios. Assim, constituíram uma equipe de trabalho para realizar um levantamento das comunidades quilombolas no Vale. A equipe era formada pelas Irmãs Angela Biagione e Maria Sueli Berlanga; pelos repmentantes da CPT - Diocesana Maria nma do Nascimento, Sandra Inês Paulino, Yoshinori O. Miura, Arenildo A. de Souza; por Silvani Cristina Alves, representando o Moab, e pelo etnólogo Guilherme âos Santos Ba&osa. A equipe viajou às comunidades, coletando informaç&s sobre a organização social e econômica, laços de parentescos e vizinhança, referências sobre a origem do grupo, músicas, dados populacionais e a área ocupada e utilizada para a reprodução fisica e cultural do grupo. Fkrcorrendo, também, os cartórios e arquivos históricos da região para levantarem as provas documentais da ocupação . A Comunidade Ivaporunduva avança ainda mais no processo de consolidação dos seus direitos e de construção de seu território, realizando vários mutiróes de reconhecimento da terra ocupada por seus ancestrais e de posse permanente da comunidade. Esses mutirõg que contavam com a particijmção de toda a comunidade, identifícaram as áreas ocupadas e colocaram marcos identificando os limites. Posteriormente, com a ajuda de um topógrafo, elaboram um mapa da área. Finalmente, estavam defínidas as áreas de lavoura e de mata; as nascentes de água e margens dos rios utilizadas pela comunidade. A Comunidade Ivaporunduva tinha a posse da terra mas faltava-lhe garantir o domínio. Assim, em agosto de 1994, a comunidade propôs junto a Justiça Federal de São Paulo uma ação ordinária declaratória pedindo que a comunidade fosse declarada como remanescente de quilombo e a condenação da União a delimitar e demarcar as terras. Passaram a contar também com a assessoria judicial dos advogados Luís Eduardo Greenhalgh, Michael Mary Nolan e outros. Enquanto aguardavam a decisão judicial e o mnhecimento de seus direitos temtoriais pelos órgãos de governo, continuavam realizando encontros onde procuravam enfrentar os desafios do presente e do futuro. Isto posto, determinou o !Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania, Belisário dos Santos Júnior, em conjunto com a Coordenadora do Instituto de Terras do Estado de !%o Paulo "José Gomes da SiW, Tânia Andrade, a organizaçao de um livro que relatasse as eipriências governamentais jA efetivadas e as propostas da sociedade civil que corroboraram com a consolidação dos direitos das comunidades remanescentes de quilombos no Estado de São Paulo. Este livro traz a público a real possibilidade de se estabelecer um novo relacionamento entre o Governo do Estado de São Paulo e as coniunidades quilombolas. baseado no respeito ao convívio de diferentes e no resgate da cidadania de segmentos sociais historicamente discriminados e alijados da ação governamental, construindo-se assim um projeto de futuro democrático e solidário. Assim, esse livro traz a público uma coletânea de textos relatando as diversas iniciativas implementadas. ou em processo de implementação, pelo Governo do Estado de São Paulo que visa o reconhecimento do direito das comunidades quilombolas e a titulação de seus territórios. a partir da promulgação da Constituição Federal (artigos 68 ADCT e 215 e 216). Apresenta também estudos antropológicos realizados junto as comunidades quilomòolas do Estado. fornecendo informações que nos permitem conhecer seus modos tradicionais de vida, suas identidades étnicas e culturais construidas a partir de vivências e valores partilhados e as diferentes formas de uso e ocupação da terra. Apresenta também, instrumentos que permitem um aprofundamento sobre o tema em questão, citando referências bibliográficas, fotos e mapa. E, finalmente, exibe um encarte dirigido ao público jovem, com o intuito de dar visibilidade ao tema. A primeira parte do livro trata das iniciativas do Governo do Estado de São Paulo, da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania e do Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva7', após a criação do Grupo de Trabalho através do Decreto no 40.723 de 21 de março de 1996, que além da outorga do direito de propriedade às terras ocupadas pelas comunidades quilombolas, buscou garantir aos quilombolas o respeito a seus direitos fundamentais e sua cidadania. Apresenta também o artigo "Os Pressupostos Jurídicos para Regularização Fundiatia das Áreas Remanescentes de Comunidades de Quilombos", de autoria de Luciano de Souza Godoy, da Procuradoria Geral do Estado. que analisa, sob a Óptica da legislação vigente, os entraves jurídicos a serem superados klsancio a expedição dos títulos de propriedade às comunidades quilombolas em terras públicas estaduais. A segunda parte, aparentemente desconexa da primeira, mas coerente com o objetivo do livro de também fornecer suporte teórico às ações governamentais, apresenta artigos de eminentes antropólogos das universidades paulistas. Esses artigos, baseados em longas pesquisas acaáêmicas realizadas junto as comunidades quilombolas, fornecem as informações necessárias que fundamentarão as políticas públicas a serem implementadas num futuro próximo. O artigo "Herdeiros de Zumbi: olhando o futuro, sem esquecer o passado", de autoria de Sandra Santos, resgata o conceito histórico de quilombo inserindo-o numa perspectiva atual. Os antropólogos Carlos Vogt e Peter Fry, em "A 'Descoberta' do Cafundó", apresentam um relato da pesquisa realizada por dez anos, entre 1978 e 1988, na Comunidade CWundÓ, Salto & Pirapora. E, finalmente, Renato da Silva Queiroz. Quilornbos em São Paulo professor de antropologia. no artigo "Essa terra é santa, essa terra e nossa" resgata o trabalho acadêmico realizado junto a Comunidade Ivaporunduva. Vale do Ribeira, entre os anos de 1977 e 1980. A terceira parte fornece um inventário bibliográfico de títulos referentes aos quilombos, fotos e mapa com a localização das comunidades quilombolas em nosso Estado, que poderá auuiliar pesquisas futuras. Em "Quilombos: Repertório bibliográfico de uma questão redefinida ( 1995 - 1996)", Auiedo Wagner Berno de Almeida sugere, também, novos parâmetros que poáerão nortear a produção intelectual e científica sobre o tema. A iconografia apresenta citações, fotos e mapa que nos permitem visualizar a diversidade cultural e melhor conhecer esses atores políticos. Anexamos cópia da legislação vigente que fundamentam as açiks propostas. E, com o intuito de despertar uma consciência solidária e anti-racista entre os nossos jovens, incluímos no livro O encarte "Quilombos em São Paulo", elaborado pelo cartunista Maurício Pestana, que com arte e simplicidade apresenta os eixos centrais da questão.

Nossos agradecimentos ao Dr. Paulo Celso Fortes, assessor especial do Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania; Maria Luíza Calixto Rios, Mana Ignez Maricondi, Andiara Barbosa Automare e demais funcionários do Itesp sediados em Sorocaba, Eldorado, Iporanga e Panquera-Açu.

Benedito Anstides Riciluca Matielo, advogado, coordenador do Grupo de Trabalho (Decreto no40.723/96). Leinad Ayer de Oliveira, antropóloga, diretora da Comissão pró-Índio de São Paulo. Introdução a um Desafio

"Os quilombos, mais que redutos de escravos, representavam muitas vezes ver~irosEstados, com organizaaç8

trabalho, governo, história. "

Belisário dos Santos Júnior Introdução a um ~esafio'

"Escuta o mundo branco horrivelmente lasso de seu imenso esfoço suas articulações rebeldes estalando sob estrelas duras sua inflexibilidade d'aço azul varando a carne mística escuta suas vitórias proditórias a tronibetear suas derrotas escuta nos íílibis grandiosos seu misermjel estertor Piedade para nossos vencedores oniscientes e ingênuos. " Com essas palavras de Leopold Sedar Senghor, pretendo trazer a memória a mais cruel violação do Último milênio, a mais grave, a mais longa: o tráfico de escravos, a escravidão. Não foi o crime de uma nação ou de uma geração. Foi o crinie de uma raça. A feição jurídica de comércio deu a face mais ímpia do processo. Nem a condição humana era reconhecida ao negro, reduzindo-o a situação de objeto. Bárbaro em si o crime, espanta a ausência de reação, espanta a omissão, espanta o apoio institucional que recebe. Reinos desaparecem, outros até crescem. Filhos são afastados dos pais. mulheres de seus homens. Não era uma guerra. Nem essa dignidade havia. Era um processo de corrupção. Tudo se escondia sob o manto da mercancia. Era um negócio. como tantos outros.. . No Brasil, muito antes que a dignidade do branco se movesse ante aquele horror, a dignidade do negro já resistia a tentativa de matar sua cultura. sua música. sua língua, seus costumes.

1 Discurso pmf&do na instituição do Grupo de Trabalho, para dar aplicabilidade ao dispositivo constitucional que confere direito de propriedade aos quilombolas, eni 14.05.96. Fala Solano Trindade: Eu canto aos Palnrares sem inveja de J Prgilio de Homero e de Camões porque o meu canto é o grito de uma raça em plena luta pela liberdade Eu canto aos palnzares odiando opressores de todos os povos de todas as raças de mão fechada contra as tiranias! Meu poema é libertador é cantado por todos, até pelo no. Meus irmãos que morreram muitos jlhos deixaram e todos sabem plantar e ntanejar arcos; muitas amadas morreram mas muitasjcaranr vivas, dispostas para amar seus ventres crescem e nascem novos seres. E agora ouvimos um grito de guerra, ao longe divisamos as rochas acesas, é a civilização sanguinária, que se aproxima. Mas não mataram meu poema. hiais forte que todas as forças é a liberdade O opressor não pôde fechar minha boca nem maltratar meu corpo, meu poema é cantndo através dos séculos, minha musa esclarece as consciências Zumbi foi redimido... Quilomhos en~São Paulo

Os quilombos, mais que redutos de escravos, representavam muitas vezes verdadeiros Estados. com organização, trabalho, governo, história. Era a possibilidade do exercício do direito à resistência. Augusto Boa1 e Gianfimcesco Guarnieri sintetizaram magnincamente: Quem esquece a própria vontade Quem aceita não ter desejo é tido por todos um sábio é isso que eu sempre vejo t? a isso que eu digo, não! Ainda foram necessárias duas guerras mundiais para que se proclamasse, em 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que os direitos humanos devem ser protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como Último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão. O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determina que "aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes o titulo dejnitivo ". O que se faz hoje aqui, Senhor Governador, mais que cumprir um programa de governo, muito além de assegurar a íntegra da carta constitucional, significa um ato de memória que o seu Governo consagra ao exemplo da resistência. um início de reparação ao povo negro. É um começo. É um símbolo. O preconceito segue. Ele marca como o ferro, ele castiga como o açoite. Ele ainda existe, vivo, insinuante, ora disfarçado, ostensivo muitas vezes. Em nossas atividades cotidianas na Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, no Fórum das Minorias, no Seminário contra o Preconceito, sentimos isto claramente. Há outras políticas compensatórias a serem adotadas, mas este é um bom começo. O primeiro grupo de trabdho no Brasil a cuidar da regularização fundiária que dará a propriedade de terras aos remanescentes de quilombos está instalado. É um exemplo para o resto do país. Constituído e trabalhando, no estilo deste Governo, com participação ampla da sociedade civil. Nenhuma experiência será desprezada. Os setores do Governo interessados no tema estão ali representados. O Instituto de Terras, desta Secretaria, já havia cadastrado 12 comunidades de remanescentes das ocupações de quilombos. Há setores não governamentais que reuniram importante material a respeito. Tudo será considerado. É uma tarefa difícil, esta do resgate da história, da reparação da violação. Mas é um desafio. E este Governo. todos o sabem, não rejeita desafios. Concluo. Manoel Congo, tronco de árvore, barro do chão, pai e filho da natureza era líder de quilombo. Conta a lenda, segundo João Luís Duboc Pinaud, em Malvados Mortos. que a morte o colheu no meio da luta. Preso, foi imediatamente julgado, condenado. executado pela justiça e pela lei do homem branco, pelo crime da esperança. Nada lhe tiraria o sorriso dos lábios. Supõe o poeta carioca, supomos todos nós: pensava em Mariana, pensava em sua casa, em seu leito, no roçado de plantio e criação que faria quando a paz chegasse a serra da Taquara. O depoimento de um remanescente daquele quilombo é sintomático: "Manoel Congo, Mariana Crioula, Eu sempre soube dele ... Dela contavam muitas coisas, que tinha as costas riscadas de ferro quente e andava sempre querendo fugir. ..Mas isso tudo é igual ao vento, vai passando, vai passando ... " Não queremos que a história passe com o vento. Temos a vontade e a necessidade de resgatar a esperança e o sorriso que nos legaram tantos Manoel Congo, tantas Mariana Crioula e sua brava gente. Obrigado.

Belisário dos Santos Júnior. advogado, e Secretário de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania. Direito de Propriedade dos Remanescentes das Comunidades de Quilombos no Estado de São Paulo

". ..o trabalho ora apresentado assume destaque, posto ter, de forma pioneira, se constituído como um fómm de conhecimento onde a participação da comunidade técnico-científica, das associações civis, organizações não governamentais e das diversas instâncias do poder público, responsáveis e interessadas pela questão..."

Relatório Final do Grupo de Trabalho criado pelo Decreto no 40.723 de 2 1/03/96 Qrtilor~ihoseri São Patrlo

Conrunidnde CafundO - -4ndinrn B. Autoninre - Itesp, junho 97 Direito de Propriedade dos Remanescentes das Comunidades de Quilombos no Estado de São Paulo

Apresentação O presente relatório, elaborado com fùndamento nos estudos desenvolvidos pelo Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto Estadual no 40.723, de 21.03.96, consubstancia. como proctido final, os esforços intra-institucionais do Governo do Estado de São Paulo de responder a demanda constitucional imposta pelos artigos 215 e 216 da Carta Magna, com ênfase para o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transit6rias. de conferir o direito de propriedade aos remanescentes das comunidades de quilombos, impondo-se como um conjunto de conceitos, diretrizes e medidas aptas não só a garantir a plena aplicabilidade dos dispositivos constitucionais em temtório paulista, como também a promover o resgate e a defesa da cidadania das comunidades quilombolas. Nesse contexto, o trabalho ora apresentado assume destaque, posto ter, de forma pioneira, se constituído como um fórum de conhecimento onde a participação da comunidade técnicocientífica, das associaçb civis, organizações não governamentais e das diversas instâncias do @r piiblico, responsáveis dou interessadas pela questão, atingiu níveis de excelência, tornando-se base fundamental para a eleição dos critérios aptos a definir as comunidades quiiombolas e seus territ6rios, que serão beneficiárias do direito de propriedade, diagnosticando sua situação, bem como das propostas metodológicas, jurídicas e institucionais básicas a gestão e gerenciamento das ativiáades governamentais necessárias a tal fim. Nesse sentido, entende-se que a intervenção govemamental pretendida, qual seja a da regularização fundiária e titula& da propriedade das terras às comunidades quilombolas e da proteção das condições materiais e não materiais que permitam sua reprodução fisica e cultural, sob o ponto de vista da defesa da cidadania, não deverá constituir-se como uma aç%o pontual e isolada, posto que demandará uma série & trabalhos jurídicos e técnicos voltados a compatibilizar os diferentes parâmetms de abordagem e inciâência das políticas ambientais, fundiária e cultural, sob a ótica de um planejamento integrado e estratwco que respeite os diferentes contextos regionais, mas deverá constituir-se sim, por essas mesmas razões, em ação ampla e permanente de governo, cuja dimensão, embora tenha sido observada e embrionariamente aqui proposta, extrapola o escopo do presente estudo. Assim deve-se entender esse trabalho como portador de um duplo aspecto: como instrumento técnico, de concreção imediata, no que tange a propositwa dos criterios, diretrizes e ações para garantir a aplicabilidaáe dos dispositivos constitucionais; como uma contribuição para o início de um processo político permanente, mediador, reflexivo e indutor de decisões que objetivem impuisionar todas as ações necessárias a fomentar e proteger as condições de reprodução fisica e cultural dos quilombolas, na condição de grupo étnico afro-brasileiro portador de referências da formação e identiW da sociedade brasileira. Sua realização só foi possível graças aos esforços de cada um dos integrantes do Grupo de Trabalho em articular, no âmbito dos órgãos de governo ao qual pertencem, e junto à sociedade civil, o levantamento e repasse de informações, bem como de viabilizar tomadas de áecisões logisticas necedrias a caracterizar o universo de estudo, penetranâo-o e diagnosticando-o. Além disso, cumpre registrar que sua realização teve como mola propulsora a vontade política e visão social do governo paulista de atender e interpretar o mandamento constitucional, não só como obrigação estatal imposta pela lei, mas principalmente como um ideal da democracia, de proteção aos direitos humanos e respeito às minorias, a ser perseguido permanentemente, o que veio a permitir que o Grupo de Trabalho fosse integrado por representantes de diversos órg%os governamentais e não governamentais, enumerados no box a seguir. Dessa forma, pretendendo contribuir com os debates proficuos que certamente surgirão no seio da sociedade organizada junto aos órgãos & administração pública, para a plena efetiva* dos direitos garantidos pela Constituição Federal aos remanescentes das comunidades de quilombos, colaborando com a busca de soluções para os impasses técnicos e políticos que possam surgir, segue essa versão final dos estudos para os encaminhamentos que se fizerem pertinentes. Quilombos em São Parilo

PARTICIPANTES Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania Instituto de Terras do Estado de São Paulo "JoséGomes da Silva" Secretaria do Meio Ambiente Procumdoria Geml do Estado Secretaria de Governo e Gestão Eshatdgica Secretaria da Cultum Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Arh'stico e Turístico do Estado de São Paulo - Condephaat Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negm do Estado de S. ~aulo' Ordem dos Advogados do Bmsil - Secção São ~aulo~ F'm F'm Estadual de Entidades Negras de São paulo3 Comunidade do Cafindó,pelo Sm. Maria Aparecida Rosa de Aguiar. i

Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo: e um Órgão governamental especifico para a adoção de políticas públicas para a população afio-brasileira do Estado. Criado pelo Decreto no 22.184 de 11/05/1984, e institucional~opela Lei no 5.466, de 24/12/1986, é composto por um colegiado, de caráter deliberativo e consultivo, com 32 membros designados pelo Governador, sendo 22 representantes da sociedade civil e 10 da área social das Secretarias de Estado. Entre as suas abibuições destacamos: formular diretrizes e promover, em todos os níveis da administração direta e indireta, atividades que visem a defesa dos direitos da comunidade negra, a eliminação das dimimimqões que a atingem, bem como a sua plena inserção na vida sócioeconômica e político-cultural; assessorar o Poder Executivo, emitindo pareceres e acompanhando a elaboração e execução de programas de Govemo, nos âmbitos Federal, Estadual e Municipal, em questões relativas à problemática da comunidade negra. Endereço: Rua Antônio Godoy, 122 - 9" andar - CEP 01034-000 - São Paulo - SP Fones: (01 1) 223-8477 e 220-2946 - Fax: (01 1) 223-8688 Subcomissão do Negro, da Comissão de Direitos Humanos, da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção São Paulo. Endereço: Praça da Sé, 385 - CEP 01001-000 - São Paulo - SP - Fone: (01 1) 239-5 122 Fomm Estadual de Entidades Negras de São Paulo: é uma articulação das organizações do movimento negro no Estado de São Paulo. Desde 1989 o Fórum vem realizando reuniões e encontros para debater temas relacionados à questão do negro na sociedade paulista. A coordenação do Fórum 6 composta pelas seguintes organizações: Soweto - Organização Negra; Unep - União de Negros pela Igualdade, da cidade de São Paulo; Movimento Negro Raizes da Afica, de Diadema; Frente Negra da Baixada Santista e Feconezu - Festival Comunitário Negro Zumbi, de Campinas. Entre as suas atividades destacamos a organização, em 91, do I Encontro Nacional de Entidades Negras e, em 1995, do I Congresso Continental dos Povos Negros das Américas. Em jd97, na cidade de Diadema, realizou o Encontro Estadual de Entidades Negras, com a participação de cerca de 200 delegados e delegadas, representando 75 entidades de várias cidades do nosso Estado, eni que constou um painel referente a questão das Comunidades de Quilombos em São Paulo. Endereço: Cx. Postal: 20397 - CEP 04412-990 - São Paulo - SP Fone/Fax - (01 1) 229-3937 Histórico de atuação do G~pode Trabalho Empossado em 14 de maio de 1996. em cerin~ôniano Palácio dos Bandeirantes. presidida pelo governador Mário Covas, com a incumbência de fazer proposições visando garantir plena aplicabilidade aos dispositivos constitucionais que conferem o direito de propriedade aos remanescentes das comunidades de quilombos, ao longo de sete meses o Grupo de Trabalho promoveu vinte e oito reuniões ordinárias nas quais discutiu as formas de objetivação dos dispositivos constitucionais em território paulista, alem de audiência pública e diversas reuniões extraordinárias. por seus subgrupos, fonllados para apresentar estudos preliminares sobre a identificação de comunidades de quilombos. bem como propostas de anteprojeto de lei e minuta de decreto.

Caraterização do objeto do estudo O ponto de partida para a compreensão dos objetivos do Grupo de Trabalho, prende-se a principal ilação conceitual da tarefa em questão com o tema das "comunidades tradicionais" (tais como índios. caiçaras, caboclos, seringueiros e caipiras; suas formas de uso e apropriação do espaço e dos recursos naturais; temtorialidade; organização social e econômica; sistemas de valores de uso e ~imbologia)~,seu reconhecimento pela ordem jurídico institucional vigente e sua inserção nos planos públicos de ordenação e fomento do desenvolvimento regional. Portanto, para realização de tal mister visando compreender, identificar e analisar o objeto de estudo - qual seja, o temtório quilombola - fez-se necessário absorver e equacionar, sob o ponto de vista da síntese interdisciplinar. as diferentes metodologias e recortes de abordagem científicas do tema, pertinentes as ciências da antropologia; do direito; da história; da sociologia; e do meio ambiente "vis a vis" as formas existentes dou projetadas institucionalmente de ocupação e uso do solo e dos recursos naturais, nas regiões nuais onde ocorrem os sítios ocupados pelos remanescentes de comunidades de quilombos, indicando que as diretrizes gerais a serem observadas. para muito além da outorga do direito de propriedade. são: garantir aos quilombolas o respeito a seus direitos fundamentais e sua cidadania; garantir a melhoria da qualidade de vida de sua população segundo seus padrões e valores, a partir do fomento e da proteção das condições básicas a sua reprodução física e cultural, tais como, base territorial, e projetos de desenvolvimento econômico adaptados a sua raiz cultural e à capacidade regional. Pressupostos e procedimentos metodológicos adotados Assim. a partir das diretrizes gerais acima expostas. os trabalhos desenvolvidos pelo Grupo de Trabalho pautaram-se pelos seguintes pressupostos e procedimentos:

A noção referida tambfoi identificada no brilhante trabalho de Siglia Zambotti Dória: O Estado Brasileiro Frente a Diversidade Social Que Reconhece: O Caso da Comunidade Renta~reivcaitede Quilombo do Rio das Rãs.

@tilombos em São Paulo

de natureza le&: garantir o cumprimento do mandamento constitucional, adequando, no âmbito do arcabouço jurídico-institucional vigente no Estado, as diferentes normas jurídicas incidentes. de natureza mlítico institucional: a obriga@o do Estado de provocar a articulação de todos os segmentos, públicos ou privados, com responsabilidades ou interesses específícos na questão, proporcionando um espaço permanente de gestão para solução de problemas sociais e ambientais regionais que busque conferir a máxima proreção e fomento às condições necessárias à reprodução fisica e cultural dos grupos remanescentes. de natureza arnbiental: garantir a preservação dos ecossisternas induzindo um desenvolvimento em bases conservacionistas. de natureza sócio-econômica: garantir a melhoria da qualidade de vida dos quilombolas de acordo com seus padrões e valores, bem como o respeito aos seus direitos fundamentais, identificando alternativas econômicas adequadas aos seus hábitos, usos e costumes, induzindo projetos econômicos e educacionais ein face das possibilidades da regi30 e do mercado. de natureza histórico cultural: garantir o registro, documentação e preservação de áreas, documentos, edificações e atividades que contenham traços, manifestações e características de sua cultura.

Procedimentos adotados Três tipos de procedimentos básicos foram adotados pelo Grupo de Trabalho para a condução dos trabalhos: pesquisas bibliográficas e obtenção de pareceres técnicocientificos; divulgação dos trabalhos e chamamento a participação; pesquisas de campo. O primeiro se deu em fontes históricas, antropológicas, etnográficas e jurídicas com vistas a forma@o de uma visão geral sobre o tema objeto de estudo, e. principalmente, para obter-se subsídios teóricos que permitissem sua abordagem. Problemas especificas foram objeto de consultas e de pareceres técnicoxientííicos de ilustres personalidadedentidades ligadas ao tema, tais como o jurista Walter Ceneviva e o Incra. tendo em vista que esse Ultimo já procedeu a titulação das Comunidades Quilombolas de Boa Vista, Fria e Pacoval, no Estado do F'ará, e vem desenvolvendo trabalhos técnicos para a tituiação da Comunidade Quilombola Rio das Rãs em Bom Jesus da Lapa. no Estado da Bahia. O segundo, visando não só enriquecer os debates e ampliar o conhecimento de seus membros, como também e principalmente, imprimir um caráter aberto e participativo aos trabalhos, promovendo um espaço apto a somatória dos esforços intra, inter e extra governamentais permitiu ao Grupo de Trabalho recolher farta documentação e depoimentos pertinentes ao assunto. Colaboraram com os trabalhos, ilustres conhecedores da questão5. Além disso, foi o Grupo de Trabalho honrado pelas comunicações de diversas 0~~s~;tendo ainda visitado diversas comunidades quilombolas na região Vale do Ribeira e no município de Salto de Pirapora, onde constatou suas diferentes formas de organização. suas carências e suas riquezas culturais. Questões jurídicas específícas relativas a auto- aplicabilidade do dispositivo constitucional, sua abrangência, competência para executá-lo e demais procedimentos legais necessários a titulação foram objeto de consulta e parecer formatado pelo ilustre jurista Walter Ceneviva, bem como objeto de estudos entre o Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" - Itesp e a Procuradoria Geral do Estado - PGE. O terceiro, refere-se As pesquisas de campo que tiveram como pano de fundo três ações desenvohidas por outros órgãos, que tangenciaram o desenvolvimento dos estudos do Grupo de Trabalho, permitindo apropriação dos dados primários e que foram: a abertura de um inquérito civil pelo Ministério Público Federal, através da Portaria no 05, de 06 de maio de 1996, visando adotar e fazer adotar pelos órgãos públicos competentes, todas as medidas cabíveis para a identificaç%o e demarcação física de todas as comunidades remanescentes de quilombos da região do Vale do Ribeira, quer conhecidas, quer as que venham a ser conhecidas, com ênfase para aquelas que se encontram em áreas sobrepostas às Uniáades de Conservação, tal como o Parque Estaciuai Intervales, prevenindo responsabilidades e, especificamente, visando o efetivo respeito As normas constitucionais, onde foi instalado um Grupo de Trabalho composto por antropólogo pertencente ao corpo técnico daquela casa, por técnico requisitado ao Itesp e por historiaáores pertencentes ao quadro do Mtuto do Patrimônio

' S&go Bms Leitão do Instituto Sócioambiental; Ekabeth Kablukow Bonora Peinado, Isabel Cristina Groba Vieira e Deborah Stuch, do Ministério Público Federal; TemSantos, da Assessoria Ahda Secretaria da Cultura; Lúcia Andrade, da Comissão Pró fndio de São Paulo e Carlos Voght da Unicamp, ambos indicados pela Assoc~oBrasileira de Antropologia; Cláudio Maretti, Renato Sales e Katia Pisciotta, da Fundação Florestal; Michael Mary Nolan, do esCnti,rio de advocacia que patrocina a ação da comunidade de Ivaponmduva; Denison de Oliveira, do Inua e José Milton -ia, da Procdria do Patrimônio Imobiiiário da Procuradoria Gerai do Estado. OAB - Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo, Anai - Associaçtio Nacional de Apoio ao Índio da Bahia e o Moab - Movimento dos Am&os por mensdo Vale do Ribeira. Quiiornbos ein São Paulo

Histórico e Arquitetônico Nacional - Iphan - com missão de identificá-las e localizá-las fisicamente. a elaboração de um Plano de Gestão Emergencial do Parque Estadual Intervales pela Fundação Florestal, vinculado a Secretaria do Meio Ambiente, em cujo teor foi desenvolkldo um trabalho de identificação e mapeamento dos temtórios quilombolas que se encontram absonidos ou no entorno dos limites da região de Unidades de Conservação; A existência de uma ação declaratória proposta junto a Justiça Federal pelos advogados Luiz Eduardo Greenhalgh. Michael Mary Nolan e outros, representando a Comunidade Qwlombola Ivaporunduva, que pretende ver judicialmente reconhecidos seus direitos, como remanescentes de quilombos, sobre as terras que ocupam, e que se impõe como um marco referencial no que tange aos conceitos jurídicos e antropológicos adotados ao caso, espelhando, na fase pericial, os critérios para definição da territorialidade quilombola.

Principais conceitos, definições e critérios eleitos pelo grupo de trabalho para dirigir a intervençgo pretendida Crit6rios jundicos A auestão da auto-avlicabilidade do artino 68 do Ato das Disposicões Constitucionais Transitórias. O ceme do direito de propriedade dos remanescentes das comunidades quilombolas tem assento no artigo 68 do ADCT, onde se lê: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado, emitir-lhes os respectivos títulos." Acatando parecer do ilustre jurista Walter Ceneviva, bem como posição da Ordem do Advogados do Brasil, Secção São Paulo, Subcomissão do Negro, da Comissão de Direitos Humanos, em seminário sobre o tema, realizado em novembro de 1994 e posição de associações civis interessadas, tais como a Soweto - Organização Negra, Unegro - União de Negros pela Igualdade, e Comissão Pr6-Índio de S2o Paulo - CPVSP -, o Grupo de Trabalho reconhece a auto-aplicabilidade do dispositivo constitucional, o que vale dizer que o reconhecimento do direito de propriedade independe de lei posterior que regulamente a previsão feita pela norma constitucional. Trata-se de norma transitória, posto ter sido idealizada como de aplicação imediata, como resulta da locução "é reconhecida". Esse entendimento está contxhbnciado, por exemplo, não só na ação ordinária, impetrada em 1993 pelo Ministério Público Feúeral contra a Unitlo Federal, para que essa adotasse as medidas tendentes a delimitar e demarcar a área ocupada pela Comunidade Remanescente de Quilombo Rio das Rãs, no Estado da Bahia. como também na ação ordinária proposta pelos advogados Luiz Eduardo Greenhalgh e Michael Mary Nolan e outros requerendo a titulação da área ocupada pela Comunidade Remanescente de Quilombo Ivaporunduva, no Município de Eldorado - Vale do Ribeira, Estado de São Paulo. Ressalta, neste sentido, e como marco jurídico institucional que cravou definitivamente tal entendimento, a titulação, levada a cabo pelo Incra, da comunidade quilombola de Boa Vista no Município de Onximiná no Estado do Pará. Desse modo, deve-se compreender que os projetos de lei 129195, de autoria da senadora Benedita da Silva e 627-Al95, de autoria do deputado Alcides Modesto e outros, ora em trâmite no Congresso Nacional, têm o condão de contribuir para o aperfeiçoamento e detaihamento dos procedimentos administrativos de regularizaçãoltitulação, mas não de conferir aplicabilidade ao dispositivo constitucional. Deve-se observar, porém, que, muito embora se reconheça a auto-aplicabilidade do dispositivo constitucional, esta não pode ser entendida como de concreção imediata em face da necessidade de desapropriar áreas particulares dou legitimar as posses existentes em terras devolutas quer federais, quer estaduais, "vis a visn a necessidade de pautar o pmsso jurídico institucional de identificação dos benefíciários e dos temtórios a serem titulados e demardos, sob a ótica dos estudos antropológicos que denotam graves conflitos entre as normas costumeiras de ocupação territorial de caáa grupo social abrangido sob o conceito de quilombola, e o ordenamento jurídico vigente. "De fato, o Estado brasileiro ao longo de toda sua história de formação, nunca se mostrou capaz de aceitar regras de um direito consuetudinário ditadas por populações diferenciadas. A legislação agrária do país, desde sua formação e especialmente após a Lei no 601 de 1850, reconhece a posse da terra como mercadoria, atribuindo-lhe signijcados pertinentes a uma estratégia de dominação, ao reconhecer o domínio e propriedade a poucos privilegiados e obstá-10 a índios, mestiços, escravos e colonos de baixa renda (grande maioria da populaçdo), de forma implícita nas caras obrigações exigíveis em seus artigos como pré-requisitos aos direitos sobre uma gleba de terra" (Pressburguer. T.M. "Ahistória da propriedade no Brasil" série "Socializando Conhecimentos" AJUP - RJ - 1981.) Deve-se lembrar, portanto, que o assunto não é novo, mas acena de forma pioneira para uma necessária mudança na legislação, sendo certo que inúmeros juristas, sociólogos e antropólogos ao criticarem os procedimentos estaduais de intervenção agrária e instrumentos da legislação nos projetos de colonização e assentamentos Quiiombos em São Paulo

têm reiteradamente chamado a atenção do poder público para as "d3rentesformas de apropriação e utilização da terra e dos recursos naturais que não são as ojcialmente reconhecidas e instituídas, e que compõem -formas - territórios - espaços - absolutamente diferentes daquelas imaginadas pelo ordenamento legal" (Almeida. A.B.W. "Estrutura Agrária Brasileira"- 1989). A necessidade de reconhecer e reguiarizar a posse e a permanência nessas áreas das populações remanescentes das comunidades de quilombos, bem como & outras "comunidades tradicionais" permitindo-se a utilização do solo e dos recutsos naturais em geral, de forma ecologicamente equilibrada, por interesse histórico, cultural, científico, púólico, econômico, e p0rjUSti~asocial, impõe-se com urgência. Conforme sugere o jurista, Luís Edson Fachin em seu artigo "Modaliáaâes Jurídicas de Onipqão de Terra nos Assentamentos & Reforma ma'¶-Revista de Direito Agrário e Meio Ambiente - PR, 1987, áreas com diferentes usos, criadas e recriadas sazonalmente pelas popuiações quilombolas, tais como, mangues, cocoais, seringais, castanhais, ipapés, fundos de pasto, várzeas, terrenos de marinha e florestas, em função das atividades econômico-produtivas e dos sistemas de apropriação peculiares de cada grupo social, preexistem aos espaços que a legislação quer impor, e são resultados de anos de adaptação do grupo a região, estando a merecer extrema cautela antropológica, jurídica e ecológica ignorada normalmente pelas intervenções governamentais no meio agrário e até mesmo pela legislação agrária em vigor, requerendo com urgência novas práticas e revisão do ordenamento legaí a elas pertinente, sendo essa uma das mod.ifíca@ks fundamentais por que &ve passar a legislação atual. Com efeito, o cadastro rural previsto pelo Incra ou mesmo o cadastro de terras do patrimônio imobiliário estadual usado para a legitimaçáo & posse e para embasar as ações discriminatórias são incapazes de detectar apropriações comunais extensas que compõem temtórios tradicionais. São incapezes de traduzir em mapeamento as diretrizes sociais que definem signincados e ativida&s diferenciadas aos distintos espaços naturais, exprimindo as necessidades produtivas e repdutivas do grupo, bem como a capacidade de suporte do meio às exigências da comunidade. Nestas áreas, para definir-se um temt6ri0, faz-se necessário um diagnóstico sócio- ambienta1 de caráter multidisciplinar. Além disso, percebeu o Grupo de Trabalho que t extremamente £alho definir o sistema de apropriação da terra por parte de um grupo tradicional como comdou individua). Existem formas de divisão do trabalho, infobpela antropologia, bem como dos espaços onde esses trabalhos se realizam, que ora poderiam ser exprimidos como de apropriação áe uma só pessoa ou de uma só famííia e em outra, de todo o gnipo social, sugerindo o Wtuto do condomínio tal e qual configurado em nossa legislação como o mais próximo das situa- obsendas, e fazendo perceber que só mesmo um laudo antropológico para cada uma das comunidades pocíerá espelhar as ctiferentes realidades existentes entre os próprios quilombolas.

Quilombos em São Paulo

Critérios antropológicos Identificacão das comunidades beneficiárias . Conceito de quilombo Para as comunidades beneficiárias serem consideradas remanescentes de quilombos, não é preciso que elas tenham sido constituídas por escravos fugidos. "O conceito de quilombo mudou. Joel Rufino dos Santos, presidente da Fundação Cultural Palmares, define quilombo como um modelo de sociedade alternativa a sociedade colonial escravista e adota uma definição da Associação Brasileira de Antropologia - ABA: "Toda comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da culttrra de subsistência e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o passado." O termo remanescente de quilombo, conforme deliberado pela ABA, em encontro realizado nos dias 17/18 de outubro de 1994, no Rio de Janeiro, embora tenha um conteúdo histórico, designa: ". ..hoje a situação presente dos segmentos negros ent diferentes regiões e contextos e é utilizado para designar um legado, uma herança cultural e material que lhe confere uma referência presencia1 no sentimento de ser e pertencer a um lugar e a um grupo especíjico." (Garcia, José Milton - PPVSP)" Conforme ensina o professor João Pacheco de Oliveira. es-presidente da ABA: "Contemporaneamente,portanto, o termo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológjcos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados mas, sobretudo, consisten~em grupos que desenvol~~eram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar. .4 identidade desses ppos não se dejine pelo tamanho e numero de seus membros, mas pela experiência vivida e as versões compartilhadas de sua trajetória coniuni e da continuidade enquanto grupo. Trata-se, portanto, de unia referência histórica comum, construida a partir de vivências e valores partilhados. Neste sentido, constituem grupos étnicos conceitualmente defnidos pela antropologia como um tipo organizacional que confere pertencin~entoatravés de normas e meios entpregados para indicar ajliação ou exclusão." (Barth, Fredrik - 1969: (ed.) Ethnic Groups and Boundaries, UniversitetsForlaget, Oslo). "No que diz respeito a territorialidade desses grupos, a ocupação da terra não é feita em termos de lotes individuais, predominando seu uso comum. A utilização dessas áreas obedece a sazonalidade das atividades sejam agrícolas, extrativistas e outras, caracterizando diferentesformas de uso e ocupação do espaço que tomam por base laços de parentesco e vizinhança, assentados em relações de solidariedade e reciprocidade. " A par destas definições cumpre apontar que o mais eficaz instrumento considerado pela antropologia como apto a caracterização dos beneficiários, é a auto- identificação do grupo/indivíduo na condição de qquilmbola. "Na concepção antropológica, as comunidades remanescentes de quilombos constituem grupos étnicos, e assim sendo, a auto- identijcação é o elemento dejnidor essencial desta condição" (Comissão pró-índio - SP/maio de 1996). rlNormatização do Processo de Regularização Fundiária das Terras de Comunidades Remanescentes de Quilombos" (Revista Teoria e Debate - no prelo). Esse procedimento encontra respaldo nas técnicas metodológicas adotadas pela ciência da antropologia que trata o depoimento oral com o mesmo valor dos documentos históricos, da tradição e dos registros bibliográficos e demais formas de comprovação idôneas. Há de se ressaltar, porém, que a demonstração da condição quilombola de uma comunidade a ser informada por um pertinente laudo antropológico, ainda que amparado por diferentes documentos, terá como base fundamental a caracterização da identidade do grupo a partir do ponto de vista & seus integrantes. Conceito de território "Na produção acadêmica recente sobre a identidade de negros com condições de vida rural, em inúmeros autores, as representações sobre etnia e identidade estão articuladas ff questão fundamental da territorialidade. Esta subsistiria também como uma categoria cognitiva na cultura, operacionalizando na prática o processo de identijcação do direito dos diversos sujeitos ao território." (Dória, Siglia Zambrotti - op. cit.). Esse entendimento coloca a questão da temtorialidade dos grupos tradicionais, entre eles os quilombolas, como fator fundamental de construção da própria identidade do grupo. fazendo ver que sua trajetória & vida em face a sua adaptabilidade ao meio circundante e as formas de apropriação dos espaços, ditadas pelas oportunidades econômicas e de subsistência encontradas nos diferentes Quiiomòos em São Paulo ecossistemas e pelos seus usos, hábitos e costumes, moldam de forma particular e Única tais espaços. Isto quer dizer que o temtório, em todo seu perímetro, necessário reprodução física e cultural de cada grupo étnioo/tra&cional, s6 pode ser dimensionado a luz da interpretacão antropológica e, em faoe da capacidade suporte do meio ambiente circundante, tendo em vista a necessidade de garantir a melhoria de qualidade de vida de seus habitantes, atravds da implementaçáo de projetos econômicos adequados, conservando-se os recursos naturais para as gerações vindouras. Desse modo, pode-se afirmar que o critério & efetiva ocupa@o eleito pelo Grupo de Trabalho, como básico, deve aglutinar, em sua concepção, de forma ampla, não só os espaços de moradia ou de prociução aghIa/extrativista, mas também todos aqueles que se referem a recreação, a mitos/simbologia e As áreas necessárias a perambuiação entre as famílias do grupo e ao estoque dos recursos naturais.

Situaçües já identificadas Tendo oficiado a todas as Prefeituras e Câmaras Municipais do Estado de São Paulo, bem como levantado acervo já existente sobre o tema junto aos órgiios de Governo e entidades civis, obteve o Grupo de Trabalho informaç3es da existência das seguintes comunidades:

Cafundo - Município de Salto de Pirapora; Pilões, Maria Rosa, Praia Grande, Maria ClBudia, Bombas, João Surrá - Munic. de Iporanga; Poça, Bananal Pequeno, Aòoboral, Pedro Cubas, Sapatu, André Lopes, Nhunguara, Ivapomduva, São Pedro e Galvão - Município da Estância Turística de Eldorado; MOITOSeco - Município de Juquiá; Mandira - Município de Cananéiti, Cangume - Município de Itah; Biguá Preto - Município de Miracatu Aldeia de Jaó - Município de Itapeva.

Deve-se registrar, ainda, que o Grupo de Trabalho recebeu listagem feita pelo etnólogo Guilherme dos Santos Barúosa e completada pela Equipe de Articulação das Comunidades Negras da Diocese do Vale do Ribeira, que ratifica a existência das comunidades acima descritas elencando outras que por sua vez deverão ser objeto de estudos futuros. Sd, o ponto de vista da questão fundiária, algumas áreas já foram diagnosticadas com base em informações solicitadas pelo Grupo de Trabaiho ao Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" - Itesp, através de seu Departamento de Regularmçiio Fundiaria - DRF, podendo-se aiirmar que abrangem toda sorte de situa@es de natureza quanto a posse e domínio, inclusive sobrepostas por Unidades de Conse~o. Comunidade São Pedm Localização: Municípios da Estância Turística de Eldorado e de Iporanga Área reivindicada uela comunidade: 3.442,49 ha, incidentes em parte dos perímetros 12" de Eldorado Paulista, 14' de Eldorado Paulista e 30' de Apiaí. Situacão Fundiária: 12" Perímetro de Eldorado Paulista, julgado totalmente devoluto, demarcado e incorporado ao patrimônio público. Legitima@o de posses: foram consiatadas a época do levantamento de campo 09 ocupações (05 pertencentes a comuni&& quilombola) sem titulação. 14" Perímetro & Eldorado Paulista, julgado parcialmente &voluto, demarcado e incorporado ao patrimô~opúblico. Legitimação de posses: foram expedidas 08 permissões de uso individuais pela PGE' a membros & comunidade, a época dos trabalhos de levantamento de campo. Parte & área reivindicada pela comunidade está em terras julgadas particulares, onde há conflito com os proprietários. 30" Perímetro & Apiaí, julgado parcialmente devoluto e demarcado. Legitimação & posses: foram constatadas à época do levantamento de campo 42 ocu~que não obtiveram titulação. Existem litígios entre os ocupantes. Situacão Ambiental: A área reivindicada pela comunidade quilombola está totalmente inseri& na APA - Área de Proteção Ambienta1 da Serra do Mar, sendo que parte da mesma encontra-se em Zona Vida Silve. Na área reivindicada, incidente no 12" Perímetro de Eldorado Paulista, há sobreposição com o Parque Estadd Intervaies.

' Cumpre consignar que o artigo 2" do Decreto Estaduai 28.347, de 22 de abril de 1988, dispõe que não será deferida a legitimação de posse de ocupantes de terras na Zona de Vida Silvestre. Esse t o motivo pelo qual os membm da Comunidade São Pedro não receberam tituios dominiais e sim permissões de uso. Auida, segundo o artigo 225, parcigrafo 5O, da Constituição Federal, e artigo 203 da Constituição Estadual, são indisponíveis as tem devolutas necessárias a prot@io de ecosistemas naturais ou inseridas em unidades de preservação. Essa situação não t especffica a Comunidade São Pedro e verifica-se tamk nas demais comunidades jB pré-identificadas por outros órgãos de governo, revelando, conforme pode-se notar pela descrição da situação fundiária das kas acima referidas, uma série de problemas, de ordem jurídica institucional, que se opõem a pretendida titulação das comunidades remanescentes de quilomóos existentes em território paulista, com ênfase para o arcaboup legal que disciplina o ordenamento fundiário do Estado e para os cditos com a legisla@o ambiental. Quilombos em São Paulo

Comunidade Nhunguara Localização: Municípios da Estância Turística de Eldorado e Iporanga. Área reivindicada uela comunidade: Em fase de levantamento de campo, incidente em parte do 55' Perímetro de Apiaí. Situação Fundiária: O 55" Perímetro de Apiaí foi julgado devoluto. A demarcação proposta em juízo antes de ser executada foi impugnada por recurso. Há trabalho de campo em andamento. Situacão Ambiental: A área reivindicada pela comunidade está inserida na APA - Área de Proteqão Ambiental da Serra do Mar. Observações: A área reivindicada pela comunidade está sujeita às interferências do projeto de barragem da Usina Hidroelétrica de Batatal, projetado pela Cesp.

Comunidade Praia Grande Localização: Município de Iporanga. Área reivindicada uela comunidade: 1.222,32 ha incidentes em parte dos perímetros 24O e 40" de Apiaí. Situação Fundiária: 24" Perímetro de Apiaí: julgado totalmente devoluto e demarcado. Legitimação de posses: Toda a área foi objeto de titulação, sendo os títulos expedidos entre 1969 e 1981. A área reivindicada pela comunidade quilombola (%1,10 ha neste perímetro), foi portanto objeto de titulação o que confere a mesma o caráter parti~ular.~ 40' Perímetro de Apiaí: julgado parcialmente devoluto e demarcado. Legitimação de posses: Não houve procedimento de legitimação de posse. A área reivindicada pela comunidade quilombola (26 1,32 ha neste perímetro) está na porção julgada devoluta. Situação Ambiental: A área reivindicada pela comunidade está totalmente inserida na APA - Área de Proteção Ambiental da Serra do Mar. Observ-: A área reivindicada pela comunidade está sujeita às interferências do projeto de barragem da Usina Hidroelétrica do Funil, projetado pela Cesp.

Em tese, caso os títulos de domínio outorgados não tenham sido levados a registro poderá o Estado revogá-los para posterior titulação a comunidade quilombola.

5 1 Comunidade Ivaporunduva É a comunidade mais conhecida no Vale do Ribeira; tendo sido objeto de reportagens no jornal "O São Paulo", e de dissertação de mestrado no Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - FFLCWUSP - com titulo "Caipiras Negros no Vale do Ribeira: um Estudo de Antropologia Econômica", apresentada por Renato da Silva Queiroz, em 1983. A igreja local (N.S. do Rosário) é de 1791 e está tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo - Condephaat. A comunidade propôs ação ordinária declaratória contra a União Federal, Fazenda do Estado de São Paulo e Alagoinha Empreendimentos S/A., perante a 2' Vara da Justiça Federal, intentando ver reconhecidos os seus direitos de propriedade referidos no Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Localização: Município da Estância Turística de Eldorado. Área reivindicada pela comunidade: 3.158,ll ha incidentes em partes dos perímetros 10°, 12O, 13' e 14' de Eldorado Paulista. Situação Fundiária: 10' Perímetro de Eldorado Paulista: julgado totalmente devoluto, demarcado e incorporado ao patrimônio público. Legitimação de posses: Foi iniciado o procedimento de legitimação de posses, encontrando-se paralisado em função de litígios entre os ocupantes. O levantamento de campo, a época, constatou 10 ocupações (01 referente a comunidade). A área reivindicada pela comunidade neste perímetro é de 276 ha. 12" Perímetro de Eldorado Paulista: julgado totalmente devoluto, demarcado e incorporado ao patrimônio público.. Legitimação de posses: Foram constatadas a época do levantamento de campo, 09 ocupações que não obtiveram titulação. A área reivindicada pela comunidade quilombola neste perímetro é de 263,50 ha. 13" Perímetro de Eldorado Paulista: julgado parcialmente devoluto e demarcado. A área reivindicada pela comunidade quilombola neste perímetro é de 1.801,20 ha incidente na porção julgada de domínio particular. 14" Perímetro de Eldorado Paulista: julgacio parcialmente devoluto, demarcado e incorporado ao patrimônio público. A área reivindicada pela comunidade quilombola neste perímetro é de 301,63 ha, sendo 169,80 ha em terras julgadas de domínio particular e 181,83 ha em terras julgadas devolutas. Legitimação de posses: Na porção devoluta deste perímetro foram expedidas 09 permissões de uso individuais para membros da comunidade.

Quilombos em MoPaulo

Situacão Ambiental: A área reivindicada pela comunidade quilombola está totalmente inserida em Zona de Vida Silvestre da APA - Área de Prot-o Ambienta1 da Serra do Mar. Na área reivindicada, as poq&s referentes ao 10" (totalmente) e 12" @arcialmente)perímetros de Eldorado Paulista, sobrepõem-se ao Parque Estadual Intemales. Observaç5es: A área reivindicada pela comunidade está parcialmente sujeita ias interferências do projeto de barragem da Usina Hidroelétrica de Batatal, elaborado pela Cesp.

Comunidade Maria Rosa Wizacão: Município de Iporanga. Área reivindicada uela comunidade: 3.912,38 ha incidentes em partes dos perímetros 19", 28" e 35" de Apiaí. Situado Fundiária: 19" Perímetro de Apiaí: julgado parcialmente devoluto. A área reivindicada pela comunidade quilombola, referente a 1.770,32 ha, é exatamente a porção que foi julgada devoluta. Legitimação de posses: A época do levantamento de campo, foram constataáas 19 ocupações, porém, só foram expecüdas 04 permissões de uso individuais a membros da comunidade. 28" Perímetro de Apiaí: julgado totalmente devoluto e demarcado. Legitimação de posses: Houve a outorga de 02 títulos de domínio ináividuais para membros da comunidade, na área reivindicada pela mesma. 35" Perímetro de Apiaí: julgado totalmente devoluto e demarcado. Legitimação de posses: Houve piocedimento de legitimação & posses, levado a cabo em 1988, tendo sido comtakdas 13 ocupaç&s, sendo que 08 referem-se a membros da comunidade e ex.pedida 01 permissão de uso individual para membro da comunidade quilombola. Situado Ambiental: A área reivindicada pela comunidade está totalmente inserida MAPA-Áreade~roteção~mbientaldaSerrado~ar. Partedaárease sobrepõe ao Parque Estadual Intervales.

Comunidade Pilões Localização: Município de Iporanga. Área reivindicada uela comunidade: 8.180,88 ha incidentes em partes dos perímetros 28", 3 1" e 35" de Apiai. SituaMo Fundiária: 28" Perímetro de Apiaí: julgado totalmente devoluto e demarcado. Legitimação de posses: Houve procedimento de legitimação de posses, tendo sido expedidos 08 títulos de domínio na parte reivindicada pela comunidade. Destes 08 títulos outorgados individualmente, 07 foram a membros da comunidade e 0 1 a não integrante da mesma. 3 1" Perímetro de Apiaí: julgado parcialmente devoluto e demarcado. Legitimação de posses: Não houve aplicação de cadastro fundiário e conseqüentemente não houve procedimento de legitimação de posses. A área ocupada pela comunidade quilombola abrange integralmente a porção julgada particular (2%,31 ha), e estende-se em sua maior parte na porção de terras julgadas devolutas. 35" Perímetro de Apiaí: julgado totalmente devoluto e demarcado. Legitimação de posses: A área reivindicada pela comunidade quilombola confronta com a porção de terras devolutas reivináicadas pela comunidade Maria Rosa. Nesta porção do perímetro foram constatadas a época do levantamento de campo, 19 ocupações tendo sido expedidos 03 títulos de domínio e 02 permissões de uso individuais a membros da comunidade. Situacão Ambiental: A área reivindicada pela comunidade está totalmente inserida em Zona de Vi& Silvestre da APA - Área de Proteção Ambiental da Serra do Mar, sendo que 2.529,40 ha estão sobrepostos ao Parque Estadual Intervales.

Comunidade Sapatu Localização: Município da Estância Turística de Eldorado. Área reivindicada pela comunidade: Em fase de levantamento de campo, incidente em parte dos perímetros 2" e 27" de Eldorado Paulista. Situação Fundiária: 2" Perímetro de Eldorado Paulista: julgado parcialmente devoluto, demarcado e incorporado ao patrimônio público. Legitimação de posses: A área reivindicada pela comunidade quilombola se estende tanto na porção devoluta quanto na particular. Houve procedimento de legitimação de posses tendo sido expedidos 08 títulos de domínio e 17 permissões de uso individuais a membros da comunidade. 27" Perímetro de Eldorado Paulista: está em curso a ação discriminatória. Quilombos em São Paulo

Situação Ambiental: A área reivindicada pela comunidade está totalmente insexida na APA - Área de Proteção Ambienta1 da Serra do Mar e parte sobrepõe-se ao Parque Estadual Jacupiranga.

Comunidade Cafundb É a comunidade mais famosa por ter elaborado uma língua própria (a "cupópia" ou "falange") com paiavras de origem afiicma, sendo também estudada por professores universitários. Localização: Município de Salto de Pirapora. Área reivindicada bela comunidade: A comunidade quilombola reivindica área maior (80 alqueires) do que aquela que efetivamente já lhe pertence (7,75 alqueires) por força de sentença prolatada em ação de usucapião. Situacão Fundiária: Pende ação judicial movida pela comunidade através da Procuradoria de Assistência Judiciária da Procuradoria Geral do Estado para conquista da área maior. Observações: A área já efetivamente conquistada pela comunidade quilombola foi tombada pelo Condephaat.

Propostas Lançadas as bases para compreensão e dimensionamento do problema, tendo eleito critérios essenciais para condução dos futuros trabalhos necessários a missão imposta pelos dispositivos constitucionais, entendeu o Grupo de Trabalho oportuno providenciar e propor o que se segue: Outorga de uermissões de uso. em áreas Miblicas estaduais aos remanescentes da comunidades de dlombos, conio medida preliminar e intermediária, no sentido da regularização jurídica da situação de fato, nos termos do artigo 68 do ADCT da Constituição Federal. Tal proposta depende de parecer jurídico, solicitado pelo Grupo de Trabalho a Procuradoria Geral do Estado. A outorga de permissões de uso dependerá da aceitação prévia de cada comunidade beneficiária. Aceitacão das ocu~çõesdas comunidades auilombolas e revisão dos limites das Unidades de Conservação, quando necessário for, bem como implementação de planos de manejo sustentado e assessoria para produção econômica em bases conservacionistas. Alteração da legislacão fúndiária - em razão das limitações legais impostas a tituiação de propriedades maiores que 100 ha (Lei 4925185, artigo 11) bem como a limitação de titulação as pessoas jurídicas, (Lei 3962157, artigo 2", inciso 11) entendeu o Grupo de Trabalho importante propor medidas capazes de superar tais obstáculos legais. vislumbrando a oportunidade de se expedir títulos às organkziç3es representativas das comunidaâes remanescentes de quilombos. e por conseguinte, em áreas superiores a 100 ha. Com tal propósito, apresentou minuta de anteprojeto de lei9, que após análise e aprovação da Assessoria Técnico-Legislauva, foi aprovada pela Assembléia Legislativa do Estado e promulgada pelo Sr. Governador. Promma de desenvolvimento skioeconômico ambienta1 e cultural, instituindo Grupo Gestor Interinstitucional - entenderam os membros do Grupo de ~rabalhooportuno apresentar sugestão de criação do programa em ep&rafe, tendo em vista a complexidade e volume & trabalhos necessários a compatibilização das diversas políticas setoriais, visando levar a efeito, não só o cumprimento do dispositivo constitucional, como também de melhoria da qualidade de vida das popula@edcomunidades remanescentes de qudombos. Tal programa foi criado por demeto'' do Sr. Governador, conforme minuta apresentada, envolvendo os mais diversos órgãos governamentais, bem como entidades não-governamentais afetas a questão, prevendo parcerias com o Governo Federal, Prefeituras e demais segmentos da sociedade civil, que possam colaborar neste mister de resgate e defesa da cidadania viabilizando as políticas fundiária, ambiental, culturai e social desenvolvidas pelo governo estadual.

Audiência Pública As propostas elencadas no item anterior foram objeto de ampla discussão em audiência pública realizada no Centro Comunitário da Estância Turística de Eldorado, no dia 30 de novembro de 1996, que contou com a presença dos membros do Grupo de Trabalho, do Excelentíssimo Senhor Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania, autoridades convidadas, lideranças e popuiação quilombola, resultando no aperfeiçoamento e incorporação de sugestões ali apresentadas.

Lei no 9757, de 15/09/97, publicada no D.O.E. de 16/09/1997.

'O Decreto no 41.774, de 13/05/97, publicado no D.0.E de 14/05/1997 Qrtilornbos em São Paulo

Glossário de termos do relatório técnico

Acão Demarcatória - É o pmcedmento -Posse - É a detenção fisica ou material de judicial posterior ao reconhecimento da uma sorte de terras. existência de taras devolutas (sentença da Ação Diet6ria) pelo qual se Pmxdimento de Legitimacão - E o separam fisicamente as terras parhculares proccxlunento administmtivo para a das terras públicas. legitimação das posses existentes em terras devolutas. Acão Discriminatória - É o procedimento judicial pelo qual o Estado requer ao Remiiarimcão Fundiária - É a adoção, poder judiciário a apuração da existência pelo poder público, de medidas de tem devolutas em determinada árra administrativas dou judiciais, visando a previamente indicada (perímetro). legalização de terra? com situação possessória, dominial ou danarcatóna A& A& - Mesmo que uma porção, parcela, indefinidas. pedaço da superficie terrestre. Terras Devolutas - São as taras julgadas Área incomrada - I? a área já considerada como tal em Ação Discriminatória por pelo Estado como eietivo patrimôruo ausêiicia de títulos de domúiio sobre as piiblico. mesmas ou em função de os títulos apresentados MO terem origem legal. Direito Consuetudinário - É o conjunto de regas que se estabeleceu pelo costume ou Terras Particulares (privadas) - São terras pela badição. que pertencem iis pessoas fisicas ou as pessoas juridicas não governamentais. Donúnio - E o direito de propriedade que se tem sobre bens imóveis. Terras Públicas - São as terras que pertencem ao Estado (União, Estados Legitimacão de Posses É o procedimento - membros e Municípios) e estão administrativo pelo qual o Estado incorporadas ao seu patrirnanio com transfere a propriedade da terra julgada destimção certa. devoluta para o posseiro que a ocupa. Território - É uma extensão de tm Perímetro É uma detemida porção de - ocupadas por detenninada nação ou terras, escoihida de acordo coni o cla comunidade que compõe e tambaii reflete interesse Administração Pública, cuja sua própria identidade étnica e cultural. área é submetida a apreciação judicial para se apurar a existência de terras Titulacão da Terra - É o procedimento devolutas. pelo qual o Estado expede o Titulo de Domínio ao posseiro. Permissão de Uso - E o documento pelo qual o Estado autoriza o posseiro a ocupar Título de Domínio - É o doc~unentopelo a terra publica, mas não lhe transfie a qual o Estado transfere a propriedade da propriedade. terra ao particular (posseiro). Composição do Grupo De ~rabalho': Benedito Anstides Riciluca Matielo - Coordenador Secretana da Justiça e da Defesa da Cidadania Arlindo Gomes Miranda - Membro Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" Sandra Maria Guanaes Soares - Membro Secretaria do Meio Ambiente Luciano de Souza Godoy - Membro Procuradoria Geral do Estado Hélio Rodrigues Lima - Membro Secretaria de Goveriio e Gestão Estratdgica Walter Roberto Siqueira Lazzarini - Membro Secretaria da Cultura Valquiria Abdo Ganeu - Menibro Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo - Condephaat Jod Roberto Militão - Meinbro Conselho de Participam e Deseiivolviinento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo Maria da Penha Santos Lopes Guimarães - Membro Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo. Subcomissão do Negro. da Comissão de Direitos Humanos Siiivaldo José Firnio - Membro Fórum Estadual de Entidades Negras de São Paulo Mário Gobbi Fiiho - Secretário Executivo João Roberto Cilento Wiiither - Relator

' Resolqão SGGE, de 24 de abril de 1996 e Resolução SJDC, de 02 de maio de 1996

60 Os Pressupostos Jurídicos para Regularização Fundiária das Áreas Remanescentes de Comunidades de Quilombos

". .. na análise da questão das terras de pilom bos, há dois problentas a enfr.entar: a transmmissíi da posse e cr'a propriedade da círecr em questão do particzdar para o Poder Pzíblico e, ayós, a íransmissão destas do Poder Público

para a Corn~uaidadeinteressada. "

Luciano de Souza Godoy Os Pressupostos Jurídicos para Regularização Fundiária das Áreas Remanescentes de Comunidades de ~uilombos'

Ninguém contradi-La idéia predominante de que o Poder Público somente pode agir na esfera da estrita legalidade, pódendo o governante, ou até qualquer servidor público, ser responsabilizado se cometer um ato ilegal. Todavia os limites da legalidade podem ser discutidos, e não raro. existem divergências quanto a aspectos de interpretaçiio das leis. E isso pode ser e.uplicado pelo caráter dialético do Direito. componente intrínseco da caracterização desse conio parte das ciências hunianas. Muito embora, vánas vezes, a discussão quanto a aplicação de determinado instituto jurídico existe pela divergência quanto à valoração (privilegialido certas posições em detrimento de outras) de situações fáticas dada pelos operadores da norma. Isto é cientifícamente aceitável. levando-se em conta inclusive a notória teoria tridimensional do Direito (fato. valor e norma). de autoria do professor Miguel Reale. Este intróito é necessário para fixar algumas premissas em relação ao breve texto que me propus a escrever sobre o assunto. Como membro do Gnipo de Trabalho instituído pelo Decreto Estadual n. 40.723196, fui designado pelo Procurador-Geral do Estado para representar nossa Instituição. Participei do Grupo não como um conhecedor da questão dos quilombos, mas como representante de uma das instituições do Estado, responsável pela guarda da Constituição e das leis.

' Trabalho elaborado em julho de 1997. Na sua missão constitucional. a Procuradoria Geral do Estado fixa limites e estabelece parâmetros à atuação do Estado, tendo em vista as disposições legais. O meu papel no Grupo de Trabalho se pautou por esse prisma, uma vez que questões jurídicas foram debatidas, e as posições & Instituição foram destacadas. Quero fiisar que certa posição jurídica, sendo o meu próprio, ou de outros integrantes da instituição, sempre foi exposta como uma posição da Procuradoria Geral do Estado. Foram determinados assim parâmetros com, evidentemente, plena observância da legalidade, com os quais o relatório final do Grupo de Trabalho é coerente. Proponho-me, nesse texto, a passar, em breves linhas, algumas idéias que determinaram certas posturas, em relação a aplicação da Constituição e de outras leis, as quais foram adotadas no relatório final do Grupo de Trabalho. Essas posições foram explanadas e discutidas pelos seus integrantes, sendo que todos aqueles com formação jurídica contribuíram decisivamente para se estabelecer um consenso quanto a esses parâmetros jurídicos, sempre tendo em mente o estrito cumprimento da lei e a efetivação do direito determinado na Constituição Federal. A participação dos membros do Instituto de Terras do Estado, particularmente Benedito Aristides Riciluca Matielo, que tem larga experiência no ramo, foi fundamental para que o relatório fosse concluído com sucesso. Primeiramente, tem-se como tormentosa a questão da competência para a reguiarizacão fwidiária das áreas remanescentes de comunidades de quilombos. O artigo 68 do ADCT (Ato das Disposigões Constitucionais Transitórias) atribui essa competência ao Estado, entende-se aqui o Estado brasileiro (União, Estados- membros e Municípios). Todos os entes & federação devem se dedicar a esta questão. Muito bem explicitada está esse ponto no relatório do Grupo de Trabalho. Para as áreas reconhecidas como particulares, e pretendidas por algum remanescente de comunidade, adotou-se a postura que essa competência sexia da União Federal, a qual tem os instrumentos jurídicos necessários, atinentes a Política Agrária, para agir de modo mais eficaz. Poderia ser utilizada a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, promovida pelo Incra, como disposto no artigo 184 da Constituição Federal, na Lei Complementar no 76193 e na Lei Federal no 8629193. Aliás, esse instrumento já foi utilizado para esse fim, conforme relato do il- Pmumdor-Geral do Incra, em caso no Estado da Bahia. Se os requisitos legais previstos para esse tipo de desapropriação não estiverem presentes, pode ser utilizada a desapropriação por interesse social, disposta no artigo 5: inciso XXIV, & Constituição Federal, e reguiamentada pela Lei Federal no 4.132162, com indenização prévia, justa e em dinheiro. Aqui o Estado e o Município, se tiverem interesse, poderão atuar supletivamente, realizando a desapropriação de terras particulares para atender o disposto no artigo 68 do ADCT. Somente com a desapropriação direta, na hipótese da área pretendida ser de domínio particular, pode-se alcançar, desde o primeiro momento, a posse pacífica Quilombos em São Paulo

da área pleiteada pela comunidade quilombola. O Poder Público tem a faculdade de exercer suas prerrogativas legais dentro do processo de desapropriação, e, a partir do momento que se toma possuidor, pode transferir esta posse à comunidade. E esta terá os meios legais para defendê-la. A desapropriação constitui a Única forma legal e legítima, pelas disposições da Constituição Federal, para o Poder Público desapossar e expropriar um particular dos imóveis que o ordenamento jurídico lhe reconhecem a propriedade. Não existe, na questão da titulação das áreas de quiiombos, a possibilidade de apossamento administrativo, ou desapropriação indireta, na qual o particular, que foi obrigado a sair & área que ocupava, poderia cobrar uma indenização da União. Não é possível porque não há nenhuma determinação legal que obrigue o particular a desocupar a área. Não haveria meio, dessa forma, de se dar a posse a comunidade quilombola sem a desapropriação direta. A ocupação forçada poderia ser obstada pela Justiça. O particular, que tivesse a posse e o domínio da área, poderia ingressar com ações judiciais para barrar esta ocupação e, provavelmente, seria vitorioso. Tem-se que diferenciar a questão de titulação das terras de quilombos da demarcação de tenas indígenas. Constitui uma exceção, prevista na própria Constituição Federal - artigo 23 1, a questão da propriedade e da posse das terras indígenas. Apesar dessa servir de parâmetro para a questão da regularização das áreas remanescentes de comunidades de quilombos, particularmente no aspecto de ocupação histórica - ou posse histórica - existe uma diferença clara no tratamento que a Constituição dá às terras de índios em comparação com as terras de quilombos. Para aquelas, a Constituição confere a propriedade à União, declarando nulos e extintos os títulos que existem em referência às áreas declaradas e reconhecidas como terras de índios. Quanto às terras de quilombos, a Constituição prescreve ao Poder Público uma obrigação de Ihes outorgar o título, reconhecendo a propriedade. Assim, na análise da questão das terras de quilombos, há dois problemas a enfrentar: a transmissão da posse e da propriedade da área em questão do partinilar para o Poder Público e, após, a transmissão destas do Poder Público para a comunidade interessada. Se a Constituição tivesse destinado a propriedade das terras de quiiombos a União, ao Estado, ou a outro ente público, como fez quanto às terras indígenas, a questão seria mais simples. O particuíar, que se sentisse prejudicado, poderia ingressar com uma ação de indenização contra o Poder Público, mas a posse e a propriedade da área já teria sido confkrida pela própria Constituição. Aqui caberia a hipótese da desapropriação indireta. Se assim fosse não se precisana analisar a questão da forma acima, isto é, levando em conta a necessidade de um instnunento jurídico apto a transferir a posse e a propriedade da área a comunidade que a pleiteia. Também se evitaria a discussão da posse coletiva, individual, ou por meio de associação. Ultrapassada a questão da competência para atuação, que se destaca principalmente em relação 5s áreas reconhecidas como de domínio particular, trato do enfoque dado pelo Grupo de Trabalho, e determinado no relatório final, para as áreas de domínio público, mormente em terras devolutas. E, considerando que a maioria das comunidades no Estado de São Paulo se situam em terras devolutas estaduais, a análise ganha vuito. A competência aqui é do Estado, sem sombra de dúvida, tendo em vista que t o titular do domínio dessas terras. Não vejo possibilidade do Estado conferir o titulo sem que haja o trâmite legal estabelecido para a discriminação, demarcação e legitimação de posse, em área de terras devolutas estaduais. O Poder Judiciário Estadual, por meio da Corregedoria Geral de Justiça, vem entendendo que somente títulos oriundos de sentença judicial podem cancelar ou abrir uma cadeia dominial, no Registro de Imóveis competente. Por esse motivo não se cogita, pelo menos por enquanto, da realização de discriminatórias administrativas no Estado de São Paulo. Por esse motivo, mesmo para as terras de quilombos, visando a se atender o disposto no artigo 68 do ADCT, deve se seguir o processo judicial relativo as terras devolutas. Um título, administrativamente outorgado pelo Governador do Estado, não seria apto a abrir o registro imobiliário de uma cadeia dominial, segundo o entendimento acima exposto. Foi proposto pelo Grupo de Trabalho uma minuta de anteprojeto de lei, visando a alterar a legislação estadual de terras, .para adaptá-la. Foi encaminhada ao Legislativo Estadual com algumas alterações, que não modincaram sua essência. Não foi ainda apreciado, mas, se aprovada nesses termos, possibilitará a titulação das terras de quilombos por meio da legitimação de posse de terras devolutas estaduais. Outra questão pode ser posta, em relação a esse ponto. Se a área pretendida para reconhecimento estiver em área de proteção ambiental, a titulação ficaria muito dificultada, tendo em vista o disposto no artigo 225, 5 5O, da Carta Constitucional, que determina a indisponibilidade das terras devolutas em áreas de presewação ambiental. Haveria, dessa forma, o choque de dois dispositivos da Constituição: um que manda outorgar o título, e outro que atribui a indisponibilidade da área. Apesar de existirem opiniões divergentes, a auver, e em breve estudo, entendo que o título poderia ser outorgado, nos termos do artigo 68 do ADCT, por constituir uma exceção a indisponibilidade das terras devolutas em áreas de preserva@o ambiental. Entretanto e certo que essa área teria grandes Iimitaçiks no uso e na explora@ econômica. Se a área pretendida estiver contida no interior de um Parque Ecológico (espécie mais restritiva, dentro do gênero de unidade de consexvação ambiental), há necessidade de se rever os limites do Parque, excluindo a área destinada ao Quilombos em Sbo Paulo

remanescente de quilombo. Tal exclusão deve ser feita por meio de lei ordinária, como dispõe o artigo 225,g 1°, inciso 111, da Constituição Federal. Propus ao Grupo de Trabalho uma alternativa a tituiação. Melhor dizendo, não seria uma alternativa, porque doiria substituir a tituiação, mas somente adiantar uma providência, com cunho preliminar. Poderiam ser outorgadas permissões de uso pelo Governo do Estado aos remanescentes de comunidades de quilombos que pleiteiam áreas com natureza de terras devolutas estaduais. Evidentemente não teria ocorrido o cumprimento do disposto no artigo 68 do ADCT, porque não haveria tituiação, mas a outorga de uma permissão de uso pode trazer alguns benefícios. A temtorialidade estaria assegurada. Para a outorga da permissão de uso o Pader PUblico deve realizar os trabaíhos técnicos, estabelecendo limites e confronm fisicas, da área pretendida pelo remanescente de comunidaáe de quilombo. E o Estado cederia a posse direta da área, podendo as pessoas que ali vivem exercer a defesa da área, judicialmente ou não, contra a invasão de terceiros estranhos. Também seria um beneficio o fato do Estado, por meio & decreto do Governador, reconhecer publicamente o caráter de remanescente de comunidade de quilomim, podendo, desde já, estabelecer programas de aiirmação da cidadania, particularmente quanto à educação, saúde, assistência técnica agrícola e pecuária, entre outras. E, pelo lado do Poder Público, haveria uma simplificação de procedimentos administrativos e legais, o que acarretaria uma antecipação no tempo em relaç40 à titdação. Por ser a permissão de uso um ato unilateral da Administração Pública, e não transmitir domínio, pode ser realizada por meio de termo público, após a autorização do Governador do Estado. Não se cogitaria da suposta indisponiiilidade de terras devolutas em áreas de preservação ambiental, nem da alteração dos limites dos Fbrques e Reservas Ecológicas. Não necessitaria também de qualquer revisão da legislação estadual, ou mesmo de procedimentos que envolvam providências no âmbito do Poder Judiciário. Por esse motivo, propus, como medi& preliminar, a outorga de permissões de uso aos remanescentes de comunidades de quilombos, antecipando a titulação, como parte do cumprimento do artigo 68 do ADCT. Essas são as oôserva@es que entendo que deveriam ser feitas, sob as posturas jurídicas que fundamento o relatório final do Grup de Trabeího instituído pelo Decreto n. 40.7231%. Isso não quer dizer que tais posições sejam intocáveis ou não discutíveis. O Direito, como acima afirmado, tem o brilho & ciência que comporta constantes discussões, podendo até aceitar conclusões diversas para a mesma hipótese. Contudo exige argumentação e lógica, e, a meu ver, as posig8es acima acenam no senti& de uma interpretação & Constituição Federal que leva em conta seus diversos dispositivos, e, em especial, a legalidade pela qual deve se pautar o administrador público.

Luciano de Souza Godoy c5 Procurador do Estado de São Paulo desde 1993 e representou a Instituição no Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto 40.723196. Professor de Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade São Judas, em São Paulo. Mestrando em Direito Civil na Faculdade de Direito da USP. Quilombos em São Paulo

Parte I1 Quilombos em São Paulo

Comunidade Pilões - A4ndiarnB. Automnre,, Iiiesp, junho/97

7 1 Herdeiros de Zumbi: olhando o futuro, sem esquecer o passado

"O que se percebe andando pela região é que a vida nessas comunidades realmente mudou pouco no último século. "

Sandra Santos Herdeiros de Zumbi: olhando o futuro, sem esquecer o passado

Refúgio de escravos. Este é o conceito histórico mais simples de quilombo. O que todos conhecem, encontrado em qualquer livro didático, influenciado ainda pela definição de 1740, dada pelo rei de Portugal ao Conselho Ultramarino, que dizia que quilombo era: "toda habitaçao de negrosfirgidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenha ranchos levantados nem se achem pilões nele. "I Para muitos, também, quilombo é algo tão distante quanto a escravidão, que ficou para trás há mais de cem anos. Esses sequer imaginam que acerca de 300 km da cidade de São Pauloyna Estância Turística de Eldoradoyexistem aproximadamente trinta povoações quilombolas, os denominados remanescentes de quilombos Durante a história brasileira, muitos fatores levaram a emancipação do negro e a sua organizaçCro e ida para redutos fortificados. A alforria, comprada pelo escravo ou doada pelo senhor; a compra de terras ou cessão de espaço em vida ou através de testamento; a conquista de terreno por serviços prestados em lutas oficiais (como a Guerra do Paraguai) ou como capataz de grandes senhores em empreendimentos parhculares; a fixação em locais ermos e distantes após fuga. Todas essas formas, ao longo do tempo, deram origem ao que se costuma chamar de terras de pretos, comunidades negras, mocambos e, mais recentemente, remanescentes de quilombos.

' Moura, C.Quiiombm: resistência ao escmismo. 2' ed. São Paulo, Ática, 1989. No Brasil, os quilombos tiveram vários tamanhos e graus de organização e se assentaram em vários 10cais.~Praticamente todos os estados da União apresentam. ainda, traços do que foram esses ajuntamentos de negros, porém. o maior e mais famoso, o que ainda povoa o imaginário dos brasileiros, é Palmares, verdadeira república de gente livre. que sobreviveu entre os anos de 1630 e 1695, na Serra da Barriga, no atual Estado de Alagoas.

'Wo ano de 1583, as estimativas davam a colônia Prasil] uma população de cerca de 57.000 habitantes. Desse total, 25.000 eram brancos; 18.000 índios e 14.000 negros. Segundo cálculos [...I para uma populapo de 3.250.000 habitantes em 1798, havia um total de 1.582.000 escravos, dos quais 221.000 eram pardos e 1.361, negros, sem contarmos os negros libertos que ascendiam a 406.000. Para o biênio de 1817-1818, as estimativas [...I davam, para um total de 3.817.000 habitantes, a cifra de 1.930 escravos, dos quais 202.000 eram pardos e 1.361.000 negros. Havia, também, uma população de negros e pardos livres que chegava a 589.000." (Moura, op. cit., pp. 6-7). ''A distribuição desses escravos pelo territono nacional se fez de maneira mais ou menos uniforme obedecendo aos diversos momentos de interesses da economia colonial, que era subordinada às necessidades do mercado externo. Os primeiros grupos entraram pelo Nordeste e se espalharam [...I nos campos e plantações de cana-de-açúcar, íümo e cacau [...I algodão. Durante o século XWü, [...I na mineração principalmente em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. [...I século XIX [...I grande concentração deles em São Paulo e Rio de Janeiro, nas f&xadas cafeeiras. Além do trabalho agricola, exerciam atividades domksticas e urbanas contribuindo para que, jB em 1819, nenhuma região do pais possuísse menos de 27% de escravos em sua população" (Moura, op. cit., pp. 8-9). Para todos deve ser óbvio que, a luta pela liberdade - concretizada a pariir dos mais diversos artificios como rebeliões coletivas, assassinatos de feitores e senhores, incêndios de plantações e propriedades, fugas e alternativas individuais como suicídios e abortos - foi uma constante desde que na América Colonial, pisou o primeiro ser humano subordinado ao que se denomina escravidão modana - esta que está intrinsecamente ligada ao capitalismo, esta que transformou homens e mulheres em mercadorias. Os quiiombos existiram também em outros países como ColGmbia, Cuba, Haiti, Peru, Guianas. ' Palmares foi a maior manifestação de rebeldia contra o escravismo na América Latina (Moura, op. cit., p. 38). O crescimento populaciod do quilombo aconteceu a partir de 1630, durante a ocupqão holandesa, quando diversos senhores-deengenho tiveram que abandonar as suas propriedades. A agricultura era sua atividade básica (milho, mandioca, feijão, batata- doce, cana-de-açúwtr e banana). A sociedade era dividida em camponeses, artesãos, guerreiros e funcionários que se dividiam pelas cidadelas de Macaco, centro político- administrativo; Subupira, campo de treinamento; Amam, Andaliquituche, Aqualtune, Acotirene, Tabocas, Zumbi, Osenga, Dambragança e outras menores. A hierarquia de poder em Palmares compreendia a Administração, que se incumbia de coletar os excedentes agrícolas para trocá-los nos vilarejos, a Justiça, que aplicava a puniçb aos delitos, a Militar, que se subdividia em comandante-chefe, general de amas, oficiais e soldados. A população - entre vinte e trinta mil pessoas - era composta por negros, a maioria, índios, mamelucos, mulatos e brancos que geralmente eram soldados desertares, margudizados e lavradores expulsos das terras. (Andrade, Mário E. F. Do quilombo a Fundação Palmares. Brasília, FCP, 1993. pp. 5-6-7). Quilombos em São Paulo

Tidos conio ajuntamentos de criminosos, figuraram em todas as legislações brasileiras como antros a serem veementemente combatidos e destruídos. No entanto. na primeira Constituição Republicana, os quilombos deixam de ser citados, pois o conceito de aglomeração de escravos fugitivos que se uniam para sobreviver e lutar pela liberdade. passa a não fazer mais sentido com a Abolição da Escravidão (13 de maio de 1888). A partir daquele momento, as comunidades negras que se encontravam isoladas passaram a não fazer mais parte das preocupações oficiais. Essa situação perdurou durante cem anos, até que, depois de muitas discussões - e sob a influência de mobilizações e comemorações pela passagem do Centenário da Abolição - no artigo 68 do Ato das Disposições Transitorias da Constituição Brasileira de 1988, ressurgiu a questão: '20srenianescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas áreas é reconhecida a propriedade deJnitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. " Desde aquele momento em todo o território nacional, grupos de trabalho foram constituídos para identificar, delimitar, demarcar e titular áreas. Era necessária a definição dos que poderiam ser beneficiados pela lei. Nesse trabalho, nem sempre a idéia que prevalecia nos movimentos negros coincidiam com a áos técnicos, antropólogos e políticos. Para os militantes, o correto seria entender por comunidade remanescente de quilombo todos grupos étnicos de preponderância negra, encontrados em todo o território nacional, conhecidos popuiarmente como terras de preto, comunidades negras, mocamòos, quilomòos ou outras quaisquer denominações reconhecidas, e que convivam num mesmo espaço por um determinado tempo. Seria mais simples e rápido do que provar uma descendência que raramente é documentada, posto que o que predomina em tais comunidades é a tradição oral. Quilombos modernos Ao mesmo tempo, os moradores de áreas relacionadas historicamente às formações quilombolas, e aglomerados de negros nas mais diversas situações, passaram a se organizar e a trabalhar para obterem documentação e provas de sua ascendência escrava. Finalmente, após anos de lutas, vítimas de fazendeiros e grileiros que cobiçavam suas terras - muitas localizadas em áreas estratégicas como mananciais, reservas extrativistas vegetais e minerais - iriam sossegar e pensar apenas nas criações e roças, além de criarem os filhos sem problemas. " - Não é pecado pensar nem sonhar. Talvez, com a demarcação das terras, as coisas melhorem... Vamos poder provar que a terra é nossa". Quem assim fala é o Sr. José Paula rança^. um dos líderes da Comunidade Nhunguara - localizada na Região do Vale do Ribeira, entre os Municípios de Eldorado e lporangaí. A luta das comunidades negras sempre teve como ponto forte a defesa do direito a terra e a possibilidade do reconhecimento dos remanescentes de quilombos veio se somar a luta pela manutenção de suas roças, ameaçadas pela provável constnição de barragens no Rio Ribeira de Iguape. Segundo a Irmã Maria Sueli Berlanga, existem projetos para a consirução de, pelo menos quatro, hidrelétricas na região: a de Tijuco Alto, de propriedade da CBA - Companhia Brasileira de Alumínio, pertencente ao Grupo Votorantim; e o complexo Itah-Funil-Batatal, projetado pela Cesp - Companhia Energética de São Paulo. Isso seria péssimo não só para as comunidades de remanescentes de quilombos, mas também para a popuiação caiçara, para a flora e a fama da reserva da Mata Atlântica, além de destruir as cavernas (base da economia turística da região) e o complexo estuarino-lagunar de Iguape, Cananéia e Paranaguá. Por isso, em abril de 1991, foi fundado o Moab (Movimento dos Ameaquios por Barragens), com a incumbência de coordenar as lutas contra a construção de barragens e pela regu1arizaçClo fundiaiia na regitio. Posteriormente, sob influência de discussões levantadas no Moab, surgiu a Articulação das Comunidades Negras do Vale do Ribeira, com o intuito de realizar levantamentos históricos, resgatar as culturas ancestrais e articular os quilombolas visando a demarcação de suas terras. Outro problema enfrentado por esses grupos é o da localizç%o, em zonas de interesse ambienta], das áreas em que habitam e que pretendem receber definitivamente. O intuito da legislação ambiental, ao criar os Parques Estaduais Inte~aies,Jacupiranga e Twístico do Alto Ribeira (Petar), era coibir os grandes desmatamentos o- por fazendeiros criadores cie gado, porém acabou por prejudicar os pequenos plantadores que se viram obrigados a diminuir o tamanho de suas roças e a pararem as práticas extrativistas.

Depoimento coihido no dia 2 de maio de 1997. ' As comunidades negras da região já organizadas são: Ivaporunduva, São Pedro, Galvão, André Lopes, Sapatu, Abobral Margem Esquerda, Bananal Pequeno, Poça, Nh- e Pedro Cubas (em Eldorado); Pilões, Maria Rosa, Praia Grande, CasteIhanos, Bombas, Poço Grande, Jurumirim (em Iporangak Biguazinho (em Miracatu), Mom Seco (em JuquíB); Mandira, Porto Cubatão (em Cananéia); Itaüus, mitrimônio, Couveim e Pavoa (em Iguape); Cedro, Regmaldo, Ribeirão Grande e Terra Seca (em Barra do Two). Quiiombos em São Paulo

Dia-a-dia no quilombo O que se percebe andando pela região é que a vida nessas comunidades realmente mudou pouco no Último século6. As roças de arroz, feijão, batata, mandioca, milho, banana, continuam a ser cultivadas de forma artesanal. Eistem também galinhas, patos e cães correndo pelo terreiro e crianças crescendo de forma bastante livre e saudável. Tomando banho nos riachos e cachoeiras da mata, parte da população continua morando em casas de pau-a-pique cobertas de sapé, embora algumas sejam de alvenaria, possuam luz elétrica e até antena parabólica. No quilombo Nhunguara, as escolas oferecem ensino até a quarta série; quando passam para o segundo grau, os jovens vão até Eldorado, em Ônibus que servem a região, duas vezes por dia. A dificuldade de acesso à escola e ao trabalho começa a impelir parte dos jovens em busca de melhores perspectivas de vida nas cidades maiores. O trabalho nas plantaws de grandes proprietários é cada vez mais comum entre os quilombolas modernos. Nas estradas, com freqüência se vê crianças oferecendo cachos de bananas aos turistas. Alguns aduítos, periodicamente vão a cidade, fazem compras, vendem ou trocam o produto de seu trabaiho por algum gênero: sal, açúcar. Vão também quando necessitam do posto de saúde ou de algum encaminhamento para o hospital. Nas comunidades existem postos de saúde, mas, como dizem todos por lá "somente as quatro paredes, pois médicos e enfermeiras não aparecem faz um tempüo [...I Em casos mais graves, tem que ir alguém para a cidade, arrumar uma condução, avisar o posto de saúde, e ir buscar a pessoa. Nem sempre a pessoa consegue se

salvar... o posto de saúde também não é muito bom ... " Esta voz é de D. Antônia Maia da Comunidade Nhunguara, esposa do Sr. José Paula, mãe de quatro fílhos e participante da Pastoral da Criança. D. Antônia e algumas voluntárias, num trabaiho monitorado pela Igreja Católica, atendem cerca de cinqüenta crianças da comunidade, vão de casa em casa mensalmente, pesam as crianças, verifícam se existem casos de anemia e ensinam as mães a fazerem a farinha fortificante, junção de várias ervas, casca de ovos e sementes trituradas, que deve ser colocada na comida para que a criança ganhe peso. Ela, ainda, mexe com ervas, conhece "remédios do mato" para vários tipos de males físicos (bronquite. dores de estômago.. .).

No século XVIiI, o ouro atraiu para a região muitos aventureiros que acabaram se fixando e organizando plantações, principalmente de arroz. Várias situações contribuíram para o entranhamento dos negros nas matas - fugas, heranças ou abandonos de proprieiários - e posterior fixação. As histórias variam tantas vezes quanto o número de pessoas entrevistadas, o que contribuiu para a riqueza da memória da região e para a formação de um elo de solidariedade entre a população. Assim vivem esses afro-descendentes. herdeiros mais diretos de Zumbi dos Palmares, distantes do que muitos militantes urbanos @m imaginar. Uma vida. no entanto, feliz na sua simplicidade e como diz o Sr. José Paula França: "aqui nós temos tudo, alimentação,@tas [...I eu pretendo dar aos meusjlhos tudo o que não tive oportunidade de ter, principalmente estudo. " Quem sabe agora, com a propriedade definitiva das terras?. ..

Sandra Santos é jornalista e historiadora. P6s-graduanda em Comunicação Social pelo ProlanflSP. A 66Descoberta"do Cafundó

"A violência do desenvolvimento de um centro como São Paulo e a existência nas mas redondezas de um grupo de pessoas que conservam ativamente um vocabulário de origem africana geram uma espécie de paradoxo que, com algum abuso do termo, poderíamos

chamar paradoxo de expectativa. "

Carlos Vogt Peter Fry Qu~iombosem São Paulo

A "Descoberta" do cafundól

"Eu sou unr honletn ini>isível.Não, eu não sou um fantasma como aqueles que perseguiam Edgard Allan Poe; tanlpouco sou um ectoplasir~ado cinema de Ho/(ywood. Sou um honlenr de suhstúncia, de carne e osso, dejbra e liquidas - e pode-se dizer que possuo ate mesmo unla alma. Eu sou invisível, entendem, simplesmente porque as pessoas se recusam a ver-me. " Assim começa o prólogo do livro de Ralph Ellison (1972:3), Invisible man. publicado pela primeira vez em 1947. nos Estados Unidos. Aparece aqui em forma epigráíica porque de algum modo nos leva a pensar no problema da individualidade cultural do visível, em particular na invisibilidade do Cafundó. situado tão perto de São Paulo e durante tanto tempo tão longe de nosso conhecimento e de nossas preocupações intelectuais ou jornalísticas. A sua "descoberta" é relativaniente recente. Data de 1978. Para ser mais exato, do dia 10 de março de 1978, quando lá estiveram os primeiros jornalistas. As primeiras notícias apareceram no jornal Cruzeiro do Sul, de Sorocaba, e em O Estado de São Paulo no dia 19 de março do mesmo ano. Nesse dia também estivemos no Cafundó pela primeira vez. O Cafundó é um bairro rural, situado no município & Salto de Pirapora. Esta a doze quilômetros dessa ciW, a trinta de Soroclba e a I& mais de 150

' Capítulo I do livro Cafuntió: A .&a no Bmsii: Linpgem e SociWe, .%o Paulo - Editoras da Unicarnp e Companhia das Letras - 19%, inserido neste livro com wtonzação do autor. As notas de roda* deste capítulo foram transcritas como no original e algumas vezes se referem a outros capítulos do mesmo livro. quilômetros de São ~aulo'. Sua popuiação, predominantemente negra. divide-se em duas parentelas: a dos Almeida Caetano e a dos Pires IkxIr~so.~Cem de oitenta pessoas vivem no bairro. Destas, apenas nove detêm o titulo de proprietários legais dos 7,75 alqueires de terra que constituem a extensão do Cafundb. São, conforme voz corrente na comunidade, terras doadas a dois escravos, ancestrais de seus habitantes de hoje, pelo antigo senhor e fazendeiro, pouco antes da Abolição, em 1888. A feita a duas irmãs - ífígênea e ~ntônia,~que estão na origem das duas parentelas - teria sido muito maior. A especulação imobiliária, a ambiçiio dos fazendeiros circunvizinhos e a falta de documentação legai por parte de seus legítimos donos foram encolhendo a propriedade para as pporç&s que hoje tem. Nela, seus moradores plantam principalmente milho, feijiio e mandioca. Nela, criam galinhas e porcos. Tudo em pequena escala, apenas para atender parte de suas necessidades de subsistência. Fora dela, babalham como diarias, bóia-fnas e, às vezes, no caso das mulheres, como empregadas domésticas. Assim, participam de uma economia de mercado. Sua língua materna é o português, uma variação regional que sob muitos aspectos poderia ser identificada ao chamado dialeto caipira, tal como o apresenta, por exemplo, Amadeu Amara1 (1976). Usam, além disso, um léxico de origem banto, quimbundo sobretudo, cujo papel social na comunidaâe será referido mais adiante. O fato de serem proprietários das terras em que vivem, aliado ao fato de falarem, como eles mesmos dizem, uma "iíngua africana", constitui certamente a causa mais imediata da "*ria" do Cafundó. Tornado visível pelos interesses da ciência e dos meios & comunicação de massa, o Wkndó passa logo a ser objeto & disputa quanto a seu copyríght. Se Benê Cleto é o primeiro a noticiar a "~rtanno Cruzeiro do Sul, Sérgio Coelho, do mesmo jornal e ainda correspondente de O Estado de São Paulo em Sorocaba, 6 quem dela se apropria, danão-lhe áivuigação mais ampla. É ele também que virá ii Unicamp buscar apoio da ciencia para a "sua âescobertan, na tentativa de evitar que .fosse explorada apenas noticiosamente. Entra em contato com o então reitor Zeferino Vaz, que por sua vez nos procura, atraído que fora pela singuiaridack do caso e empenhado que estava em vê-lo pesquisado por profmres de sua universiidade.

' Para melhor visualizar a localizaçiio geográf~cado Cafundó, ver mapar w Apêndice 1, p. 2801283. (ver nota I) O termo 'jxentela" WUZa expmsão e o conceito em desding ki&, & acordo com o tmbalho de Fre~nan(1961). Refae-se a um grupo corporativo (corpomte group), no qual a mc1usão dos membros depende, em primeiro lugar, de sua descendhcia do ankpasdo fundador (neste caso, Joaquim Congo) e também do fato & seus membros ~~~resnasterras~teSaogn>po. O leitor pode?.6 encontrar no Ap&hce 2, p. 285 u?na genealogia que mapeia as relações de parentesco destas e de outras personagens que amoao longo do livro. (ver nota I) Quiiombos em Sdo Paulo

Ao Cafúndó acorreram jornais e revistas dos mais representativos do pais: O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo, Veja, Isto É, entre outros. Em matdria de televisão. a Rede Globo lá esteve mais de uma vez e mais de uma vez o Cafundó foi noticia do Fantástico. Otávio Caetano e Assis Pires são levados ao programa de Hebe Camargo na TV Bandeirantes. O primeiro, por ser considerado o falante mais ativo da "llngua &canay', ao mesmo tempo que uma espécie de líder na comunidaâe; o segundo, por ter na ocasiilo apenas treze anos de idade e trabalhar como professor na escola que o Moórai instalou no Cafimdó. Tampouco faltou interesse da BBC, por meio de seus representantes no Brasil, entusiasmados que estavam com a possibilidade de mandar para a Inglaterra um documentário sobre uma autêntica b'ib africana localizada nas proximidades de São Paulo, a maior e a mais inâustrializada cidade do pais! Decepcionados, quem sabe, com a "brasileirice" dos usos e costumes dos habitantes do bairro, desistiram do documentário que, no entanto, não deixou de ser feito por uma cadeia de televisão japonesa. Os cuidados que tomávamos no nosso relacionamento com a imprensa, e que provavelmente eram recipracm, não impediram alianças sigtufícativas em relação ao Caíhdó. Assim, sempre esteve presente no noticiário o tema da "língua &cana7' associado ao tema da propriedade da terra. Essa associação nada tinha de inocente e fora veiculada por nós mesmos, pesquisadores, enquanto portadores de ideologia de resistência cultural e política4 O caso da morte de Benedito de Souza, ocomda no dia 18 de julho de 1978, e a sua repercussão na imprensa ilustram de modo significativo o que acabamos de dizer. Benedito de Souza, a mando do fazendeiro Fuad Manim, tentou nesse dia, contra a vontade dos habitantes do Cafundó, fazer cercar um pedaço de terra da comunidade, disputado já havia algum tempo. Otávio argumentou que só permitiria a colocação de arame farpado cercando as terras se os mandados do fazendeiro trouxessem um "papel da lein. Benedito de Souza foi para Salto de Pirapora com o pessoal que trouxera para fazer o serviço. Ao voltar para o Cafhndó, ao invés da oráem legal, exibiu para Otávio e seus três sobrinhos - Noel, A&uto e Marcos Rosa de Almeida - um revólver, ameaçando-os de morte. Houve discussão entre os três rapazes e o jagunço; este acabou sendo morto por aqueles. Esse mesmo Benedito de Souza, doze anos antes, havia assassinado Benedito Rosa de Almeiâa, irmão de Noel, Adauto e Marcos, também por questões de terra e a

A nqão de resistência simbólica tem estado atualmente em grande voga nos meios intelectuais. Entre outras coisas, aponta para a não-passividade dos grupos minoritános perante os grupos dominantes da sociedade mais ampla. Sob esse aspecto, a questão da terra é central e adquire ainda maior relevo no caso de índios e posseiros, dada a expansão das fientes de colonizaçíro e o desenvolvimento agropecuário incentivados financeiramente pelo Estado. No Cafundó, esses dois elementos - propriedade da temi e preservaqão do vocabulário afficano - parecem estar esimiuraimente ligados. mando de um outro fazendeiro de Sorocaba. O crime se deu no Caxambu, perto do Cafimdó, onde havia uma comunidade negra proprietária das terras. falante de uma "língua africana" semelhante a do Cafimdó e de onde emigrou a Mlia Rosa de Almeida, cujo pai já era falecido e cuja mãe - dona Maria Augusta - vem a ser irmã de Otávio Caetano. Dado o novo problema jurídico criado pelo assassínio de Benedito de Souza, o Jornal da Tarde, proamdo por nÓq respondeu, no dia 21 de julho de 1978, hiperbolicamente ao nosso pedido: deu manchete e fotografia de primeira página ao crime. Internamente repraáuzia outra foto de Otávio e introduzia a matéria com o título, bem a caráter, em linguagem própria do Cafimdó: KWIPA (KWIPA É MATAR) E UM HOMEM FOI MORTO NO CAF-. Sem dúvida, nosso objetivo era despertar interesse nacional pela comunidade, procurando ao mesmo tempo obter assistência jurídica para ela, no que dizia respeito a questão das terras e do assassínio. Chegamos a telefonar para a Comissão de Justiça e Paz em São Paulo, mas o que realmente nos movia era o áesep de ver incorporado na defesa do Cafündó o Movimento Negro Unificado 0,fundado fazia muito pouco tempo, no dia 7 de juiho do mesmo ano. Surge então em cena Hugo Ferreira da Silva, advogado negro, integrante do MNü. Mostra-se interessado e convida-nos a falar com o movimento. Lá fomos nós. Da mesma forma procuramos a comunidade negra de Sorocaba por intermédio de seu clube social, o 28 de Setembro. Num e noutro caso obedecíamos ao mesmo impulso ideológico: a crença de que o Cafundó era um símbolo de resistência negra, cujo alcance político, ainda que legitimasse nosso trabalho acadêmico, o uimpassava. Era inconcebível para nós. brancos que somos, que esse simbolo não fosse incorporado na luta mais ampla dos movimentos negros. A seu modo, cada uma dessas entidades acabou por envolver- se com o CafbndÓ, envolvendo-o numa trama de relaçlksque foram modificando e alargando as suas &onteiras culturais. O MNü, Hugo Ferreira da Silva em particular, cria um Projeto Ca€ündó. Esse projeto, segundo a notícia publicada na Folha de São Paulo no dia 11 de outubro de 1979, página 33, visava a "reconstrução da antiga comunidade e a proporcionar aos seus atuais componentes meios de sobrevivência". O mesmo texto, além de convidar o público a participar do lançamento do projeto na Associação Brasileira de Imprensa, passava ainda a seguinte informação sobre o Cafündó: "mantém uma tradição oralaioda brasileira com linguagem própria, derivada do tupi-guarani (sic) e de dialetos africanos falados pelos escravos dos quais são descendentes". O 28 de Setembro prestou uma assistência não apenas retórica ao Cafundó, agenciando e distribuindo auxílios como alimentos, roupas e sementes de várias procedências para os seus habitantes. Jorge Matos, membro e mais tarde presidente do 28 de Setembro, membro também do Rotary Club de Sorocaba, teve um papel de Quibmbos em São Paulo primeiro plano nessas ativiáades. A seu convite, fomos falar aos rotariaros sobre o CMunáó. na tentativa de obter mais assistência para a comunidade. Aqui também houve resultados. Médicos. dentistas, comerciantes e industriais se perfilaram para ajudar o &fim&. Alimentos, sementes, plantadeiras manuais, arados de tração animal e até mesmo um burro foram doados. E verda& que o burro jamais foi encontrado. Ainda assim, valeu. Além de Hugo Femira da Silva, outros dois advogados, ambos & Soracaba, foram chamados a colaborar na defesa dos rapazes envolvidos na morte de Benedito de Souza: Antônio Santana Marcondes Guimarães, o mais conceituado criminalista da comarca, e Bernardino Antônio Francisco. O primeiro foi contactado por intermédio do jomaíista Sérgio Coelho e o segundo, por intermédio do clube 28 de Setembro, do qual é membro e para o qual edita O Tumbu, jornal que trata de assuntos afro-brasileiros. Todas essas entidades tinham em comum aquilo que confessavam: prestar assistência ao Cafbnáó. Partilhavam também um outro interesse menos claro: o de se autofortalecerem social e politicamente com base no espírito assistencial de suas ações. O resultado dessas atividades não poderia, entretanto, ser partilhado. As rivalidades logo surgiram. Não se pretende que esse relato tenha, nem de longe, a isenção de um narrador borgeano: a defesa de nossos interesses acadêmicos esteve freqüentes vezes encoberta pelo nosso "apadrinhamento" do Cafunâó. O que se pretende, sim, t enfatizar, a partir desse caso particular, o problema mais geral da relação entre o intelectual e a assim chamada cultura negra no Brasil, insistindo sobre o aspecto de ''~rta"contido nessa relação. O relato que aqui será feito é o de um narrador cientista que, interessado em relativizar o comportamento do outro, se clscobre ele pworelativkado diante desse comportamento. Um relato cujo narrador em terceira pessoa dá lugar a um narrador em primeira pessoa, isso é, a um narrador-personagem. Se o MNU e o 28 de Setembro competiam pelo possível lucro político que adviria do Cafundó, nbs outros também entrávamos em concorrência pública para auférir os lucros acadêmicos que daí poderiam ser tirados. Entre os personagens desse pequeno drama lítero-intelectual, entraram em cena, além de n6s, o Museu do Folclore de São Paulo, na figura do pesquisador Guilherme dos Santos Barbosa e, por intermédio deste, ligacio também ao Centro de Estudos Africanos da Universi&& de São Paulo, o etnólogo, musicólogo, lingüista, poliglota austríaco Gehard Kubik. Outros personagens apareceram ao longo do tempo e, como num folhetim romântico, foram reivindicando seu lugar na história: Waterloo José Greg6rio da Silva, do Instituto & Artes. da Unicamp, escreve uma peça intitulada O charme discreto do Cafundó: Clélia Noronha defende uma tese de mestrado na PUC - Sorocaha, área de Arquitetura, cujo titulo é Cafundó; Abdias do Nascimento lança na PUC - São Paulo o Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro) e inclui o Cafúndó no seu projeto básico de pesquisa subre uQuilombos contemporâneos". Entre parênteses, é preciso mencionar ainda duas tentativas de influenciar diretamente a cultura material da comunidade: uma, bem sucedida. é a de João Mercado Neto, de Sorocaóa, que ensina o pessoal do Cafundó a fabricar tijolos de cimento, fornecendo-lhes para tanto material e instrumentos básicos. Em âecorrência, as moradias, que eram de pau-a-pique e barro batido, cobertas & sapé, vão cedendo lugar a casas de cimento com cobertura de amianto. A outra tentativa, com resultados menos transparentes e cronologicamente anterior a primeira, é a do advogado, nosso conhecido, Hugo Ferreira da Silva. Ele pretendia que a comunidade se empenhasse na fabricação de peças de cerâmica que, depois de vendidas nos grandes centros, reverteriam em lucro para os seus autores. Chega a orientar a construção de um pequeno fomo para a queima do barro e até mesmo a levar para o Cafúnd6 fotografias de cerâmicas de Apiaí tiradas da revista Cultura, do Ministério da Educação. Uma outra idéia do mesmo personagem foi a de transformar o Cafundó num museu vivo da escravidão. Nele estariam presentes não só os instrumentos de opressão e tortura, como também haveria representações da vida social do escravo no Brasil. Ck atores, é 6bvi0, seriam os habitantes do Cafúndó. O objetivo, mais uma vez, era o de angariar fundos para a comunidade. Enfim, essa piedosa iniciativa também não deu certo O fato 6 que, se a questão entre o 28 de Setembro e o MNU se dava no plano de comportamentos políticos controver~os,~entre os acadêmicos ela teria de se desenrolar no palco das controvérsias teóricas. Assim foi. Não nos terá faltado, a uns e outros, aquele motivo inconfesso que leva Brás Cubas a sonhar com a invenção de seu famoso emplasto, espécie de panacéia universal. Além do espírito humaniíário e cristão, além dos lucros financeiros que dele poderiam advir, há a satisfação de ver seu nome brilhando nos céus da popularidade. Ou,para retomar as palavras do próprio Brás Cubas no romance de Machado de Assis (1%2:513): "[ ...I minha idéia trazia duas faces, como as

O MNU é um movimento com fins abertamente políticos. O 28 de Setembro é um clube cujos objetivos explícitos são o Iam e a sociabilidade. O MNü tem dificuldade em remnhecer o aspecto politico desses tipos de atividade social e tende a condená-los por essa razão. A aliança entre o 28 de Setembro e o Rotary de Sorocaba foi criticada por motivos semelhantes. Quilombos em São Paulo medalhas, uma virada para o público, outra virada para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: - amor da glória".6 Crise de consciência a parte, trouxemos para o embate as armas de que dispúnhamos. Kubik, por exemplo, é um viajante de sua própria teoria. Começa em Viena, tem seu compus avançado em Angola e projeta-se em significações filogenéticas sobre todo mundo para onde houve tráfico de escravos, de preferência bantos. Kubik parece estar respondendo, quase cem anos depois, a advertência dramática de Sílvio Romero estampada como epigrafe no livro de Nina Rocírigues (1977:~). Os aji-icanos no Brasil: "[ ...I temos a África em nossas cozinhas. como a América em nossas sel\jas, e a Europa em nossos salões [...I Apressem-se os especialistas. visto que os pobres moçambiques, benguelas, monjolos, congos, cabindas, caçangas... vão morrendo...". A conferência por ele realizada na Universidade de São Paulo (USP) no dia 12 de setembro de 1980 é ilustrativa a esse respeito. Começa dizendo que seu ponto de vista em relação ao Caíimdó "é diferente do ponto de vista da Europa, das Ciências Sociais e do ponto de vista brasileiro". Embora não tenha ficado claro o que possa ser esse ponto de vista da África. é certo que a ortografia constitui um de seus pilares de sustentação. Senão, como captar a profundidade dessa observação feita pelo estudioso? E um erro dos pesquisadores brasileiros escrever as palavras (da "língua aji-icana 7 numa ortograja brasileira. Épreciso escrever as palavras numa ortografia banto. Do contrário, é impossível comparar o vocabulário do CaBndó com as línguas de Angola. Porque só se podem comparar coisas que têm um denominador comum. A hipótese geral de seu trabalho, apresentada na conferência &senvolvida posteriormente no artigo "ExtensionenAfnkanischer Kulturen in Bra~ilien"(Kubik 1981) é que a comunidade do Cafundó tem uma relação direta com Angola, e que utiliza palavras cujas combinaçóes não teriam necessariamente nenhum sentido, salvo talvez o & apontar para suas origens na Áfiica. De modo mais direto e um pouco menos elegante, Kubik chega a sugerir que os falantes do Cafundó são impostores na medida em que intencionalmente procurariam fraudar os ouvintes não iniciados na sua "língua". Desse modo, desqualifica a atualidade semântica das palavras do léxico africano do Cafundó para reforçar a hipótese de sua autenticidade etimológica.

Uma análise literária com sugestivas interpretações sociológicas do Capítulo 2 - "O Emplasíro" - do romance Memdrias Mstumas de Bms Cubas é a de Roberto Schwarz (i 982). Além das palavras, escritas obviamente em ''ortografia banto", que para Kubik são na maior parte de origem umbundo, algumas outras provas foram também arroladas na demonstração da ver&& de sua hipótese. Entre essas citaremos as duas mais espetaculares, não só por terem sido mais elaboradas pelo estudioso, como também pelo impacto de seu conteúdo. A primeira consiste no ritmo da abanação do arroz com peneiras de taquara trançada. Depois de fazer a platéia ouvir várias vezes a gravação do som do arroz agitado na peneira atirado para o ar e novamente recolhido na peneira, Kubik diz que "esse movimento não se encontra da mesma maneira na Europa" e acrescenta que ele "mostra uma integração emocional da comunidade do Cafundó com sua origem africana". Conclui que esse ritmo é prova da origem africana dessa população. A conferência continua com a proje@o de alguns slides em que se vêem paisagens e figuras humanas do Cafundó. Um dos slides é fixado. Nele aparecem dois meninos brincando com cabaças ou abóboras verdes e gravetos. Estes são enfiados nos vegetais à guisa de pernas, rabo e cabeça. Brincam, como brincaram muitas crianças negras ou brancas em diferentes zonas rurais do país, com cavalos, bois e vacas improvisados com os frutos da tem. O slide permanece projetado, enquanto o conferencista anuncia o argumento definitivo de sua tese: Nos jogos de meninos também encontrei v&rios elementos de Angola. Por exemplo, dois rapazes que fazem uma coisa que se chama ngombe. Essa é outra palavra que é muito conhecida Id. É universal na Áfiica. Ngornbe signilfica 'taca(s) ". Os meninosfazem ngombe de cabaças. É um jogo muitojieqiiente em Angola. Nesses elementos encontram-se muitos elementosfamiliares de Angola. Assim descobrimos finalmente que aquilo que Kubik chamava de "ponto de vista da hca", além de um acanhamento teórico, nada mais era que uma perspectiva difusionista, historicizante e folclórica da cultura, na qual esta é retificada e tida como uma categoria explicativa e não como um fenômeno a ser explicado no conjunto de outras práticas sociais. Nós, por outro lado, viajados pelas teorias que nos são próprias e alheias, isto é, de um ponto de vista brasileiro e europeu (em particular via antropologia social inglesa e um certo estruturalismo do discurso franco-tupiniquim), sem esquivar a questão das origens da comunidade e do lkxico africano, buscamos responder a perguntas um pouco diferentes. Por exemplo: Por que cargas d'água essa comunidade continuou a utilizar esse léxico? Qual o sentido cultural e político dessa prática lingu'stica tanto no contexto das relaçdes sociais primárias & comunidade, quanto no contexto mais abrangente das relações produzidas como efeito da "descoberta"? Qnilombos em São Poulo

No caso & "língua" do Chhdó, como em todos os outros "aíiicanismos" no Brasil. há, grosso modo, duas maneiras de abordar o assunto que por conveniência chamamos filológica ou historicizante e históricoestrutural. No primeiro caso, a grande preocupação é estabelecer que certos tragos culturais encontracios no Brasil contemporâneo de fato existem ou existiram na kca. Essa "busca de origens'' leva, após diligente pesquisa de fontes, a estabelecer o que chamamos genealogias culturais, que mapeiam a maternidade dos "africanismos" no Brasil. Efetivamente, o cientista social, por meio desse exercício, acaba ou cbabindo "africanismos*' dos quais os brasileiros não tinham conhecimento (é o caso de certos ritmos e palavras), ou legitimando com o carimbo cartorial & ciência as afirmações locais (agora no Cafundó, por exemplo, podemos constatar perante os céticos que a maioria das palavras da ''língua" são de fato de origem banto). Esta perspectiva teórica filológica tende a diminuir a impo~nciadas condiçdes históricas e sociais que fizeram e fazem com que tais traços culturais acabem sobrevivendo à travessia atlântica e se reproduzindo ao longo das gerações aqui no Brasil. Além disso, tende a minimizar o processo histórico ao longo do qual esses traços mudam & sentido e significação. Que interesse tem estabelecer e pesquisar os "africanismos" no Novo Mundo? Quando Herskavits publicou o seu livro The mysth of the negro past em 1941, logo no inicio declarou a sua intenção. As pesquisas sobre a cultura & origem africana nos EUA seriam uma tentativa de "melhorar a situação inter-racial" nesse país, por meio de uma compreensão da histdria do negro, até então ignorada. Todo o livro é construido para derrubar cinco "mitos" vigentes na época. Mmeiro, que os negros, como crianças, reagem pacificamente a "situa@es sociais não satisfatórias"; segundo, que apenas os africanos mais fracos foram captura&, os mais inteligentes fugindo com êxito; terceiro, como os escravos provinham & todas as partes da África, falavam diversas línguas, vinham de culturas bastante variadas e foram dispersas por todo o país, não conseguiram encontrar um "&nominador cultural" comum; quarto, que, embora negros da mesma origem tribal conseguissem, às vezes, manter-se juntos nos EUA, não conseguiram manter a sua cultura porque esta era patentemente inferior A Qs seus senhores e quinto, que "o negro t assim um homem sem um passado" (Herskovits 1958:2). Herskavits, no prefácio & segunda edição do livro (1958:XXIX), reconhece que muita coisa mudara desde a primeira edição e diz: De quando em vez, é verdade, ainda encontramos negros nos EUA e no Caribe que rejeitam o seu passado. Mas o número dos que fazem isso está diminuindo paulatinamente, como também o número dos seus concidadãos brancos que mantêm o ponto de vista anterior. E o negro americano, ao descobrir que tem um passado, adquire uma segurança maior de que terá um fituro. A preocupação "filológica" & Herskovits pode ser vista, então, como um ato político numa determinada conjuntura do pn~essode transformaçb das relações entre negros e brancos nos EUA. O mero reconhecimento de que o ncgro tcrn história, por incrivcl quc possa hojc parecer. foi uma luta. E também no Brasil. E mais do que evidente que a história do negro está apcnas começando a scr escrita e não 6 por caso que neste momcnto vários grupos politicamcntc minorilários esigcm que a sua história scja rcvclada. Não surprccn&. pois. quc o Cafundó rapidarnentc virassc manchete. Constatar a "sobrevivência" de uma "lingua africana" e algo quc enr si tcrn um scntido politico importante. Aponta para o fenómcno & "rcsistência cultural". Mas essa "resistência cultural" não e um processo simplcs quc sc dá no confronto cntrc duas culturas imuláveis no tempo. Essa concepção de cultura leva a ver os "africanismos" no Brasil como sintoma & uma ccrta pujança mctafisica das culturas africanas. Essa posição ignora que a vida social não consistc cm batalhas campais entre culturas, mas sim em enfrcntamentos entre grupos, categorias c indivíduos, para qucm a cultura oricnta a ação política c é ao mesmo tcmpo uma arma usada para empreendê-la. Nessas pcqucnas c grandes batalhas do dia-a-dia. a cultura vive através daqueles que a usam e. ao ser assim utilizada. ela os transforma c sc transforma. Desse ponto & vista. fica cvi&ntc quc a "língua africana" do Cafundó não é apenas a "sobrcviv6ncia" de unia língua banto qualquer; cla E acima de tudo uma prática lingüística em constante processo de transformação c cujo significado político e social C dado pclo contesto das rclaç&s on& tcrn vida. E a segunda abordagem, a históricoestrutural. quc sc detém nesses problemas. Põc- sc diantc do problema da reprodução e transfomiação da cultura c procura rcsolvk- lo por meio de um estudo das relações sociais concrcias nas quais csscs traços culturais sc articulam. Pnvilcgia a natuwa politica c econômica das rclaçõcs cntrc os articuladores dos "africanismos" e a socicdadc cn\.olvcntc. No caso do Cafundó. privilegiaria a "caipiridadc" do grupo. pondo cm scgundo plano a sua "afiicanidade". O que se vê como sistemático numa abordagem toma-sc ipso facto residual na outra. e vice-vcrsa. Nossa tentativa pcrantc a "língua africana" do Cafundó E. conio já sc tcríí adivinhado. comprecndê-Ia apontando para mais & uma diwoao nicsnio tcmpo. Ao quc tudo indica. o scu papcl social esta relacionado com o quc sc podc chaniar "uso ritual". no mesmo scntido em quc outras manifcstaçõcs culturais & origcni africana continuaram a csistir no Brasil cni viirias comunidades ncgras (candomòie. congo. capocira ctc.). cm todos csscs casos. uma outri idcntidadc acrescenta-sc íiquclas que cslj;o normalmcntc associadas à classc c à cor. No caso particular das pessoas do Cafundó. a "língua" acrcsccnta à sua idcntidadc ctiiica dc pretos c a sua identidade social & peõcs o status & "aíiicanos". Dcssc niodo. a "língua" possibilita uma forma & intcração social, qucr no intcrior do grupo. qucr cntrc csic c a socicdadc envohcntc. quc difcrc daquclas quc nomialnicnte caractcrizam as relaç&s & trabalho num sistcnia produtivo. Tudo sc pssa conio sc. por unia cspécic de mecanismo compensatório. fossc criado uni cspço mitico no Qitrlo~trhose~n São Pardo interior da situação de degradação ecoiiôiiiica e social, característica da história das populações negras do Brasil. espaço no qual seria possível uma como que renovação ritual de certa identidade perdida. Assim. a "língua" pode ser vista não só como um sinal diacritico que demarca simbolicaniente a comunidade do Cafundó. mas tanibém conio um eleiiiento importante nas intenções sociais dentro e fora do grupo. Reconhecendo as origens africanas da "língua". os brancos da vizinhança que tendem a ver gente do Cafundó como "vagabundos" são também obrigados a atribuir-lhes uma certa importância. enquanto falantes dessa estranha linguagem. Muitos brancos da região. tanto os que vivem nas ou vieram das proximidades do Cafundó. como os que convivem com os habitantes da comunidade em situações de lazer. nos bares de Salto de Pirapora, por exemplo. fazeni questão. especialmente na presença de estranlios. de mostrar sua competência em falar a "língua". Com essa perspectiva analítica é possível começar a compreender por que esse sistenia lingüística particular sobreviveu até o presente, apesar de não ser "necessário" para a comunicação. O português. língua materna da comunidade. é. desse ponto de vista. muito mais eficiente. A "língua afiicana" teria assim sobrevivido eni parte por causa dessa função ritual nas interações estabelecidas dentro do grupo e entre este e o mundo exterior. Assim. África (mesmo que mítica) e cultura caipira (ainda que real) são, ao menos, dois entre os vários sentidos que se abrem a partir do Cafundó. Pobres. até mesmo miseráveis nas relações de trabalho e produção. pretos, vagabundos ou caipiras integrados a região em que vivem. os habitantes do Cafundó têm também o seu emplasto e seu motivo inconfesso: a "língua africana". Por que tanta e desencontrada "descoberta" do Cafundd? Por que tantos interesses multiplicados em torno de algo que no fundo é historicamente mais do que provável, dada a quantidade de africanos forçados a vir para o Brasil como escravos? Talvez pela proximidade de São Paulo. o maior centro urbano e industrial do país, onde os processos de transformação cultural são mais acelerados e onde, por isso mesmo, a expectativa de se encontrar, ainda que nas suas vizinhanças, algo como o Cafundó. é muito pequena. A violência do desenvolvimento de um centro como São Paulo e a existência nas suas redondezas de um grupo de pessoas que conservam ativamente um vocabulário de origem afiicana geram uma espécie de paradoxo que. com algum abuso do termo, poderíamos chamar paradoxo de expectativa. Nascido da incompatibilidade. mais epistêmica e deôntica do que propriamente factual, entre desenvolvimento econômico e complexidade social, de um lado, e conservação de traços culturais sem nenhuma razão estruhuai de ser ao menos aparente. de outro, este paradoxo e,uplicaria a ênfase dada a "descoberta" do Cafundó. sobretudo quando se pensa em outras comunidades com características semelhantes espalhadas pelo Brasil e também já ''descobertasttas'. Mera hipótese! De qualquer forma. é ela o motivo que leva Henfil (Isto E. li" 74. 2M5/78:82) a transmudar o Cafundó e a sua "descoberta" lium truque humorístico para conieiitar o esoterisnio casuísta. ou o casuísmo esotérico da política do govemo federal: "Mãe. viu as novas descobertas de quilombos em pleno centro do Brasil? Iniagina! Acharam um a catorze quilômetros de Salto de Pirapora. em São Paulo! Numa \ila chamada Cafundó. vivem ainda puros negros que falam o dialeto que trouxeram da África!". Depois de dar uma pequena lista de palavras do Cafund6 com suas equivalências em português, diz que ele niesmo achou utn outro quilonibo eiii Brasília. cujo dialeto após muitos estudos decifrou. Segue-se uma lista em que aparecem, por exemplo. greve = cruz credo!. SNI = candidato a presidente. comunista = oposição. eleição = meu primo etc. A carta dirigida a mãe temiinou com um PS. cujo conteúdo é ainda revelação de um idiotisnio político: "Sabe o que significa a palavra democracia lá no quilombo de Brasília? Um governo do polvo. pelo polvo e para o polvo". Esse paradoso de expectativa funcionaria ainda para explicar atitudes e comportamentos es*emos e contrários ao anterior. Por exemplo. a esperança do pessoal da BBC de Londres no Brasil de encontrar no Cafiindó uma autentica tribo afiicana intacta nas suas tradições. É que. uma vez feita a "descoberta". o que antes era menos passa depois a ser iiiais. Nós. os pesquisadores, por exemplo. fomos ao Cafúndó pela primeira vez desacreditando das notícias que tínhamos sobre a comunidade. em particular sobre a "língua africana" que falavam. Depois de constatar que de fato utilizavain ativamente um léxico de origem afncana. passamos a esperar mais do que já tínhamos visto e registrado. Nesse sentido. devemos ter iiicentivado. consciente e inconscientemente. o pessoal a "falar africano". Taiito que as criaiiças começaraiii a se oferecer. assim que chegávamos ao bairro. para mostrar os progressos que fuiani na aquisição do vocabulário banto. De uni certo inodo. e sem niuito exagero. todo inundo foi possuído pela vertigem de "eiirolar a língua". E nós. contentes coiii o que acontecia. Um dia. Noel Rosa de Almeida nos diz que sua mulher. dona Isaura. sabia falar uma outra língua secreta porque era descendente de bugre. De fato. doiia Isaura tem feições de índia! Isso, somado a esquizofrenia lingüística de que eranios todos tomados no Cafundó e a disposição de espírito para as grandes e originais descobertas. levou-nos a invadir a casa de dona Isaura amados de gravadores. máquinas fotográficas e sobretudo da esperança luminosa da revelação de mais uni maravilhoso segredo histórico. Noel. o marido. nos acompanhava. Dona Isaura resistia. Falava de sua vida. de suas andanças de mulher pobre. de seu traballio como doméstica na casa de famílias do Sul, de onde viera. do tempo que já estava ali no bairro. da quantidade de filhos. das necessidades por que passavam. e nada da "língua esquisita". Depois de muita insistência nossa e do próprio niarido. ela concorda em áizer alguma coisa. Nos nos preparamos para pelo menos uni vocabulário tupi. Então. ela: "Schnaps uink" e "mangiare". E era tudo o que conseguia dizer de diferente. Simplesmente. havia trabalhado eni casa de aleriiiles e italianos em Curitiba e retivera essas duas expressões. que pronunciava a seu modo e com muito constrangimento. Agradecemos-lhe a colaboração e. após alguns dedos de prosa a ~iiais.saímos. Sentíamo-nos num misto de frustração e auto-ironia. Rimos bastante de nos mesmos. Talvez para compensar a desiludo de nossa ingenuidade opressiva. Entretanto. em qualquer hipótese. é preciso levar também em conta que aquilo que se -'descobre" nunca é independente do momento da "descoberta". O Cafiuidó veio a público em 1978. A Africa tem sido "descoberta" no Brasil desde o século XIX de formas muito diferentes. A literatura abolicionista. de Castro Alves a Joaquim Nabuco. tratou o iiegro tio Brasil como uni problema homogeneizado pela escravidão. enquanto mácula. A advertência de Sílvio Romero aparece no mesnio ano da Abolição. Nina Rodrigues. que aceita o desafio. vive no li~roOs .-lfwcanos no Bras~la contradição entre as chamadas teorias científicas da época. baseadas principalmente em Lombroso. e a simpatia pelo problema do negro. conforme já assinalara Edisoii Carneiro (1964:209 segs). De uni lado. unia teoria fundada na reação da burguesia contra o socialismo nascente e que se apega ao princípio da hierarquia racial: do outro. o esforço em mostrar a pureza e a autenticidade nagô na Bahia. É como se Nina Rodrigues utilizasse os princípios de pureza racial para subvertê-los pela sua aplicação extrema e contrária: o elogio da pureza negra. Adota uma teoria de fundamento racial e mesmo racista e é levado ao estreino oposto ao valori~ara pureza negra dos ritos religiosos de origem africana na Bahia. E por falar eiii paradoxo. eis aí mais um. quem sabe muito parecido historicamente ao que caracteriza a atitude de Euclides da Cunha diante do sertanejo nordestino em Os sertões. Num outro momento, na &da de 30. com preocupações regionalistas e nacionalistas. a Áfiica no Brasil será um sinal diacritico a distinguir ao mesnio tempo o Norte e o Sul do país e o próprio país do resto do mundo. em particular da Europa. Se já não é o conceito de raça que define a pureza das tradições. mas sim o de cultura, se o negro deixa de ser \isto como um caso de patologia médica. a singularidade de seus comportamentos culturais tampouco deixa de obedecer a unia escala de valores na qual o autêntico é a nota máxima. Veja-se a propósito o artigo de Edison Carneiro (1964:98-102) - "O Congresso Afro-Brasileiro da Bahia" - escrito em 1940, no qual o autor, entre os vários elogios a esse congresso realizado em 1937. o contrapõe regionalmente ao Congresso do Recife. de 1931. e disputa com ele a primazia do autêntico. baseado na pureza das apresentações dos ritos para os congressistas: Esta ligação imediata com o povo negro, que foi a glòria maior do Congresso da Mia, deu ao certame "um colorido único", como já previra Gilberto Freyre. Arthur Ramos, em carta que me escreveu sobre a entrevista ao Dicírio & Pe~tambuco,dizia: "O material dai que [Gilberto Freyre] julga apnas pitoresco constituirájustamente a parte de maior interesse científico. O Congresso do Recife, levando os babalorixás, com sua música, para o palco do Santa Isabel, pôs em xeque a pureza dos ritos aficanos. O Congresso da Bahia não caiu nesse erro. T& as ocasiões em que os congressistas tomaram contacto com as coisas do negro foi no seu próprio meio de origem, nos candomblés, nas rodas de e de . (p.99). Interessante notar que essa linha gendtica (mais onto que filo, nesses casos) estenáe-se até nossos dias e constitui um argumento sempre macado na áefesa dos movimentos ou associações negras no Brasil. Veja-se, por exemplo, o que diz Lélia Gonzaies no atepublicado pela Isto E (no 73, 17/5/78:46), por ocasi20 dos noventas anos & Abolição. Para contestar o caráter alienado que muitos intelectuais ou não-intelectuais atribuem ao ~lack-~io,'diz ela: [...I uma semana antes eu assisti ojlme do Zé Celso Martinez, o 25, então percebi elementos assim incríveis. A gente percebe que a aánça que os guemelheirosde Moçambique, não, não era aánça, era treinamento, em termos de guem'lha, isto eu vi num show do Black- Rio, o mesmo tipo de movimento, ele se peyetua atc! nossos dias e, no entanto, o Black-Rio é encarado como movimento de alienação. Estende-se, assim, no tempo, se não mais nos estudos que lhe são dedicados, ao menos na ideologia & sua defesa, aquela premissa apontada por Edison Carneiro (1964:104) & que o negro era um estrangeiro. Esta premissa, segundo o autor baiano, teria feito com que nossos eshidiosos fossem "encontrá-lo, de preferência, naquelas das suas manifestações & vida mais cuacteristicmate africanas, e com especialidade nas suas religiões - um dos aivos da análise cientííica proposta por

' Como no caso do 28 de Setembro, o Biack-Rio e as manifesta@es culturais semelhantes, como por exemplo o iiüo-kd em Campinas, ou o ChioShow em São Paulo, não têm fins políticos explícitos. O fato t que tais movimentos se expandem desconhecendo o apodo de alienado que muitos lhes aíriòuean. Essa qualif~mção decorre provavelmente dos compromissos culturais e da dependência econ6mica pani com as multimcionais que, segundo os que os tona Ihes são próprios e característicos. Porque ao 58mh preferem a música unportada dos Estados Unidos, porque suas atividades de lazer e sociabilidade se sobrepõem a princípios pt'hlicos de engajammto político, ao invés da resistência simbólica que se reconhece em outros movimentas,recebem o carimbo de oooptação e do entreguismo. Entretanto, não t éque os vêem as pesquisas de Carlos Benedito da Silva e de Maria Aparecida Pinto Silva, ambos do mestrado em an~logiada Unicamp. ~lomòosem &To Paulo

Sílvio Romero. [...I Estas duas atitudes - a de consicierar o negro como um estrangeiro e a preferência pelas suas religiões - desgraçaram os estudos do negro". Quanto a esta úItima observação, não estamos muito certos da extensão da tragédia intelectual que ela pinta. O próprio Edison Carneiro, num artigo &to em 1956 - "Nina Rodngues" (Carneiro 1%4:209-17) -,em meio a várias críticas, não deixa de reconhecer todos os méritos devidos ao médico maranhense. Entre esses méritos está certamente o de ter proposto um método comparatko para o estudo dos comportamentos do negro no Brasil e na Áfiica. Edison Carneiro e Arthur Ramos, apesar das diferenças que entre eles existem, foram herdeiros comuns desse método, ao qual, aliás, não poupam elogios e do qual diz explicitamente o primeiro: "Línguas,religiões e folclore eram elementos dessa comparação a que a história dava a perspectivajnal. Deste modo ganhou o negro a sua verdadeira importância em face da sociedade brasileiran(p.21 1). É a fase heróica dos estudos do negro no Brasil. Nela, a resistência intelectual alia- se a prática desta resistência, por parte & alguns pais e & algumas mães-de-santo de alguns candomblés na Bahia, diante da desafiicankqão progmmáma dos cultos no Sul do país; nela ainda há como que uma romantização do terreiro puro onde o conflito e a magia não aparecem, onde, numa aliança de interesses políticos entre intelectuais e proáutores da cultura, uns servem aos outros.* Os congressos & 1934, no Recife, e de 1937, na Bahia, apesar das disputas regionalistas pelo prestígio da autenticidade, partilham objetivos comuns: não apenas os de congraçar gente do povo e intelectuais, mas também, segundo os termos de Edison Carneiro (1%4:100), os & "contribuir para criar um ambiente de maior tolerância em tomo dessas caluniadas religiões do homem de cor"; ou, conforme Gilberto Freyre (1937:349), os de permitir que muita gente se voltasse para o assunto e descobrisse "nessas 'coisas & negro' mais do que simples pitoresco [. ..] uma parte grande e viva da verda&ira cultura brasileira". No que diz respeito às alianças, o depoimento de Pedro Cavaicanti (1935:244), apresentado no congresso do Recife, é exemplar e exemplificador: r...] emjns de 1932 reuniram-se na Diretoria Geral da Assistência a Psychopatas os paes e mâès de terreiros do Recife, e ahi foram acertadas medidas sobre o livre fincionamento das seitas. Nós nos comprometiamos a conseguir da polícia licença para tal. Os paes de terreiro nos abririam as suas portas e nos dariam os esclarecimentos

8 A tendência para romantizar o dominado contém, na prática, a tentativa de limpar a sua experiência de aspectos considerados negativos. No caso, as dissensões e disputas políticas internas ao grupo que a magia expressa. Mas tanto a solidariedade e a harmonia sociais, enquanto atributos de religiosidade, como o individualismo e as disputas politicas, enquanto predicados de magia, são, da mesma forma, &tutivos dos candomblés. necessários para que pudéssemos distinguir os que fan'am religião e os que fan'am exploração. Por outro lado, acreditamos que mesmo a "estrangeirização" do negro nessa fase heróica, se ocorreu, deve ser avaliada também de um outro prisma. Aquele que decorre do próprio heroismo e romantismo da fase: seria preciso refazer a identidade do negro no país. Deixando de ser escravo, arriscava-se a marginalidade que o estigma da escravidão lhe impunha numa sociedade de homens livres. Era preciso, pois, considerá-lo estrangeiro, &r-lhe um passaporte e fazê-lo entrar novamente no país através da eleição e da dignidade de suas origens. Vê-se por aí o quanto seria interessante comparar este movimento com o movimento & valorização mítica do índio do século XU(. Razões e impedimentos históricos os separam no tempo em quase cem anos. Apesar das diferenças que certamente serão muitas e importantes, é preciso lembrar que já Silvio Romero, na famosa advertência citada por Nina Rodrigues, chamava a atenção para a presença do negro na cultura brasileira fazendo menção da presença da América, vale âizer do índio, em nossas selvas. Pensando nessa possível comparação é que chamamos romântica essa fase dos estudos afro-brasileiros. Contrariamente ao que muitas vezes se pensa, as alianças de interesse, as relações entre os intelectuais e os produtores & cultura negra mostram que o meracio da produção acadêmica não é restrito à própria academia. Na verdade, esse tipo de aliança gera' compromissos mais amplos: aqueles em que o intelectuai busca o autêntico e cartorialmente o autentinca. Uma vez reconhecida a firma, o objeto da pesquisa integra, como prova de sua autenticihde, o carimbo do intele~tual.~ Beatriz Góis Dantas (1982: 162) observa que "omovimento de legitimação dos candomblés acompanhava o movimento de aproximação mítica com a Áfica. Os pais-de-terreiro que não podiam viajar bebiam a Áfica na literatura que no Brasi.1 se produzia sobre as crenças e práticas rituais dos candomblés mais puros". Deste fenômeno M referências não só em Roger Bastide que na década de 40, em sua primeira viagem ao Nordeste, encontra muitos pais-de-santo possuidores dessa literatura, mas também em Edison Came.iro (1964:208) para a Bahia, em @cular

Tanto as teorias raciais quanto as teorias culturalistas tendem a reificar a cultura. O carimbo do intelectual é um instrumento eficaz nessas abordagens, pois implica o reconhecimento da existência de uma cultura negra autêntica em algum lugar e em algum tempo. Tratar o problema da identidade com base nessa fonna de conceber a cultura é semeihante a organizar continuadamente expediçbes para explorar o tempo e o espaço em busca de tesouros @dos. Do nosso ponto de vista, identidade não é algo que se ache, como coisa escondida, mas algo que se constrói, que se forma nos processos efetivos de inieração social. Quiiomòos em São Paulo no que concerne a Aninha do Axê O@ Afònjá, e René Ribeiro (1952:103) para o Recife. No Sudeste, algo de semelhante ocorria. Mas o que servia para legitimar, em cima, era tido como exploração e mistifícação, em baixo. Tanto assim que no dia 5 & outubro de 1938 o Diário da Noite do Rio de Janeiro traz uma denúncia do mau uso que se fazia dos livros de Nina Rodrigues, de Arthur Ramos, de Edison Carneiro e de Gonçaives Fernandes para atrair turistas e grã-finose extorquir-lhes dinI&o em "autênticas macumbas" onde se negociava "com estas coisas cheirando a hca" (apud Ramos 195 1 :159).1° Não é muito diferente, sob alguns aspectos, a nossa reiação com o Cafund6 hoje; nem é tampouco muito desigual a atitude de dona Geni, com temiro de em Pilar do Sul, que chamada a intervir em assuntos graves & comunidade mostra- se em segui& fortemente interessa& em aprender a ''língua afiicana" para dar maior legitimidade ao seu culto. Nós apadrinhamos a comunidade, compramos porcos, sementes, alimentos, incentivamos seus membros a não deixarem o bairro, presiigiamos o uso & ''língua afiicana" que aos poucos foi dquirhdo valor & troca, soóretudo nas rela- com pesquisadores e com representantes dos meios de comunicação. Assim, além do papel de língua que os moradores Q Cafundó conscientemente lhe atribuem, alem da função ritual, niem>s aparente, que nós pesquisadores lhe reconhecemos, há este outro papel - o de mercadoria - instituído independentemente & vontade e do entendimento de uns ou & outros em particular, mas no interior de sua relação. Nesse caso, uma paiavra do vocabuiário banto do Cafundó não vale propriamente nem pelo que diz smbmente, nem pelo que esconde como parte de um ritual. Isto C, sendo sinal diacrítico, enquanto língua secreta, e signo de identidade mitica, no seu papel ritual, o ldxico afiicano é também objeto de troca no comercio intelectual entre a comunidade e os pesquisadores. Por volta de 1950 ewrra-se, segundo Edison Carneiro (1%4:116), a fase ab brasileira dos estudos do negro no Brasil. Embora sem praticá-la efietivamete, está ao mesmo tempo anunchndo a chamada fase sociológica desses estudos. No mesmo artigo progmdtico escrito em 1953 - "Os estudos brasileiros do negro", discutindo entre outras coisas o projeto patrociaado pela Unesco, ele escreve: Se o negro com sua presença alterou certos traços do branco e do indigena, sabemos que estes, por sua vez, trrmsformaram toda a vida material e esp?iíual do negro, que hoje representa apenas 11% dia popuIaçdo (1950), utiliza a língua portuguesa e na prbtica esqueceu

'O Essas infhnqões forrmi também colhidas na tese de Beatriz Góis Dantas (1982). Nela, em pariicuiar no Capituio 4, há toda uma parte - "A signinaçh da 'voita' A Áfíica e da exaitação do 'nag6 puro' " - que discute mais &tabdamente o problema. as suas antigas vinculações tribais para interessar-se pelos problemas nacionais como um brasileiro de quatro costados. Tudo imo signijca que devemos analisar o particular sem perder de vista o geral, sem prescindir do geral, tendo sempre presente a velha constataçdo ciendjica de que a modijicação na parte implica em modificação no todo, como qualquer modificação no todo importa em modi~caçi3esem todas as suas partes. (1 964: 11 7) Agora já não interessa mais o concerto ou o &mncerto do país em relação as nações desenvolvidas. É na dialética do universal e do particular que se Mo de encontrar os caminhos para as nações do Terceiro Mundo. Mas esse empenho programático não terá, como dissemos, maiores conseqiiencias na obra de Edison Carneiro, e sim na da chamada Escola Sociológica de São Paulo, com os trabalhos de Florestan Femandes, Femando Henrique Cardoso e Octavio Ianni, entre outros. Um caso curioso pela dualidade & comportamento te6rico é o do pesquisador francês Roger Basti&. Em As religiões aficanas no Brasil (197144) afirma em latim a sua identidade africana: "afhcanus sum". Essa adoção espontânea e um tanto emotiva & uma identidade africana, coerente com parte de seus trabalhos, é, no entanto, um pouco surpreendente quando se levam em conta as suas preoceteóricas presentes, por exemplo, no livro que escreve com Fiorestan Fernan&s (1959) - Brancos e negros em São Paulo -, sob o patrocínio da Unesco. Nessa época, a África já não tem a mesma importância epistemológica que tivera anteriormente. Importa, isto sim, a estrutura de classes no Brasil, a história particular do negro, primeiro como escravo, &pois como trabaihador livre marcado pelo estigma do preconceito de cor. Ao romantismo da fixe precedente substitui-se, então, um realismo de inspiração sociológica, & fundo social e & aspiração socialista. O movimento que se po& acompanhar nesses estudos, que comentamos de maneira bastante genérica, parece vir da análise em termos médico-legais para a análise culturalista e, enfim, para a análise sociológica, justamente na década em que, superada a queslh da nacionalidade, quer em termos de raça, quer em termos culturais, o pais não tem mais que se integrar em nenhum concerto universal & nações, mas ser um dos estopins da revolta terceiro-nnindisía contra a desigualdade e a injustiça social. Mas 1978, quando o Cafundb foi "~rto",são outros anos. O golpe militar & 1964 consolidou-se no poder; a guemlha urbana foi esmagada pelas forças de repressão; os modelos universais & redenção social do homem adquirem figuras de impasses históricos; o humanismo & direita (o liberalismo) e o & esquerda (o comunismo) perdem-se nas disputas de áreas & influência e em confrontos da hegemonia política; nas entrelinhas do universalismo reaparece o Quilombos em São Paulo

indivíduo, tanto no sentido próprio quanto no de pequenos grupos e categorias: as chamadas minorias. É mais ou menos nesse contexto, aqui delineados em traços rudes," que o Cafünd6 é ''-on. Mas a própria desmberta, sobre o fundo de miséria e abandono que revela, tece o processo multiplicador & outras identiáades. An1cano e caipira. mítico e real, eshanho e distante pela "língua secreta", familiar e próximo pelas relaç&s sociais de produção, o Cafündó é também o conjunto de representaçaes que dele se vão construindo na diversidade cíe interesses que nele se cruzam.

" O painel aqui esboçado é, sem duvida, incompleto. Tendências mais contemporâneas no estudo no negro no Brasil deveriam ser também apontaclas. Entre elas, a que poderíamos chamar l~co-antropológica, na qual nosso trabalho podena estar inscrito, camcterizand+se, de fato, por fszer uma espécie de antropologia da linguagem. Seria preciso mencionar outras perspectivas de anáiise que, mesmo partilhando de atitudes teóricas comuns a outros tratamentos, têm As vezes elementos singulares de distinção. É o caso, por exemplo, da obra de Clóvis Moura que, além de associar uma visão histórico- cultural do negro às signifiwçks estruturais de sua participação na sociedade brasileira, caracteriza-se também, entre outras coisas, pelo ativismo político de seu autor.

Carlos Vogt é linguista e poeta. Foi Reitor na Unicamp e hoje coordena o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo desta instituição. É também diretor-executivo do Instituto Uniemp - Fórum Permanente das Relações Universidade-Empresa. Peter Fry é antropólogo e professor do Mtuto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Foi professor no Museu Nacional e antes, quando de sua vinda da Inglatema para o Brasil, foi professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicarnp, que ajudou a implantar. Referências bibiiogMicas Amaral, A (1976) O dialeto caipira. São Paulo, 3' ediçilo. Bastide, R (1945) Imagens do Nordeste místico em branco e preto. Rio & Janeiro. .(1971) As religões aflcanas no Brasil. 2 vols. São Paulo. Cardoso, F.H. (1962) Capitalismo e escravidão no Brasil meridional. O negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. São Paulo. Carneiro, E. (1964) Ladnos e crioulos. Rio & Janeiro Cavalcanti, P. (1935) "As seitas africanas do Recife". In Estudos Aj-o-Brmdeiros. Rio de Janeiro Cunha, E. da (1914) Os sertões (Campanha de Canudos). Rio de Janeiro Dantas, B.G. (1988) Vovô na& e papai branco: usos e abusos da hcano Brasil. Rio & Janeiro. Fernancies, F. (1%5) A integração do negro na sociedade de classes, 2 vols. São Paulo.

,(1972) O negro no mundo dos brancos. São Paulo. Freyre, G. (1937) Novos estudos afio-brasileiros. Rio de Janeiro. Herskwits, M. (1941) The myth of the negro past. Nova York Ianni, 0. (1966) As metamorfoses dos escravos: apogeu e crise da escravatura no Bran'l meridonal. São Paulo.

Noronha, C. A. (1981) "CafUnd6 " Tese de mestrado em Arquitetura. Sorocaba. Kubik, G. (1981) Extensionen Afnkanischer Kulturen in Brasilien. Alano. Ribeiro, R. (1952) "Cultos afro-Brasileiros do Recife (Um Estudo de Ajustamento Social)", Boletim do Instituto Joaquim Nabuco em Pesquisas Sociais, número especial, Recife. Rodngues, N. (1977:Xv) Os aficanos no Brasi.1. São Paulo, 5' edição. Romeiro, S. (1977) Estudos sobre a poesia popular do Brasil. São Paulo. Essa Terra é santa, Essa Terra é nossa A Comunidade Quilombola de Ivaporunduva e o direito de propriedade

"Tendopermanecido, desde a dednciada mineração, acentuadnnente isolado dos centros urbanos regionais, o poWo de Iv~runduvaassumiu durante longo tempo asfeições de uma com uni^ racial e, em alguns aspectos,

culturalmente diferenciada... "

Renato da Silva Queiroz Quilombos em São Paulo

Essa Terra é santa, essa Terra é nossa A Comunidade Qwlombola de Ivaporunduva e o direito de propriedade

O Vale do Ribeira aóriga ainda hoje cerca de vinte ou mais comuniâaâes rexuan- de quilombos - "comunidades quilombolas" - muitas delas fkqüentemente atingidas ou ameaquias em sua integridade sobretudo pela grilagem de terras e projetos de construção de barragens hidrelétricas que se pretendem constdr naquela regiao. Uma dessas comunidades situa-se na área nuai do município da Estância Turística de Eldorado e 6 conhecida por Ivapomdwa, palavra cujo significado parece ser "rio de muita fnita" (Krug, 1942: 271). Um clima Úmido e quente caracteriza o Vale do Riiira (Petrone, 1%6:33), área de povoamento &&ante antigo que já contava com a presença de colonos europeus em meados do sécuio XVI. Boa parte de seus habitantes encontra-se dispersa pela área nuaí dos municípios, vilas e povoados mais ou menos próximos ao litoral. A vida econamica do Vale permaneceu estagnada ao longo de muitas décadas e somente a partir dos anos de 1970 passou a apresentar sinais de um certo dinamismo em razão da abertura de estraâas de todagem, expansão da rede de comunicações e de

O presente trabalho ccmstitui, em grande parte, uma síntese do meu livro Caipims Negros no Vale do Ribeim: um estudo de antropoIogia econômica (1983), escrito com base em pesquisa de campo realizada em Ivapomduva entre 1977-1980. Nessa ocasião, contei 202 moradores na Comunidade Ivaporunduva, 166 dos quais declararam-se nascidos no próprio povoado. abastecimento, tudo isto em decorrência de maciços investimentos oficiais para lá canalizados depois que a região foi sacudida por um surto guerrilheiro liderado pelo capitão iamarca. Embora as sedes dos municípios tenham se beneficiado destes investimentos, o mesmo não se verificou, conhido, nas zonas mais afastadas dos núcleos urbanos, a não ser indiretamente, e mesmo assim as vezes com resultados negativos, pois sua população, composta na quase totalidade & pequenos sitiantes e posseiros, passou a ser assediada por fazendeiros e empresários seduzidos pelas terras que se valorizaram. Abertura de estradas, incremento da pecuária, estímulos aos cultivos de cacau, chá, banana e outras culturas, todos esses fatores transformaram certas áreas antigamente inacessíveis e depreciadas em zonas disputadas, sendo por isso lá frequentes os litígios envolvendo terras ocupadas por famílias de camponeses- posseiros que retiram da agricultura, da pesca e do extrativismo os seus escassos recursos de subsistência. De modo geral, o povoamento da Baixada do Ribeira, sobretudo o das áreas mais atkbdas dos atuais centros urbanos, é resultante da penetração de colonos europeus através das vias fluviais. Nessa expansão, encontraram pela frente aldeias ináígenas, provavelmente grupos Tupiniquins, de quem teriam assimilado as técnicas & cultivo do solo, perpetuadas pela população rurai & região (Pinho, 1964:29/30). Já a sede do município da Estância Turística de Eldorado teria sido fundada no sécuio XVIII, com as penetrações de mineradores através do rio Ribeira e seus afluentes, surgindo assim um dos primeiros povoados no interior da região (Pinho, 1964:31). Outra versão nos informa que Eldorado teria se originado & um aldeamento indígena já em fins do século XVI (Almeida, 1947:49). Ivaporunduva: a origem e o mito de origem As fontes mais antigas pertinentes i comunidade de Ivaporunduva talvez sejam as anotações deixadas por Edmundo Krug no relato da viagem que fez pela regiao, documento importante publicado em 1912 (primeira edição) na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Partindo de Eldorado pelo rio Ribeira de Iguape, após dois dias de viagem Krug chegava a Ivaporunduva, [...I logar ermo e habitado por algumas famílias de pretos, descendentes dos escravos de época da qual logo mais tratarei. Uma capellinha, sem architectura alguma, apenas com uma larga porta no pavimento térreo e duas janellas no andar superior, que dão lu ao côro, está construida no logar mais alto da beira do Ribeira: íngremes morros, como o morro da "Joanna"e outros, cercam-n'a pelo lado de traz, dando assim ao logarejo uma vista agradável e poetica @g, 1942:272). Quilombos em São Paulo

Assinala ainda o nosso viajante que naquela época - final do sécuio XIX e início Q XX - Ivaporundwa abrigava um pequeno número de habitantes, [...]fazendo, talvez, sómente o necessário para entreter a vida e ganhar alguma cousa mais do que o suficiente quotidiano. E acrescenta: O arraial, que é bem mais antigo que Jaguary (Itaúna), está hoje em completa decadência, havendo ahi talvez só umas seis casas mal acabadas quasi em ruinas, habitadas por pessoas que se dedicam exclusivamente á lavoura e gado (idem). Em 1914 Cornelio Schmidt, que perambulou pela região com a comissão geográfica e geológica do Estado de São Paulo encarregada de avaliar a área do rio Ribeira de Iguape e afluentes, registrou algumas outras observações a respeito de Ivaporunduva : Este logar, interessante pela sua posição entre morros, está situado na margem esquerda do Ribeira; compõe-se apenas de ires casas velhas e uma pequena capella mais velha ainda, a qual, diz a tradição ter sido construida pelos captivos que, ha mais de 240 anos, mineravam ouro, no Ribeirão de Ivaporunduva. Por concessão de seus senhores, dispunham dos domingos para a construcção do templo; verdade é que este ribeirão tem fama, de longa data, de grandes riquezas em ouro (Schmidt, 1914: 1). Vê-se assim que os dois autores acima citados descrevem Ivaporunduva como uma comunidade bastante antiga e isola&, habitada por áescendentes & africanos escravizados que para lá foram compulsoriamente levados no século XVIII por senhores sedentos de ouro. Destacam eles, ademais, as modestas atividades econômicas dos moradores lá estabelecidos, práticas típicas do que se chama hoje de "economia de subsistência". Ambos também mencionam, por fim, a existência de uma capela, &cada pelas mãos dos próprios cativos em 179 1. A precariedade das edifícaq&, relataáa tanto por Krug quanto por Schmidt, pode ser atribuida à decadência da mineração, com o que os &scen&ntes dos africanos escravizaáos que permaneceram em Ivapomáuva viram-se oôrigaáos a encontrar formas alternativas de obtenção de meios de vida. Além disso, se o núcleo áo povoado dava a impressão de congregar poucas famílias, é porque boa parte delas localizava-se em glebas distmciadas da área central2, configurando assim uma forma característica de povoamento no mundo agrário paulista, conhecida como "bairro rural" (Miiller, 195 1; Queiroz, 1%7; Candido, 1964). Na memória de seus atuais moraáores, a origem de Ivaporunáuva remonta à chegada ao local de uma senhora portuguesa, de nome Maria Joana, que para lá

Era hábito arraigado dos moradores, seja por comtnqhento, seja por temor, esconderem- se quando da chegada de estranhos. levou negros escravizados para o seMço da mineração de ouro. Essa lendária mulher teria mandado construir mais tarde a capela onde pudessem ser realizadas as celebrações religiosas e também uma casa para sua moradia. A capela sobreviveu ao tempo e foi tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDFPHAAT). Da casa, já demolida, assim como do cemitério local, restavam no final dos anos de 1970 apenas vestígios das fundaçks. Adoentada, teria essa senhora retomado a Portugal, não sem antes doar suas terras à santa padroeira do povoado - Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos - e alfoniar os escravos. Difusa entre os habitantes de Ivaporundwa é também a crença na existência de uma fortuna em ouro, escondido nas paredes da capela. A luz de uma reflexão antropol&gica,o relato dos moradores contém, grosso modo, todos aqueles elementos que configuram um verdabeiro mito de origem de um grupo ou povo: 1) uma personagem lenMa escolhe um determina& local para se estabelecer; 2) cria as condições para a emergência & um ambiente humanizado (construção da capela e difusão da fé cristã) e, mais tarde, tendo compieiado a sua missão; 3) retira-se para terras distantes, inatingíveis (Portugal); 4) deixando para trás uma comunidade estrutura&, iguaütária (alforria dos escravos) e rica (o ouro escondido nas paredes do templo religioso). Edmundo Krug teve o cuidado de trankmer em seu relatório de viagem certas passagens do Livro de Tombo de Xiririca (antiga desigt@ío do município de Eldorado), revelando que a senhora referida pelos moradores de Ivaporundwa chamava-se Joanna Maria, nascida em Minas Gerais (e não em Portugal), fálecida [...I aos 2 de abril & 1802. com idade & noventa annos. sem deixar bens alguns, porque em vida soube dish-ibuil-os, e remunerar com a liberdade os escravos que lhe servi% (Kmg, 1942: 274). As anotações do Livro de Tombo, prossegue Kmg, registram que a coluiru@o da capela data de 1791. E como Toda igreja deve ter um pahimonio, isto d, bens consignados para o sustento do padre que ahi diz missas, ou então para, com os rendimentos, poder se concertar a igreja, o cem-tèrio,emfim para se poder manter decentemente tudo o que diz respeito á casa de Deus, [...I este patnmdnio pode constar & casas, [...] ou de terrenos, que são alugados para lavradores, ou mesmo de terrenos aurifros em arraiaes de minas @. 276). No caso de Ivapo- tido como um lugar muito rico, I...]ldgrco era que qualquer proprietário piedoso tivesse feito doaçtio de alguma lavra à Santa protetora da capellinha. O ouro era bateado tambdm pelos crentes, que, por mera devoçdo, ~servavamalguns dias do anno para este serviço, cujo producto, depois de lava&, era entregue & igreja (idem). Consta que do patrimônio da capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos faziam parte uma casa de taipa e uma lavra de ouro. KNg avalia que a Quiiombos em São Paulo capela era "remediada", possuindo bens cujos juros, somados às contribui@es dos pretos, davam margem a uma ornamentação decente. Pode-se deduzir do exposto que o território tradicionalmente ocupado pela comuniâade de Ivaporunduva excede em muito a gleba de terras que teria sido doada à igreja, já que, com o declínio da mineração. vastas extens&s de terrenos tiveram de ser afrontadas e apossadas pelos remanescentes dos escravos para servir às práticas agrícolas e extrativistas lá implantadas e que sucederam à mineração. Como já foi devidamente demonstrado (Woortmann, 1983), os pequenos produtores nuais autônomos utilizam parcelas de terras superiores em extensão às &tas dediadas à morada e à roça. Glebas contendo mata e capoeira, por exemplo, são indispensáveis à produção - e, igualmente, à reprodução camponesa - à medida que fornecem aos produtores insimios tais como lenha, vegetais para alimentação dos animais domésticos e plantas medicinais, sem contar as áreas para a jmstagem de algumas ca- de gado e também terrenos postos a descansar depois de intensamente cultivados. A regra é que estas porções de terreno sejam coletivamente utilizadas, enquanto as glebas destinadas à moradia e ao plantio ficam sob o controle direto das Eamilias que as ocupam num determinado momento. Conclui-se dai que o "sítio camponês" configura-se como um conjunto de espaços diversificados mas articulados segundo uma lógica que não costuma ser percebida pelos que o avaliam à luz das categorias próprias à propriedade privada capitalista da terra. Tendo permanecido, desde a decadência da mineração, acentuadamente isolado dos centros urbanos regionais, o povoado de Ivaporunduva assumiu durante longo tempo as kições de uma comunidade racial e, em alguns aspectos, culturalmente diferenciada, portadora de uma idéntidade própria (vide o mito fundador da comuniâade), definida por seus intemtes como um grupo à parte em razão da singularidade de sua origem e também porque assim era visto nos núcleos urbanos com os quais mantinha esparsos contatos. Mas em 1%9, concluída a construção da rodovia Eldoraâo-Iporanga, encerra-se este prolongado período de isolamento de Ivaporunduva. Antes que a rodovia fosse construída, o acesso a Ivaporunduva era penoso, implicando viagens demoradas e arriscadas. Havia tão somente o caminho natural pelo rio Ribeira: aproximadamente dois dias de viagem em rústicas embarca@es, partindo-se de Eldorado. Na época das chuvas e das cheias, sobretudo de dezembro a março, o percurso tomava-se ainda mais perigoso, donde os numem acidentes e mortes por afogamento. Um morador assim evoca tal época: naquele tempo não tinha estrada, era só caminho roçado de foice. Agora é que tem esta estrada boa. Mas era custoso aquele tempo. Nbutro tempo, quem nao sabia remar tinha de alugar canoa. Saía daqui e ia para Eldorado; nbutro dia fazia sua compra, saía de Ia e era no outro dia que chegava aqui. Era três dia de viagem. Agora a gente vai num dia e volta no mesmo dia. M0rn.a muita gente n'água, dava muito prejuízo. Depois que abriram a estrada, acabou o mom'mento de gente3. Assim, enquanto perduraram as limitações de transporte, os moradores de Ivaporunduva dirigiam-se a Eldorado quase que tão somente por ocasião da Páscoa, e sempre pelo Ribeira. No período anterior a construção da capela eram feitos, os oficias divinos, exceptuando os casamentos, na casa desta "piedosamulher", chamada Joanna Maria; fazia-se isto ahi devido a uma representação que fez o povo do logar ao figanano Capitular, com séde em São Paulo, allegando que a longa jornada até Xiririca fazia-lhes perder muito tempo, e sendo constantes as enchentes do Ribeira, os desastres eram Peqiientes (Kmg, 1942:274/275). De escravos a camponeses Em linhas gerais, pode-se reconstituir as diferentes etapas na trajetória da comunidade de Ivaporunduva desde o primeiro momento de sua constituição. De início, a ocupação do local deveu-se a exploração do ouro, com a fixação de mineradores e seus escravos. Através do rio Ribeira, conduzia-se o metal extraído das minas até Eldorado e Registro, centros que se encarregavam da distribuição do produto. Parte dos mantimentos necessários a subsistência dos integrantes do povoado e da manutenção do empreendimento deveria ser adquirida nestes centros, produzindo-se o restante na própria área de mineração. No período em apreço- segunda metade do século XVIII -, não eram tão raros os contatos com os núcleos acima aludidos, conseqüência da atividade mercantil então dominante. Com o colapso da mineração os escravos foram alfomados e entregues a própria sorte, refugiando-se nas práticas de uma economia & subsistência ancorada no cultivo de pequenas roças - sobretudo arroz, milho e feijão -, suplementando a atividade agrícola por meio das atividades de pesca, coleta e caça. Apossaram-se de parcelas de terras livres relativamente próximas ao centro do povoado e isolaram-se em núcleos familiares que compunham um grupo mais extenso e igualitário graças aos vínculos de solidariedade e de sociabilidade baseados nas obrigações mútuas próprias do parentesco, da vizinhança e do compadrio. Construíram, enfim, uma identidade própria, centrada na origem comum, na cor negra da pele e sobretudo na devoção a santa padroeira de Ivaporunduva, Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. E assim permaneceram durante decadas e décadas até meados dos anos de 1950. No período aqui em consideração, alguns intercâmbios com núcleos mais afastados restringiam-se às trocas para aquisição de produtos tais como sal, querosene e

Todas as falas de moradores transcritas neste trabalho foram retiradas de Queiroz, 1983 Na década de 1950 os moradores de Ivapomáuva praticamente abandonaram as roças de subsistência que cultivavam e passaram a extrair palmito das matas vizinhas. atividade que perdurou até o final da decada de 1%0. É bom lembrar que a progressiva áevastação florestal do Estado de São Paulo fez com que das vastas porções de mata restantes no Vale do Ribeira fossem cortadas expressivas quantidades de palmito por Ma da superexploraçáo da força de trabalho camponesa local. A extração do palmito impôs uma maior dispersão demogránca, abandono das roças e das criações, acarretando também um certo afrouxamento dos mecanismos tradicionais de entreajuda e sociabilidade5. As condições de vida e trabalho do cortador & palmito são em gemi muito penosas: ocupaçfh & habitações transitdrias e precárias, exposi@o constante a intempéries, alimenbçb deficiente, isolamento, endividamento, etc. Mais do que isso, essa atividade submeteu toda a comunidade ao controle do compradar do paimito, alem de torná-la economicamente vulnerável porque dependente de um Único produto. 0sdemais meios & vida, até então praduzidos diretamente pela comunidade - o que lhe garantia acentuada auto-suficiência - passaram a ser aáquiridos por meio de trocas monetárias, não sendo raro que um mesmo agente desempenhasse o duplo e lucrativo papel de comprador de palmito e vendedor de outras mercadorias. Assim, de lavradores a paimiteiros, os moradores viram-se compelidos a uma troca cada vez mais desigual e impossibilitados, a partir de então, de retornar à condição anterior, a & lavraâores, quer pela inexistência âe um "fundo de comu6, perdido com o abandono das roças e das criaçk, quer pela introdução de hábitos, necessidades e estilo de trabalho até aquele momento desconhecidos no interior do povoado. Tristes evocaç&s a respeito da época em que o corte do palmito monopolizava a comunidade de Ivaporunduva pontuam as falas de moradores mais velhos: o pessoal daqui trabalhava muito no corte do palmito nesse sertão. Corta palmito, corta palmito, e esqueceram da lavoura. O palmito mesmo não dava nada, era coisa muito barata. Era trinta palmrmrtoe pagavam uma dúzia. Nojim o pessoaljicava só com a canseira e nada fazia. Palmiteiro C bicho danado, com o perdão da palavra. Então, esqueceram da lavoura, o mato cresceu e estragou tudo. Ficaram sem roça.

Mecanismos que openun em práticas sooiais tais como o mutirão, festas religiosas - sobretudo a da Padroeira -,ritos fúnebres etc. Meios de consumo necessários a manutenção do trabalhador antes da finairzação da produção (Marx, 1971 :459). Quilombos em São Paulo

tecidos, bens em geral disponíveis apenas em povoamentos mais adensados4. A propósito, já foi dito que os homens livres e pobres âas áreas rurais paulistas dirigiam-se às cidades raramente, e quando o faziam era a procura de sal, religião e justiça que se deslocavam (Franco, 1969). E certo que esse isolamento deveu-se também a composição racial da comunidade de Ivaporunba. Pretos em sua grande maioria, jamais foram esses descendentes de afiicanos escravizados bem aceitos na região. Vítimas do preconceito de cor e dos processos de estigmatização e discriminação típicos da sociedade brasileira, os nossos sujeitos permaneceram segregados ao longo deste tempo todo. Para que se tenha uma ligeira iâéia das representações premnceituosas com que ainda são avaliados, transcrevo a seguir a fala de um residente de Elâorado: as pessoas & Ivaporunduvo são gente simples, alguns até com seis dedos em cada mão. Eu me lembro, quando ainda eu era criança, chegava uma canoa lá de cima, a gente procurava saber se vinham porcos ou se vinham doentes. Antigamente apareciam muitos casos de lepra. Eles tinham um modo estranho de falar, uma fala meio cantada. A gente tirava o sarro da turma, gozava. De fato, a gente notava aquela pronúncia. Dizem que andavam quase nus por lá. A gente sabia que todos os de lá de cima dificilmente eram brancos. A maior parte era de cor preta. Por outro lado, os nossos sujeitos revelam boa percepção dos estigmas que lhes são atri'buídos, como se poáe verificar pelo depoimento de um dos mais antigos moradores de Ivaporunduva: a naçHo daqui é tudo de preto. Quando o branco sai de lá para cá, ele quer meter o pau na gente aqui que é preto. Aqui nós somos pretos. Agora, vem o branco de lá, nós queremos respeito! Fartamente reveladora da percepção acima assinalada, essa faia acentua, ademais da manifestação de uma identidade contrastiva e racialmente construída, ma consciência grupai que se evidencia no emprego do temo "nação". A propósito, Antônio Cândido (1%4) recolheu da saôedoria de um antigo caipira a indicação de que o bairro rural C uma "naçãozinha". E, apesar de todos os obstáculos, a "nação" dos pretos de Ivaporunduva vem persistindo pelo menos desde meados do século XVIII.

Para que se tenha idéia da rusticidade decorrente deste isolamento, ainda em 1%9 as mulheres cortavam a foice os tecidos utilizados na confqão de roupas, pois não dispunham de tesouras, segundo nos informou em 1979 a esposa do então agente educacional- comunitário residente em Ivaponinduva. Quilombos em São Paulo

O agente educacional que chuante vários anos prestou relevantes serviços para a comunidade assim defíniu a atividade dos palrniteiros: o palmito estraga qualquer região. magaos moradores e talvez facilite para os donos de fábrica. O que aconteceu aqui quando eu cheguei é que eles cortavam dez dúzias de palm.to e recebiam por duas ou três. Eles pegavam um pacote de palmito e era um. Este interneatário que compa palmito põe também uma chiboguina e o que vai lá no mato cortar palmito, quando vai acertar as contas,já está devendo outra vez. Entdo, o que faz? Compra pinga e leva pro mato. A tuberculose aqui é acentuada porque é conseqü@nciaainda do tempo do palmito, falta de al~mentaçãoadequada e serviço intenso, com sol e chuva. N&o tinha o que comer, eles tomavam pinga. O trabalho assaianado O final da &aia de 1%0 leva até Ivaporunciuva a estrada de rodagem e com ela também novos costumes, hábitos, necessidades, mercaãorias, apropriação privada e cercarnento & terras e, soòretuúo, um tipo de relação de trabalho até então esbanho ao grupo: o dariamento. Fragilizados pelo engajamento no corte do palmito, deqmvidos & fundos de consumo, os nossos sujeitos, tendo pela frente a redução & disponibilidade de terras e a progmsiva dependência face às trocas monetizadas para o provimento & necessidadeç ampiiadas, viraxn-se coagidos a vender a sua força de trabalho aos fãzendeiros da região. Muitos chefes de Ebmilia, deixando mulheres e fiihos no bairro, partiram à procura de trabalho nas fazendas, onde pemamciam às vezes por vátias semanas. Quando retomavam, traziam ine@vas quantias em dinheiro e escsssas mercadorias. Na condição de "diaristas", jamais viram respeitaâos os seus direitos trabalhistas. De outro lado, permaneciam sedentárias as mulheres, labutando nas roças, contando às vezes com uma fbrça & trabalho masculina sempre eventual e suplementar. Por sua vez, moças e rapazes solteiros jxwaram, a migrar à procura de oportunidades de trabalho nos centros urbanos. As primeiras ofereciam-se ocupações suboùtemas, em geral empregos domésticos, e aos segundos nada além de algumas colacapões nuais ou urbanas igualmente mal remuneradas. Cowo período no qual a comunidade com@-se de grupos familiares auto-sufícientes com essa fase mais mente, caracterizada pelo assalariamento, um velho morador assim se expressou: é certo que não c0rn.a dinheiro, mas a pessoa plantava e comia do seu, do bom. Eu tenho 74 anos [em 19791, nunca tive recurso, mas também nunca me entreguei em fazenda nenhuma. isso é como a escravatura que está voltando de novo. A transição para o trabalho dariado, assim como já ocorrera com a introdu$lo do corte de palmito, acentuou a c&so~oda comunidade de Ivaporunduva empobrecendo as famílias, roubando braços às lavouras de subsistência. subvertendo costumes e amtxqando sobremaneira as suas práticas tradicionais de solidariedade. Tudo isso compunha um quacb.o ameaçador, colocando em risco a própria reprodução da comuniâaâe enquanto um grupo camponês cujas terras, tidas como sagradas - as "terras da santa" -, vinham sendo progressivamente grilaâas. Conclusões Uma ação ordinária declaratbria foi recentemente proposta, perante a 2" Vara da Justiça Federal, contra a União Federal, a Fazenda do Estado e a "Alagoinha" Empreendimentos S/& solicitando o reconhecimento de Ivaporundwa como uma comunidade descendente de quilombo. Ademais, os seus advogados pleiteiam que a União se veja oôrigada a demarcar as terras que a comunidade vem ocupando pelo menos desâe meados do sécuio XWI, bem como a emitir-lhe um titulo dorniniai. Como já foi visto, essas reivindiczqões da comunida& de Ivaporunduva baseiam-se em sólidas evidências históricas, antropo16gicas e até mesmo arqueológicas, e por isso encontram total amparo nas disposições constitucionais da Carta ~agna'. Senão, vejamos. Antes de mais nada, é preciso mencionar os critérios recentemente estabelecidos para a definição das "comuniáades quilombolas": não são elas apenas as constituidas de remanescentes de escravos fugidos, mas toda comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da cultura de subsistência e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o jmssado8. Sendo assim, devem ser feitas as seguintes considerações: Em primeiro lugar, fontes escritas (Kmg e Schmidt) e a própria tradição oral dos moradores mostram que a comunidade de Ivaporunduva originou-se & um grupo de escravos que para lá foram compulsoriamente mn&eridos na condição & m3o de obra cativa destinada a mineração do ouro. Em segundo, a capela existente em Ivaporunduva (tombada pelo CONDEPHAAT) data, segwido q$tros escritos, & 1791, e tudo indica ter sido construída pelos próprios cativos, configurando pois, a um só tempo, uma evidência de ocupação bastante antiga da área e um patrimônio da comunidade.

' Os artigos 215 e 216 da Constituição Federal e o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transit6rias conferem o direito de propriedade aos remauescentes das comunidades de qwiombos. Para uma melhor compreensão deste assunto, vea neste mesmo lim o excelente Relat6rio Final do Grupo de Trabalho criado pelo Decreto no 40.723 de 21/03/1996. Def~çãoadotada pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA) em 1994. Quilornbos em São Paulo

Em terceiro, convém observar que os bcenáentes dos escravos lá nxados jamais deixaram as giebas em que se estabeleceram, fazendo delas uso continuo e coletivo, ao longo de diversas geraçib, para a obtenção de seus meios de vida. Em quarto, é importante assinalar que esses re-tes de escravos construíram uma autêntica comunidade, ou seja, um grupo aut6nomo e auto-suíiciente de unidades familiares articuladas graças aos vínculos de parentesco, compaário e vizinhança. Em quinto, vale lembrar que esse grupo vê-se a si mesmo e também é visto como um grupo diferenciado, portador de uma identidade pr6pria com base em elementos raciais, culturais e históricos. Em sexto, não convém esquecer que o grupo elaborou um mito de origem para explicar a sua constituição singuiar - enquanto grupo social diferenciado - e para dar conta de sua persistência ao longo do tempo. Em sétimo, convém suóiinhar que as terras são tidas como propriedade da comunidade, da "santa", muito embora sejam utilizadas pelos grupos familiares à medida das suas necessidades. Isso configura um padr%o bastante pecuiiar de apropriação do patrimônio temtorial, a assim chamada "apropri@o comunal". Por fim, é preciso enfatjzar que a comunidade de Ivapo- tem sido estigmatizada, avaliada por meio de apreciações preconceituosas, segrega& e vitimada por graves injustiças, tais como apro- indsSbta de suas terras e supererrpioração da força & trabalho & seus integrantes. Passadas tantas décadas, nada mais justo, portanto, que essa comunidade quilombola possa obter, na forma da lei, as áeviclas nqm@es e o pleno mmnhecintento de seus direitos.

Renato da Siiva Queiroz 6 profm do Depriamento de Antropologia da Universidade de São Paulo. Referências bibüogdkas Almeida, A P. (1947) "Erecção & capela de Nossa Senhora da Guia de Xiririca7'. In: Revista do Arquivo Municipal. Silo Paulo, ano MV, vol. CXVI, outubro/novemôro/áezembn,. Candido, A (1964) Os Parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transfomuç& de seus meios de vida. Rio de Janeiro, JdOlympio Editora. Franco, M S. C. (1969) Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo, Instihito de Estudos Brasileiros & Universi* & São Paulo. Kmg, E. (1942) ''Xiririca, Ivapom&va e Yporanga". In: Revista do Instituto Histórico e Geogrdflco de São Paulo. São Paulo, vol. XW, páginas 2591291. primeira eúição: 1912). Marx, K. (1971) "Formas que precden a la pmbaión capitalista". In: Elementos Fundamentales para lu critica de lu economía polftica (Borrador - 185711858). Buenos Aires, Siglo Veitiuno Editores S/A (vol. 1). Müller, N. L. (1951) Sítios e sitiantes no Estado de aoPaulo. Sgo Paulo, hletim no 132 & FFLC da Universidade de São Paulo (Ge~grafía,7). Petrone, P. (1966) A Baixada do Ribeira: estudo de geografia humana. !%o Paulo, Boletim no 283 & FFCL da Universidade & São Paulo (Geografía, 14). Queiroz, M. I. P. (1967) ''I3airros Rurais Paulistas7'. São Paulo, Revista do Museu Paulista, NS, vol. XW (separata). Queiroz, R S. (1983) Caipras Negros no Vale do Ribeira: wn estudo de antropologia econômica. São Paulo, FFLCH & Universidade & Sío Paulo (Antropologb, 1). Schmiát, C. (1914) "Relatório da Exploração do rio Ribeira & Iguape e seus afnuentes". In: C-ssdo Geographica e Geologica do Estado de S. Paulo. 2. eúi@o, São Paulo, Tipographia de Rotbschild & Co. Waortmann, E. F. (1983) "O sítio camponês". In: Amcbio Antropológico 81. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro; Foríaleza, E£EipaeS Universiidade Federal do Cear& páginas 1641203. Quiiombos em Sõo Paulo

Parte I11 Quilomhos em São Paulo

Comunidade I\~aporunduva-Andara B. Automare, Itesp, junho197

119 Quilombos: Repertório Bibliográfico de uma Questão Redefinida (1995- 1996)

". .. os quilombos, tomados como objeto de reflexão, tendem a constituir hoje uma temática específia com um corpo de conceitos, de noções operacionais e de aplicap%s próprias, configurando um campo de pesquisas

rehtivarnente autônomo... "

Alfkedo Wagner Bemo de Almeida Quiiomòos em São Paulo

Quilombos: Repertório Bibliográfico de uma Questtio Redehida (1 995- 1996)'

A realização deste levantamento bibliográfico, enfocando os títulos publicados no decorrer de 1995 e 19%, direta ou indiretamente referidos aos quilombos, tal como desipacb hoje, teve por finalidade precípua atualizar referências bibliográúcas de trabalhos que produzi, anteriormente, em 1988 e 1994. Não foi pensado como um "balanço", uma resenha ou uma revisão crítica da literatura concernente ao tema. Seus propósitos mais circunscreveram à enumeração de títulos, às propriedades de posição dos autores e das agências a que estão referidos e às suas reiações com o campo político. Aliás, o período selecionado é arbitrário e se atém As necessidades próprias ao desdobramento de projetos de pesquisa em curso. Tal iniciativa ocorre no momento em que se consolidam vastos planos de relações sociais que têm na construção do dado étnico um elemento central para interlocução com instâncias de poder e com diferentes circuitos de mercado. Embora, tal consolidação se constitua numa premissa que orienta o presente levantamento, não há consenso quanto a ela. Para alguns sociólogos e economistas, estaria crescendo a importância da identidade étnica, como fonte de ação política e de decisões econômicas, acentuando elementos contrastantes e conflitivos face às medidas de inspiração neo- liberal. Para outros, entretanto, o advento & globalização e das medidas de mercado aberto, ao contrário, diminuiria essa importância, bem como aquela da identidade nacional ao favorecer a formação de blocos econômicos e estabelecer medidas com pretendi0 homogeneizaáora, que idealmente diluiriam as diferenças

' Artigo elaborado em fevereiro de 1997. através do prindpio do consumidor pleno. A aceita@o da assertiva inicial recoloca este levantamento sobre os quilombos num campo temático polêmico e bastante redefínido. ' Em consonância com a premissa e a partir tamóém de realidades empiricamente ObseNáveis pode-se adiantar que, mais do que antes, o dado étnico conjuga-se e, por vezes, se sobrepõe a condição camponesa nos pleitos e reivindicaçks, constituindo-se, a nosso ver, juntamente com os critérios relativos à consciência ecológica e aos vínculos locais profundos, numa das características elementares do que tem sido designado por Hobshwn e Blacktwun como "novos movimentos sociais". Emana dessas práticas um elenco de questões essenciais à reprodução de diferentes segmentos camponeses, recolocando em pauta, como tema obrigatório da agenda do campo de poder, não apenas a garantia de livre acesso aos recursos naturais úásicos, mas sobretudo o reconhecimento formal de suas identidades coletivas, de seus territórios efetivamente ocupados e das normas consuetudinárias e atos cotidianos que disciplinam o uso comum da terra e o manejo dos demais recursos. Sob este aspecto os quilombos, tomados como objeto de reflexão, tendem a constituir hoje uma temática específica com um corpo de conceitos, de noções operacionais e de aplicações próprias, configurando um campo de pesquisas relativamente autônomo, que não se subordina exatamente aos contornos da questão racial, tal como constituída desde as interpreta@.& de Nina Rodrigues e de Arthur Ramos. Para além de um tema histórico, o quilomb consiste num instrumento através do qual se organiza a expressão político-representativa necessária a constituição, ao reconhecimento e A fixação de diferenças intrínsecas a uma etnia. Por intermédio da categoria quilombo, ressemantizada tanto política quanto juridicamente, tem-se, pois, um nwo capítulo de anrmaç%o étnica e de mobilização política de segmentos camponeses, que se derem particularmente às chamadas comunidades negras nuais dou terras de preto. O conceito de etnia, aqui, não é definido por critérios naturais de nascimento, tribo e religião, antes é construído a partir de conflitos sociais. A anrmaç%o étnica em jogo não se atém necessariamente a critérios mais óbvios ditados por rituais religiosos, por elementos lingüísticas, por características raciais (estatura, formas corpóreas, cor da pele, cor dos olhos, cor dos mamiios, espessura dos fios de cabelo) ou ainda por itens de cultura material (arquitehm das casas, planta física do pavoado, formato dos instrumentos de trabalho, tipos de peças de vestuário, de ornamentos - brincos, colares, corte de cabelo - e & cerâmicas).

Para outras infomações a respeito desia polêmica consulte a seguinte coletânea: Wilemsen, E. N. and McAllister, P. (Eds) - 19%. "The Politics of Difference" - Ethnic Prsnises in a worid of pwer. The University of Chicago Press. Quilombos em Sdo Paulo

Tais procedimentos classificatórios, que Qirante longo período na história das ciências. foram tidos como objetivos, são interpretados, agora, como modalidades de representação eivadas de noções estigmatizantes, cuja eficácia como instrumento explicativo mostra-se limitada. A emergência do dado étnico aparece atrelada a consolidação de uma identidade coletiva fundada, tanto numa autodefínição consensual, quanto em práticas político-organizativas, em sistemas produtivos intrínsecos (unidade de trabaího Mar, critérios ecológicos) e em símbolos pr6prios que podem inclusive evocar uma an-idade legítima, mas que marcam, sobretudo, uma política de diferentes face a outros grupos e uma relação conflitiva com as estruturas de poder do Estado. Se a referência a quilombos denota, por um lado, uma certa particularidade de categoria datada, referida a uma situação histórica específica, ou seja, retomada no caso brasileiro desde a Constituição de outubro de 1988, por outro, a abmngência da identidade étnica é mais genérica e transnacional e se confronta com o próprio advento de uma globaiização com pretensões homogeneizadoras. No que concerne ao dispositivo constitucional, mais exatamente o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o pano de fundo & referência implicaria em como resolver juridicamente os problemas, dentre eles o agrário, dos segmentos sociais que estiveram submetidos a escraviâão formai em passacio recente. Em outras palavras, como assegurar aos descendentes de escravos a condição de cidadãos com plenos direitos, iguais aos demais. A engenharia jurídica ao instituciooalizar a expressão remanescentes das comuni& de quiíombos evidencia a tentativa de reconhecimento formal de uma transfo~osocial considerada como incompleta. A institucionaiização incide sobre resíduos e sobrevivências, revelando as distorções sociais de um processo de abolição da escravatura limitado, parcial. Historicamente, no que se convencionou designar como Américas, com o processo de abolição da escravatura constituíram-se diferentes situações de camjssinato. No Haiti e outras regiões do Caribe, o declínio & plantation canavieira propiciou, num primeiro momento, a f0rmaç%o de um proto-campeshto escravo, consoante os estudos de Mhtz e ~olf,~e posteriormente uma autonomia econômica e política. A guerra de liberbção dos escravos no Haiti mescla-se com o advento de uma identidade nacional. Nos Estados Unidos, por sua vez, howe sobretudo a consolidação dos chamados blackfarmers4 e de um campesinato parcelar, após

Cf. Mintz, S. W. - 'Fmm plantation to peasantries in the CaribW. h: Caribòeun Contours. Edited by S. W. Mintz and Sally Price. The Johns Hopkins Press. 1985 pp. 127- 153 Nos Estaâos Unidos, por exemplo, não há uma discussão sobre a "'atualidade dos quiiombos". O fator étnico aparece conjugado com uma discussão sobre o campesinato parcelar, desimum tipo mcuiar de fam. Hb uma vasta literatura que enfim o tema dos black fanners e as suas iransfiiões desde íinais do sécuio XIX, passando pela cerca de 200 mil escravos terem participado como combatentes nas forças militares durante a Guerra de Secessão. No Suriname, a partir de fugas massivas de escravos, constituíramse territórios de definição étnica reconhecidos inclusive pelas autoridades colonialistas, através de pactos, tratados de paz e acordos de não- beligerância. Tais documentos eram firma& nos moldes de acordos estabelecidos com nações indígenas, reconhecendo formalmente a territoriaiidade. Seus resultados se mantém hoje pelo controle efetivo dos territórios. No Brasil, entretanto, não houve qualquer reconhecimento jurídico-fod de terras de ex+saavos que sucedesse imediatamente a Abolição datada de 1888. Nas fazendas abandonadas e desativadas mesmo antes da Abolição, com a queda abrupta dos preços do algodilo e da cana- &-açúcar no mercado mundial, bem como nos imóveis rurais doados, adquiridos, ocupados e mesmo nas áreas correspondentes a situações cíassificaáas, pela documentação dos períodos colonial e imperial, como quilomóo, permanece um vasto segmento de camponem designados como posseiros, foreiros e arrendatátios sem ter legalizada sua condiçãoS. chamada 'Grade Depressão" e pelos experimentos de reforma agrária ou programa de reassentamento do New Deal @anks,1986; Bealq1976; Brown,1979; Graeber,l978; Hickey, 1987; Holley,1972; Mn,1985; Munoz,1984; Zabawa,1990). Para maiores esclarecimentos ummite: Salamon, L. M. "The time dimension in policy evaluation: The case of the New Deal Land - Reform Experiments."Public Polia vol. 27 (2) J. W. & Sons, Inc. 1979. pp. 130-183. Schulman, M. D. & Newman, B. A - "The persistente of the Black Farmer: the contemporas, relevante of the Lenin - Chayanov debate" in: Rum1 Socidqgy 56 (2). Rurai Sociological society. 1991. pp. 264-283. Observa-se que a precariedade da titulação dos im6veis rurais é atestada pelos notáveis do Impéno, deixando margem para dúvidas sobre os limites legais das propriedades. John Schulz, em livro também lançado em 1996, pela Edusp (Instituto Femand Braudel), intitulado A crisefinanceim da Aboliçdo, chama a atenção para o seguinte: "As hipotecas sobm a tenn afigumvmn-se impmtiaiveis por diversas rozõer. Nas (iraas defiUnteim, a term não tinha mmado e mpresentava pequeno custo pam o agricultor. Sua principal despera para adquirir sua planta@ emm os salários dos capangas que ele empregava pam expulsar a posseim que ertmwn tnvoh,ida na agngncultumde subsistência.* Mesmo nas regiões da antiga colonização, o título sobre a term permanecia vago. tornando a erecução das hipotecasproblem&tica"** *Ver, por ex., Dean, Rio Claro **O primeiro-ministro Ouro Preto descobriu como eram precários os títulos de terra em 1889, quando tentõu conceáer hipotecas mpidamente, a fim de acalmar os ex-propiietanos de escravos. Na in* a A1~~1'liosa Lavoum (Rio de Janeiro, 1889), o manual para emprksbo rural, Ouro Preto reconhece as dificuldades de comprovar as escrituras. (Schulz;19%:50) Quiiombos em São Paulo

Pode-se falar num campesinato pós-plantation relativamente consolidado e iivre, a partir & desagregação daquelas mencionadas fazendas, mas ajas áreas de moradia e cultivo habituais não são. contuâo, regularizadas fundiariamente. De modo igual permanecem inúmeros mecanismos de imobilizaçâio da força de trabalho que obstniem o acesso aos meios de produç%o. O artigo 68 do ADCT em termos literais, parece um instrumento parcial e )imitado para superar essas dificuldades. Além disso, tanto nessas regiões de colonização antiga, quanto naquelas de ocupação recente, sobretudo na Amazônia, prevalecem práticas de uso comum dos recusas básicos, coextensivas às designações de quilombos dou terras de preto, n%o necasariamente contempiaáas nos dispositivos legais. De certo modo, perdura uma dupia marginaüdade jurídica, que aôrange o acesso à terra e as hrmas de uso, aparentemente indesejada no ideal dos constituintes legisladores. Não obstante, verifica-se que as práticas pmmwcionistas e a relação equilibrada com a nahueza, antes de serem elementos do passado, que &solvem estas sihiagões sociais, denominadas quiiombos, no arbitrário de cld@ como primitivo e economia natural, projetam-nas, em verdade, como uma expressão do futuro, compreendendo, juntamente com as demais temas de uso comum, reservas essenciais para desenvolvimento das pesquisas volta& para o estudo de bancos genéticos. Na mencionada nwghaüdadejurídica, taivez possam ser exmntmám os elementos que atualizam os novos -0s & própria ciência do direito. O uso difuso da categoria quilombo, ressemantizaâa e tornada fator de mobilizaç%o política, se reveste hoje de um signincaóo de anrmação étnica, que transcende, entretanto, A idéia jurídica de repan> de injustiças históricas. Insmvem-se neste processo as práticas e ações sociais que visam garantir a terra qresentada luto sensu como conjunto das recursos naturais consi&xaòos -eis ao grupo. Neste sentido é que quilombo se toma, mais que objeto de reflexão, um tema obn~rio&ordemdodiadocampodepoder,aomesmotempoqueconstituium critério político - oqpnkttivo para os movimentos que começam a se estruhuar em tom de entiáades locais de repmentação - as chamadas amchçks de moradores e associações de remtesde quilomlm, ambas organizadas por pcwoados - e de articulações mais amplas que pretendem a delegaçb em termos nacionais.

A indefinição da âomhiaüdade ma,portanto, os grandes domínios tenitoriais, evidenciando as distorições da intezpretqib de Thomas E. Skidmore em %o no Bmnco, quando classifica de grileim os exesaavos: "Os reflexos desas- - e imediata - da AbdiçBo pIãCemnr dar docf pradiçiro dos escmocmtos empedemidos de que ela hona &do social. Miiharar de escmvos hP toním, alnmdonamm as fde nierguiharum como gngnIeimsnuma agngncultumde subsistência onde quer que pudemena mcontmr terms, muito snbom nnunnutosJicassemlogo unsiosos pam juntor-se de novo a nmssa tmhüdom rum1 ejmammm seus mrtrgos senhom. " (Skidmmq1976:63). Ao se concretizar a dimensão local em nível dos povoados, impom explicitar que eles não são pensados geografícamente ou segundo divisões administrativas. mas estrumados consoante distintos pianos sociais que evidenciam a capacidade mobilizatória e o potencial & conflito. A dimensão histórica e arqueológica dos quilombos cede lugar a essa atualidade da mobilizaç%opiítica. As chamadas terras de preto e/w comunidades negras rurais, terras de quilombo, não podem ser reduzidas, pois, a sítios arqueo16gicos ou a categorias documentais vinculadas ao arcaôouço jurídico do colonialismo. O fator étnico ganha relevância a partir da mobilização política. A representatividade diferenciada, instituída segundo particularidades locais, que configuram cada situação designada como comunidade negra rurai, parece autorizar, &mais, a formação de entiãades repmentativas mais amplas e de alcance nacional, mas com raizes locais profundas. A identidade 6tnica e a identidade nacionai, co-iadas numa entidade de articulação, não se opõem e antes se fortalecem mutuamente, tal como no Haiti, poder-se-ia dizer a primeira vista, mas diferentemente & fato, pis que ocorre agora numa conjuntura de mercado aberto que relativiza o princípio da nacionalidaâe, debilitando o Estado- naç%o. A medida que se multiplicam e se diferenciam os critérios plítico-organizativos, que levam a mobiliza@o política, maior força de imposição parecem reunir face ao campo de poder os temas e questões pertinentes aos quilombos. A relevância do tema âeriva daquelas mobilizações e de situações de conflito localizadas que, no momento atual, constituem uma força social convergindo para entidades de maior abrangência. A rewo dessas mobibações, objetivadas em movimentos, com os aparatos de Estado passa a ser mediatizada, portanto, por agj2ncias que vão se constituindo regionalmente segundo critérios de representatividade diferenciada,6 alcançando, a seguir, uma expdoque recupera a dimensão política do nacional. Assim, a partir do I Encontro Nacional das Comunidades Negras Rurais, realizado em Brasília (DF), no período de 17 a 19 de novembro de 1995, e consecutivamente da I e da I1 ReWda Comissão Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, realizadas respectivamente em Bom Jesus da Lapa (BA), nos dias 11 e 12 de maio de 1%6, e em São Luís (MA), nos dias 17 e 18 de agosto de 1996, foi constituída a Comissão Nacional Provisória de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas - Cnacnrq. Esta comissão ficou composta, na reunião de agosto de 1996, de oito integrantes, sendo sete deles representantes de associaç& locais (Conceição das Crioulas - PE, Siiêncio do Matá, Rio das Rãs - BA, - GO,

Para um aprofiuidamento do conceito de unidade de mobilização e das formas de representatividade diferenciada consulte: heida, A. W. B. - Quebmdeims de Coco Bnbaçu; identidade e mobilizaçso. %o Luís. MICQB. 1995 pp. 11-50 Quilombos em Sdo Paub

Mimôó - PI, Fumas do Dionísio e da Boa Sorte - MS) e uma entidade de representação regional a ~oor&naçãoEstadual dos Quilomóos do Maranhão. Foi fixado também um procedimento de consulta a outras entidades com respeito ao encaminhamento dos pleitos aos órgãos oficiais. Em deco*ia dessas atM&des, essa mencionada comissão realizou em João Pessoa (PB), entre 30 de janeiro e 02 de fevereiro de 1997, o I Seminário das Comuni&& Negras Rurais Quilomóolas & Regi30 Norãeste. O oôjetivo foi proceder um balanço & situação fundiária atual das áreas remanescentes de quilombos no Nordeste, definindo articuiações e ações conjuntas com as entidades negras urbanas, no sentido de intensificar as reivindicaçües para sua titulação definitiva. Esta modalidade de interloa@o com as hdncias de poder refíete a @ria tramiw dos processos instituída a partir dos pleitos. A tramitaçáo é vária, mas todo pleito converge para os centros de poder em nível nacional. Nas estrumas de poder regional os obstáculos sugerem maiores difícuiâades e de Mcil transpsiiç%o. Está-se diante, portanto, de diversas formas de reconhecimento jurídico-formal dos quilomóos seja como reserva extrativa, no âmbito do Raama: caso Frechal (9.542 ha) em maio de 1992; seja como área titulada pelo Incra: caso Boa Vista, PA (1.100 ha) em 1995, Água Fria, PA (557 ha), Pacoval, PA (7.472 ha) em 19%; seja como área identificada pelo Ministério da Cultura: caso de Rio das Rãs, BA (27.000 ha). Foram reconhecidas plenamente, nestes oito anos, pouquíssimas situaç&s, que totalizam menos de 46.000 hectares. Há algumas outras áreas cujos processos estão tramitando na Procuradoa Geral & República ou em vias de reconhecimento efetuado por órgãos fbdkkios estaduais, sem que as terras tenham sido efetivamente regularizadas (Kalunga, W, Jamari dos Pretos, MA; Mocambo, PE). Inexiste, entretanto, uma política regular de reconhecimento massivo destas áreas conforme as disposições constitucionais. O próprio Presidente da República em carta-resposta à Cnacnrq, datada de 18 de outubro de 1996, menciona os diversos órgãos piblicos voltados para o problema, sem qualquer referência a meanismos regulares de resolução e a prazos a serem observados. Afirma tão-somente que o governo estaria acompanhando a questão através do Ministério da Justiça, por meio da Secretaria dos Direitos de Cidadania, do Ministério da Cultura, por intermédio da Fundaç%o Cultural Paimares, e do Ministério de Políticas Fundiárias, com o Incra. Esse, através da Portaria PNN 307 de 22 de novembro de 1995, suscita a definição de procedimentos a serem seguidos na tramit* dos procesos de reconhecimento das terras ocupadas por remanescentes de quilombos. A tramitação ate o momento é, portanto, múltipla e tem sido ditada pelas cieiasespedfícas de cada situação de conflito e pelo capital de relagões sociais dos movimentos quilombolas, ora acumulado no Incra, ora no CNPT (Ibama), ora na Fundação Cultural Palmares, ora em ó@os fundiários estaduais, não havendo uma sistemática, isto é, um conjunto de procedimentos legais definidos com exatidão. A Fundação Culturai Palmares, em meados de 19%, instituiu um grupo de trabalho com fínalidade de elaborar documento disciplinando os grocedimentos regulares e definindo uma sistemática de tramitação dos processos com vista à agilização & titulação definitiva. Em novembro de 1996, o Grupo de Trabalho autorizou pesquisas no sentido de completar infonnaçiks sobre algumas áreas já identifímias nos Estados do Maranhão, Fkrnarnbuco e Bahia. Tais pesquisas foram autorizadas atnivés do Convênio E-132, firmado com o Centro de Estudos sobre Território e I'opui- Tradicionais, e coordenadas pela antropóloga Eliane O'Dwyer. No contexto do Legislativo, os esforços, no sentido de uma regulamentação do artigo 68, esbarram nos obstáculos jurídico-formais dispostos ao Projeto de Lei 627195 da Câmara dos Deputados (cieputado Alcides Modesto e outros), ao Projeto de Lei 129195 do Senado Federal (senadora Benedita da Silva, em 27/04/95) e a Portaria NO 25, de 15 de agosto de 1995, da Fundação Culturai Palmares, e atém-se aos debates travados em torno da maior eficácia de um ou outro dispositivo legal proposto. Tais debates tem se ampliado, reforçando o reconhecimento da ação mediadora e sua própria expmsiio. Nos dias 26 e 27 de setembro de 1995, no auditório do anexo IV da Câmara dos Deputacios, ocorreu o Seminário Remanescentes de Quilomóos. Foi uma promoção da Câmara dos Deputados e mais particularmente das Comissúes de Agricultura e Política Rural, Meio Ambiente, Minorias, Direitos Humanos e Educação e Cultura juntamente com a Fundação Culturai Palmares. Os parlamentares, de diferentes agremiações partidánas, promoveram um debate em torno dos projetos de lei com participação de representantes de inúmeras comunidades negras rurais, tais como: Rio das Rãs, BA; Rio Trombetas, PA; Kalunga, GO; Vale do Ribeira, SP; Mocambo, SE e Frechal, MA. A despeito dos entraves a tramitação destes projetos de lei tem-se algumas medidas operacionais, adota&s regionalmente, como o Decreto Esíaáuai no 40.723, de 21 de marp de 1996, assinado pelo goveniador do Estado de SoPaulo, que institui junto a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, um grupo de trabalho objetivando "dar plena aplicabilidade aos dispositivos constitucionais que conferem o direito de propriedade aos remanescentes de quilombos". Está-se diante de agências de intervenção, que delimitam um domínio de novos procedimentos técnicocientíficos que deságuam nos chamados laudo, parecer e perícia (antropológicos, jurídicos, históricos, agronômicos), ou seja, gêneros de conhecimentos aplicáveis destinados a atender aos quesitos formais dos processos jurídico-administrativos. Tem-se, nos dedobramentos destas práticas, não apenas um tempo de novas competências, mas também de novas produções intelectuais e cientüicas e de reedições com textos revistos, aumentados e mlocados em debate, con€íguranáo rearranjos num campo temático pr6prio. A produção desses conhecinientos aparece atrelada a capacidade reivindicatória dos grupos sociais e sua divulgação concerne a circuitos próprios envolvendo o meio acadêmico. a militância do movimento negro. a disposição voluntária de entidades da sociedade civil e segmentos da burocracia estatal. Os diferentes públicos. embora restritos. parecem tender a uma ampliação não só pelo elevado número de publicações e reedições no decorrer de 1995-1996. mas sobretudo pelo fato das editoras responsáveis não se limitarem mais a imprensa oficial (Fundação Cultural Palmares. Arquivo Nacional). a imprensa universitária e aquela das disciplinas militantes. O tema parece ter sido adotado pelo campo da indústria cultural, registrando-se, inclusive. dois lançamentos de títulos num mesmo mês por uma Única editora (Cia. das Letras). Foram levantados 45 títulos. datados de 1995 e 1996. entre livros. teses, monografias. artigos em revistas especializadas, comunicações em eventos científicos e artigos na imprensa periódica. O total de livros corresponde a 17 títulos. Destaque-se que, dentre esses. 10 consistem em coletâneas, das quais duas publicadas no exterior, sendo uma em 1994, mas que circulou aqui em evento científico de 19% a partir da conferència pronunciada por seu autor e a outra que se trata de uma reedição de 1996 e contem uma parte específica enfocando o Brasil. composta por três artigos. Outros dois limsão trabalhos elaborados em conjunto por pelo menos dois cientistas sociais. Prevalecem, pois. obras coletivas consoante duas modalidades: diferentes autores escrevendo sobre uma mesma situação social e produzindo etn~g~as,laudos, perícias e demais peças integrantes de processos jurídico- administrativos para reconhecimento das chamadas áreas remanescentes de quilombos; diferentes autores, de uma mesma ou de distintas formações acadêmicas, analisando situações sociais diversas. Sublinhe-se que apenas cinco livros são de autoria individual, sendo que um deles trata-se de uma reedição de trabalhos de pesquisa do início da &da de 1950- 1x0. Considere-se ainda. em nível de pós-graduação, duas teses de doutorado, duas dissertações de mestrado e uma monografia final do curso de especialização. Os demais títulos referem-se a artigos para um público amplo e difuso. bem como comunicações em congressos e publicações científicas. Em termos de síntese pode-se asseverar que no ano de 1996 constata-se inúmeras reedições e novos títulos dentro da mesma problemática dos quilombos. mas marcados também pela força que envolve as noções ambientalistas e aquelas de conflitos sociais e de direitos humanos. Paradoxalmente, a reafirmação étnica estaria encontrando terreno propício para florescer numa conjuntura, designada pelo procaso de globalização. que, enfatizando o macromercados, busca diminuir a importância da identidade nacional e do próprio dado dtnico. Ela floresce, portanto, numa situa@o de conflito aberto e com repercussões de amplitude transnacional. Reatuaíizam-se os temas correlatos às &nominadas comunida&s negras nuais a pariir da Wmificação & debates internacionais. Richard Price reedita em 19% Maroon Societies - Rebel Slave Communities in the Amencas com um novo +o, contendo mais & uma centena e meia & referências bibliográficas, além de Ulfonnações atualizadas sobre o Brasil, a Jamaica, os Estados Unidos, as Guianas e o Suriname. Pnce publica também um artigo no Brasil, integrando coletânea organizada por Reis e Gomes, intituiado Palmares como poderia ter sido. Por outro Mo, ganham relevância internacional os fatos & 1995 concernentes a violências praticadas contra "Maroon pqmlations'' pelo governo do suriname7 e ao papel da Intaamrican Court of Human Rights aceitam% denúncias & violações perpetradas contra povos indígenas, camponeses e os denominados q~ilombolas.~A tragicidade extrema dos conflitos aparece refletida na classificação desses atos de violência como etnocídio. Confígura-se um domínio & conhecimentos cientfficos especificas com um copioso elenco & interpretagões alusivas aos quilombos, não tanto mais & natureza historiogránca e arqueológica, mas buscando dar conta destas situações sociais hoje ma&kstas em maldiz- políticas. Ao mesmo tempo constata-se que instrumentos metdo16giicos antes acionaâos para compreensão destas situações sociais enfocadas tem sido alterados, tanto por uma crítica à noção usual & raça, quanto por uma reconceituaçáo & campesioab. Os critérios politic~organkativos, que asseguram as mobiíii e co- identida&s coletivas e novos símbolos, são apontacios como &screvenQ outras possibiliâades & utilização do conceito & etnia. Esta dupia passagem explicita o quanto tal questão está se constituindo em objeto & disputa entre diferentes domínios do saber. Ademais, são várias as acepFões de qdomóo em jogo, muitas delas conflitantes entre si e cíassiiicando outras de anacrônicas e preconcebidas. Deste modo C que se pode entender, a dispers%o & competências, não dstante a quantidade & puMicaçks registradas Tais puôlicações correspondem a uma diversidade & gbxos e envolvem diferentes formações acadêmicas (historiadores, arqueólogos, juristas, antropólogos, agrônomos, gebgrafos e cartógrafbs) e critérios vários & competência e saber. Mais

No que diz respeito ao Sinlname leia: Paddha, D. J. - "Reparations in Aloeboetoe V. Swiname" in: Hmun Rights Qwterly. Vol. 17 (3). 1995. pp. 541-555 Pnce, R - "ExecutingEthnicity: The Kiílings in She"i-: Culbunl Anthmplogy vol. 10 (4). 1995 pp. 437-471 Cf. Davis, S. H. - "Camwnts on papa by Jorge Danâier on Indigaious Peoples and the Rule of Law in Latin America: do they have a chance?" in Academic Workshop on the rule of law and the derprivileged in Lutin America. Kellog Jnstitute for Internationa1 Studies. University of Notre Dame. November 9-1 1. 19%. Quiiombos em MoPaulo da metade dos títulos arrolados foram produzidos por antropólogos, prevalecendo instrumentos de pesquisa etnográfica, com observagões diretas e investigações in loco capazes de resgatar a representaçiio dos próprios atores sociais sobre suas condiçk reais & existencia e sobre seus temtórios efetivos, bem como suas práticas cotidianas. Eles são secundados pelos historiadores, juristas e arquehlogos. que afírmam seus pmsupostos tdricos no tratamento de um tema, até então, de sua alçada exclusiva. Partilham desta posição os agrônomos e cartógrafos, que mais recentemente tem sido acionados para elaborar peças dos processos de reconhecimento dos quilombos. Em abril de 1996, âurante a XX Reunião Brasileira de Antropologia, realizada em Salvador (BA), concomitantemente com a I Conferência: Relações Étnicas e Raciais na América Lahe Caribe, ocorreu o lançamento & reediçiio9 do livro de Thales de Azevedo intitulado As elites de cor numa cidade brasileira com um prefácio crítico de Maria Azevedo Brandão, classifícanáo - o em conformidade com o esquema interpretativo de Donald Pierson, cujos fwidamentos alimentaram o mito da democracia racial brasileira, mas chamando a aten- para os deslocamentos posteriores de sua trajetória intelectual. No decorrer desse mesmo evento a Associação Brasileira & Antroplogia procedeu ao lançamento de uma coletânea alusiva ao tema, qual seja Terra de Quilombos.'O Uma outra coletânea, editada por Ekofi ~~orsah",que participou do referido evento integrando a mesa redonda denominada "Quilombos hoje: reaproprirns sociais de seu signiíícadon, teve circdação restrita, do mesmo modo que as onze c0municaçi.b apresentadas no âmbito do Grupo de Traballio "Remanescentes de Quilombos: lutas, conquistas e impasses" .'

Leia Azevedo, T. As elites de cor numa cidade bm'leim - uni estudo de arcasão social & clarses sociais e grupos dtnicos. Salvador. Emp. Graf. Da Da.19%. p180. '%i& OaDwyer,E. C. (org.) - Temde Quilombos. Rio de Janeiro. Asw%$o Brasileira de Antropologia ICFCH - UFRI. 1995. p139. " Cf. Agorsah, E. (ed.) Maroon Henentage- Archaedqgicul, Ethnggmphic and Historicul Persptives. University of The West Indies. Canoe Press. Barbados/ Jamaica/Trindad and Tobago. 1994. p210. l2 Este GT foi coordenado pela pr0fexm-a Neusa M. Mendes Gusmão, Unicamp, e realizado no decorrer da XX Reunião da ABA subdividido em duas sessões. Na primeua, foram apresentadas comunicac6es, que incluíam não a- teses mais recentes, mas também resultados de trabalhos & pesquisa iniciados no nnal da decada de 19óO-70, como o da prof Mari N. Baioccbi, autora de Negros do Cedm - Eshuio anhopoógico de um Bainv Rum1 de Negmr em Goih. Sãlo Paulo. Ática. 1983, mas que mbwam redefinições teóricas consoante as reapropriaçlks atuais da categoria quilomba Senão vejamos: Reis, D. M. - "Quilombo: uma história de índios pmeiros e negros quilombolas" Funes, E. A. - "Pacovai do Marambiré, do Contraveneno, Pmval dos Mocambeiros." A XX Reunião deu tamóém continuidade aos objetivos do Grupo de Trabalho áa ABA sobre Comunidades Negras Rurais, fixados a partir de encontro realizado no Rio de Janeiro nos dias 17 e 18 de outubro de 1994. Também, cidou para um público restrito o "borrador", em processo de edição, denominado "La inclusión de los afrooolombianos. Meta inalcanzable?" - Bogotá. UniversiQd Nacional de Colômbia. 19%. p76, de autoria do antrojhlogo Jaime Arocha, que visitou a Universidade Federal do MaranMo, em meados de 19%, no âmbito das atividades do projeto de pesquisas realizadas com apoio de Colciencias, Centro Norte Sur de La Universidad de Miami, Unesco e Cindec de Universidad Nacional de Colômbia.

Almeida Jr., M. - ''Focos de Resistência Negra na Chapada Diamautina: Comunidades de Barra do B~madoe do Bananal - BA" Baiocchi, M N. - Kalunga e Barreirinho "Mi-soso, Malunda, Ji-sabu, Ji-nongango, mi- Embu, Maka". Moura, G. ''Ilhas negras num mar mestiço: festas e identidades em comunidades negras rurais" No caso de Moura circulou também neste período o seguinte artigo: "A força dos tambores: a festa nos quiiombos arntemmin: Schwarcz e S. Reis (orgs) Negms imugens - ensaios sobm cullum e escmvidilo no Bmsil. São Paulo. USP-Edusp. 19% p.55-79 Na segunda sessão, foram apresentaâas seis coinuniaç6es sendo duas delas relativas ao Rio das Rãs: Martins, P. - "A um passo do puaíso: impases na consolidação do projeto Comunidade Cafuza." Cd,L. F. B. "Terras de Negros - temitoriaiidade e resistência." Daia, S. Z. - "O Estado Brasileiro htea diversidade social que reconhece o caso da comunidade remanescente de quilombo do Rio das Rãs." Amti, J. M. - 'Wquilombos emergentes: direitos e invenção culW Gusmão, N. M. M. - "Da antropologia e do Direito: impasses da questão negra no campo." Veran, J. F. - ''--te de quilombo" No caso de VQan, circulou também neste período o seguinte arhigo: "Rio das Rãs: du quilombo a la cammunaute &ti&" SLaoQt. 1995. p30. Oubcis sete coletâneas foram ainda pubiicadas em 19%, organizadas por antrop6logos, juristas13,historiadores e anque6l0~os'~ou reproduWiQ as peças dos laudos relativos a situaçaes sociais deter~ninadas.'~Esta pro

l3 Leite, I. B. (org.) Nepx no Sul do Brasil; invisibilidocEe e tememtwialidodeFloriantpiis, Letras Contempoxiheas. 19%. Silva, D. S. (org.) ''Regukmeniaçiío de Terras de Negros no Brasil" in: Boletim Znfw'vo do NricIer, de Wossobre Zdeatidzde e Relações Znídtniicurs vol. 1 no 1 Flotianbpolis. UFSC. 19%. plS6. l4 Leia: Carvalho, J. J. (q.)O quilombo do Rio cdaJ a:histórias, tmdiç&s, hrtap. Saivador, EdufW Centro de Estudos AhOrientais. 19%. p270. Reis, J. J. e Gomes, F. S. (orgs.) Libsdade por um fCo - hisW dar quilauòos no Bmsil. Sío Paulo. Cia das Legas. 1966. p510. Schwam, L. M. S. e Reis, L. V. (orgs.) Negros imagens - ensaios sobre cultum e escmuiao no Bmil. São Paulo. USP. - Edusp. 1996. Elbein dos Santos, J. (ed) Pahnmes 300 anos: memórias e eshnfégias comunitánnas. São Paulo. 19%. l5 Cf. Projeto Vida de Negro (org.) FmAal: Teno de Preto - quilornbo rmxdedo como reser~~atmtivista. São Luis. SMDDH - CCN. 19%. l6 Cf. Gusmão, N. M. M. Term de Phetar - Teno de Muh.Bmsilia. Ministério da CuituraíFuudação Cuiturai Palmares. 1995. p260. Cf. Gomes, F. S. Histórias de quilombdas: mucumbos e eirkdesde senzadar no rio de Janeiro - século XLY. Rio de Janeiro. únpraisa Nacional. 1995. l7 Para outros esc~titospodem ser de Conceiç&o, D. Esmos em kd: &ç&ss étnicas. Trahb final do Curso de Espe.ciabção ''Estado e Fronteira na amamnia''. Universidade Federal do Pará Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Depratamaito de Ciência Política. Belém. UFPA. 19%. Bragatto, S. Descendentes de Esc- em Smita Rita do Bmcuhy. Memória e ideatidade M luta pela tena. Tese apresentada ao Curso de PósGraduação em Desenvolvimento, Agricultura e SocieWe. Universidade Federai Rurai do Rio de Janeiro. Dezembro de 1996. Canhhede ,A. F" "Aqui smws pretos - um estudo de e&ograb sobre negn>s rurais no Brasil". &asiiia UNB. - Pmgrama de Pó- em Antropoiogia Social. 19%. p106. Silva, D. S. 'Vdtuiw demodtica e difaença étnica no Fbdcantempdwo. Um exercício amsütucionail-concretista face ao problana do acesso A tenã pelss comunidades negras remanecentes de quiiombos". Curitiba. Curso de Pós-gduaçüo em Direito, setor de Ciências Jurídicas. Universidade Federai do Paranrl. p207. Funes, E. A. 'Nasci nas matas, nunca tive senhor - histórico e mdria dos mocambos do Baixo Amaamas". Tese de lhutmdo. USP. 1996. '* Cf. Vogt, C. e Fry, P. C&&: A &cr~ no -1- São Paulo. CCi das das.1996. ano imediatamente anterior tanto em plMicaç&s ciendn~as,'~quanto em periádicos de cùculação amplam

Os autores jB realizam pesquisa com respeito a esta situaçh desde íins dos anos 1970-80. Para tanto consulte, também, dos mesmos autores: "A descoberta do Cafundó, alianças e conflitos no cenário da cultura negra no Brasil" in Religião e Socieciâde no 8. Rio de Janeiro. ISER. 1982. incluem-se neste tópico dezenas de títulos alusivos ao tricentenário de Zumbi do Quiíombo de Palmares e temas correlatos que mobiliunrmi no decurso de 1995 inheros produtores intelectuais afetos ti questão (Moura, C.; Freitas, D.; Nascimento, & Wemeck de Castro, M.; Mariano, B. D.), bem como suscitaram polêmicas diversas, tais como: a adoção de cotas raciais no Brasil ou o sentido da ação afínnativa (Santos, H.> a sexualidade de Zumbi dos Palmares (Moti, L. e as inúmeras conte&@es) e ainda as acusações de racista contra a peça "Zmnbi" do grupo de teatro Olodum ajxesentada no Festival Internacional de Teatro, em Londres (Inglaterm). Acresante-se a atenção especial dada ao tema da escravidão pelas editorias de peri6dicm como Pmns. Caderrros do Terceiro Mundo, V& Teoria & Deòate. Pambóli~s.Sem Fnmteims e Os caminhos da Tertu, dentre outros. A consulta a estes periódicos poderá propiciar uma lisiagem bastante extensa de Mtulos. Para efeitos desta breve resenha vale citar: Maestri, M. "Zumbi 300 anos: Palmares - a comuna negra no Brasil escravista" in: PmrLs. Belo Horizonte (MG). Out-Dez. 1995. p. 33-34. Andrade, L. M. M. "Os 300 anos de Zumbi e os quilombos contemporâneos'' in: ''Faça a coisa certa", encarte de Teoria & Debate no 31. São Paulo. SNCRWT. 1995. p. 12-16. Toledo, R. P. "Escravidão - o passado que o Brasil esqueceu. A sombra da escravidão" in. Veja no 20 - Ano 29.15 de maio de 19%. p. 5245. As publicações científicas também diwlgamm artigos segundo esta orienta@o: Gomes, F. S. 'Em tomo dos burnerangues: outras histórias de mocambo na Amazonia Colonial" in. Revista USP no 28 São Paulo. Dezembro de 1995 - fevereiro de 19%. Reis, J. J. "Quilmbos e revoltas de escravos no Brasil" in: Revisto USP no 28. S%o Paulo. DQanbro de 1995 - fevereiro de 19%. Araújo, L. F. ''0 projeto quilombo: estudos de caso Cacimbinha e Boa Esperança, municipio de Presidente Kennedyl Espirito Santo" Un: Revisto de História no 4. Vitória. Dept" de História da UFES. 1995. p. 95-109. Podem ser classificados neste t6pico os livros e artigos de jornalistas e demais divulgadores e comeniarista da questão. O caderno "'Mais" da Folha de .!Uio Paulo, em 19 de março e 12 de novembro de 1995, dedicou praticamente duas edições especiais ti discussão sobre os quilombos. Foram enfatizadas as fontes documentais e arquivisticas dqoníveis no Arquivo Histórico Ultnmiarino, em Lisboa (Portugal) e nos Museus Históricos e Nacional de Amsterdã e na Casa de Maurício de Nassau em Haia (Holanda). Há ainda os livros de jornaiistas, elaborados a partir de viagens feitas a algumas situações classificadas como quilombos, tais como o de Paula Saidanha sobre o Quilombo do Frechal (MA) e ainda o de Hermes Leal, intitulado, Quilombo: uma avslhrm no vão das almas. São Paulo. Mercuryo. 1995 p142. Dentre os artigos podem ser lembrados pelos menos dois, quais sejam: Quilombos em São Paulo

Verifica-se, aida, que a mpação com procedimentos classi6catórios e de cadastramento tem tem inúmeras iniciativas localizadas em instituições acadêmicas e entidades & sociedade civil. A novidade do fenômeno. na sua ressemantmção, estimula as medidas usuais de controle e de demonstração de representatividade e de conhecimentos circunstanciados. Percebe-se o áesâobramento da concorrência pela legitimidade de falar sobre os aíinhamentos ao tornarem-se conflitantes, com múltiplas oposições que envolvem divem agências e agentes, explicitam as vicissitudes de um campo de mediadores em estruturação. A pretensão de mediador pressupõe competição e incorre quase sempre em tentativas de vetos ou de exclusões manifestas ou veladas. Os objetos de disputa tornam-se mais explícitos, enunciam pontos de tensão e estão a exigir análise detida. O &tema da ordem do dia consiste, por conseguinte, no mapeamento das terras de quilombos, seja em escala regional ou no âmbito nacional. Os elementos cartográtioos e censitários, traáicionais mecanismos de controle adstritos aos conhecimentos militares, são enfatizados. Trata-se também de enunciar elementos quantitativos, asseverando quantas e quais são, a molde de um banco & dados bem como estjmativas e totalizagões parciais, dimensionando as áreas compreendidas pelos chamacàos quilombos e/ou tem de preto. Está-se diante de um amplo pracesso de legitimação que abrange igualmente as instituições de produção científica e as agências que agrupam disciplinas militantes. Tem-se registrado iniciativas de mapeamento, com diferentes criterios e graus de elabora@o, em pelo menos dezoito uniáades da Feáeração, a saber: Maranh%o (PVN), Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (Núcleo de Estudos sobre Identidade e Relações Interétnicas), Pernambuco (MNU-UFEi) e Pará (Cedenpa). Ouiras iniciativas de entidades da sociedade civil, isoladamente ou em convênio com universidades, começam a ser encetadas na Bahia, na Paraíí, em Sergipe, no Piauí, no Espírito Santo, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no Mato Grosso. Em São Paulo7 há uma determinaçãlo do Governo Estadual neste sentido, já anteriormente mencionada. Em Goiás, há uma disposição t&nica do Idago nesta din$b. No Ama@ começam a ser delineados pmcedhentos norteadores de um levantamento geral com co@osas fontes arquivísticas. Pode-se imaginar a partir destas inúmeras iniciativas a quantidade de relatórios que vêm sendo produzidos nos meandros dessas instituições, sobretudo, a partir dos últimos cinco anos, quando distintas agncias fínanciadoras (Oxfbm, Fun- For4 Cese) também reconheceram a relevância da questão, adotando-a em suas mpeaivas pautas. O Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), no decorrer de 19%, aprovou o projeto integrado de pesquisa intitulado "Políticas Públicas, Terras de Uso Comum e Gnipos Étnicos - Conseqüências da Ação oficial para camponeses de terra de preto

------Teles, R. - "A tem prometida" in: Os caminhos da tem. Ano 5(7). Julho de 19%. p.66- 73. Chacon, V. ''O cadáver da escravidão e o Estado desorganhdo" in: Folha de São Paulo, 5 de janeiro de 1995. no Iikmbãon, de autoria da prof Matistela de Pauia Andrade, coordenadora do mestrado em Políticas Públicas, da Universidade Federal do Mai.anh%o. A Fundação Ford aprovou o projeto que refere-se ao tema 2, compreendendo simultaneamente três instituiçh: Associação Brasileira de Antmpologia (ABA), Instituto Sócioambientai (ISA) e Projeto Vida de Negro-SDDH-CCN do Maranhão. Em outras palavras, pode-se asseverar que diferentes gêneros de pro&ção intelectual perscrutam aspectos desta nova temática. Neste estado atuai de conhecimento, que envolve mais de uma centena de produtores intelectuais, parece que se percebe os quilombos menos como uma definição jurídico-formal, que remete às &posições legais das autoridades coloniais, do que como um instrumento de luta, nemsuiamente, imposto como tema de reiiexão pelas mobikações camponesas para assegurar seus territórios, designados como terras de preto, e o reconhecimento de sua identidade coletiva objetiva& em movimento. Talvez sejam estes os padmetros2' que passam a orientar esta proáução intelectual e científíca que ora constitui um domínio próprio de investigação e em cujos meandros se dispõem essas ~ções*e novos títulos.

'' Para um aprofundamento leia: Almeida, A. W. B. "Quilombos: sematologia face a novas identidades" in Fmhal: tem de preto - quilombo reconhecido como reserva extmtivista. Programa Vida de Negro (org.). São Luís. SMDDH - CCN. 19%. p.11-19. " Escrito na primeira metade dos anos 80 foi também publicado no decorrer de 19% o livro de Ilka Boavenhurt Leite, intituiaáo:Antropologia da Viagsn - escravos e libertos em Minas Gemis no século XCY. Fklo Horizonte. Universidade Federai de Minas Gerais. p269. Em termos de reedições importa frisar também o seguinte: em fins de 1994 o livro de Clbvis Moura denominado Os quilombos e a rebelido negra alcançou sua oitava edição pela Editora Brasiliense (SP). Uma outra reediçh, autorizada em setembro de 19% e que se aicontra no prelo, na editora da Universidade do Pará, em Belém, e com lançamento previsto para meados de 1997, trata- se de Negros do Tmbetas, & autoria de Edna Ramos e Rosa Acevedo Marin, cuja primeira edieo, inteiramente esgotada, data de 1993.

Alfredo Wagner Bem de Almeida C antropólogo. Professor visitante do mestrado em Polítiuw Piiblicas - CCSO - UEMA, São Luís (MA). Quilomhs em Sbo Paulo

Comunidade Pilões -Andara B. Automare, Itesp. junho/97 Legislação Pertinente

'Aosremanescentes alas comunidades de quilombos que estejam ocupando mas terras é reconhecida a propriedade definitiva, &vendo o Estado emitir-lhes

os titulos respectivos. " Artigo 68 ADCT Constituição da República Federativa do Brasil

TITULOVIII Da Ordem Social

cAPÍTUL0 111 Da Educação, da Cultura e do Desporto SEÇÃO n Da Cultura

Artigo 215 - O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manSksta@es culiurais. g 1" - O Estado protegerá as manifestações das culturas popuiares, indígenas e afin-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 2" - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os difbentes segmentos dtnicos nacionais.

Artigo 216 - Constituem patrimonio cultural brasileim os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, a ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos qyak se incluem: I - as formas de expressão; I1 - os modos cie criar, fazer e viver; 111 - as criações científícas, artísticas e tecnológicas'. IV - as obras, objetos, QDcumentos, edinca#h e demais espaços destinados às manSèstaç&s artístioosculhmis; V - os conjuntos urbanos e sítios cie valor Wrico, paisagístico, artístico, arqueológico, paieontológico, ecológico e científico. Q 1" - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. Q 2" - Cabem à administraçh pública, na forma da lei, a gestão da dwumentação governamentai e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. 9 3" - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores cuihmis. Q 4" - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei. Q 5" - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

Ato das Disposiç6es Constitucionais Transitórias

Artigo 68 - Aos mnanesmntes das comuni- dos quilomôos que estejam ocupando suas terras 6 reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Lei no 3.962, de 24 de julho de 1957

. . Dispõe sobre o processamento das legitimações de posse em terras devolutas

O VI-r do Estaáo & S%o Paulo, no exercício do cargo & Governador, fhq~saóer que a Assembitia Legislativa DECRETA e eu PROMULGO a seguinte lei:

Artigo 1' - Os possuidores & tenas devoiutas -te discriminadas que, nelas, mantenham, por si ou por prepostos, posse efèth, pode130 adquirir o domínio das terras possuídas, nos termos do disposto w DecMo-lei no 14.916, & 5 & agosto de 1945, excluidas as terras consi&radas reservadas w seu artigo 3' pw;essandsse a iegitimação das posses & acordo com as fôrmaiida&s e cóndi@es constantes da pmmte lei.

Artigo r - Transcrita a sentença profeda na ação discriminatória & perhxtm em que se haja apirado a exisiência & terras devolutas, a Proamdoria Q Patrimano Imobiiiário, vistoriando as terras Q domíniodoEsbdo,eiaboraráiaudocirainstanciado,&queqUemnstar: lI - rol dos possuidores que, em caráte.r preliminar. tenham sido consi* em condi- de obter título de domínio do Estado. com indicação & nacionalidade, estado civil e resid&ncia, e, quanto às reqxctivas posses, extensão aproximada, descrição das divisas, nomes dos wnfrontantes, valor & terra, namadas benfeitorias, culturas e criações. Artigo 3" - Aprovado o laudo por áespcho do dor- Chefe & F%wm&ria do Paírhônio lmoóiliáno, &le será dado conhecimento aos intemsaâos por meio & editais, publicados no prazo mínimo de 15 dias, uma vez no órgão oficial e, pelo menos, chias vezes no jornai ld,o& houver, nos 15 dias seguintes à última publicação, em requerimento dirigido á mesma autori&&, instruído, se possível com áommentos, será fhcultado ás partes reclamar contra o critério seguido no lauáo, seus erros ou omissões, e, bem assim, propor a forma por que entendam dever ser &scritas as âivisas & posse a eles atribuída

Artigo 4" - Apresentada reclamação que de algum md interfua wm o interesse & um possuidor cujo nome figure na relação que alude o artigo 2", inciso II, será este pessoalmente intimado para, dentro & 15 dias, ofbrecer&ba.

Artigo 5" - Julgadas as rec- ou, não as havendo, confirmado por despacho o plano geral, o Pmcurahr-Chefe da dariado Patrimônio Imobiliário recorrerá de oficio ao Secretário & Justiça e Negócios do Interior que, wnkxndo & todo o process;bdo, profkrirá decis%o &fínitiva, ouvi& o nocurador Geral do Estado.

ArtgoC-Ratifícadooyseforocaso~cadooplano geral, os possuidores, a que o Estado haja afinal reconhecido o direito de legithaçáo, seserão pessoalmente intimados a pagar, no prazo de 10 dias, prorrogável a exclusivo critério do Pnxmaáor-Chefe, a taxa & tmnderência, calculadanabase& lO'%sobreovaior&terra.

Artigo 7" - Fica dispensa& do pagamento & taxa mencionada no artigo anterior o possuidor a que o plaw geral atribua glhnão superior a 25 ha (vinte e cinco hectares), e que, não sendo proprietário rural ou urbano, nela tenha moraáa Wtual.

Artigo V - A Pmauadoria do Patrimônio Imobiliário, com elementos próprios, w que lhe tenham sido fornecidos pelos interessados, diligenciará no sentido & dar à &scri@o definitiva das divisas das posses, admitidas como legítimas, uma forma que baste à sua perfeita individwção, respeitada a área fíxada no plano geral.

Artigo 9" - A hor dos possuidores, nas condições do artigo anterior, será expedido titulo de domínio, no qual será descrito e indMáuado o imóvel possuído, para efeito de sua tmmição no Registro de Imóveis competente.

Artigo H) - Os títulos de domínio, lavrados em livro especial da Procuradoria do Patrimônio Imobiliário, serão assinados pelo !kcretário & Justiça e Negócios do Interior, pelo Procurador-Chefe e pelo interessado.

Artigo 11 - Contra os que, na forma desta lei, não hajam obtido o reconhecimento da legitimidade de suas ocupa^, ou que não atenderem à intimação a que se refere o artigo 6O, a Pmcwadoria do Patrimônio Imobiliário promoverá a execução da sentença que declarou as terras do domínio do Estado, por mandado de imissão de posse.

Artigo 12 - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Artigo 13 - Revogam-se as disposições em contrário. Lei no 4.925, de 19 de dezembro de 1985

Dispõe sobre a alienação de terras públicas estaduais a nuicolas que as ocupem e explorem, e dá outras providências

O Goveniador do Estado de São Paulo, faço saber que a Asçemblkia Legislativa DECRETA e eu PROMULGO a seguinte lei:

Artigo11-OEstadoobservaráolimitede100(cem)~ nas legibações de posses em terras &volutas. Decreto no 40.723, de 2 1 de março de 1996

Institui Grupo de Trabalho para os fins que especifica, e dá providências correlatas

MÁRI0 COVAS, Governador do Estado de São Paulo, no uso de suas atni@es legais, e Considerando a existência no Estado de São Paulo & vánas comunidades remanescentes de quilombos; Considerando o disposto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transit6rias, & Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a regularização fundiária dos remanescentes das ocupç& de quilombos; Considerando a multiplicidade de fatores a serem eqw5onaQs para a plena consecução dos objetivos, tais como: questão iündiária, questão ambiental, situaeo sócioeconômica e outros que integrarem com essas comuniáades, DECRETA:

Artigo l0- Fica instituído junto A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, Grupo de Trabalho para dar plena aplicabilidade aos dispositivos constitucionais que conferem o direito & propriedade aos remanescentes de quiiombos. Artigo 2" - O Grupo de Trabalho instituído pelo artigo anterior será constituídos por: I - 2 (dois) representantes da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. sendo um deles do Instituto de Terras: I1 - 1 (um) representante da Secretaria do Meio Ambiente: 111 - 1 (um) representante da Procuradoria-Gera1do Estado: IV - 1 (uni) representante da Secretaria do Governo e Gestão Estratégica: V - 2 (dois) representantes da Secretaria da Cultura. sendo um deles do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico. Arqueológico. Artístico e Turístico do Estado de São Paulo - CONDEPHAAT: VI - 1 (um) representante do Conselho de Participação e Desenvol\iniento da Coniunidade Negra de São Paulo: VI1 - 1 (um) representante da Ordem dos Advogados do Brasil. Secção de São Paulo. integrante da Subcomissão de Negros. da Comissão de Direitos Humanos: VI11 - 1 (um)representante do Fórurn Estadual de Entidades Negras do Estado de São Paulo. 1" - A Coordenação do Grupo de trabalho caberá a um dos representantes referidos no inciso I deste artigo. mediante indicação do Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania. 5 2" - No prazo de 3 (très) dias. contados da data de publicação deste Decreto, os dirigentes dos órgãos referidos neste artigo. indicarão seus representantes ao Secretário do Governo e Gestão Estratégica. que os designará mediante resolução.

Artigo 3" - Compete ao Grupo de Trabalho: I - estabelecer critérios para definir as comunidades que serão beneficiárias do dispositivo constitucional em todo o temtório do Estado, observados os requisitos delimitados no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. da Constituição Federal: I1 - d&nir critérios de territorialidade e medidas adequadas para as áreas de regularização fundiária: 111 - propor aç0es aptas a compatibilizar a política ambienta1 em vigor. com os objetivos dos dispositivos constitucionais ora tratados: IV - desenvolver estudos para diagnosticar a situação dominial dessas áreas (terras devolutas. particulares. incorporadas, destinadas etc.). bem como traçar as diretrizes necessárias para a regularização destas; V - definir, no âmbito das esferas de competência dos diversos Órgãos governamentais, as ações a serem executadas: Vi - propor. no âmbito estadual, minutas de anteprojeto de lei. decretos. portarias e demais instrumentos legais que se fizerem necessários para a implantação de ações governamentais acima citados, bem como a celebração de convênios. resoluções conjuntas e demais medidas necessárias quando da necessidade de se institucionalizar parcerias com o Governo Federal ou organismos da sociedade civil afeta ao tema. Parágrafo único - O Grupo de Trabalho poderá convidar para prestar informações ou participar dos trabalhos, órgãos públicos, membros da comunidade científica ou especialista da matéria, quando assim for necessário, bem como. convidar para participar dos trabalhos, 2 (dois) representantes das comunidades remanescentes dos quilombos, após serem identificadas segundo o disposto no inciso I, do artigo 3" retro.

Artigo 4" - A Secretaria & Justiça e da Defesa da Cidadania fornecerá o suporte técnico e administrativo necessário ao desenvolvimento das atividades do Grupo de Trabalho ora criado. Parágrafo único - O Grupo de Trabalho contará, ainda, com uni Secretário Executivo e um Relator, para esse fim designados pelo Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania.

Artigo 5" - O Grupo de Trabalho apresentará, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, o relatório de seus trabalhos'.

Artigo 6" - Este decreto entrará em klgor na data de sua publicação.

' Prorrogado até 3 111 2/96, pelo Decreto no 4 1 .319/96. Decreto no 4 1.774, de 13 de maio de 1997

Dispõe sobre o Programa de Cooperação Técnica e de Ação Conjunta a ser implementado entre a Procuradoria Geral do Estado, a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, a Secretaria do Meio Ambiente, a Secretaria da Cultura, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento, a Secretaria da Educação e a Secretaria do Governo e Gestão Estratégica, para identificação, discriminação e legitimação de terras devolutas do Estado de São Paulo e sua regularização fùndiária ocupadas por Remanescentes das Comunidades de Quilombos, implantando medidas sócio-econômicas, ambientais e culturais

MÁRIo COVAS. Governador do Estado de São Paulo. no uso de suas atribuiçks legais, e Considerando a prioridade governaniental no sentido da identificaçiio e regularização fundiária das áreas ocupadas pelos Remanescentes das Comunidades de Quilombos. nos termos do que dispõe o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal: Considerando as conclusões do Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto no 40.723. de 2 1 de março de 1996: C)irrloti~bosetti São Pi?i

Considerando que. a par dos oigetivos de identificação e de regularização fundiária. emerge o de proteção dos ecossistemas. desenvolvimento sócio-econômico cultural das comunidades e do efetivo tombamento previsto no artigo 2 16 da Constituição Federal: e Considerando a importância e o dinamismo da açiio integrada dos setores da Administração Pública diretamente interessados tia preservação da tradição histórica e de resgate da cidadania dessas coniunidades, DECRETA:

Artigo 1" - Fica instituído Programa de Cooperação Técnica e de Ação Conjunta a ser implenientado entre a Procuradoria Geral do Estado. a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. a secretaria do Meio Ambiente. a Secretaria da Cultura, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento. a Secretaria da Educação e a Secretaria do Governo e Gestão Estratégica. para identificação. discriminação e legitimação de terras devolutas do Estado de São Paulo. ocupadas pelos Remanescentes das Comunidades de Qwlombos. sua regularização fundiária. e implantação de medidas sócio-econônucas. ambientais e culturais.

Artigo 2" - É facultado aos participantes referidos no artigo anterior. a utilização do concurso dos demais órgãos públicos ou privados. que sejam necessários ao alcance das finalidades do Programa.

Artigo 3" - Para implementação do Programa. fica instituído uni Grupo Gestor, vinculado ao Gabinete do Governador. que será composto por: I - 1 (um) representante da Procundoria Geral do Estado: I1 - 2 (dois) representantes da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. sendo 1 (um) do Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva'' - ITESP; I11 - 2 (dois) representantes da Secretaria da Cultura. sendo 1 (um) do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico. Arqueológico. Artístico e Turístico do Estado de São Paulo - CONDEPHAAT: IV - 2 (dois) representantes da Secretaria do Meio Ambiente. sendo 1 (um) da Fundação Florestal: V - 1 (um) representante da Secretaria do Govenio e Gestão Estratégica: VI - 1 (um) representante da Secretaria de Agricultura e Abastecimento: VI1 - 1 (um) representante da Secretaria da Educaçâo; VI11 - 1 (um) representante do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra; IX - 1 (um) representante da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção de São Paulo - Subcomissão do Negro. da Comissão dos Direitos Humanos: X - 1 (um) representante do Fórum Estadual de Entidades Negras do Estado de São Paulo. Parágrafo único - Os integrantes do Grupo Gestor serão indicados. respectivamente. pelo Procurador Geral do Estado. pelos Secretários de Estado e Entidades nele representadas.

Artigo 4" - As atividades de coordenação do Grupo Gestor caberão ao representante da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania.

Artigo 5" - Os membros do Grupo Gestor terão. de acordo com as respectivas esferas de competência dos órgãos que representam. as seguintes atribuições: I - coordenar e acompanhar o andamento dos serviços: I1 - estabelecer permanentemente intercâmbio de informação visando a padronização de linguagem de documentos relativos a questão quilombola; 111 - realizar estudos para o estabelecimento de métodos de trabalho de campo e de escritório que, sem prejuízo de precisão e acuidade, tornem iiiais dinâmico o desenvolvimento das diversas fases dos trabalhos: IV - estabelecer cronograma de atuação: V - estabelecer os contatos que se fizerem necessários. propondo a celebração de convênios com Órgãos públicos ou privados. como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Fundação Palmares. Universidades e Entidades correlatas, visando a troca de informações e experiências comuns no trato das questões quilombolas. S 1" - Os programas específicos de cada comunidade quilombola serão definidos em conjunto coni os Remanescentes das Comunidades de Quilombos. que participarão. também. de todas as etapas de sua implementação e execução. ~.nilonibosem São Paulo

2" - Identificada a Coniunidade como sendo Remanescente das Comunidades de Quilombos e definido o seu território, o Grupo Gestor terá prazo não superior a 90 (noventa) dias para apresentar proposta de programa técnico. a ser desenvol\;ido junto a comunidade.

Artigo 6" - O Grupo Gestor reunir-se-á periodicamente. pelo menos uma vez por mês. devendo elaborar ata sucinta dos assuntos e decisões toniadas e apresentar. trimestralmente. relatórios das atividades realizadas.

Artigo 7" - Compete a Procuradoria Geral do Estado: I - priorizar o ajuizamento e o andamento das ações discriminatorias e os Planos de Legitiiiiação de Posses nas áreas ocupadas pelos Remanescentes das Comunidades de Quilombos: I1 - designar Procuradores do Estado para prestarem serviços indicados, no ânibito de jurisdição da Procuradoria Regional competente e dar suporte jurídico. através da Procuradoria de Assistència Judiciária, na hipótese de cabimento da declaração de propriedade as comunidades, por meio de Ação de Usucapião, desde que solicitado pelos remanescentes, podendo ainda ingressar como litisconsorte na respectiva ação; 111 - acompanhar o andamento dos trabalhos geodésicos e topográficos de levantamento de terras devolutas. sua discriminação. medição e demarcação.

Artigo 8" - Compete a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania: I - realizar, através do Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" - ITESP. os trabalhos geodésicos e topográficos de levantamento de perímetros ou áreas destacadas dos niesmos (glebas). onde haja incidência de ocupação de Remanescentes das Comunidades de @lombos. visando sua discriminação. medição e demarcação de acordo com os critérios de precisão exigidos pela Procuradoria Geral do Estado. bem como levantar as características de posses em terras devolutas. podendo. para tanto. utilizar apoio aerofot ogramét rico: I1 - estudar. elaborar e implementar nonnas e métodos de trabalhos. através do Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva"- ITESP. objetivando a elaboração de projetos de exploração agronômica e extrativista, bem como prestar assistência técnica visando o desenvolvimento econômico e social das Comunidades de Remanescentes de @lombos: 111 - solicitar a Secretaria do Meio Ambiente subsídios e apoio técnico para assistência técnica agronôniica e estratiklsta em áreas contíguas as Unidades de Conservação: IV - colher dados, documentos e inforniações para subsidiar o encaminhamento de solução de eventuais conflitos que envolvain Remanescentes das Comunidades de Quilombos: V - promover a capacitação técnico-agrária dos Remanescentes das Comunidades de Quilombos.

Artigo 9" - Compete a Secretaria do Meio Ambiente: I - instituir programas de extensão ambienta1 e fomento de atividades sustentadas de utilização de recursos florestais junto as comunidades: I1 - acompanhar eiii conjunto coiii a Procuradoria Geral do Estado e Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadaniahistituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" - ITESP. demarcação das divisas das Unidades de Conservação. consolidando e conipatibilizaiido os liiiiites dessas unidades nas regiões onde se encontram os Remanescentes das Comunidades de Qulombos: 111 - proceder a regulamentação das Áreas de Proteção Ambienta1 e áreas de entorno das Unidades de Coiisen.ação. visando a compatibilização de regiões onde possa ser mantida a ocupação já existente. da forma de utilização da terra e a viabilidade da eirpedição de títulos de domínio pelo Poder Piiblico: IV - propor medidas aptas a conipatibilizar as ocupações de Renianescentes das Comunidades de Qulombos com áreas de unidades de conservação, alterando os limites das mesmas. quando necessário V - prestar. sempre que for solicitada. informações e serviços especializados a Procuradoria Geral do Estado. no caso das a&s interpostas por particulares contra a Fazenda do Estado. envolvendo as terras ocupadas por Remanescentes das Comunidades de Qulombos cujos limites estão sobrepostos aos das Unidades de Conservação.

Artigo 10 - Compete a Secretaria da Cultura: I - implantar Programas Culturais objetivando a ~alorização da cultura dos Remanescentes das Comunidades de Qwlonibos: 11 - desenvolver estudos. pelo Consellio de Defesa do Patrimônio Histórico. Arqueológico. Artístico e Turístico do Estado de São Paulo - @

CONDEPHAAT. para tombamento das áreas. coiúbrnie disposto no artigo 2 16 da Constituição Federal: I11 - desenvolver e implementar programas. com a participação dos Renianescentes das Comunidades de Quilombos. visando a recupera~ão. presemação. manutenção e restauração do patnniônio cultural. material e não material das comunidades.

Artigo 11 - Compete a Secretaria de Educação: I - instituir projeto. com a participação das Comunidades de Renianescentes de Quilombos. integrando a educação formal com a educaqão voltada para: a) a recuperação e valorização da cultura e história afro- brasileira; b) enfatizar os direitos humanos e o combate ao racismo e à discriminação:

Artigo 12 - Conipete a Secretaria de Agricultura e Abastecimento desenvolver estudos técnicos específicos. através de seus órg5os de pesquisa. tisando: I - a melhoria de condições de exploração. estraç50. beneficiamento e comercialização dos produtos agropecuários: I1 - o resgate e a valorização de suas práticas tradicionais de utilização da terra e de seus produtos agropecuários de subsistência: 111 - ações na área de associatitismo e cooperativismo. nas terras ocupadas por Remanescentes das Comunidades de Quilombos.

Artigo 13 - Compete a Secretaria do Governo e Gestão Estratégica compatibilizar as açks dos diversos órgãos com os fins especificados no presente áecreto.

Artigo 14 - Os trabalhos técnicos realizados pelo Programa a que se refere este decreto poderão ser desenvolvidos. mediante convênio. em áreas já declaradas e demarcadas como sendo de domínio particular. objetivando a desapmpriaçâo pela União, nos termos do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. Artigo 15 - O relatbrio dos mbdhos previstos no artigo 5" do DeMeto no 40.723, de 21 de março de 19%, que instituiu o Gnypo de Trabalho norteará, quanto a conceito e diretrizes, a execuç%o do Programa previsto no pmente decreto.

Artigo 16 - Os recursos orgunentários neces&ios à implantação do Programa a que se refere o artigo 1" comrã0 por conta das do- oqamentárias próprias da F%maãoria Geral do Estado e das Semtarias de Estado nele envolvidas.

Artigo 17 - Este ckxmto entrará em vigor na data de sua puMimçsr0. Lei no 9.757, de 15 de setembro de 1997

Dispõe sobre a legitimação de posse de terras públicas estaduais aos Remanescentes das Comunidades de Quiiombos, em atendimento ao artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal

O Governador do Estado de São Paulo, fapo saber que a Assembléia Legislativa DECRETA e eu PROMULGO a seguinte lei:

Artigo 1" - O Estado expedirá títuios & legihqão de posse de terras públicas esCaduais aos Remanescentes das Comuniáades de Quilombos. Parágrafo único - Não se @ca a hij&ese prevista neste artigo o &te & 100 (cem) hectares previsto no artigo 11 da Lei no 4.925, de 19 de dezembro de 1985.

Artigo 2' - O título de iegitimação de posse será expedido, sem Gnus de qualquer espécie, a cada associação legaimente constituída, que qmente a coletiviâaâe dos Remanescentes das Comunidaáes de Quilombos, com obrigatória inserção de cl&usulade inalienabilidade. Artigo 3" - O Poder Executivo estaóelecerá, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias a partir & data & publicação &ta lei, as diretrizes que defínMo os Re-ntes das Comunidí&s de Quiiombos beneficiários, bem como os critérios & temtorialidade para demarcação & suas posses, garantida a participaçilo idas associaç6es referiidas no artigo anterior.

Artigo 4' - Aplica-se sub6i-nte o disposto na Lei no 3.962, de 24 & julho de 1957, exceto em ~eia@oà posse por preposto e à obrigatoriedade do pagamento & taxa de transferência.

Artigo 5' - Esta lei entrará em vigor na &ta de sua wicação. Documento

"Título de Reconhecimento de Domínio que a União Federal e o Irtsfituto N~cionalde CoZonizaçãu e Rejòrma Agrária outorgam a A~~daC~ Remanescente de Quilombo Boa Vista" Título de Reconhecimento de Domínio/ União FederalíIncra/n" 0 1/95

Titulo de Reconhecimento de Domínio que a União Federal e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA - outorgam à Associação da Comunidade Remanescente de Quilombo Boa &ta - ACRQBV

A UNIÃO FEDERAL, npresentada pelo Exoelentíssimo Senhor Presidente & República, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, brasileiro, casado, sociólogo, RG no 1.254.309-SSP/SP e CPF no 062.446.028-20, e o INSTITUTO NACIONAL DE COLONIW~AO E REFORMA AGR~A- INCRA, autarquia federal criadapeloDecret0-lei no 1.110, de 9 Bejuhde 1970, rtttera8opdaLRi no 7.231, de 23 de outubro de 1984, estnitura regimental foi aprovada pelo Decreto no %6, de 27 de outubro de 1993, CGC no 00375972/0001-80, neste ato representada pelo seu Presidente FRANCISCO GRAZIANO NETO, brasileiro1 casado, engenheiro agr6mm0, RG no 4.832.490-SSPIDF, CPF no 748.438.348-15, residente nesta Capital, designado pelo DeaW & 29 de setembro de 1995, publicado no Diário Ofícial da União - DOU, na mesma data, e de acordo com as atribuições que ihe são conferidas pelo artigo 24 do Regimento Interno & Auíarquia, apmvado pela Poriaria no 812, & 16 de dezembro de 1993, publicado no DOU, de 20 do mesmo mês e ano, doravante simplesmente denominados OUTORGANTES, com fundamento no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e no artigo 6" da Lei no 4947, de 06 de abril de 1%6, e, considerando o que consta do processo administrativo INCRAPF SANTARÉMPAI no 2141 1.000081/94, pelo presente TfIWB DE RECONHECIMENTO DE DoM~Io, com plena força e validade de escritura pública, a teor do artigo 7" do Decreto-lei no 2.375, de 24 de novembro de 1987, reconlmxm o domínio & ASSOCIAÇÃO DA COIWNIDADE REMANESCENTE DE QUILOMBO BOA VISTA - ACRQBV. CGC no 00.458.306/0001-%, repmentacía pelo seu coordenador geral. MANOEL EDILSON SANTOS DE JESUS, brasileiro, casado, babalhador rural. RG no 1.626.376-SSPPA e CPF no 231.827.842-34, aáiante simplesmente denomina& OUTORGADA, sobre o imóvel rurai denominado Comunidade Boa Vi,Gleba Trombetas, situado no Município de Onximiná, Estado do M, com 1.125,0341 ha (hum mil, cento e vinte e cinco hectares, três ares e quarenta e um centiares), com a seguinte descrição do perímetro e conn-Ontaç&: Ftwtindo do M-01, de coordenadas planas E=56730 1,136 e N=9838585,478, segue-se à montante do Igarapé Água Fria, pela sua margem áireita, numa disthcia 4.182,23m até o M-02; daí segue-se à montante de um Igarapé sem denominação, pela sua margem direita, numa distância de 731,48m até o M-03; daí segue-se com azimute 286'55'25" numa distância de 1.547,76m até o M-04; daí segue-se à jusante de um Igaqé sem denomina@o, pela sua margem escperda numa disíância de 1.867,35m até o M-05; daí segue-se à jusante do Igmpé Paiauá, pela sua margem esquerda numa distância de 1.%8,29m, até o M-06; daí segue-se pela Enseada do Patauá, Bom Princípio e Caripé, numa distância de 2.150,52m até o M-07; daí segue-se com azimute 90000'15" e distância de 316,68m, até o M-08, daí segue-se à jusante do Rio Trombetas, pela sua margem esquerda numa distância de 1.599,%m, até o M-01, ponto inicial da descrição deste perímetro. CONFRONTAÇ~ES:Norte: Rio Trombetas e Enseadas do Caripé, Bom Princípio e Patauá; Leste: I& Água Fria; Sul: I&arapé Água Fria e Floresta Nacional Saracá-Taquera; Oeste: Igarapé sem denominação e Igarapé Patauá, tudo conforme planta e memorial descritivo de responsabilidade técnica do técnico agrimensor Luiz Femando da Silva Muinhos, CREA 134-TADPA, que acompanha o presente.

C~USUWI.PRIMEIRA - O imóvel antes descrito integra uma área maior matriculada e registrada em nome da UdoFederal, sob o no R-11423, Livro no 2- B, fls. 423, no Registro de Imóveis da Comarca de Oriximiná-Pk cLÁusULA SEGUNDA - De acordo com declaração prestada pelo representante da OUTORGADA no mencionado processo administrativo, o imbvel objeto do presente Títuio âestina-se, pnncipaimente, às atividades extrativista e agropecuária.

CLÁUSULA TERCEIRA - O imhel de que trata o presente Título acha-se livre e desembaraçado de todo e qualquer Ônus, judicial ou extrajudicial, hipoteca legal ou convencional, ou qualquer outro Ônus real. O presente Título é fumado em 3 (três)vias, ficando eleito o foro do Disirito Federal, com renúncia & qualquer outro, para dirimir quaisquer questões que resultarem deste. E, por estarem assim justos e contratadas, assinam embaixo OUTCRGANTES e OUTORG~,por seus representantes legais, juntamente com as testem- &MO DOS ANJOS FlLHO, brasiieiro, casado, engenheiro agr8nomo. RG no 14.600.928SSPlSP, CPF no 050.204.058-09, e WALTER C-, brasileiro, casado, engenheiro agrOnomo, RG no 29.978-SSPMA, CPF no 019.505.17248, presentes a todo ato, que, depois de lido e achado conforme, é regisüaâo no Livro de Títulos & Reconhecimento & Dominio do Departamento & Alienação e Tiiui- da Diretoria de Recusas Fundiários do MCRA, valendo o mesmo como escritura pública, conforme supra indicado. E eu, DEMSON LUIZ DE OLIVEIRA, Chefe do referido Departamento, que o fíz datilografâr, conferi e subscrevi. Brasília-DF, 20 & novembro de 1995.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO FRANCISCO GRAZIANO NFM) Presidente da República Presidente do INCRA Outorgante OUtoUPte

ASSOCLAÇÃO DA COMLJNDADE REMANESCENTE DE Qun,OMBO BOA VISTA outorgada

OD&O DOS ANJOS FILHO WALTER CARDOSO Diretor de Recursos FundiáriosmJCRA Superintendente do iNCRA/PA Testemunha Testemunha Para Ver e Ouvir Depoimentos & Fotografias

"Nós daqui somos uma coisa só, tudo innaradcsde, tudo hulonnandáde." Dona Maria Felícia da Costa, 84 anos SALTO DE PIRAPORA : CAFWPO' IPURA~:~LÓES,MARHRM;~~,~~,MWACLA~IA,~XHWSELM~~~ E L DORAW:m, ww PCW~,AWML, &PAN,~vm'ums

Locaiizaç& das Comuni&s Remanescentes de Quilombos. Arte: Mauricio Pestana, jdo/97. Para Ver e Ouvir Depoimentos & Fotogdas

São Pedro "Todo mundo irabalha no mutirão. Homem, mulher, de idade. No sábado teve um para barrear uma casa. Foram todos, as crianças, todo munáo. Trabalharam o dia inteiro, não pararam. Terminou essa barreaçi70 meio dia e meia" ''O mutirdo a gente faz desde o começo dos nossvs irabalhos,já foi o tempo inteiro. Quando dava sete horas o pessoal está todo reunido. Ali tinha a cozinheira, tinha o cozinheiro, tinha o ajudante. Uns faziam uma coisa, unsfaziam outra coisa. Depoisfaz a festa, o baile. Está dando para a gente fazer".

Dona Benedita Furquim Rodrigues 83 anos, 1 íiiho. Comunidade São PeQo, Município de Eláorado, em 04.06.96.

'Lá na região onde os antiqos trabalharam, na Faenda das Vargens tem várias mostras de minério. Ikjcclusivamente, até a banana branca que tem aqui foi dessa época, ld tem muita banana branca, dava para tirar cmcheio. Lá por aquelas bairada do no,Jicava três meses com leitãonnho novo, quando voltavajá estava bom. Até agora ainda encontra banana lá, no meio do capoeiral. Isso tudofoi trabalho dos escravos, a banana, o cará de espinho, de angola tudo foi planta dos escravos. Isso tudo serve de alimentação para nós. Nós já encontramosplantado. " 'As terras que nossos avôs trabalhavam nela, ou que nosso bisavô que foi Bernardo Furquim. começavam da Barra dos Pilõespara cima, lá do bairro do Galvão e vai até o Rio das Vargens. Tudo pertence &s terras & Bernardo Fwquim. De onde ele pegou para trabalhar, do Galvão até o Rio das Vqenstem uns 12 ou 14 quilômetros. Cada filho fonnava uma posse, ficava trabalhando, os netos também trabalhava. Onde nós estamos, nós não saímos porque temos muito amor nessas terras, onde nds arrumamos nosso @o, onde nds se divertimos. Nós não vai achar outro lugar melhor para poder viver. Na cidade a gente não vai porque quem não tem profissão como nds, a gente não agUenta pagar casa, imposto de luz, imposto de água. Precisa ir ao armazdm comprar as coisas, viver no sítio é muito melhor. " 'Antigamente não tinha comércio suficiente como tem hoje, eles trabalhavam para sobreviver do que eles plantavam; hoje em dia nds phtamos para sobreviver daquilo que nds plantanus. Não tem comércio paro nds vender as coisas, é muito baratinho; a gente planta uma quantia para sobreviver e faz outro ramo para mmmo dinheiro para poder fazer urna viagenzinha,para @r comprar outras coisas. A gente faz uns trambiques fora para ajuáar. Nds planta, nbs cria os parquinho, as galinhas, arroz, feuão, mandioca, até ca@ pùurtava bastante. Hoje ainda tem uns pés de cacafé por aí. Eles plantavam, colhiam, como nós faz. Nds não sabe qual é a diferença. " 'Aterra daqui é de todo mundo, agora a gente recusa daspessoas de fora, que estão entrando dentro das terras agora. A gente acha que o direito deles é pouco para eles dizerem que as temtambém é deles, é pw.Eu acho que o governo deveria reconhecer que uma fm'lia que nem nós desse lugar somos quase como os indios. Naquele tempo da escravatura, as pessoas que se encontravam eram os índios. Hoje em dia, que a gente estb sendo reconhecidopelas famílias dos quilombos, nós somos os brasileiros legítimos porque nds fomos das primeiras pesoas que viveram no Brasil. "

SenhorEduNolascodeFrança 58 anos, 5 nuiaS. Comunidade S&, Peclro, Município de EIdorado, em 04.06. %. 4

Ivaporunduva

André Lopes

Maria IgnezMmicondi, Itesp. junho/97

- d Ugua é uma gentinha pequena, coni dente aba. Lá onde eu moma. ele vinha virando cambota na dgua. Subia para cima, mas tinha uma pedra grande em frente onde mora a comadre Pedrina, ele vinha da morada dele na Revessa. Esse lugares de Revessa ele gosta de morar. Revessa é um lugarfundo. Eu fui bater roupa, emtei um assobio. Quando eu espiava ele afundava ouha vez, eu não enxergava. Eu com medo de gente que tinha monido afogada. Eu jquei prestando atenção, bati a mp, queria saber o que era isso, quando ele fezpsiu, eu sai e assustei ele. Ele emborcou na @a e foi emhora. "

Dona Maria Adelaide Pedrosa 72 anos. Comunidade André Lope$ Município de Eldorado, em 26.02.97 André Lopes

Andiara B. Automare IJ Itesp. junho/97 Mana Ignez Mmicondi U Castelhanos "JoséJúlio da Silva nasceu aqui e levaram ele para a guerra que teve no Paraguai. Foi sorteado para ir para a guerra. quando o mptinha 21 anos era sorteado militar. Os outros morreram em combate, ele era forte. não morreu em combate, voltou paro a terra dele. Ele contava de ir de navio para 16. de navio poro có. trincheira. I-le contava que o material de lutarfoi armamento. ele lutou com armas. Ele contava queJicou três anos na guerra. " "Chico Paula era irahalhador. Morava no centro do mato, depois mudou-se pua Porto dos Pil&s, onde tem a igreja de São José. Dai ele formou a fdbrica de pinga, casa de sobrado, era bonita a caso dele, tinha assoalho. A casa dele foi desmanchada depois que ele morreu. Ele pagava os camarada, elesfaziam uns 15 ou 20 alqueires de roça,fazia mutirdo de plantaçdo, de roçada. IJm dia ele quis comprar um boi de mim. eu tinha um gadinho, queria,fmerpuxirdo, comprou o boi de 13 mbaspara matar para fazer o puximo. Se garlaram de comer carne nesse dia. Foi a Aminda, os homens daqui,foi muita gente. Ele sempre fi-apuairão. nnha gente que tocava nas festas. linha uns três contador: José Vendncio, o outro chamava-se Moteus, o outro chamava Laurindo cantador,plho da Paula. Vinha gente de Iporanga s6 para ver eles cantar, pasma a

noile. " ''.Si0 Gonçalo em uma dança de rodo. Tratavam de maria. era uma promessa, juntava muita gente. Era uma roda de dar a mdo e cantava. Ilançava SBo Gonçalo até amanhecer o dia, era bom quando pegava uma bonita para dançar, dançava a noite toda. Demorava muito a dança e não dava para Irocar no meio. Fda prome.wapara o santo, o São Gonçalo. Qualquer um que fazia a pramesso, tinha de dar afesta para pagar, juntava gente. E dipcil de fazer hoje. Minhas crianças quase que não viram a festa. r...] Aqui tinha um homem chamado Mané Corimba. ele era de Iporanga. Ele vestia a romaria, esse era festeiro. Dizia assim: eu ouvia uma antiga de uma galinha com galo, viva São Gonçalo. Dançava. Era bonita. [...I Não ia padre ne.rsoswtai. mas era uma coisa &a. tudo direitinho; todo mundo respeitava. "

~ ~ ~ ~~-~~ Senhor João Maciel 83 anos Comunidade Castelhanos, Municipio & Eldorado, em 22.03.97 Cafundó

Cafundó Nhunguara "Em Ivaporundwa veio um pessoal que hahalhou como escravo e fugiam. assim comojügiam para Sdo Pedro, para Pilões e para outros lugares,figiam tamhém para aqui. Aqui 6 Barra do Nhunguara, ali em cima é o Roqueirdo que umafamília fugiu e foi morar para aquele lado. L6 em cima tem o córrego da Mnhaque tamhém foi ocupado por fugitivos, por pessoas que eu conheci um velho que morreu hó pouco tempo, seu Altalino, seu Zé Fèlicio. que morreram. " "Sohre o nome dosfmendeiros que IPm por aqui eu nBo sei bem cerro. Os grandes que têm sdo esses, os arrasadores. [...I Ele ndo perturham diretamente. mar indiretamente perturham porque esses sdo os lugares que a gente sempre costumava huscar vida. Ndo dh para entrar por Ió, eles estdo na cabeceira do Nhunguaro, onde tem mais mata. " "P^Ee.rfazendeiro.r ocupam uma área que 6 bavtante complicada nõo só para eles, mas para o pessoal que é iradicional daqui. Eles estdo deniro da área do Parque Jacupiranga de cabo a raho. As fazenda t2m bastante pasto. O parque aqui é hem antigo, ma7 a ahertura das divisas dele. se eu não eu estou nrentindo foi em 76, 77. Os fazendeiros chegaram bem depois do parque. Nenhum deles têm titulo dasfazendas. Nós os daqui tamhém nao lemos titulo. vivemos aqui de teimoso porque governo nenhum ainda se interessou de titular esse pes.ma1, que até deveria ser É até uma injustiça que os nossos antepassados e os que convivem hoje ndo poder forer isso por eles. Por exemplo, o meu avô ali em cima jó vai fazer 90 anos, ele ndo tem titulo e trabalho muito; vovb estó quase com 90 anos, tamhém ndo tem título. Em $2 veia um pessoal do governo. da Cepam, e ndo saiu nada. " "Para plantar nós temos que tan~hdmrespeitar o verde, as ópas e pagar as multas. Eu mesmo esse ano paguei RS 178 00 de multa sem ter es.re dinheiro. O lugar que agente trabalhava denho, agora 6 feito de fienda. na beira da esirada não tem capumra. A fiscalização está chegando e dura, na idéia deles ndo é para a gente forer mais nada. Querem .só saher da ecologia':

Senhor José Paula de Franp Comunidade Nhunguara, Município de Iporanga, em 28.02.97 I Pilões

Andiara 6. Automare, Itesp, junho197 P<,lombos em SBOPm

Pilões

-L ""

Maria Ignez Maricondi, Itesp, junho/97 Pilões

$Andara B. Autamme e Mm.a Ignez Mariconm' f? , Ifesp,junhoD7 Nhunguara

"Eu não pego no sono de noite efico pensando tanta coisa dos antigos. Eu lemhro de tanta coisa antiga, naquele tempo tinha todas aquelas coisas. Não era muito diferente do que é agora, só que todo mundo tinha que trabalhar na roça o tempo inteiro. Se trahalha~se comia, se não trabalhasse morna de fome. Naquele tempo, os mais velhos de nós, agente tinha o que comer e o que heher, tudo da roça A gente plantava fe/eiião e dava bom, plantava arroz dava bom, a gente plantava milho e dava bom. Tudo o que a gente plantava dava, o que mais precisava era o sal. que a gente comprava. Plantava cana, eu e meu mm'do agente estava com rapadura a tempo inteiro, tinha um canavial, nossa, tinha mwnda, tinha tudo. Fdava com rapadura o tempo inteiro. Para nós e poro vender para apeles que não plantavam. Quem não plantava comia e bebia comprado. Tinha muita gente aqui no Nhunguara antigamente tinha muita gente. tudo familiaflm. Todosfilhos do lugar, não tinha gente de fora, agora isso está tomado de gente de fora. A gente vendia um para outro, aquele que não tinha vinha comprar da gente que tinha, a gente vendia para eles. Tirava a quantia da gente gaaytare o resto vendia para um e para outro. Gente do bairro mesmo. Era custoso para comprar qualquer coisa aqui em Nhunguara, tinha que ir até a Eldorado comprar alguma coisa, ainda nem caminho tinha, viajava por canoa. Era dois, ires dias para ir daqui a Eldorado. Dormia lá, quando não donnia lá voltava de noite. a canoa pererecando por ai para chegar no porto para garrar por Nhunguara acima. Mas, era o maior sacrificio. o caminho ai ndo tinha; depois inventaram um caminho mas era trançado de capim. A gente ia andar e precisava levar aquele capim no peito, rasgando o capinml para poder andar. Oh, meu Deus do céu. Essa estrada aqui foi feita agora de poucos dias, que abriram essa estrada. Dai para c6 mudou muito porque agora a pessoa ficou facilitada quando falta carro na estrada, a pessoa quer ir a Eldorado, amanhece bem cedo emharca ai na pista e vai a Eldorado, quando é meio dia está em casa Quando quer ir de meio dia para tarde. almoça bem almoçado e embarca no ônihus, quando é de tarde está em casa. Agora, sim, endireitou. Quando quer vender qualquer coisa é só embarcar que j6 vende hem vendido e volta. Nesse tempo davo trabalho apeswa vender uma canoada de arroz, uma canaada de milho, uma canoada de cafe. Meu Deus do céu, era aquele trabalho de haldear no cargueiro de lá do cenim, @azia aqui na beira do no, daqui embarcava na canoa. enchia aquela canoa de mantimenfo e saia amscando a vida nesse no abaixo. Vinha no lombo do cavalo. se criava um cavalinho map para baldear a catpnele. ainda era bom. "

A Jorgina Dias dos Santos Comunidade Nhunguara, Município de EIQrado, em 28.02.97

Yntes Iodo mundo trabalhava na roça O pai desse daqui esrá com o arroz amadurecendo. NOo, não está amadurecendo, mas estó cacheado. Tudo aqui, não tem nenhum que não frabalha na roça. Agora trabalha menos por causa dessa vinda de coisa ndo estó frabalhando muito. [...I Agora apessoa não tem nem onde frabalhar, fazer uma casa. " "Nós daqui somos uma coisa s6. tudo innandade. tudo irmandade."

Dona Mana Felicia da Cosia 84 anos Comunidade Nhunguara, Município de Eldorado, em 04.03.97

Ministério Piiblico Federal - Procuradoria da República em São Paulo - T~echosde depoimentos colhidos durante pesquisa de campo realizada no Vale do Ribeira para subsidiar os trabalhos de identificação das comunidades de quilombo. GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

GOVERNADOR DO ESTADO Mário Covas

VICE-GOVERNADOR DO ESTADO Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho

SECRETÁRIODA JUSTIÇA E DA DEFESA DA CIDADANIA Belisário dos Santos Júnior

ITESP INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE SÁO PAULO

COORDENADORA Tânia Márcia Oliveira de Andrade

"Em Ivayortlndttva veio um pessoal que tmbnlhou conzo escravo e figiam, assim como filgianl pcrrn Siio Pedro, para Pilões e par~7 otítros lzrgnres, &iam tanzbém pam aqtíi. Aqui é Barra do Nhtrnguara, ali em cima é o Boqueiriio que trrna far?iilia jugiu e foi morar parcr aquele lado. Lá em cima tem o córrego da Lavrinha que tamhénz fo~oczlpado porfiígitivos, por pessoas que ezí conheci Ltm velho que morreu há pocrco tempo, seu Altalitzo, seti Zé Felicio, que inorrerai?z."

Senhor Jose Paula de França Comunidade Nhunguara, Município de Iporanga.

4475 Quikmòw em 9ã0 Paufo

L--.7