Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História (Re)inventando saberes e fazeres

Antonio Carlos Castrogiovanni Carla Beatriz Meinerz Maria Lúcia Rodrigues de Freitas Moritz Roseli Inês Hickmann (Organizadores)

Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História (Re)inventando saberes e fazeres

OI OS EDITORA 2011 © Organizadores – 2011 E-mail: [email protected]

Editoração: Oikos Capa: Juliana Nascimento Revisão: Luís M. Sander Arte final: Jair de Oliveira Carlos

Impressão: Rotermund S. A.

Conselho Editorial: Antonio Sidekum (Ed. Nova Harmonia) Arthur Blasio Rambo () Avelino da Rosa Oliveira (UFPEL) Danilo Streck (UNISINOS) Elcio Cecchetti (ASPERSC) Ivoni R. Reimer (UCG) Luis H. Dreher (UFJF) Marluza Harres (UNISINOS) Martin N. Dreher (UNISINOS) Milton Schwantes (UMESP) Oneide Bobsin (EST) Raul Fornet-Betancourt (Uni-Bremen e Uni-Aachen/Alemanha) Rosileny A. dos Santos Schwantes (UNINOVE)

Editora Oikos Ltda. Rua Paraná, 240 – B. Scharlau – Cx. Postal 1081 93121-970 São Leopoldo/RS Tel.: (51) 3568.2848 / Fax: 3568.7965 [email protected] www.oikoseditora.com.br

I56 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História – (Re)inventando saberes e fazeres / Organizado por Antonio Carlos Castrogiovanni et al. – São Leopoldo: Oikos, 2011. 150 p.; 14 x 21cm. ISBN 978-85-7843-181-5 1. Professor – Formação. 2. Ciências Sociais. 3. Geografia. 4. História. 5. Prática pedagógica. I. Título. II. Castrogiovanni, Antonio Carlos. CDU 371.13 Catalogação na publicação: Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil – CRB 10/1184 AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer a todos os atores que estiveram envolvidos com o nosso subprojeto e que, graças ao seu empenho e dedicação, viabilizaram nossa proposta. A eles/as o nosso muito obrigado por aceitarem o desafio e por tornarem o PIBID Sócio-históricas uma experiência de múltiplas práticas pedagógicas compartilhadas. Bolsistas licenciandos/as: Amanda Corrêa de Lavra Pinto, Artur Czermainski Klassmann, Daniele Machado Vieira, Débora Schardosin Ferreira, Diego Souza Marques, Eduarda Bonora Kern, Eduardo Hernandes, Fernanda Rocha dos Santos, Larissa Pires Soares, Nina Becker, Pedro Henrique Ermida Cruz, Tiego Rocha Rebello, Thiago Scott Duarte, Tiago Santana Trombetta. Professores das escolas públicas: Carmen Lucia Santos Castro, Claudio Heinrichs, Debora Barboza Batista, Diego S. Garcia, Giancarlo Caporale, Mateus Dalmaz, Rafael Ribeiro, Raquel Grendene, Sendi Olmedo.

SUMÁRIO

Prefácio...... 9 Introdução ...... 13

SEÇÃO I – CIÊNCIAS SOCIAIS ...... 19 1. PIBID-Sociologia: desafios para a (re)invenção da docência ...... 19 Maria Lúcia Moritz Roseli Inês Hickmann 2. Sociologia e educação: a experiência do Programa de Iniciação à Docência em Ciências Sociais ...... 39 Eduarda Bonora Kern Fernanda Rocha dos Santos Nina Becker 3. Sugestões de atividades ...... 52

SEÇÃO II – GEOGRAFIA ...... 61 1. Práticas para o ensino da Geografia ...... 61 Antonio Carlos Castrogiovanni Artur Czermainski Klassmann Débora Schardosin Ferreira Larissa Pires Soares 2. Oficinas pedagógicas de Geografia ...... 67

SEÇÃO III – HISTÓRIA ...... 101 1. PIBID-História: enlaces possíveis entre universidade e escola através dos saberes construídos no ensino de História ...... 101 Carla Beatriz Meinerz Carmen Zeli de Vargas Gil Fernando Seffner Nilton Mullet Pereira 2. Ensino de História e mediação didática: entrecruzando culturas no espaço escolar ...... 104 Carla Beatriz Meinerz 3. Estabelecendo parcerias, evitando colisões, somando saberes ...... 107 Fernando Seffner 4. Arquivos escolares e ensino de História ...... 111 Carmen Zeli de Vargas Gil 5. Oficina: Lutas do Grêmio Estudantil no Irmão Pedro, a eleição que parou nos jornais e na justiça...... 116 Pedro Henrique Ermida Cruz 6. Oficina: Lendo e escrevendo na pré-história ...... 121 Diego Souza Marques 7. Oficina: “Fé em Deus! DJ!”: a história social do funk ... 125 Diego Souza Marques 8. Intervenção pedagógica em aula: fontes históricas – Movimento da Legalidade (1961) ...... 128 Tiego Rocha Rebello 9. A Olimpíada Nacional em História do Brasil: experiências, aprendizados e possibilidades ...... 134 Diego Souza Marques Tiego Rocha Rebello 10. Produção de blogs: ferramenta no ensino de História .. 140 Amanda Corrêa de Lavra Pinto Conclusão ...... 147

8 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

PREFÁCIO

A produção coletiva que constitui este livro é fruto de um trabalho cuidadoso e comprometido com a educação brasileira. Foi desenvolvido no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com o objetivo de fortalecer as atividades de formação inicial e continuada de professores dessa Universidade. O PIBID, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoa- mento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), tornou-se um dos programas mais relevantes da atual política pública para a formação de professores, constituindo-se em um elo funda- mental entre a universidade e a escola básica pública. O pro- grama possibilita a formação adequada dos licenciados das uni- versidades enquanto favorece a qualificação do trabalho do- cente nas escolas de educação básica. O Programa possibilitou, em três anos de funcionamen- to, a concessão de aproximadamente vinte e seis mil bolsas a licenciandos, professores das escolas básicas e professores das universidades. Além disso, promoveu, por meio do custeio das ações pedagógicas desenvolvidas nas escolas, a qualifica- ção e o desenvolvimento do trabalho docente e da aprendiza- gem dos alunos.

9 Prefácio

Na UFRGS, até o final de 2010, o PIBID constituiu ele- mento fundamental na formação de noventa e três licencia- dos, bolsistas do Programa, nas áreas de Licenciatura em Química, Licenciatura em Física, Licenciatura em Matemá- tica, Licenciatura em Ciências Biológicas, Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa, Licenciatura em Artes Visuais, Licenciatura em Geografia, Licenciatura em História e Li- cenciatura em Ciências Sociais, Licenciatura em Teatro, Li- cenciatura em Pedagogia e Licenciatura em Filosofia. Possi- bilitou o fortalecimento das relações entre a Universidade e oito escolas públicas de educação básica conveniadas, através da execução de ações conjuntas para a melhoria da qualifica- ção profissional do trabalho docente. O processo de qualificação e aprimoramento das práti- cas pedagógicas desenvolvidas nas escolas foi possibilitado por meio do estimulo à utilização das novas tecnologias de infor- mação e comunicação, ferramenta importante no processo en- sino-aprendizagem; à criação e manutenção de laboratórios di- dáticos das diferentes disciplinas nas escolas; à atualização dos conteúdos tratados e das metodologias empregadas nas dife- rentes disciplinas; e aproximando a abordagem utilizada nas escolas das pesquisas mais recentes sobre abordagens curricu- lares e metodológicas desenvolvidas na Universidade. Este livro apresenta esta produção que articula licen- ciandos, professores da UFRGS e das escolas de educação básica em torno de uma discussão coletiva, num processo tam- bém coletivo de conflitos, desafios e, certamente, muito pra- zer na execução de um projeto de qualificação do trabalho docente.

10 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Os relatos de experiência e estratégias de ensino aqui apresentadas se constituem nas vivências desse coletivo de aprendizagens que esperamos possam estimular outros pro- fissionais da educação a participar de coletivos qualificados de produção acadêmica e possam, dessa forma, contribuir para a melhoria da educação brasileira.

Flávia Maria Teixeira dos Santos Coordenadora Institucional Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência Universidade Federal do Rio Grande do Sul

11 12 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

INTRODUÇÃO

Narrar experiências que nos fizeram viver com mais in- tensidade, pensar, criar, ensinar e aprender as questões das ciên- cias humanas que cotidianamente nos incitam como professo- res e estudantes. Essa é a proposta do livro que ora apresenta- mos. Aqui o leitor encontrará as vivências e as reflexões constru- ídas no processo de realização do subprojeto Ciências Sócio-His- tóricas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Do- cência (PIBID) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A UFRGS participou do Edital CAPES/PIBID/2007, tendo seu Projeto Institucional selecionado para ser executado no biênio 2009/2010. Deste Projeto participaram seis áreas de formação profissional, contemplando nove das 16 licenciaturas existentes na Universidade, a saber: Física, Química, Ciências Biológicas, Matemática, Letras, Artes Visuais, Ciências Sociais, Geografia e História. Nele, optou-se pela construção de um sub- projeto conjunto entre Ciências Sociais, Geografia e História, viabilizando a participação dessas licenciaturas através da deno- minação Ciências Sócio-Históricas, área de formação citada se- cundariamente no referido Edital. A decisão de elaborar e apre- sentar este subprojeto justificou-se pela iniciativa de integração entre três áreas do campo das ciências humanas que acredita- ram e apostaram na proposta do PIBID e do Projeto Instituci- onal da UFRGS. Tal aposta esteve especialmente relacionada com a promissora possibilidade de interação entre Universidade e Escola vislumbrada no Programa, capaz de estabelecer práti-

13 Introdução cas pedagógicas inovadoras em ambos os campos de atuação educacional. Entre os objetivos gerais estabelecidos pelo Projeto Insti- tucional estava fortalecer as atividades de formação inicial e con- tinuada dos profissionais da Universidade e promover nas licen- ciaturas os mesmos níveis de excelência e qualidade obtidos na formação e carreiras científicas. O Projeto da UFRGS foi contemplado com 58 bolsas para licenciandos, distribuídas entre as seis áreas, cabendo nove bol- sas ao subprojeto das Ciências Sócio-Históricas. Para dar conta dos objetivos gerais estabelecidos no Proje- to Institucional, o subprojeto promoveu ações de qualificação do ensino de Ciências Sociais, Geografia e História na Educa- ção Básica, através da interação com as escolas públicas em que atuou, buscando atingir os seguintes objetivos: a. contribuir para a elevação do Índice de Desenvolvimen- to da Educação Básica (IDEB) e das médias do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) das escolas participantes; b. incentivar para que o aluno-bolsista permaneça na li- cenciatura e sinta-se estimulado a atuar como docente na Edu- cação Básica da rede pública; c. implantar uma nova postura pedagógica nos fazeres e saberes que envolvem a Geografia, a História e as Ciências Soci- ais na Educação Básica, visto que o uso burocrático do livro di- dático tem resultado num empobrecimento da atividade de pla- nejamento por parte dos docentes. A fim de atingir os objetivos estabelecidos, a área cons- truiu ações que serão aqui narradas e discutidas, entre elas: en- contros regulares envolvendo professores universitários, profes- sores das escolas e alunos-bolsistas para estudos, planejamento, avaliação e construção interativa da metodologia de trabalho; atividades pedagógicas dentro e fora da sala de aula, permeadas pela interação entre estudantes e professores da Universidade e

14 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História da Escola; estímulo à avaliação reflexiva e formativa em torno dessas práticas e da construção de materiais didáticos, artigos, blogs, para o registro e divulgação das mesmas. Dessa forma, os bolsistas destinaram 20 horas semanais ao projeto, permanecen- do parte do tempo na Escola e parte na Universidade, partici- pando dos encontros regulares, pesquisando, construindo, dis- cutindo e, juntamente com os professores, pondo em prática as propostas de inovação de fazeres e saberes das Ciências Sócio- Históricas. Referenciando-se nos resultados do ENEM e do IDEB, foram selecionadas cinco escolas públicas de Educação Básica do Estado do Rio Grande do Sul com baixo índice de desempe- nho nos referidos processos de avaliação. A área das Ciências Sócio-Históricas passou a atuar na EEEBDAC e na EEFPBR, ambas no município de Porto Alegre. Escolas distintas uma da outra, tanto no que se refere à sua localização geográfica quanto à sua estrutura e ao perfil dos alunos. A EEEBDAC é uma esco- la de Ensino Fundamental e Médio e conta com 1.300 alunos, sendo que no noturno oferece 13 turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Está localizada na zona leste da capital, em um bairro de classe média-baixa, que atualmente passa por uma va- lorização imobiliária. Seu corpo discente possui um perfil socio- econômico baixo, mas, ainda assim, vários alunos possuem tele- visão, TV a cabo e conseguem acessar a internet (em casa ou no local de trabalho). Como à noite a escola oferece EJA, há muitos alunos trabalhadores cujo local de trabalho fica no entorno da mesma. O público não é apenas de alunos residentes no próprio bairro, mas também de estudantes que trabalham durante o dia na sua proximidade. A EEFPBR só oferece Ensino Fundamen- tal e conta com menos de 170 alunos. Sua realidade é bem dis- tinta da outra escola: seus alunos são provenientes, na maioria dos casos, de vilas próximas ao colégio e vivem em condições socioeconômicas precárias. Muitos possuem histórias marcadas

15 Introdução pela falta de referenciais adultos ou familiares, violência e envol- vimento com drogas na comunidade. A partir de março de 2010, a ETEIP foi incorporada ao PIBID através do subprojeto das Ciências Sócio-Históricas. Tal inserção foi relativa à decisão de direcionar seu foco de ações para o Ensino Médio e para uma escola com receptividade ao Programa. A Escola se diferenciou das demais, nesse processo, na medida em que foram alguns pro- fessores que procuraram a Universidade em busca de informa- ções sobre o PIBID. Atende um público de jovens oriundos de diferentes bairros da cidade, assim como de cidades da região metropolitana de Porto Alegre, que buscam ali a oportunidade de cursar e concluir o Ensino Médio. Na implantação do subprojeto alguns problemas foram enfrentados, sejam eles de ordem prática, como a demora de repasse de verbas, sejam de ordem pedagógica, como o critério para a participação das escolas no PIBID. O baixo desempenho nos processos avaliativos do governo federal mostrou-se um cri- tério insuficiente, na medida em que as escolas que puderam se enquadrar neste não desejavam efetivamente participar de Pro- gramas como o PIBID. Consequentemente, não acolheram nem deram suporte ao trabalho desenvolvido pelos/as licen- ciandos/as bolsistas. Ainda no âmbito escolar, mesmo que a direção da Escola tenha aderido à proposta do PIBID, alguns professores não aceitaram a presença dos bolsistas em sala de aula, impedindo-os de realizar ações planejadas para serem exe- cutadas em várias turmas. A realidade da rede pública de ensino no Rio Grande do Sul também é um outro ponto a ser apontado criticamente. A escola pública gaúcha vem historicamente se deparando com inúmeras dificuldades e adversidades, que en- volvem aspectos de infraestrutura, gestão escolar, recursos hu- manos, tais como: faltam professores em várias disciplinas, um grande número de professores que compõe o corpo docente é de professores contratados temporariamente, a verba para a meren-

16 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História da escolar é escassa, as bibliotecas estão fechadas ou subutiliza- das, e há falta de equipamentos eletrônicos, e, quando existen- tes, seguidamente são furtados da Escola, que também é vítima da (in)segurança pública. O cotidiano escolar é apreendido em suas possibilidades quando ali nos colocamos inteiros. Mesmo com as dificuldades detectadas, compreendemos que as ações pedagógicas que pre- tendem qualificar a escola pública encontram lugar e se cons- troem na medida da parceria e da interação entre atores sociais dispostos a unir saberes diferenciados e indissociáveis, como os acadêmicos e os escolares. Os dois principais objetivos, definidos no início do sub- projeto, foram atingidos na medida em que estimulamos os li- cenciandos/as bolsistas a atuarem como professores, principal- mente conhecendo as rotinas e dinâmicas que envolvem o coti- diano pedagógico, bem como os desafios a serem enfrentados diante da precária realidade escolar. Também os incentivamos a questionar o uso burocrático do livro didático e a se desafiar, (re)inventando uma nova postura pedagógica diante dos fazeres e saberes das áreas de Ciências Sociais, Geografia e História na Educação Básica, a fim de que possam construir identidades docentes mais críticas, criativas e desafiadoras. Esses objetivos só foram atingidos pelo empenho dos bol- sistas da área e pela determinação em viabilizar o subprojeto, apesar dos obstáculos enfrentados. Para a concretização dos mesmos, foram fundamentais as reuniões coletivas realizadas. Os encontros regulares permitiram não só o planejamento das atividades, bem como uma profunda reflexão sobre importantes temas, tais como: educação, ensino, realidade escolar, exercício da docência e construção do conhecimento. Nessas reuniões, as dificuldades encontradas eram socializadas e, de forma comum, buscava-se contorná-las, ressaltando-se a realização de ativida- des inovadoras capazes de produzir reflexão e autorreflexão em todos os implicados.

17 Introdução

Destacamos a importância do PIBID como projeto inova- dor e de qualificação da educação pública brasileira, assim como a pertinência do investimento do governo federal no Programa. É sabido que as escolas não possuem verbas de grande enverga- dura, e, ao participarem do PIBID, puderam contar com profis- sionais qualificados e dispostos a auxiliar na melhoria dos índi- ces educacionais do nosso país e na construção de processos re- flexivos sobre práticas pedagógicas significativas. Passados os desafios, publicamos o relato de nossas atividades do PIBID muito gratificados pela construção de conhecimento que o pro- jeto nos possibilitou, principalmente com respeito à interdisci- plinaridade. O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência foi e é de grande valia para uma real interação entre as escolas públicas que fazem parte do projeto e a Universidade. Fazer a mediação didática é um desafio cotidiano e só se transforma em qualidade quando encaramos o fato de que edu- car é trabalho coletivo, que exige respeito e parceria entre todos os atores sociais envolvidos. Reconhecemos, então, que o saber escolar tem outras exigências em relação ao saber acadêmico e que um é indissociável do outro, porém ambos são fundamen- tais socialmente, bem como se questionam mutuamente. O sa- ber escolar não é menor, é diferenciado; construí-lo é tarefa que instiga. Por isso, estamos aqui! Para contar o que nos insti- gou e o que produzimos de saber na experiência do subprojeto Ciências Sócio-Históricas do PIBID/UFRGS. O objetivo central desta publicação foi divulgar as ex- periências e as reflexões do PIBID/UFRGS em seu subproje- to Ciências Sócio-Históricas; por isso, o livro encontra-se di- vidido em três seções. Cada seção corresponde a uma área específica do conhecimento, com as marcas de seu estilo e de sua vivência dentro do Projeto Institucional. Respectivamente o leitor encontrará as experiências de bolsistas e professores de Ciências Sociais, de Geografia e de História. Boa leitura!

18 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Seção I

Ciências Sociais

PIBID-Sociologia: desafios para a (re)invenção da docência1

Maria Lúcia Moritz2 Roseli Inês Hickmann3

Apresentação O presente ensaio trata de reflexões sobre o subprojeto de Sociologia desenvolvido junto ao Programa de Iniciação à Do- cência – PIBID/UFRGS, que buscou, dentre alguns dos seus

1 Os bolsistas que atuaram no PIBID/Ciências Sócio-Históricas, subárea Ciências Sociais, foram: Eduarda Bonora Kern (março/2009 – fevereiro/2011), Fernanda Rocha dos Santos (março/2009 – julho/2010), Nina Becker (março/2009 – fevereiro/2011) e Eduardo Hernandes (agosto/2010 – fevereiro/2011). 2 Doutora em Ciência Política e Professora do Departamento de Ciência Política do IFCH/UFRGS; email: [email protected] 3 Doutora em Educação e Professora do Departamento de Ensino e Currículo da FACED/UFRGS; email: [email protected]

19 MORITZ, M. L.; HICKMANN, R. I. • PIBID-Sociologia: desafios para a (re)invenção da docência objetivos, articular ações pedagógicas e promover a integração e a interação entre bolsistas licenciandos/as do curso de gradua- ção em Ciências Sociais, professores supervisores das escolas da rede pública de ensino estadual e as coordenadoras do subproje- to, professoras da UFRGS. Cabe esclarecer que, por força de lei (Lei n. 11.684/2006), a Sociologia tornou-se disciplina obrigatória para os três anos do Ensino Médio. Ou seja, repentinamente, jovens e adolescen- tes transmutados em alunos/as tiveram que se ocupar e se envol- ver com mais um componente curricular que não foi fruto de suas escolhas e/ou interesses, mas imposição de um arbitrário cultural e que tinha como uma de suas preocupações centrais transformar modos e jeitos de pensar destes jovens alunos/as, no sentido de ampliar horizontes sobre os problemas sociais, construir posturas mais argumentativas, investigativas e críticas diante de distintos contextos sociais, políticos, econômicos e cul- turais, estranhar-se e desnaturalizar práticas socioculturais coti- dianas. Enfim, a partir desta situação de compulsoriedade emer- giu um debate sobre quais conteúdos e modos de ensiná-los eram mais pertinentes para esta faixa etária, bem como sobre qual o sentido, a relevância e o propósito de se ensinar Sociologia para jovens estudantes do Ensino Médio. Como nos lembra o soció- logo Zygmunt Bauman (2001, p. 246): Fazer sociologia e escrever sociologia têm por objetivo reve- lar a possibilidade de viver em conjunto de modo diferente, com menos miséria ou sem miséria: essa possibilidade diari- amente subtraída, subestimada ou não-percebida. Não enxer- gar, não procurar e assim suprimir essa possibilidade é parte da miséria humana e fator importante em sua perpetuação. Sua revelação não predetermina sua utilização; quando co- nhecidas, as possibilidades também podem não ser submeti- das ao teste da realidade, porque talvez não confiemos nelas o bastante. A revelação é o começo e não o fim da guerra contra a miséria humana.

20 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Diante desse desafio da Sociologia de enfrentar-se com a vida cotidiana e de torná-la menos miserável a partir da constru- ção de olhares interrogativos, sensíveis e reveladores junto aos alunos/as do Ensino Médio é que, talvez, possamos inserir esta proposta do PIBID, principalmente porque propor este desafio pedagógico significa desafiar nossos alunos/as licenciandos/as bolsistas, bem como os/as professores/as regentes nas escolas com os quais suas aproximações à docência estão em interlocu- ção. Nesse desafio sociológico e pedagógico, cabe tensionar e promover modos de fazer Sociologia menos assujeitados às rela- ções de poder dominantes, bem como mais resistentes às práti- cas socioculturais – e também pedagógicas – que acomodam e capturam as possibilidades de experiências potencializadoras de liberdade, de alteridade e de exercício da cidadania. Retomando a discussão sobre o processo de implementa- ção da Sociologia no Ensino Médio, observa-se que, gradativa- mente, as unidades federativas foram se adequando a esta nova realidade educacional e o Rio Grande do Sul, diferentemente dos demais Estados, foi dos últimos a cumprir a determinação legal. Sua implementação deu-se somente a partir de 2008, sen- do que em outras unidades da federação, como, por exemplo, Paraná, Goiás, Bahia, já havia legislação estadual obrigando o ensino de Sociologia. No Rio Grande do Sul, grande parte dos professores que lecionam essa disciplina não tem formação na área de Ciências Sociais, daí a demanda para que as Universi- dades ofereçam ações de educação continuada, bem como de programas e cursos de atualização ao corpo docente com foco na (res)significação das práticas pedagógicas, tanto para os pou- cos que já possuem formação na área quanto para estes que, pelas contingências, tiveram que assumir a docência em Ciên- cias Sociais. Tendo como motivação este novo cenário regional é que a Licenciatura em Ciências Sociais se inseriu no Programa PIBID/

21 MORITZ, M. L.; HICKMANN, R. I. • PIBID-Sociologia: desafios para a (re)invenção da docência

UFRGS 2009-2010. Lembramos que o primeiro Edital da CAPES priorizava a área das ciências exatas e, secundaria- mente, abria a possibilidade para que a área das ciências huma- nas aderisse ao Programa. Para viabilizar a sua participação no PIBID, as licenciaturas em Ciências Sociais, Geografia e História uniram-se e apresentaram um projeto interdisciplinar sob o nome de Ciências Sócio-Históricas, o qual foi contem- plado com nove bolsistas. Mesmo visando à integração da área, na prática a implementação do projeto levou em consideração a realidade escolar, ou seja, a escola funciona baseada no mo- delo curricular da unidade “disciplina” e foi nas respectivas dis- ciplinas que os/as licenciandos/as de Ciências Sociais, Geo- grafia e História passaram a atuar. Obedecendo ao critério de baixo IDEB (Índice de Desen- volvimento da Educação Básica) foram selecionadas, inicialmen- te, cinco escolas para participar do PIBID/UFRGS. Sendo as- sim, os/as nove licenciandos/as bolsistas da área das Ciências Sócio-Históricas passaram a atuar em duas Escolas de Educa- ção Básica, uma localizada na zona leste e outra na zona norte do município de Porto Alegre. Cabe ressaltar que essas duas Es- colas são muito distintas uma da outra, tanto no que se refere à sua localização geográfica quanto à sua estrutura física e de re- cursos humanos, bem como quanto ao perfil dos alunos. Posteri- ormente, em 2010, foi incorporada outra Escola situada em um bairro de classe média, que também apresentava aspectos distin- tos em relação às demais, tanto na organização e gestão escolar quanto nas características dos alunos. Com relação às diferentes realidades das Escolas envolvidas no Programa, convém salien- tar que uma das escolas localizada num bairro de periferia apre- sentava problemas e dificuldades no sentido de estar afetada por situações de violência que acabavam por se tornar banalizadas e rotineiras, bem como de miserabilidade, tráfico de drogas, de- semprego estrutural, etc. Ou seja, as crianças e os adolescentes

22 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História que frequentavam esta Escola se encontravam expostos a situa- ções de vulnerabilidade social, maus-tratos, abuso sexual, cons- trangimentos, intimidações e medos que se refletiam em seus modos de ser e estar no cotidiano escolar e, consequentemente, nas atividades pedagógicas desenvolvidas pelas licenciandas bol- sistas do PIBID. O primeiro passo foi estabelecer uma ponte entre os coor- denadores do subprojeto e as supervisoras do PIBID nas Esco- las. Depois deste contato inicial e da elaboração de um plano de intervenção é que os bolsistas das Ciências Sócio-Históricas se inseriram em cada uma das Escolas. As três licenciandas bolsis- tas das Ciências Sociais passaram a atuar na E. E. E. B. D. A. C., acompanhando as turmas de EJA à noite, sob a supervisão da professora de Sociologia. A outra Escola oferece apenas Ensino Fundamental, e, para este nível, a disciplina de Sociologia não faz parte da grade curricular; sendo assim, as bolsistas integra- ram-se às aulas de Ensino Religioso, acompanhando a professo- ra responsável por essas turmas. Este foi o primeiro grande desa- fio encarado pelas bolsistas: atuar em níveis distintos de escolari- dade (Ensino Fundamental e Ensino Médio), atender perfis es- pecíficos de alunos (pré-adolescentes, jovens e adultos), conviver com turmas do diurno e do noturno e acompanhar diferentes disciplinas (Ensino Religioso e Sociologia). A esses desafios se- guiram-se outros: inserir-se e conviver num contexto de adversi- dades que envolvem a realidade das escolas públicas, a desconfi- ança e/ou apatia dos alunos, a insegurança de alguns professo- res com a presença das bolsistas em sala de aula e o exíguo tem- po da disciplina de Sociologia (apenas um período semanal). Frente a este quadro de dificuldades e desafios, percebeu-se que as bolsistas tinham um longo caminho a percorrer e muitos obs- táculos a enfrentar para a construção deste lugar de docência. Não só as bolsistas tiveram que enfrentar e superar obstáculos, mas também os coordenadores dos subprojetos foram desafia-

23 MORITZ, M. L.; HICKMANN, R. I. • PIBID-Sociologia: desafios para a (re)invenção da docência dos com a proposta inovadora do PIBID. É esta difícil caminha- da rumo ao aprendizado e ao “tornar-se professor/a” que será abordada a seguir. Antes, porém, valeria a pena considerar as reflexões do educador António Nóvoa (2000, p. 134), quando se refere aos enfrentamentos que a formação de um professor refle- xivo exige, principalmente diante dos dilemas da contempora- neidade: Quando o professor deslocar a atenção exclusivamente dos “saberes que ensina” para as pessoas a quem esses “saberes vão ser ensinados”, vai sentir a necessidade imperiosa de fazer uma reflexão sobre o sentido do seu trabalho. Seria necessário que esta reflexão tivesse, simultaneamente, uma dimensão in- dividual (autoreflexão) e uma dimensão coletiva (reflexão par- tilhada).

Inserção nas Escolas A inserção das bolsistas nas Escolas foi precedida de uma série de reuniões entre os coordenadores das áreas e as professo- ras supervisoras do PIBID nas instituições escolares, bem como de encontros de planejamento entre as coordenadoras e as bol- sistas. As discussões ocorridas resultaram no plano de ação e na definição das metas para o primeiro ano de implementação do PIBID, seguindo os objetivos gerais e específicos traçados pelo Projeto Institucional. De acordo com as peculiaridades e as ne- cessidades de cada escola, ficou definido que as bolsistas fariam intervenções diferenciadas. Na E. E. E. B. D. A. C., a proposta foi o acompanhamen- to das aulas de Sociologia da professora regente da turma, nas três séries do Ensino Médio, na EJA noturna. Como a maioria desses alunos são trabalhadores, não foi possível realizar ativi- dades no contraturno, conforme estava previsto inicialmente no nosso subprojeto. Nas reuniões semanais entre as coordenado- ras da área de Ciências Sociais e as bolsistas, foi traçado o plane-

24 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História jamento das ações a serem desenvolvidas junto às turmas de EJA. Basicamente foram previstas duas linhas de ação: (1) atividades na Biblioteca, simultâneas à aula, como, por exemplo: leitura dirigida e orientação de pesquisa bibliográfica; e (2) apoio às aulas através da seleção de material, elaboração de lâminas para pro- jeção de PowerPoint, tomando como referência o conteúdo pro- gramático da disciplina a ser desenvolvido pelo professor regen- te. Promover atividades na biblioteca foi a forma encontrada pe- las coordenadoras e bolsistas para permitir o acesso a este espa- ço pelos alunos do noturno. Como a escola enfrenta escassez de funcionários, isso implica o não funcionamento deste setor no turno da noite, em que pese existir um bom acervo bibliográfico. Os alunos do noturno são os mais prejudicados e raramente en- contram a biblioteca aberta no seu turno de estudo. As bolsistas também elaboraram uma “agenda cultural” do bairro onde a E. E. E. B. D. A. C. está localizada, com o objetivo de fornecer aos alunos opções de lazer e despertar seu interesse pelo bairro. A ideia da “agenda cultural” foi pensada porque a maioria dos alunos do turno da noite dessa Escola não são moradores do bairro, mas trabalham no seu entorno durante o dia e desconhecem o que o bairro tem para lhes oferecer. O planejamento para a E. E. E. F. P. B. R. também previa duas frentes de trabalho: (1) acompanhamento da disciplina de Ensino Religioso nas turmas de 5ª e 6ª séries, sob a responsabili- dade da professora regente da turma; e (2) atividades no contra- turno escolar para os alunos dessas séries. Como havia bolsistas de outros subprojetos atuando nessa escola, ficou estabelecido que cada área se responsabilizaria por oferecer atividades em uma tarde por semana. Várias atividades foram pensadas para despertar o interesse desses alunos e preencher o seu tempo no horário em que não estavam em aula de forma mais lúdica, con- siderando a faixa etária em que se encontravam e os seus interes- ses. O plano de trabalho elaborado visava a reforçar o conteúdo

25 MORITZ, M. L.; HICKMANN, R. I. • PIBID-Sociologia: desafios para a (re)invenção da docência programático trabalhado em sala de aula pela professora re- gente, bem como desenvolver habilidades e competências dos alunos em relação à leitura e interpretação de texto, e à melho- ria da autoestima e socialização. As atividades no turno inver- so foram desenvolvidas sob a forma de oficinas, saídas de cam- po e sessões de vídeo, denominadas como “sessões pipoca”. A terceira escola que passou a integrar o PIBID/Ciências Sócio-Históricas foi a E. E. E. M. I. P., localizada no bairro Flo- resta. Inicialmente, ela foi atendida pelos bolsistas de História e Ciências Sociais, e, no segundo semestre de 2010, os bolsistas da Geografia também passaram a atuar nela. A incorporação desta escola ao PIBID deveu-se ao fato da instituição buscar parceria com o projeto, demonstrando receptividade e afinidade com a proposta do Programa. Além disso, tanto as Ciências Sociais como a área de História optaram por direcionar seu foco para o Ensino Médio Regular, pois este tem sido alvo de estudos e de- bates intensos, tanto internamente à equipe quanto externamen- te no campo da educação brasileira. A proposta de atuação nes- ta escola previa: (a) acompanhamento em sala de aula na disci- plina de Sociologia, e (b) oferta de atividades no contraturno escolar, como, por exemplo oficinas temáticas, saídas de campo e “sessões pipoca”.

Sobre a experiência com a EJA na E. E. E. B. D. A. C. As ações do PIBID foram iniciadas nesta Escola em abril de 2009 e seguiram o mesmo planejamento até o final do ano letivo. Neste período inicial de aproximação com o corpo do- cente e discente, foram planejadas e executadas algumas ações, entre elas: (a) observação participante nas aulas de Sociologia da professora regente, nas turmas do 10 e 30 anos da EJA; (b) levantamento de títulos de filmes disponíveis em DVD, para ser- virem de apoio pedagógico e futuro acervo de uma videoteca;

26 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

(c) pesquisa orientada na biblioteca, visando a auxiliar os alunos nos trabalhos solicitados pela professora regente; (d) reuniões de planejamento entre a professora de Sociologia e as três bolsistas, onde as alunas apresentaram sugestões de conteúdos e materiais a serem trabalhados durante o semestre. Entre os materiais suge- ridos estavam charges sobre os temas (1) direitos humanos, (2) feudalismo e (3) início da industrialização. Além dessas ações, também houve visitação às instituições culturais da cidade com o objetivo de construir uma “Agenda Cívico-Cultural”. Entre as instituições visitadas pelas bolsistas estavam: MARGS, Santan- der Cultural, Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Assem- bleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Tribunal de Justiça, Memorial do RS, Memorial do Ministério Público, Me- morial da Justiça do Trabalho, Casa de Cultura Mário Quinta- na, Usina do Gasômetro, Museu Joaquim Felizardo e Museu Hipólito José da Costa. Na visita ao Legislativo Municipal, descobriu-se um vasto acervo sobre diversos temas, cujo material era disponibilizado para empréstimo pela instituição. A partir desse contato, surgiu a ideia de realizar uma exposição sobre Direitos Humanos con- tando com o material fotográfico existente no Memorial da Câ- mara Municipal de Vereadores de Porto Alegre. Os painéis da exposição intitulada “Os 50 anos da Declaração dos Direitos Humanos” permaneceram na escola por duas semanas, e, neste período, os alunos de todas as oito turmas de Ensino Médio/ EJA visitaram-na monitorados pelas bolsistas. Ao retornarem para a sala de aula, era promovido um debate sobre os vários direitos existentes na sociedade e até onde eles eram respeitados ou desrespeitados. Por ser um tema muito próximo das trajetó- rias de vida dos alunos, principalmente por se encontrarem na condição de alunos-trabalhadores, acabou gerando debates aca- lorados, com um ótimo envolvimento e retorno, atingindo o ob- jetivo de provocar posicionamentos e expressão de ideias diante

27 MORITZ, M. L.; HICKMANN, R. I. • PIBID-Sociologia: desafios para a (re)invenção da docência do tema dos painéis expostos. O tema da exposição não foi uma escolha aleatória, mas levou em consideração a condição de tra- balhador dos alunos de EJA, bem como coincidiu com o tema- gerador escolhido para ser desenvolvido durante o primeiro se- mestre de 2009: a questão dos direitos, que estava, concomitan- temente, sendo trabalhada em sala de aula. Aproveitando o interesse que o tema despertou nos dis- centes e em complementação à exposição itinerante, foi progra- mada uma atividade de encerramento do semestre. A partir do contato com o Memorial da Justiça do Trabalho e do interesse da equipe em aproximar-se das escolas, em função do seu proje- to de educação patrimonial, a ideia foi propor uma palestra abor- dando os direitos trabalhistas. Além da explanação, os funcioná- rios apresentaram um vídeo produzido por eles, abordando a categoria dos ferroviários do Rio Grande do Sul e sua luta sindi- cal. A atividade previa a apresentação do curta-metragem, se- guida de debate e de uma breve apresentação sobre o papel da Justiça do Trabalho, a cargo dos funcionários do Memorial. Nos três semestres em que as bolsistas atuaram nessa es- cola, foi mantido o acompanhamento junto à disciplina de Soci- ologia para as turmas de EJA. Além da monitoria, elas davam suporte pedagógico à professora regente, planejando recursos e materiais pedagógicos, como, p. ex., audiovisuais, pesquisa e ela- boração de textos. Também promoveram um “Plantão de Dúvi- das” sobre o “Acesso ao Ensino Superior”, destinado às turmas de 20 e 30 anos. Com o intuito de promover a interdisciplinaridade, foram pensadas atividades com este viés nas reuniões mensais que a área das Ciências Sócio-Históricas promoveu em 2009 e 2010. Com este objetivo, as bolsistas das Ciências Sociais e da Geogra- fia organizaram a cine-oficina “Diários de Motocicleta”, tendo como público-alvo os alunos do 20 ano de Ensino Médio/EJA. No final de 2009, esta cine-oficina foi executada, e a dinâmica

28 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História adotada foi a seleção e apresentação de partes do filme Diários de Motocicleta, de . A cada pausa no filme, as bolsistas explicavam os contextos geográficos, culturais, econômicos e so- ciais das paisagens por onde os personagens viajavam. Apesar da pouca participação dos alunos, a oficina teve um saldo positi- vo, pois ela foi fruto da parceria entre duas disciplinas, o que enriqueceu bastante o trabalho.

Sobre a experiência com Ensino Fundamental na E. E. F. P. B. R. O início do trabalho na E. E. F. P. B. R. deu-se em maio de 2009. Como este colégio oferece apenas Ensino Fundamental e a disciplina de Sociologia não faz parte da sua grade curricular, ficou acertado que as bolsistas desenvolveriam ações pontuais nesta Escola, portanto uma atuação diferenciada daquelas exe- cutadas no outro colégio de EJA/noturna. No plano de traba- lho das Ciências Sociais para a E. E. F. P. B. R., estava prevista a oferta de Oficinas Temáticas e Atividades Culturais, com dura- ção de 2 h a 3 h. O procedimento adotado em todas as oficinas foi, primeiramente, realizar uma ampla divulgação da atividade, onde as bolsistas passavam de sala em sala e convidavam os alu- nos a participar, mediante inscrição. Em seguida, cartazes de divulgação da oficina eram colados nos murais da Escola. Na vés- pera da atividade acontecer, uma das bolsistas voltava ao colégio e reforçava o convite aos estudantes para participar da oficina. Ambas as ações sempre foram oferecidas no contraturno escolar, atendendo, assim, a demanda da direção por atividades extraclasse. As alunas tiveram acesso ao programa da disciplina de Ensino Religioso e, em função do seu conteúdo programáti- co, foram planejadas as Oficinas Temáticas, cujo objetivo era reforçar o trabalho da professora regente em sala de aula e esti- mular a leitura e a escrita. Além disso, as bolsistas fizeram um

29 MORITZ, M. L.; HICKMANN, R. I. • PIBID-Sociologia: desafios para a (re)invenção da docência breve acompanhamento das aulas da professora regente, visan- do conhecer e aproximar-se do corpo discente. A mesma exposição sobre Direitos Humanos que esteve na E. E. E. B. D. A. C. foi transferida para a escola de Ensino Fundamental (E. E. F. P. B. R.) e lá permaneceu por duas sema- nas. Como complementação desta exposição itinerante foi reali- zada outra atividade: a Oficina intitulada “Onde estão os seus direitos?”, ministrada para os alunos de 5ª a 8ª série. Foram pro- movidas duas edições, uma em maio e outra em junho, cujo mote era discutir sobre a importância dos direitos humanos na consti- tuição da cidadania, a partir das situações cotidianas vivencia- das pelos alunos. Em cada edição, a participação variou entre 10 e 15 alunos. Entre 2009 e 2010, foram promovidas diversas ofici- nas para os alunos da Escola de Ensino Fundamental; duas de- las abordavam a questão da diferença e da alteridade. Uma das oficinas teve como título “Olhares da diferença: as religiões” e abordou temas relacionados à diversidade religiosa existente no Brasil, destacando o respeito às diferenças e à liberdade religiosa de cada um. Seu objetivo foi explorar a necessidade de cons- truirmos junto aos alunos posturas e maneiras de se relacionar com o outro para além da tolerância, visto que esta pressupõe uma atitude de simplesmente aceitar, “tolerar” a diferença do outro, sem o necessário deslocamento de uma relação de poder assimétrica que possa estar instaurada entre os sujeitos. Ou seja, o ato de tolerar pode ser compreendido como se sentir coagido pelas circunstâncias a aceitar o outro, que pode estar posiciona- do numa situação de inferioridade. Neste sentido, poder-se-ia relacionar o respeito às diferenças com a possibilidade de se cons- truir relações identitárias de convivência em que estivessem pre- sentes relações de alteridade e não apenas de tolerância. Segun- do o filósofo Silvio Gallo (2006, p. 2), “a alteridade está aí, é uma das constituidoras da diferença e o que podemos tentar cons-

30 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História truir, em educação, são práticas de convívio no dissenso, na dife- rença, em meio aos outros”. A fim de reforçar os argumentos em relação às tensões e dilemas que envolvem a problemática da tolerância na socieda- de contemporânea, seria relevante recorrer às problematizações da cientista política Céli Pinto (2001, p. 48), que instiga a pensar sob outra perspectiva, conforme segue: Para o cientista social, há um desconforto evidente em traba- lhar com um conceito tão eivado de valores morais, tão depen- dente do caráter individual. Para a tolerância ser exercida, de- veríamos encontrar, em primeiro lugar, alguém que tem poder e exigirmos dele que seja tolerante com os que não o têm. E isso é muito insuficiente. Entretanto reconhecer essa limitação, essa quase impossibilidade, não implica abrir mão de uma re- flexão sobre as relações de poder e sobre alternativas para que as comunidades humanas sejam capazes de conviver na dife- rença, sem qualquer diferença que seja razão para privar indi- víduos, grupos e comunidades do pleno exercício da cidada- nia, dos direitos de acesso a uma vida digna, de liberdade de expressar-se livremente, tendo como único limite as diferenças que se constituem advogando a eliminação desses direitos. Portanto, trata-se de um desafio a ser tensionado dentro do campo das Ciências Sociais, de maneira que se possa indagar sobre as causas que originaram e produziram as diferenças e de- sigualdades para que se possa superar a própria noção de tole- rância. Outra oficina também abordou a temática das diferenças, lançando um olhar sobre as identidades e os grupos sociais, no sentido de possibilitar a construção de alternativas que promo- vam a superação de preconceitos, discriminações e exclusões. Nela, os alunos foram desafiados a construir um perfil, assina- lando características pessoais que os identificam e os diferen- ciam dos outros, possibilitando reconhecer-se como pertencen- do ou não a determinado grupo social. Para isso foram identifi- cadas várias “tribos”, como a dos góticos, dos punks, dos emos,

31 MORITZ, M. L.; HICKMANN, R. I. • PIBID-Sociologia: desafios para a (re)invenção da docência dos surfistas, dos pagodeiros, entre outras. O objetivo era possi- bilitar maior respeito e compreensão entre os diversos grupos e indivíduos que compõem a Escola. Foi a oficina com o maior número de participantes: compareceram 44 alunos. Também a oficina sobre “Mídia e sexualidade” despertou o interesse dos alunos e contou com a colaboração das bolsistas das Artes Vi- suais. A partir do maior entrosamento e conhecimento das bol- sistas e do corpo discente, foram planejadas as sessões-pipoca. Os filmes escolhidos foram Happy Feet, O dia em que meus pais saíram de férias e O contador de histórias. A dinâmica adotada nessa ação foi a apresentação do filme, seguida de uma atividade diri- gida. Em ambas as “sessões pipoca” buscou-se desenvolver a ha- bilidade da escrita, através da elaboração de uma pequena reda- ção sobre o assunto tratado nos filmes, na qual os alunos foram instigados a comentar situações relevantes dos filmes, estabele- cendo vínculos com as suas experiências de vida. Outras duas atividades foram planejadas para os alunos dessa Escola de Ensino Fundamental, mas quase não houve ade- são do grupo: (a) “Caminhada pelo bairro” e (b) “Observatório Social: de olho na cidadania”. Para a primeira atividade foi tra- çado um roteiro de caminhada no entorno da escola e pretendia- se tornar os alunos protagonistas, na medida em que eles mos- trariam “seu bairro” para as bolsistas. A partir da realidade em que os alunos se encontravam inseridos, seriam trabalhadas com o grupo a infraestrutura pública e a necessidade, ou não, de me- lhoria dos serviços oferecidos. A ideia era mostrar a relação en- tre direitos e deveres de cada um dos cidadãos e habitantes da cidade. Dando sequência ao tema da cidadania, foi lançado na escola o “Observatório Social: de olho na cidadania”, mas essa atividade despertou pouco interesse dos alunos. Essa proposta foi abandonada e partiu-se para a exploração do tema da juventude e perspectivas de futuro, direcionada para os alunos da 8a série.

32 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Seguindo o esforço de integração entre as áreas, as bolsis- tas das Ciências Sociais e da Geografia organizaram uma ativi- dade de encerramento do ano letivo (2009) e realizaram uma “Gincana Cultural”. Durante quatro tardes, no decorrer de duas semanas, os alunos da 5ª. série estiveram envolvidos em formar equipes e executar as tarefas propostas pelas bolsistas do PIBID. Os alunos foram desafiados a construir uma maquete, respon- der ao quizz e criar uma peça com fantoches. Como foi uma atividade muito bem-sucedida, resolveu-se reeditá-la no ano de 2010, mantendo seu caráter multidisciplinar, mas de uma for- ma ampliada. Dessa forma, outras bolsistas do PIBID que atua- vam nessa Escola de Ensino Fundamental foram convidadas a participar, havendo adesão da Biologia, Artes Visuais, Letras e Química.

Sobre a experiência com o Ensino Médio na E. E. E. M. I. P. Visando a ampliar a integração entre as três áreas – Ciên- cias Sociais, Geografia e História –, o PIBID das Ciências Só- cio-Históricas também passou a atuar em mais uma Escola par- tir de março de 2010. Era a primeira experiência dos bolsistas das Ciências Sociais com o Ensino Médio Regular. Num primei- ro momento, o plano de trabalho nessa Escola previa: (a) acom- panhamento das aulas de Sociologia, por um breve período, e (b) levantamento do perfil socioeconômico dos alunos, através da aplicação de um questionário. Depois de traçado o perfil do corpo discente, passou-se ao planejamento das atividades que fossem ao encontro dos interesses e necessidades dos alunos do Ensino Médio diurno. O momento seguinte tratou do planeja- mento das oficinas temáticas e demais atividades a serem ofere- cidas nesta Escola localizada no bairro Floresta.

33 MORITZ, M. L.; HICKMANN, R. I. • PIBID-Sociologia: desafios para a (re)invenção da docência

Aproveitando o contexto de ano eleitoral e buscando des- pertar o interesse dos jovens para a participação política, mon- tou-se na escola um “Observatório Social: de olho nas eleições”. Este observatório acompanhava o desenrolar da campanha elei- toral (2010) e disponibilizava informações sobre as eleições para os alunos. Também foram realizadas três oficinas no contra-turno escolar. A primeira tratou do tema “Direitos humanos e cidada- nia”, a outra oficina abordou a temática “Identidade e movi- mentos de juventude” e na terceira oficina foi a questão das “Ações afirmativas”. Todas elas tiveram uma boa frequência e um ótimo retorno dos alunos, muito participativos e interessa- dos. As oficinas tiveram um impacto imediato sobre os alunos: eles se organizaram e elaboraram um projeto para reativar o Grêmio Estudantil. Quando houve a disputa pelo Grêmio Estu- dantil da Escola, esses estudantes montaram uma chapa e sagra- ram-se vitoriosos na eleição. Além das oficinas, as bolsistas do PIBID promoveram outras atividades; entre elas estavam: (a) Sessão Pipoca – “A Onda” – , (b) Curtas no Intervalo, (c) Concurso Cultural, (d) participação na “Feira das Profissões” e na “Mostra Aí”, ambas organizadas pela Escola e com grande envolvimento dos alunos.

Enfrentando obstáculos A realidade nas escolas públicas do Rio Grande do Sul apresenta problemas de diversos níveis, desde problemas de or- dem estrutural, fruto do descaso dos governantes com a educa- ção no Estado, até falta de gerenciamento nas instituições esco- lares. Entretanto, a carência no quadro dos professores e a pro- blemática gestão em algumas escolas é que produzem maiores implicações sobre a vida organizacional da instituição. Em fun- ção da escassez de docentes, os horários das disciplinas são fre-

34 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História quentemente alterados e a cada semana os alunos podem rece- ber uma nova grade de horários. Esta instabilidade acabou por se refletir negativamente sobre a implementação do PIBID, na medida em que uma atividade programada com antecedência não ocorreu em função disso. Isto exige um permanente recurso ao improviso e muita adaptação ao imprevisto, além do risco de cancelamento de atividades exaustivamente planejadas, o que gera frustração tanto nos bolsistas-licenciandos como nos alu- nos. Outra situação desmotivadora foi a baixa frequência dos alunos em algumas atividades, especialmente aquelas ocorridas no início da implementação do PIBID.

Superando obstáculos A experiência do PIBID teve a duração de apenas quatro semestres; portanto, qualquer avaliação sobre os seus resulta- dos ainda é precoce, mas é possível identificar o impacto edu- cacional provocado na experiência dos professores e bolsistas- licenciandos da Universidade, assim como dos alunos e profes- sores das Escolas. Alguns objetivos foram plenamente atingi- dos e outros parcialmente; apesar disso, seu resultado não foi comprometido, pois devemos destacar a realização de ativida- des inovadoras capazes de produzir reflexão e autorreflexão em todos os implicados. Ainda é um desafio a este tipo de proposta a superação das resistências de alguns professores regentes nas Escolas e/ou das dificuldades enfrentadas pelas Escolas, assim como não bas- ta a instituição de ensino ter baixo desempenho no ENEM e/ou no IDEB, mas é fundamental e necessário que esteja comprome- tida com a proposta do PIBID e efetivamente disposta a receber os bolsistas, dando-lhes reais condições de trabalho. O acolhi- mento e a receptividade das escolas às propostas do PIBID fa- zem toda a diferença no resultado a ser obtido.

35 MORITZ, M. L.; HICKMANN, R. I. • PIBID-Sociologia: desafios para a (re)invenção da docência

Mesmo enfrentando problemas e condições adversas, é ine- gável o crescimento na formação dos bolsistas, enquanto licenci- andos, e a ampliação do seu conhecimento do ambiente escolar. Dessa forma, atingiu-se plenamente o ideal de incentivar o alu- no-bolsista a permanecer na licenciatura e sentir-se estimulado a atuar como docente na Educação Básica da rede pública. Tam- bém foi alcançado o objetivo de questionar e problematizar a utilização do livro didático como a única fonte para a elabora- ção do planejamento didático-pedagógico e como o único recur- so para a abordagem dos conteúdos em sala de aula. Neste sen- tido, pode-se afirmar que um dos resultados produtivos do sub- projeto foi instigar a adoção, por parte dos licenciandos bolsis- tas, de uma nova forma de posicionar-se pedagogicamente com relação aos múltiplos saberes e fazeres que envolvem as práti- cas curriculares dos professores das ciências da humanidade na Educação Básica, possibilitando a (re)invenção de um do- cente que seja capaz de interrogar-se sobre o cotidiano escolar e de desafiar-se permanentemente para a construção de apren- dizagens significativas. Também cabe apontar que estas experiências oportuniza- das pelo PIBID às licenciandas-bolsistas colocaram em interro- gação os processos de formação de professores, acentuando de- safios em suas futuras práticas pedagógicas na condição de do- centes. Dentre alguns dos dilemas que envolvem a docência e se colocam como motivo de um olhar mais aprofundado caberia acentuar, segundo Nóvoa (2001, p. 02), que não basta deter o conhecimento para o saber transmitir a al- guém, é preciso compreender o conhecimento, ser capaz de o reorganizar, ser capaz de o reelaborar e de transpô-lo em situ- ação didática em sala de aula. Esta compreensão do conheci- mento é, absolutamente, essencial nas competências práticas dos professores. Eu tenderia, portanto, a acentuar esses dois planos: o plano do professor como um organizador do traba- lho escolar, nas suas diversas dimensões, e o professor como

36 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

alguém que compreende, que detém e compreende um deter- minado conhecimento e é capaz de o reelaborar no sentido da sua transposição didática, como agora se diz, no sentido da sua capacidade de ensinar a um grupo de alunos. Ou seja, as imagens de docência que se constituíram a partir da trajetória das bolsistas do PIBID provocaram inquietudes no sentido de se compreender a sala de aula como um espaço de aprendizagens no âmbito da Sociologia, visto que o mesmo ne- cessita ser problematizado e interrogado, considerando que mui- tas das aprendizagens significativas que foram promovidas por meio de outras dinâmicas e metodologias envolveram espaços alternativos ao da sala de aula, que, com suas rotinas, pode tor- nar-se monótono e desinteressante para os estudantes e, quem sabe, aos próprios professores. Gostaríamos de destacar a pertinência do investimento no Programa PIBID, pois as escolas que já não possuem verbas de grande envergadura podem contar com profissionais qualifica- dos e dispostos a auxiliar na melhoria dos índices educacionais do nosso país e na construção de processos reflexivos sobre prá- ticas pedagógicas significativas. Cabe destacar como resultado do projeto a participação dos bolsistas em eventos acadêmicos e também a produção blogs, onde são relatadas as experiências nas Escolas, agregando refle- xões suas acerca do ensino de Sociologia. Também cabe ressaltar que houve um notável aumento no número de alunos participantes das atividades, e com relativa assiduidade. Percebeu-se que os alunos dessas três Escolas esti- veram mais participativos e empenhados no desenvolvimento dos trabalhos, inferindo, questionando e demonstrando capaci- dade no desempenho dos conteúdos trabalhados. Percebeu-se a contribuição do PIBID à comunidade em geral, no caso de uma Escola especificamente, permitindo que crianças em condição de vulnerabilidade social tivessem outras atividades a fim de ocu-

37 MORITZ, M. L.; HICKMANN, R. I. • PIBID-Sociologia: desafios para a (re)invenção da docência parem seu tempo ocioso, procurando criar junto a elas o hábito de estudar, também, fora da sala de aula. Foi relatado pela coor- denação de uma das Escolas atendidas pelo PIBID que, através das atividades extraclasse, tem ocorrido a ampliação de suas re- des de conhecimento e de relacionamento. Os pais estão partici- pando mais ativamente da vida escolar dos filhos, comparecen- do às reuniões escolares e procurando informações sobre as ati- vidades desenvolvidas pelo PIBID. Por último, estes alunos to- maram os bolsistas do PIBID, por serem de faixa etária mais aproximada, como um exemplo positivo e uma referência no sentido de se continuar estudando e chegar à Universidade.

Referências bibliográficas

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Sociologia e educação: a experiência do Programa de Iniciação à Docência em Ciências Sociais4

Eduarda Bonora Kern5 Fernanda Rocha dos Santos5 Nina Becker5

Resumo: Esta produção é um ensaio acerca de nossas vi- vências enquanto alunas do curso de Ciências Sociais, bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e futuras professoras na Educação Básica. O objetivo é apresentar um breve histórico sobre a trajetória do ensino de So- ciologia no país, culminando com a obrigatoriedade da discipli- na no Ensino Médio, em 2006, bem como uma reflexão teórica sobre a nossa experiência como bolsistas do PIBID durante o ano de 2009.

Palavras-chave: Ensino de Sociologia, Sociologia da Edu- cação, Ensino Médio, PIBID.

4 Originalmente este artigo foi publicado na Revista Todavia (www.revistatodavia.com.br), sendo produzido a partir das experiências nas atividades do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência do Curso de Ciências Sociais – UFRGS, no ano de 2009, no EJA/noturno de uma escola pública de Porto Alegre. 5 Bolsistas do PIBID/Ciências Sociais – UFRGS, com fomento da CAPES/MEC.

39 KERN, E. B.; DOS SANTOS, F. R.; BECKER, N. • Sociologia e educação

Histórico: a inclusão da Sociologia na escola Ao tratarmos da obrigatoriedade da Sociologia no Ensino Médio, sancionada em 2006 pelo parecer CNE/CEB 38/2006, deve-se fazer um histórico para destacar-se a trajetória de cons- trução do campo de atuação da disciplina no sistema educacio- nal no país, realizada, conforme Moraes (2003), de forma inter- mitente e “bissexta” e carente de legitimidade no âmbito escolar, em comparação com outras disciplinas, como a História e a Geografia. A inserção da Sociologia em ambiente escolar iniciou-se em 1891 por Benjamin Constant, ministro da Educação na épo- ca. Constant, de influência positivista, empreendeu uma refor- ma no ensino e propôs a introdução obrigatória da Sociologia nas escolas, porém a reforma não chegou a ser implantada. A disciplina foi introduzida no currículo das escolas do “secundário” – o equivalente ao atual Ensino Médio – apenas em 1925, com a reforma Rocha Vaz. O primeiro colégio a lecio- nar Sociologia foi o carioca Dom Pedro I, no mesmo ano. Em 1928, a Sociologia foi implantada nas Escolas Normais, prepa- ratórias para o magistério. No início da Era Vargas, com a refor- ma Francisco Campos de 1931, a Sociologia tornou-se obrigató- ria no currículo e passou a ser ministrada ininterruptamente até 1942. Com a reforma Capanema, foi retirada a obrigatoriedade da Sociologia no Ensino Médio, sendo ministrada somente nas Escolas Normais. Em 1964, os militares assumiram o poder e aboliram as disciplinas de Filosofia e Sociologia do ensino brasileiro. Duran- te a ditadura, os militares reformaram o ensino e introduziram, em 1971, as disciplinas de Educação Moral e Cívica (EMC) e Organização Social e Política do Brasil (OSPB), numa tentativa enganadora de substituir a Filosofia e a Sociologia. Com a Lei 7.044/82, sancionada pelo então presidente João Figueiredo, a

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Sociologia começou a ser novamente implantada nos progra- mas curriculares. A partir de então, a concepção de escola de segundo grau estaria voltada para a construção da cidadania e não mais para a profissionalização, como previa a Lei 5.692/71. A disciplina começou a ser implantada nos currículos escolares e foram realizados concursos públicos para suprir a necessidade de nomeação do corpo docente. Durante o processo de abertura e de redemocratização do país (1979 a 1989), observam-se diversas tentativas de reintrodu- zir a Sociologia no ensino secundário, tanto no âmbito federal como no estadual. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o depu- tado estadual Constantino Picarelli elaborou em 1989 o projeto que introduzia a disciplina, e o governador da época, Pedro Si- mon, o sancionou. Contudo, a lei não foi seguida pela Secretaria de Educação do estado. A proposta do artigo 36 da LDB/96 define que, ao final do Ensino Médio, os educandos tenham conhecimentos em Fi- losofia e Sociologia, determinando claramente a contribuição da Sociologia enquanto disciplina do nível médio, necessária para o exercício da cidadania e para o desenvolvimento do educando. A partir desta interpretação, o deputado federal Padre Roque (PT/PR) elaborou o projeto de lei 3.187.b/97 que incluía a Socio- logia como disciplina obrigatória no currículo do Ensino Médio. Este projeto foi aprovado na Câmara Federal e no Senado. Con- tudo, foi vetado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso no último dia para sancionar a lei, em 8 de outubro de 2001. Em março de 2006, entidades representativas dos sociólo- gos e filósofos, juntamente com professores e estudantes das duas áreas, articularam-se para apresentar proposta de alteração do Parecer CNE/CEB15/98 e da Resolução CNE/CEB 03/98, de autoria de Guiomar Namo de Mello, que, na prática, impedia que as escolas de Ensino Médio do país adotassem as duas disci- plinas de forma obrigatória, como determina o artigo 36 da LDB,

41 KERN, E. B.; DOS SANTOS, F. R.; BECKER, N. • Sociologia e educação concedendo-lhes tratamento interdisciplinar. O MEC (Ministé- rio da Educação) enviou a nova resolução ao Conselho Nacio- nal de Educação (CNE) para debate, a qual foi votada e aprova- da em 7 de julho de 2006, com a inclusão obrigatória das disci- plinas de Filosofia e Sociologia no currículo do Ensino Médio. Em 2008, a obrigatoriedade das duas disciplinas nos três anos do Ensino Médio foi sancionada pelo vice-presidente José Alencar, através da homologação da lei 11.684/08 (RODRI- GUES, 2009, p. 33). Contudo, o que vemos na atualidade é a falta de tradição da disciplina em sala de aula, com a escassa legitimidade da licenciatura em Ciências Sociais: o exercício da docência por professores não graduados na área, carência de ma- terial didático e de estratégias bem-sucedidas de ensino-aprendi- zagem e equívocos dos estudantes, com desconhecimento dos conteúdos a serem abordados em Sociologia.

A Sociologia da Educação e seu papel nas Ciências Sociais O debate acerca da educação sempre foi um dos eixos da problematização das Ciências Sociais. No entanto, isto não sig- nifica que as carreiras docentes tenham sido, desde o início, va- lorizadas e/ou incentivadas. Ainda hoje, a principal orientação dos cursos de Ciências Sociais é a tradição do bacharelado, pre- paratório para a carreira científica e a produção de novos conhe- cimentos. Mesmo assim, a licenciatura prossegue definindo com certa importância um lócus especializado de pesquisa e trabalho em educação, mesmo estando marginalizada em relação à tradi- cional especialização científica expressa nos cursos de Antropo- logia, Sociologia e Ciência Política. Os estudos de inspiração sociológica sobre a educação surgiram no Brasil a partir da década de 1930. Na primeira fase de desenvolvimento deste campo de estudos, destacou-se a

42 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História orientação engajada da produção de conhecimento, ou seja, a educação passou a ser vista como um recurso de formação dos cidadãos, estando apta a construir a base da transforma- ção social do país. A publicação do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, em 1932, redigido por um conjunto de in- telectuais engajados, teve papel destacado na construção da luta por um programa nacional de educação. Além disso, a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), como de outros aparatos governamentais de estudo, contribuiu para fomentar a pesquisa educacional no país. Estes fatos demonstram a importância da educação para a Sociologia, seja no âmbito da formulação teórica, seja enquan- to prática pedagógica em sala de aula. A orientação de que a educação pode e deve ser cultural e politicamente engajada, ca- paz de ser força motriz para a transformação social, tornou os pioneiros da Educação Nova referências para a construção de um sistema público, gratuito e eficiente de educação. Ainda as- sim, até meados da década de 1960, essa visão otimista predo- minou nas Ciências Sociais, atribuindo à educação e à escolari- zação o desenvolvimento político e econômico do país, bem como a correção das desigualdades sociais, sendo responsável pela cons- trução de uma sociedade mais justa e igualitária. A crença de que um sistema público e unificado pudesse abarcar todos os jovens e ainda oferecer oportunidades iguais a todos era a insíg- nia do pensamento sociológico sobre a educação desta época. Com a publicação da obra A reprodução, do sociólogo fran- cês Pierre Bourdieu em conjunto com Jean-Claude Passeron, em 1970, definiu-se um novo paradigma em relação à Sociologia da Educação. A partir da crítica do sistema de ensino francês, a teoria da reprodução de Bourdieu e Passeron afirma que a esco- la é um instrumento da produção e reprodução das relações de forças existentes na sociedade, legitimando a existência das desi- gualdades sociais e suas implicações. Para os autores, a escola

43 KERN, E. B.; DOS SANTOS, F. R.; BECKER, N. • Sociologia e educação erige-se como a instituição que reproduz a cultura das classes dominantes a partir da inculcação do habitus, definido como [...] sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera e estrutura as práticas e as represen- tações que podem ser objetivamente “regulamentadas” e “re- guladas” sem que por isso sejam o produto de obediência de regras, objetivamente adaptadas a um fim, sem que se tenha necessidade da projeção consciente deste fim ou do domínio das operações para atingi-lo, mas sendo, ao mesmo tempo, co- letivamente orquestradas sem serem o produto da ação organi- zadora de um maestro (ORTIZ, 1983, p. 15). O habitus interioriza no indivíduo esquemas, valores, nor- mas e condutas que estruturam uma ação, de modo a reproduzir as relações tanto no âmbito social como individual, de forma subjetiva, mas não no domínio da individualidade. A partir destas questões, Bourdieu e Passeron influencia- ram toda uma série de teorias acerca da educação que ficaram conhecidas como reprodutivistas. Seus argumentos centrais são que a instituição escolar age como espaço-tempo para a inculca- ção de uma cultura dominante nos indivíduos e que o sistema de ensino mascara as assimetrias sociais escondidas atrás de um discurso de igualdade de condições. Sob outra perspectiva, a pedagogia de , no Brasil, também apontava para a diferença existente entre a educa- ção das classes sociais dos proprietários e dos não-proprietá- rios. A elaboração de um novo método baseado na dialogicida- de e na crítica à “educação bancária” – conteudista e vazia ao mesmo tempo – também servia de inspiração às formulações da Sociologia da Educação, matéria incipiente na pesquisa brasilei- ra nas décadas de 1950 e 1960. A crítica feita por Freire a uma educação que não se preocupava em estar de acordo com as ne- cessidades sociais e pedagógicas dos educandos reforçava a ideia de que existem formas de educar diferentes para classes diferen-

44 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História tes, ou elas apenas são sentidas desta maneira. Assim, o profes- sor em sala de aula torna-se um opressor, ditador de regras e conceitos abstratos que não são capazes de reagir ao que aconte- ce alheio à sua vontade dentro da escola. Por fim, em meados dos anos 1980, surgiu um novo modo de se pensar a Sociologia da Educação, o paradigma chamado Nova Sociologia da Educação, que traz alguns pensamentos dis- tintos das tradições anteriores. A principal diferença se encontra na análise sociológica no nível da problematização dos currícu- los escolares. Seu principal campo de estudo gira em torno da estratificação do conhecimento escolar. Segundo a NSE, o modo positivista de ensino nas escolas auxilia na estratificação das clas- ses sociais. Atualmente, outros campos de pesquisa da Sociologia da Educação têm sido explorados, embora de maneira menos con- tundente. Entre esses temas podemos citar: a relação existente entre o Estado e a educação; a conexão entre os níveis macro e microssociológicos; as conexões entre agência e estrutura; as re- lações entre ideologia e cultura; as relações entre a divisão do trabalho e a educação; e a questão das relações de gênero e raça na educação. Por tudo isto, percebe-se que a educação ainda é um tema forte de análise e crítica feita pelas Ciências Sociais, especial- mente pela Sociologia. No entanto, ainda concentra-se na pes- quisa teórica, tendo pouca efetividade na prática educacional cotidiana. O incentivo e estímulo dados às carreiras docentes ainda são ínfimos com relação aos mesmos incentivos dados no campo da pesquisa. Parece-nos estranho que, mesmo entenden- do que o sistema de ensino é uma forma de dominação e repro- dução das estruturas sociais desiguais, ainda haja um status me- nor com relação à licenciatura do que ao bacharelado. A separação velada que nos é imposta entre os produtores de conhecimento (os pesquisadores) e os reprodutores destes co-

45 KERN, E. B.; DOS SANTOS, F. R.; BECKER, N. • Sociologia e educação nhecimentos (os professores) faz com que a implementação da Sociologia no Ensino Médio se dê de maneira difícil. Além dis- so, a Sociologia na atualidade não conta com um saber legitima- do para sua inserção na escola em comparação com outras disci- plinas, como a História e a Geografia. As experiências da Socio- logia em sala de aula ainda são esparsas, desprovidas de um diá- logo mais profundo entre pesquisa e ensino. Para se reintroduzir a Sociologia no Ensino Médio, é necessário reafirmar sua identi- dade crítica e contestadora, auxiliando assim o processo de trans- formação social através da educação.

Experiência no primeiro ano do PIBID – Ciências Sociais As áreas do PIBID (Biologia, Matemática, Química, Físi- ca, Artes-Letras, Sócio-Histórica – Ciências Sociais, Geografia, História) realizaram diferentes tipos de inserções nas escolas, seja através da realização de oficinas, de acompanhamento em sala de aula ou, ainda, por meio de uma atividade de assessoria pe- dagógica intitulada “Plantão de Dúvidas”. Uma das atuações do PIBID – Ciências Sociais foi o acom- panhamento das turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) noturna, o que possibilitou ao grupo de bolsistas a experiência do primeiro ano de Sociologia, após a implementação da disci- plina nos três anos do Ensino Médio. Várias dificuldades surgi- ram ao longo das aulas, e foi necessário repensar o planejamen- to didático-metodológico dos conteúdos, pois os conteúdos que eram abordados apenas em um semestre (a seriação da EJA é semestral) poderiam ser trabalhados de forma mais aprofunda- da, ou ainda poderiam ser inseridos novos tópicos/temáticas a serem desenvolvidos ao longo de um ano e meio. No planejamento inicial da professora responsável pela disciplina, estavam apontados alguns temas a serem trabalhados

46 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História com as turmas, sendo definido e adequado ao ritmo de cada grupo. Entretanto, era de conhecimento da docente que o 10 ano poderia demorar mais, caso necessário, em assuntos que demandassem maior explicação, já que teriam mais dois se- mestres para cursar, ao contrário das turmas de 30 ano, que só teriam uma chance de conhecer os conteúdos de Sociologia. A professora tinha o desejo de trabalhar com os três auto- res clássicos da Sociologia, utilizando-se de temas que pudes- sem reportar a teoria, porém era necessário, antes de tudo, con- textualizar o surgimento da disciplina de Sociologia enquanto uma ciência social. Essa foi uma das maiores dificuldades en- contradas para o prosseguimento dos conteúdos, pois os estu- dantes não recordavam os conhecimentos de História, e foram necessários vários encontros para dar continuidade aos conteú- dos. Para o segundo semestre, providenciamos uma linha do tem- po em quadrinhos retirada do livro A incrível história dos homens e suas relações sociais, de Leila Maria Alvarenga Barbosa e Wilma Colonia Mangabeira, que facilitou um pouco mais a abordagem. Ainda assim, continuava o problema de uma concentração ex- cessiva de conteúdos em aspectos históricos, dificultando a en- trada na disciplina de Sociologia com efetividade. No primeiro semestre, foi possível abranger a discussão do início da Sociologia e uma introdução às teorias clássicas de Karl Marx e Émile Durkheim. Como as aulas em geral eram expositivo-dialogadas, o debate em sala de aula era fundamen- tal, e as turmas só participavam se o assunto fizesse sentido para sua realidade. Portanto, foi muito importante conseguir “tradu- zir” os conhecimentos sociológicos para uma linguagem mais informal, pois somente desta forma foi possível contar com o engajamento e o entendimento por parte dos educandos. Quanto aos conteúdos relacionados ao contexto histórico do surgimento da Sociologia, buscou-se dar ênfase à urbaniza- ção, à industrialização e à mecanização, elementos já conheci-

47 KERN, E. B.; DOS SANTOS, F. R.; BECKER, N. • Sociologia e educação dos pelos estudantes, para facilitar o entendimento de um tópico mais complexo. Para a abordagem do pensador Durkheim, fo- ram trabalhadas inicialmente as questões de solidariedade, de- sintegração da sociedade e visão de sociedade, para no segundo semestre se introduzir e abordar com mais profundidade os te- mas de suicídio e anomia. Com relação ao pensador Marx, bus- cou-se abordar conceitos como exploração, classe social e orga- nização política/sindicalismo, para posteriormente avançar para a problematização dos conceitos de alienação e mais-valia. No final do primeiro semestre, a Sociologia foi inserida no 20 ano, devido a uma reforma curricular pela qual a EJA da escola passou, o que gerou desordem no planejamento existente. Esses segundos anos tiveram um “intensivo” de Sociologia em duas semanas com cinco períodos semanais para “compensar” o que faltou durante o semestre. Assim, para o segundo semestre a ideia inicial era utilizar a carga horária de duas horas semanais do 20 ano para se con- centrar nos autores clássicos. Para o 10 ano manteve-se o que tinha sido elaborado, tentando inserir mais temáticas, e para o 30 buscou-se trabalhar mais questões atuais, relacionadas à cultura e política. Porém, o que gerou conflitos e contrariedades quanto a esta organização foi o péssimo aproveitamento dos 3os anos, os mesmos que tinham tido o “intensivo” do 20 ano. Isto se refletiu em muitas explicações de pontos já desenvolvidos, dificultando a inserção de outros temas. Sempre que possível, buscou-se dar apoio às aulas com material extra, como textos, o que se apresentou como outra si- tuação problemática, visto não haver disponibilidade e diversi- dade de materiais didáticos – livros, apostilas – específicos para a disciplina, tendo em vista a tradição intermitente da Sociolo- gia nos currículos escolares, o que contribui para a pouca oferta de material didático. Nesse sentido, a Internet se mostrou uma

48 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História ferramenta eficaz na busca por referências, como também a pro- dução de materiais elaborados pelas bolsistas do PIBID – Ciên- cias Sociais se constituiu como uma alternativa diante das difi- culdades encontradas. Realizamos também algumas atividades que puderam pro- porcionar outras experiências pedagógicas para as turmas de EJA. Como as aulas eram predominantemente expositivas, achamos importante possibilitar outras formas de aprender, ultrapassan- do os recursos de “quadro e caderno”, para tornar o ambiente escolar mais atrativo e estimulante. Através de levantamento de atividades em diversas insti- tuições culturais, educativas e públicas, a fim de buscar elemen- tos a serem aproveitados em sala de aula, descobrimos que a Câmara de Vereadores de Porto Alegre possuía um acervo de exposições itinerantes sobre diversos temas que poderiam ser des- locadas até a escola. Essa era uma proposta totalmente compatí- vel com as turmas de EJA, pois era impossível de realizar ativi- dades em outros turnos devido às jornadas de trabalho dos estu- dantes do noturno. Assim, pudemos levar até escola elementos fora da rotina. Escolhemos a exposição “Os 50 anos dos Direitos Huma- nos”, oferecida pelo Memorial da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Desta forma, as turmas de 1° e 3° anos puderam ter co- nhecimento da trajetória dos direitos humanos, quais eram eles, o que isso lhes importava, a partir de uma abordagem e de um instrumento didático diferente da tradicional forma de ensinar. O assunto foi retomado em sala de aula a partir de discussão, leitura de texto sobre cidadania e direitos humanos e produção de redação. Na sequência, tivemos contato com o Memorial da Justi- ça do Trabalho, o qual estava com um projeto de levar palestras sobre o direito dos trabalhadores para escolas, o que também era

49 KERN, E. B.; DOS SANTOS, F. R.; BECKER, N. • Sociologia e educação de interesse nosso, pois era acessível à dinâmica da EJA e dava continuidade à questão dos direitos humanos. Assim, reali- zou-se a visualização do documentário “Nos trilhos da me- mória”, produzido pelo próprio Memorial, no qual se mos- trava a trajetória da classe dos ferroviários e o papel dos mes- mos na conquista de direitos trabalhistas. Após o vídeo, reali- zou-se uma palestra sobre o tema, onde foram elucidadas mui- tas dúvidas dos estudantes. Fizemos um esforço para trabalhar de forma interdiscipli- nar na área Sócio-Histórica, o que resultou em uma oficina de- nominada “sessão pipoca”, juntamente com o PIBID – Geogra- fia, para as turmas dos 3os anos. O filme escolhido foi Diários de Motocicleta, de Walter Salles. O objetivo da atividade era fazê-los refletir sobre as diferentes paisagens e manifestações sociais que compõem a América do Sul, problematizando as desigualdades estruturais nela encontradas, apontando também a diversidade cultural e geográfica. A recente obrigatoriedade do ensino da Sociologia no Ensino Médio deixa muitos desafios para os professores: não temos um histórico bem consolidado, não temos uma matriz curricular rígida e não possuímos uma variedade de materiais didáticos. Este cenário pode ser visto sob a perspectiva das difi- culdades, como uma falta de referência, mas também é necessá- rio ver que existe um ponto positivo nisso, pois no momento em que tudo ainda é novo e se buscam formas de expor e ensinar, as possibilidades de criação e inovação são maiores.

Referências bibliográficas

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CARVALHO, Lejeune Mato Grosso de. A trajetória histórica da luta pela introdução da disciplina de sociologia no Ensino Médio no Brasil. In: ______(org.). Sociologia e ensino em debate: experiências e discussão de sociologia no Ensino Médio. Ijuí: Unijuí, 2004. p. 17-60. FREIRE, Paulo; GADOTTI, Moacir; GUIMARÃES, Sérgio. Pedago- gia: diálogo e conflito. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1995. MORAES, Amaury Cesar. Licenciatura em ciências sociais e ensino de sociologia: entre o balanço e o retrato. Tempo Social, São Paulo: EDUSP, v. 15, n. 1, p. 5-20, abr. 2003. ______. O que temos de aprender para ensinar ciências sociais? In: Anais da 56ª Reunião Anual da SBPC, Cuiabá, Julho/2004. Disponível em: < http://www.sbpcnet.org.br/livro/56ra/banco_conf_simp/tex- tos/AmauryMoraes.htm>. Acesso em: 14 jan. 2010. NEVES, Clarissa E. B. Estudos Sociológicos sobre educação no Brasil. In: MICELI, S. (org.). O que ler na Ciência Social brasileira. v. 4. 2002, p. 351-437. ORTIZ, Renato (org.). Introdução: A procura de uma sociologia da prática. In: BOURDIEU, Pierre. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. p. 7-35. RODRIGUES, Jocineide. A Sociologia no Ensino Médio: reflexão sobre as práticas docentes da disciplina. Trabalho de conclusão de curso (Li- cenciatura em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. [no prelo] SILVA, Tadeu Tomaz da. A Sociologia da Educação: entre o funciona- lismo e o pós-modernismo. In: O que produz e o que reproduz em educação: ensaios de sociologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. p. 13-29.

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Sugestões de atividades

1. Tipo de Atividade: GINCANA CULTURAL • Duração: 4 encontros (3 h cada); • Público-Alvo: Estudantes de Ensino Fundamental; Es- tudantes de Ensino Médio; • Atividade Multidisciplinar: as áreas envolvidas foram Artes Visuais, Biologia, Ciências Sociais6, Geografia e Letras.

PLANEJAMENTO 1) Objetivo(s): a) estimular a integração entre as turmas e intraturma; b) promover a interdisciplinaridade; 2) Dinâmica: Jogos; interpretação 3) Recursos Materiais: Sucata, fantasias, 4) Desenvolvimento: a) Primeiro encontro: PARTICIPAÇÃO DE TODAS AS ÁREAS – Divisão e organização das equipes (6 a 8 membros): cada equipe representará um personagem7 e uma cor; – Desfile: cada equipe fará a caracterização de seu perso- nagem e irá apresentá-lo ao grupo em um desfile.

6 Personagens sugeridos para as Equipes por cada área: ARTES = Salvador Dalí e Frida Kahlo; BIOLOGIA = Charles Darwin; CIÊNCIAS SOCIAIS = Che Gue- vara; GEOGRAFIA = Pero Vaz de Caminha e LETRAS = Monteiro Lobato. 7 Os bolsistas das Ciências Sociais que participaram da elaboração e execução da Gincana Cultural foram: Eduardo Hernandes, Eduarda Kern e Nina Becker.

52 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História b) Segundo encontro: PARTICIPAÇÃO DAS ARTES + CIÊN- CIAS SOCIAIS + GEOGRAFIA – Quizz: elaboração de perguntas propostas às equipes so- bre o tema: “Mídia e Identidade” & Jogo da Adivinhação (“geo- grafia dos sabores”): cada equipe é desafiada a aguçar dois senti- dos (paladar e/ou olfato). Com os olhos vendados, cada equipe deverá associar o produto com a região que o produz (por exem- plo: uva ou suco de uva = serra). c) Terceiro encontro: PARTICIPAÇÃO DA BIOLOGIA + CIÊNCIAS SOCIAIS – Jogo de Mímica: através da mímica, cada equipe deve- ria simular uma situação em torno do tema da sexualidade (p. ex.: gravidez na adolescência; DST; “ficar”; contraceptivos). d) Quarto encontro: PARTICIPAÇÃO DA LETRAS – Apresentação da paródia; – Premiação: PONTUAÇÃO: Será feita através das pul- seirinhas. DISTRIBUIÇÃO DAS PULSEIRAS POR DIA: DESFILE: será dada conforme empenho dos participan- tes; dividido em 3 áreas: completou a atividade [20 pontos], feito pela metade [10 pontos] e não completou [0 pontos]; QUIZZ: 1 ponto [pulseira] por resposta certa; ADIVINHAÇÃO: 1 ponto [pulseira] por resposta certa; JOGO DE MÍMICA: 3 pontos [pulseira] para cada equi- pe que decifrou a situação apresentada; PARÓDIA: valerá o dobro da pontuação da equipe OU a diferença [+ 1 ponto, a critério de desempate] entre último e pri- meiro colocados.

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2. Tipo de Atividade: SESSÃO PIPOCA • Duração: 3 h; • Público-Alvo: Estudantes de 6a série do Ensino Funda- mental; • Atividade desenvolvida pelas bolsistas: Eduarda Kern, Fernanda Rocha e Nina Becker.

PLANEJAMENTO 1) Objetivo(s): a) refletir sobre a prática da alteridade como forma de respeito às diferenças individuais; b) mostrar a impor- tância da identidade de pertencimento a um grupo; 2) Dinâmica: Exibição do filme Happy Feet, o pinguim; dis- cussão em grande grupo; produção textual individual; 3) Recursos Materiais: Aparelhos de TV e DVD, papel, lápis, borrachas, canetas e canetinhas hidrocor e pipocas. 4) Desenvolvimento: 1. Exibição do filme Happy Feet na sala de vídeo; 2. Discussão sobre a situação de preconceito vivida pelo pinguim Happy Feet; 3. A partir das discussões, solicita-se aos alunos que res- pondam a seguinte pergunta, ressaltando uma resposta não vio- lenta: Se você fosse o pinguim Happy Feet e tivesse poucos ami- gos por ser diferente, o que você faria para solucionar o pro- blema? Escreva com as suas palavras e seja bem criativo!! Não esqueça de pôr seu nome e turma no final da redação.

3. Tipo de Atividade: PLANTÃO DE DÚVIDAS – “Acesso ao Ensino Superior e Ações Afirmativas” • Duração: 3 h. • Público-Alvo: Estudantes do 30 ano do Ensino Médio;

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• Atividade desenvolvida pelas bolsistas: Eduarda Kern, Fernanda Rocha e Nina Becker (2009) e Eduarda Kern, Eduar- do Hernandes e Nina Becker (2010).

PLANEJAMENTO 1) Objetivo(s): a) dialogar com os estudantes sobre as opor- tunidades existentes após a conclusão do Ensino Médio; b) ex- plicar o funcionamento dos processos seletivos para as universi- dades públicas e para as escolas técnicas (IFES); c) colaborar com a reflexão de cada aluno sobre seus projetos profissionais e as formas de atingi-los; d) explicar o funcionamento das cotas no vestibular; e) refletir sobre racismo e cotas étnicas; 2) Dinâmica: Plantão de Dúvidas com os bolsistas PIBID a partir de dados sobre ENEM, PROUNI, Pré-Vestibular, Vesti- bular, Ações Afirmativas, Cursos em Instituições Públicas (foco), Universidades e Escolas Técnicas/IFES; 3) Recursos Materiais: Computador, telão e data show; 4) Desenvolvimento: 1. Exibição dos slides sobre as possibilidades de estudos após a conclusão do Ensino Médio e quais são os processos en- volvidos nisso; 2. Exibição dos slides sobre a questão das cotas, enfocando o vestibular da UFRGS (http://ufrgsprocotas.noblogs.org); 3. Explanação sobre o funcionamento da seleção nas Escolas Técnicas/IFES e Universidades e suas formas de pre- paração; 4. Enfocar UFRGS: Cursos, benefícios e oportunidades para os estudantes; 5. Diálogo com os estudantes sobre suas dúvidas e expec- tativas, ajudando-os a esclarecê-las (essa etapa pode ser indivi- dual ou em grupo);

55 Sugestões de atividades

6. Exibição da primeira parte do vídeo “A construção da igualdade”; 7. Discussão sobre cotas étnicas.

4. Tipo de Atividade: OFICINA • Título da Oficina: “Olhares da Diferença: Identidades, Movimentos de Juventude e Contestação”; • Duração: 2 h 30 min; • Público-Alvo: Estudantes do 10 e 20 ano do Ensino Médio; • Atividade desenvolvida pelas bolsistas: Eduarda Kern, Fernanda Rocha e Nina Becker.

PLANEJAMENTO 1) Objetivo(s): a) demonstrar o papel da juventude em movimentos de transformação política, cultural e social, desde a década de 60; b) refletir sobre a identidade e como ela pode estar relacionada a uma prática contestatória e a um momento histó- rico; 2) Dinâmica: Exibição de slides; discussão sobre movimen- tos sociais; elaboração de cartazes com frases contestatórias para formar um “varal” nos corredores da escola; 3) Recursos Materiais: Computador, telão, data-show, ca- netas hidrocor, folhas de ofício, barbante, prendedor e fita ade- siva; 4) Desenvolvimento: a) Exibição, na sala de vídeo, dos slides preparados pelas bolsistas contendo fotos e frases de alguns movimentos contesta- tórios: “Maio de 68”, “Woodstock”, “Movimentos Hippie, Punk, Reggae”, “Impeachment Já” e “Movimento pelo Passe Livre”; b) Discussão com os alunos sobre as características, inte- resses e identidades de cada época;

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c) Orientação dos alunos sobre a tarefa: elaboração de car- tazes contendo frases, dizeres e slogans que representem a juven- tude atual; d) Confecção dos cartazes em pequenos grupos; e) Montagem dos “varais” com os cartazes preparados pelos alunos; f) Distribuição dos “varais” pelos corredores da escola.

5. Tipo de Atividade: OFICINA • Título da Oficina: “Onde Estão Seus Direitos?” • Duração: 2 h 30 min; • Público-Alvo: Estudantes do 10 e 20 ano do Ensino Mé- dio; • Atividade desenvolvida pelas bolsistas: Eduarda Kern, Fernanda Rocha e Nina Becker.

PLANEJAMENTO 1) Objetivo(s): a) refletir sobre a importância dos direitos humanos como base para a cidadania a partir de situações vi- venciadas em videoclipes e no cotidiano dos jovens; b) relacio- nar a violação de um direito com o direito à reivindicação do mesmo; c) mostrar que a luta por direitos foi/é a base de muitos movimentos sociais; 2) Dinâmica: Exibição de videoclipes, discussão sobre o que são direitos humanos, a partir do histórico e levantamento de direitos humanos violados e respeitados presentes no cotidia- no dos/as alunos/as; 3) Recursos Materiais: Aparelhos de televisão e DVD, giz, quadro; 4) Desenvolvimento: a) Exibição, na sala de vídeo, dos videoclipes Dança do desempregado, de Gabriel, o Pensador, e A minha alma, do O Rappa;

57 Sugestões de atividades

b) Apresentação da questão dos direitos humanos: o que são, como surgiram, qual a relação com a vida de cada um; c) Discussão e questionamento sobre as cenas que os cli- pes retratam em relação aos direitos humanos. Anotação no quadro sobre os direitos humanos violados e/ou respeitados pelo/as aluno/as, usando-os como mote para a próxima ativi- dade; d) Após esse momento de caracterização dos direitos humanos e análise dos clipes, desenvolve-se a dinâmica de con- versação entre as pessoas do grupo: formam-se duplas que irão contar, entre si, vivências (próprias ou de conhecidos) de viola- ção de direitos humanos. Depois, cada dupla escolherá uma das histórias e contará para outra dupla, formando um quarte- to. O quarteto, com duas histórias, escolherá uma para contar ao sexteto, e assim, sucessivamente, até a formação de grupos maiores; e) Cada grupo formado irá socializar a história escolhida com os demais, para pensar em formas de agir na situação, reforçando o respeito aos direitos humanos, assim como o pa- pel proativo de todos os indivíduos na sociedade; f) Finalização: discussão da situação da escola, identifi- cando seus problemas e o papel da participação estudantil. Es- colha de uma demanda dos alunos e elaboração de um projeto para que ela seja colocada em prática.

6. Tipo de Atividade: OFICINA • Título da Oficina: “Olhares da diferença: as religiões”; • Duração: 2 h; • Público-Alvo: Estudantes de 5a à 8a série do Ensino Fun- damental; • Atividade desenvolvida pelas bolsistas: Eduarda Kern, Fernanda Rocha e Nina Becker.

58 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

PLANEJAMENTO 1) Objetivo(s): Refletir sobre o papel das religiões como constituintes da identidade de cada indivíduo, de modo a salien- tar o respeito à alteridade em suas vidas cotidianas; 2) Dinâmica: a) alunos em círculo; b) circulação dos sím- bolos religiosos e c) ritmação de música; 3) Recursos Materiais: Caixa pequena com iconografia religiosa (fotografias com locais de peregrinação, santos, divin- dades, crucifixos, incensos, materiais para reza, etc.) e letra da música Sincretismo religioso, de ; 4) Desenvolvimento: a) estudantes dispostos em círculo, passando de mão em mão a caixa com os símbolos religiosos de várias religiões (cris- tianismo, judaísmo, islamismo, budismo, cultos afro-brasileiros e hinduísmo); b) solicitou-se que cada aluno/a pegasse um símbolo reli- gioso e fizesse um breve comentário sobre a importância daque- la imagem para si; c) finalização: solicitou-se que os estudantes, em peque- nos grupos, ritmassem a música Sincretismo religioso, de Marti- nho da Vila, e após socializassem sua música com o grupo.

7. Tipo de Atividade: SAÍDA DE CAMPO • Título da Atividade: “Caminhada pelo Bairro” 8; • Duração: 2 h; • Público-Alvo: Estudantes do Ensino Fundamental ou estudantes do Ensino Médio;

8 Essa pode ser uma atividade multidisciplinar, envolvendo as disciplinas de So- ciologia, História, Filosofia e Geografia, entre outras. Ela também pode ser realizada em dois dias: em um dia realiza-se a caminhada e em outro desenvol- vem-se as tarefas.

59 Sugestões de atividades

PLANEJAMENTO 1) Objetivo(s): a) conhecer o entorno da escola; b) apropriar-se da história do bairro; c) levantar os problemas do bairro e apontar soluções; 2) Dinâmica: a) caminhada pelo entorno da escola (deli- mitar um ou dois quarteirões); b) trabalho em grupo; c) discus- são em grande grupo; 3) Recursos Materiais: máquina fotográfica, xerox do mapa do bairro, computador, telão e data show; 4) Desenvolvimento: a) explanação sobre a história do bairro como preparação da atividade; b) antes de sair da escola, localiza-se no mapa o trajeto a ser percorrido e solicita-se aos alunos que identifiquem even- tuais problemas durante o percurso (p. ex.: falta de ilumina- ção pública, lixo acumulado, calçamento, buracos no passeio público, entre outros); c) durante o trajeto, fotografar os problemas identificados; d) no retorno da caminhada, devem-se descarregar as fo- tos no computador e projetá-las no telão. A partir de cada pro- blema fotografado e visualizado pelo grupo, debater sobre eles com os alunos buscando analisar seus reflexos sobre a coletivi- dade. Identificar os responsáveis pelos problemas, apontar solu- ções e encaminhar demandas aos responsáveis.

60 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Seção II

Geografia

Práticas para o ensino da Geografia

Antonio Carlos Castrogiovanni9 Artur Czermainski Klassmann10 Débora Schardosin Ferreira11 Larissa Pires Soares12

Uma pergunta que temos feito constantemente é: por que a escola deve existir? Sabemos que a educação faz parte da vida, é vida, deve ser co-vivida num processo contínuo como é a dinâ- mica da vida. A escola é um lugar da/de educação. Pensamos que ela é um subespaço geográfico, faz parte do espaço geográfi- co, portanto apresenta forças, poderes, tensões, emoções, mobi-

9 Professor do Departamento de Ensino e Currículo da FACED/UFRGS e Coordenador do Subprojeto Geografia/PIBID. 10 Bolsista PIBID – Geografia/UFRGS. 11 Bolsista PIBID – Geografia/UFRGS. 12 Bolsista PIBID – Geografia/UFRGS.

61 SOARES, L. P. et al. • Práticas para o ensino da Geografia lidades e interesses, ou seja, reflete a própria sociedade. Assim, a escola como um todo, que é parte do espaço geográfico, deve assumir um projeto de sociedade, em suas práticas, que deve ser discutido, partilhado, reconstruído por todos os envolvidos, cotidiana, abertamente e sob a luz de teorias constantemente (re)construídas. Convém lembrar que a demanda de formação de sujeitos não está desvinculada de políticas sociais mais am- plas e complexas. A escola deve assumir e participar destas po- líticas. Enquanto sujeitos, temos claro que a vida é repleta de pro- blemas, por nós entendidos como situações a serem resolvidas. A decisão pela busca das soluções dos problemas resulta num verdadeiro ato criativo, que dá sentido à vida e constrói o espaço geográfico, inclusive o subespaço escola. Nossa proposta neste texto é partirmos da Epistemologia Construtivista e da Prática Relacional Complexa, portanto, um saber fazer para superar a simples memorização/descrição, aparecendo estas dissolvidas nos processos mentais mais elaborados, como a análise espaçotem- poral. Em nossa leitura, neste momento, somente se objetiva o ensino da Geografia fundada nessa base epistemológica. Ou seja, compreendendo a Geografia como um conjunto de conhecimen- tos produzidos/discutidos na relação sujeito-objeto, como um complexo processo de construções subjetivas, nas trocas cotidia- nas com as condições concretas da vida, como resultado tempo- rário de caminhos de síntese. Mas esses fundamentos epistemo- lógicos estão permeados de sentido e se expressam na prática docente como um ato político na leitura do mundo que está em constante re-construção, já que o conhecimento é uma produ- ção social e, como tal, não pode se libertar das posições e condi- ções de classe do educador. O ensino da Geografia deve acreditar que a construção do conhecimento se faz pela compreensão dos processos e não na enfadonha e acrítica forma classificatória em hierarquias espaciais e

62 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História marcadores temporais. A forma classificatória é conservadora, pois não busca a compreensão dos processos. Compreender os pro- cessos, por sua vez, é tomar por base a análise objetiva, apreen- der o conjunto das conexões internas, com seus conflitos; sua gênese, o seu desenvolvimento e as suas tendências; os movi- mentos contraditórios como unidade dos contrários; tudo está ligado a tudo, constituindo uma complexidade. Assim, o proces- so de construção de habilidades e conhecimentos que vai do fe- nômeno à essência e da essência menos profunda à mais profun- da é infinito – já que o conhecimento é sempre aproximativo, pois as verdades são provisórias e as dúvidas são múltiplas. O movimento do ensinar Geografia parece ter que partir da análise histórica do espaço geográfico, esse que é o espaço de existência das mulheres e dos homens, e dos demais elementos da natureza. Isto significa compreendê-lo pela sua gênese e con- teúdo, não apenas pela aparência ou forma. Quer dizer, compre- ender o passado à luz do presente e o presente em função das transformações sociais, de um novo futuro. E, nesse processo, não só enquanto sujeito, mas também enquanto objeto históri- co: objeto, pois é condicionado, mas sujeito, pois é um ser ina- cabado; e, consciente disso, pode transcender os próprios con- dicionantes históricos. É nesse sentido que propomos estas ofi- cinas: auxiliar o professor em seus saberes, para fazer fazendo com mais saber, e sabendo que tem muito para aprender nas trocas com os outros sujeitos. Salientamos que todas as propostas de oficinas são inacabadas se considerarmos as verdades provisó- rias e os contextos nos quais serão desenvolvidas. Como qualquer proposta, deve ser julgada à luz das diferenças espaçotemporais. Acreditamos neste momento haver um descontentamen- to entre as práticas pedagógicas fundadas sobre a concepção de um saber constituído e as pesquisas sobre educação realizadas pelo menos nos últimos 20 anos.

63 SOARES, L. P. et al. • Práticas para o ensino da Geografia

Assim, a escola deve reaprender a complexidade, pois para reconhecer é preciso já conhecer. Para conhecer é preciso seleci- onar, religar, dar sentido, autoorganizar-se, é preciso ver a parte como o todo e o todo como mais que a soma das partes, poden- do ser ainda uma parte provisoriamente compreendida. Deve- mos conhecer para sermos sábios! O lugar da eleição da complexidade é a dinâmica da na- tureza, é o movimento da vida e são as suas representações mais fiéis: nossa imaginação, nossa memória, nossa linguagem, nos- sas emoções, nossas possibilidades de comunicarmos e trocar- mos, ou seja, vivermos. Mas quais são as exigências da complexidade na educa- ção? Elas são muitas, todas possíveis de serem praticadas. Uma das mais importantes é reconhecer a importância da diversidade na identidade, nos procedimentos, nas expectativas, nos engaja- mentos, nas representações que os sujeitos possuem do mundo, respeitando a necessidade e a busca do equilíbrio na troca. As- sim, parece ser fundamental sabermos ouvir a mensagem do si- lêncio existente nas palavras. Devemos, enquanto professores, prever o re-ligar dos conhecimentos a partir das dúvidas e das verdades provisórias. Cada sujeito tem a sua história, portanto a possibilidade única de escolher e inovar. A escola necessita dar espaço para que a lógica da vida possa entrar e fazer parte da escola. Favorecer a autoorganização, incentivando e encarando o erro como possibilidade de aprendizagem deve fazer parte do processo educativo e não castigo, como muitas vezes tem sido praticado. Não podemos esquecer que ensinar é lidar com o sim- ples, com o singelo, com prosa, mas também com poesia. Por um lado, deparamos-nos com as dificuldades dos alu- nos para aprender Geografia e a falta de interesse pelas ativida- des de ensino; por outro lado, enquanto educadores, temos a responsabilidade no ensino de tornar as atividades de ensino-

64 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História aprendizagem, no cotidiano escolar, experiências significativas para o aluno. Ao falarmos em ensino de Geografia, tratamos do desejo de partilhar saberes socialmente relevantes e lidamos com questões que fazem parte das nossas paixões cotidianas. Por isso, queremos possibilitar o acesso de tantos quantos qui- serem e puderem aos caminhos da construção do conhecimen- to geográfico. Quando professores e estudantes do curso de licenciatura de Geografia decidem participar de um Programa como o PI- BID, assumem o desafio de (re)construir novas possibilidades que podem entrelaçar os seus saberes com aqueles produzidos por docentes e discentes da escola básica. Nesse caminho cons- truímos possíveis currículos de Geografia, aqui entendidos como expressão de modos de agir e de pensar a vida. As referências do licenciando estão pontuadas nas suas próprias vivências dentro e fora da escola e da universidade, con- dicionantes de suas trajetórias enquanto professor em formação. O contato com a complexidade da cultura escolar trans- forma a vida de qualquer sujeito e tem contribuições importan- tes enquanto experiência do sujeito comprometido com a busca do conhecimento. Nossa experiência com o ensino de Geogra- fia, em pesquisas, assessorias e orientações de estágios, tende a propor afirmações de que a tendência no dia a dia do professor é a aula expositiva ou o emprego direto do livro didático. No en- tanto, acreditamos que somente o cotidiano escolar, entendido como espaço social, histórico, antropológico e pensado como local de trabalho coletivo e criativo, com experiências qualifica- das e significativas, pode animar e reforçar a opção pela profis- são, pois, como já pontuamos, o espaço geográfico é um só, con- tínuo e indissociável. Nessa seção sobre as experiências do ensino de Geografia no PIBID, o leitor encontrará propostas simples de caminhos possíveis, porém nessa perspectiva. As avaliações que fizemos

65 SOARES, L. P. et al. • Práticas para o ensino da Geografia de tais experiências no PIBID revelam aprendizagens em diver- sos aspectos, do processo de construir responsabilidades ao pen- sar coletivamente, permeado pela dinâmica da construção dos saberes teóricos, metodológicos e epistemológicos no campo da Geografia. Para tanto, temos a preocupação com a diversidade e a complexidade no ato de ensinar. Como já foi dito, não há re- ceitas prontas e esquemáticas, não há fórmulas objetivas para serem aplicadas nas situações de aula, mas há, sim, experiên- cias que foram trabalhadas durantes dois anos através de um projeto institucional que gostaríamos neste com(texto) de com- partilhar. A seguir, apresentamos um conjunto de práticas que po- dem fazer parte do nosso dia a dia e ser trabalhadas em escolas de Ensino Médio e Fundamental através do Projeto PIBID.

66 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Oficinas pedagógicas de Geografia

Oficina 1: Geografia Noticiada Objetivo: Ler e interpretar diferentes verdades sobre o es- paço geográfico através de discursividades jornalísticas para en- tender que as verdades são muitas e provisórias. Material: Reportagens de jornais selecionadas pelo pro- fessor, computador conectado a um projetor e material escolar básico para os alunos – folhas, lápis e cola. Dinâmica: Esta proposta apresenta uma dinâmica que visa (re)construir habilidades geográficas inseridas numa postura in- terdisciplinar. A facilidade para a prática desta oficina inicia pelo uso de jornais, material barato e capaz de ser coletado pelo pró- prio aluno; no entanto, pode desempenhar uma função impor- tante junto à construção do conhecimento através de informa- ções contemporâneas. A dinamicidade, que deve sempre se fa- zer presente nas aulas para manter a atenção dos sujeitos do sé- culo XXI, está contida nesta proposta pedagógica. Ela trabalha com computador e imagens projetadas em movimentos, cores e sons, dependendo do material produzido pelo professor. A ideia é proporcionar uma viagem por diferentes dimensões territori- ais, uma verdadeira “saída de campo virtual”. Sabemos que com- putadores não são encontrados em todas as escolas, mas políti- cas públicas que atuam na melhoria das condições estruturais das escolas são implantadas a fim de mudar esse quadro. Para preparar a aula, o professor deverá selecionar diver- sas reportagens de jornal (ou os alunos podem trazê-las) – su-

67 Oficinas pedagógicas de Geografia ficientes para o número de alunos, podendo ser refletidas em duplas. O trabalho em grupos, com poucos componentes, per- mite a discussão entre eles, antes de socializar os resultados ao grande grupo. As notícias deverão ter relação com a Geografia, embora o conhecimento seja único. É interessante que sejam no- tícias que tratem de temas pertinentes à economia, relações en- tre países, desastres ambientais, problemas sociais, ou seja, ques- tões contemporâneas e que possam estar relacionadas aos con- teúdos abordados em aula. A fim de tornar o material mais atra- ente, em vez de entregarmos os recortes de jornal, colamos em uma folha de ofício, escrevendo informações com os créditos da matéria – (quem tirou a foto, quem escreveu, a data e o jornal que veiculou o fato, por exemplo). Para a parte introdutória da atividade, o professor pode preparar imagens relacionadas com o tema que irá trabalhar, como uma explicitação sobre os fatores comuns a todas ou qua- se todas as reportagens pré-selecionadas. Exemplificamos o tra- balho como se, entre os conteúdos abordados, estivesse a noção de escala, trabalhando-se a relação dos alunos com o local em que vivem para facilitar a compreensão da complexidade que envolve a formação espacial. Assim, é interessante que tenha- mos imagens de satélite focando desde a escola em que estudam até o planeta visto de fora, passando por todas as divisões políti- co-administrativas (nem sempre de domínio das crianças). Quan- do apresentadas, devem, juntamente com as indagações do pro- fessor, desenvolver a noção de razão e proporção que é a base para a compreensão do conceito de escala. A análise da inter- pretação de imagens orbitais e a hierarquia dessas divisões facili- tam o trabalho. Se possível, é interessante o uso da ferramenta Google Earth – programa que simula tridimensionalmente o glo- bo terrestre composto por imagens aéreas e orbitais, desenvolvi- do pela empresa Google –, a qual pode ser manipulada com fa- cilidade e de forma didática.

68 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

A aula: O momento da aula, no qual são expostas as ima- gens, não deve ser totalmente expositivo; cabe ao professor in- centivar as contribuições dos alunos. Quando apresentada a ima- gem de satélite em escala municipal, é comum que os alunos contribuam indicando onde residem. Isso enriquece a aula. Po- demos abordar neste momento a localização da escola em rela- ção às moradias dos alunos, as áreas em que se encontram em relação à cidade e outras divisões político-administrativas. Afir- mações como “João mora na zona Leste de Porto Alegre, en- quanto a Maria mora na zona Sul” podem gerar bons assuntos entre os alunos; sem querer, estarão “geografando” enquanto exploram o conteúdo de Orientação. Transcorrido esse primeiro momento, é importante a con- versa entre professor e alunos sobre fatos da atualidade. Os estu- dantes devem estar sempre atualizados, acompanhando os noti- ciários, e isso deverá ser avaliado pelo professor. Terá que ser questionado o que está acontecendo nos cenários mundial, na- cional, estadual e mesmo municipal e qual a relação entre estes cenários. Na segunda parte da atividade, deverão ser entregues as reportagens de jornal seguidas de roteiro (ver exemplo). Os alunos devem refletir sobre a definição da palavra fato, se o que foi escrito relata fielmente o tema, se não há um interesse por trás do que estamos lendo, a influência dos conhecimentos pré- vios de cada um na hora de escrever algo. Conforme Castrogio- vanni (2009), “de acordo com a ideologia, um mesmo fenôme- no pode ser explicado de maneira muito distinta”. Será que a notícia mais veiculada é a que recebe mais audiência? Será que é a mais importante para o futuro do país ou de um planeta “sau- dável”? A quem interessa de fato esta notícia? Estas interroga- ções são realizadas oralmente, com o objetivo de exercitar o mo- vimento reflexivo do aluno, a oralidade, e provocar um questio- namento contínuo.

69 Oficinas pedagógicas de Geografia

Pode ser solicitada a entrega de uma produção escrita. Ela é importante para estimular os alunos a relatar o conhecimento construído e permitir que sejam autores, auxiliando-os a refletir sobre as novas informações obtidas, tornando-as conhecimento. Muitas das perguntas podem ser iguais para qualquer reporta- gem, como, por exemplo: – Do que trata a reportagem? – Onde se passa a situação focada? – Você concorda ou não com o título? – Em qual escala de análise se passa a notícia (local, regio- nal, nacional ou internacional)? Quando lidamos com diferentes escalas de análise, procu- ramos mostrar a importância de sabermos que uma divisão polí- tico-administrativa sempre estará inserida em outra, bem como o que há nela. Assim, se a notícia relata um problema ambiental no Brasil, devemos saber que o problema é das “divisões meno- res”, como os estados e municípios, e das maiores como o conti- nente, pois o espaço geográfico é um todo. É fundamental que os alunos saibam que uma divisão político-administrativa não é indivisível, visto que se pode separar o que acontece na metade norte do estado para a metade sul; isso é comum especialmente no Brasil, país com uma dimensão territorial continental. Mui- tas vezes, não percebemos que existem diferenças culturais regionais, vistas em poucos quilômetros de distância. O jornal empregado como uma ferramenta de ensino se faz presente na casa de muitos destes alunos. Jornais locais, retra- tando a realidade regional, atuam como fatores identitários para as pessoas; por isso se procura trabalhar com estes, a fim de ex- plorar a cotidianidade dos alunos, para que o conhecimento seja construído mais facilmente, com eficácia e clareza para os estu- dantes. A atividade, entre tantos objetivos, visa a estimular a lei- tura de jornal; mais do que ler, desejamos que analisem a fonte

70 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História de informações, que interpretem, que possam avaliar a quem o jornal está protegendo. Características: O professor não deve planejar uma aula expositiva introdutória, mas partir da análise textual do jornal e fazer uma relação com as imagens como possibilidade de indi- car o local da notícia; os materiais estão aí para auxiliá-lo. Sabe- mos da frequência com que os educadores escrevem as suas au- las no quadro ou em apresentações de slides que leem para os alunos, tornando a aula repetitiva e monótona. Uma oficina é um movimento para a descoberta, em que o aluno aprende com autonomia. Pensamos que a textualização é sempre bem-vinda pois valoriza o registro do conhecimento construído. Aluno: A atividade se destina a qualquer série, qualquer faixa etária que já tenha condições para ler jornal. Será trabalha- da a partir de reportagens de jornal, com assuntos da atualidade e que interessem à faixa etária. As nossas experiências no PIBID foram realizadas a partir da 6a série do Ensino Fundamental. Interdisciplinaridade: Esta oficina pedagógica pode ser trabalhada em conjunto com outras áreas do conhecimento, como, por exemplo: – Língua Portuguesa: Interpretação e produção textual. – Ciências: Questões relacionadas à natureza. – Ciências Sociais: Questões relacionadas à organização da sociedade. Reflexão: O emprego de textos extraídos de jornais é fácil de ser relacionado com diferentes temas, inclusive abordados por outras disciplinas. Ao realizar essa atividade, será observado que alguns alunos terão dificuldades em responder perguntas que envolvam interpretação e síntese do texto, pois, além da falta de costume de lerem jornais, e não necessariamente pela notícia conter uma linguagem inapropriada para a bagagem intelectual

71 Oficinas pedagógicas de Geografia do jovem, geralmente não possuem a habilidade da síntese cons- truída. A falta de leitura de jornal é um problema atual; os alu- nos dispõem de outras formas de obtenção de informação e la- zer, como televisão e internet. Exemplo: Aqui exemplificamos a atividade com uma no- tícia sobre o tempo atmosférico:

FIM DE SEMANA COM SOL MARCANTE A formação de um sistema de baixa pressão na costa do Rio Grande do Sul trouxe temporais ao Estado durante a terça-feira. Nesta quarta-feira, devem ocorrer pancadas à tarde. A máxima deve passar dos 30º C em praticamente to- das as regiões. O dia começa com muitas nuvens ainda sobre o Norte e Nordeste gaúcho e com chuvas leves sobre cidades do Lito- ral Norte. Na maior parte do Estado, o tempo encontra-se seco e com poucas nuvens. Em Porto Alegre, o dia será de tempo seco, com nu- vens. Existe possibilidade de pancadas no fim da tarde. A máxima deve chegar aos 32º C. No Litoral, devem ocorrer períodos de melhoria pela manhã, e volta a chover na forma de pancadas no decorrer da tarde. Em Capão da Canoa, tem- peratura máxima de 28° C. Em Porto Alegre, a máxima deve ser superior a 32º C.

Sugestão de Roteiro Inicial: 1. Do que trata a notícia? 2. Você concorda ou não com este título? Por quê? 3. Onde ocorre a situação relatada/tratada na sua notícia? 4. Em qual escala de análise se passa a notícia?

72 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

5. Cite três palavras que sintetizam a notícia. 6. Para esta notícia empregaríamos imagens de ______, ______, e ______, por exemplo. 7. Seria interessante ou não um mapa do sul do Brasil para entendermos melhor esta notícia? Por quê?

Oficina 2: Interpretando a Paisagem

Objetivo: Ler e descrever paisagens que compõem o espa- ço geográfico para entender o processo de ocupação e ordena- ção espacial. Material: Fotos extraídas de revistas ou jornais, lápis pre- to e borracha. Dinâmica: O professor deverá, em uma primeira parte da atividade, apresentar imagens extraídas de revistas ou jornais. As imagens podem ser coletadas em casa ou na escola pelos alu- nos, ou ser disponibilizadas pelo educador. Nesta proposta, não é necessário o uso de ferramentas eletrônicas para a visualização das paisagens. As imagens são coletadas com facilidade por se- rem veiculadas nos meios de comunicação. Nosso interesse é trabalhar recortes espaciais com carac- terísticas próprias de organização espacial, que despertem inte- resse nos alunos pela sua formação diferenciada. Assim, as ima- gens devem representar o espaço em um determinado segmento, uma parte do todo. Uma paisagem que represente a situação dos diferentes lugares pode ser lida pelos alunos, antes de quaisquer comentários por parte do professor. Sabemos que a paisagem é o domínio do visível e não se forma apenas de volumes, mas tam- bém de cores, movimentos, odores, sons, etc. É o conjunto de objetos que nosso corpo alcança e identifica. Assim, cabe ao alu- no, com um roteiro elaborado por parte do professor, não ape-

73 Oficinas pedagógicas de Geografia nas descrever o visível, mas abstrair o processo de relações que ali se constituiu. É importante a obtenção de duas ou mais fotografias, ou outras formas de representação do mesmo lugar. Por exemplo, poderíamos propor um trabalho sobre a cidade do Rio de Janei- ro com um cartão-postal conhecido de todos, como o Pão de Açúcar, fotografia que retratasse uma favela carioca, fotografia que trouxesse a zona sul da cidade e uma imagem retratada por algum pintor em certo momento. A ideia é observar o que está sendo mostrado, por que, para quem e quando foi realizada a produção cultural. Provocar a leitura contextualizada e detalhada da imagem. Caracterizar a paisagem através dos elementos retratados. Os recortes de revistas previamente selecionados pelo pro- fessor devem apresentar diferentes características presentes em um mesmo recorte espacial, para desmistificar algumas concep- ções. Poderão ser abordados fatores notáveis na foto, como grau de urbanização e de desenvolvimento, forma de ocupação do espaço, se esta é humanizada ou não, e, sempre que possível, deve-se contextualizar o que os alunos estão vendo em sala de aula relacionando-o com a sua realidade. A contextualização se faz importante no processo de aprendizagem por facilitar a ab- sorção do conhecimento por parte do aluno, que entenderá com muito mais facilidade aquilo que estiver relacionado com sua realidade, de forma que possa se ver o local que vive naquilo que está a aprender, explorando seu cotidiano. Passado este primeiro momento da oficina, é importante que haja a discussão entre os alunos, com a mediação do profes- sor, direcionando a conversa, para que ocorra a textualização geográfica. No segundo momento da atividade, caberá ao professor construir questionamentos para serem respondidos e posterior-

74 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História mente entregues. As perguntas devem ser padronizadas e que orientem o aluno na leitura das imagens. Podem-se induzir questionamentos objetivos ou mais sub- jetivos, como: – O que você pode observar nesta imagem? Ela retrata fielmente a realidade desta área ou não? – Por que acontece X neste local? – E se não houvesse o elemento X, como ficaria a paisa- gem? – Como você gostaria que fosse esta paisagem? Por quê? – Você gostaria de viver neste lugar ou não? Por quê? – Como poderíamos organizar melhor este local? – A quem interessa a existência de paisagens com tais ele- mentos? Para ver como surgem opiniões distintas, influenciadas pelas experiências e interesses de cada sujeito, podemos organi- zar um terceiro momento da aula. Com as respostas em mãos, o professor pode distribuí-las aleatoriamente, de modo que as crianças não recebam aquelas respostas por elas escritas ante- riormente. Agora, com uma nova imagem para trabalhar e as opiniões dos colegas a respeito desta, os alunos poderão reescre- ver a nova situação sob seus pontos de vista e notar possíveis diferenças nas observações realizadas pelos outros. Ao trabalhar dessa forma, valorizando as concepções dos alunos, relacionando suas observações com diferentes pontos de vista provenientes dos próprios colegas, o professor potencializa a capacidade de reflexão de cada um, tende a torná-los mais se- guros e apresenta a relatividade como fator importante a ser pen- sado no estudo da Geografia. Priorizando o debate, essa oficina explora um fator importante da personalidade das pessoas, que é a oralidade, preparando-as para um futuro próximo em que deverão saber se comunicar com destreza.

75 Oficinas pedagógicas de Geografia

Características: A atividade pode sofrer alterações con- forme a mudança de público-alvo; a complexidade dos conteú- dos abordados varia com as respostas dadas pela turma em que o professor vai trabalhar e a carga de conhecimento adquirida ao longo do tempo. O uso de materiais, como projetor, pode ser ferramenta importante para auxiliar o trabalho, porém deverá haver uma preocupação com a dinâmica da aula, objetivando sempre torná-la mais interessante e eficiente para a obtenção do conhecimento por parte do aluno. Aluno: A atividade Interpretando a Paisagem pode ser aplicada para diversas séries, pois os alunos lerão a paisagem de acordo com habilidades e competências já construídas, poden- do ser relacionada com muitos conteúdos abordados pelo currí- culo escolar nas nossas experiências. A sua aplicação pode tra- zer resultados satisfatórios em turmas de 6a série do Ensino Fun- damental, ao estudarem as paisagens relacionadas aos aspectos naturais, uma introdução ao espaço urbano e rural, e quando já possuírem habilidades capazes de contribuir para a construção do conhecimento. Interdisciplinaridade: Essa atividade permite o trabalho conjunto com outras áreas do conhecimento, como: – Língua Portuguesa: produção textual a partir de uma imagem – codificação e decodificação. – Educação Artística: trabalhando com fotografias. – Ciências: trabalho com temas ambientais que envolvem a área de estudo. Uma proposta semelhante: A atividade que apresentare- mos a seguir também trabalha com interpretação e produção textual a partir de imagens. Outro caminho para trabalharmos com jornais e revistas na área das chamadas ciências humanas é trabalhar com a síntese textual.

76 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Todos os alunos seguem a orientação do professor. A ati- vidade é feita em grande grupo e começa com a criação de um nome para o jornal, com data, cidade e título a partir da visuali- zação da imagem. Lembrar que dar um título é uma forma de estabelecer a síntese. O professor pede que leiam a imagem e, em 1 minuto, escrevam a primeira ideia que tiveram no espaço 1. Logo após, dá 2 minutos para o espaço 2; 2 minutos para o espaço 3 e 3 minutos para o espaço 4. Acontecerá que, a partir da segunda ideia, o aluno vai abs- traindo a imagem. Tanto na primeira quanto na segunda ideia, a tendência será descrever a imagem. Após, em duplas, os alunos escrevem um minitexto para ser entregue, mas que empregue as oito ideias, ou seja, um texto cooperativo.

JORNAL: ______Cidade e Data: ______Manchete:

Jornal Correio do Povo. Porto Alegre, 26/01/2011

77 Oficinas pedagógicas de Geografia

Oficina 3: Viajando pela América do Sul

Objetivo: Conhecer as diferentes paisagens da América do Sul. Analisar o processo de ocupação do espaço sul-americano. Material: Filme “Diários de Motocicleta” (RIVERA, 2004); 2 folhas de papel cartaz; Canetas coloridas, lápis de cor, cópias do roteiro para os alunos. Dinâmica: Esta oficina visa, com o emprego do filme “Diários de Motocicleta” – Motorcycle diaries (RIVERA, 2004) – conhecer diferentes paisagens da América do Sul, assim como abranger temas como localização, orientação e organização es- pacial. Para este fim, o filme não será exibido integralmente, mas deve ser assistido pelo professor, que selecionará as cenas mais importantes para o seu objetivo, a fim de que a atividade não se torne enfadonha, devido à duração do filme todo. Algumas vezes, o uso de vídeos em sala de aula pode ser mal interpretado por haver o costume de utilizá-los como substi- tuto da aula em si. O filme, no ensino de Geografia, não pode ser usado como mero passatempo ou ilustração de paisagens, mas como instrumento que provoque questionamentos e os (re)construa. Todo filme deve ser contextualizado pelo profes- sor. Deve haver atividades antes, durante e depois do filme ser assistido. Nesse sentido, Barbosa (2008) afirma que [o] papel do filme na sala de aula é o de provocar uma situação de aprendizagem para alunos e professores. A imagem cine- matográfica precisa estar a serviço da investigação e da crítica a respeito da sociedade em que vivemos. Trata-se, portanto, de um movimento de apropriação cognitiva de relação espaço- imagem e, principalmente, da criação de sujeitos produtores de conhecimento e reconhecimento de si mesmos e do mundo. Logo, propomos que, anteriormente à atividade, o profes- sor construa um mapa mudo político da América do Sul, ou seja, somente com os limites dos países. Este servirá para que,

78 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História durante a exibição do filme, possa ser acompanhada a trajetória da viagem dos personagens principais – Ernesto – ainda não cha- mado de Che Guevara – e seu amigo Alberto. Assim, o profes- sor também poderá providenciar mapas menores no roteiro dos alunos para que também a acompanhem individualmente. O referido filme mostra paisagens da Argentina, Chile, Peru e Venezuela. Porém, é necessário perceber quais paisagens serão selecionadas para o trabalho em Geografia. Além da possibili- dade de trabalho com aspectos naturais, como o relevo e o cli- ma, há a demonstração do modo de vida da população. Assim, exemplificamos aqui, como sugestões, alguns temas que podem ser abordados conforme cenas apresentadas no filme:

Cena I - Em Buenos Aires, Argentina, os dois personagens principais descrevem em um mapa o trajeto a ser percorrido durante a viagem Descrição: Os personagens planejam sua viagem traçando em um mapa da América do Sul o seu trajeto: sair de Buenos Aires em direção ao Sul, até a Patagônia e o Chile, seguir ao Norte a 6 mil metros de altitude pela Cordilheira dos Andes até Machu Picchu, no Peru. Após irão até San Pablo, na Amazônia peruana, e o destino final é a penínsu- la de Guajira, na Venezuela. Abordagem: Localização e orientação Nesta cena é possível imaginar o trajeto percorrido no fil- me, pois há a demonstração do mapa de viagem dos dois perso- nagens principais.

Cena II - Estância da namorada de Ernesto em Miramar, Ar- gentina Descrição: Na estadia dos personagens na fazenda há a partici- pação em um jantar familiar, que demonstra costumes da abastada clas- se pastoril argentina.

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Abordagem: Latifúndio no Pampa Argentino A partir da paisagem do Pampa Argentino, é possível ques- tionar se há diferenças da época em que o contexto do filme está apresentado (década de 1950) e atualmente. Obviamente esta proposta exigirá do professor uma pesquisa anterior.

Cena III - Chegada a Valparaíso, Chile Descrição: Ao chegar à cidade, Ernesto, ao observar a paisa- gem, recita o seguinte trecho de Pablo Neruda sobre a cidade: “tudo que guardas, tudo que irradias, namorada do oceano, até longe do teu lindo Sol”. Abordagem: Urbanização em um relevo acidentado Podemos problematizar, através da paisagem, o modo de ocupação do solo e como este se desenvolve em países que apre- sentam semelhanças ou diferenças da realidade brasileira conhe- cida pelos alunos.

Cena IV - Mina de Chuquicamata, Chile, e a cidade de Cuzco, Peru Descrição: Os personagens presenciam na Mina de Chuquica- mata, Chile, a exploração de trabalhadores e Ernesto se indigna com a situação. Na cidade de Cuzco, Peru, observam a adaptação da popula- ção ao ambiente de alta altitude e a narrativa da população mais humil- de sobre a perda do direito ao trabalho na agricultura e o de falar a língua indígena, quíchua. Abordagem: Costumes de peruanos de origem indígena As diferentes formas de divisão do trabalho na América do Sul podem ser conhecidas e problematizadas ao questionar- mos as desigualdades demonstradas entre os que possuem o di- reito à terra e os meios de produção e a população de origem indígena excluída.

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Cena V - Colônia de leprosos em San Pablo, Peru Descrição: Ernesto e Alberto, após percorrerem o rio Amazo- nas, chegam à colônia para tratamento de leprosos em San Pablo, onde moram pessoas oriundas de diversos lugares da América do Sul excluí- das da sociedade. Abordagem: Exclusão e paisagem Os aspectos sociais, como a exclusão de determinados gru- pos da sociedade, e naturais, como a imensidão do Rio Amazo- nas, podem ser contextualizados com esta cena.

Cena VI - Discurso de Ernesto na comunidade de San Pablo Descrição: Durante sua festa de aniversário, Ernesto, em seu discurso de agradecimento, argumenta que “[...] a divisão da América em nacionalidades vagas e ilusórias é totalmente fictícia. Constituímos uma única raça mestiça do México até o Estreito de Magalhães”, e após brinda à América unida. Abordagem: A América é um só povo? A partir do discurso do personagem principal, é possível propor a questão: “A América é um só povo?” e contextualizar abordagens como as semelhanças e diferenças presentes na po- pulação da América do Sul.

Roteiro para os alunos O filme “Diários de motocicleta”, do diretor brasileiro Wal- ter Salles, foi lançado em 2004 e tem como personagens prin- cipais Ernesto Guevara (Gael García Bernal), jovem estu- dante de Medicina, e seu amigo bioquímico Alberto Grana- do (Rodrigo de La Serna), que, em 1952, decidem realizar uma viagem de motocicleta pela América do Sul. A viagem começa em Buenos Aires, segue à Patagônia, vai em direção ao norte do Chile, Peru e Venezuela. Decorridos oito meses

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de viagem, não há mais condições de usar a velha motocicle- ta e então, com caronas e caminhadas, conhecem diversos países, suas paisagens e populações, o que desperta neles um sentimento de indignação com a desigualdade social presen- te. Este período demonstrado pelo filme acredita-se ter influ- enciado diretamente na formação de Ernesto, que, na déca- da de 1960, lutou na conhecida Revolução Cubana, tornan- do-se conhecido como Ernesto “Che” Guevara.

01. No mapa mudo político da América do Sul, crie uma legenda, numerando os países visitados pelos personagens no decorrer de sua viagem. 02. Ordene, numerando as frases de acordo com a sequência em que são mencionadas durante o filme: “Por fim chega- mos ao coração da América: Cuzco.” [...] [...] “A rota: de Buenos Aires até a Patagônia e depois até o Chile. Depois para o Norte até 6.000 m pela Cordilheira dos Andes até Machu Picchu. Destino final: a península de Gua- jira, na Venezuela, no extremo Norte do continente” “[...] que a divisão da América em nacionalidades incertas e ilusórias é completamente fictícia. Constituímos uma só raça mestiça, desde o México até o Estreito de Magalhães” [...] [...] “O Amazonas divide a colônia em duas. Na zona sul é onde estão meus pacientes. Aqui no norte estão os funcioná- rios, os médicos e as enfermeiras.” 03. Problematizações a) A paisagem predominante na cidade de Valparaíso, no Chile, é semelhante a quais paisagens no Brasil? Por quê? b) Qual é a diferença que há nas formas de trabalhar entre as pessoas que moravam em Miramar, Argentina, as que esta- vam na mina de Chuquicamata, no Chile, e as da cidade de Cuzco, no Peru?

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c) Por que as pessoas moravam na Colônia de San Pablo? Você conviveria com aquelas pessoas, como o personagem Ernesto ou não? Por quê? d) Você concorda que não existam nacionalidades na Amé- rica do Sul e que somos um só povo mestiço, como o discur- so de Ernesto no filme? Por quê? e) Construa, assim como Ernesto, o seu discurso de encerra- mento desta viagem pela América do Sul relatando os aspec- tos comuns que percebeu durante o filme. Inicialmente, liste cinco palavras que você considera indispensáveis na constru- ção textual.

Durante a exibição do filme, o professor interromperá a sequência para que possa chamar a atenção dos alunos para o país que está sendo foco da imagem no momento e marcará, no mapa mudo da América do Sul exposto para os alunos, o local. Simultaneamente, os alunos marcam em seu mapa mudo o país e constroem uma legenda para esta composição que irá se for- mando, como está no roteiro. Após o filme, podem ser trabalha- das as demais atividades.

Roteiro para o professor: – Assistir e editar o filme para que facilite o trabalho de de- monstração das cenas de maneira lógica; – Construir um mapa mudo com os papéis e cartazes de modo que possa ser visível ao grupo de alunos durante a exibição do filme; – Providenciar as necessárias adaptações do roteiro, assim como cópias para uso individual pelo aluno.

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Características: Na aula anterior à exibição do filme, po- dem ser trabalhadas algumas características dos países que serão mostrados no filme para que haja uma compreensão dos aspec- tos destacados pelo professor. Este trabalho pode ser feito atra- vés do estudo de características econômicas, com dados estatísti- cos ou naturais, e empregando imagens. Embora aspectos da América do Sul possam ser trabalhados em diferentes séries, é necessária uma adaptação quanto à complexidade dos temas e questionamentos que são possíveis com o filme. Interdisciplinaridade: Essa atividade poderá ser trabalha- da com outras disciplinas escolares, como: – Educação Artística: produção de desenhos e confecção de maquetes. – Língua Portuguesa: produção e interpretação de textos que envolvam o tema América Latina. – História: abordagem do processo histórico de configura- ção das diferentes origens da população da América do Sul e formação dos Estados. – Ciências Sociais: a formação da identidade latino-ame- ricana. Reflexão: Com a infinidade de temas que podem ser abor- dados através deste filme, cabe ao professor direcionar seu pla- nejamento para que não ocorram uma dispersão e acúmulo de informações. O aluno, ao assistir um filme, tende a fazer isto como recreação; logo, é nossa tarefa transformá-lo em recurso didático e desafiar o aluno a (re)construir conhecimento.

Oficina 4: Limites e Fronteiras

Objetivo: Construir os conceitos de limite e fronteira es- pacial. Analisar a (des) ordenação espacial provocada pelo pro- cesso capitalista na formação urbana.

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Material: Episódio “A coroa do imperador” da série “Ci- dade dos homens”, dirigido por Paulo Morelli; lápis preto, bor- racha, lápis de cor, mapa político do Brasil. Dinâmica: Para que haja o esclarecimento do objetivo do trabalho com vídeos em sala de aula, é necessário que estes te- nham um tema estruturador. No caso desta atividade, o tema será as divisões político-administrativas, os conceitos de frontei- ra e limite, com o intuito de que possibilite uma iniciação à no- ção da representação – o mapa. No entanto, devemos contextualizar o que são fronteiras diante das redes que surgiram com a globalização, pois somente mapas políticos não abrangem a complexidade da iconografia dos Estados e, consequentemente, o entendimento da mundiali- zação. Conforme Castro (2005), este é um novo olhar que a geo- grafia política deve relacionar com os [...] novos marcos institucionais estão sendo gestados no con- fronto contemporâneo entre as forças de circulação – do capital e das informações – e as da iconografia – os Estados, os nacio- nalismos, os regionalismos, as identidades do todo tipo, inclu- sive étnicas e religiosas, para a reconfiguração do espaço (CAS- TRO, 2005, p. 227). Em sala de aula, é pertinente enfatizarmos a flexibilidade do conceito de fronteira concreta e relativa, já que o próprio epi- sódio que será trabalhado abrange estas novas leituras que recri- am fronteiras e configuram este novo espaço geográfico. Para a posterior interpretação de mapas, os alunos necessitam compre- ender que este é um instrumento que possibilita o entendimento de múltiplas relações. No episódio, o personagem Laranjinha precisa ultrapas- sar o limite da fronteira, chamada “Bósnia”, formada pelo tráfi- co na favela onde mora no Rio de Janeiro. O local é controlado por dois grupos: os chefiados pelo Bebê comandam da subida do morro com “asfalto” até a faixa de mata, e os chefiados por

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Mocotó desta faixa até o topo do morro. Estas são fronteiras não delimitadas pelo Estado, mas construídas pelo modo de vida da comunidade que ali convive, possibilitando uma rica análise ge- ográfica. Sabemos que as cidades possuem diferentes limites e fronteiras, que se organizam a partir de tensões e ordenações, em que o poder de grupos se faz presente. Assim, propomos um roteiro para a leitura do vídeo, que pensamos facilitar o processo de construção do conhecimento:

Roteiro para o professor – Inicialmente, o professor questiona: “Onde você mora?” Embora a tendência seja surgirem respostas como “na mi- nha casa”, alguns dirão o nome da sua rua, outros o nome da cidade, outros o país. Cabe ao professor trabalhar com as diferentes escalas de análise. – A seguir, expor um mapa político do Brasil e, novamente, questionar: “Onde você mora?” Logo, o professor contextu- aliza com os alunos que pertencemos concomitantemente ao país Brasil, ao estado do Rio Grande do Sul, ao municí- pio de Porto Alegre, etc. e que, embora possuam denomina- ções diferentes, indicam o mesmo local de referência utiliza- do no exemplo. – O próximo passo é assistir ao vídeo “A coroa do impera- dor” da série “Cidade dos homens”. O professor faz uma breve introdução ao episódio que retrata a situação de uma favela no estado do Rio de Janeiro, mas poderia ser em qual- quer cidade latino-americana. Discute o porquê da impossi- bilidade dos personagens ultrapassarem uma fronteira cria- da pelo tráfico de drogas existente e que provoca o drama que move o enredo da estória.

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Na etapa seguinte, propomos que seja trabalhado um ro- teiro em que, além das problematizações, a partir de cada defini- ção das divisões político-administrativas do país, os alunos dese- nhem livremente, conforme o seu conhecimento do lugar. As definições a partir do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís- tica – IBGE serão as de Município, Área Urbana, Área Rural, Cidade, Bairro, Vila, esta última, muitas vezes, sinônimo de fa- vela, como a que foi apresentada no vídeo.

Roteiro para os alunos O episódio “A coroa do imperador” da série “Cidade dos homens” (2002) demonstra a dificuldade de Laranjinha (Dar- lan Cunha), após emprestar dinheiro para seu amigo Acero- la (Douglas Silva), para recuperar o dinheiro com os trafi- cantes e comprar o remédio da sua avó. A maior dificuldade será atravessar a “Bósnia”, fronteira do tráfico existente na favela onde residem. Na escola, Acerola consegue recons- truir, a partir desta situação, o conteúdo que tratava das guer- ras napoleônicas em suas aulas. A série “Cidade dos homens” foi gravada em sua maior parte nas favelas da Rocinha, Santa Marta e Morro do Cha- péu Mangueira, no Rio de Janeiro. Seu objetivo é mostrar a realidade de dois adolescentes em uma comunidade caren- te influenciada pelo tráfico de drogas.

01. Problematizações – Para levar o remédio para sua avó, Laranjinha teria que atravessar qual limite? – Por que há limites no espaço geográfico? – Como são cha- madas as áreas que se formaram pela divisão da favela onde Laranjinha reside? – No seu bairro há limites? Cite dois exemplos.

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02. Após ler as definições, faça um desenho que identifi- que cada uma individualmente Municípios: São as unidades de menor hierarquia dentro da organização político-administrativa do Brasil, criadas atra- vés de leis ordinárias das Assembleias Legislativas de cada Unidade da Federação e sancionadas pelo governador. No caso dos territórios, a criação dos municípios se dá através de lei da Presidência da República. Área Urbana: Área interna ao perímetro urbano de uma ci- dade ou vila, definida por lei municipal. Área Rural: Área de um município externa ao perímetro urbano. Cidade – Localidade com o mesmo nome do Município a que pertence (sede municipal) e onde está sediada a respecti- va prefeitura, excluídos os municípios das capitais. Vila – Localidade com o mesmo nome do Distrito a que pertence (sede distrital) e onde está sediada a autoridade dis- trital, excluídos os distritos das sedes municipais. Aldeia – Localidade habitada por indígenas.

Para que haja melhor compreensão dos fatos, o professor poderá incentivar o diálogo em sala de aula a partir das questões e anotar, com o auxílio do quadro, compilações das respostas que surgirem. Assim será (re)construído um novo entendimento de limites e fronteiras no qual os alunos serão sujeitos do proces- so e não meros assimiladores, como seria, caso fizéssemos mero repasse de informações. Características: Visando à valorização do saber dos alu- nos, estes também podem responder questões pessoais quanto à sua residência para que compreendam melhor as definições das

88 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História divisões político-administrativas, exemplificando-as com a sua localização. Também podem ser construídos mapas mentais da sua residência com os conceitos apresentados, visando à com- preensão da parte no todo. No entanto, o professor deverá traba- lhar os conceitos de limite e fronteira, de forma que ocorra com- preensão do ponto de vista geográfico. Aluno: Esta atividade pode ser adaptada pelo professor para turmas de 6a série (70 ano), pois geralmente são trabalhados os conceitos de rural e urbano e as características que os limi- tam. No entanto, para faixas etárias maiores, por exemplo, o roteiro abordará o conceito de globalização de forma mais dire- ta. A partir disso pode se questionar o sentido de fronteira quan- do consideramos a atualidade nas relações mundiais. Interdisciplinaridade: Essa atividade poderá ser trabalha- da com outras disciplinas escolares, como: – Educação Artística: produção dos desenhos. – Educação Física: atividades que, através da corporeida- de trabalhem a compreensão da parte no todo e vice-versa. – Língua Portuguesa: produção e interpretação de textos que exemplifiquem denominações de cidades, por exemplo. – Ciências Sociais: a identidade e a relação com o lugar além dos limites políticos. Reflexão: Ao utilizarmos o filme como parte da ativi- dade, procuramos uma aproximação com o conceito em ques- tão. No entanto, constatamos que a abrangência da vivência dos alunos poderá influenciar no momento dos desenhos, pois muitos não conseguem definir em seus traços a diferença en- tre rural e urbano. Estamos em uma sociedade que prioriza a imagem, mas, mesmo assim, as imagens não são trabalhadas no sentido da percepção. Assim, por mais que um aluno do meio urbano já tenha visto uma paisagem rural, mesmo não

89 Oficinas pedagógicas de Geografia presencial, não consegue fazer referência a esta em sala de aula, o que desafia o professor a procurar novos caminhos para esta reconstrução. Material: Folha A4, lápis preto e borracha. Dinâmica I: A organização do espaço de um estabeleci- mento econômico. Planeje com os alunos uma visita a um esta- belecimento econômico: um sítio, uma fábrica, uma loja comer- cial, uma farmácia. Lá, os alunos deverão fazer anotações, que depois da visita possibilitem desenhar o local com a disposição espacial. O local escolhido para fazer o desenho, neste caso, foi uma farmácia. Após fazer o esquema ou a planta, os alunos podem fazer algumas constatações, como estas: 1.1. os produtos supérfluos estão colocados ao longo dos corredores de passagem obrigatória; 1.2. a música contribui para criar uma clima agradável, favorecendo o consumo. O objetivo da visita a uma unidade de produção é mos- trar aos alunos as etapas de produção de alguma coisa – seja um produto industrial ou agrícola. Ao mesmo tempo, os alu- nos percebem a divisão técnica e social do trabalho; a organi- zação social da produção; o raio de influência daquela indús- tria; o lugar de onde vêm os trabalhadores, para chegar até o local de trabalho; qual a matéria-prima da indústria e quais os produtos que dela saem. Dinâmica II: Organização do espaço de uma rua, bairro ou localidade próxima. Trabalharemos o espaço de uma rua. Primeiro converse informalmente com seus alunos, fazendo per- guntas que revelem o conhecimento e as referências que eles têm sobre a rua em que moram: – Onde você mora?

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– Quais as ruas próximas à sua casa? – O que existe nessas ruas? Segundo, distribua tiras de cartolina para os alunos escre- verem os nomes das ruas próximas à sua residência. Peça para que eles montem com as tiras os arredores da rua em que mo- ram. O mesmo procedimento pode ser usado para estudar os arredores da rua da escola. Dinâmica III: O uso do solo em uma rua próxima à esco- la. Primeiro planeje com os alunos o levantamento do uso do solo de uma rua próxima à escola. Os alunos podem escolher essa rua. Antes da “excursão”, convide sua turma a criar símbo- los para distinguir os diferentes locais que serão observados e depois desenhados. Esses símbolos podem ser, por exemplo, co- res diferentes. Veja:

Casas de moradia Vermelha

Edifício residencial Amarela

Loja de comércio Preta

Loja de serviços Roxo

Será preciso que conversem antes sobre esses diferentes lugares, para terem uma classificação própria, mostrando que entendem os conceitos de comércio e serviços, e que inclusive separam os diferentes tipos de comércio e serviços. Segundo, leve os alunos a campo, cada um com uma folha de papel em que está traçado somente o eixo principal. Os alunos observam e re- gistram na folha os diferentes locais observados. No terceiro momento, distribua para a turma uma cópia da planta cadastral dos arredores da rua escolhida, cuja escala

91 Oficinas pedagógicas de Geografia será de 1:5000 ou 1:1000. Os alunos, em grupos, comparam os levantamentos individuais com a planta e depois transpõem para ela o resultado de suas anotações, usando o código previamente convencionado. Características: A leitura da organização do espaço deve ser iniciada pelos espaços conhecidos dos alunos. O conteúdo da organização espacial é a própria sociedade. A análise da or- ganização do espaço revela como a sociedade o divide e como os grupos sociais se apropriam dele. A organização do espaço deve ser pensada individualmente e coletivamente.

Oficina 5: Caça ao Tesouro

Material: Folhas A4, lápis e borracha. Dinâmica: Esta atividade é para os alunos, juntamente com o professor, colocarem em prática as orientações carto- gráficas. Depois das aulas teóricas sobre orientações na sala de aula, nada mais prazeroso do que fazer uma atividade lú- dica, na qual os alunos conhecem a própria escola. Para a oficina “Caça ao Tesouro” (utilizando como exemplo o “te- souro”, a biblioteca), começaremos por dividir a turma em pequenos grupos de três a quatro alunos. Para cada grupo distribui-se uma ficha com orientações. Nestas orientações consta qual grupo deve “fabricar” (conforme figura) ou sim- plesmente desenhar numa folha uma rosa dos ventos, para servir de guia na atividade de “Caça ao Tesouro”. Partindo da ideia de que os alunos conheçam a escola, pode-se, ainda, pedir para que eles esbocem um mapa do trajeto percorrido através da atividade. Também há a possibilidade de se elaborar uma rosa dos ventos, feita de papel, que poderá ser construída em conjunto com os alunos. Pode-se utilizar como material cartolina, folha

92 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História de desenho colorida, ou simplesmente os alunos podem colorir da sua maneira. Os alunos, tendo em mãos a rosa dos ventos, e devida- mente orientados a se localizarem pelo Sol na escola, pode-se passar para o próximo passo, que são as orientações para a efeti- vação das buscas. Com as instruções em mãos, os grupos vão até o ponto de partida, que pode ser o prédio ou sala da administra- ção do colégio, como já foi citado; o ponto final vai ser a biblio- teca nesta ocasião. As instruções podem ser estas: 1.1. Caminhe da porta da administração da escola até a porta que irá conduzir à porta secundária do refeitório. Este lo- cal, com relação à porta da administração da escola, local onde estávamos, está ...... 1.2. Agora iremos até o local em que a bola faz o gol. Neste local estou na direção ...... em rela- ção ao ponto onde estava anteriormente. 1.3. Neste local saio da minha área de Educação Física, posso até jogar bola fora daqui, mas não é apropriado. Aqui es- tou ...... em relação ao ponto anterior. 1.4. Neste local fico em frente à sala que possui a maior diversidade de livros na escola. Estou ...... em relação ao ponto anterior. Pode-se elaborar mais instruções. As instruções acima são apenas exemplos. Deve-se adequá-las ao cotidiano dos alu- nos. O objetivo desta atividade é orientar o aluno dentro da sua escola através da atividade “Caça ao Tesouro”, para que com- preendam que os pontos cardeais não estão apenas no mapa, mas em todo o seu cotidiano. Com os questionamentos das instruções, fica claro para o aluno que a rosa dos ventos não é estática; precisa-se refletir, ao longo das aulas, que temos dife- rentes pontos de vista. No mapa, que foi elaborado junto com a atividade, pode-se explicar como percebemos diferentes ele-

93 Oficinas pedagógicas de Geografia mentos espaciais, que podem servir de referência futura, para a compreensão. Como já foi citado, não se deve ficar apenas com mapa para se ter referência. Características: Os alunos tendem a se apegar à rosa dos ventos como algo fixo. No entanto, os pontos cardeais compre- endem uma orientação relativa. Não há um ponto leste ou um ponto norte, e sim sentido leste ou norte, por exemplo. A bús- sola vai mostrar é o sentido. Eles acreditam que não é possível mover-se a rosa dos ventos. Nós, professores de geografia, te- mos que desconstruir esta falsa verdade. Aluno: A atividade “Caça ao Tesouro” pode ser realizada com alunos a partir do 5º ano do Ensino Fundamental, criando dificuldades maiores se a atividade for aplicada nos anos posterio- res. As orientações cartográficas podem sempre ser utilizadas, porque nunca deixa-se de trabalhar orientações em Geografia. Interdisciplinaridade: Essa atividade pode ser trabalha- da em conjunto com outras áreas do conhecimento: – Educação Física: através do deslocamento dos alunos dentro do pátio, pode-se trabalhar a lateralidade. Reflexão: Os questionamentos feitos nas instruções da ati- vidade vão fazer com que os alunos raciocinem, e não apenas decorem, como, por exemplo, “O Sol nasce no leste”. É uma forma de aprenderem que o espaço se modifica. Com simples oficinas usando apenas papel A4, lápis e borracha, podemos ter a compreensão do espaço em que vivemos.

Oficina 6: Moradias de Risco

Material: Vídeos com conteúdos relacionados a moradias de risco, que se podem conseguir a partir de sites especializados de fácil acesso, uma televisão e aparelho de DVD. Caso não se consi-

94 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História gam vídeos, podem ser imagens e/ou reportagens recortadas de jornais ou revistas. Um aparelho, para execução das músicas, com letras relacionadas à temática. Lápis preto e borracha. Dinâmica: A oficina “Moradias de Risco” deve estar re- lacionada ao trabalho com relevo, hidrografia e custo elevado da terra em áreas urbanas. Nesta proposta, temos primeiro a exibi- ção do vídeo explicando os fenômenos que ali acontecem, como, por exemplo, os deslizamentos de terra, aumento do nível dos rios, custo elevado da terra. Depois da exibição do vídeo, passa- mos para os questionamentos, que podem ser os propostos a se- guir, pois o tema é infinitamente rico em questões. No Brasil há uma grande parcela da população que mora nestas situações de risco, que, sempre nos meses chuvosos, lotam os noticiários e afins, com pessoas sendo atingidas por esta situação. Os vídeos podem ser encontrados no YouTube, que tratam sobre as áreas de risco, as enchentes e o trabalho da água. 1.5. O que mais chamou a sua atenção nos vídeos, ima- gens e/ou reportagens expostas? Por que tal situação acontece? 1.6. Você conhece algum lugar na sua cidade em que ocor- rem situações mostradas no vídeo? Ou não? Onde? Quais situa- ções ocorrem? 1.7. O que poderia ser feito para que as situações (moradi- as precárias, lixo em lugares impróprios, risco de desabamentos, alagamentos, etc.) mostradas na exposição não ocorressem? 1.8. Colocar-se na posição de um administrador de uma cidade: o que você proporia como política pública para ameni- zar ou evitar tal situação?

Após escutar a música/letra da Saudosa Maloca, peça que os alunos façam um desenho que retrate a letra. Eles po- derão desenhar enquanto escutam a letra pela segunda vez. Solicite que digam o que entendem por: – Por que “ardificio arto”?

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– Você concorda ou não que “Deus dá o frio conforme o cobertô”? – Por quê ???? Demolido, o autor fala em “saudosa malo- ca”? Após esta atividade, dê ao aluno um mapa de Porto Ale- gre ou de uma cidade onde esteja localizada uma favela. Forne- ça outro mapa hipsométrico (de relevo) e faça-o relacionar as áreas de favelas com as irregularidades do relevo. Pergunte: para esta área, o que poderia ser mais viável propor em termos de ocupação? Discuta com os alunos a relação proposta com a 2ª música, “Preserve” (Ultramen). Leia a afirmação e após res- ponda: “Se conservarmos a natureza em área de declividade diminuiremos as áreas de risco, assim como evitaremos ocupar áreas próximas a rios e riachos.” – Onde viverão as pessoas de baixa renda? Construa um plano para que todos possam ter acesso à moradia.

Música: Saudosa Maloca Composição: Adoniram Barbosa

Se senhor não tá lembrado Dá licença de contar Ali onde agora está Este “adifício arto” Era uma casa “veia”, palacete assobrado Foi aqui, seu moço Que eu, Mato Grosso e o Joca Construímos nossa “maloca” Mas um dia “nóis” nem pode se “alembrá” Veio os “hôme” com as ferramenta E dono “mandô derrubá” Peguemos todas nossas coisa

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E fumos pro meio da rua “Apreciá” a demolição Que tristeza que “nóis” sentia Cada tábua que caía Doía no coração Matogrosso quis gritar Mas em cima eu falei Os “hôme tá ca” razão “nóis arranja” outro lugar Só “se conformemo” Quando o Joca falou Deus dá o frio conforme o “cobertô” E hoje “nós pega” a paia Nas grama do jardim E pra esquecer “nóis cantemos” assim: Saudosa maloca, maloca querida Dim dim “donde nóis passemo” os dias feliz da nossa vida Saudosa maloca, maloca querida Dim dim “donde nóis passemo” os dias feliz da nossa vida

Música: Preserve Ultramen

Preserve esse sorriso, esse brilho, esse olhar Preserve o que eu digo, pois não falo por falar Preserve esse abraço, esse abraço carinhoso Do jeito que eu acho, pode ser maravilhoso Preserve tudo isso, tudo isso e mais um pouco E também tudo aquilo que matar esse sufoco Preserve esse aperto de mão, meu amigo, meu irmão E se um irmão por mim perguntar, diga que eu vou estar Pelo céu ou pelo mar

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Vou por aí a procurar Pelo céu ou pelo mar Vou por aí a te encontrar Preserve os nossos rios, nosso verde, nosso ar E também tudo aquilo que tiver que preservar Preserve o que é mato nesse mundo grandioso Pois muito em breve, eu acho, poderá ser valioso Conserve tudo, bicho, todo reino animal Só não conserve o lixo, pátria multinacional Preserve esse aperto de mão, meu cumpadre, meu irmão E se um irmão por mim perguntar, pode ser que eu possa estar Pelo céu ou pelo mar Vou por aí a procurar Pelo céu ou pelo mar Vou por aí a te encontrar

Características: Quando se aborda o tema relevo, hidro- grafia, deve-se também considerar a importância do custo tão elevado das moradias. Quais são as consequências a que isso leva, como, por exemplo, as moradias de baixo nível estarem justamente nos lugares impróprios para moradia, por custarem menos. Aluno: A atividade “Moradias de Risco” pode ser reali- zada com alunos a partir do 6º ano do Ensino Fundamental. Ao mesmo tempo, pode ser realizada com crianças de qualquer ida- de, pois o tema está na atualidade, em revistas, em jornais, ou até mesmo na vivência dos alunos. Interdisciplinaridade: Essa atividade pode ser encaminha- da em conjunto com outras áreas do conhecimento: – Ciências Biológicas: através da biodiversidade. Reflexão: A oficina “Moradias de risco” foi realizada em uma escola pública de Porto Alegre da rede estadual do Rio

98 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Grande do Sul. Em sua maioria, os alunos identificaram que nos locais onde moram encontram-se muitas destas residências precárias. O vídeo proposto nesta atividade foi feito no mesmo bairro. Além das questões propostas pelos bolsistas, os alunos, cada um à sua maneira, também propuseram seus questiona- mentos. Tivemos, desta forma, uma discussão proveitosa, para os dois lados, professor e alunos.

Música: Saudosa Maloca Autor: Adoniran Barbosa Ano: 1955

Música: Preserve Autor: Ultramen Ano: 2002 Gravadora: Rockit

Referências bibliográficas

BARBOSA, Jorge Luís. Geografia e cinema: em busca de aproxima- ções e do inesperado. In: CARLOS, Ana Fani (org.). A geografia na sala de aula. 8. ed. São Paulo: Contexto, 2008. BASSO, L. A. ; FUJIMOTO, N. S. V. M. ; PINHEIRO, E. S. Moradias em áreas de risco. Porto Alegre: Programa especial de Treinamento (PET)-UFRGS, 1999 (Vídeo Didático). CASTRO, Iná Elias de. Geografia e Política: território, escalas de ação e instituições. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. CASTROGIOVANNI, Antônio Carlos (org.). Ensino da Geografia: prá- ticas e textualizações no Cotidiano. Porto Alegre: Mediação, 2000. ______. (org.). Ensino da Geografia: práticas e textualizações no cotidia- no. 9. ed. Porto Alegre: Mediação, 2009.

99 Oficinas pedagógicas de Geografia

CHARLONE, César; FURTADO, Jorge. Cidade dos homens: A coroa do imperador. [Série – vídeo]. Produção 02 filmes. Direção de César Char- lone e , Rio de Janeiro, 2002. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Elementos de representação. Disponível em: http:// www.ibge.gov.br/home/geociencias/cartografia/manual_nocoes/ elementos_representacao.html GEOGRAFIA PARA TODOS. Mapa mudo da América do Sul. Dispo- nível em: http://www.geografiaparatodos.com.br/ index.php?pag=mapasm. Acesso em: 07/04/2011. REGO, Nelson; CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos; KAERCHER, Nestor (orgs.). Geografia: práticas pedagógicas para o ensino médio: volume II. Porto Alegre: Artmed, 2011. RIVERA, José. The motorcycle diaries. [Filme – vídeo]. Produção de Michael Nozik, Edgard Tenenbaum e Karen Tenkhoff, direção de Wal- ter Salles. Buena Vista International, 2004. SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1988.

100 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Seção III

História

PIBID-História: enlaces possíveis entre universidade e escola através dos saberes construídos no ensino de História

Carla Beatriz Meinerz13 Carmem Zeli de Vargas Gil13 Fernando Seffner13 Nilton Mullet Pereira13

O direito à história, aqui reivindicado para todos, significa que o pra- zer desse campo de conhecimento pode vir a se generalizar. A alegria que muitos sentem diante dessa ampliação do público apreciador de história pode ter por contrapartida o receio de outros tantos: que fazer quando o prazer da história estiver ao alcance de todos? Quem pretende monopolizar os significados da história, seus fins, co- meços e caminhos, ficará sempre preso a esse medo ou nem sequer ad- mitirá pensar naquela possibilidade. Só uma relação de liberdade com a história, aberta a seus desafios, riscos e indeterminações, possibilita participar da festa pelo acesso de todos ao seu prazer (SILVA, s.d., p. 84).

13 Professores da Faculdade de Educação/UFRGS, na área de didática e ensino de História, atuantes no PIBID/Ciências Sócio-Históricas.

101 MEINERZ, C. A. et al. • PIBID-História: enlaces possíveis entre universidade e escola

Ao falarmos em ensino de História tratamos do desejo de partilhar saberes socialmente relevantes e lidamos com questões que fazem parte das nossas paixões cotidianas. Por isso, quere- mos possibilitar o acesso de tantos quantos quiserem e puderem aos caminhos da construção do conhecimento histórico. Concordamos que os saberes escolares e os conhecimen- tos acadêmicos são diferenciados entre si, porém indissociáveis. Romper com a dicotomia historicamente instituída entre esses dois campos, diretamente relacionada à hierarquização de sabe- res socialmente constituídos como superiores, é tarefa que exige posturas capazes de enlaçar questões pedagógicas, políticas e epistemológicas. Quando professores e estudantes do curso de licenciatura de História decidem participar de um Programa como o PIBID, assumem o desafio de construir novos laços que podem enredar seus saberes com aqueles produzidos por docentes e discentes da Escola Básica. Nesse enlace, constroem-se outros currículos de História, aqui entendidos como expressão de modos de agir e de pensar o conhecimento. As referências do licenciando estão alicerçadas nas suas próprias vivências dentro e fora da escola e da universidade, con- dicionantes de suas trajetórias enquanto professor em formação. Nem sempre é processo fácil mirar-se como educador, enfrentar na prática o desafio de superar as experiências pedagógicas criti- cadas e os saberes históricos problematizados, ou ainda assumir- se como autoridade adulta diante de crianças e jovens envoltos em suas próprias questões de vida e de saber. O contato com a complexidade da cultura escolar trans- forma a vida de qualquer um e tem um impacto profundo na experiência do sujeito comprometido com a busca do conheci- mento. Nossa experiência com o ensino de História, em pesqui- sas, assessorias e orientações de estágios, tende a propor afirma-

102 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

ções no sentido de que a tendência do dia a dia do professor é a aula basicamente expositiva, o uso da cópia como ação prioritá- ria, a incorporação do livro didático como única fonte de infor- mação, a reprodução das frases de incompreensão sobre a indis- ciplina e o desinteresse dos jovens alunos. São cenas que nos questionam diariamente. Todavia, estamos convencidos de que somente o cotidiano escolar, entendido como espaço social, his- tórico, antropológico e pensado como local de trabalho coletivo e criativo, com experiências qualificadas e significativas, pode animar e reforçar a opção pela profissão. Nessa seção sobre as experiências do ensino de História no PIBID, o leitor encontrará relatos e reflexões nessa perspecti- va. A construção de um currículo de História animado pela cri- atividade e pela parceria, pelo reconhecimento de que o saber escolar instiga o saber acadêmico e vice-versa. Os enlaces cons- truídos nos espaços escolares, as ações dentro e fora da sala de aula, as oficinas, a participação nas Olimpíadas de História, as iniciativas de educação patrimonial, a elaboração de blogs cons- tituem-se como exemplos das possibilidades do que chamamos de mediação didática a partir da interação entre universidade e escola. Compreendemos que os estudantes, tanto na Educação Básica como no Ensino Superior, têm consciência dos seus pro- cessos cognitivos e vitais, assim como capacidade de expressar os mesmos. As avaliações que fizemos de tais experiências no PIBID revelam aprendizagens em diversos aspectos, do proces- so de construir responsabilidades ao pensar coletivamente, per- meadas pela dinâmica da construção dos saberes teóricos e me- todológicos no campo da História. Enfim, nos apaixonamos mais ainda pela História e pelo gosto bom de partilhá-la.

103 Ensino de História e mediação didática: entrecruzando culturas no espaço escolar

Carla Beatriz Meinerz

Pensamos o ensino de História como um processo de me- diação didática que acontece no espaço escolar, território em que diversos saberes e culturas se entrecruzam diariamente, nem sem- pre se encontrando ou dialogando entre si. Queremos contar da experiência do PIBID/História como uma tentativa de encon- tro, de busca, de reconhecimento de diversidades no campo da história e da educação. Utilizamos o termo “mediação didática” a partir dos apor- tes propostos por Lopes (1997), pois compreendemos nele um reconhecimento do saber escolar como um outro saber, em nada menor do que aquele produzido pelo saber científico, tampouco melhor do que o que se constitui como saber popular. Esse deba- te está conectado com um entendimento do conceito de cultura que concebe diferentes maneiras de agir e de pensar presentes na dinâmica das relações sociais, evitando classificações valorati- vas e buscando olhares atentos e abertos à diversidade. Propõe mais do que transpor conhecimentos de um espaço acadêmico para um espaço escolar; ao contrário, intenta a possibilidade da construção de fluxos e trocas, fronteiras que se desconstroem, saberes que se problematizam num processo de qualificação co- letiva. Lopes (1997) utiliza o termo “mediação didática” como “um processo de constituição de uma realidade através de

104 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História mediações contraditórias, de relações complexas, não imedia- tas, com um profundo senso de dialogia” (1996, p. 106). O diálo- go entre diferentes saberes é uma característica fundamental da prática docente e torna o professor um autor de sua própria tra- jetória, um construtor de conhecimentos diferenciados. Os professores de História, atuantes ou em formação, es- tabelecem relações com os saberes que ensinam, na medida em que dominam e produzem conhecimentos, em diferentes gradu- ações de autonomia e imbricados no contexto dos limites e pos- sibilidades da cultura escolar que integram. Isso torna o ensino de História um desafio possível e prazeroso. As iniciativas de bolsistas e professores de História envolvidos no PIBID devem ser entendidas na perspectiva da busca de inovação, no entendi- mento de que o saber escolar tem um estatuto próprio. Quando falamos em saber escolar, propomos, baseados em Monteiro (2007), uma categoria que [...] designa um conhecimento com configuração cognitiva pró- pria, relacionado mas diferente do saber científico de referên- cia, e que é criado a partir das necessidades e injunções do processo educativo, envolvendo questões relativas à transposi- ção didática e às mediações entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano, bem como às dimensões histórica e sociocultural numa perspectiva pluralista (2007, p. 14). A cultura escolar constitui-se da organização dos tempos e espaços praticados pela comunidade que a incorpora. Alunos, professores, funcionários e pais vivem as exigências de rituais com horários, conteúdos e regramentos consolidados. Ao mes- mo tempo local de trabalho para uns e obrigação de estudo para outros, a escola também é espaço de socialização para tantos. Viver seu cotidiano e pensá-la criticamente é saudável, assim como pensar o conhecimento histórico nas especificidades desse contexto é fundamental. As especificidades do ensino de Histó- ria são muitas. Lidamos com conhecimentos que, por vezes, são

105 MEINERZ, C. A. • Ensino de História e mediação didática partilhados no imaginário social; portanto, as representações que construímos na escola se confrontam com outras trazidas pelos jovens alunos, advindas de suas experiências religiosas e políti- cas, por exemplo, e fortemente marcadas pela oferta das temáti- cas humanas na mídia ou na internet. Trazer um conhecimento que faça diferença, que problematize sem desrespeitar é desafio nosso. Ao mesmo tempo, trabalhamos com conceitos abstratos, polissêmicos, complexos, em geral pouco conectados com os anseios do tempo presente ou do imediatismo próprio das novas gerações. O ofício do historiador é, de alguma forma, debruçar-se sobre os vestígios de tempos idos, retirando-lhes elementos para reconstruir e reorganizar o passado em narrativas de fatos ou processos sobre homens e mulheres em ação ao longo dos tem- pos. Saber uma sequência de fatos não é pensar a história, po- rém, ao tratarmos os fatos do passado a partir de diferentes fon- tes, podemos transformá-los em “n” novos objetos de conheci- mento. Há um movimento crescente no sentido de repensar o en- sino de História no Brasil. Nossas ações no PIBID se somam a esse esforço, discutindo o papel do conhecimento histórico na escola básica, que pode ser: [...] fazer com que o aluno produza uma reflexão de natureza histórica; para que pratique um exercício de reflexão, que o encaminhe para outras reflexões, de natureza semelhante, em sua vida e não necessariamente só na escola; pois a his- tória produz um conhecimento que nenhuma outra discipli- na produz – e ele nos parece fundamental para a vida do homem, indivíduo eminentemente histórico (CABRINI et al., 1986, p. 23). Vivemos, assim, possibilidades de mediação didática no ensino de História a partir das teorias e metodologias próprias desse conhecimento.

106 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Estabelecendo parcerias, evitando colisões, somando saberes

Fernando Seffner

Inserir por um período prolongado (dois anos) alunos da licenciatura em História no funcionamento regular e cotidiano de escolas públicas em Porto Alegre foi uma das metas do PI- BID da UFRGS. Vale refletir sobre algumas estratégias para con- cretizar esse objetivo. Em nossa experiência, estamos mais acostumados a inser- ções curtas, na forma de estágios docentes, quando o aluno fre- quenta a escola por dois a três meses, e sempre restrito ao atendi- mento a uma ou duas turmas, em contato com um ou, no máxi- mo, dois professores. Nossa reflexão sobre estas experiências de estágio nos indicou que podemos ter tanto parcerias quanto coli- sões entre os saberes da universidade (representados pela ação dos estagiários) e os saberes da docência (representados pelos costumes, práticas e valores que orientam a ação dos professores regentes). Um grande número de fatores interfere nessa equa- ção. Nosso desejo é que o período em que o estagiário atua na escola seja marcado pela soma de saberes, que tanto ele aprenda sobre o funcionamento e as urgências escolares quanto contri- bua levando ao professor reflexões e sugestões de atividades, fru- to de sua formação. Para um professor regente, atuar como tutor de um estagiário pode tanto ser uma experiência enriquecedora quanto pode ser visto como uma ameaça e resultar em frustra- ção e constrangimento.

107 SEFFNER, F. • Estabelecendo parcerias, evitando colisões, somando saberes

Vale registrar, então, algumas estratégias que desenhamos para que o convívio dos nossos bolsistas do PIBID acompanhan- do as atividades escolares pudesse resultar num somatório de saberes, onde todos saem ganhando. Primeiro, desenhamos alguns campos de atuação possí- veis para os bolsistas, levando em conta o que se poderia chamar um critério de autonomia docente, ou de distância/aproxima- ção da sala de aula. Desta forma, estabelecemos primeiro um conjunto de estratégias em que o professor regente e o bolsista não atuem de modo conjunto, mas em regime de cooperação. São elas: a) o bolsista auxiliando o professor a preparar as aulas, providenciando materiais, buscando textos, elaborando recursos didáticos, juntando portfólio de materiais, fazendo có- pias, coletando documentos, conversando com o professor, e ain- da sem entrar na sala de aula. Nesta modalidade, a aluno auxilia o professor, mas quem executa o trabalho em sala de aula é o professor sozinho; b) o bolsista atuando em momentos de auxí- lio na elaboração das atividades de sala de aula, na forma de oferta de horários para elaborar os temas e trabalhos pedidos pelo professor. Nesta modalidade, o professor regente apresenta o bolsista em sala de aula e indica horários em que ele estará na escola, no turno inverso, e poderá auxiliar os alunos a realiza- rem os temas e trabalhos pedidos, e também na preparação para as provas. Ainda nesta modalidade, professor regente e bolsista não atuam juntos; c) testamos com sucesso outra modalidade ainda no âmbito do trabalho não conjunto, em que o professor regente está na sala de aula e pode encaminhar algum aluno (no máximo três alunos) para realizar uma tarefa com o bolsista, na biblioteca ou em sala separada. Essa ação permitiu ao professor, em algumas aulas, encaminhar alunos que naquele dia estavam atrapalhando demais a aula conjunta, ou não haviam realizado alguma atividade de avaliação em aulas anteriores, e fizeram

108 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História então isso com o bolsista, no momento da aula, mas em outro ambiente à parte. Após um período, houve interesse dos professores regen- tes em promover ações conjuntas entre eles e os bolsistas. Dese- nhamos então algumas formas de docência compartilhada, em especial: a) o bolsista atua na sala de aula, na função de monitor, em especial em aulas em que estavam previstos trabalhos de gru- po, trabalhos em duplas ou realização de exercícios individuais. Desta forma, com a atuação conjunta, foi possível assessorar mais rapidamente os alunos, e em geral as atividades tiveram um desempenho considerado muito bom; b) em algumas aulas, o bolsista teve a cargo de si uma atividade específica, por exem- plo, mostrar algumas gravuras, explicar uma linha de tempo, narrar uma pequena história, e nestes momentos o professor re- gente ficou assistindo. Esta modalidade só foi realizada depois de termos conseguido estabelecer uma parceria e um regime de empatia entre o professor regente e o bolsista; c) promoção de atividades extraclasse, em geral visita a museus, exposições, per- curso histórico em ruas da cidade, em que bolsista e professor regente dividiram o acompanhamento da turma. Em outra direção, investimos na criação de atividades em que o bolsista tinha autonomia completa, na forma de oficinas, no turno inverso, para estudo de temas de livre escolha. Tivemos nessa modalidade oficinas de história do futebol, de análise de histórias em quadrinhos com conteúdo político, de leitura de do- cumentos históricos, de exibição e discussão de vídeos curtos, de discussões sobre música e história, de uso de recursos de infor- mática e navegação nos ambientes virtuais selecionados. Desta forma, cada bolsista pôde produzir atividades nos temas e con- tando com as estratégias que mais lhe agradavam. Por fim, providenciamos também um conjunto de ações no ambiente virtual, com destaque para a produção e uso de

109 SEFFNER, F. • Estabelecendo parcerias, evitando colisões, somando saberes blogs e comunidades do Orkut, por meio das quais os bolsistas mantinham canais regulares de estudo e diálogo com os alunos. De nossa experiência, verificamos que em todo este pro- cesso é necessário manter um bom canal de diálogo entre todos os envolvidos, a saber, os bolsistas, os professores regentes e os professores da área de ensino de História da UFRGS, bem como alguns setores da direção da escola, de modo a fazer frutificar um diálogo franco, evitando constrangimentos que podem sur- gir, às vezes por conta de situações muito pequenas, mas de grande impacto emocional. Isso implica regularidade de encontros e a promoção de momentos de avaliação e conversa. A ação da universidade pode ser de grande ajuda nas es- colas, e em especial para os professores. Mas ela deve ser feita com o estabelecimento de parcerias, num regime de igualdade e cooperação horizontal; caso contrário, as colisões podem com- prometer todo o esforço. Somar saberes é tarefa difícil, mas mui- to compensadora.

110 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Arquivos escolares e ensino de História

Carmem Zeli de Vargas Gil

O tema da educação patrimonial e da organização de ar- quivos escolares como lugares de memória e de ensino de Histó- ria, dentro da experiência do PIBID, resulta da escuta atenta de uma demanda advinda da ETEIP, escola que deseja construir um memorial próprio, a partir de um acervo ainda desordenado e espalhado por diferentes espaços da mesma. O patrimônio documental das instituições educacionais constitui parte significativa de sua memória e contribui para a (re)descoberta da historicidade institucional, fortalecendo vín- culos com seus participantes. Entretanto, não é raro constatar, nesse contexto, a perda desse acervo em decorrência da ação do tempo, da falta de cuidado na manipulação e guarda inadequa- da dos documentos. Refletir sobre essas questões pode ser um primeiro movimento para a mudança. Ao serem vasculhadas, pequenas salas de escolas, deno- minadas, às vezes, de “Arquivo Morto”, um mundo inteiro apa- rece. Muitas caixas de documentos, relatos, histórias de um tem- po passado batem suavemente às portas do presente. Pelas vo- zes, pelos cheiros, pelas palavras/escritos, logo se percebe a ur- gência de ações que preservem este quase esquecido arquivo do- cumental das escolas que testemunha um pouco da vida institu- cional. Na construção das memórias das escolas, há o entrelaça- mento entre o que repousa nos bancos debaixo das árvores, o

111 GIL, C. Z. de V. • Arquivos escolares e ensino de História que acontece nas salas de aula, o que se sonha, as vivências sociais e educativas no contexto em que ocorreram. Assim, pro- movem-se tessituras entre as diferentes histórias de vida dos su- jeitos e as condições materiais nas quais se produziram determi- nados processos educativos. Pierre Nora (1993) destaca os arquivos como lugares de memória, espaços duplos, simultaneamente de guarda de acer- vos e também abertos a novas leituras acerca do passado e sua relação com o presente. Por isso, necessitam de ações voltadas à guarda e à conservação dos documentos para transformá-los em evidências capazes de produzir conhecimento histórico. Com a história, sabemos que a transmissão da cultura es- crita necessita de estruturas permanentes de conservação, tarefa que vem sendo assumida por bibliotecas, arquivos e museus. Os documentos escritos são organizados e armazenados a partir de escolhas que constituem práticas cotidianas nesses espaços. Não deve ser diferente com as instituições escolares, pois os docu- mentos por elas produzidos são testemunhos vivos da vida insti- tucional e necessitam de igual tratamento. Além da urgente necessidade de organizar e guardar a do- cumentação escolar de acordo com normas da Arquivística, tam- bém é possível analisar o potencial educativo desses documen- tos como fonte para o ensino de História. Nas instituições educativas, temos urgência em descobrir a historicidade dos processos educacionais que dizem um pouco de nós, porque trazem parte de nossas histórias como alunos, professores, funcionários ou dirigentes. Os educadores, especialmente de História, convivem hoje com o desafio de romper com as verdades históricas e a noção de fonte única, consubstanciada no documento oficial. Nesse senti- do, os arquivos escolares se colocam como mais uma fonte possí- vel de ser interrogada pela história, que pode servir para construir e desconstruir o conhecimento ao sabor de novas hipóteses.

112 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

A Nova História, ao questionar a produção do conheci- mento histórico com documentos escritos, produziu uma histó- ria baseada na multiplicidade de documentos: escritos de todos os tipos, documentos figurados, produtos de escavações arqueo- lógicas, documentos orais, filmes, estatísticas, etc. As mais diver- sas obras humanas, produzidas nos mais diferentes contextos sociais e com objetivos variados, passam a ser valorizadas como documentos históricos. São eles: obras de arte, textos de jornais, utensílios, ferramentas de trabalho, textos literários, diários, re- latos de viagem, leis, mapas, depoimentos e lembranças, progra- mas de televisão, vestimentas, edificações, etc. Frente a essa explosão documental, os documentos da es- cola precisam ocupar um lugar de destaque nas aulas de Histó- ria. Que temáticas do currículo da História podem ser estuda- das, a partir das fontes produzidas na administração das institui- ções escolares? Certamente, os arquivos das escolas têm muitos livros de matrículas e frequência, possibilitando, por exemplo, avaliar o acesso das crianças, em determinados períodos da história, a partir do critério da cor da pele, a permanência dos alunos e a infrequência relacionada a determinados períodos do ano. Quem mais frequentava a escola das primeiras séries ou das séries fi- nais, meninas ou meninos? O que esses dados podem anunciar sobre a sociedade brasileira? Outro material abundante nos arquivos escolares são os conjuntos de fotografias das comemorações e eventos organiza- dos nas escolas. A fotografia, como sinal indicativo para com- preender o dia a dia escolar, constitui os chamados “rastros”, referidos por Paul Ricoeur (1994), do tempo ido. Enquadramen- to, foco, escalas, múltiplos planos, diferentes ângulos e contras- tes prescrevem uma visão de mundo própria. Posturas, gestos, objetos e acessórios representados são escolhas e estão carrega- dos de sentido sobre os processos educativos.

113 GIL, C. Z. de V. • Arquivos escolares e ensino de História

A “leitura” da fotografia está estreitamente relacionada a circunstâncias e condições em que foi produzida, e é tarefa do ensino de História desenvolver competência de leitura de ima- gens entre os estudantes. Fotografias dos 7 de setembro, da Se- mana Farroupilha, de aniversários da escola, de datas comemo- rativas podem anunciar como a escola se colocava diante dos processos históricos de cada época. Adaptação, resistência ou reafirmação são reveladas no patrimônio documental que cons- titui sua memória. Que possibilidades essas fotos apresentam para as aulas de História? Elas auxiliam a estabelecer, em diálogo com os alu- nos, critérios de agrupamentos das fotos, tais como: eventos, per- sonagens, prédios, comemorações, entre outros. Também é pos- sível agrupá-las por temporalidades ou ainda, especialmente naquelas em que é possível fotografar a cena sob o mesmo ângu- lo, observar mudanças e permanências. Por exemplo, alunos no pátio, a rua próxima à escola, o grupo de professores, uma tur- ma de alunos... As possibilidades para a educação patrimonial através da organização de arquivos escolares são profícuas. Dentro do PIBID, a partir da demanda da Escola ETEIP, vislumbrou-se o importante trabalho de educação patrimonial que queremos se- guir, carente de parcerias com cursos como a Museologia e a Arquivologia. Considerando o papel da universidade na forma- ção de professores habilitados a exercer uma função formadora mais ampla, é preciso sinalizar que o PIBID aumenta as possibi- lidades de interlocução entre universidade e escola, esperando que ambos os espaços se beneficiem, redefinindo as concepções e práticas. Assim, a reescrita dos significados da escola passa também pela (re)construção de sua história e dos processos edu- cacionais que fazem dela espaço de “ilusão fecunda”, como afir- ma Marília Sposito.

114 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Destaca-se no relato a seguir uma experiência de educa- ção patrimonial construída através de uma oficina elaborada pelo bolsista do curso de História a partir de um levantamento inicial do material do acervo da ETEIP. Na sequência, outros relatos de experiências do ensino de História no PIBID/UFRGS.

115 Oficina: Lutas do Grêmio Estudantil no Irmão Pedro, a eleição que parou nos jornais e na justiça

Pedro Henrique Ermida Cruz14

Este trabalho consistiu em uma oficina de educação patri- monial realizada no ETEIP, ao longo do mês de novembro de 2010. Realizadas num total de 40 horas e focadas no ensino mé- dio, as atividades contaram com a inscrição oficial de quatro alunas (do 3º ano); contudo, outros alunos (de diversas séries) somaram-se às mesmas livremente, atuando como ouvintes em algumas etapas. A proposta didática esteve vinculada à análise de uma se- leção de documentos pertencentes a um dossiê15, elaborado pela escola, tratando de uma disputa eleitoral do Grêmio Estudantil daquela instituição no ano de 1982 e que, em função de inter- venções autoritárias da então direção da escola, tentando impe- dir a participação de duas chapas no pleito estudantil, acabou em um imbróglio judicial que outorgou a vitória nas urnas de

14 Estudante do curso de História da UFRGS, bolsista PIBID/Ciências Sócio- Históricas. 15 Esse dossiê foi encontrado a partir da demanda da escola de organizar seu acervo. Os bolsistas fizeram um levantamento inicial do material espalhado pela instituição, através do qual se percebeu a carência de uma organização do acervo a partir de técnicas e conhecimentos próprios das áreas de arquivolo- gia e museologia.

116 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História uma destas chapas, a princípio “ilegais”. Cabe lembrar que, em 1982, o Brasil ainda estava sob o jugo da ditadura civil- militar e passava pela abertura política que culminaria na re- democratização. Partindo da pesquisa e da análise das fontes pertencentes ao arquivo “morto” da escola, os oficinandos ficaram incumbidos de organizar uma exposição do conheci- mento construído e um vídeo narrando a história pesquisada. Os documentos em questão foram selecionados previamente, e produzidos materiais de apoio e suporte para a interpreta- ção das fontes pelos oficinandos. O objetivo foi promover, através do resgate de referências pregressas, laços identitários dos alunos com relação à institui- ção na qual estudam, ampliando estes laços a toda a comunida- de escolar. Para a execução da oficina, utilizou-se o conceito pa- trimônio – com foco no patrimônio documental existente – como um registro histórico, produzido em um tempo e em um contex- to específico, com uma intencionalidade, portador de testemu- nhos não evidentes de vivências, memórias e identidades envol- tas em relações de poder frequentemente conflituosas. Um regis- tro que tanto pode ser tangível quanto intangível. Que tem mo- bilidade de fazer-se presente na memória comum e de ocultar- se. Que pode transformar-se e ressignificar-se conforme os dife- rentes olhares lançados sobre ele ao longo do tempo, conforme as demandas (re)formuladoras da identidade comum ao grupo detentor desta herança. Sendo assim, adotou-se uma metodolo- gia que pretendia promover o espírito investigador nos jovens pesquisadores incentivando-os a questionar o patrimônio docu- mental selecionado, não só em sua possibilidade interpretativa interna, focando a análise na mensagem explicitada, mas tam- bém na interpretação externa, focando a análise no contexto em que foi produzido e suas motivações. A programação das atividades consistiu em cinco etapas: 1. Apresentação do arquivo da escola objetivando sensibilizar os

117 CRUZ, P. H. E. • Oficina: lutas do Grêmio Estudantil no Irmão Pedro... alunos para as “histórias” presentes nas páginas dos diversos do- cumentos ali guardados; 2. Trabalho de pesquisa (na biblioteca da escola) dos alunos objetivando reconstituir o contexto históri- co do Brasil no período em que ocorreu a disputa na escola; 3. Embasamento teórico para o estudo com as fontes (através de material preparado e adaptado) e análise destes documentos; 4. Produção textual de uma narrativa onde estariam presentes, na linguagem dos alunos, as interpretações, questionamentos e a forma como chegaram às suas conclusões; 5. Organização de uma exposição de banners na escola, e produção de um vídeo. Os objetivos da oficina foram atingidos, e isto ficou claro tanto pelas reflexões presentes na produção textual que serviu para os banners da exposição e para o roteiro do documentário quanto no cotidiano das atividades. Após a montagem dos pai- néis da exposição, foi bastante significativo o público que a visi- tou, e mesmo alguns professores saíram das salas de aula, junto com seus alunos, para conhecer e discutir a história da escola. Os oficinandos demonstraram uma grande alegria de ver expos- to um conhecimento produzido por eles e referenciado pelos pro- fessores. Tamanho ímpeto resultou na publicação dos materiais na internet16, visando a ampliar o alcance do trabalho realizado. O trabalho realizado na ETEIP foi importante para divulgar e promover memórias e identidades naquela comunidade escolar, fazer com que os alunos reconhecessem a escola como um espa- ço no qual existem resquícios, marcas de outras experiências vi- venciadas por alunos de épocas anteriores a eles e que eles tam- bém deixarão as suas.

16 O blog da oficina está disponível no endereço: http://geip1982.blogspot.com

118 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Imagem 1: Oficinandas realizando análise de documentos do arquivo da es- cola. Foto: Pedro H. Ermida Cruz, 2010

Imagem 2: Recorte (fotocopiado) de reportagem publicada no jornal Folha da Tarde em 26 de outubro de 1982

119 CRUZ, P. H. E. • Oficina: lutas do Grêmio Estudantil no Irmão Pedro...

Imagem 3: Exposição de banners produzida pelos participantes da oficina. Foto: Pedro H. Ermida Cruz, 2010

120 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Oficina: Lendo e escrevendo na pré-história

Diego Souza Marques17

Esta oficina foi planejada para duas turmas de 5ª série em uma escola de Ensino Fundamental. Por um lado, ela objetivou atender uma demanda das professoras titulares que pretendiam reforçar o conteúdo do primeiro trimestre. Por outro lado, bus- cou dar conta de uma proposição central nas atividades do PIBID/História: a ênfase em atividades que propiciassem a es- crita e a leitura. Tendo em vista esta duas questões, escolhemos trabalhar a partir de leitura e escrita com histórias em quadri- nhos, cuja linguagem é simples, leve, capaz de propiciar o apren- dizado combinando textos com uma narrativa em que os dese- nhos adquirem grande importância. Assim, como o conteúdo a ser trabalhado foi pré-história, selecionamos algumas historinhas do personagem Piteco, de Mau- rício de Souza. Nestas publicações, o personagem está envolvi- do em aventuras na terra fictícia de Lem, tem como amigos os moradores locais e com ele convivem dinossauros e outras cria- turas. Uma das possibilidades de trabalho teria sido uma ativi- dade que visasse a buscar nestes enredos elementos que poderi- am ser considerados verdadeiros ou falsos dentro uma perspecti- va científica de história. Não foi essa a nossa opção para esta

17 Estudante do curso de História da UFRGS, bolsista PIBID/Ciências Sócio- Históricas.

121 MARQUES, D. S. • Oficina: lendo e escrevendo na pré-História oficina, visto que tanto pelo público-alvo quanto por nossas es- colhas teóricas, a discussão a respeito do discurso histórico como uma verdade verificável, ou mesmo sua separação da literatura, não parecia ser frutífera ou adequada. Optamos, então, por abor- dar esta narrativa na aula de História a partir de sua positividade e de elementos que propiciassem a criatividade. Desta forma, nossa escolha se direcionou para, a partir da análise de várias historinhas, buscar identificar os conceitos his- tóricos referentes à pré-história que poderiam ser trabalhados a partir destas leituras. Ao mesmo tempo, levar em conta a pos- sibilidade de que, a partir destes conceitos, se chegasse a uma criação, que seria narrativa ou ficcional, mas ao mesmo tempo estaria dentro do contexto de apreender sobre história, que não significava uma simples invenção. Assim, escolhemos três histo- rinhas que seriam lidas a partir de três conceitos históricos julga- dos importantes para este conteúdo. Na primeira história, Uma noiva para o Deus Puruka, uma personagem é obrigada pela vila a se casar com um deus que está ligado à fertilidade da terra. Isto é anunciado por um sacerdote, que, antes de sua revelação, teria ingerido um “estranho líqui- do”. O problema é que este deus é conhecido por devorar suas noivas no dia do casamento, e como a personagem em questão é o par romântico de Piteco em todas as histórias, a trama se desenvolve em sua tentativa de salvá-la deste trágico destino. Assim, na leitura desta história pudemos discutir vários ele- mentos do conceito de paganismo antigo, como a importância dos sacerdotes, a ligação dos deuses com a sociedade e mesmo os sacrifícios exigidos. A segunda história, O tigre de dentes de sabre, pode ser lida a partir do conceito histórico de caça e coleta. No enredo, Piteco faz uma aposta com um parente sobre quem consegue caçar um tigre de dentes de sabre. Já a terceira história, Morda a maçã, Pite- co, e terá o que quiser, narra as tentativas de Thuga para tentar se

122 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História casar com o protagonista a partir de uma promessa de uma ser- pente que lhe dá uma maçã, dizendo que no momento em que o amado a morder, se apaixonará instantaneamente por quem a ofereceu. Nesta última história, nossa proposta foi a de traba- lhar com o conceito de mito, onde as antigas lendas, tradições e formas de se contar a história criam práticas sociais. As leituras deste primeiro momento, que foram feitas co- letivamente com o grupo de estudantes (infelizmente as cópias disponibilizadas eram preto e branco), visaram a duas questões importantes: a primeira foi a de ensinar conceitos históricos a partir de sua positividade, não julgando, portanto, o que está certo e errado em uma perspectiva da História como disciplina, conforme foi apontado anteriormente. A leitura, então, estava dirigida ao aprendizado de modos de vida e existência que cau- sam estranhamento em nós, que são diferentes, e, por isso mes- mo, não nos cabe julgá-los a partir dos nossos olhos. A partir disso, podemos entrar em um novo mundo, em outras possibili- dades, em outras existências que fogem à nossa identidade e com elas podemos fabular. A segunda referia-se especificamente à leitura e escrita. A linguagem dos quadrinhos envolve um texto que se apresenta de diferentes formas, como os que estão acima das ilustrações como de um narrador de fora, os diferentes balões de diálogo, como grito, pensamento ou simples fala. Ao mesmo tempo, existem alguns quadros onde não há palavras, somente imagens que tam- bém foram vistas como passíveis de leitura, como a expressão dos personagens, as cores, as paisagens, as insinuações de movi- mento, os jogos de luz e sombra, etc. Tendo em vista todas estas possibilidades de trabalho com os quadrinhos e, dentro deste, o conteúdo, o fechamento da atividade envolveu muita criação. Optamos, por ficar dentro do campo da pré-história, por manter a familiaridade dos dese- nhos, por criar um material no qual os desenhos se mantives-

123 MARQUES, D. S. • Oficina: lendo e escrevendo na pré-História sem, enquanto as falas dos personagens e do narrador eram apagadas. A proposta, desta forma, foi a de que, em duplas, os alunos criassem um enredo a partir destes desenhos utilizando no mínimo um dos conceitos trabalhados durante a primeira parte da oficina.

Esquema do planejamento da oficina: 1. Leitura: História: Uma noiva para o Deus Puruka; Con- ceito: Paganismo antigo; 2. Leitura: História: O tigre de dentes de sabre; Conceito: Caça e coleta; 3. Leitura: História: Morda a maçã, Piteco, e terá o que quiser; Conceito: Mito; 4. Escrita: Pro- dução em duplas de um roteiro de uma história usando os con- ceitos trabalhados.

124 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Oficina: “Fé em Deus! DJ!”: a história social do funk

Diego Souza Marques

Esta oficina temática foi realizada em duas escolas. Na primeira escola, de Ensino Fundamental, com uma turma de 7a e uma de 8a série; já na segunda escola, foi realizada para o En- sino Médio, com duas turmas de 30 ano. Na primeira escola, depois de algumas observações, o que motivou a composição desta atividade foi uma preferência de grande parte dos alunos por este gênero musical. Já na segunda, a constatação foi inver- sa, visto que os estudantes consultados demonstraram um des- gosto pelo funk e seus derivados. Desta forma, poderíamos dizer que, no primeiro caso, o objetivo geral da oficina foi o de aproximar o conhecimento his- tórico de uma realidade que julgamos fazer parte do cotidiano dos alunos. Já no segundo, o movimento deslocou-se para uma temática que causasse estranhamento aos estudantes, apresen- tando, assim, uma suposta realidade que estava a priori descarta- da de suas vidas e seus gostos. Mas, em ambos os casos, o objeti- vo também se direcionou para conhecer o funk que existe no sen- so comum, independentemente de posições contrárias ou a fa- vor, como uma manifestação cultural que tem uma história e um significado dentro da sociedade. A dinâmica da atividade foi construída de uma forma sim- ples. Uma pesquisa bibliográfica inicial possibilitou a montagem

125 MARQUES, D. S. • Oficina: “fé em Deus! DJ!”: a história social do funk de uma linha de exposição que seguiu a história do funk no Bra- sil desde os anos 70 até os dias atuais. Procuramos focar mais atentamente o início dos anos 90, quando este gênero musical realmente ganhou uma exposição midiática considerável a ní- vel nacional. Desta forma, dividimos o momento expositivo em quatro momentos: anos 70, quando o funk chega ao Brasil (principalmente Rio de Janeiro) a partir da organização de bai- les nas periferias em que eram executadas músicas do movi- mento estadunidense da Black Music. Anos 80, quando o funk incorpora elementos da música eletrônica, abandonando a in- fluência do soul e do rock, ganhando contornos “nacionais” a partir de músicas em língua portuguesa que parodiavam os re- frões em inglês. Anos 90, quando os DJs começam a ganhar destaque nacional a partir do lançamento de discos de coletâ- neas de músicas da periferia que estão mais ligadas à denúncia das condições de vida nestes lugares. E, finalmente, anos 2000, quando a popularidade do funk está no seu ápice, tanto com músicas pop que têm temas ligados à sexualidade quanto os chamados “proibidões”, que circulam nas próprias comunida- des em que são produzidos, destacando questões como a vio- lência e o sexo explícito. A partir deste levantamento de informações sobre a his- tória do funk, mesmo que demasiado linear, pudemos criar co- nexões com outros acontecimentos que ocorriam neste momen- to – como o caso em que uma equipe organizadora de bailes foi interrogada pelo DOPS na década de 70 –, levantar algu- mas documentações que poderiam ser utilizadas (como capas de disco, notícias de jornais, etc.) e estudar as transformações sonoras. Para a dinâmica da atividade, optamos pela exposição e execução de músicas, inspirados no formato de um programa de rádio. Ou seja, criamos uma vinheta, comentávamos a res-

126 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História peito dos períodos históricos e executávamos músicas selecio- nadas. Com o objetivo de aprofundar algum dos tópicos, de- mos uma ênfase maior ao período dos anos 90, quando o funk se estabeleceu como uma cultura amplamente divulgada pela mídia e estava mais direcionado a uma crítica às condições de vida nas periferias. Concluído este primeiro momento mais expositivo e dia- lógico, a continuidade da atividade foi organizada para que os alunos formassem grupos, criassem um nome para a equi- pe de som organizadora de um baile, nomeassem um DJ e compusessem um funk inspirado nas letras analisadas. Leva- mos em um CD gravado com um “batidão” instrumental e, terminado o processo criativo, os grupos deveriam apresentar a sua produção.

Esquema do planejamento da oficina: 1. Apresentação da rádio e dos “radialistas”; 2. O que é funk? Panorama geral das origens do movimento; Música: I got you (I feel good), de James Brown; 3. O “baile da pesada” e o “orgulho black”: o estilo chega ao Brasil nos anos 70; Música: Mandamentos Black, de Gerson King Combo; 4. As melôs e a música eletrônica: os anos 80; Música: Feira de Acari, de MC Batata; 5. A fama nacional e a “favela onde eu nasci”: anos 90; Música: Rap da felicidade e Rap do Silva, de MC Marcinho; 6. A sensualidade pop e o sexo proibidão: anos 2000; 7. Quem tem medo de ser funkeiro? 8. Criação e interpretação dos alunos.

127 Intervenção pedagógica em aula: fontes históricas – movimento da legalidade (1961)

Tiego Rocha Rebello18

A aula de História deve ser um espaço de construção dos saberes históricos, de maneira que provoque indagações sobre o entorno do educando. Dessa forma, constitui aprendizagens significativas para os alunos, por meio de “conteúdos, concei- tos, métodos e tradições que lhes sirvam para entender de modo mais denso o mundo em que vivem” (SEFFNER, 2010, p. 213). Além disso, o ensino de História deve servir para estabelecer a compreensão da realidade social, econômica, cultural e políti- ca, sempre tentando construir uma visão reflexiva transitando entre o passado e o presente. Para atingir tal objetivo, a utiliza- ção de fontes pode ser muito frutífera, levantando-se a partir delas questionamentos que permitam a construção e recons- trução do conhecimento histórico, sendo este último o enfoque do meu trabalho. Dentro dessa perspectiva didática, é possível conectar a historiografia com a prática docente, analisando as fontes não como uma verdade ou uma comprovação da verdade, e sim in- serindo na sala de aula o debate e a “crítica ao documento” (PE- REIRA; SEFFNER, 2008, p. 114). Buscou-se trazer para a ex-

18 Estudante do curso de História da UFRGS, bolsista PIBID/Ciências Sócio- Históricas.

128 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História periência da sala de aula alguns dilemas próprios da escrita da história, como aqueles nomeados pelo historiador Carlo Ginz- burg (2007)”. Segundo este autor, desde a Escola dos Annales, se estabelece uma leitura crítica do documento histórico, citan- do o seguinte trecho de Marc Bloch: “Aquilo que o texto nos diz já não constitui o objeto preferido de nossa atenção”, ou seja, passa-se a buscar o que há por trás da produção documental – os seus interesses, suas intenções, a mentalidade dos agentes histó- ricos que o produziram, em um claro abandono e ataque aos preceitos positivistas. Independentemente da veracidade do docu- mento ou até mesmo de textos literários, Ginzburg argumenta que se podem detectar “testemunhos históricos involuntários”. Por- tanto, dentro da interpretação das fontes, no produzir historio- gráfico, enfrentam-se registros onde o “fictício” tenta se passar por verdadeiro, afirmando-se como realidade (GINZBURG, 2007). Ao introduzir esse exercício na prática pedagógica, bus- ca-se a leitura e o confronto de diferentes representações acerca do conhecimento histórico, evidenciando diversos grupos e for- ças que estão em disputa no processo de construção dos objetos de estudo da história. Aqui compreende-se o conceito de repre- sentação como definida por Chartier (2001), em um triplo qua- dro de realidades: [...] primeiro, as representações coletivas interiorizadas que organizam os esquemas de percepção e apreciação, a partir dos quais os indivíduos classificam, julgam e atuam; depois, as formas de exibição do ser social ou do poder político que utili- zam os signos e as atuações simbólicas [...]; finalmente, a re- presentação por parte de representante [...] de uma identidade social ou de um poder dotado também de continuidade e de estabilidade (CHARTIER, 2001, p. 121). Sendo o poder político o principal eixo temático desse tra- balho, devido ao assunto abordado, situando de um lado o Mo- vimento da Legalidade, em resistência à tentativa de golpe dos ministros militares pelo impedimento de posse de João Goulart,

129 REBELLO, T. R. • Intervenção pedagógica em aula: fontes históricas... liderado e eclodido pelo então governador gaúcho Leonel Bri- zola, e, do lado oposto, no Estado da Guanabara o governador Carlos Lacerda. Esta proposta pedagógica utilizou algumas fontes da co- municação social (manchetes de jornais e revistas e fotografias oficiais do governo gaúcho)19 e foi posta em prática em uma de minhas intervenções20 como bolsista do PIBID em turmas de 30 ano do Ensino Médio da ETEIP, cuja temática tratou do Movi- mento da Legalidade. O trabalho com fontes jornalísticas em sala de aula torna- se interessante por dois princípios: o primeiro, que é a proximi- dade dos alunos com a linguagem jornalística, e, em segundo lugar, pela possibilidade de demonstrar mais de uma representa- ção sobre o mesmo episódio ao confrontar diferentes periódicos. Neste sentido, o educador estabelece o que Paulo Freire chamou de desenvolvimento da “criticidade”, o que permite ao discente uma melhor compreensão do mundo em que vive (PEREIRA; SEFFNER, 2008, p. 113.). Conforme nos expõe Freire, a ascen- são “da ingenuidade para criticidade não se dá automaticamen- te”; neste sentido, a “criticidade” seria o desenvolvimento da “cu- riosidade crítica” (FREIRE, 1996, p. 15), dotando indivíduos da capacidade de indagar-se, diante de discursos históricos política e culturalmente concebidos, sobre as narrativas que constituem seu tempo presente, ou seja, transpondo essa capacidade ao seu entorno sócio-político-cultural. A dinâmica desta atividade ficou dividida em dois mo- mentos: o primeiro mesclando aula expositiva e de identificação

19 Todos os materiais utilizados são encontrados no Museu da Comunicação Social Hipólito J. C. (Musecom). www.museudacomunicacao.rs.gov.br 20 Aula conjunta com o professor Cláudio Heinrichs. Fica o agradecimento à dis- posição deste docente, que sempre acolheu de forma receptiva todas as ideias dos bolsistas do PIBID.

130 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História conjunta dos elementos das fontes apresentadas. Momento de edificação, por meio das fontes jornalística e fotográfica, do ce- nário de iminência de guerra civil no país, construindo todos os principais episódios anteriores à renúncia de Jânio Quadros até a posse de João Goulart, vivenciando-os pelos discursos de re- presentações das forças políticas em disputa. Buscou-se estabe- lecer uma “nova memória” (PEREIRA; SEFFNER, 2008, p. 126), no sentido de ultrapassar as fronteiras gaúchas, uma vez que muitas vezes a resistência à tentativa de golpe de 1961 pare- ce ter ocorrido apenas em nosso estado, o que pode ser polemi- zado. Esse primeiro exercício fundamentou-se no princípio de fugir da simples constatação do discurso histórico proferido em aula e direcionar-se para a complexificação a partir da leitura das representações compostas pelas fontes, dotadas de interesses políticos próprios de seu tempo, e da construção do conheci- mento histórico. Na perspectiva de compreender a mentalidade e a postura de polarização política, ocasionada pelo contexto global de Guerra Fria, contou-se com o recurso didático de um retroprojetor, e todas as análises foram feitas em conjunto com os estudantes. Em um segundo momento, de análise de matérias da re- vista Cruzeiro21 censurada pelo governo da Guanabara, ocorreu a divisão dos educandos em grupos e foram entregues a eles re- produções de notícias desta revista. Como suporte aos alunos utilizou-se uma linha do tempo, situando os principais episódios

21 A revista O Cruzeiro era semanal. Foram entregues aos alunos matérias dos dias 26/08, 02, 09 e 16/09. Poderíamos concluir que a edição de 26 de agosto já estava pronta quando chegou a notícia da renúncia. No entanto, essa revista ficou conhecida por sua agilidade em publicar notícias de última hora, sendo um bom exemplo o suicídio de Getúlio Vargas: a revista já estaria a caminho das bancas, quando foi produzida uma edição especial. LAURENZA, 2008. p. 181.

131 REBELLO, T. R. • Intervenção pedagógica em aula: fontes históricas... citados anteriormente. Essa etapa visava: primeiro identificar o que havia de estranho naquelas notícias22, a fim de abordar à questão da censura imposta pelo governador daquele estado, Carlos Lacerda, aos meios de comunicação. Assim, estabeleceu- se uma outra representação sobre o mesmo episódio, oposta à da resistência pela Legalidade, construindo com os alunos o lado golpista e a tentativa de silenciar a população carioca. Os resultados dessa intervenção foram positivos, basea- dos na efetiva participação que esse formato de aula gerou tanto na primeira etapa quanto na segunda. Alguns dos questionamen- tos feitos pelos alunos foram: “Se ali está dito que o Jango volta- ria para ‘assumir ou morrer’, por que ele aceitou a medida parla- mentarista?” (referente ao Anexo I); “A condecoração gerou cri- se por causa da Guerra Fria?” (referente ao Anexo II). Enfim, estes foram apenas alguns dos questionamentos levantados du- rante a intervenção. A análise de documentos proporcionou uma clara reconstrução histórica do Movimento da Legalidade, per- mitindo estabelecer conexões com outros assuntos, nos quais o jogo de criar imagens e discursos foi determinante23. A análise, o questionamento diante das fontes, pode possibilitar novas postu- ras de pensamento dos educandos em seu cotidiano, pois tal ati- vidade propiciou o desenvolvimento de uma postura mais críti- ca diante das informações, ao se interpretar as diferentes repre- sentações de um mesmo episódio.

22 Nas reportagens entregues aos alunos, somente no dia 09 de setembro é notici- ada a renúncia de Jânio, sendo que João Goulart havia tomado posse do cargo em 07 de setembro de 1961. Nesta edição ainda há uma reportagem tratando Jânio como presidente e uma nota no final da reportagem: “(Este artigo estava composto quando nos chegou a notícia da renúncia do Presidente Jânio Qua- dros)”. O Cruzeiro, 09 de setembro de 1961. 23 Um destes assuntos foi a eleição de Fernando Collor de Mello à presidência, em que a Globo editou o debate entre ele e o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989.

132 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Anexo I – Última Hora, Porto Alegre, 28 de agosto de 1961

Anexo II – O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 09 de setembro de 1961

133 A Olimpíada Nacional em História do Brasil: experiências, aprendizados e possibilidades

Diego Souza Marques Tiego Rocha Rebello

A Olimpíada Nacional em História do Brasil de 2010 foi um evento socioeducativo organizado pela Universidade de Cam- pinas (Unicamp), que contou, em sua segunda edição, com a participação de estudantes secundaristas de todo o país, dividi- dos em equipes compostas por três educandos e um professor regente. Na ETEIP inscreveram-se 13 equipes, todas voluntaria- mente. No decorrer do processo, as expectativas mudaram, pro- movendo um envolvimento dos participantes com os desafios, que foram encarados com motivação, ansiedade e, acima de tudo, com o objetivo de integração e vontade de estudar para vencer mais uma etapa da Olimpíada. Ao todo foram seis etapas, sendo cinco delas resolvidas pela internet e a última presencial em Cam- pinas, para a qual uma das nossas equipes foi classificada. O PIBID acompanhou esse processo através de assessorias e plan- tões semanais junto às equipes, processo que relatamos a seguir. Os desafios tiveram basicamente a seguinte estrutura: as três primeiras etapas foram compostas por provas com nove ques- tões de múltipla escolha e uma tarefa; a quarta fase contou com 19 questões e uma tarefa; a quinta fase, a semifinal, foi uma tare- fa relacionada ao último trabalho realizado pelas equipes. Na final da competição, os estudantes deveriam realizar um prova

134 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História dissertativa sobre a leitura da obra Caminhos e fronteiras, de Sér- gio Buarque de Holanda. Primeiramente, vamos nos deter nas questões das provas. Todas elas, sem exceção, contavam com o suporte de algum do- cumento de época, que variava entre artigos e charges de im- prensa, pinturas e fotografias, anúncios publicitários, mapas, tre- chos de obras literárias, decretos e leis, discursos políticos e reli- giosos, cartas. A partir da análise desses documentos, dos co- nhecimentos prévios ou fruto de pesquisas realizadas pelos “atle- tas”, uma alternativa deveria ser indicada. Entretanto, a estrutu- ra das questões fugia do padrão usual, pois das quatro opções apenas uma estava incorreta, ou seja, o oposto da estrutura tra- dicional aplicado em concursos e que se reproduz, muitas vezes, em sala de aula. Para cada uma das respostas era atribuído um peso diferente, o que definia a classificação das equipes. Usual- mente, adotamos uma classificação própria nos plantões: a al- ternativa completa, a quase completa e a rasa24, que, respectivamen- te, valiam 5, 4 e 1 pontos. Esse formato de prova, além de ter um forte caráter edu- cativo, também propiciou inúmeras discussões, visto que em muitos dos exercícios essa definição não foi fácil de estabelecer, quando não impossível. Era muito comum, em nossos plantões25, a divergência entre os bolsistas e o professor, o que, consequente- mente, gerou um grau de autonomia dos educandos a partir de seu enfrentamento direto conosco e da defesa de suas interpreta- ções e apontamentos. Nesse processo, o papel dos educadores presentes ficou restrito à orientação e à melhor contextualização

24 É importante destacar que essa não era a nomenclatura dada pela organização do evento; esses foram termos genéricos que adotamos durante os plantões para discussão com as equipes. 25 Uma vez por semana realizávamos plantões em horários extraclasse, aos quais os alunos de todos os turnos iam voluntariamente.

135 MARQUES, D. S.; REBELLO, T. R. • A Olimpíada Nacional em História do Brasil de cada uma das questões, seguindo uma linha de ensiná-los a estudar, a interpretar e a fragmentar cada alternativa e documento. Mesmo que quiséssemos, não era possível dar a resposta. É im- portante fazer uma observação: a ideia dos plantões nunca foi a de resolver a prova para eles, mas a de aproveitar essa estrutura para estabelecer a discussão conjunta. As cinco tarefas da olimpíada, com exceção da primeira etapa, que foi apenas o preenchimento de um formulário, e da final, em que os “atletas” tiveram que ler Sérgio Buarque de Ho- landa, consistiram basicamente em interpretação e produção his- toriográfica. A segunda consistiu em realizar duas entrevistas com pessoas com mais de 60 anos seguindo um roteiro com li- mitações de caracteres6; a terceira propôs uma interpretação da pintura de Frans Post, O Engenho, de uma fotografia de Oreste Cilento e de duas charges do cartunista ; a quarta pediu a confecção de um jornal, no qual os estudantes tiveram que con- feccionar uma página de jornal com quatro reportagens27; por fim, a quinta tarefa foi avaliar dez jornais de outras equipes sele- cionadas aleatoriamente. Em cada uma dessas tarefas, os estudantes tiveram conta- to com diferentes formas de construção do saber histórico: oral, interpretação de fontes pictográficas, produção de uma fonte his- tórica – o jornal e, por fim, o exercício de se colocar no papel de

26 Nome, idade, cidade e estado onde nasceu, cidade e estado onde mora. 1. O trabalho; 2. A cidade; 3. A escola e o estudo; 4. Vida cotidiana e lazer. Esses quatro pontos deveriam respeitar um limite de 1.600 caracteres. 27 Na primeira os participantes tinham que escrever sobre como a Olimpíada esta afetando as suas rotinas; na segunda tinham que apontar e analisar as origens históricas de um problema enfrentado em sua cidade; a terceira reto- mava as entrevistas, pois eles tinham que transformar as entrevistas em repor- tagem; na quarta e última, deviam apontar, com argumentos, qual tinha sido a questão mais difícil de toda a Olimpíada.

136 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História avaliador, ou seja, uma das funções desempenhadas pelo profes- sor. Nessa perspectiva o educando passou a desempenhar o pa- pel de pesquisador, o de produtor de fonte e o de professor. Os plantões serviram também como um bom termômetro do envolvimento dos alunos. Das 13 equipes inscritas na escola, em média seis equipes participavam dos plantões. Dessas, qua- tro chegaram à penúltima etapa virtual, três às semifinais (últi- ma virtual), e uma equipe à final. Segundo relatos dos alunos, após a semifinal, há aponta- mentos interessantes que vamos analisar agora. Uma equipe per- deu o horário de postagem das respostas, por distração, pois es- tavam todos reunidos para enviar no último momento. De acor- do com o depoimento, eles se reuniam sempre na casa de um dos colegas para postarem as respostas; no entanto, nesse dia, na quarta fase da Olimpíada, eles se distraíram e perderam o horá- rio por minutos. Afirmaram que isso foi uma lição de responsa- bilidade, que serviu para seu crescimento pessoal. Entretanto, em meio a essa infelicidade juvenil, um elemento deve ser desta- cado: para este grupo a Olimpíada serviu como elemento de so- cialização e, consequentemente, para aprender história28. Con- forme esse mesmo grupo, o enfoque da Olimpíada em História do Brasil despertou neles um maior gosto pela história do nosso país. Essa opinião pareceu ser consenso entre as outras equipes. Outro apontamento de grande valia, afirmado pela equi- pe finalista, foi em relação à estrutura da prova. Segundo esse

28 A união das equipes foi destacada por quase todas. Uma equipe abandonou a Olimpíada, por desentendimentos, e outra praticamente contou com o esforço de um único estudante. Isso não desmotivou esse aluno, que chegou até a semi- final; a sua frustração ao não ser finalista foi notória, assim como indicou o fato de ter ficado sozinho como motivo da não não classificação, reconhecen- do que se estivesse em equipe, talvez tivesse conseguido.

137 MARQUES, D. S.; REBELLO, T. R. • A Olimpíada Nacional em História do Brasil grupo, a aula muitas vezes é um “processo mecânico”29, e a Olimpíada deu um enfoque que fugia da objetividade da nota, e a análise dos documentos os motivara a estudar mais para compreender melhor aquela fonte. Essa mesma equipe rela- tou que os plantões, por vezes, os confundiam, mas ao mes- mo tempo os motivavam a estudar. Essa confusão poderia ser encarada como algo negativo, porém ela demonstrou a com- plexidade da História, mostrando o seu grau de subjetivida- de, mesmo com os nossos rigores metodológicos na sua pro- dução. Em outras palavras, os participantes depararam-se com três bolsistas, em plena graduação, e um professor, que não chegavam a consensos acerca das alternativas das questões – essa ocorrência, fruto dos plantões, serviu para demonstrar- lhes a complexidade da História, que pode ter mais de uma versão e se renovar constantemente. Essa renovação também foi permitida pela análise de alguns documentos que demons- travam versões diferentes sobre algum episódio já estudado, seja nos livros didáticos ou na sala de aula. A Olimpíada Nacional em História do Brasil foi uma im- portante experiência em nossa formação docente, pois, em pou- co mais de um mês, tivemos com os diferentes grupos um envol- vimento que, talvez pela realidade do ensino brasileiro, não con- seguimos ter ao longo de um ano inteiro. Diferentes dimensões do conhecimento foram abordadas, como a leitura, a capacida- de crítica diante das provas e documentos, a interpretação não apenas textual e de imagens, mas também de contextualização histórica.

29 Palavras de uma integrante da equipe finalista.

138 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

No balanço geral, acreditamos que todos os participantes da Olimpíada foram vitoriosos e, sobretudo, a nossa formação de educadores através do reconhecimento explícito do trabalho. Segundo palavras de uma das equipes: “Se fosse por conta pró- pria, teríamos desistido”. Ou seja, essa experiência nos mostrou algo que os livros não têm como explicitar, que é o papel de agente motivador do professor não só em questões do conteúdo específico de sua matéria, no nosso caso a História, mas tam- bém na preparação para a vida em sociedade.

139 Produção de blogs: ferramenta no ensino de História

Amanda Corrêa de Lavra Pinto30

Durante o desenvolvimento das atividades do PIBID/ Ciências Sócio-Históricas, os bolsistas do curso de História fo- ram motivados a criar cada um o seu blog com o intuito de regis- trar as atividades realizadas, produzir uma reflexão sobre as mesmas e divulgar as suas experiências, possibilitando o conhe- cimento e o diálogo entre bolsistas, professores das escolas en- volvidas e os próprios alunos. Um blog é semelhante a um diário, mas publicado na inter- net e com livre acesso a todos que desejarem lê-lo. Cada nova postagem é ordenada de forma cronológica, e seus leitores têm a possibilidade de interagir com o autor através da seção “comen- tários”. Por ser uma ferramenta simples e bastante intuitiva, não exige conhecimentos de programação, tornando possível que qualquer pessoa que saiba acessar a internet possa criar e manter atualizado seu próprio diário virtual. Todas as configurações de um blog são abertas às alterações do autor e de todos a quem ele autorizar. Pode-se alterar o nome, o endereço, a descrição, a for- ma de publicação, a periodicidade dos arquivos, a aparência vi-

30 Estudante do curso de História da UFRGS, bolsista PIBID/Ciências Sócio- Históricas.

140 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História sual da página (seu formato, cores, imagens, etc.), e, ainda, aco- plar outras mídias e ferramentas. O próprio ambiente estimula a construção de conhecimentos necessários para realizar as altera- ções desejadas, tornando o usuário autor e organizador do seu próprio espaço (MANTOVANI, 2006, p. 335). Não existe um número oficial sobre quantos blogs existem na internet. Segundo Gomes, [É] possível encontrar milhares de blogs na Internet abran- gendo toda a diversidade de temas, dos mais específicos aos mais gerais, criados com objectivos de natureza diversa (lú- dica, informativa, política, de intervenção cívica, etc.), sen- do encarados pelo seu autor como forma de expressão de natureza íntima e intimista (apesar de num espaço com um público potencial à escala mundial) ou procurando a notorie- dade e a máxima divulgação das ideias expostas. Um blog pode ser para o seu autor um simples arquivo de links úteis enriquecido com comentários ou descrições do seu teor. Pode também constituir um registro digital das reflexões e/ou emoções do seu autor ou apresentar-se com um espaço de troca de ideias e confronto de perspectivas, procurando o es- crutínio público e incentivando a participação dos “bloggers” que o visitam (2005, p. 312). Os bolsistas de História criaram blogs na forma de diário de campo acerca de seu tema de trabalho e pesquisa em ensino de História. Os objetivos a serem alcançados eram: registrar o trabalho desenvolvido; refletir sobre sua prática; interagir com os colegas; disponibilizar as produções para todos os que se inte- ressassem sobre a temática; e, decorrido o ano, ter realizado a sistematização de todas as ações. Nesse sentido, cada blog deveria ter como elementos fixos: apresentação pessoal; escola de atuação; apresentação dos obje- tos de pesquisa; explicitação dos temas de interesse na área do ensino de História; barra de vídeos; links para os blogs dos cole- gas. As postagens poderiam abranger diversas temáticas, como: planejamento, relato e avaliação das atividades desenvolvidas;

141 PINTO, A. C. de L. • Produção de blogs: ferramenta no ensino de História produção de materiais de ensino de História; relatos da trajetó- ria pessoal; e indicações de leituras ou outras páginas virtuais sobre as temáticas de interesse. Ao todo, no ano de 2009, foram produzidos nove diferen- tes blogs sobre diversas temáticas da história, por alunos bolsistas do PIBID e monitores de disciplinas de ensino de História. Se- guem os endereços eletrônicos dos mesmos: http://amanda-historia.blogspot.com/ http://historiaediscussao.wordpress.com/ http://historiaefutebol.blogspot.com/ http://historiandosemparar.wordpress.com/ http://otrompetedahistoria.blogspot.com/ http://umpoucodehistoria.wordpress.com/ http://www.diferentes-historias.blogspot.com/ http://www.ilustrandohistorias.blogspot.com/ http://www.paracontarhistorias.blogspot.com/ Ao visitar os blogs produzidos pelos bolsistas de História, percebe-se a grande variedade de temáticas e ações desenvolvi- das. Cada um, partindo de interesses pessoais e das demandas das escolas, realizou uma série de pesquisas e reflexões. Muitos aprendizados aconteceram nessa trajetória, desde a criação do próprio blog, visto que nenhum dos bolsistas tinha se aventurado anteriormente neste sentido, mas também ao pesquisarmos ima- gens, vídeos e uma série de recursos que muitas vezes não são utilizados na sala de aula e podiam ser melhor explorados atra- vés dos blogs. O blog foi uma ferramenta importante para o registro de atividades e reflexão sobre a prática. De outra maneira, muitos dos materiais produzidos estariam guardados e, em breve, es- quecidos. Porém, não houve o mesmo sucesso no objetivo de proporcionar a interação entre os colegas. Não que esta não te- nha ocorrido, pois, através de reuniões semanais e troca cons-

142 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História tante de e-mails, todos sempre opinaram e contribuíram para o trabalho dos colegas. Mas a ferramenta dos blogs não foi utiliza- da neste sentido. Um projeto que não chegou a ser concretizado, mas con- tribuiria para propiciar a interação, era a criação de um portal dos blogs de ensino de História. Este portal seria uma página que remeteria a todas as outras, trazendo as últimas postagens e in- formações sobre o grupo. Este projeto também tornaria as ações mais visíveis e disponibilizaria os materiais produzidos para um maior número de pessoas. Com a produção de blogs, percebeu-se ser possível ter fer- ramentas que superem o contato entre os envolvidos nos proje- tos somente nos momentos de reunião. Toda a riqueza e diversi- dade de ações desenvolvidas podem contribuir com outros estu- dantes e educadores. Segundo Gomes, [A] escola e as atividades nela realizadas ficam mais expostas ao escrutínio público, mas também mais próximas das comu- nidades em que se inserem e abrem-se novas oportunidades para o envolvimento e colaboração de diversos membros des- sas comunidades (2005, p. 313). Este foi um caminho na construção de projetos interdisci- plinares no PIBID e na criação de novas pontes entre escolas, educadores e estudantes.

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145 146 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História

Conclusão

PIBID – Ainda algumas palavras... Esta primeira experiência do PIBID teve uma curta du- ração de quatro semestres; portanto, qualquer avaliação final sobre os seus resultados ainda é precoce. No entanto, o envol- vimento dos professores e bolsistas da universidade, assim como dos alunos e professores das escolas sem dúvida demonstrou ser uma experiência enriquecedora, ainda mais que, desde o início do subprojeto, acreditávamos ser possível uma interlo- cução e uma abordagem interdisciplinar entre as três áreas do conhecimento. Cabe ressaltar que foi um desafio para todos os envolvidos participar desta proposta. Os objetivos inicialmente planejados foram alcançados, alguns plenamente, outros par- cialmente, o que não invalida a proposta. Convém destacar a realização de atividades construídas em parceria entre os alu- nos das licenciaturas e os professores envolvidos, incluindo aqueles que orientam os estágios, a partir das situações viven- ciadas no cotidiano escolar, práticas estas que foram sendo avaliadas e (re)construídas com reflexão e autorreflexão de to- dos os implicados. Mesmo enfrentando problemas e condições adversas, é inegável o crescimento na formação dos bolsistas, enquanto licenciandos, e a ampliação do seu conhecimento sobre a complexidade que envolve o ambiente escolar. Acreditamos que para outras etapas deva haver a supera- ção das resistências de alguns professores regentes nas escolas e/ou das dificuldades enfrentadas pelas escolas, desde a orga-

147 Conclusão nização até a destinação de espaço físico para que os bolsistas pibidianos possam sentir-se fazendo parte do ambiente esco- lar, pois o acolhimento e a receptividade das escolas às propos- tas do PIBID fazem toda a diferença no resultado. É importan- te que os professores admitam que somos provocados perma- nentemente a pensar novas maneiras de ser e agir para a educa- ção e para a escola, em um processo sem fim. Gostaríamos de destacar a pertinência do investimento no Programa PIBID, pois as escolas, que já não possuem ver- bas de grande envergadura, podem contar com profissionais e estudantes de licenciaturas dispostos a auxiliar na melhoria dos índices educacionais do nosso país e na construção de proces- sos reflexivos sobre práticas pedagógicas significativas. Pensa- mos que a formação de profissionais mais qualificados passa por experiências desde os primeiros semestres acadêmicos, si- tuação que o PIBID tem fomentado. Cabe ressaltar que houve um aumento no número de alu- nos participantes das atividades do PIBID, e com relativa assi- duidade. Percebemos que os alunos das escolas envolvidas esti- veram mais participativos e empenhados no desenvolvimento dos trabalhos, interferindo, questionando e demonstrando ca- pacidade no desempenho dos conteúdos e das habilidades traba- lhadas. No início tudo era novo, e o sentimento de desconfiança permeava os encontros. Com o passar do tempo, com a reflexão contínua, foi sendo construído um sentimento de segurança e de co-autoria com relação às atividades pedagógicas propostas, que foram sendo criadas com mais autonomia, bem como foram sen- do acolhidas com alegria por parte da comunidade escolar. Percebemos a contribuição do PIBID à comunidade em geral, não só pelo envolvimento, mas também através das ava- liações realizadas semestralmente e que envolviam todos os par- ticipantes. As atividades propostas buscaram ocupar o tempo

148 Iniciação à Docência em Ciências Sociais, Geografia e História que as crianças e adolescentes possuem e os inserir no processo de formação proposto pela escola. Neste processo criativo, ti- vemos que aprender a produzir em grupo, a criar e a assumir regras de convivência de equipe. O grupo de professores sabe que os saberes escolares e os conhecimentos acadêmicos são diferenciados entre si, porém indissociáveis. Romper com a dicotomia historicamente insti- tuída entre esses dois campos, diretamente relacionada à hie- rarquização de saberes socialmente constituídos como superi- ores, foi tarefa que nos propusemos alcançar através de trocas que ocorreram nos encontros entre professores e bolsistas, pro- fessores, bolsistas e professores das escolas envolvidas, numa tentativa de trabalharmos interdisciplinarmente. Quando professores e estudantes dos diferentes cursos decidiram participar do PIBID, assumiram o desafio de cons- truir novos laços que pudessem enredar seus saberes com aque- les produzidos por docentes e discentes da escola básica. Este novo enlace foi entendido como expressão de modos de agir e de pensar o conhecimento, incentivando desta forma os acadê- micos a ingressar na carreira do magistério. Nossas reuniões foram pautadas por constantes questionamentos. O questiona- mento é vital na construção do conhecimento. O ato de questi- onar passou a ser um instrumental de qualificação e foi incor- porado como o caminho para valorizar argumentos e buscar alternativas, algumas vezes através do campo específico, ou- tras vezes com a aproximação interdisciplinar. Como já foi dito, as referências do licenciando estão ali- cerçadas nas suas próprias vivências dentro e fora da escola e da universidade, condicionantes de suas trajetórias enquanto professor em formação. Nem sempre é processo fácil mirar-se como educador, enfrentar na prática o desafio de superar as experiências pedagógicas criticadas e os saberes históricos pro-

149 Conclusão blematizados, ou ainda assumir-se como autoridade adulta di- ante de crianças e adolescentes envoltos em suas próprias ques- tões de vida e de saber. O contato com a complexidade da chamada cultura es- colar transforma a vida de qualquer um e tem um impacto pro- fundo na experiência do sujeito comprometido com a busca do conhecimento. A experiência do PIBID trouxe novas reflexões sobre velhos temas, mas sempre significativas, que podem ani- mar e reforçar a opção pela profissão – ser professor sabendo que sempre se precisa saber mais!

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