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940 Planejamento Urbano e Regional de cidades pequenas e médias da Região Administrativa Central do estado de

Camila Moreno de Camargo Universidade Paulista [email protected]

Murilo da Silva Camargo Universidade Paulista - [email protected]

9o CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO PARA O PLANEJAMENTO URBANO, REGIONAL, INTEGRADO E SUSTENTÁVEL (PLURIS 2021) Pequenas cidades, grandes desafios, múltiplas oportunidades Águas de Lindóia - SP - Brasil 07, 08 e 09 de abril de 2021

PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL DE CIDADES PEQUENAS E MÉDIAS DA REGIÃO ADMINISTRATIVA CENTRAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

C. M. Camargo, M. Camargo

RESUMO

O trabalho apresenta a reunião e sistematização de dados e informações acerca da legislação urbanística dos vinte e sete municípios que compõem a Região Administrativa Central do estado de São Paulo (RACSP), cuja população atual ultrapassa um milhão de habitantes. A partir deste quadro, e procurando interagir com bibliografia já consolidada acerca das cidades médias paulistas e dos processos de planejamento regional que envolveram sua constituição e consolidação em rede, busca-se construir questões de investigação acerca das interfaces que envolvem a produção habitacional recente (ou o processo de expansão urbana atual) e a existência de Planos Diretores e Planos Setoriais, considerando suas sistemáticas alterações e complementações no tempo. Pretende-se fornecer evidências de um processo de reconfiguração territorial em curso bastante específico envolvendo a rede de cidades médias e pequenas do interior do estado.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo busca apresentar e discutir um determinado quadro constituído em torno do aparato legal recente voltado aos espaços urbanos do interior do estado de São Paulo, à luz de bibliografia consolidada acerca do processo de desconcentração produtiva que se deu a partir da década de 1970 no Brasil, como objetivo atrelado ao projeto de desenvolvimento apoiado na indústria que em curso desde meados da primeira metade do século. Apresenta resultados parciais de pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida no âmbito de Núcleo de estudos urbanos inserido na região de análise e, portanto, reúne importante subsídios para outras pesquisas em desenvolvimento.

Antes de nos cercarmos da região de análise propriamente dita, esta introdução apresenta brevemente alguns aspectos do referencial teórico que embasa a construção de algumas questões de pesquisa que, em um quadro mais abrangente, destaca que a formação da Macrometrópole Paulista é decorrente da reestruturação da divisão internacional do trabalho e da cadeia produtiva, intensificada nas últimas décadas do século XX, quando ocorre "uma mudança na forma de planejamento territorial no estado de São Paulo" vinculando-se "à tentativa de adaptação às novas demandas de mercado" (PROENÇA e SANTOS JR., 2019, p. 313). Para Tavares (2018), estas ações de planejamento tiveram como principal objetivo transformar a Macrometrópole Paulista numa região de planejamento, sobretudo a partir de

2008, quando se constituem os meios institucionais e um conjunto de investigações acerca da caracterização, morfologia e hierarquia funcional das redes urbanas paulista.

Como transbordamento do processo de metropolização, a complexa rede urbana composta por cidades médias, cidades pequenas e um sem número de distritos urbanos que pontilham o “entre cidades”, foi constituída a partir da desconcentração macroespacial da indústria que apresentou dois sentidos: de São Paulo em direção a outras regiões do país, e da Grande São Paulo em direção ao interior paulista (CANO, 2008). Neste último “vetor produtivo” (TAVARES, 2019), esse processo foi bastante acentuado e associado a reunião de algumas condições fundamentais e pré-existentes, muitas delas originadas nas peculiaridades históricas de seus processos de ocupação e desenvolvimento econômico, atrelados à economia do café.

Nesta cena, Cano (2008), corroborado por outros autores, identifica cinco fatores que induziram à desconcentração industrial em direção ao interior paulista e que caracterizam o fenômeno da “desconcentração concentrada”: i) as deseconomias de aglomeração da metrópole; ii) um conjunto de políticas, programas e ações, e a constituição de importantes grupos técnicos de trabalho associados ao governo estadual, que propiciaram uma atuação diversificada; iii) as políticas municipais de atração industrial; iv) as políticas federais de incentivo às exportações e o Proálcool, notadamente através do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND); e v) os grandes investimentos federais em indústrias de base e em centros de pesquisa.

Particularmente influiu na constituição e consolidação desta rede urbana o Programa de Cidades Médias (1974), que seguia as diretrizes do II PND, de criação de pólos regionais no interior dos Estados através da ampliação da malha viária e da transferência de recursos financeiros às prefeituras municipais para investimentos em infraestrutura (redes de saneamento básico, pavimentação asfáltica, obras de arte, construção de equipamentos públicos e financiamento para a construção de núcleos habitacionais), no sentido de tornar tais cidades receptoras de investimentos industriais privados.

É importante destacar que, nesta região, a interface com o espaço rural manteve-se essencial, sendo perceptível a interdependência entre alguns dos setores produtivos industriais com a necessidade direta de manutenção de áreas de cultivo agrícola neste território. Ainda assim, é possível afirmar que a região apresenta um conjunto de aspectos que a colocam em contato com uma discussão que avalia o processo de desconcentração produtiva iniciado em 1970 como processo de dispersão da metropolização (CUNHA, 2015), com ampliação das aglomerações urbanas frente a um contexto de reescalonamento da produção combinado a um reescalonamento da urbanização que requereu novos espaços de escalas e complexidades sobrepostas, para a produção do capital (BRENNER, 2010; BRANDÃO, 2012).

Na esteira desses processos, a dinamização econômica e a geração de emprego e renda tornaram-se temas centrais para diversas administrações municipais, condicionando, quando não subvertendo, as políticas urbanas municipais, ao qual se somou a ampliação do peso do segmento imobiliário na economia urbana, cuja resultante foi, para além da interiorização do desenvolvimento econômico, também da precariedade urbana. Desta perspectiva, interferiu sobre o arranjo territorial apresentado mais recentemente pelos municípios localizados neste vetor produtivo de caráter metropolitano, a dinâmica da produção habitacional caracterizada pelo crescimento acentuado das áreas urbanizadas em descompasso com o crescimento populacional observado (LOPES e SHIMBO, 2015), e pelo

aprofundamento de um padrão periférico que promove e intensifica as disparidades sociais decorrentes da localização urbana. Nestas cidades, a estruturação de um campo intensivo e extensivo de promoção habitacional foi caracterizado por uma relativa facilidade de acesso à terra – tanto urbanizada como posicionada nas franjas da zona urbana, ainda sem ou com pouca infraestrutura instalada, sujeita a uma regulação fundiária flexível e ajustável ao arranjo negocial – e por uma produção pautada na racionalidade industrial e economia de escala. O significativo excedente habitacional, por sua vez entrecortado por vazios urbanos especulativos e um sem número de lotes desocupados, alheio às lógicas de planejamento local e de definição das necessidades habitacionais, revela a disparidade entre a localização da oferta e distribuição da demanda.

Por um lado, estas dinâmicas reafirmam aspectos relacionados à mobilidade urbana regional caracterizada por demandas trabalho-moradia, mas por outro, associam-se a um reposicionamento territorial de determinados núcleos urbanos que relacionam de maneira distinta as noções de centro e periferia – e por desdobramento também as noções de desigualdade e de segregação –, para além daquelas circunscritas na escala intraurbana, que, ao que tudo indica, revelam interações bastante mais complexificadas entre a distribuição populacional em relação ao preço da terra. Nesta cena, destacam-se as cidades pequenas e distritos urbanos, que, participando desta escala de interações, obtiveram ampliação brutal da mancha urbana consolidada, a partir de novos loteamentos implantados voltados a uma parcela da população pobre com dificuldades de acesso formal à moradia em municípios ou localizações mais dinamizados. Servindo-se da complexa rede que compõem o sistema viário primário regional, essa população se submete a deslocamentos diários inter-regionais, e se configura demanda específica para o mercado imobiliário que aposta no dinamismo regional, sobretudo do ponto de vista da mobilidade urbana, que caracteriza o interior paulista. Por outro lado, como traço marcante de configuração destes mesmos territórios, revelam-se a forma-condomínio horizontal e os “loteamentos fechados” de médio e alto padrão, que já há mais tempo estabelecem uma relação bastante conflituosa com a legislação urbanística e de parcelamento do solo em seus vários níveis (CAMARGO, 2019).

Atenta-se para a qualidade de extensão das redes de infraestrutura financiada pelo Estado, que acompanham – e viabilizam – este crescimento urbano periférico, via investimentos em projetos urbanos específicos inseridos no tecido urbano consolidado, onde se combinam recursos federais, estaduais e municipais. Como desdobramentos mais recentes deste processo, tem-se o aprofundamento dos problemas que emergem da desarticulação entre a ocupação urbana e o meio físico. Neste cenário, observa-se o agravamento e proliferação dos eventos sistemáticos de enchentes relacionados à incapacidade da rede de drenagem e impermeabilização exagerada do solo, da piora da qualidade do atendimento das redes de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, da redução das áreas de preservação ambiental com quase aniquilamento de boa parte das nascentes que alimentam a complexa e rica rede hidrográfica presente nesta região do estado.

Atravessando estas dimensões de análise, parece relevante o papel ocupado pelos agentes e agenciamentos em torno da formulação e implementação dos Planos Diretores, as distintas formas que os processos de sua revisão assumiram, o lugar dos planos setoriais – notadamente os Planos Locais ou Municipais de Habitação de Interesse Social e de Mobilidade Urbana, obrigatórios à boa parte destes municípios –, e as modulações que determinam ou se desdobram do uso de determinados instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade, em legitimação aos processos efetivos de produção das cidades.

2 Caracterização geral: A Região Administrativa Central do Estado de São Paulo

Na esteira da expansão da produção capitalista no Brasil, a partir da metrópole paulistana e influenciada pelos deslocamentos de estratégias e investimentos, na década de 1970, a Região Administrativa Central do estado de São Paulo (RACSP) é parte do que pode ser entendido como transbordamento da Macrometrópole Paulista. Formada por vinte e sete municípios, abrange pouco mais de 1 milhão de habitantes e corresponde a 2% da população total do estado de São Paulo (SEADE, 2020), sendo responsável pela produção de 1,71% do PIB paulista (PIB Regional, SEADE, 2019).

Instituída através do Decreto 32.141, de 14 de agosto de 1990, o fato de não se configurar região constituída institucionalmente para fins de planejamento e gestão (a região tem status administrativo e a maior parte de seus municípios integrantes não compõem regiões metropolitanas nem aglomerações urbanas, ainda que se estabeleça entre situações deste tipo), faz com que o conjunto de informações sobre a existência e modos de operação de legislações urbanísticas seja disperso.

A RACSP apresenta estrutura produtiva multiespacializada e seus principais setores econômicos estratégicos são os de alimentos e bebidas, máquinas e equipamentos, minerais não metálicos e produtos têxteis. Combina indústria de alto valor agregado e de elevado conteúdo tecnológico com setores tradicionais da indústria de transformação. Por outro lado, abriga importantes centros e institutos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, sobretudo nos segmentos médicos e farmacêuticos, energia limpa e renovável, e biotecnologia, vinculados aos importantes campi universitários presentes na região (UFSCar e USP em São Carlos e UNESP em Araraquara, bem como outras instituições de ensino privadas), bem como, por exemplo, o braço da EMBRAER no município de Gavião Peixoto. A agroindústria tem participação expressiva e é voltada à produção de açúcar, frutas e ração (Desenvolve SP, ESP).

São ainda relevantes um conjunto de indicadores positivos de infraestrutura urbana e de qualidade de vida, por um lado associados aos planos e ações de desconcentração produtiva metropolitana que decorrem da década de 1970, e por outro lado vinculados a um contexto mais recente de melhoria nas condições urbanas (MARQUES, 2016) e de reestruturação nas formas de produção da habitação, sobretudo pela implementação dos Programas de Aceleração do Crescimento (PAC) e Minha Casa Minha Vida (MCMV) (ROLNIK, 2015), destacando-se o provimento através do programa estadual Casa Paulista.

A RACSP é caracterizada por um conjunto de dinâmicas e processos internos distintos que obedecem a uma dupla polarização como que formando duas áreas de influência – uma mais relacionada ao município de Araraquara e outra mais relacionada ao município de São Carlos (Figura 01). Neste quadro, mais diretamente interagirão com Araraquara, os municípios de Américo Brasiliense, Boa Esperança do Sul, Gavião Peixoto, , , , Rincão, Santa Lúcia, Tabatinga e , que formam a Região de Influência da cidade1. Com São Carlos, as relações mais se intensificam junto aos municípios de , Ribeirão Bonito e Dourado, bem como junto a municípios da Aglomeração Urbana de .

1 Com base nos estudos mais recentes sobre a rede urbana brasileira, disponibilizados pelo IBGE através das publicações “Região de Influência das Cidades” (2007) e sua atualização em 2018, os arranjos populacionais (AP) de Araraquara e São Carlos se classificam como Capitais Regionais de tipo C.

Destas interações, observa-se um processo de conurbação já mais consolidado entre Araraquara e Américo Brasiliense, e outro, em constituição, entre São Carlos e Ibaté, como efeitos do processo de expansão urbana combinados à precariedade periférica, lida a partir de uma abordagem regional. Desta perspectiva, destacam-se as taxas anuais de crescimento populacional exponenciais nas cidades pequenas desta região (Figura 1), em contraponto a taxas menores estabelecidas para seus dois municípios-sede, que apontam para um processo de expansão regional das relações econômicas e demográficas a partir das cidades médias, mais do que atreladas a processos internos ou circunscritos a cada município.

Fig.01 RACSP, com regiões de influência e taxas anuais de crescimento populacionais de cada município. Fonte: os autores.

Os dados apresentados na Tabela 1 apontam para um quadro de interações complexas representadas, em um primeiro plano, pela disparidade dos níveis de desenvolvimento dos municípios da RACSP. Do total de 27 municípios, 15 possuem menos de 20 mil habitantes e 2 possuem mais de 200 mil, apontando para forte relações de complementaridade e dependência, a partir das cidades médias. Américo Brasiliense, que apresenta pouco mais de 40 mil habitantes, apresenta a maior densidade demográfica. Destaca-se que o processo de conurbação que este município apresenta com Araraquara, justamente ocorre junto a região norte deste último, que, por sua vez, concentra conglomerados de bairros populares de altas densidades demográficas, e se constitui um importante vetor de expansão urbana periférica, tendo recebido muitos empreendimentos habitacionais recentemente, em geral vinculados ao programa MCMV.

De modo geral, os municípios apresentam IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) equivalentes ou pouco inferiores à média do estado de São Paulo, de 0,783 (PNUD/ SEADE, 2013). Justamente as duas cidades médias que polarizam as dinâmicas da região, Araraquara e São Carlos, é que apresentam IDHM acima de tal média. O PIB revela disparidades econômicas importantes e desiguais participações na economia da região e do estado. Neste enquadramento, Araraquara e São Carlos respondem por 50% do PIB da RACSP.

Ainda de acordo com a Tabela 01, no que tange ao PIB per capita, ressalta-se que 23 do total de municípios da RACSP apresentam números bastante inferiores a média do estado de São Paulo, equivalente a 46.412,30 reais (SEADE, 2017). Deste indicador, destacamos o PIB per capita do município de Gavião Peixoto, cerca de quatro vezes maior que a média do estado, fato bastante relacionado a presença da EMBRAER na cidade.

Tabela 1 Dados sócio-demográficos dos municípios da Região Administrativa Central do Estado de São Paulo (RACSP). Fonte: os autores, a partir de Fundação SEADE.

Município Área População Densidade PIB em reais PIB per IDHM Territorial (2020) Demográfica (2017) capita em (2010) (em km2) (hab/km²) reais (2018) (IBGE 2010) (2017) Américo 122,79 40.243 280,91 948.260,06 24.584,16 0,751 Brasiliense Araraquara 1.003,63 227.618 226,70 9.009.108,25 40.437,49 0,815 Boa Esperança do 690,75 14.582 19,75 365.407,47 25.547,61 0,681 Sul Borborema 552,26 15.323 26,31 409.114,29 27.068,56 0,73 Cândido 70,892 2.674 37,94 115.329,37 43.113,78 0,789 Rodrigues Descalvado 753,71 32.430 41,20 1.643.346,16 51.277,65 0,76 149,73 8.904 53,02 117.040,76 13.585,69 0,718 Dourado 205,87 8.482 41,82 595.048,62 69.874,19 0,738 Fernando 169,99 5.572 32,43 199.548,57 35.851,34 0,758 Prestes Gavião 243,77 4.610 18,13 839.815,06 184.453,12 0,719 Peixoto Guariba 270,29 39.021 131,29 889.457,03 23.400,61 0,719 Ibaté 290,98 34.738 105,74 915.872,65 27.280,85 0,703 Ibitinga 689,39 58.501 77,12 1.481.595,70 25.982,88 0,747 Itápolis 996,75 41.548 40,18 1.373.099,36 33.392,49 0,744 Matão 524,90 80.020 146,30 3.821.842,95 48.273,27 0,773 Motuca 228,70 4.638 18,76 87.131,86 19.208,96 0,741 Nova Europa 160,25 10.749 58,00 303.797,46 29.429,18 0,765 Porto Ferreira 244,91 54.102 209,88 1.975.018,49 37.012,40 0,751 Ribeirão 471,55 12.959 25,73 273.148,04 21.495,87 0,712 Bonito Rincão 316,64 10.496 32,96 213.765,68 20.424,77 0,734 São Carlos 1.136,91 242.632 195,15 10.475.654,56 44.208,91 0,805 Santa 134,42 5.525 41,42 92.067,58 16.636,71 0,738 Ernestina Santa Lúcia 154,03 8.562 53,55 127.361,34 15.029,66 0,737 Santa Rita do 754,14 26.385 35,11 641.179,00 24.269,62 0,775 Passa Quatro Tabatinga 368,60 15.897 39,74 278.225,09 17.903,80 0,704 Taquaritinga 594,34 54.499 90,95 1.469.101,45 27.044,82 0,748 Trabiju 63,42 1.703 24,35 43.206,23 26.138,07 0,722 RACSP 11.292,69 1.062.413 1.780,79 38.703.543,08 972.926,46 20,077

A distribuição da empregabilidade da população na RACSP2, expõe concentração nos setores secundário e terciário, sendo que: 28% das vagas de emprego se dão na indústria, 41% em serviços, 20% no comércio, 3% na construção civil, 8% na agropecuária e afins. Destaca-se que, apesar da concentração de empregos formais nas áreas urbanas, 50% da área territorial da RACSP é plantada, ou seja, é de produtividade agrícola (IPEADATA, 2014).

2 Conforme dados da SEADE e EMPLASA obtidos através do número de carteiras assinadas e pessoas jurídicas em funcionamento. Cabe ressaltar que o trabalho informal, bem como o trabalho no meio rural não se refletem com exatidão nos apontamentos da SEADE.

Desta perspectiva é que se ilumina a forte relação de complementaridades entre o meio rural e o urbano, condição de desenvolvimento de ambos na região, que conjuga a necessidade de aprofundamento de análises transescalares sobre os processos produtivos e seus efeitos no desenho destes territórios. Nesta direção, os múltiplos territórios que conformam, sobretudo, um conjunto de disputas visíveis sobre as áreas de interface urbano-rural híbridas, também irão revelar formas de governo bastante plurais, dissonâncias importantes entre instrumentos de regulação e de ordenamento territorial, com efeitos sobre vulnerabilidades distintas que se nublam com os indicadores, em geral, positivos da região.

Quando observada a distribuição da população exposta a situações de vulnerabilidade social, através do IPVS - Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (Figura 2), as disparidades apontadas se evidenciam, sobretudo quando lidas a partir de uma abordagem regional. Tem- se, nesta direção, que apenas 2 municípios, do total de 27 que compõem a RACSP, possuem menos de 20% da população concentradas nos Grupos 4 e 5 do IPVS3, justamente os municípios de Araraquara e São Carlos, cidade médias que polarizam as interações da região. Outros 10 municípios apresentam de 20 a 40% de sua população nesta condição. É o caso dos municípios de Borborema, Descalvado, Fernando Prestes, Gavião Peixoto, Ibitinga, Matão, Motuca, Nova Europa, Porto Ferreira e Santa Rita do Passa Quatro. Ainda, outros 10 municípios possuem de 40 a 60% de sua população concentrados nestes grupos e outros 5 municípios apresentam alarmantes “acima de 60%” de sua população nestas condições. São eles os municípios de Américo Brasiliense, Cândido Rodrigues, Dourado, Guariba, Ibaté, Itápolis, Rincão, Santa Ernestina e Tabatinga; e Boa Esperança do Sul, Dobrada, Ribeirão Bonito, Santa Lúcia e Trabiju, respectivamente.

2 5 abaixo de 20% de 20 a 40% 10 de 40 a 60% acima de 60% 10

Fig. 2 População nos grupos 4 e 5 do IPVS por quantidade de municípios da RACSP. Fonte: os autores, a partir de SEADE, 2010.

A infraestrutura rodoviária que marca um conjunto de dinâmicas sobre este território mais amplo, condiciona a localização de suas atividades produtivas que se concentram nas áreas lindeiras de cada eixo rodoviário, bem como favorece a fragmentação da mancha urbana e a distribuição dispersa da população. Apesar dos indicadores positivos sobre a infraestrutura

3 O IPVS – Índice Paulista de Vulnerabilidade Social é o indicador que mensura o grau de desigualdade social e pobreza intramunicipal, em cada setor censitário, única fonte de dados existente em escala intraurbana para todo o estado de São Paulo, sendo definidos como um agrupamento contíguo de aproximadamente 300 domicílios. Desenvolvido pela Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados de São Paulo), este indicador se apoia conceitualmente em pressupostos que partem da constatação que inúmeras dimensões da pobreza precisam ser consideradas em um estudo sobre vulnerabilidade social. Os sete grupos do IPVS sintetizam as situações de maior ou menor vulnerabilidade, a partir de um gradiente das condições socioeconômicas e do perfil demográfico (sendo o grupo 1 o de menor vulnerabilidade, o grupo 4 de média vulnerabilidade e o grupo 5 o de maior vulnerabilidade social em contextos urbanos, e os grupos 6 e 7 correspondentes a contextos rurais) (Disponível em: http://www.seade.gov.br/lista-produtos/).

e a dinamização econômica, o espaço rural apresenta formas de moradia e de trabalho precárias, expressas por uma constelação de assentamentos rurais e núcleos irregulares habitacionais, abrindo uma questão cara à RACSP sobre as ocupações irregulares nas zonas rurais dos municípios. Por muitas vezes, ocorrem em áreas próximas de mananciais e outros ativos ambientais da região, expondo conflitos relativos ao abastecimento de água e outros impactos ambientais.

Por outro lado, interfere de maneira unívoca sobre seu arranjo territorial, sobretudo nos últimos anos, a dinâmica da produção habitacional, sobretudo vinculada ao PMCMV (Figura 3), caracterizada pelo crescimento acentuado das áreas urbanizadas em descompasso com o crescimento populacional observado, e pelo aprofundamento de um padrão periférico que promove e intensifica as disparidades sociais decorrentes da localização urbana.

TAQUARITINGA 513 383 TABATINGA 271 133 SÃO CARLOS 2792 512 5288 2497 PORTO FERREIRA 232 MATÃO 658 60 ITÁPOLIS 407132 220 65 IBITINGA 634 709 IBATÉ 852 DOURADO 100 DESCALVADO 45 BORBOREMA 159 ARARAQUARA 4207 416 5852 2829 0 2000 4000 6000 8000 10000 12000 14000

Faixa 1 Faixa 1,5 Faixa 2 Faixa 3

Fig. 3 Unidades habitacionais contratadas pelo Programa MCMV na RACSP. Fonte: CAMARGO, 2019.

Por outra lente, os municípios que compõem esta extensa região inserem-se em quatro Unidades Geográficas de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado (UGRHI): Mogi- Guaçu, Tietê/Jacaré, Turvo/Grande, Tietê/Batalha. A região também conta com (quantidade) Unidades de Conservação de Uso Sustentável e de Proteção Integral, e Áreas de Preservação Ambiental (APAs), com importância estratégica em termos de conservação dos fragmentos de remanescentes de cobertura vegetal, de recomposição florestal, de proteção dos mananciais, de preservação de serviços ecossistêmicos essenciais, de controle do clima, inundação e estiagem, e da ciclagem de nutrientes.

Os municípios da RACSP apresentam, em geral, percentuais de abastecimento de água, coleta e afastamento de esgoto, e tratamento do esgoto superiores às médias apresentadas pelo Estado de São Paulo, respectivamente de 95%, 91% e 62% (IBGE, 2010), – indicadores estes mais prejudicados em algumas cidades pequenas –, e são ainda mais elevados quando consideradas apenas as áreas urbanas. Do ponto de vista intraurbano, tanto a cobertura dos sistemas de atendimento de água como o de esgotamento sanitário, relacionam-se diretamente à inserção urbana dos domicílios. Em geral, as maiores porcentagens de domicílios conectados à rede de água correspondem às áreas urbanas centrais dos

municípios, que, por sua vez, apresentam maior densidade de ocupação (construtiva). Inversamente, a menor cobertura se relaciona a áreas rurais ou a domicílios localizados em áreas periurbanas, de importante densidade demográfica. Assim, quando considerada apenas as áreas urbanas dos municípios, os índices de atendimento de água são mais elevados. De forma semelhante se apresenta a distribuição dos domicílios conectados à rede de esgoto.

As questões da macrodrenagem da RACSP estão intrinsecamente relacionadas aos padrões de desenvolvimento urbano que, em geral, se estabeleceu nos municípios da região. São traduções deste fato: a ocupação inadequada de áreas naturalmente inundáveis; a canalização e/ou tamponamento de rios e córregos; a excessiva impermeabilização do solo urbano; a ocorrência de processos erosivos potencializados por interferências antrópicas inadequadas; as intervenções pontuais que levam pouco em conta um olhar sistêmico sobre o território e o meio físico natural.

3 PLANOS DIRETORES E PLANOS SETORIAIS NA RACSP

A pesquisa se dedicou, em um de seus eixos, em levantar informações sobre a legislação urbanística vigente nos municípios da RACSP, de modo a compor um quadro ou panorama sobre sua existência, bem como apontar para um conjunto de evidências de processos combinados entre o padrão de urbanização presente nesta região e ajustes sistemáticos do aparato legal voltados a sua efetivação. Os Planos Diretores que a pesquisa levantou, e seus processos de complementação, alteração e revisão, são aqueles constituídos posteriormente a aprovação do Estatuto da Cidade (Lei Federal n. 10.257/2001).

As informações foram coletadas a partir dos sítios eletrônicos das Prefeituras Municipais, utilizando-se determinadas palavras-chave em campos de busca por legislação. Este procedimento de pesquisa alinha-se a exigência de transparência dos dados e informações públicas e aos pressupostos de participação dos cidadãos no que diz respeito aos modos de planejamento e gestão urbanos conduzidos pelo Poder Público. Sendo assim, partimos do princípio de que a principal lei de ordenamento e regulação urbana, o Plano Diretor, deve estar disponível aos cidadãos, assim como suas leis complementares.

Neste enquadramento, levantou-se a lei vigente de instituição do Plano Diretor dos municípios da RACSP e as leis municipais complementares subsequentes (Tabela 2). A indicação de existência de Plano Diretor anterior ao vigente ilumina os momentos de revisão a partir dos quais se insere a região na discussão recente sobre o “segundo tempo” de Planos Diretores pós Estatuto da Cidade, onde se conjugam importantes reconfigurações nos modos de implementação dos instrumentos urbanísticos previstos na lei federal, em geral, vinculados a flexibilizações que objetivam novos processos de expansão da malha urbana.

Tabela 2 Planos Diretores e Leis Complementares na RACSP. Fonte: os autores.

Município Plano Diretor Alterações/ Complementações Vigente (no/ano) do Plano Diretor (Lei Complementar no./ ano) Américo Brasiliense 007/2006 065/2006; 093/2009; 106/2010; 108/2011; 122/2012; 127/2012; 129/2012; 132/2013; 164/2015; 168/2015 Araraquara 850/2014 (revisão) 858/2014; 875/2016; 919/2019 Boa Esperança do Sul - - Borborema 031/2010 046/2012; 047/2012; 078/2015; 081/2016 Cândido Rodrigues - - Descalvado 4.031/2016 -

Dobrada 026/2009 - Dourado - - Fernando Prestes - - Gavião Peixoto 087/2015 - 2.163/2006 2.296/2008; 2.498/2011; 2.606/2012; 2.646/2012; Guariba 2.732/2013; 2.762/2014; 3.087/2017; 3.237/2019 Ibaté 001/2006 2.503/2009; 2.634/2011 Ibitinga 2.908/2006 3.005/2007; 011/2019 Itápolis 2.332/2006 - 3.800/2006 4.110/2009; 4.412/2011; 4.382/2011; 4.596/2013; Matão 4.606/2013; 4.627/2013; 4.632/2013; 4.741/2014; 4.842/2015; 5.184/2018; 5.208/2018 Motuca - - Nova Europa - - Porto Ferreira 074/2007 018/2007 Ribeirão Bonito - - Rincão - - 18.053/2016 18.927/2018; 19.165/2019 São Carlos (revisão) Santa Ernestina - - Santa Lúcia - - Santa Rita do Passa 2.667/2006 - Quatro Tabatinga 051/2016 - 3.601/2017 3.931/2011; 3.986/2012; 4.042/2013; 4.152/2014; Taquaritinga 4.433/2017 Trabiju - -

Neste caso, podemos observar que somente os municípios de Araraquara e São Carlos apresentam Planos Diretores vigentes constituídos a partir de processos de revisão de planos anteriores formulados logo após a aprovação do Estatuto da Cidade. Além disso, dos 27 municípios da RACSP, ainda que 15 não tenham atingido a população de 20 mil habitantes – para os quais o Plano Diretor é exigência –, somente 10 ainda não os possuem aprovados (Figura 4) . Dos outros 17 municípios que possuem Planos Diretores vigentes, é importante notar que 5 formularam e aprovaram seus primeiros planos na última década, concomitantemente ao período de produção habitacional mais expressiva.

Fig. 4 Municípios da Região Administrativa Central do Estado de São Paulo (RACSP) e Planos Diretores vigentes. Fonte: os autores.

No que diz respeito a análise sobre a existência de planos setoriais, o mesmo procedimento de pesquisa foi aplicado junto aos sítios eletrônicos das Prefeituras Municipais. Concentrou- se em levantar e sistematizar os Planos de Mobilidade Urbana (PlanMob), de Habitação de Interesse Social (PLHIS), de Saneamento e de Meio Ambiente (Figura 5).

14 22 27 26 13 5 1 PLANO DE PLANO DE PLANO DE PLANO DE MEIO MOBILIDADE HABITAÇÃO DE SANEAMENTO AMBIENTE URBANA INTERESSE SOCIAL

SIM NÃO

Fig. 5 Existência de Planos Setoriais nos municípios da RACSP. Fonte: os autores.

Apesar da reconhecida importância em se estabelecer Planos Setoriais que dialoguem com o Plano Diretor democraticamente constituído no âmbito dos municípios, destacamos sua quase inexistência e ineficácia na RACSP.O fato de nenhum município desta região possuir PLHIS, em contraponto à expressiva produção habitacional empreendida recentemente e seus efeitos já bastante discutido do ponto de vista da inserção urbana destas novas moradias, evidencia o pouco controle do processo de expansão urbana por parte do Poder Público frente as demandas do mercado imobiliário. Quando considerados em conjunto, tais Planos poderiam constituir-se instrumentos importantes para a definição de um conjunto de diretrizes e estratégias de planejamento regionais, visto que respondem à dinâmicas que escapam dos limites municipais e apresentam-se atravessando várias escalas.

4 CONCLUSÕES

Os dados e informações apresentados foram sistematizados a partir de base aberta de dados de importantes institutos de pesquisa do país. Considerando que a RACSP não foi instituída como região de planejamento e gestão urbanos (tem finalidade administrativa), os dados dos municípios que a compõem são dispersos e exigem grande esforço de levantamento, sistematização e análise. Ressaltamos que a região situa-se entre regiões metropolitanas e aglomerações urbanas instituídas pelo Estado e que suas dinâmicas e interações podem ser lidas como transbordamentos do processo de macrometropolização em curso desde a década de 1970.

O cruzamento de dados sócio-demográficos e de análise quantitativa sobre a legislação urbanística vigente nos municípios da RACSP, oferecem importantes evidências e um conjunto promissor de questões de investigação sobre os processos que reforçam o caráter segragatório e desigual do padrão de urbanização de cidades brasileiras, onde se combinam agenciamentos em torno da formulação e implementação de planos diretores, planos setoriais e instrumentos urbanísticos, e importantes especificidades iluminadas por uma abordagem que seja regional.

5 AGRADECIMENTOS

Agradecemos a bolsa de pesquisa do Programa de Iniciação Científica - UNIP.

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