Barbosa ABR et al. EspessamentoARTIGO DE parietal REVISÃO da vesícula• REVIEW biliar ARTICLE

Espessamento parietal da vesícula biliar no exame ultrassonográfico: como interpretar?* wall thickening at ultrasonography: how to interpret it?

Aldo Benjamim Rodrigues Barbosa1, Luis Ronan Marquez Ferreira de Souza2, Rogério Silva Pereira3, Giuseppe D’Ippolito4

Resumo O objetivo desta revisão é fornecer auxílio na interpretação correta do espessamento das paredes da vesícula biliar e seus possíveis diagnósticos diferenciais. O espessamento da vesícula biliar é um achado frequente em exame de ul- trassonografia e um tema de grande interesse, por ter sido considerado durante muito tempo como sinal específico de colecistite aguda, apesar de se reconhecer que ocorre em uma série de outras situações clínicas. A adequada carac- terização e interpretação desse achado é de grande importância, pois o diagnóstico correto tem impacto direto no tratamento, que em alguns casos inclui intervenção cirúrgica. Neste artigo procuramos apresentar um conjunto de sinais ultrassonográficos que, associados ao quadro clínico e laboratorial do paciente, permitem restringir as alterna- tivas diagnósticas e estabelecer, com maior precisão, a causa do espessamento parietal da vesícula biliar, através de uma avaliação racional dos dados obtidos. Unitermos: Vesícula biliar; Ultrassonografia; Inflamação; Neoplasia.

Abstract The present review was aimed at providing help for correct interpretation of gallbladder wall thickening and differential diagnosis at ultrasonography. Gallbladder wall thickening is a frequent sonographic finding and has been subject of great interest for being considered as a hallmark feature of acute , despite the fact that such a finding is observed in a number of other medical conditions. An appropriate characterization and interpretation of this finding is of great importance, considering that the correct diagnosis has a direct impact on the treatment that in some cases includes surgery. In the present article, the authors describe a set of sonographic signs that, in association with clinical and laboratory findings can reduce the number of diagnostic hypotheses allowing a more accurate establishment of the cause for gallbladder wall thickening through a rational data evaluation. Keywords: Gallbladder; Ultrasonography; Inflammation; Neoplasm.

Barbosa ABR, Souza LRMF, Pereira RS, D’Ippolito G. Espessamento parietal da vesícula biliar no exame ultrassonográfico: como in- terpretar? Radiol Bras. 2011 Nov/Dez;44(6):381–387.

INTRODUÇÃO ter sido considerado um sinal altamente seguro, inócuo e de baixo custo. Possibilita sugestivo de colecistite aguda. Este con- um estudo detalhado em tempo real da VB, O espessamento da vesícula biliar (VB) ceito, porém, tem-se modificado, principal- além de permitir a avaliação de outros acha- é um tema polêmico entre os ultrassonogra- mente em decorrência de uma maior expe- dos que contribuem para o diagnóstico fi- fistas, por ser frequente e por muito tempo riência dos profissionais envolvidos no nal, evitando, assim, colecistectomias des- diagnóstico por imagem e uma expressiva necessárias e suas complicações(3–5). Além * Trabalho realizado nos Departamentos de Diagnóstico por evolução tecnológica dos equipamentos de disso, a US pré-operatória (24 a 48 horas Imagem da Santa Casa de Misericórdia de Ituverava, Ituverava, (1) SP, e da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Ube- ultrassonografia (US) . antes da cirurgia) pode ser utilizada como raba, MG, Brasil. Entre as diversas doenças que provocam método seguro e eficaz para evitar a colan- 1. Médico Radiologista da Santa Casa de Misericórdia de Itu- verava, Aluno Especial do Curso de Pós-Graduação em Patolo- espessamento das paredes da VB, podemos giopancreatografia retrógrada endoscópica gia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Ube- citar, além da colecistite aguda, a pancrea- (CPRE) intraoperatória(6). Neste artigo o raba, MG, Brasil. 2. Doutor, Professor Adjunto da Universidade Federal do Triân- tite, a diverticulite, a insuficiência cardíaca, espessamento parietal da VB é contextua- gulo Mineiro (UFTM), Uberaba, MG, Brasil. a pielonefrite e a hepatite. A adequada ca- lizado de modo a orientar sua precisa inter- 3. Médico Radiologista do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Santa Casa de Misericórdia de Ituverava, Ituverava, racterização e interpretação desse achado pretação à luz dos dados clínicos e a per- SP, Brasil. é de grande importância. O diagnóstico mitir a escolha da terapêutica pertinente. 4. Pós-Doutorado, Professor Associado do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo correto tem impacto direto no tratamento, (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil. e algumas destas enfermidades requerem ANATOMIA E TÉCNICA Endereço para correspondência: Dr. Luis Ronan M. F. de intervenção cirúrgica(2). Souza. Radiologia e Diagnóstico por Imagem. Avenida Frei Pau- ULTRASSONOGRÁFICA lino, 30, Bairro Abadia. Uberaba, MG, Brasil, 38080-793. E-mail: A US é o método de imagem inicial para [email protected] a abordagem diagnóstica e avaliação do sis- A VB é uma víscera oca em formato de Recebido para publicação em 23/1/2011. Aceito, após revi- são, em 3/6/2011. tema biliar, pois é amplamente disponível, pera, de paredes finas e regulares, situada

Radiol Bras. 2011 Nov/Dez;44(6):381–387 381 0100-3984 © Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Barbosa ABR et al. Espessamento parietal da vesícula biliar na fossa vesicular entre os segmentos IV e V do fígado, uma área “nua” do fígado, não recoberta pelo peritônio visceral(7). A VB divide-se em: infundíbulo, corpo e fundo (Figura 1). Ela possui quatro camadas: uma mucosa, formada por epitélio colunar sim- ples e por uma lâmina basal; uma segunda camada, constituída por tecido muscular irregular; uma terceira camada, de tecido conjuntivo frouxo; e uma última camada, formada pela serosa(8–10). Possui a função de armazenar a bile e apresenta um volume de 30 a 50 ml(6). O estudo ultrassonográfico da VB é rea- lizado rotineiramente com transdutor con- vexo. Para obtenção de imagens adequa- das, o ideal é que seja feito um exame sis- tematizado com cortes longitudinais e transversais do órgão, avaliando sua forma, dimensões, espessura, regularidade e pa- Figura 1. Anatomia laparoscópica (a,b,c) comparada com anatomia ultrassonográfica (d) demonstrando drão textural de suas paredes, conteúdo, o infundíbulo, o corpo e o fundo vesicular. além de alterações locorregionais e dop- plervelocimétricas(8). Para auxiliar a ava- jejum prolongado(9). Outra causa de “pseu- menos expressivos, ao contrário de lesões liação ultrassonográfica, os equipamentos doespessamento” está relacionada à inso- tumorais que provocam espessamentos fo- possuem recursos que elevam a acurácia nação errônea do transdutor. Nesta condi- cais e mais exuberantes, frequentemente do método, como, por exemplo, a imagem ção, a realização de manobras de mudan- maiores que 10 mm(7). Alguns sinais asso- harmônica, que possibilita um aumento na ças de decúbito auxilia na definição da ver- ciados permitem direcionar o diagnóstico resolução lateral, relação sinal-ruído e con- dadeira espessura da parede da VB. Um para uma etiologia mais específica(9–11). traste-ruído(9). diagnóstico diferencial importante nestes Entre eles podem ser citados: dilatação das As imagens ultrassonográficas permi- casos é a alteração funcional da VB(10,11) vias biliares, presença de cálculo fixo, lí- tem uma representação fidedigna da VB, (Figura 2). quido perivesicular, linfonodomegalias podendo-se correlacioná-las com a sua es- O espessamento parietal da VB é clas- hilares, heterogeneidade da gordura perive- trutura anatômica. É possível a identifica- sificado em discreto (entre 4 e 7 mm) ou sicular e aumento do diâmetro transversal ção ultrassonográfica de três camadas: a acentuado (maior que 7 mm) e em focal ou da VB. As doenças que provocam espessa- mais interna corresponde à mucosa, é li- difuso. Em regra, doenças sistêmicas tais mento da parede da VB podem ser classifi- near, ecogênica e apresenta superfície re- como insuficiência cardíaca, renal ou he- cadas em inflamatórias, neoplásicas e sistê- gular; a segunda camada corresponde à ca- pática promovem espessamentos difusos e micas, e sua diferenciação pode ser obtida mada muscular, é fina e discretamente hi- poecogênica; e a mais externa corresponde à serosa do órgão, é linear, ecogênica e re- gular(1,9). Segundo diversos autores(1,2), o limite superior da normalidade para a espessura da parede da VB é de 3 mm. Entretanto, em pacientes com jejum inadequado, a espes- sura parietal pode exceder esse limite em razão da contração da musculatura lisa do órgão(8). Recomenda-se, então, um jejum de 8 horas antecedendo ao exame, princi- palmente naqueles casos nos quais a VB é o foco de atenção do estudo. O principal diagnóstico diferencial de espessamento ab parietal é o de alterações funcionais do ór- Figura 2. Paciente apresentando dispepsia. Nota-se vesícula de paredes espessadas e murcha (seta) gão, em que se observa VB murcha persis- na primeira avaliação (a), que se mantém com jejum prolongado de 12 horas (pontas de setas em b). tentemente, mesmo após a reavaliação em O aspecto ultrassonográfico sugere representar dismotilidade vesicular.

382 Radiol Bras. 2011 Nov/Dez;44(6):381–387 Barbosa ABR et al. Espessamento parietal da vesícula biliar através de uma avaliação combinada dos parede da vesícula, semelhante à colecis- mor da cabeça pancreática ou uma colan- aspectos clínicos e de imagem. tite aguda. A ressonância magnética (RM) gite esclerosante primária(11) (Figura 5). e a colangio-RM são bastante úteis nestes Colecistite crônica calculosa CAUSAS INFLAMATÓRIAS casos, principalmente para afastar um tu- Consiste em um processo inflamatório Colecistite aguda calculosa da VB decorrente da obstrução transitória É a complicação inflamatória mais co- desta, causando inflamação e fibrose(11,12). mum que acomete a VB, relacionada a co- A vesícula em porcelana é uma rara forma ledocolitíase em 90% a 95% dos casos. É de colecistopatia crônica, em que as pare- a quarta causa mais comum de abdome  des da VB estão calcificadas parcial ou agudo que necessita de internação hospita- completamente. Apesar de não haver con- lar(3). Em 95% dos casos decorre da obstru- senso, muitos autores consideram que o ção persistente por cálculos no infundíbulo processo inflamatório é um fator de risco ou no ducto cístico. Apesar de não ser pa- para o carcinoma da VB, e, mesmo sendo tognomônico, é a principal causa de espes- um achado acidental em pacientes assinto- samento ultrassonográfico da VB. Em ge- máticos submetidos a exames ultrassono- Figura 3. Colecistite enfisematosa. Notar, na pa- ral, a parede da VB mede menos que 7 mm rede da vesícula, imagens ecogênicas parietais com gráficos de rotina, muitos defendem a co- de espessura, tem contornos regulares e as- reverberação acústica compatíveis com gás (seta). lecistectomia profilática(1,3,13) (Figura 4). pecto trilaminar(3,9,11). Este padrão ecotextu- ral das paredes vesiculares pode se modifi- car, como, por exemplo, nos casos de cole- cistite enfisematosa, em que há imagens ecogênicas parietais com reverberação acústica compatíveis com gás(12) (Figura 3). Outros achados ultrassonográficos são importantes por aumentarem a especifici- dade do método, tais como: cálculo impac- tado no colédoco com dilatação a mon- tante, cálculo no infundíbulo, VB tensa com diâmetro transverso maior que 4 cm (denominada de VB hidrópica), descom- pressão dolorosa positiva no ponto cístico (Murphy ultrassonográfico), líquido peri- vesicular e hiperfluxo de suas paredes ao ab Doppler(5) (Figura 4). A sensibilidade da US varia entre 80% Figura 4. Paciente do sexo feminino, 45 anos, com forte dor abdominal no hipocôndrio direito, com e 100%, e a especificidade, entre 60% irradiação para região escapular. Sinal de Murphy positivo. Observa-se, nas figuras a e b, a vesícula tensa e de paredes espessadas, com cálculos no seu interior. e100%. O valor preditivo positivo da iden- tificação do calculo é de 88%, e quando associado ao sinal de Murphy se eleva para ab 92%. O espessamento da parede da VB associado ao sinal de Murphy tem um va- lor preditivo positivo de até 94%(11,12). Outra condição rara que determina es- pessamento vesicular associado a processo inflamatório é a síndrome de Mirizzi. Nesta situação, o cálculo impacta no ducto cístico ou no infundíbulo da VB, gerando dilata- ção da via biliar, causando compressão do ducto hepático comum ou inflamação se- cundária que produz edema ou fibrose na parede do ducto. Ao exame de US obser- va-se, além do cálculo impactado, um colé- Figura 5. Síndrome de Mirizzi. a: Sequência de colangio-RM, ponderação T2, coronal oblíquo. b: Ren- doco distal com calibre normal, sinais infla- derização de volume de colangio-RM. Neste caso o cálculo impactou no ducto cístico, gerando dilatação matórios peribiliares e o espessamento da da via biliar, causando compressão do ducto hepático comum.

Radiol Bras. 2011 Nov/Dez;44(6):381–387 383 Barbosa ABR et al. Espessamento parietal da vesícula biliar

Colecistite alitiásica Trata-se de entidade incomum e grave, acometendo indivíduos diabéticos e em mau estado geral. É mais comum em pacientes internados (ventilação mecânica e hiperali- mentação) e vítimas de trauma ou em gran- des queimados, com alta taxa de mortali- dade. Foi descrita em 1970 em soldados gravemente feridos na guerra do Vietnã(14). Durante a interpretação dos achados ul- trassonográficos, ou seja, espessamento pa- ab rietal vesicular, VB tensa, distendida e lí- quido perivesicular, a correlação com o Figura 7. Pielonefrite difusa e unilateral. A US do abdome superior (a) não identificou cálculos na VB ou aumento do seu diâmetro, porém as paredes estavam espessadas. Na TC abdominal com constraste contexto clínico é fundamental para o diag- intravenoso (b) observam-se nefrograma heterogêneo e aumento volumétrico do rim direito, levando a nóstico correto(3,14). A ausência do sinal de espessamento da parede da vesícula biliar (seta). Murphy ultrassonográfico não descarta o diagnóstico(14,15) (Figura 6). a possível infiltração locorregional. Pode- das as lesões polipoides, e na maioria das se encontrar linfonodomegalia e coexistên- vezes não possui potencial maligno(1). Os cia com câncer de vesícula biliar. pacientes não apresentam sintomas e ao O principal sinal ultrassonográfico é o exame identifica-se imagem nodular eco- espessamento difuso da parede vesicular, gênica, bem definida e fixa. Os principais além de nódulos hipoecoicos, que podem diferenciais incluem adenoma e adenocar- ser encontrados em até 35% dos pacien- cinoma(1,19). tes(3,17,18). Estes casos podem ser indistin- A US bidimensional não é capaz de di- guíveis da forma infiltrativa do carcinoma ferenciar as pequenas lesões polipoides da VB(18). Clinicamente, se manifesta com neoplásicas e não neoplásicas, porém al- quadro de colecistite aguda em mulheres guns trabalhos têm mostrado a utilidade da com idade em torno de 60 a 70 anos. US tridimensional no diagnóstico diferen- cial entre os pólipos (Figura 8). Nestes ca- Figura 6. Colecisite alitiásica. Observar o espes- Adenomiomatose da vesícula biliar sos, a RM pode ser muito útil nessa dife- samento difuso da parede vesicular, com fluxo ao (20) Doppler colorido e mínima coleção líquida adja- Caracteriza-se pela proliferação exces- renciação . cente. Todos estes achados são frequentes na co- siva do epitélio superficial em direção aos lecistite, neste caso, não associada a cálculos. seios de Rokitansky-Aschoff, determinando Vesícula em porcelana espessamento parietal que pode ser focal, É uma variante incomum da colecistite Frequentemente, a colecistite alitiásica segmentar ou difuso(5). A principal forma crônica, caracterizada pela extensa calcifi- é diagnosticada erroneamente, pois alguns de apresentação ultrassonográfica é de es- cação das paredes da VB, que pode estar ultrassonografistas atribuem de forma equi- pessamento parietal segmentar com múlti- parcial ou completamente acometida. O vocada à colecistite crônica acalculosa o plos focos ecogênicos intramurais, que de- espessamento secundário determinado por terminam artefato de reverberação sonora doenças sistêmicas, como, por exemplo, a posterior, conhecido como artefato em pielonefrite(16). Outra interpretação errô- “cauda de cometa”. Não se observam ou- nea comum ocorre nos casos de colecistite tros sinais como distensão da VB, líquido aguda decorrente de pequenos cálculos perivesicular e Murphy ultrassonográfico obstrutivos no colédoco e não visualiza- positivo(3,18). dos(3) (Figura 7). É condição não inflamatória benigna da VB, encontrada em 8,7% das colecistecto- Colecistite xantogranulomatosa mias(5). Manifesta-se como dor persistente É enfermidade incomum, descrita no no hipocôndrio direito, mais comum em início da década de 1980 como uma forma mulheres, e associa-se com cálculos em pseudotumoral de colecistite crônica calcu- 90% dos casos. Na persistência dos sinto- (5,15) losa, secundária ao extravasamento de bile mas, a colecistectomia está indicada . Figura 8. Colesterolose da VB com imagem poli- na parede vesicular e frequentemente asso- poide no fundo vesicular. Observam-se pontos eco- ciada ao adenocarcinoma(17,18). No estudo Pólipo de colesterol gênicos com reverberação acústica nas paredes da VB, correspondendo à colesterolose (pontas de macroscópico observa-se espessamento O espessamento focal e nodular das pa- setas) associada a lesão polipoide no fundo vesi- nodular das paredes associado a cálculos e redes da VB representa cerca de 50% de to- cular (seta).

384 Radiol Bras. 2011 Nov/Dez;44(6):381–387 Barbosa ABR et al. Espessamento parietal da vesícula biliar termo “porcelana” é utilizado devido sua da doença, em razão da escassez de sinto- lúmen. A forma mais frequente de apresen- consistência e aspecto (Figura 9). A sua pre- mas. Quando presentes, os sintomas ini- tação é de uma grande lesão sólida na fossa valência em colecistectomias é de 0,06% a ciais são inespecíficos e incluem perda de vesicular associada a cálculos e com exten- 0,8%. Em 95% dos casos, encontra-se co- peso, dor abdominal, febre e icterícia(1,2,7,16) são para o fígado e órgãos adjacentes (Fi- lelitíase associada. É cinco vezes mais co- e estão frequentemente associados a cálcu- gura 10). mum em mulheres do que em homens, los (73% a 98%)(6). Apenas 1% das colecis- Quando nos deparamos com espessa- mais frequente nas quinta e sexta décadas tectomias realizadas por colelitíase demons- mento parietal focal ou assimétrico e supe- da vida(7,12). No início do século 20, acre- tram carcinoma de vesícula incidental(2). O rior a 10 mm, a possibilidade de neoplasia ditava-se que existia uma associação com mais importante fator de risco é a presença é elevada. Nestes casos, a caracterização de neoplasia, porém estudos publicados mais do processo inflamatório crônico usual- outros fatores como linfonomegalia locor- recentemente não confirmaram os achados mente desencadeado pelos cálculos. Os regional fortalece a hipótese diagnóstica. A iniciais, mostrando, assim, uma baixa in- principais diagnósticos diferenciais incluem tomografia computadorizada (TC) mostra cidência de coexistência de neoplasia com colecistite aguda complicada, carcinoma um padrão de realce característico nas le- VB em porcelana(20,21). hepatocelular e metástases para a fossa sões suspeitadas de malignidade, com im- vesicular. pregnação de contraste iodado na fase ar- CAUSAS NEOPLÁSICAS O tipo histológico maligno que mais terial, tornado-se isodensa na fase de equi- frequentemente acomete a VB é o adeno- líbrio(22,23). A RM mostra imagens hiperin- Carcinoma da vesícula biliar carcinoma, que ocorre em 90% dos casos. tensas e heterogêneas em sequências pon- É a neoplasia mais comum do sistema Este tumor apresenta, geralmente, três pa- deradas em T2 e hipointensas nas sequên- biliar, com 2,5 novos casos por 100.000 ha- drões de imagem: a) massa ocupando e cias ponderadas em T1, com realce após o bitantes por ano. Possui elevada mortali- obscurecendo o leito vesicular; b) espessa- contraste. Nos casos de espessamento di- dade, pois o seu diagnóstico na maioria das mento parietal focal ou difuso; c) lesão po- fuso com infiltração uniforme, seu aspecto vezes é feito nos estágios mais avançados lipoide parietal que se projeta para o seu de imagem é similar à colecistite crônica(21). A precisa diferenciação das lesões po- lipoides malignas e benignas não é possí- vel de ser feita somente pela US. Em ge- ral, pólipos malignos são maiores que 1 cm e raramente apresentam calcificações e ne- crose. Possuem um realce precoce e prolon- gado após a administração do gadolínio, ao contrário das lesões benignas, que apre- sentam realce precoce com subsequente washout(21–23).

Metástases para a vesícula biliar Alguns tumores, tais como tumor car- ab cinoide, linfoma, carcinoma de mama e Figura 9. US (a) e raios-X (b) do abdome de um paciente com 50 anos apresentando desconforto ab- sarcomas, enviam metástases para a VB, dominal. Observar VB biliar em porcelana (setas), com finas calcificações na sua parede. sendo assim uma possível causa de espes-

abc

Figura 10. Carcinoma de VB associado a litíase. Notam-se dilatação de vias biliares intra-hepáticas (setas em a), linfonodomegalia no hilo hepático (seta em b) e lesão mal definida associada a cálculos no interior da VB (c).

Radiol Bras. 2011 Nov/Dez;44(6):381–387 385 Barbosa ABR et al. Espessamento parietal da vesícula biliar samento parietal. Entre eles, o mais comum Nas hepatites virais observa-se espessa- associada a essa alteração em crianças(1). A é o melanoma, representando cerca de 50% mento regular e difuso da VB, que se apre- ascite pode ser decorrente de doenças be- dos casos(24). Estas lesões são indistinguí- senta murcha, associado a gânglios junto ao nignas e malignas. Alguns relatos sugerem veis da neoplasia primária, sendo, porém, hilo e a hepatomegalia, além de mal-estar, que o espessamento da VB é mais frequen- muito menos frequentes e não associadas fadiga, artralgia e icterícia(2,17). temente encontrado em afecções benignas, a cálculos. Nos casos de hepatites transinfecciosas, enquanto condições malignas não espes- enquadram-se doenças como a síndrome da sam as paredes da VB (Figura 12). imunodeficiência adquirida (SIDA), a den- O fígado cardíaco é condição clínica CAUSAS SISTÊMICAS gue e a malária. Nos indivíduos com SIDA, encontrada em indivíduos com insuficiên- Processos inflamatórios localizados no este achado pode ser secundário ao uso dos cia cardíaca direita. O mecanismo fisiopa- hipocôndrio direito não originados da VB antirretrovirais, estado nutricional e até tológico do espessamento parietal vesicu- e doenças sistêmicas podem mimetizar uma mesmo a infecções oportunistas do trato lar está relacionado ao aumento da pressão colecistite aguda, determinando espessa- biliar(17) (Figura 11). venosa intra-hepática, determinando edema mento simétrico e difuso de suas paredes. As disfunções hepáticas, como a cir- da segunda camada da VB associado à pre- Estas alterações são ocasionadas pela ex- rose, desnutrição e ascite, causam espessa- servação do aspecto hiperecogênico da tensão da inflamação ou pela elevação da mento parietal secundário a hipoalbumine- mucosa. Outros achados, como ectasia das pressão venosa portal associada a redução mia reacional à ascite(7). A hipoalbumine- veias hepáticas e veia cava inferior, altera- da pressão osmótica intravascular, ocasio- mia é a anormalidade mais frequentemente ções dopplervelocimétricas e hepatomega- nando o edema parietal. O exame de um pa- ciente portador de uma dessas enfermida- des deve ser feito com cautela, de modo a evitar interpretações errôneas de um qua- dro de colecistite alitiásica. O quadro cli- nicolaboratorial, sinais de pneumoperitô- nio, divertículos inflamados do cólon direi- to/transverso, inflamação do apêndice com localização alta, sinais de pielonefrite, per- mitem a definição do diagnóstico anatô- mico. Mesmo assim, em diversas situações, os antecedentes epidemiológicos são de ex- trema importância para a orientação diag- nóstica, sobretudo nas doenças infeccio- sas(4,6,23). Figura 11. Paciente do sexo feminino, cortadora de cana-de-açúcar, apresentava febre, mal-estar, ca- Na avaliação dessas enfermidades, a ca- lafrios e icterícia. A US (a,b) demonstrou espessamento reacional da VB por causa sistêmica. Nota-se a preservação da camada interna ecogênica (mucosa). No sangue periférico foi identificado o Plasmo- racterística ultrassonográfica chave é a pre- dium sp. servação da regularidade e ecogenicidade da mucosa, ou seja, da primeira camada. O espessamento se dá à custa da camada hi- poecoica, correspondendo ao edema da ca- mada muscular e do tecido conjuntivo(1,4,5). A pancreatite aguda é doença comum em nosso meio e suas principais causas são Figura 12. Exemplos de causas as de origem biliar e alcoólica. Aproxima- sistêmicas de espessamento da damente 64% dos pacientes com pancrea- VB. Paciente alcoólatra de longa data com aumento do volume tites cursam com espessamento da parede abdominal e hematêmese. Ob- da VB(3,23), secundário à extensão do pro- serva-se VB de paredes espessa- cesso inflamatório para estruturas locorre- das secundária a ascite (a), as- (3–5) sociada a hepatopatia crônica. O gionais . aspecto tridimensional da VB (b) Com este princípio fisiopatológico, qual- confirma os achados do modo quer processo inflamatório localizado no convencional. Paciente com SIDA em uso de terapia antirretroviral hipocôndrio direito, tal como úlcera duo- apresentando algia abdominal denal perfurada, diverticulite aguda, apen- (c). O estudo ultrassonográfico dicite e pielonefrite, pode determinar es- mostrou espessamento da VB de (3,4,9,20,25) aspecto reacional. Há nítida pre- pessamento das paredes da VB servação da camada interna eco- (Figura 8). gênica (seta).

386 Radiol Bras. 2011 Nov/Dez;44(6):381–387 Barbosa ABR et al. Espessamento parietal da vesícula biliar

lia, são também frequentemente encontra- and differential diagnosis in biliary sonography. sonography in intensive care unit patients. AJR dos nesta situação clínica(6). Radiographics. 1990;10:285–311. Am J Roentgenol. 2000;174:973–7. 6. Watanabe Y, Nagayama M, Okumura A, et al. MR 16. Campos FA, Rosas GQ, Goldenberg D, et al. Fre- imaging of acute biliary disorders. Radiographics. qüência dos sinais de pielonefrite aguda em pa- CONCLUSÃO 2007;27:477–95. cientes submetidos a tomografia computadori- 7. van Breda Vriesman AC, Engelbrecht MR, Smith- zada. Radiol Bras. 2007;40:309–14. A US é o método de escolha inicial para uis RH, et al. Diffuse gallbladder wall thickening: 17. Parra JA, Acinas O, Bueno J, et al. Xanthogranulo- matous cholecystitis: clinical, sonographic, and o estudo da VB, apresentando elevada sen- differential diagnosis. AJR Am J Roentgenol. 2007;188:495–501. CT findings in 26 patients. AJR Am J Roentgenol. 2000;174:979–83. sibilidade na detecção do espessamento 8. AIUM practice guideline for the performance of vesicular. Este achado não é sinônimo de an ultrasound examination of the abdomen and/ 18. Ros PR, Goodman ZD. Xanthogranulomatous colecistite aguda. A correlação com outros or retroperitoneum. J. Ultrasound Med. 2008;27: cholecystitis versus gallbladder carcinoma. Radi- ology. 1997;203:10–2. achados ultrassonográficos, clínicos, labo- 319–26. 9. Hong HS, Han JK, Kim TK, et al. Ultrasono- 19. Boscak AR, Al-Hawary M, Ramsburgh SR. Best ratoriais e epidemiológicos é fundamental graphic evaluation of the gallbladder: comparison cases of the AFIP: of gallblad- para evitar colecistectomias desnecessárias. of fundamental, tissue harmonic, and pulse inver- der. Radiographics. 2006;26:941–6. sion harmonic imaging. J Ultrasound Med. 2001; 20. Xu HX, Yin XY, Lu MD, et al. Comparison of REFERÊNCIAS 20:35–41. three- and two-dimensional sonography in diag- nosis of gallbladder diseases: preliminary expe- 10. Feldman MK, Katyal S, Blackwood MS. US ar- 1. Levy AD, Murakata LA, Abbott RM, et al. From rience. J Ultrasound Med. 2003;22:181–91. tifacts. Radiographics. 2009;29:1179–89. the archives of the AFIP: Benign tumors and tu- 21. Catalano OA, Sahani DV, Kalva SP, et al. MR morlike lesions of the gallbladder and extrahe- 11. Smith EA, Dillman JR, Elsayes KM, et al. Cross- Imaging of the gallbladder: a pictorial essay. patic bile ducts: radiologic-pathologic correlation. sectional imaging of acute and chronic gallblad- Radiographics. 2008;28:135–55. Radiographics. 2002;22:387–413. der inflammatory disease. AJR Am J Roentgenol. 22. Zissin R, Osadchy A, Shapiro-Feinberg M, et al. 2009;192:188–96. 2. Wibbenmeyer LA, Sharafuddin MJ, Wolverson CT of a thickened-wall gall bladder. Br J Radiol. MK, et al. Sonographic diagnosis of unsuspected 12. Handler SJ. Ultrasound of gallbladder wall thick- 2003;76:137–43. : imaging findings in compari- ening and its relation to cholecystitis. AJR Am J 23. Yun EJ, Cho SG, Park S, et al. Gallbladder carci- son with benign gallbladder conditions. AJR Am Roentgenol. 1979;132:581–5. noma and chronic cholecystitis: differentiation J Roentgenol. 1995;165:1169–74. 13. Riñón C, de Mingo L, Cortés MJ, et al. Preopera- with two-phase spiral CT. Abdom Imaging. 3. Spence SC, Teichgraeber D, Chandrasekhar C. tory sonography efficiency in paediatric patients 2004;29:102–8. Emergent right upper quadrant sonography. J with cholelithiasis undergoing laparoscopic 24. Martel JP, McLean CA, Rankin RN. Melanoma Ultrasound Med. 2009;28:479–96. . Cir Pediatr. 2009;22:34–8. of the gallbladder. Radiographics. 2009;29:291– 4. Patriquin HB, DiPietro M, Barber FE, et al. 14. Lindberg EF, Grinnan GL, Smith L. Acalculous 6. Sonography of thickened gallbladder wall: causes cholecystitis in Viet Nam casualties. Ann Surg. 25. Hanbidge AE, Buckler PM, O’Malley ME, et al. in children. AJR Am J Roentgenol. 1983;141:57– 1970;171:152–7. From the RSNA refresher courses: imaging evalu- 60. 15. Boland GW, Slater G, Lu DS, et al. Prevalence and ation for acute pain in the right upper quadrant. 5. Rosenthal SJ, Cox GG, Wetzel LH, et al. Pitfalls significance of gallbladder abnormalities seen on Radiographics. 2004;24:1117–35.

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