MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy, Law and Economics ISSN: 2318-0811 [email protected] Instituto Mises Brasil Brasil

Gonçalves Rosi, Bruno A Diplomacia Liberal de Joaquim Nabuco MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy, Law and Economics, vol. 3, núm. 2, julio- diciembre, 2015, pp. 501-520 Instituto Mises Brasil

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A Diplomacia Liberal de Joaquim Nabuco

Bruno Gonçalves Rosi *

Resumo : Para além de sua carreira como abolicionista, intelectual, escritor e histo- riador, Joaquim Nabuco teve também uma importante, ainda que breve, carreira di - plomática. Sua principal contribuição nesta última foi o deslocamento do eixo diplo- mático brasileiro da Europa para os EUA. Em geral, este gesto é atribuído ao Barão do Rio Branco, mas, longe de ser apenas um coadjuvante nesta decisão, Nabuco foi um importante formulador da política externa brasileira. Sua visão de política inter- nacional estava em harmonia com sua atuação política anterior, apresentando um otimismo liberal ausente no Barão.

Palavras-chave : Joaquim Nabuco, Liberalismo, Política Externa Brasileira.

The Liberal Diplomacy of Joaquim Nabuco

Abstract : Besides his career as an abolitionist, intellectual, writer and historian, Jo- aquim Nabuco had also an important, although short, diplomatic career. His main contribution in this respect was changing the Brazilian diplomatic axis from Europe to the U.S. Usually, this gesture is credited to Barão do Rio Branco, but far from just supporting this decision, Nabuco was an important formulator of Brazilian Foreign Policy. His view of international politics was in tune with his previous political work, showing a liberal optimism that is absent in the Barão.

Keywords : Joaquim Nabuco, Liberalism, Brazilian Foreign Policy.

Classicação JEL : Y8, Z19.

* Bruno Gonçalves Rosi possui graduação em história pela Universidade Federal Fluminense (2005), mestrado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2009) e doutorado em Ciência Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2016). Atualmente é professor auxiliar da Universidade Candido Mendes. Tem experiência nas áreas de História, Relações Internacionais e Ciência Política, com ênfase em História Moderna e Contemporânea e Política Internacional. E-mail: [email protected] 502 A Diplomacia Liberal de Joaquim Nabuco

Joaquim Nabuco 1849-1910 é um im - tral da mudança de eixo da PEB foi elevar a portante personagem da história brasileira, representação diplomática do Brasil nos EUA frequentemente lembrado por sua militân- para o nível de Embaixada, e nomear como cia em favor da abolição e por sua carreira primeiro embaixador do Brasil nos EUA o en- como intelectual, escritor e historiador. Não tão já ilustre Joaquim Nabuco. Na superfície, o tão lembrada é a atuação diplomática de Jo- Barão e Nabuco estavam unidos no propósito aquim Nabuco, especialmente sua passagem de fazer dos EUA uma prioridade para a diplo- por Washington como primeiro embaixador macia brasileira. Um exame mais detalhado re- do Brasil nos EUA. vela que eles possuíam americanismos distin- Para aqueles que se dedicam supercial - tos (ainda que não diametralmente opostos): mente ao estudo desta dimensão da vida de o Barão buscava a aproximação com os EUA Joaquim Nabuco, ele pode parecer um mero em termos predominantemente pragmáticos: coadjuvante do Barão do Rio Branco. José não se via impedido, por exemplo, de simulta- Maria Paranhos da Silva Júnior (1845-1912), o neamente buscar o Pacto ABC com Argentina Barão do Rio Branco, é uma gura quase mí - e Chile, e principalmente de sustentar a sobe- tica no panteão de heróis nacionais brasileiro. rania das nações em um sistema internacional Nome de cidade, praças, ruas e avenidas, o por denição anárquico. Já Nabuco procurava Barão é também celebrado pelo Ministério de emprestar ao monroísmo de Theodore Roose- Relações Exteriores como o diplomata maior velt (1858-1919) um sentido coletivo através do do Brasil, o homem por trás do “Instituto Rio apoio ao pan-americanismo. Diferentemen te Branco”, centro de formação dos diplomatas da aparente realpolitik do Barão, ele possuía um brasileiros, e mesmo da “Casa de Rio Bran- americanismo ideológico. co”, nome pelo qual o Itamaraty é por vezes O americanismo pragmático que observo apelidado. Para além da distinção entre o ho- no Barão consiste no seguinte: buscar na políti- mem e o mito, as contribuições do Barão para ca externa brasileira aproximação com os EUA a política externa brasileira foram muitas: de forma pragmática, ou seja, como um meio, consolidou as fronteiras, armou o princípio e não como um m em si mesmo. O Barão bus - de igualdade jurídica das nações, estabeleceu cou na política externa brasileira aproximação o princípio de não interferência em países vi- com os EUA como meio de alcançar como m zinhos, tudo isso e ainda mais “sem fazer ne- a segurança brasileira num sistema internacio- nhuma injustiça e nem derramar uma gota de nal ameaçador, no qual o Brasil não possuía os sangue”. E o Barão foi também responsável meios de se defender sozinho. Passado o perí- por mudar o eixo diplomático do Brasil, da odo de diculdade do Brasil, ou modicadas Europa para os Estados Unidos, estabelecen- as relações de poder no sistema internacional, do um paradigma que a literatura de Relações nada havia que prendesse o Brasil aos EUA. Internacionais denomina de Americanismo 1 e Mas a mudança seria acidental, não essencial: que permaneceu quase sem contestação até a o sistema internacional continua sendo sempre década de 1950 2. marcado pela anarquia, dilema da segurança e Entretanto, uma análise mais detalhada incerteza. Mudam apenas as relações entre as demonstra que o Barão não estava sozinho no peças nele contidas. Na política interna os EUA estabelecimento deste paradigma: gesto cen- não tinham a mesma relevância para o Barão. O americanismo ideológico que obser- vo em Joaquim Nabuco consiste no seguinte: 1 Sobre americanismo ver, por exemplo, PINHEIRO, Letícia. Política Externa Brasileira (1889-2002) . Rio de buscar na política externa brasileira aproxima- Janeiro: Jorge Zahar, 2004. ção com os EUA de forma ideológica, ou seja, como um ideal, um m em si mesmo. Nabuco 2 BUENO, C. & CERVO, A. História da Política também buscou na política externa brasileira Exterior do Brasil . 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. aproximação com os EUA como meio de al- MISES: Revista Interdisciplinar de Filosoa, Direito e Economia Bruno Gonçalves Rosi 503 cançar como m a segurança brasileira num Assim como o Barão, Joaquim Nabuco sistema internacional ameaçador, no qual o era uma gura pública egressa do Império, Brasil não possuía os meios de se defender so- e que na República manteve convicções mo- zinho. No entanto, o período de diculdade do narquistas, e que por isso mesmo passou por Brasil para se defender não iria passar por uma uma espécie de autoexílio conferido nos pri- iniciativa isolada deste ou isolada da “aliança” meiros anos do novo regime. Também como com os EUA. As relações de poder no sistema o Barão, Joaquim Nabuco possuía experiên - internacional iriam se modicar justamente cia diplomática anterior: já havia sido inclu- porque o Brasil, em sua aproximação com os sive representante do Brasil nos EUA, embo- EUA, apoiava o surgimento de um novo sis- ra o cargo de embaixador fosse uma criação tema de poder independente da Europa. Esse do Barão. Mas as semelhanças entre os dois projeto de longo ou eterno! prazo prendia o começam a parar por aí: embora com idades Brasil aos EUA. A aproximação com os EUA muito próximas (o Barão nascido em 1845 e não era um acidente, mas sim a essência da po- Nabuco em 1849, Nabuco tornou-se uma - lítica externa brasileira e de um novo sistema gura nacionalmente conhecida antes do Ba- internacional que se pretendia construir: não rão, e não por sua contribuição diplomática: mais marcado pela anarquia pura e simples, era reconhecido (como é até hoje) pela sua pelo dilema da segurança e incerteza, mas sim luta pela abolição da escravidão. Outra dife- um sistema de regras, normas ou compromis- rença é que Nabuco havia tido uma carreira sos entre os Estados. A mudança seria bem política na monarquia, mais precisamente no mais substancial do que um novo posiciona- Partido Liberal. Especialmente signicativo é mento das peças. Na política interna, os EUA o fato de que Nabuco era lho de José Tomás também tinham relevância para Nabuco: ain - Nabuco de Araújo Filho 1813-1878, líder tão da que peculiaridades de cada país não fossem importante para o Partido Liberal quanto José ser superadas, os EUA eram um exemplo que Maria da Silva Paranhos (1819-1880) (o pai) o Brasil deveria seguir: havia algo do liberalis- havia sido para o Partido Conservador. mo otimista e convicto dos EUA que deveria Partindo desta introdução, o objetivo ser copiado no Brasil. deste texto é analisar este americanismo ide- Resumindo a diferença entre o america- ológico conforme representado por Joaquim nismo pragmático e o americanismo ideoló- Nabuco. O texto situa esta visão de política gico conforme estou denindo aqui: no ame - externa dentro do pensamento político de ricanismo pragmático, política externa e polí- Nabuco e também dentro de uma tradição de tica interna estão separadas; a política externa pensamento liberal brasileiro na qual ele esta- é uma questão de Estado, a política interna é va inserido. uma questão de governo. Além disso, a apro- ximação com os EUA é um meio e não um m em si mesmo, e sendo assim há a possibilida- I - N  I de de ser uma política de mais breve duração. No americanismo ideológico, política externa Joaquim Nabuco nasceu em , e política interna estão em harmonia; a política , em 19 de agosto de 1849, e fa- externa ainda é uma questão de Estado, mas a leceu em Washington, EUA, em 17 de janei- política interna também. Além disso, a aproxi- ro de 1910 4. Era lho de Ana Benigna Barreto mação com os EUA é um m em si mesmo e, sendo assim, há a expectativa de ser uma polí- Brasileira Contemporânea. Estudos Históricos , Rio de 3 tica de duração mais longa . Janeiro, Vol. 8, No. 15 1995: 13-15. 4 Os dados biográcos de Joaquim Nabuco apresentados 3 SILVA, Alexandra de Mello. O Brasil no Continente aqui são adaptados a partir de: . 504 A Diplomacia Liberal de Joaquim Nabuco

Nabuco de Araújo, irmã do marquês do Reci - Hermann de Tautphoeus (1810-1890), o barão de fe, Francisco Pais Barreto, e do Senador José Tautphoeus. O aluno e o professor desenvol- Tomás Nabuco de Araújo. Seu pai, de origem veram uma admiração mútua. Quando o ba- baiana, se estabeleceu em Pernambuco, onde rão passou a ensinar no Colégio Pedro II, Na - se tornou juiz e casou com a sobrinha do po- buco o acompanhou. No Pedro II, estudou ao deroso marquês do Recife, aliando-se à oligar- lado do futuro presidente Francisco de Paula quia conservadora da província da qual fazia Rodrigues Alves (1848-1919), invariavelmente parte a família da esposa, os Pais Barreto. Três eleito o melhor aluno da instituição. Já Nabuco integrantes da linha paterna, o tio-avô, o avô e passou por ali sem brilho especial, graduando- o pai, foram senadores vitalícios do Império. -se em 1865. Antes do Senado, o pai exerceu o mandato Do Pedro II, Nabuco foi para a faculdade de deputado em várias legislaturas. Apesar de Direito de São Paulo. Em sua turma estavam do começo conservador, Nabuco de Araújo (1847-1871) e Rui Barbosa (1849- se tornou um dos mais importantes líderes 1923), e também os futuros presidentes Rodri- do Partido Liberal, várias vezes ministro da gues Alves e Afonso Pena 1847-1909. Nabuco Justiça, presidente de província, membro do demonstrou pouco interesse pelos estudos jurí- Conselho de Estado, advogado e jurista de dicos, mas foi inuenciado pelo professor José projeção na Corte. Se tornou um “estadista Bonifácio, o Moço (1827-1886), a adotar o libe- do império”, como o lho o chamou, um dos ralismo progressista como ideologia política. principais líderes luzias de todo o Segundo Também manteve intensa atividade nos grêmios Reinado 5. políticos e literários e nos jornais da faculdade. Joaquim Nabuco passou os primeiros De acordo com o costume da época, transferiu- anos de vida afastado da família. Poucos -se no quarto ano do curso para o Recife, a m meses após seu nascimento, o pai foi eleito de ter a experiência do sul e do norte do país. deputado e partiu com a família para o Rio Em Recife a vida acadêmica seguiu pouco de Janeiro. Joaquim cou sob os cuidados interessante para ele. Em compensação, o retor- da madrinha, Ana Rosa Falcão de Carvalho, no à terra natal foi uma fase preparatória essen- dona do engenho Massangana. A partir daí cial para a futura carreira parlamentar: ali, teve costuma-se dizer que ele teve a infância de contato com o eleitorado da capital pernambu- um príncipe: recebeu para si um preceptor cana e com os chefes liberais amigos de seu pai. privado e escravo de serviço. Em Minha for- O interesse pela escravidão também se aprofun- mação , autobiograa originalmente publicada dou neste período. em 1900, ele lembra de um episódio formati- vo ocorrido neste período de sua vida: um jo- vem escravo fugido chega até o engenho e se II - O A joga aos seus pés pedindo para ser comprado pela madrinha, de quem receberia melhores A passagem de estudante para líder tratos. Nabuco arma mais tarde que, neste abolicionista teve um marco signicativo com episódio, descobriu o que era a escravidão. o julgamento do escravo Tomás. Nabuco ain - Com o falecimento da madrinha, em da estava no último ano do curso de Direito 1857, Nabuco mudou-se para o Rio de Ja - quando defendeu este escravo, acusado de as- neiro. No meio dos quatro irmãos, sentia-se sassinar seu amo. Na defesa, Nabuco armou como um órfão. Dois anos depois, o pai de- que o escravo não havia cometido um crime: cidiu enviá-lo a um colégio interno em Fri- havia removido um obstáculo. A defesa foi burgo, dirigido pelo professor bávaro José bem-sucedida o bastante para que Tomás ti- vesse a pena revertida de execução para tra- 5 NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império . Rio de balhos forçados. E, com o episódio, cresceu a Janeiro: Topbooks, 1997. fama de Nabuco. MISES: Revista Interdisciplinar de Filosoa, Direito e Economia Bruno Gonçalves Rosi 505

Nabuco recebeu o grau de bacharel em nomeado adido diplomático em Washington 1870, aos 21 anos de idade. Embora estivesse pela Princesa Isabel (1846-1921) em abril de formalmente pronto para seguir os passos do 1876. Nos 14 meses em que esteve nos EUA, pai e ingressar na carreira parlamentar, esta passou pouco tempo em Washington: residiu passagem custou a acontecer: foram oito anos em Nova York e viajou pelo país a maior parte até ser eleito deputado por Pernambuco. Mas do tempo. Viu-se tentado a seguir na carreira preencheu bem o tempo neste período: no diplomática. Parecia possível pleitear o cargo Brasil, trabalhou como jornalista em diferen- de adido em Londres graças ao contato com tes redações, publicou alguns textos e traba- Francisco Inácio de Carvalho Moreira (1815- lhou como advogado junto ao pai. Fez tam- 1906), o Barão de Penedo, de quem era ami- bém uma viagem para a Europa entre 1873 e go. Entretanto, no início de 1878 os liberais 1874, quando conheceu alguns dos maiores voltaram ao poder. Nabuco de Araújo faleceu intelectuais e políticos do continente e adqui- em março, mas não sem antes conseguir dos riu por Londres a paixão de toda uma vida. lideres liberais em Pernambuco o compromis- Nabuco era bastante alto tinha quase so de incluir o lho na lista de candidatos do um metro e noventa de altura) e era conside- partido. O lho foi eleito no último lugar da rado muito bonito por seus contemporâneos. lista, apesar de ser pouco conhecido na pro- Era considerado também muito elegante, de víncia. hábitos renados que adquiriu em suas pas - Entre 1879 e 1881, três ministérios libe- sagens pela Europa. De volta ao Brasil, trazia rais se sucederam: Sinimbu, Saraiva e Mar- as novidades da moda masculina, pouco co- tinho de Campos. Neste período, os liberais nhecidas por aqui. Seus hábitos aristocráti- tentaram passar algumas reformas, e aos pou- cos facilitavam a circulação pelos salões da cos Nabuco foi se destacando e o tema da abo - época, onde estabelecia contatos políticos. lição ganhando força. Em 1880 ele ajudou a Assim como muitos “construtores da or- fundar a Sociedade Brasileira contra a Escra- dem”, não tinha muito dinheiro (apesar das vidão, e logo se tornou um dos líderes mais origens privilegiadas, parecia ter um talento destacados do movimento ao lado de André especial para perder o que ganhava) e sua Rebouças (1838-1898) (seu grande amigo) formação humanística, primeiro no Pedro II e José do Patrocínio 1853-1905. Nas férias e depois nas faculdades de Direito, dava-lhe parlamentares entre 1880 e 1881, viajou para pouco senso prático para outra coisa que não a Europa, para buscar apoio do movimento a carreira pública. abolicionista em Portugal, Espanha e França, Foi em meio a estas circunstâncias que culminando com o encorajamento recebido conheceu Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930), da Anti-Slavery Society , em Londres. uma mulher muito rica, de uma família im- A posição rme contra a escravidão pe - portante de Vassouras, na província do Rio sou politicamente contra Nabuco. Sem apoio de Janeiro. Eufrásia era uma mulher moder- eleitoral em Pernambuco e diante de uma na: investia na bolsa de Londres em uma nova dissolução da Câmara, não obteve um época em que as mulheres sequer eram ad- novo mandato. Refugiou-se então em Lon- mitidas no pregão. Após a morte dos pais, dres de 1882 a maio de 1884, onde foi corres- em 1872, ela e a irmã decidiram morar em pondente do Jornal do Comércio e consultor ju- Paris. Nabuco a conheceu durante uma via - rídico. Mais importante, porém: em Londres, gem de navio para a Europa, em 1873. Daí escreveu O Abolicionismo (1883). em diante foram 14 anos de idas e vindas, Apesar da resistência parlamentar, a encontros e desencontros. ideia abolicionista ganhou espaço nos anos Sem perspectiva de conseguir uma elei- seguintes. Nabuco voltou para o Brasil em ção parlamentar enquanto durasse o domínio 1884 e candidatou-se mais uma vez em Re- dos conservadores, Nabuco conseguiu ser cife. Sua campanha se destacou pelo apelo 506 A Diplomacia Liberal de Joaquim Nabuco

à opinião pública, manifestações de massa e dou a fundar a Academia Brasileira de Letras, conferências no Teatro Santa Isabel, coisas in- em 1897, onde fez o discurso inaugural e da comuns na época. As conferências no Teatro qual foi secretário-geral perpétuo, cargo que foram reunidas sob o nome de Campanha abo- exerceu até 1899 e de 1908 a 1910. Nesta fase licionista no Recife 1885. Mesmo com dicul - de afastamento, ganhou a vida com diculda - dades típicas do processo eleitoral da época, de: exerceu também a advocacia (na qual não conseguiu ser eleito. Encontrou, porém, um teve grande êxito) e o jornalismo (colaborou parlamento ainda resistente à abolição: o líder especialmente com O Jornal do Brasil em sua conservador Barão de Cotegipe (1815-1889) fase monarquista e com a Revista Brasileira ). ofereceu grande oposição aos abolicionistas, Escreveu também alguns grandes livros e ou- com grande radicalização de parte a parte. tras obras: Porque Continuo a Ser Monarquista Sem perder de vista a abolição, Nabuco 1890, paneto em defesa do regime deposto; apresentou também um projeto instituindo a Balmaceda 1895, biograa do estadista chile - federação, que passaria a ser sua nova bandei- no (na realidade um exercício de política com- ra. Os próximos anos apresentaram diculda - parada entre Brasil e Chile, no qual se percebe des, inclusive com Nabuco sendo novamente o posicionamento monarquista do autor); A afastado da câmara e levado ao jornalismo. Intervenção Estrangeira Durante a Revolta da Ar- Em 1887, porém, ele teve seu retorno a tempo mada (1896), trabalho de história diplomática; de presenciar a proclamação da Lei Áurea de Um Estadista do Império (lançado em 3 tomos 13 de maio de 1888. Também em 1887, ele e entre 1897 e 1899, biograa do pai mas que Eufrásia Teixeira Leite deram um basta deni - é, na verdade, a história política do país; e - tivo. Nabuco casou-se com Evelina Torres So - nalmente, Minha Formação (1900), um livro de ares Ribeiro (1865-1948) em 1889. Ela também memórias que, mais uma vez, conta uma boa era de uma família aristocrática, lha de José parte da história do império. Antônio Soares Ribeiro (1836-1906), Primeiro Barão de Inoã, e neta de Cândido José Rodri- gues (1816-1877), Primeiro Barão de Itambi. IV - R  C Profundamente religiosa, Evelina inuenciou D,  C  G  Nabuco a fazer as pazes com o Catolicismo. “C”  M Ainda na viagem de núpcias a Buenos Aires, Nabuco perdeu quase todo o dote que rece - Embora inicialmente tenha recusado beu com o casamento investindo na bolsa. adesão ao regime republicano em processo de A abolição acelerou a chegada da repú- consolidação, aos poucos Nabuco foi se afas - blica no Brasil. A Igreja Católica condenou tar- tando de outros monarquistas mais inexíveis diamente a escravidão e, conforme zera seu devido a divergências pessoais, por convic- pai, Nabuco recusou o título de visconde. Pou - ções e por razões táticas. Seu monarquismo se co depois, em 1889, chegava o novo regime. tornou puramente intelectual e afetivo. Deu m ao luto pela monarquia em 1899 e aceitou o convite do Presidente Campos Sales (1841- III - A  C  1913) para voltar à carreira diplomática, até H porque precisava de dinheiro. Tornou-se a um tempo embaixador do Brasil em Londres, Com a proclamação da república, Nabu - o posto diplomático mais prestigiado da épo- co se afastou da vida parlamentar. “Guardou ca, e enviado extraordinário e ministro pleni- por dez anos o luto da monarquia”. Refugiou- potenciário em missão especial na questão do -se em Londres, Paquetá e Botafogo. Muito Brasil com a Inglaterra, a respeito dos limites amigo de (1839-1908), aju- da Guiana Inglesa. MISES: Revista Interdisciplinar de Filosoa, Direito e Economia Bruno Gonçalves Rosi 507

Nabuco esteve envolvido com a questão cados pelo Brasil. De acordo com a doutrina da Guiana até 1904. Escreveu quase sozinho utilizada, o único meio reconhecido de adqui- e em francês os 18 tomos das memórias nas rir e conservar a soberania seria a exigência quais desenvolveu os argumentos a favor do de posse atual completa e a ocupação efetiva Brasil, mais tarde publicadas sob o título O do território. Respeitando este critério, dois Direito do Brasil . A defesa foi entregue ao rei terços do território brasileiro daquele tempo, Vitor Emanuel III (1869-1947), da Itália, árbi- especialmente a região amazônica, estariam tro da questão, em 1903. O laudo arbitral foi sob perigo. “ Com os princípios modernos quan- expedido em junho de 1904. Apesar da defe- to à soberania de territórios não ocupados, haveria sa formulada por Nabuco, Vitor Emanuel III somente no vale do Amazonas campo vastíssimo considerou insucientes as provas apresenta - para o estrangeiro, sem tocar a orla efetivamente das tanto pelo Brasil quanto pela Inglaterra. apropriada por nós e outras nações ”9. Dividiu o território entre os dois litigantes A derrota no litígio com a Inglaterra utilizando apenas critérios geográcos, com marcou a virada denitiva de Nabuco para o alguma vantagem para a Inglaterra: esta rece- monroísmo. Naquele episódio, cou paten - beu 19 mil quilômetros quadrados, contra 13 te para ele que o Brasil não tinha chances de mil do Brasil. Não era uma derrota comple - competir com os europeus e manter seu terri- ta e nem uma perda tão signicativa para o tório. É principalmente a partir daí que Nabu - Brasil. Conforme escreveu Rubens Ricupero, co passa a entender que somente os EUA e a “levando em conta o diferencial de poder entre os Doutrina Monroe poderiam proteger o Brasil dois países e a doutrina seguida pelo árbitro, era contra pretensões imperialistas europeias. De quase um empate técnico ”6. Mas o resultado foi acordo com o próprio, “ uma política assim va- muito impactante para Nabuco. Em suas pró - leria o maior dos exércitos, a maior das marinhas, prias palavras, “em questões com a Inglaterra exército e marinha que nunca poderíamos ter ”10 . [...] um país fraco como o Brasil pode conside - A partir disto a doutrina Monroe deveria rar-se vencedor, quando ca com a metade do que ser aceita pelo Brasil “ como a fórmula exterior reclamava ”7, e sobre Vitor Emanuel III, “ se lhe da independência do nosso continente, como a lei sujeitássemos a nossa soberania sobre dois terços da nossa órbita internacional à parte da do Velho do Brasil, ele diria que não temos direito algum ”8. Mundo ”11 . O Brasil era “ um mundo sobre o qual Além do aspecto pessoal da derrota, cada dia mais se dirigem as cobiças das nações que Nabuco se alarmou pelo fato de a arbitragem têm fome de terra, das raças que precisam expan- de Vitor Emanuel III ter se baseado nos prin- dir-se ”12 e a Doutrina Monroe “ uma defesa con- cípios denidos a propósito do Congo pela tra os estrangeiros bona de, um interdito posses- Conferência de Berlim de 1885, e não prima- sório. Digo que é só isso, mas isso já é sem preço, zia de descoberta e ocupação histórica invo- pois este abrigo criou a segurança, com toda a sua inuência benéca no desenvolvimento de nações 6 RICUPERO, Rubens. Joaquim Nabuco e a nova que estão, como as nossas, na fase de crescimento diplomacia . Conferência proferida na abertura do Seminário “Joaquim Nabuco, Embaixador do Brasil”. 9 “Outro escrito” citado em RICUPERO. Joaquim Recife, 19 ago. 2005, p. 9. Nabuco e a nova diplomacia , p. 7. 7 Carta de Joaquim Nabuco [1904]. Proc. desconhecida. 10 Idem. Ibidem , p. 9. (Fundaj). Citado em PEREIRA, Paulo José dos Reis. A Política Externa da Primeira República e os 11 Ofício de Washington – Nabuco para Rio Branco, Estados Unidos: a atuação de Joaquim Nabuco em 30/05/1905 AHI. Citado em PEREIRA. A Política Washington (1905-1910). Revista Brasileira de Política Externa da Primeira República e os Estados Unidos: Internacional , Brasília, Vol. 48, No. 2 Dec. 2005: 111- a atuação de Joaquim Nabuco em Washington 1905- 128. Cit. p. 11. 1910), p. 11. 8 NABUCO, Joaquim. Cartas a Amigos, t. II, p.169. 12 Carta de Joaquim Nabuco a Nilo Peçanha, 15/10/1906 Carta a Tobias Monteiro de 18 de junho de 1904. (Fundaj). Idem. Ibidem , p. 11. 508 A Diplomacia Liberal de Joaquim Nabuco

natural ”13 . Em outras palavras, o Brasil preci- “a nossa diplomacia deve ser principalmente sava escolher “ entre o monroísmo ou a coloniza- feita em Washington”. Conforme interpreta Ru- ção europeia ”14 . bens Ricupero: É importante localizar historicamente Representativos do que esse século teve de esta interpretação de Nabuco. O mundo vivia, melhor, eis ao seu espírito, foram ambos então, a era dos Impérios ou do Imperialismo. capazes, no entanto, de perceber com maior Tanto Paranhos quanto Nabuco viveram seus argúcia do que a maioria dos contemporâ- anos de maturidade durante o apogeu desta neos a aproximação do m do período de hegemonia da Europa e os primeiros sinais era: estavam próximos dos 40 anos de idade de que o eixo do poder e da diplomacia quando a Conferência de Berlim promoveu o mundiais derivava em direção aos Estados desmembramento do Congo e da África, sob Unidos. Agiram, portanto, em consonância a presidência do Chanceler Oo von Bismarck com essa percepção, eminentemente realista (1815-1898). Caso semelhante se deu com a Chi- e não idealizada, como quiseram crer mui- na, submetida a tratados desiguais e estabele- tos dos críticos da nova orientação 17 . cimento de portos exclusivos para as potências europeias, com o Japão, forçado a se abrir ao Reirando: a derrota no caso da Guiana comércio e navegação internacionais, com o Im- foi um ponto de virada para Nabuco. Sua pério Otomano, desmembrado pelos europeus, motivação foi, acima de tudo, a segurança do com a Indochina, dominada pelos franceses, en- território brasileiro, ameaçada, a seu juízo, tre outros exemplos. Mais perto de casa, haviam por uma tendência jurídica europeia perigo- assistido ao bombardeio de Valparaíso e à ten- sa para o Brasil, exemplicada pela sentença tativa de Napoleão III de conquistar o México errônea de Vitor Emanuel III, no arbitramento para Maximiliano, no momento em que a Guer- com a Grã-Bretanha 18 . Diante disso, o único ra de Secessão distraía a atenção dos EUA 15 . meio de tornar seguros dois terços do territó- Dentro deste contexto, ca mais fácil en - rio brasileiro seria para Nabuco a Doutrina de tender as palavras do próprio Nabuco: Monroe. Em suas palavras: “ Não vejo nenhuma Minha impressão é que para todos os países outra intuição da qual dependa tanto a conserva- da Europa e da América o problema externo ção do nosso grande todo nacional ”19 . tende cada dia mais a sobrepujar os proble- mas internos e que estamos caminhando para uma época em que a sorte de todos eles sem exceção tem que ser afetada pela solução que V - W tiver o conito de inuência e preponderân - cia entre os grandes sistemas atuais de forças, Passaram-se poucos meses para que Na - como sejam a Tríplice e a Dupla Aliança, o buco pudesse ter a oportunidade de colocar Império Britânico, a doutrina de Monroe, etc 16 . sua teoria em prática. Foi então que o Barão o convidou a assumir a nova embaixada em Diante deste contexto, houve uma conver- Washington, em fevereiro de 1905. Os EUA gência de ideias entre o Barão e Nabuco. Mesmo retribuíram o gesto elevando a representação antes de tornar-se embaixador, já defendia que no Rio à embaixada também. Com este gesto o Barão pretendia deslocar o eixo diplomático do Brasil, de Londres para Washington. 13 Entrevista de Nabuco ao Chicago Tribune de 10/07/1905 AHI. Idem. Ibidem , p. 12. 14 RICUPERO. Joaquim Nabuco e a nova diplomacia , 17 RICUPERO. Joaquim Nabuco e a nova diplomacia , p. 6. p. 5. 15 Idem. Ibidem , p. 4. 18 Idem. Ibidem , p. 7. 16 Carta a Campos Sales citada por Carolina Nabuco na 19 COSTA, João Frank da . Joaquim Nabuco e a Política biograa do pai p. 403. Exterior do Brasil . Rio de Janeiro: Record, 1968. p.48-49. MISES: Revista Interdisciplinar de Filosoa, Direito e Economia Bruno Gonçalves Rosi 509

Nabuco não teve nenhuma ligação com buco foi recebido em diversas Universidades, a iniciativa de criar a embaixada, que se deve nas quais proferiu uma série de conferências, inteiramente ao Barão, e até expressou dúvi- sobre cultura brasileira. das quanto à conveniência ou oportunidade Por m, para além dos aspectos formais do gesto. De outras pessoas o gesto do Barão e da relação pessoal com Roosevelt, o Barão sofreu críticas até mais duras: o Jornal do Brasil pretendia utilizar Nabuco para provocar res - de 14 de janeiro de 1905 o chamou de “luxo postas dos monroístas americanos contra injusticável”, “megalomania condenável”, atentados ao Brasil. Um dos casos mais em- “grave erro de política internacional”. Entre- blemáticos neste sentido foi o acidente do tanto, apesar das críticas sofridas desde então, Panther, quando o Barão se correspondeu o contexto do imperialismo europeu explica a com Nabuco dizendo “ Trate de provocar arti- atitude do Barão 20 . gos enérgicos dos monroistas contra esse insulto. Utilizando as palavras de Rubens Ri- Vou reclamar [...] condenação formal do ato [...] cupero: Se inatendidos, empregaremos a força para liberar no simbolismo diplomático daquele tem- o preso ou meteremos a pique a Panther. Depois, po, a elevação à embaixada era mudança aconteça o que acontecer ”23 . qualitativa das relações entre dois países. Em 1906, a política americanista do Do ponto de vista norte-americano, o ato Barão teve uma retribuição signicativa: a III expressava, pela linguagem simbólica do Conferência Internacional Americana foi se- formalismo protocolar, que o Brasil torna- diada no Rio de Janeiro. Nabuco veio ao Rio va-se para o governo dos Estados Unidos o principal parceiro da América do Sul. Para de Janeiro presidir a conferência e em com- o Brasil, além do aspecto central salientado panhia trouxe o Secretário de Estado norte- por Rio Branco – o deslocamento do eixo da -americano (1905-1909). Ambos diplomacia – a escolha para Washington da defenderam o pan-americanismo, no sentido mais alta expressão do serviço diplomático de uma ampla e efetiva aproximação conti- nacional, de alguém que, além de diploma- nental. ta, deixara marca de destaque na história e A fama de Joaquim Nabuco ultrapas - na cultura do país, sublinhava e realçava a sou o eixo bilateral Brasil-Estados Unidos: 21 importância do gesto . devido ao passado do Barão na Alemanha, a Legação deste país no Rio de Janeiro mante- Mas as vantagens da embaixada vão ve com ele intensa relação durante toda a sua além do simbolismo: pouco tempo antes da permanência no cargo de Ministro das Rela- sua criação, durante o conito do Acre, Assis ções Exteriores. Em ofício de 26 de outubro de Brasil, então ministro nos EUA, queixava-se 1908, ao analisar para Berlim indícios de ins- da diculdade de ter acesso ao presidente dos tabilidade no Governo Afonso Pena, o Minis- EUA. Nabuco, ao contrário, não só dispunha tro alemão comentou também rumores envol- da teórica vantagem protocolar, mas, graças a vendo o Barão e Nabuco: segundo seu relato, suas qualidades pessoais, conquistou a ami- no Rio de Janeiro se dizia que o Barão viria a zade e admiração intelectual de Theodore se afastar do cargo devido a razões de ordem 22 Roosevelt . Graças a este prestígio perante o política e de saúde, e que Nabuco seria seu povo e o governo norte-americano, a começar substituto. O ministro armou não acreditar pelo Presidente Theodore Roosevelt e pelo Se- nos rumores, e concluiu a nota sob a ótica dos cretário de Estado Elihu Root 1845-1937, Na - interesses alemães: “ dada a formação inglesa do

20 RICUPERO. Joaquim Nabuco e a nova diplomacia , p. 3. 23 COSTA . Joaquim Nabuco e a Política Exterior do 21 Idem. Ibidem , p. 3. Brasil , pg.232. Telegrama do Barão para Nabuco citado em RICUPERO. Joaquim Nabuco e a nova diplomacia , 22 Idem. Ibidem , p. 3-4. p. 9. 510 A Diplomacia Liberal de Joaquim Nabuco

Senhor Nabuco, ora impregnado de americanismo, destino da América do Sul? ”26 . Especicamente, isto não representaria de forma alguma um ganho tentou encontrar uma diretriz que desse sen- para a Alemanha ”24 . Possível sinal de que a po- tido ao seu posicionamento de aproximação lítica arquitetada pelo Barão e por Nabuco co - com os Estados Unidos, especialmente o pa- lhia resultados. pel dos EUA no mundo, com Roosevelt no co- Em 1909 Nabuco, fez uma viagem ocial mando da política externa. a Havana, para assistir à restauração do go- Ao apresentar suas credenciais nos verno nacional de Cuba. Sua saúde começou EUA, Nabuco já demonstrava uma caracterís - a se deteriorar pouco depois. Faleceu em Wa- tica essencial de seu pensamento de política shington, em 17 de janeiro de 1910. Seu corpo externa: os EUA como denidores do conti - foi conduzido, com solenidade excepcional, nente americano como uma zona de paz, em para o cemitério da capital norte-americana, contraste com a Europa, uma zona de guerra: e depois foi trasladado para o Brasil, no cru- “Todos os votos do Brasil são [...] pelo aumento zador North Caroline. Do Rio de Janeiro foi da imensa inuência moral que os Estados Unidos transportado para o Recife, sua cidade natal. exercem e se traduz pela existência no mundo pela Em 28 de setembro de 1915, Recife inaugurou, primeira vez na história de uma vasta zona neutra em uma de suas praças públicas, sua estátua. de paz e de livre competição humana ”27 . A mes- ma característica essencial seria enfatizada em outras ocasiões. Um exemplo: “ A América, VI - O A  J graças à Doutrina Monroe, é o Continente da Paz, N e essa colossal unidade pacicadora, interessando fundamentalmente outras regiões da Terra – todo Conforme já mencionado, o primeiro Pacíco a bem dizer – forma um Hemisfério Neu- contato de Nabuco com os EUA foi como adi - tro e contrabalança o outro Hemisfério, que bem 28 do da Legação, em 1876. Não foi uma boa pri - poderíamos chamar o Hemisfério Beligerante ” . E meira impressão. Os EUA viviam então um ainda: momento conturbado de sua política interna a inuência benéca dos Estados Unidos na história é provada pela existência, pela e Nabuco teceu, então, uma série de críticas primeira vez, de uma grande zona Neutra, fortes à política e aos políticos norte-ameri- como é toda a América independente, incli- 25 canos . No entanto, caminhando para sua nada para a paz, ao lado de outra massa (a chegada à embaixada em 1905, Nabuco reviu Europa formando agora por controle, alian- suas ideias a respeito dos EUA na mesma me- ças, etc., um todo com a África e a Ásia) in- dida em que reviu suas ideias a respeito da clinada para a guerra, real ou eminente 29 . Europa. Já em 1898, o futuro sistematizador dessa “nova diplomacia” declarava em entre- Rubens Ricupero concorda que a princi- vista ao Estado de São Paulo : “ Nós hoje somos pal característica do pensamento diplomático uma das muitas incógnitas de um vasto problema: o problema americano. A Europa, a África, a Ásia formam um só todo político. Defronte dessa mas- 26 Entrevista a “O Estado de São Paulo” 1898 (Carolina sa colossal, que se deve chamar europeia, qual é o Nabuco, obra citada, p.403. 27 Discurso de apresentação de credenciais 24/05/05 citado em RICUPERO. Joaquim Nabuco e a nova diplomacia , p. 6. 24 CORRÊA, Luiz Felipe de Seixas. O Barão do Rio Branco: Missão em Berlim, 1901/1902 . Brasília: 28 NABUCO, Joaquim. Discursos e Conferências nos Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. p. 129. Estados Unidos . Rio de Janeiro: Benjamin Aguila, s/d, p.146-147. 25 PEREIRA. A Política Externa da Primeira República e os Estados Unidos: a atuação de Joaquim Nabuco em 29 Carta de Joaquim Nabuco a Sr. Hay, 21/06/1905 Washington (1905-1910), p. 9. (AHI). MISES: Revista Interdisciplinar de Filosoa, Direito e Economia Bruno Gonçalves Rosi 511 de Joaquim Nabuco foi “ a criativa elaboração do essa que incluía sumidades como Macha- conceito de um sistema separado das Américas, dis- do de Assis, (1866-1909), tinto do europeu e reservado para ser espaço de paz Oliveira Lima (1867-1928), Domício da Gama e colaboração, em contraste com a essência agressi- (1862-1925), Silvio Romero (1851-1914), José va e beligerante do sistema europeu de então ”30 . De Veríssimo (1857-1916), Salvador de Mendonça maneira semelhante, Clodoaldo Bueno inter- (1841-1913), Graça Aranha (1868-1931) e Rui preta que Joaquim Nabuco foi o brasileiro que Barbosa 34 . Ele próprio menciona Tavares Bas- mais inuiu para o reconhecimento da Amé - tos (1839-1875) como um de seus “ precursores, rica como um sistema continental distinto e preparadores do caminho, semeadores de ideia ”35 . com personalidade internacional própria 31 . Outra característica do americanismo Nesta interpretação, ele era acompanha - de Joaquim Nabuco é a ligação entre esse e a do pelo Barão: causa da abolição da escravidão defendida an- A verdade é que só havia grandes potên- teriormente. Segundo João Frank da Costa, “ a cias na Europa e hoje elas são as primeiras obra de aproximação com os Estados Unidos e de a reconhecer que há no Novo Mundo uma plena realização do continentalismo tinha [...] para grande e poderosa nação com quem contar Nabuco, a mesma importância que outrora a ques- [...]. As denições da política externa norte - tão capital da abolição ”36 . Nas palavras do pró - -americanas são feitas [...] sem ambiguida- prio Nabuco: “ Considero data 24 de maio de 1905 des, com arrogante franqueza, sobretudo quando visam os mais poderosos governos [dia em que entrega pessoalmente à Roosevelt suas da Europa, e o que acontece é que estes não credenciais de embaixador] tão grande nossa ordem protestam nem reagem, antes acolhem bem externa quanto 13 de maio 1888 nossa ordem in- as intervenções americanas 32 . terna [dia da assinatura da Lei Áurea] ”37 . E ainda: “O destino queria que este resto de vida [...] pudesse Mas havia algo na interpretação de Na - ser empregado em uma causa, um serviço, que [...] buco que sobrepujava a teoria do Barão: o ame- encheu completamente na minha alma o vazio que ricanismo não como uma opção, mas como a aquela grande ideia tinha deixado. Eu me rero à única opção da política externa do Brasil: aproximação entre as duas grandes Repúblicas do nossa aproximação com os Estados Unidos Norte e do Sul ”38 . Nabuco era um monarquis - é uma política que tem [...] a maior de todas ta reformador: oscilava entre reformismo e as vantagens que possa ter qualquer políti- conservadorismo, liberdade e ordem, nação e ca - a de não ter alternativas, a de não haver cidadania 39 . Sua atuação em Washington não nada que se possa dar em lugar dela, nada que se lhe possa substituir porque a política de isolamento não é uma alternativa e não 34 PEREIRA. A Política Externa da Primeira República bastaria para os imensos problemas que es- e os Estados Unidos: a atuação de Joaquim Nabuco em pera o futuro deste país 33 . Washington (1905-1910), p. 1-2. 35 NABUCO. Um Estadista do Império , Vol. III. Nabuco não estava isolado em suas opiniões: era um ícone de uma corrente que 36 COSTA, João Frank da. Joaquim Nabuco e a política acreditava serem os Estados Unidos o gran- exterior do Brasil. Citado em RICUPERO. Joaquim de parceiro brasileiro do momento, corrente Nabuco e a nova diplomacia , p. 2. 37 Citado em COSTA, João Frank da. Joaquim Nabuco 30 RICUPERO. Joaquim Nabuco e a nova diplomacia , e a Política Exterior do Brasil . Rio de Janeiro: p. 6. Gráca Record Editora, 1968. p. 76. 38 31 BUENO, Clodoaldo. Política Externa da Primeira Nabuco em Gazeta de Notícias de 24 de julho de República . São Paulo: Paz e Terra, 2003. p.166. 1906. Citado em RICUPERO. Joaquim Nabuco e a nova diplomacia , p. 2. 32 Paranhos, despacho de 1905 a Washington. 39 SALLES, Ricardo. Joaquim Nabuco: Um Pensador 33 Carolina Nabuco, p. 424. do Império . Rio de Janeiro: TOPBOOKS, 2002, p. 27-28. 512 A Diplomacia Liberal de Joaquim Nabuco

estava desconectada deste pensamento ou gemonia moral do mundo, a única que pode de sua atuação anterior como abolicionista. ser aceita 43 . A atuação como embaixador estava imbuída do mesmo liberalismo humanitário, herdado A partir de então, Nabuco conrmou a ainda do combate abolicionista e do seu des- hipótese que havia formulado quando do fra- dobramento em questões sociais 40 . casso no caso da Guiana: os EUA deveriam ser a opção preferencial da política externa do Brasil. Ele foi bastante explicito neste sentido: VII - A N P E escrevendo ao amigo Gastão da Cunha (1863- 44  EUA 1927) disse: “ manifesto-me monroísta ” , e em ou- tra ocasião armou que o monroísmo conferia uma “aliança moral” ao continente 45 . Ele “ se or - Dois eventos em particular marcam a gulhava de não haver no serviço diplomático quem o virada dos EUA, de um país isolacionista no superasse no monroísmo ou no favorecimento à mais continente americano, para um país envolvido íntima aproximação com o governo americano ”46 . em questões globais: o primeiro, em 1905, foi Mas os EUA eram um exemplo para o a mediação de Roosevelt para pôr m à guer - Brasil, ou apenas uma opção de política exter- ra russo-japonesa; o segundo, no ano seguin- na preferencial? Segundo Nabuco, as duas coi - te, foi a participação, pela primeira vez em as- sas caminhavam juntas: os EUA eram também sunto puramente europeu, extra-hemisférico, um exemplo não apenas para o Brasil, mas para na Conferência de Algeciras, após o incidente toda a América Latina: no contato com os EUA, de Agadir, entre a França e a Alemanha, a res- “a América Latina [...] se impregnaria, em medida peito do Marrocos. Estes dois eventos, ocorri- diversa, do vosso otimismo, intrepidez e energia ”47 . dos nos dois primeiros anos da embaixada de Nabuco esperava que houvesse a construção de Nabuco, pareciam demonstrar que ele havia uma nova identidade nacional brasileira referi- acertado: os EUA estavam caminhando para da na civilização norte-americana 48 . Os Estados tornar-se uma potência de primeira grandeza Unidos apareciam, assim, por vezes, como um em âmbito planetário 41 . amigo ou modelo a ser seguido, representando A mediação de Roosevelt em 1904- a alternativa anti-imperialista 49 . 1905, que pôs m à guerra Russo-Japonesa, foi especialmente importante para que Nabu - co conrmasse sua opinião 42 . Escrevendo para 43 Telegrama de Nabuco a Theodore Roosevelt, Roosevelt ele disse: 30/08/1905 AHI. Citado em PEREIRA. A Política Eu peço que V.Ex. gentilmente aceite a ex- Externa da Primeira República e os Estados Unidos: pressão de nossa graticação e comum or - a atuação de Joaquim Nabuco em Washington 1905- gulho americano pela nobre página que 1910), p. 10. você escreveu na história da civilização. 44 Carta de Joaquim Nabuco a Gastão da Cunha, Todo o mundo lerá isso como um prefácio 14/12/1905 Fundaj. Idem. Ibidem , p. 12. para uma nova Era de paz [...] Nesse senti - 45 do você criou para a presidência americana NABUCO. Discursos e Conferências nos Estados Unidos , p. 146-147. uma função que conquistará para ela a he- 46 RICUPERO. Joaquim Nabuco e a nova diplomacia , p. 2. 40 PEREIRA. A Política Externa da Primeira República e os Estados Unidos: a atuação de Joaquim Nabuco em 47 NABUCO. Discursos e Conferências nos Estados Washington (1905-1910), p. 9. Unidos , p. 143. 41 RICUPERO. Joaquim Nabuco e a nova diplomacia , 48 PEREIRA. A Política Externa da Primeira República p. 8. e os Estados Unidos: a atuação de Joaquim Nabuco em Washington (1905-1910), p. 13. 42 NABUCO. Discursos e Conferências nos Estados Unidos , p. 168. 49 TOPIK, Steven. As Relações entre o Brasil e os Estados Unidos na Época de Rio Branco. In : CARDIM, MISES: Revista Interdisciplinar de Filosoa, Direito e Economia Bruno Gonçalves Rosi 513

Ao assumir o cargo de embaixador do Em palestra intitulada “A Parte da Amé- Brasil nos EUA, Nabuco tomou parte no cír - rica na Civilização”, proferida em conferên- culo intelectual norte-americano. Entre ou- cia na Universidade de Wisconsin, em 20 de tras atividades, participou de conferências junho de 1909, Nabuco retoma os temas já em universidades e proferiu palestras a res- mencionados. Citando (como o título da pa- peito de assuntos variados, nas quais temas lestra indica) as contribuições dos EUA para da política internacional e possíveis evidên- a História da Civilização, identica “guardar cias de seu pensamento político internacio- a paz” como uma das principais. Através da nal vinham à tona. Nas transcrições destes Doutrina Monroe, os EUA pressionaram a discursos é possível identicar algumas par - Europa em favor da paz. Nas palavras de Na - ticularidades do americanismo dele. buco, “ a América, graças à Doutrina de Monroe, Um exemplo do que se está dizendo é é o continente da Paz ”55 . Ainda mais, sendo um a palestra intitulada “O Sentimento de Na - continente da paz, a América estabelece um cionalidade na História do Brasil”, proferi- equilíbrio com “ o outro hemisfério, que podería- da perante o Spanish Club da Universidade mos chamar beligerante ”. 56 No entanto, Nabuco de Yale, em 15 de maio de 1908. De acordo identica a causa das guerras “ nos obstáculos com Nabuco, o Brasil sempre possuiu um ao engrandecimento nacional ”, algo que os EUA sentimento nacional, desde os tempos de co- ainda não haviam experimentado 57 . Os EUA lônia. Este sentimento nacional contribuiu prosperaram sem obstáculos na mesma época para a manutenção de um grande território, em que “ o progresso da civilização e, provavel- fator muito importante nas relações interna- mente, o da ciência ” caminhavam para “ subs - cionais 50 . Mas não foi apenas o sentimento tituir a Guerra pelo Direito Internacional, ou de nacional que contribuiu para a manutenção destacar a Guerra do Direito Internacional, que é do território: diferentes fatores que Nabuco constituído ainda em maior parte por ela ”. 58 As- credita à “sorte” ou “favor de Deus” desem- sim, segundo Nabuco, o sentimento pacista penharam papel semelhante 51 , entre estes dos EUA seria posto à prova quando estes a Doutrina Monroe 52 . De acordo com ele, a encontrassem o primeiro obstáculo sério ao principal característica da nacionalidade seu engrandecimento nacional 59 . Somente en- brasileira é seu idealismo e, dentro deste tão os EUA passariam por sua prossão de fé idealismo, o americanismo, a percepção de em favor da Paz. E nada serviria melhor como pertencer a um conjunto de países de um prossão de fé em favor da Paz do que o Pan - mesmo continente, ligados entre si por algo -americanismo. maior do que a geograa 53 . Para ele, os países Segundo Nabuco, o Pan-americanismo da América possuem associação indissolú- deve sobreviver como parte da política exter- vel, sendo a Doutrina Monroe um exemplo na norte-americana, independente da Doutri- disto 54 . na Monroe. Assim, não só os EUA se identi - cariam plenamente com a paz, mas também Carlos Henrique & ALMINO, João Orgs.. Rio Branco, ligariam a ela o resto continente, levando toda a América do Sul e a Modernização do Brasil . Rio de a humanidade mais próxima ao tempo em Janeiro: EMC, 2002. p. 424. que esta vai renegar a guerra. Em suas pala- 50 NABUCO, Joaquim. Pensamentos soltos. Camões e Assuntos Americanos . São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1949. (Obras Completas: X), p. 433. 55 Idem. Ibidem , p. 449. 51 Idem. Ibidem , p. 437. 56 Idem. Ibidem , p. 450. 52 Idem. Ibidem , p. 440. 57 Idem. Ibidem , p. 450. 53 Idem. Ibidem , p. 441. 58 Idem. Ibidem , p. 450. 54 Idem. Ibidem , p. 443. 59 Idem. Ibidem , p. 450. 514 A Diplomacia Liberal de Joaquim Nabuco

vras, “ para vós e para nós, as palavras Paz e Pan- Ao longo da palestra, Nabuco também -americanismo são conversíveis ”. 60 foca no que pode ser descrito como um aspec- Na palestra “A Aproximação das Duas to positivo da Doutrina Monroe: em lugar de Américas”, proferida na Universidade de apresentá-la negativamente como uma defesa Chicago, em 28 de agosto de 1908, Nabuco dos interesses dos EUA contra a Europa (como apresenta seu americanismo de forma ainda zeram Eduardo Prado e Oliveira Lima, ele a mais explícita. Ele usa um verbo, “americani- apresenta como “ um instinto americano ”, “ uma zar” e o dene como inltração do otimismo, intuição de que este mundo novo nasceu com um conança própria e energia dos EUA nos de - destino uno ”65 . De acordo com Nabuco, as duas mais países do continente 61 . Segundo Nabuco, Américas, os EUA e a América Latina, manti- os países da América Latina teriam muito a veram-se afastadas uma da outra por tempo ganhar com o exemplo dos EUA. Já os EUA demais. Da parte da América Latina o motivo ganhariam a amizade dos latino-americanos. deste isolamento foi o receio de ter um contato Em um mundo visto pelas lentes do realismo, mais próximo com os EUA, “ em vista da grande amizade pode não parecer um ganho signi - diferença entre o poder deste país e o de todas as de- cativo ou mesmo possível. Mas nas relações mais repúblicas americanas ”66 . “ Por seu lado, os Es- internacionais propostas por Nabuco, este é tados Unidos, sendo um mundo em si, e um mundo o bem mais substancial que os EUA, como que cresce dia a dia mais rapidamente, opuseram a vanguarda do continente, podem ganhar. A qualquer movimento neste sentido a mais forte das partir disso, Nabuco imagina uma América resistências — a da indiferença ”67 . De acordo com unida em uma mesma moral, um mesmo sis- Nabuco, o Brasil, por sua vez, vive um caso a tema político 62 e um mesmo destino. Segundo parte: sempre teve uma disposição favorável à Nabuco, em parte este sonho já estava sendo aproximação com os EUA. Assim como o Ba- realizado pelas conferências pan-americanas. rão, rememora a aliança ofensiva e defensiva Entretanto, ao lado destas, era necessário proposta pelo Brasil aos EUA, logo após a pro- criar “ uma opinião pública pan-americana ”63 . Ele clamação da Doutrina Monroe em dezembro cita exemplos da existência de uma “ opinião de 1823, uma vez que os EUA não podiam, por pública mundial ”, capaz de nivelar as socieda- uma questão de justiça, carregar aquela res- des a normas internacionais. E se uma pública ponsabilidade sozinhos. Segundo ele, o Brasil mundial, distante e dispersa, tem este poder, nunca teve motivo para se desviar do espíri- muito mais poderá fazer “ uma opinião america - to dessa proposta, e nunca, tampouco, sofreu na uníssona ”: qualquer decepção da parte dos EUA. Assim, Poderia polir até o máximo de perfeição as “não podia ocorrer ao Brasil que outros países tives- instituições políticas de todos os Estados sem razões, para não adotar a rota por nos seguida Americanos (...) o pertencer à União das desde a Independência ”68 , ainda mais porque os Repúblicas Americanas, será, para todas es- EUA, com sua alta civilização, não poderiam tas, sinônimo de imunidade, não sô contra ferir a qualquer nação 69 . Concluindo, Nabuco a conquista estrangeira, mas também contra expressa seu desejo de ver uma América que a arbitrariedade dos próprios governos e a suspensão das liberdades públicas ou indi- tolere a diversidade; e também seu desejo de viduais 64 . “ver todos os Estados das duas Américas conhece-

60 Idem. Ibidem , p. 450. 65 Idem. Ibidem , p. 466. 61 Idem. Ibidem, p. 464. 66 Idem. Ibidem , p. 463. 62 Idem. Ibidem , p. 467. 67 Idem. Ibidem , p. 463-464. 63 Idem. Ibidem , p. 468. 68 Idem. Ibidem , p. 464. 64 Idem. Ibidem , p. 469. 69 Idem. Ibidem , p. 464. MISES: Revista Interdisciplinar de Filosoa, Direito e Economia Bruno Gonçalves Rosi 515 rem-se, amarem-se e comungarem como membros internacionais. Ainda que considere que estas de uma única família entre as Nações ”70 . classicações são válidas e pertinentes, penso Observa-se que uma característica do que, neste caso especíco, é possível ir mais a pensamento internacional de Nabuco é a cren - fundo e classicar o Barão como um Saquare - ça no progresso, uma característica que pode ma e Nabuco como um Luzia, sem com isso ser melhor identicada com o liberalismo e desqualicar a possibilidade das outras taxo - com o luzianismo, em contraposição ao con- nomias. servadorismo saquarema. Nabuco acreditava que o sistema internacional estava passando por uma mudança: o centro de poder estava VIII - D  EUA passando da Europa para a América, ou mais exatamente para os EUA. O Barão enxerga o No entanto, o americanismo de Joaquim sistema internacional de forma mais estática: Nabuco também não era idealista, utópico ou a Europa continua sendo uma ameaça, assim ingênuo. Vícios da sociedade e da política ex- como os vizinhos sul-americanos. Os EUA e o terna norte-americana não lhe eram ocultos. Corolário Roosevelt são uma compensação a A respeito da política externa, João Frank da estas outras ameaças. Ao olhar para o sistema Costa observa que “ Nabuco não aprova a política internacional, o Barão não enxerga um cená- americana de intervenção na América Central (mas rio tão diferente daquele enfrentado por seu não julgava que tal fato fosse) de natureza a impedir pai ou por Paulino José Soares de Sousa (1807- o fortalecimento das [...] relações entre o Brasil e os 1866), o Visconde do Uruguai. As mudanças Estados Unidos ”. Em carta ao Barão, o próprio são mais circunstanciais do que denitivas. Ao Nabuco dizia: olhar para o sistema internacional, Nabuco en - Note você que eu não acompanho as idéias xerga uma verdadeira revolução em curso, e de Mr. Roosevelt sobre ocupação norte-ame- lamenta que seu colega não o acompanhe com ricana, ou outra, de alfândegas, etc, de países as políticas pertinentes 71 . Em outras palavras, sul-americanos. O meu monroismo é mais olhando para as semelhanças, seria possível largo e não me prende a esses expedientes classicar ambos, Nabuco e Barão, como rea - que ele imagina para ‘justicar’ ... a doutri - 72 listas na teoria de relações internacionais. Mas na de Monroe perante a Europa . há também uma importante diferença entre os Quanto à sociedade norte-americana, dois: Nabuco acredita na mudança no sistema Nabuco anotou em seu diário em 6 de agosto internacional; o Barão é mais reticente neste de 1909: ponto. A ideia de mudança presente no pen- O maior dos jogos nacionais aqui é amonto- samento de Nabuco combina com a tradição ar dollars (para os homens) e gastá-los (para Luzia, liberal. A ideia de permanência (ou de as mulheres). Dollar-heaping e dollar-squande- mudanças mais lentas e graduais) presente no ring , posso chamá-los. Depois o dar nos ne- pensamento do Barão combina com a tradição gros. Ainda ontem um ministro branco esca- Saquarema, conservadora. pou de ser atacado pela mob por ter apertado Diante destas características, acredito a mão de um colega preto. Um senador, que que seria supercial ou mesmo errado classi - deu um bofetão num criado de cor, dizia ao car Nabuco e o Barão respectivamente como juiz: “ I did not strike a man, but a negro ”. Desig- liberal e realista, ou vice-versa, ou ambos den- nam uma mulher de cor num documento de 73 tro de outras categorias da teoria de relações justiça: “ A female of the genus africanus (sic)” .

70 Idem. Ibidem , p. 470. 72 COSTA. Joaquim Nabuco e a Política Exterior do 71 PEREIRA. A Política Externa da Primeira República Brasil , p.203. e os Estados Unidos: a atuação de Joaquim Nabuco em Washington (1905-1910), p.15. 73 Diários, Vol. 2, p.460. 516 A Diplomacia Liberal de Joaquim Nabuco

Chegou a concluir (eventualmente de forma IX - D  N errônea e exageradamente pessimista) que os  B EUA terminariam por expelir o preto como cidadão 74 . Nabuco não enxergava seu papel na Porém, conforme Rubens Ricupero ob- embaixada como um projeto de Rio Bran- serva, a lucidez e a condenação moral em tais co. Em suas palavras, ele se via “ chamado a comentários coexistiam com um profundo criar esse papel ”78 . Nas palavras de Luis Via - realismo. Isto pode ser vericado nos comen - na Filho (1908-1990), o embaixador preten- tários de Nabuco a respeito da reação anti - dia “ fazer jogo próprio ”79 . Colocando de outra -ianque despertada pela conferência de Haia: forma ainda, Nabuco tinha na embaixada Derrotar os Estados Unidos é uma glória uma postura propositiva, queria ver sua néscia para qualquer nação. Deus queira autonomia de ação garantida e não tinha que haja prudência na nossa imprensa, cla- rividência entre os nossos homens públicos. intenção de car na sombra de Rio Branco, Há muita coisa que nos irrita, melindra e com quem logo surgem alguns conitos. Se - aborrece por parte dos Estados Unidos, mas gundo Rubens Ricupero “ O embaixador em devemos compreender que a nossa única Washington, em particular, sempre mais capaz política externa é conquistar-lhes a amiza- de teorização e conceituação que o chanceler ”80 . de. Não há nenhum país ao qual seja mais Citando o mesmo autor, “ A personalidade de perigoso dar alnetadas, mesmo as de im - Nabuco era certamente mais atraída pelas ideias prensa 75 . gerais, mais fortemente impregnada de poesia e sentimento religioso que a do Barão e sua na- Ainda a respeito de Haia, e do sentimen- tureza generosa e romântica transbordava em to antiamericano ali despertado, Nabuco es - eventuais excessos de ênfase ou de conança ”81 . creveu em seu diário: “ Não se ca grande por dar Quando Rio Branco foi convidado em pulos. Não podemos parecer grandes, senão o sendo. 1906 pelo novo presidente Afonso Pena O Japão não precisou pedir que o reconhecessem para continuar no cargo de ministro, Nabu - grande potência, desde que mostrou sê-lo ”76 . Esta co escreveu parabenizando-o, mas também anotação serve ainda para demonstrar que o procurando garantir esta autonomia: “ Vejo programa de política externa de Nabuco era que você será o ministro. Pelo país estimo, pois exequível por coincidir com o interesse e a po- você é uma força ao serviço da dele (...) por mim sição notória dos Estados Unidos. Não visava na parte que me é direta felicito-me, pois você a objetivos utópicos (ou irrealistas) como obter não me desconfessará e me dará liberdade de para o Brasil no mundo o reconhecimento de ação, sem a qual nada posso fazer pela amizade status de poder acima de nossas reais possibili- Americana ”82 . dades. Tratava-se de um programa estritamen- te defensivo e moderado 77 . 78 Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 02/02/1905 NABUCO, Cartas II, p. 207. 79 VIANA FILHO, Luís. A Vida de Joaquim Nabuc o. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1952. p. 299.

80 74 RICUPERO. Joaquim Nabuco e a nova diplomacia , RICUPERO. Joaquim Nabuco e a nova diplomacia , p. 12. p. 5. 81 75 Diários, Vol. 2, p.409. Anotação de 4 de setembro de RICUPERO. Joaquim Nabuco e a nova diplomacia , 1907. Idem. Ibidem , p. 12-13. p. 12. 82 76 Diário do Nabuco, anotação em 25 de agosto de 1907. Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 12/10/1906 Idem. Ibidem , p. 8. (AHI). Citado por PEREIRA. A Política Externa da Primeira República e os Estados Unidos: a atuação de 77 Idem. Ibidem , p. 7-8. Joaquim Nabuco em Washington 1905-1910, p. 7. MISES: Revista Interdisciplinar de Filosoa, Direito e Economia Bruno Gonçalves Rosi 517

Nabuco estava de fato preocupado com que o nosso Congresso procura em tudo a autonomia que recebia do Barão. Alguns conformar-se ao que o nosso governo pensa meses antes, escrevendo ao amigo Graça em matéria de relações exteriores. Aranha, disse: “ O Rio Branco, esse, não me es- E se amanhã tivéssemos um conito com os creve, nem me diz nada, de modo que não posso Estados Unidos, que eles quisessem sujeitar a Haia? Preferiríamos que rompessem rela - conjecturar coisa alguma quanto aos planos e pen- ções conosco, como zeram com Venezue - 83 samento dele ” . Na verdade, durante todo o la? No entanto na questão do Amapá, na da tempo em que esteve na embaixada, Nabuco Guiana Inglesa, na da Trindade, na da Pante- reclamou da falta de correspondência de Rio ra , na do Peru, na da Argentina, na da Haia, Branco 84 . Talvez o melhor exemplo disso seja etc, etc, foi neste país que pusemos logo a uma correspondência de Nabuco ao amigo e nossa melhor esperança. Que quer você! O condente Hilário de Gouvêa 1843-1923, já nosso amigo chegou a pensar em substituir em janeiro de 1909. O texto é um pouco longo, o eixo norte-americano de nossa política ex- porém merece ser citado na íntegra: terna pelo eixo argentino--chileno, e eu tive Por estes dias sai o Root e não teremos mais que pedir ao Presidente e a ele me dispen- outro Root, nem o Brasil outro Roosevelt. Se sassem deste cargo em tal caso, para frustrar o Rio Branco me não deixar assinar o trata- no início essa infeliz política do “ABC”, que do de arbitramento com ele, todas as outras o Zeballos logo se encarregou de mostrar o repúblicas, e nações do mundo, assinando, que seria. sentir-me-ei profundamente humilhado. Há Ele deve ir pensando em substituir-me. dias ele me dizia que se sentiria quite humi- Além da nossa orientação diferente ( ele con - liated , se não assinasse o tratado com o Bra- a na Alemanha, na França, na Inglaterra, no sil, tendo-o assinado com as outras repúbli- Chile, na Argentina, não sei em quem mais, e eu cas americanas. Ele dizia isso com bom-hu- só cono nos Estados Unidos ), estou cansado e mor, eu o digo com mau. E note que ele nos desiludido da minha missão aqui sem acor- concede um tipo solitário de tratado, pois do completo com ele, e preciso que, como não queremos assinar o que o mundo intei- amigo velho, ele vá pensando em dar-me o ro assinou por causa das ideias assentadas meu 13 de Maio 85 . do Rio Branco, que já as fez prevalecer sob o Olinto de Magalhães. (Ele foi feliz com o ár- Paradoxalmente, a falta de instruções bitro singular Chefe de Estado, eu não fui). por parte do Barão apenas reforçou o caráter Somos assim Athanasius contra mundum! e autonomista que Nabuco entendia que sua isto em matéria de arbitramento! Imagine missão deveria ter, e acentuou as diferenças o Brasil recusando aos Estados Unidos um entre os dois. Além disso, o perl “publicitá - tratado de arbitramento que o mundo intei- rio” de Nabuco acabava transformando em ro assinou! Declarando-se inimigo da Corte política ocial suas iniciativas individuais. Na da Haia, da qual faz parte! Desconhecendo as Convenções que seus delegados assina- interpretação de Paulo José, os exemplos mais ram, sob o pretexto de não terem sido ra- expressivos disso são o incidente da Panther ticadas pelo Congresso, quando é sabido em 1905 e os decorrentes eventos de prepara- ção e realização da III Conferência Panameri- cana de 1906 que se realizaria no Rio de Janei- 83 Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 21/6/1905 ro com a visita do secretário de Estado norte- NABUCO, Cartas II, p. 219. Citado em PEREIRA. A Política Externa da Primeira República e os Estados -americano Elihu Root. Em ambos os casos, Unidos: a atuação de Joaquim Nabuco em Washington Nabuco deu um tom mais drástico às ideias (1905-1910), p. 8. de Rio Branco no que se refere ao relaciona- 84 Cartas de Joaquim Nabuco a Graça Aranha de 21/06/1905 NABUCO, Cartas II, p. 217-219, 2/2/1906 NABUCO, Cartas II, p. 242 e 12/11/1908 NABUCO, 85 Obras Completas XIV, p. 329-330. A Hilário de Gouvêa Cartas II, p. 321; Carta de Joaquim Nabuco a Cardoso CONFIDENCIAL. Brazilian Embassy, Washington, D. de Oliveira de 22/10/1909 Fundaj. Idem. Ibidem , p. 8. C. Janeiro, 19, 1909. Grifo meu. 518 A Diplomacia Liberal de Joaquim Nabuco

mento com os Estados Unidos, incentivando o der força, e então “ nesse dia ai de nós, se a nossa que chamava de “quase aliança” ou, pelo me- amizade não estiver já bem cimentada ”91 . Especi- nos, buscando que o meio internacional perce- camente, Nabuco temia que o Barão casse besse a relação desses países enquanto tal 86 . satisfeito com uma aproximação muito mais Uma diferença entre o embaixador e o modesta com os EUA. Nesse sentido, Nabuco ministro também pode ser observada em uma reclama a seu amigo e condente Graça Ara - carta de Nabuco ao presidente Rodrigues Al - nha que o Barão mostrava “ desconhecer a mar- ves. Nesta, Nabuco armou que seria essencial cha do mundo e não ter o instinto da nossa própria conseguir uma forte e exclusiva proximidade conservação ”92 . com os Estados Unidos, no intuito de garantir A política do ABC proposta pelo Barão segurança e estabilidade para o Brasil 87 . Para também provocou reação adversa do embai- que que claro: forte e exclusiva proximidade xador. A maneira de Rio Branco ver o papel com os Estados Unidos. Mais do que Rio Bran- das três principais potências da América do co buscava. Latina. Esta exclusividade seria fa- Sul e sua relação com os EUA pode ser obser- vorecida por fatores históricos, já que o Brasil vada no seguinte trecho: já havia demonstrado em várias ocasiões uma não vejo motivos para que as três principais identicação com o ideal de solidariedade nações da América do Sul, – o Brasil, o Chile americana 88 . Ainda segundo ele, “ a aproximação e a Argentina, – se molestem com a lingua- entre os dois países [é] nossa única política externa gem do Presidente Roosevelt [...] ninguém possível . Ela vale mais para mim do que quantos poderá dizer com justiça que elas estão no número das nações desgovernadas ou tur- Dreadnought possamos construir [...] Sem ela vale- bulentas que não sabem fazer bom uso da 89 ria muito pouco o nosso isolamento ” . sua independência 93 . Outra diferença entre Nabuco e Rio Branco se dava no prazo de duração do ame- Ou seja: fazia parte da política externa do Ba- ricanismo: enquanto que o Barão dava sinais rão o entendimento de que Argentina, Chile e de adotar o americanismo de forma contin- Brasil formavam um “rol à parte” na América gente e temporária, o embaixador em Wa- do Sul, com relacionamento diferenciado com shington indicava um projeto de muito mais os EUA. Nabuco não necessariamente discor - longa duração. A entente entre os dois países dava do destaque dos três países, mas se opu- como Nabuco a chamava só poderia ser cria - nha veementemente à aliança proposta pelo da “ cá e lá, sendo longamente preparada de ante- chanceler. Seu ponto era evitar situações em 90 mão por esforços como os meus ” . Nabuco temia que o Brasil tivesse de escolher entre os Esta- que, com o tempo, o monroísmo pudesse per- dos Unidos e a América Latina. Daí a oposi- ção ao ABC 94 . Repetindo palavras citadas um 86 PEREIRA. A Política Externa da Primeira República pouco acima: e os Estados Unidos: a atuação de Joaquim Nabuco em O nosso amigo [o Barão] chegou a pensar Washington (1905-1910), p. 8. em substituir o eixo norte-americano de 87 Carta de Joaquim Nabuco a Rodrigues, 16/07/1908 (Fundaj). 91 Carta condencial de Joaquim Nabuco a Barbosa 88 NABUCO. Discursos e Conferências nos Estados Lima, 07/07/1907 NABUCO, Cartas II, p. 277. Idem. Unidos , p. 133. Ibidem , p. 14. 89 Carta reservada de Joaquim Nabuco a Ilanir da 92 Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 28/09/1908 Silveira, 31/10/1908 – grifo no original Fundaj. Citado NABUCO, Cartas II, p. 315. em PEREIRA. A Política Externa da Primeira República e os Estados Unidos: a atuação de Joaquim Nabuco em 93 Despacho reservado para Washington – Rio Branco a Washington (1905-1910), p. 14. Gomes Ferreira, 31/01/1905 AHI. 90 Carta reservada de Joaquim Nabuco a Ilanir da 94 RICUPERO. Joaquim Nabuco e a nova diplomacia, Silveira, 31/10/1908 Fundaj. Idem. Ibidem , p. 14. p. 10. MISES: Revista Interdisciplinar de Filosoa, Direito e Economia Bruno Gonçalves Rosi 519

nossa política externa pelo eixo argentino-- internacional: a obtenção de poder por par- -chileno, e eu tive que pedir ao Presidente te de um Estado signica a perda de poder e a ele me dispensassem deste cargo em tal por parte de outro Estado 96 . Exemplicando caso, para frustrar no início essa infeliz po- em termos concretos, ambos desconam dos lítica do “ABC”, que o Zeballos logo se en- vizinhos como ameaças à segurança nacional carregou de mostrar o que seria [...] ele [o (especialmente a Argentina) e defendem ju- Barão] cona na Alemanha, na França, na Inglaterra, no Chile, na Argentina, não sei ridicamente as diferenças de poder entre os em quem mais, e eu só cono nos Estados Estados. Seja como for, os “excessos” do ame- Unidos. ricanismo de Nabuco foram em grande parte contidos por Rio Branco 97 e, apesar de diferen- O americanismo de Nabuco não era ças ocasionais, os dois encontram-se em per- exatamente o mesmo do Barão, mas ambos feita sintonia no fundamental e chegavam a concordavam nas críticas a determinados as- utilizar as mesmas palavras para manifestar pectos da política externa de Roosevelt. Diri- essa convergência 98 . gindo-se a Rio Branco, em carta já citada aqui, Nabuco disse: Note você que eu não acompanho as ideias X - C de Mr. Roosevelt sobre a ocupação norte- -americana, ou outra, de alfândegas, etc., de Joaquim Nabuco e José Paranhos con - países sul-americanos. O meu monroísmo é cordavam em algo essencial: o Brasil deveria mais largo e não me prende a esses expe- priorizar as relações com os EUA em sua po- dientes que ele imagina para “justicar” é lítica externa. Inclusive a escolha de Nabuco a expressão de Mr. Root, “expedientes” é a minha) a doutrina Monroe perante a Euro- para a embaixada em Washington foi parte pa, a qual o aperta todos os dias por causa fundamental da política que o Barão preten- desta “doutrina” e sempre em torno da Ve- dia implementar. Mas o embaixador não era nezuela 95 . um mero seguidor das ordens do chanceler: Nabuco tinha suas próprias convicções a res - Se havia diferenças de opinião entre os peito de como a política americanista do Bra- dois, havia também semelhanças importantes sil deveria ser implementada. E é aí que di- no que diz respeito às relações internacionais: ferenças entre Nabuco e o Barão podem ser ambos consideram que o Sistema Internacio- observadas: podiam concordar em algo es- nal é anárquico, ou seja, ambos consideram sencial, mas discordavam em pontos que não que não há um árbitro imparcial presidindo eram acidentais. as relações entre os Estados; ambos conside- O americanismo de Nabuco envolvia ram que a sobrevivência dentro do sistema é um senso de mudança ausente no america- um objetivo central para os Estados; ambos nismo do Barão. Outra forma de dizer isso é consideram que há diferenças de poder entre falando que Nabuco era mais otimista a res - os Estados, ou seja, alguns Estados são mais peito de transformações no sistema interna- aptos a garantir sua sobrevivência por meios próprios do que outros. Nabuco e o Barão es - 96 N. do E.: O que, no campo de estudos das Relações tão de acordo inclusive a respeito dos ganhos Internacionais, seguindo a nomenclatura própria da de poder serem relativos dentro do sistema Teoria dos Jogos, entende-se como “lógica de soma- zero”. 97 PEREIRA. A Política Externa da Primeira República 95 Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 19/12/1905 e os Estados Unidos: a atuação de Joaquim Nabuco em NABUCO, Cartas II, p. 238. Citado em PEREIRA. A Washington (1905-1910), p. 17. Política Externa da Primeira República e os Estados Unidos: a atuação de Joaquim Nabuco em Washington 98 RICUPERO. Joaquim Nabuco e a nova diplomacia , (1905-1910), p. 15. p. 13. 520 A Diplomacia Liberal de Joaquim Nabuco

cional: a Europa era um continente marcado de forma mais circunstancial. Nabuco dava pela guerra (e, neste sentido, ausência de pro- sinais de buscar um projeto de longo prazo, gresso), mas a América não precisa seguir este querendo alterar circunstâncias. Penso que caminho. E isso poderia ser alcançado debaixo o Barão pode ser chamado de realista-pes- da liderança dos EUA, que ao mesmo tempo simista, e Nabuco de realista-otimista. Não protegiam os países mais fracos do continen- diametralmente opostos, mas com diferen- te com respeito ao imperialismo europeu. Ou ças que não devem ser ignoradas, ainda que seja: a liderança dos EUA era essencial para diferenças dentro de um mesmo continuum . alcançar algo maior: um continente de paz. Estavam inseridos em um mesmo debate de Em outras palavras, a liderança dos EUA não pensamento político, mas não no mesmo lado era um m em si mesmo, mas um meio de al - deste debate: enquanto que o Barão apresen- cançar um objetivo maior. Ainda assim, esta tava características de um conservador brasi- liderança não deveria ser questionada dentro leiro do século 19, de um saquarema, Nabuco do projeto mais amplo sendo colocado em apresentava características encontradas na prática. tradição luzia. O Barão dava sinais de adotar o america- nismo por um período de tempo mais curto,