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MÁRIO SÈVE O no estilo sambado: padrões rítmicos e fraseado musical E DEBATES | UNIRIO, n. 17, p.219-249, nov. 2016. B O choro no estilo sambado: A padrões rítmicos e fraseado musical ______T

Mário Sève E Universidade Federal do Estado do S Resumo: Este artigo tem por objetivo investigar e explicar as transformações rítmicas no fraseado do choro ocorridas com o aparecimento de um novo estilo do fixado em registros fonográficos a partir dos anos 1930. O texto em questão parte de um recorte de minha dissertação Fraseado do choro: uma análise de estilo por padrões de recorrência, que organizei, expandi e adaptei em 17 função do objetivo do artigo. As seções 1 e 2 apresentam o surgimento e as características desse novo estilo do samba e suas influencias nas práticas do choro. A seção 3 aborda conceitos para a análise rítmica de ambos os gêneros. A seção 4 analisa fraseados de no estilo sambado, a partir de fragmentos de peças de seu repertório. No quadro teórico encontram-se estudos de musicólogos, etnomusicólogos, historiadores e biógrafos como Carlos Sandroni, Kazadi wa Mukuna, Gerhard Kubik, Pedro Aragão, Baptista Siqueira, Mário de Andrade, Henrique Cazes, José Ramos Tinhorão e Sérgio Cabral, entre outros. Supostamente, tais transformações se deram em consequência do papel mediador dos chorões nas gravações do novo estilo de samba. Palavras-chave: Choro. Samba. Choro-sambado. Padrões rítmicos. Fraseado ______

Choro in samba style: rhythmic patterns and musical phrasing

Abstract: This article aims to investigate and explain the rhythmic changes in the choro phrasing with the appearance of a new samba style recorded from the years 1930. This text is a little part of my thesis Choro phrasing: a style analysis by patterns of recurrence, that I organized, expanded and adapted for the purposes of the article. The sections 1 and 2 show the emergence of this new samba style and their influence on the choro music. The section 3 shows concepts for the rhythm analysis of the both genres. The section 4 analyzes choros in the samba style, from parts of fragments of his repertoire. In the theoretical framework are studies by musicologists, ethnomusicologists, historians and biographers like Carlos Sandroni, Kazadi wa Mukuna, Gerhard Kubik, Pedro Aragon, Baptista Siqueira, Mário de Andrade, Henrique Cazes, José Ramos Tinhorão and Sérgio Cabral, among others. Supposedly, such transformations occurred as a result of the role of choro musicians in the recordings of the new samba style. Keywords: Choro. Samba. Choro-sambado. Rhythmic patterns. Phrasing.

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O samba e seu “estilo novo” improvisava versos para respostas do coro, em refrão. Nos anos 1840, o termo samba Tais festas eram frequentadas definia vários tipos de música e por macumbeiros e boêmios, de dança introduzidos por negros profissionais (como marceneiros e escravos no Brasil, incluindo, alfaiates), pequenos funcionários entre outros, o tambor de crioula públicos, repórteres, baianos bem do Maranhão, o coco do sucedidos no Rio e Nordeste, o samba de roda da representantes da primeira Bahia, o jongo de Minas Gerais, geração de compositores Espírito Santo e estado do Rio de profissionais. Janeiro e o samba rural de São De uma produção coletiva na Paulo. Em fins do século XIX, com mítica Casa da Tia Ciata nasceu a decadência da cultura do café, aquele que é tido como o a abolição da escravatura e o fim primeiro samba gravado — Pelo da Guerra de Canudos, cresceu a telefone, registrado como população de negros na zona parceria de com o 1 urbana do Rio de Janeiro . O jornalista Mauro de Almeida. A samba, antes ausente da Cidade, música, sucesso no carnaval de começou a designar danças de 1917, possui quatro partes com umbigada em regiões como o diferentes letras, com estrofes bairro da Saúde, centro do Rio, folclóricas e autorais. O onde cresceu uma comunidade de etnomusicólogo Carlos Sandroni negros baianos. Notabilizaram-se (2012) define a forma dos aí as casas das “tias baianas”, primeiros como do tipo que promoviam festas com um “rapsódica” e relaciona o estilo autêntico caldeirão de maxixado de suas gravações ao ingredientes musicais vindos do fato deles terem sido choro e do batuque. O baile, na contemporâneos ao surgimento sala de visita, era conduzido por do disco e passado pelas mãos de conjuntos de choros, com polcas, compositores e arranjadores schottischs, valsas e gêneros profissionais como Sinhô, Careca, semelhantes. A batucada, uma Caninha, Donga, Pixinguinha etc. variante do samba de umbigada, No final dos anos 1920, no fazia referência, no terreiro, a um bairro do Estácio de Sá, surgiu jogo de destreza corporal, como a um novo estilo de samba, com capoeira. E o samba de partido outra instrumentação e outro alto, cantado em roda, nos padrão rítmico — o samba como fundos das casas, acontecia em o reconhecemos hoje, relacionado forma de desafio — um solista à batida rydtg_\ dtg-dgy tamborim.

Um grupo de compositores, 1 A favela nasceu em 1897. Sérgio Cabral (1996) comenta que, no início do ligados à escola de samba Deixa século XX, dos 700 mil habitantes Falar, formado por Ismael Silva, cariocas, um quarto, de maioria negra, Nilton Bastos e Bide, entre vivia em casas de cômodos — ou outros, destacou-se inicialmente. cortiços e cabeças de porco, como, O jornalista Sérgio Cabral também, eram chamadas. 220

MÁRIO SÈVE O choro no estilo sambado: padrões rítmicos e fraseado musical DEBATES | UNIRIO, n. 17, p.219-249, nov. 2016. comenta como o samba passou a batucada — através do sistema buscar tal estilo: elétrico de gravações e do uso de O samba dos pioneiros, microfones — e após o primeiro incluindo-se o Pelo telefone desfile de escolas de samba, em e os clássicos de Sinhô 1932, na Praça Onze. Ele (Jura e Gosto que me encontrou nos espaços públicos enrosco, entre eles), pouco seu lugar de atuação. Blocos, se diferenciava do , ranchos e cordões carnavalescos sendo assim, adequado (depois escolas de samba), e para a dança de salão, botequins eram socialmente mais mas pouco indicado para abertos que as casas das tias quem quisesse desfilar no baianas. Diferente do estilo carnaval. Não oferecia o que poderíamos chamar de antigo, associado, muitas vezes, síncopa carnavalesca aos ao conceito de improvisação — foliões que desejavam com versos criados no momento andar enquanto brincavam da execução depois de um refrão o carnaval. Foi o que —, o estilo novo estabeleceu nas perceberam os jovens composições, em geral, uma sambistas do Estácio, forma de duas partes — dando-se interessados na criação de mais valor à música de autor —, um bloco carnavalesco que com a segunda cantada, sairia pela cidade cantando normalmente, só uma vez, após o suas músicas, ao qual estribilho. O primeiro samba dariam o nome de Deixa Falar. “A gente precisava gravado no estilo novo foi no ano de um samba para de 1928 — Na Pavuna, de movimentar os braços para Almirante e Homero Dornelas, frente e para trás durante pelo Bando do Tangarás (o qual o desfile”, disse-me o integrava , além do compositor Ismael Silva, primeiro autor), com surdo, um dos jovens pandeiro, tamborim e cuíca, compositores daquela tocados por ritmistas do morro do geração do Estácio. Salgueiro. A composição foi (CABRAL, 1996:34). grande sucesso no Carnaval de

1930. Enquanto o estilo antigo, São exemplos do estilo maxixado, caracterizava-se pelo antigo Gosto que me enrosco, de uso de instrumentos europeus Sinhô, e Já te digo, de (como os tocados pelos músicos Pixinguinha e China, e do estilo de choro da Cidade Nova), o estilo novo Se você jurar, de Ismael novo passou a estar associado ao Silva e Nilton Bastos, e Feitiço da uso de instrumentos de origem Vila, de Noel Rosa, entre centenas africana (como a cuíca) ou de outras composições. Ilustrando inventados no Brasil (como o com os sambas Jura, de Sinhô, tamborim e o surdo). O estilo gravado por Mário Reis em 1928, novo popularizou-se rapidamente e Onde está a honestidade, de a partir da possibilidade técnica Noel Rosa, gravado pelo autor em de registrar-se instrumentos da 1933, Carlos Sandroni (1996:1–2)

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MÁRIO SÈVE O choro no estilo sambado: padrões rítmicos e fraseado musical DEBATES | UNIRIO, n. 17, p.219-249, nov. 2016. aponta diferenças entre os dois ligados à cultura afro-brasileira2, estilos: talvez explique por que o ritmo a) no estilo antigo a orquestra tenha demorado tanto em ser dialoga com o cantor, registrado. Compositores negros pontuando a melodia através como Ismael Silva e , para de pequenas intervenções; evidenciar suas diferenças, então, há uso recorrente, nas passaram a mostrar que faziam orquestrações, de certas samba ao invés de maxixe3. “frases-clichê” com síncopes internas aos tempos (como Os chorões como mediadores dtg) e, mais raramente, síncopes entre tempos do Os músicos de choro, que atuavam nas gravações dos compasso 2/4 (como r.gQ e sambas dos anos 1930, acabaram por estar entre os mais dtttg); e o ritmo é importantes mediadores na organizado em 8 difusão do novo estilo de samba. semicolcheias, em dois Assumiram especial importância, tempos; inicialmente, as atuações do b) no estilo novo há presença regional liderado pelo flautista de um grupo de ritmistas; o Benedito Lacerda4 (1903–1958) tema é reexposto, nas — notável no apoio dos mais orquestrações, com a mesma famosos intérpretes de seu melodia cantada pelo intérprete; a pontuação 2 e Paulo da Portela orquestral diminui sua compunham sambas associados ao importância e as “frases- padrão rítmico — como de Vou te clichê” desaparecem; nas abandonar, gravado em 1930. introduções instrumentais, as 3 Considerando o fato dos negros síncopes passeiam também percussionistas estarem fora da indústria cultural do período citado, o músico Luiz entre compassos; e o ritmo é Otávio Braga atribui a um “equívoco organizado em 16 musicológico reducionista” a questão que semicolcheias, em quatro divide o samba carioca nos estilos tempos. “maxixado” e “do Estácio”. 4 Sérgio Cabral relata que o flautista Embora sem registros Benedito Lacerda chegou a viver ao lado escritos ou gravados, lembra da sede improvisada da dita primeira escola de samba — a Deixa Falar, na Sandroni, o novo padrão rítmico Rua do Estácio 27, onde morava Ismael do samba provavelmente já Silva. Não parece ter sido por acaso que estaria sendo praticado na música no conjunto Gente do Morro, de Benedito popular carioca bem antes de Na Lacerda, tenha atuado o percussionista Pavuna, visto que ritmos como o Bide (que tocou também cuíca no Grupo da Velha Guarda, organizado por cabula encontravam-se no âmbito Pixinguinha). Tais fatos apontam para do candomblé de Angola no Rio evidencias de um intercâmbio entre as de Janeiro. A inferioridade que se práticas musicais dos principais via em seus portadores, estes protagonistas do choro e do samba da época, gêneros que se influenciaram mutuamente. 222

MÁRIO SÈVE O choro no estilo sambado: padrões rítmicos e fraseado musical DEBATES | UNIRIO, n. 17, p.219-249, nov. 2016. tempo, como Francisco Alves e acompanhamento do samba. —, e as Aragão considera essa mudança orquestrações de Pixinguinha5 de paradigma rítmico um marco (1897–1973) — um dos principais para os dois gêneros. O choro arranjadores do período, cuja passou a ser interpretado e escrita contribuiu para composto influenciado pelo sistematizar um novo fraseado samba, resultando no que rítmico-melódico. Houve, assim, conhecemos hoje como choro no como observa o bandolinista e estilo ou no padrão sambado, ou etnomusicólogo Pedro Aragão: como choro-sambado7. Choros a) o papel decisivo dos originários de polcas e maxixes instrumentistas ligados ao choro foram adaptados ou novos choros nas transformações de passaram a ser compostos no contrametricidade6 surgidas no novo padrão. Estácio através de figuras A primeira gravação de um mediadoras, como Benedito choro pelo grupo [Gente do Lacerda (pouco lembrado na Morro], a música ‘Gorgulho’, de bibliografia tradicional sobre o autoria do próprio Benedito samba, mas que teve, ao meu Lacerda (discos Columbia ver, papel decisivo na 22129) já apresenta de forma configuração deste novo inconfundível a ‘levada’ de padrão) e Pixinguinha; e b) o tamborim que caracterizaria o fato de que o choro também foi padrão contramétrico. influenciado, de forma paralela (ARAGÃO, 2013:148). e complementar, por essa contrametricidade. (ARAGÃO, Mesmo que essa gravação 2013:33). tenha apresentado a

interpretação do choro no padrão Com o surgimento das sambado, percebe-se nela que gravações no sistema elétrico, do nem todos os músicos estão aparecimento do rádio no Brasil e confortáveis no novo estilo. Da do crescimento dos cassinos, o mesma forma com que aconteceu processo de profissionalização dos no samba, o aprendizado do novo instrumentistas de choro padrão foi gradativo e em caminhou junto com o surgimento velocidades diferentes nas do novo padrão de gravações de choros, não só pelo

5 A fixação do choro como gênero período em que estas foram ocorreu sobretudo através da música de realizadas, mas também pela Pixinguinha, líder do emblemático “escola” a que cada conjunto Os Oito Batutas — este instrumentista ou intérprete do conhecido pelas execuções virtuoses do flautista, pela inserção de instrumentos de percussão como o pandeiro, o ganzá e o reco-reco em sua formação e por 7 “O ‘choro-sambado’ [ou choro no uma pioneira turnê a Paris (em 1922). padrão sambado, ou choro no estilo 6 O grau de contrametricidade em uma sambado], surgido a partir da atuação peça é dado pela complexidade e de Benedito Lacerda e, posteriormente, quantidade de figuras sincopadas. O , seria aquele baseado conceito é explicado mais em padrões de ‘batida de tamborim’.” detalhadamente na sessão 3.2. (ARAGÃO, 2013:147). 223

MÁRIO SÈVE O choro no estilo sambado: padrões rítmicos e fraseado musical DEBATES | UNIRIO, n. 17, p.219-249, nov. 2016. gênero estava associado naquela hora. Exemplo musical 1. Figuras contramétricas no samba Arranjei um fraseado. Fonte: Existia nas gravações iniciais Songbook Noel Rosa,v.1 (CHEDIAK, 1991:35) de sambas do Estácio, como sugere Sandroni (2012), uma Os arranjadores (no papel de relação entre a capacidade de sistematizadores das novas assimilação de padrões articulações e figuras rítmicas), contramétricos e as diferentes ou os cavaquinistas e violonistas “escolas” musicais de (músicos ligados ao choro, às instrumentistas envolvidos. Ou práticas musicais e à tradição seja, em se tratando do ritmo das oral), funcionavam como melodias, os músicos, quanto mediadores para uma mais próximos da escola da orquestração com naipes de tradição erudita, como os metais (normalmente músicos de instrumentistas de orquestra (as banda, acostumados a animar cordas, sobretudo), mais distante bailes) e de cordas. Entretanto, das “fontes” (das práticas ouvem-se muitas vezes, nas musicais dos sambistas) se gravações iniciais do novo padrão, encontravam e, portanto, menos diferentes fraseados. capazes eram de se adaptar ao Inúmeras outras gravações crescimento da de samba do mesmo período contrametricidade. Por outro lado, foram realizadas sem os músicos, quanto mais orquestrações de metais e cordas, próximos da escola da tradição com cantores basicamente oral, como os compositores e acompanhados de conjuntos de percussionistas (além dos choro (regionais), à base de próprios intérpretes), mais percussões (sobretudo pandeiro), próximos das “fontes” estavam e, violões, cavaquinho e um solista portanto, mais capazes eram de (um sopro, normalmente). Nessa 8 absorver o novo ritmo em figuras situação, os arranjos eram menos do tipo Eedtg_\ , S rttg_\ , Edg-dtg_\ e S dependentes de partituras e mais próximos das práticas musicais e.ry\ e e nas melodias (estas em ambientes informais — últimas presentes em Arranjei um costuma-se ouvir, por exemplo, a fraseado, de Noel Rosa, do flauta de Benedito Lacerda e o 9 exemplo 2). clarinete de (1900–1960) tocando introduções e improvisando solos e contracantos, adaptados ao

fraseado e às articulações

requeridas pelo novo padrão 8 Essas figuras, apresentando “sincopações” que extrapolavam barras rítmico. Por estarem, de alguma de compasso, algumas recorrentes nas antigas partituras transcritas do lundu- canção, encontram-se associadas à 9 Ambos instrumentistas eram líderes de padrões rítmicos tocados pela percussão famosos grupos regionais que tinham (como o tamborim e a cuíca) e pelo também como ofício de acompanhar, cavaquinho. com frequência, os cantores no rádio. 224

MÁRIO SÈVE O choro no estilo sambado: padrões rítmicos e fraseado musical DEBATES | UNIRIO, n. 17, p.219-249, nov. 2016. maneira, próximos às “fontes” do seja, um desvio do pulso ou da novo samba, ambos os acentuação métrica normal. instrumentistas tornaram-se Ao mencionar que na música compositores e intérpretes de brasileira, em relação ao ritmo, o destaque no choro de estilo principal problema ser a sambado. “síncopa”10, Mário de Andrade A partir de Benedito (1962) sugere que seu conceito Lacerda, diversos outros muitas vezes não se adéqua a compositores e intérpretes, nossos movimentos rítmicos — no ao longo da segunda nosso caso o que chamamos de metade do século XX, “síncopa” pode não ser. Ele iriam consolidar este novo observa que, no Brasil, existiu um estilo de choro, enquanto o padrão de conflito entre a rítmica musical acompanhamento da polca dos portugueses, “afeiçoada ao seria, cada vez mais (...) mensuralismo tradicional associado a uma “antiga europeu”, e a prosódia das forma” de se tocar. músicas ameríndias e africanas, e (ARAGÃO, 2013:148). conclui afirmando que “a rítmica Novos motivos rítmico- mais livre, sem medição isolada melódicos foram usados para se musical era mais a nossa adaptar ao novo padrão de tendência.” (ANDRADE, 1942:31). acompanhamento, com maior Para o maestro Baptista Siqueira incidência de síncopes entre (1969), a música brasileira compassos. Figuras do tipo caracterizou-se, inicialmente, pela Edgrdg\ e e S rgdtg\ e, relacionadas substituição dos “acentos métricos” — de caráter universal a melodias de polcas e tangos, — por “acentos rítmicos” — de passaram a ser escritas ou caráter local. Enquanto que interpretadas como Edgdffg_\ e e S músicos eruditos do século XIX deixavam de acentuar uma nota rgdffg_\ e, por exemplo. sincopada por considerar um grave erro, músicos populares, Conceitos e parâmetros para transgredindo essa regra, análises rítmicas de sambas e escreviam síncopes sem a choros exigência do acento obrigatório — “o acento brasileiro era diferente

porque sua língua também o era.” Síncope (SIQUEIRA, 1969:76). O maestro O Dicionário Grove de Música sustenta a tese de que o “índice define “síncope” como o de brasilidade” na nossa música deslocamento regular de cada popular tem base na existência tempo em padrão cadenciado real de “síncopes regulares sempre no mesmo valor à frente inacentuadas” — empregadas ou atrás de sua posição normal no compasso (SADIE, 1994:868), ou 10 Os termos síncopa e síncope tem significados idênticos. Mário de Andrade preferia usar síncopa. 225

MÁRIO SÈVE O choro no estilo sambado: padrões rítmicos e fraseado musical DEBATES | UNIRIO, n. 17, p.219-249, nov. 2016. desde, pelo menos, a primeira metade do século XIX. Cometricidade e a Andrade (1962:32) atribui à contrametricidade síncopa a formação do que chama Carlos Sandroni (2012) realiza, no de “fantasia rítmica do brasileiro”, livro Feitiço decente, um e afirma que a síncopa no minucioso estudo sobre padrões primeiro tempo do compasso 2/4 rítmicos usados na música é a característica mais positiva da brasileira para explicar as rítmica brasileira. A figura rítmica transformações ocorridas no representada por dtgry tão samba entre 1917 e 1933. Para tal, entre outras coisas, lança presente entre nós que ele mão de conceitos gerados por chegou a cunhar a expressão alguns estudiosos da rítmica “síncopa característica” para africana. Como outros autores — defini-la. Contudo, o mesmo inclusive Baptista Siqueira —, o Andrade (1962:33-34) não deixou etnomusicólogo polonês de questionar o conceito de Mieczyslaw Kolinski vê dois níveis síncope em nosso caso, afirmando na estruturação do ritmo musical: que nele “muitos movimentos “o da métrica e o do ritmo chamados de sincopados não são propriamente dito”, onde a síncopa”, “são polirritmia ou são métrica está na infra-estrutura ritmos livres de quem aceita as permanente e o ritmo nas determinações fisiológicas de diferentes articulações temporais arsis e tesis porém ignora (ou da música real (SANDRONI, infringe propositalmente) a 2012:23). doutrina dinâmica falsa do compasso.” A “teoria dos acentos”, usada Não se pode dizer que a desde o período barroco, síncope, na música brasileira, está postulava uma organização simplesmente associada a um métrica da música através de recurso interpretativo, como indicações fixas (acentos) costuma acontecer na música aplicadas tanto à estrutura do clássica ocidental. Ela compasso quanto às subdivisões normalmente representa o que há de cada unidade de tempo, a de africano na nossa cultura — do partir da aplicação do padrão lundu ao samba, o “irregular” da forte-fraco (apoio-impulso, ou síncope muitas vezes significa a thesis-arsis). O téorico Hugo regra, o mais comum, o Riemann a ilustra na figura 1: “característico.”11 (SANDRONI, 2012:23).

11 O emprego da palavra “síncope” (ou síncopa) para designar as articulações contramétricas foi, no Brasil, tão sincopado” é naturalmente usada por frequente que entrou no vocabulário do não-músicos para definir sambas como leigo e dos músicos populares, conheçam Falsa Baiana, de Geraldo Pereira (aonde, eles ou não a leitura. (SANDRONI, na melodia, é recorrente a figura rítmica 2012:29). A expressão “samba dtg). 226

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métrico (constante). Ao considerar “metricidade” de um ritmo a medida em que este se aproxima ou se afasta da métrica subjacente, Kolinski criou os termos “cometricidade” e

“contrametricidade” para Figura 1. Perspectiva em diferentes descrever as duas situações. níveis de subdivisão da “teoria dos Sandroni ilustra, sob o ponto de acentos”, segundo modelo de Riemann. vista da posição rítmica ou da Fonte: Interpretação e fraseado no acentuação dos sons musicais, o “Mosaico nº1” de José Vieira Brandão (NOVAIS, 2014:59) que seriam fórmulas totalmente cométricas e totalmente A música barroca foi contramétricas em um compasso desenvolvida, composta e 2/4 (figura 2). interpretada de acordo com essa lógica: “de acordo com os autores musicais dos séculos XVII e XVIII, temos, em um compasso 4/4 notas boas ou ruins, nobiles ou Figura 2. Fórmulas métricas e viles: assim o primeiro tempo é contramétricas. Fonte: Feitiço decente nobre, o segundo ruim, o terceiro (SANDRONI, 2012:29-30) não tão nobre e o quarto tempo é miserável.” (HARNONCOURT, Muitas músicas relacionadas 1988:50). As síncopes neste caso, a danças européias que chegaram quando acontecem, aparecem ao Brasil construídas sobre como um desvio e com o caráter melodias cométricas — como a “pontual” de contradizer o fundo polca —, sob influência da música métrico — talvez, por isso, negra, se transformaram e recomenda-se que sejam passaram a assumir acentuadas. O método de flauta características contramétricas. de Charles De Lusse, de 1761, Síncope e contratempo são orienta que as síncopes sejam situações de contrametricidade. articuladas com a sílaba T-HÉ Mas a síncope, assim como o (como demonstrado em a, b, c, d, compasso — só sistematizado no e, f, g, h, i e j do exemplo 2 período barroco —, não é um extraído do modelo de síncopes conceito universal na música. A de De Lusse). forma de organização da música africana — submetida à liberdade de acentuações e articulações — não parece depender de uma recorrência periódica de tempos Exemplo 2. Modelo de síncopes do método de fortes, como acontece na música flauta de Charles De Lusse. Fonte: Em busca de um mundo perdido (RÓNAI, 2008:180) ocidental. Na música dessa cultura, a contrametricidade não é O ritmo de uma melodia pode exceção e seus estudiosos confirmar ou contradizer o fundo costumam desconsiderar os 227

MÁRIO SÈVE O choro no estilo sambado: padrões rítmicos e fraseado musical DEBATES | UNIRIO, n. 17, p.219-249, nov. 2016. conceitos de compasso e síncope repetem dentro de um grupo de como instrumentos de análise. pulsos — cada pulso12 define um tempo e sua frequência um andamento. Na figura 3 é possível Rítmicas divisiva e aditiva observar que há duas diferentes leituras: enquanto na rítmica Em seus estudos sobre a música divisiva visualizamos uma da África, o etnomusicólogo inglês pulsação binária, em dois pulsos Arthur Morris Jones realizou a — formando um ciclo de duas seguinte comparação: semínimas —, na rítmica aditiva (...) a rítmica ocidental é visualizamos uma pulsação ‘divisiva’, pois se baseia na 3+3+2, em oito pulsos — divisão de uma dada duração formando um ciclo (ou período) em valores iguais. Assim, como de oito semicolcheias. Em ensinam todos os manuais de teoria musical, uma semibreve variados gêneros da música se divide em duas mínimas, popular brasileira, como o samba cada uma destas em duas e o choro, leituras como essas se semínimas e assim por diante. complementam. Já a rítmica africana é ‘aditiva’, pois atinge uma dada duração Imparidade rítmica através da soma de unidades menores, que se agrupam O etnomusicólogo francês Simha formando novas unidades, que Arom percebeu, na música da podem não possuir um divisor comum (é o caso de 2 e 3). África, o fenômeno que chamou (JONES, apud SANDRONI, de “imparidade rítmica”. Ou seja, 2012:26). em um padrão rítmico africano, a mistura de agrupamentos binários Um mesmo ciclo rítmico — e ternários dá origem a um dentro de um compasso 2/4 (em período par (de pulsos) que, notação clássica) —, na “rítmica dividido por dois, resulta em divisiva” pode ser preenchido por segmentos ímpares e desiguais. uma mínima (ou duas semínimas, Por exemplo, um padrão ou quatro colcheias, ou oito contramétrico de oito pulsos semicolcheias etc.), enquanto que na “rítmica aditiva” completa-se 3+3+2 ((e. e. e)), quando dividido pela soma de dois grupos por dois, resulta em 3+5 (e. s-q) (menores) de três semicolcheias e um grupo de duas semicolcheias, — e não em 4+4 (q q). Padrões como ilustra a figura 3: contramétricos de “oito pulsos” (em ciclos de oito semicolcheias) e de “16 pulsos” (ciclos de 16

12 Figura 3. Rítmica divisiva e rítmica aditiva em Segundo o teórico canadense Wallace um compasso 2/4 Berry (1976), os pulsos costumam repetir-se regularmente na maioria das A pulsação musical é músicas; algumas, como os cantos litúrgicos da Idade Média, não obedecem determinada por acentos que se uma pulsação regular. 228

MÁRIO SÈVE O choro no estilo sambado: padrões rítmicos e fraseado musical DEBATES | UNIRIO, n. 17, p.219-249, nov. 2016. semicolcheias) permeiam diversos maciça e som agudo gêneros musicais brasileiros (denominados claves). A clave relacionados ao samba e ao pode apresentar-se em “3 & 2”, choro, constituindo-se em invertida em “2 & 3” ou como elementos importantes para “clave da rumba” ou “clave entendermos seus fraseados africana” (figura 4). melódicos e suas fórmulas rítmicas de acompanhamento.

Time-lines (ou linhas guias) Figura 4. Clave “3 & 2”, clave “2 & 3” e “clave da rumba” ou “clave africana”. Fonte: The O etnomusicólogo africano J. H. jazz theory book (LEVINE, 1995:462) Kwabena Nketia diz que tais padrões são organizados, na música da África, por “time-lines” Padrão contramétrico de oito (linhas-guia). Estas aparecem pulsos representadas por palmas ou instrumentos de percussão O etnomusicólogo africano agudos de som penetrante (como, Kazadi wa Mukuna (2010) relata que, ao estudar a contribuição da na música brasileira, o agogô, o 13 tamborim e o cavaquinho) — na cultura Bantu na nossa música, função de metrônomo, no meio encontrou elementos associados a das polirritmias — e executadas time-lines como dtg rye em desenhos assimétricos repetidos em ostinato do início ao qqeqqqqeq. São padrões de oito e fim da música. Em muitos casos, 16 pulsos, os quais opto por esse ostinato pode ser variado, exemplificar com unidades sujeito a improvisações do músico mínimas representadas por responsável pela time-line. semicolcheias (como em nossas O músico americano Mark práticas musicais) — portanto, Levine (1995) fala, de forma oito e 16 semicolcheias. Escrevo análoga, de um padrão para as time-lines sob a organização tocar-se ritmos afro-cubanos em métrica da notação clássica (por temas de jazz. Em um grupo de exemplo, como dtg ry e rydtg- salsa, os instrumentos de acompanhamento — como o dtg-dgy) com o objetivo de piano, o baixo, as congas e outras facilitar sua visualização, mesmo percussões — tocam ritmos sabendo de que esta forma possa diferentes que se juntam em uma espécie de “quebra-cabeça”. O 13 Bantu é o conjunto das tribos que elemento que organiza o fraseado ocupavam o antigo Reino do Kongo no musical e une todas as peças início das atividades escravagistas do desse quebra-cabeça chama-se século XVI. Isto é, as tribos que clave — um padrão rítmico de ocupavam o vale do Rio do Congo que se estende pelos dois lados da fronteira dois compassos, que costuma ser Congo-Angola, excluindo-se o Gabão e tocado por um par de pequenos Mayombe, que nesse período estavam bastões cilíndricos de madeira organizados em nações autônomas. (MUKUNA, 2010:19). 229

MÁRIO SÈVE O choro no estilo sambado: padrões rítmicos e fraseado musical DEBATES | UNIRIO, n. 17, p.219-249, nov. 2016. não traduzir, em sua totalidade, o notação clássica) por q. q. q em que ouvimos da música africana. compasso 4/4 ou por r.g-ry em Mukuna diz que esses padrões rítmicos pertencem à compasso 2/4. O tresillo e suas cultura musical de uma tribo no variações aparecem em muitos Congo que ocupa uma área no lugares da América onde houve interior, longe de onde a coroa importação de escravos — está, portuguesa exerceu atividades por exemplo, presente na escravagistas — período que foi habanera e no tango argentino, e da segunda metade do século XVI aqui, no lundu, na polca-lundu, no à quase fins do século XIX. cateretê, no fado, no coco, na Contudo, supõe-se que esses chula, no tango brasileiro, no elementos musicais entraram no maxixe, no samba primitivo etc. Brasil não só através dos escravos Dentre todas suas variações, é traficados, como também pelos especialmente importante na próprios portugueses. De música brasileira aquela chamada qualquer forma, lembra o por Mário de Andrade de “síncopa etnomusicólogo, a organização característica” (dtgry) — rítmica da música brasileira parece ter origem africana, aqui curiosamente, a mesma célula chegando via África ou Portugal rítmica ouvida, no Brasil, no caxixi (onde também havia negros da música de capoeira e, no escravos). Congo, no díkàsà (chocalho de cesto) da cerimônia de Como frequentemente é o bampamba das tribos lubas, caso nos sincretismos segundo Mukuna. musicais resultantes da A “síncopa característica”, reunião de elementos africanos e europeus, há observa Carlos Sandroni, pode ser uma predominância do vista como uma variante do conceito rítmico africano tresillo se dividirmos os de organização, que agrupamentos ternários em 1+2. fornece um pano de fundo Separa-se 3+3+2 em sobre o qual as influências européias, manifestas em (1+2)+(1+2)+(2), ou e. e. e em implicações harmônicas e dydye (o mesmo que dtgry). Da melódicas, encontram suporte. (MUKUNA, mesma forma, a divisão de 2010:75). agrupamentos ternários em 2+1 resulta em uma figura rítmica O “padrão contramétrico de também recorrente na música oito pulsos”, recorrente na brasileira (em acompanhamentos melodia e no acompanhamento de de cavaquinho em choros e diversos gêneros musicais maxixes, em determinados toques brasileiros, é o que musicólogos de agogô e tamborim em sambas) cubanos chamam de tresillo — um — um padrão com cinco ritmo assimétrico de oito pulsos e articulações chamado por três articulações (3+3+2), que musicólogos cubanos de cinquillo. poderia ser representado (em 230

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Separa-se 3+3+2 em O padrão contramétrico de oito pulsos presente na música (2+1)+(2+1)+(2), ou e. e. e em brasileira (em diversos choros do rgrg e (o mesmo que rdg-dgy). fim do século XIX e início do século, inclusive nas gravações Continuando, a divisão do dos Os Oito Batutas, conhecido segundo agrupamento ternário grupo de Pixinguinha) tem dois em 1+2, mas não o primeiro, agrupamentos ternários e um resulta em outra figura rítmica agrupamento binário — 3+3+2 presente na música brasileira da segunda metade do século XIX e (e. e. e) — e imparidade rítmica início do século XX (em obras de Henrique Alves Mesquita e 3+5 (e. s-q). O esquema da figura Ernesto Nazareth, por exemplo) 5 ilustra: — fórmula conhecida como “ritmo da habanera” ou “ritmo do tango”. Separa-se 3+3+2 em (3)+(1+2)+(2), ou e. e. e em e. dye(o mesmo que r.gry).. Sandroni chama o conjunto desse tipo de variações de “paradigma do Figura 5. Padrão contramétrico de oito pulsos tresillo”, todas elas com a característica comum da marca Padrão contramétrico de 16 contramétrica no quarto pulso pulsos (ou, em notação convencional, na quarta semicolcheia) de um grupo Mukuna menciona a presença de de oito, dividido em duas partes um ciclo rítmico de “16-pulsos” 14 desiguais (3+5). Tais variações na cultura Bantu e na música rítmicas são usadas nas time-lines brasileira — nesta, identificado no do paradigma, como em palmas tamborim ou no cavaquinho do do coco nordestino, do samba de samba. Usando colcheias como roda e do partido alto, em agogôs unidade mínima (ou “referente de e gonguês da chula, do maracatu, densidade”, segundo sua do samba, em cavaquinhos do nomenclatura), anota-o como maxixe etc. qqeqqqqeq (e sua variação como

qqeQ qqqeq). O etnomusicólogo 14 Na opinião de Sandroni, parte significativa da cultura brasileira separa o ciclo na sua batida compreende a “síncope característica”, acentuada (na variação, a divisão assim como o “ritmo da habanera”, está marcada por pausa), como variantes do tresillo (SANDRONI, resultando em dois segmentos 2012:33). Mesmo que tais variações (muitas delas, intercambiáveis dentro de principais de 7 e 9 colcheias — o um mesmo gênero) não apresentem que caracteriza um caso de figuras sincopadas, a contrametricidade imparidade rítmica 7+9. Ele se apresenta na acentuação da posição ilustra sua exposição nos modelos da quarta semicolcheia do grupo de oito. 231

MÁRIO SÈVE O choro no estilo sambado: padrões rítmicos e fraseado musical DEBATES | UNIRIO, n. 17, p.219-249, nov. 2016. da figura 6: (nine-stroken version), segundo sua nomenclatura, do padrão contramétrico de 16 pulsos (que diz estar também em certas regiões do Zaire e Angola), esta Figura 6. Ciclos de 16 pulsos. Fonte: composta de dois segmentos Contribuição Bantu na música popular brasileira (MUKUNA, 2010:90). desiguais constituídos de nove colcheias [2+2+2+(1+2)] e sete Esse ciclo, ou padrão, é, colcheias [2+2+(1+2)]. O ciclo é então, composto pelos resultado da inversão das agrupamentos de pulsos posições dos segmentos com 7 e [2+2+(1+2)]+[2+2+2+(1+2)]15 9 pulsos do padrão anterior, e está muito próximo do que resultando em imparidade rítmica identificamos como samba 9+7 (ao invés de 7+9). A figura 7 atualmente, na mesma forma que ilustra o ciclo. surgiu por volta dos anos 30 junto a compositores e ritmistas do bairro do Estácio de Sá e da escola de samba Deixa falar. Ao Figura 7. Ciclo de 16-pulsos encontrado por notá-lo em 2/4, com unidades Kubik. Fonte: Contribuição Bantu na música mínimas em semicolcheias, surge popular brasileira (MUKUNA, 2010:129). a célula rítmica rydtg_\ dtg-dgy, Escrito em 2/4, com unidades nominada pelo etnomusicólogo mínimas em semicolcheias, ele Samuel Araújo de “ciclo do pode resultar na célula rítmica tamborim” ou “padrão do s_\ dtg-dgy\ rydy — uma inversão tamborim”. Esse “padrão contramétrico de 16 pulsos”, que do dito “padrão do tamborim”, em compõe uma das fórmulas do imparidade rítmica 9+7. A conjunto chamado por Carlos transcrição de Kubik diferencia-se Sandroni de “paradigma do da transcrição de Mukuna e Estácio”, é um dos principais Araújo na divisão do padrão de 16 pontos que diferenciam o samba pulsos (figura 8). Mas as duas de outros gêneros brasileiros. versões — em imparidade 9+7 ou 7+9— poderiam ser simplesmente Usando a notação maneiras inversas de escrever um 16 x • x • x • x x • x • x • x x • , o mesmo ritmo circular. etnomusicólogo austríaco Gerhard Kubik (1979:17) transcreve o samba em uma outra “versão em nove-batidas” Figura 8. Padrão de 16 pulsos nas versões de Kubik, Mukuna e Araújo. Fonte: La samba à 15 Os agrupamentos 1+2 no primeiro e Rio de Janeiro et le paradigme de l’Estácio (SANDRONI, 1997:5) segundo segmento são divisões de agrupamentos ternários. 16 Esta notação mostra uma figura de 16 Nas práticas do samba, as pulsos (nove x + sete •), com x nos perguntas são: lugares onde há “batidas”. 232

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dispostos de maneira linear. A

escolha da célula rydtg_\ dtg-dgy — Como começar, quando entrar com determinado para representar o “padrão do padrão? tamborim” corresponde, — Se o ritmo é circular supostamente, observa Sandroni (representado na figura 9), (1997:6), à uma propensão por que devemos escrever cométrica do ouvido e da escrita em 7+9 ou 9+7? ocidental, mas não (SANDRONI, 1997:5). necessariamente à uma realidade.

Figura 9. Padrão de 16 pulsos como ritmo circular. Fonte: Fundamentos rítmicos africanos para a pesquisa da Figura 10. Padrão de 16 pulsos em música afro-brasileira: o exemplo do imparidade rítmica 7+9 e 9+7 Samba de Roda (GRAEFF, 2014:4) comparado ao desenho rítmico do surdo e à métrica do compasso. Fonte: Fundamentos rítmicos africanos para a Não se pode dizer que existe pesquisa da música afro-brasileira: o uma absoluta circularidade no exemplo do Samba de Roda (GRAEFF, 2014:4). ritmo do tamborim. As partes desiguais das versões do padrão Os dois ciclos, em 9+7 ou de 16 pulsos no samba podem 7+9, são verdadeiras “figuras possuir começo cométrico ou fáceis” nas gravações dos sambas contramétrico — ou seja, um 7 cariocas dos anos 1930 cométrico ou um 9 contramétrico (SANDRONI, 2012:37). Contudo, — em relação ao surdo o padrão em 9+7 se estabilizou (instrumento de som grave), que em grande parte dos sambas que marca os tempos do 2/4 ouvimos hoje, presentes nas (abafando o tempo 1, alongando gravações de , e acentuando o tempo 2). A figura , nas escolas de 10 ilustra esse aspecto, samba (inclusive em sambas do mostrando a versão em 7+9 no Estácio, como Se você jurar, de primeiro sistema, a versão em Ismael Silva, Nilton Bastos e 9+7 no segundo sistema e o Francisco Alves), em grande parte desenho rítmico do surdo no dos choros-sambados compostos terceiro sistema. Escolhe-se uma por Jacob do Bandolim (como ou outra versão dependendo do Noites cariocas) etc., enquanto o ritmo harmônico do padrão 7+9 encontra-se em acompanhamento e do fraseado sambas-choros como Conversa de da melodia principal, ambos botequim (de Noel Rosa e

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Vadico), bossas-novas como pela cuíca que encontrou nas Samba de uma nota só (de Tom gravações de samba, como s_\ Jobim e Newton Mendonça), e diversos choros-sambados dtgry\ ry-dtg _\ s, s_\ dtgry\ rydtg _\ adaptados a partir de estruturas relacionadas a polcas e maxixes s e s_\ dy.ry\ ry-dtg _\ s — esta (como aqueles gravados por última, um conhecido padrão Pixinguinha e Benedito Lacerda, rítmico do pandeiro do samba de como Proezas de Solon) etc. partido alto. Neste artigo Sandroni fala ainda de outra classifico a chamada “versão de versão originada da troca de lado transição” como um caso de de um dos agrupamentos imparidade rítmica 9+7, por binários, o que resulta em um entender que as diferenças agrupamento binário de um lado rítmicas fundamentais nos e quatro do outro, ou seja fraseados do samba e do choro (2+3)+(2+2+2+2+3) ou recaem sobre as organizações s_\ dy.ry\ rye. — constituindo-se, dos ciclos em imparidades rítmicas 9+7 e 7+9, que para ele, em imparidade rítmica implicam no “adiantamento” de 5+11. Por possibilitar variantes uma semicolcheia no primeiro ou mais cométricas e melhor no segundo compasso 2/4 do assimilação por intérpretes e padrão (considerando a escrita público do novo estilo de samba, usual da música popular o musicólogo chama essa fórmula brasileira), respectivamente. de “versão de transição”. Ela se Seguem modelos para as duas assemelha às time-lines tocadas versões nas figuras 11 e 12.

Figura 11. Padrão contramétrico de 16 pulsos, em imparidade rítmica 7+9

Figura 12. Padrão contramétrico de 16 pulsos, em imparidade rítmica 9+7

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O samba-choro, o choro de gafieira, o choro-sambado e seus padrões rítmicos

Por influência do novo padrão rítmico nas interpretações, composições e gravações de Figura 13. Variações para sambas na década de 1930 — acompanhamento do samba na cuíca. Fonte: Feitiço decente (SANDRONI, marcadas pelo uso da cuíca, do 2012:37) surdo e do tamborim — foram sendo criadas novas figuras para O tamborim — instrumento acompanhamento dos choros, de percussão de som agudo, com causando alterações nos seus pele sobre um dos lados de um fraseados. Construído em 16 pequeno aro de madeira — pulsos, este padrão, que se exerce uma espécie de função de estabilizou no gênero samba, time-line no samba, sendo completa-se de dois em dois importante indicador para compassos (ou em 16 entendimento da organização semicolcheias em dois compassos rítmica do fraseado do gênero. 2/4) . Uma baqueta de madeira percute O surdo — instrumento de o couro gerando figuras rítmicas percussão de som grave, com como Srg-dgy\ rydtg e Srg- pele (de couro ou nylon) sobre os dois lados de uma grande dgy\ ryrdg. estrutura cilíndrica — tem a função de para marcar os tempos O violonista Luiz Otávio da métrica binária do samba. Seu Braga ilustra no exemplo 3 o ritmo basicamente consiste na padrão de acompanhamento acentuação do grave no segundo desse samba no violão, tempo (com uso de baqueta chamando a atenção para a macia) que dura até ser abafado síncope que ocorre na oitava no primeiro tempo (com uso da semicolcheia do segundo mão do instrumentista). compasso (uma espécie de antecipação rítmica da primeira A cuíca — formada por um nota do compasso seguinte). Tal cilindro com pele em um dos fenômeno, também presente nas lados — extrai sons em alturas células apresentadas pela cuíca e diferentes pela fricção de uma pelo tamborim é a marca do vareta fina de bambu presa padrão contramétrico de 16 internamente à pele. Separando- pulsos. Nota-se, no exemplo de se sons graves de agudos, ela Braga, que os baixos marcam o pode apresentar figuras rítmicas primeiro e o segundo tempo do como as da figura 13: 2/4 (como faz o surdo) e os acordes marcam o ritmo SrgSdy\ rdgSrg\-, de maneira

semelhante à célula rítmica Srg- MÁRIO SÈVE O choro no estilo sambado: padrões rítmicos e fraseado musical DEBATES | UNIRIO, n. 17, p.219-249, nov. 2016.

fórmula similar a anteriormente dgy\ rydtg\- - do tamborim, apresentada para o tamborim. A sugerindo uma adaptação ao não compreensão da diferença violão da linguagem dos entre essas imparidades rítmicas instrumentos de percussão. — que acarretam antecipações (ou síncopes) em diferentes compassos — tem, por vezes, gerado equívocos em definições

fraseológicas na escrita musical Exemplo 3. Acompanhamento do samba do samba. Dois fragmentos de tradicional Fonte: O violão de 7 cordas sambas de Noel Rosa em (BRAGA, 2002:18) imparidades rítmicas 9+7 (a

introdução de Até amanhã, do O também violonista Marco exemplo 5) e 7+9 (fragmento da Pereira apresenta a fórmula parte A de Conversa de botequim, rítmica para acompanhamento do samba-choro em parceria com samba de partido-alto no violão Vadico, do exemplo 6), ilustrados (exemplo 4). Ela assemelha-se às com as respectivas time-lines células da cuíca já apresentadas, abaixo (escritas a partir das com a mesma síncope na oitava fórmulas do tamborim ou do semicolcheia do segundo cavaquinho), podem ajudar a compasso (neste caso, ela ocorre esclarecer tal confusão. Ambas as também no baixo do violão). composições encaixam seus fraseados sobre duas fórmulas rítmicas similares, mas dispostas de forma invertida. Exemplo 4. Acompanhamento do samba de partido-alto. Fonte: Ritmos brasileiros (PEREIRA, 2007:15)

O cavaquinista Henrique

Cazes, em seu método, apresenta Exemplo 5. Introdução do samba Até amanhã, em imparidade rítmica 9+7. a fórmula rítmica rydtg_\ dtg-dgy- Fonte: Songbook Noel Rosa • v.2 dgypara o acompanhamento de (CHEDIAK, 1991:29) seu instrumento no samba. Ele escreve no padrão contramétrico de 16 pulsos em imparidade rítmica 7+9 — com a síncope na oitava semicolcheia do primeiro compasso, e não do segundo Exemplo 6. Fragmento do samba-choro como os exemplos até agora Conversa de botequim, em imparidade mencionados em imparidade rítmica 7+9. Fonte: Songbook Choro, rítmica 9+7. Se invertermos os v.1 (SÈVE; SOUZA; DININHO, compassos (colocando-se o 2007:112) segundo no lugar do primeiro) chegaremos à _\ dtg-dgy\ rydtg_\, Para o ritmo do cavaquinho no samba, há também fórmulas 236

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do acompanhamento (violões e como Srgry\ rdg-dtg:\|, esta cavaquinhos) e da melodia recorrente em gravações de (flautas, clarinetes, bandolins intérpretes como Paulinho da etc.). Viola, por exemplo. A figura Mais do que simplesmente rítmica do primeiro compasso fornecer acompanhamento para poderia ser entendida como uma as gravações de samba, os variação da “síncopa músicos de choro passaram a característica” e a figura do incorporar o caráter segundo compasso costuma ser contramétrico (típico do que no um ritmo utilizado em uma senso comum e em categorias infinidade de melodias de sambas nativas de músicos populares (como em Até amanhã — c. 2, c. da atualidade é identificado 4 e c. 6, do Exemplo 5). como a figuração rítmica do tamborim do samba) às Cazes, em rydtg_\ dtg-dgy:\|, próprias composições de choro. (ARAGÃO, 2013:459). assinala movimentos de palheta descendentes (mais fortes, *** acentuadas) na primeira, Apresento dois paradigmas segunda, terceira, quinta, sexta, rítmicos — em imparidades sétima e nona notas da fórmula, rítmicas 7+9 e 9+7 — que e movimentos ascendentes (mais parecem organizar fraseados do leves) na quarta e oitava. Se novo padrão sambado adaptado considerarmos somente as notas ao choro. Começo pelo padrão acentuadas, chegamos à fórmula sambado em 7+9, da figura 14: ryr.g_\ dtg-ry:\|, em imparidade rítmica 7+9. Esta fórmula invertida para imparidade rítmica

9+7 (s\_\:dtgry\ ryr.g_:\|) assemelha- Figura 14. Paradigma rítmico do choro- sambado em imparidade 7+9 se à fórmula s\_\:dy.ry\ ryr.g_:\|, O padrão em imparidade nominada por Sandroni de rítmica 7+9 tem como marca a “versão de transição” do padrão síncope na oitava semicolcheia do rítmico nas gravações do samba primeiro compasso, ligada à do Estácio entre 1928 e 1933, no primeira nota do segundo período de nascimento e compasso do padrão. Pixinguinha, consolidação desse estilo. um dos “responsáveis pelo Ao adaptar para seus estabelecimento dos primeiros instrumentos as estruturas arranjos do ‘novo samba’” rítmicas das percussões e dos (ARAGÃO, 2103:459), apresenta fraseados dos cantores, os no fraseado de algumas músicos de choro fizeram composições recorrência de tal aparecer um novo modelo para característica (como nos choros suas execuções ou composições, Passatempo, do exemplo 7, e causando modificações nos ritmos Devagar e Sempre, do exemplo

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8). Os exemplos a seguir, 3 e 4), próprio do modelo apresentam, abaixo do maxixado — este organizado em pentagrama, uma linha com o oito pulsos, como uma variação paradigma rítmico. do tresillo. No exemplo 10 preservam-se as síncopes entre tempos, mas acrescentam-se síncopes entre compassos que

não existiam na edição original. Exemplo 7. Fragmento do choro Estas síncopes aparecem tanto Passatempo. Fonte: O melhor de executadas pela flauta de Pixinguinha (CARRASQUEIRA, 1997:76) Benedito Lacerda (primeiro

sistema), na melodia, quanto pelo sax tenor de Pixinguinha no contraponto, procurando colocar- se de acordo com o desenho

rítmico do modelo sambado, Exemplo 8. Fragmento do choro Devagar organizado em 16 pulsos. e sempre. Fonte: O melhor de Pixinguinha (CARRASQUEIRA, 1997:43) Muitas das gravações de choros realizadas pela dupla Pedro Aragão lembra que as Pixinguinha e Benedito Lacerda polcas dos “velhos chorões” nos anos 1940 e 1950 usaram o foram, ao longo das décadas de padrão sambado em imparidade 1930 e 1950, transformadas por rítmica 7+9, como ilustra a parte novos intérpretes, que passaram A de Displicente, de autoria de a gravá-las modificando aspectos ambos, no exemplo 11. Em alguns choros, embora os ritmo rítmicos das melodias originais. 17 Ou seja, as melodias passaram a da melodia de Benedito Lacerda ser reinterpretadas ritmicamente não explicite o padrão, o sax de para tornarem-se compatíveis Pixinguinha evidencia figuras com o novo padrão “sambado” de rítmicas do samba, como acompanhamento. Portanto, acontece na parte B de Um a choros escritos em padrões zero, da dupla (exemplo 12). “polcados” ou “maxixados” (como mostra a edição original de 1938 de Proezas de Solon, de

Pixinguinha e Benedito Lacerda, do exemplo 9) puderam ser Exemplo 9. Fragmento do choro Proezas gravados em padrões sambados de Solon em padrão maxixado. Fonte: O (como mostra a transcrição da melhor de Pixinguinha (CARRASQUEIRA, gravação de 1947 do mesmo 1997:115) choro realizada pela dupla de compositores, do exemplo 10). No exemplo 9 é notável a recorrência de síncopes entre tempos a partir da quarta 17 Há casos onde a melodia sugere o semicolcheia do compasso (c. 2, padrão sambado nas acentuações, não necessariamente no ritmo. 238

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Exemplo 10. Fragmento do choro Proezas de Solon em padrão sambado. Fonte: Choro duetos v.1 (SÈVE; GANC, 2010:28–9)

Exemplo 11. Fragmento de Displicente, para flauta e sax tenor. Fonte: Choro duetos v.2 (SÈVE; GANC, 2011:24-5)

Exemplo 12. Fragmento de Um a zero, para flauta e sax tenor. Fonte: Choro duetos v.1 (SÈVE; GANC, 2011, 2010:40 e 42)

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Outros autores compuseram já no de cantores do novo estilo de padrão sambado, como é o caso samba. Seu choro Numa seresta, do clarinetista Luiz Americano, regravado por Jacob do Bandolim que além de ser líder de regional, (exemplo 13) é um choro no participou de diversas gravações padrão sambado em 7+9.

Exemplo 13. Fragmento de Numa seresta, no padrão sambado em 7+9. Fonte: Songbook Choro, v.3 (SÈVE; SOUZA; DININHO, 2011:150)

Curiosamente, polcas, tangos e regravada por Jacob do Bandolim choros, a grande maioria com em 1950. A peça, cuja melodia partes de 16 compassos com apresenta a sincopação do cadências conclusivas do maxixe na figura rítmica Srgdtg, penúltimo para o último compasso, tiveram tendência a tem partes A e C com 32 adaptar-se ao padrão sambado compassos e parte B com 16 em imparidade rítmica 7+9. compassos, todas com cadência Aragão mostra, no artigo A conclusiva do antepenúltimo para polca é como o samba: uma o penúltimo compasso. Esta polca tradição brasileira, como a polca pôde ser adaptada ao padrão Saudações, do trombonista sambado em imparidade rítmica Otávio Dias Moreno, gravada pelo 9+7, como mostra o exemplo 14, Grupo Carioca em 1915 — com que ilustra a transformação características formais e mostrando os diferentes ritmos fraseológicas diferentes das melódicos e paradigmas rítmicos acima mencionadas —, foi do fragmento inicial da composição em cada gravação.

Exemplo 14. Fragmento inicial de Saudações, em padrão maxixado e padrão sambado em 9+7. Fonte: A polca é como o samba: uma tradição brasileira (ARAGÃO, 2013:462)

Supostamente, por apresentar exemplo 15), mesmo sem forma e estrutura fraseológica alterações rítmicas na melodia. semelhante a Saudações (com o Neste exemplo, transcrito da mesmo número de compassos por gravação de Jacob do Bandolim, a partes e organização similar de melodia de seu bandolim está na frases, períodos e cadências), o clave de sol e os contrapontos do choro Saxofone por que choras, violão na clave de fá, apoiando do saxofonista Ratinho, gravado final das baixarias nas cabeças do pelo autor em 1930 no padrão de segundo compasso do padrão, oito pulsos, pôde também ser onde o ritmo coincide com a relido no padrão sambado de 16 métrica. pulsos em 9+7 (como mostra o

Exemplo 15. Fragmento de Saxofone por que choras?, gravado no padrão sambado em 9+7. Fonte: Songbook Choro, v.3 (SÈVE; SOUZA; DININHO, 2011:178)

O padrão contramétrico de Jacob do Bandolim, um dos 16 pulsos em imparidade rítmica mais importantes compositores e 9+7, mais próximo ao dos intérpretes de choros sambas das escolas e do ritmo relacionados ao padrão sambado, que estabilizou-se no gênero, na deixou inúmeras peças verdade, pode ser entendido construídas sobre a estrutura fundamentalmente como uma rítmica da figura 15. Muitas espécie de inversão do padrão em dessas composições apresentam imparidade rítmica 7+9. O padrão 32 compassos por parte e sambado em 9+7 é marcado pela cadências finais do antepenúltimo antecipação, em uma para o penúltimo compasso em semicolcheia, da primeira nota do cada parte. Assim acontece com primeiro compasso do padrão (ou seu conhecido choro Noites pela síncope na última nota do Cariocas (no exemplo 16, que segundo compasso), e pela mostra compassos iniciais da incidência da primeira nota do parte A). segundo compasso na thesis. Pode ser representado pela figura

15: Exemplo 16. Fragmento de Noites cariocas, no padrão sambado em 9+7. Fonte: Songbook Choro, v.2 (SÈVE; Figura 15. Paradigma rítmico do choro- SOUZA; DININHO, 2011:150) sambado em imparidade 9+7 MÁRIO SÈVE O choro no estilo sambado: padrões rítmicos e fraseado musical DEBATES | UNIRIO, n. 17, p.219-249, nov. 2016.

Determinadas composições exemplo 18), que podem receber de Jacob do Bandolim costumam, a classificação de samba ou até mesmo, não serem samba-choro. Assanhado chega a classificadas como choro, dada a apresentar na parte B (terceiro economia de notas, acordes e sistema do exemplo 18) recorrência das mesmas sequências de semicolcheias figurações rítmicas usadas em próprias dos choros, mas melodias de sambas. É o caso de articuladas ritmicamente no Bole-bole (exemplo 17) e padrão sambado em 9+7. Assanhado (primeiro sistema do

Exemplo 17. Fragmento de Bole-bole, no padrão sambado em 9+7 Fonte: Songbook Choro, v.1 (SÈVE; SOUZA; DININHO, 2007:84)

Exemplo 18. Fragmentos das partes A e B de Assanhado, no padrão sambado em 9+7 Fonte: Songbook Choro, v.1 (SÈVE; SOUZA; DININHO, 2007:74–5)

Outros compositores também Americano, em Assim mesmo (do utilizaram o padrão sambado em exemplo 19, extraído da gravação imparidade rítmica 9+7, como é o Jacob do Bandolim). caso do clarinetista Luiz

Exemplo 19. Fragmento de Assim mesmo, no padrão sambado em 9+7 Fonte: Songbook Choro, v.2 (SÈVE; SOUZA; DININHO, 2011:30)

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Nos choros-sambados, pode-se Proezas de Solon, de Pixinguinha observar que os intérpretes não e Benedito Lacerda, nos c. 4 a c. realizam sistematicamente as 8 do exemplo 20) ou apresentar antecipações rítmicas nas síncopes entre compassos em melodias a cada dois compassos. lugares diferentes dos paradigmas É mesmo comum que grandes rítmicos (como é possível trechos melódicos possam estar perceber no c. 2 para c. 3 do desenhados de forma mesmo exemplo), sem que isso absolutamente cométrica (como é altere o padrão. o caso do final da parte A, de

Exemplo 20. Fragmento do final da parte A de Proezas de Solon, no padrão sambado em 7+9. Fonte: Choro duetos v.1 (SÈVE; GANC, 2010:28)

O cavaquinho, em um choro- paradigmas rítmicos sambado tocado por uma apresentados, em 7+9 ou 9+7 —, formação de conjunto regional, e marcar os baixos nos tempos do fica basicamente na função de 2/4 (como mostram os baixos do time-line do padrão, podendo violão de sete cordas, transcritos ainda executar células rítmicas por Luiz Otávio Braga, da segunda parte de Receita de variadas como dtg, dtg, Sdfg e samba, de Jacob do Bandolim, no rTy. O pandeiro costuma manter exemplo 21). Os baixos podem, eventualmente, realizar as o ritmo das oito semicolcheias do síncopes entre compassos. Exceto 2/4 (dando ênfase na marcação por situações de convenções do segundo tempo do binário) rítmicas ou antecipações mas, por vezes, acentua em solicitadas por padrões concordância com figuras rítmicas contramétricos, os desenhos dos sambadas ou figurações das contrapontos do violão de sete melodias. O violão, em uma cordas costumam concluir em espécie de dupla função, costuma tempos fortes e em momentos de tocar os acordes no ritmo do troca de acordes. padrão sambado — próximo aos

Exemplo 21. Fragmento de Receita de samba, no padrão sambado em 9+7. Fonte: O violão de 7 cordas (BRAGA, 2002:79) e Songbook Choro, v.1 (SÈVE; SOUZA; DININHO, 2007:202-3)

O padrão sambado pode se acompanhamento (como manifestar também em acontece no c. 2 da parte C de convenções rítmicas realizadas Numa seresta, de Luiz pelos instrumentos de Americano, no exemplo 22).

Exemplo 22. Convenção rítmica em fragmento de Numa seresta, no padrão sambado em 7+9. Fonte: Songbook Choro, v.3 (SÈVE; SOUZA; DININHO, 2011:151)

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O choro no padrão sambado tornou-se também um estilo bastante presente nas danças de salão a partir dos anos 1940, quando bailes (ou gafieiras18) passaram a ser animados por Exemplo 23. Figurações rítmico- melódicas do samba em fragmento de orquestras com baixo, piano, Paraquedista, no padrão sambado em bateria e naipes de instrumentos 7+9. Fonte: Songbook Choro, v.1 (SÈVE; de palhetas e metais — SOUZA; DININHO, 2007:186) intercalando canções (com cantor) e temas instrumentais, como sambas, sambas-canções, boleros, fox-trotes e outros gêneros, a maioria para serem dançados em par enlaçados. Orquestras como as dos maestros Exemplo 24. Figurações rítmico- Romeu Silva, Cipó, Carioca, e, melódicas do samba em fragmento de especialmente, Severino Araújo Chorinho na gafieira, no padrão sambado (compositor e líder da Orquestra em 9+7. Fonte: Songbook Choro, v.1 Tabajara, esta ainda em (SÈVE; SOUZA; DININHO:106) atividade), tinham em seus repertórios choros (ou samba- O entendimento dos padrões, choros) com figurações rítmico- ou paradigmas, rítmicos melódicas típicas do samba relacionados à polca, ao lundu, ao (como aparecem nas partes A de tango, ao maxixe, ao samba são a Paraquedista, de José Leocádio, base para a execução do choro e do exemplo 23, e Chorinho na seus estilos (ou subgêneros) — gafieira, de Astor Silva, do seja no fraseado ou no exemplo 24). Tal estilo está acompanhamento. O violonista e associado aos nomes genéricos compositor Mauricio Carrilho “samba de gafieira” ou “choro de revela suas escolhas para o que gafieira”. chama “concepção de acompanhamento desse pessoal da velha guarda e do pessoal da geração pós-Pixinguinha”: “a gente usa elementos rítmicos de 18 Inicialmente, denominaram-se acordo com a figuração da gafieiras os locais onde, a partir de fins melodia ou com a intenção que a do século XIX, classes mais humildes gente tem de levar [os podiam praticar danças de salão. Depois, passaram a designar também os acompanhamentos] mais para um próprios bailes. Na primeira metade do lado ou para o outro.” (ARAGÃO, século XX, os bailes de gafieiras, com 2013: 232). música ao vivo, foram aos poucos substituindo o som dos conjuntos de choro (à base de sopros, violão, cavaquinho e pandeiro) pelo estilo das big bands americanas, com trombones trompetes, saxofones, piano, baixo e bateria. 245

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quanto no tango e na habanera, Considerações finais ou outros ritmos como o ragtime, o padrão contramétrico de oito pulsos constitui-se, inicialmente, Diversas construções em um dos mais importantes historiográficas atribuem à elementos rítmicos na construção origem do choro uma fusão de tanto do fraseado quanto nas formas e melodias europeias com fórmulas de acompanhamento ritmos negros, mediadas por um dos choros. Esse ritmo, estilo brasileiro de interpretar e supostamente de origem compor. A polca, entre outras africana, teria chegado a zonas danças europeias que aqui portuárias onde houve intenso aportaram no século XIX, possuía tráfico de escravos. O padrão é a organização formal do rondó, o responsável por organizar sistema tonal e alguns dos diversos gêneros musicais contornos melódicos que nos brasileiros, entre eles a polca- habituamos a ouvir. O lundu, lundu, o tango brasileiro — presente no Brasil ao menos ambos também considerados desde o século XVIII, além de subgêneros do choro —, o traços melódicos e harmônicos maxixe, o samba primitivo, o europeus, possuía um tipo de coco etc., além do lundu. organização rítmica dos batuques africanos, que veio a ser Também de origem africana, traduzida em síncopes na nossa inserido nas práticas do notação musical. A mescla da candomblé de Angola no Rio de polca com o lundu teria sido Janeiro, mas surgido na música realizada por mãos de músicos popular brasileira a partir de um brasileiros, em um estilo musical novo estilo de se tocar o samba que estabeleceu uma espécie de nos anos 1930 no bairro carioca matriz do choro e de outros do Estácio, e com time-lines gêneros musicais a ele representadas por células relacionados. rítmicas do tamborim, o padrão contramétrico de 16 pulsos As organizações rítmicas nos estabeleceu uma nova fraseados dos choros podem ser organização rítmica para o choro. decifradas à medida que Denominado de choro no padrão entendemos alguns conceitos sambado, choro no estilo relacionados a estudos da música sambado, choro-sambado ou até africana — rítmica aditiva, mesmo samba-choro, essa nova metricidade, time-lines, maneira de se tocar o choro imparidade rítmica etc. — e a provavelmente derivou do fato de diferentes fórmulas de alguns chorões terem se tornado acompanhamento associadas a importantes mediadores em danças, gêneros e estilos que gravações ou acompanhamentos aqui se formaram. Representado do novo estilo de samba, pela fórmula do tresillo e suas realizando uma espécie de “elo variações, em imparidade rítmica de ligação” entre cantores, 3+5, presente tanto no lundu, arranjadores, ritmistas e 246

MÁRIO SÈVE O choro no estilo sambado: padrões rítmicos e fraseado musical DEBATES | UNIRIO, n. 17, p.219-249, nov. 2016. orquestras de sopros e de cordas. apresentam síncopes entre O padrão de 16 pulsos compassos. (completando dois compassos ou Este texto, mesclando 16 semicolcheias), em ferramentas de análise musical imparidades rítmicas 7+9 ou oriundas de estudos 9+7, apresenta como marca musicológicos africanos e principal, dentro do próprio europeus, procurou simplesmente padrão, uma síncope entre o trazer uma contribuição para primeiro e o segundo compasso entendermos ritmicamente o (em 7+9) ou a antecipação de fraseado do choro no estilo uma semicolcheia no primeiro sambado. O samba que emergiu compasso (em 9+7). Essas duas no anos 1930 ainda trouxe para o fórmulas chegam a estabelecer choro algumas mudanças organizações fraseológicas formais, fraseológicas e, até diferentes nos choros, podendo mesmo, melódicas não modificar números de compassos aprofundadas aqui pelos limites e posições de cadências nas dessas linhas. Se olharmos por seções. Pelas semelhanças uma espécie de “mão inversa”, fraseológicas com a maior parte não seria difícil percebermos que dos choros construídos sobre o choro, em diversos pontos, padrões de oito pulsos, aquele influenciou o samba nos mesmos em imparidade rítmica 7+9 aspectos, o que mereceria, sem adapta-se bem a choros antes dúvidas, outra reflexão. “maxixados” ou “polcados”, que têm normalmente 16 compassos por seção. Esse padrão, aqui Referências representado pelo paradigma rítmico ryr.g_\ dtgry:\|, passou ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: inclusive a associar-se a diversos Livraria Martins Editora, 1962. sambas-choros letrados. O padrão em imparidade rítmica ______. Pequena história da 9+7, mais próximo do samba música. São Paulo: Livraria como conhecemos, passou a ser Martins Editora, 1942. comum na composição de novos choros no estilo sambado — como alguns dos mais conhecidos ARAGÃO, Pedro. A polca é como o de Jacob do Bandolim —, samba: uma tradição brasileira – implicando em organizações interações entre polca e samba fraseológicas normalmente em 32 nas décadas de 1930 a 1950. In: compassos por seção. No ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE presente artigo, esse padrão está ETNOMUSICOLOGIA, 2013, João representado pelo paradigma Pessoa. Anais... João Pessoa: ABET, 2013. p. 455-462. s\_\:dtgry\ ryr.g_:\|. Nos fraseados de Disponível em choros em padrões sambados há

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