C omunicação Artigo

CANAIS LOCAIS DE INFORMAÇÃO NA TV PAGA: TVCOM, UM MODELO DE FUNCIONAMENTO

Eliane Corti Basso Jornalista. Mestre e doutoranda em Comunicação Social pela UMESP. Docente nos cursos de Comunicação Social do IMES, Anhembi Morumbi e FATEA (Faculdades Integradas Coração de Jesus).

RESUMO ABSTRACT Este trabalho procura mostrar um marco da This work tries to show a historical televisão dos anos 90: a introdução de canais mark of the nineties: the introduction of local locais de informação na TV paga. O estudo tem information channels on paid TV. The study aims como parâmetro mostrar o modelo de to show the local communication model adopted comunicação local adotado pela TVCOM (TV by TVCOM (Community TV). An information Comunidade). Um canal de informação 100% channel totally local (100%) implemented local, implementado através da integração de through the integration of media and the other mídias com os demais canais (meios de channels (means of communication) owned by comunicação), pertencentes ao grupo RBS (Rede RBS group - Rede Brasil Sul de Comunicações Brasil Sul de Comunicações), localizado em Porto (Net South of Communications), localized Alegre, . O canal foi implantado in , Rio Grande do Sul. The channel em 1995 e sistematizou um modelo de comuni- was implemented in 1995 and it systematized a cação local na televisão brasileira. A análise model of local communication on Brazilian busca mostrar não só os fatores de sustentabi- television. The analysis aims to show the bearing lidade, mas também a importância para a factors as well as its importance to the local comunidade local onde atua. community where is performs.

PALAVRAS-CHAVE: TV paga, comunicação local, KEYWORDS: paid TV, local communication, canais de informação. information channels.

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INTRODUÇÃO para a divulgação das culturas tentativa de regular o serviço locais. Na contramão, enfrentam denominado de cabodifusão. Um A televisão é o serviço de dificuldades para manter uma decreto de 1975 enquadrava o comunicação de massa mais produção de qualidade por causa serviço como especial, mas com importante que se tem no Brasil. dos altos custos. os protestos da sociedade civil, O país possui cerca de 45 O objetivo deste texto é através de manifestações de milhões de domicílios, onde contribuir com os estudos sobre entidades não governamentais e aproximadamente 85% contam os canais locais de informação na movimentos de discussões pelo menos com um televisor. TV paga, mostrando um modelo alavancados nas Universidades, o Mais de 92% recebem o sinal da de funcionamento. O estudo é decreto acabou sendo vetado TV aberta.1 norteado pelo exemplo da TVCOM (Boffetti, 1999 p. 39-40). A TV aberta garante uma – TV Comunidade, localizada em Em fevereiro de 1988, o hegemonia sem parâmetros em Porto Alegre, Rio Grande do Sul e ministro das comunicações do outros países. Em meio a esse integrante do sistema RBS – Rede governo Sarney, Antônio Carlos mercado, surge a TV paga, Brasil Sul de Comunicações.4 Magalhães, baixou o Decreto n° implantada há pouco mais de A TVCOM surgiu em maio de 95.744/88 regulamentando o dez anos no país e que nasceu 1995 e sistematizou um modelo Serviço Especial de Televisão por no início da década de 90 com novo de comunicação de infor- Assinatura, denominado TVA, pouca expressão. De 1994 a mação 100% local através do destinado a distribuir sons e 1997, teve uma explosão pas- aproveitamento de mídias. É um imagens a assinantes, por meio sando de 400 mil para 2 milhões modelo nos moldes da expe- de um único canal UH., através de assinantes, mas desde 1998 riência dos Estados Unidos, que de sinais codificados que são experimenta um mercado retraí- passou, a partir da década de 90, transportados por espectro do e bem abaixo da expectativa a introduzir canais locais de radioelétrico, o mesmo utilizado gerada para a virada da primeira notícias na TV paga. O modelo pelos canais comuns de televisão, década. Enfrenta ainda um norte-americano é o tipo mais sendo permitida, a critério do mercado arredio, atingindo cerca integral na perspectiva da poder concedente, a utilização de 10% dos domicílios2. Não se economia de mercado e se parcial sem codificação. tornou um hábito generalizado encaixou na proposta do grupo Com o decreto, abriu-se a por razões culturais e econô- gaúcho. possibilidade, por meio da micas. É, acima de tudo, elitizada operação em UH., da transmissão para uma sociedade de quase 50 1 A HISTÓRIA de conteúdos locais, da qual faz milhões de miseráveis (29,3%)3. parte o canal TVCOM de Porto Por outro lado, existe uma parte Uma das mais significativas Alegre. A legislação de TV paga, da população com poder aquisi- mudanças ocorridas na televisão no Brasil, começou a ser configu- tivo que ainda não assina brasileira dos anos 90 foi à rada a partir desse painel, onde nenhum sistema. Por isso, os introdução do jornalismo 24 horas foram entregues concessões para canais pagos terão que oferecer através da TV paga. Em rede o funcionamento de canais em atrativos para, então, criar o nacional, o marco é do canal Globo UH.. hábito de pagar para se ver TV. News, da Rede Globo, em 1996. Até o surgimento da Lei da TV Chamar a atenção do assinante Em diversas cidades brasileiras, a Cabo, isto é, de 1989 a 1995, para as informações da sua rua, com operação local, surgem os as operações que existiam eram seu bairro, sua cidade ou região canais de informação. Em 1995, amparadas numa portaria de é uma das fórmulas que as no Rio Grande do Sul, o Grupo RBS DisTV, Sistema de Distribuição operadoras têm encontrado. implanta o canal TVCOM (TV de Sinais de TV por meio físico. Os canais locais têm não só Comunidade) que nasce com a O Brasil foi um dos últimos mostrado, em muitos lugares, proposta de divulgar as realiza- países da América Latina a im- um diferencial competitivo e ções da comunidade local. plantar a TV paga e a institucio- importante para atrair os A Legislação sobre TV a Cabo nalizar a TV por cabos. Depois de assinantes como também se no Brasil começou a ser im- um longo processo de discussão constituem em novos espaços plantada na década de 70, com a (que contou com a participação

1 ABERT - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão. Disponível em:<>. Acesso em: 26/07/2001. 2 GUIA de canais. Revista Pay TV. São Paulo, p.11, ago.2001. 3 O ESTADO DE S. PAULO. Reportagem citando a .undação Getúlio Vargas. São Paulo, 10 jul. 2001, p.8. Geral. 4 A RBS é um dos principais grupos de comunicação do Brasil que atua no Rio Grande do Sul e com emissoras de rádio e televisão e jornais entre outros serviços. 5 julho/dezembro-2002 C omunicação Artigo inédita da sociedade civil, repre- com alcance de uma cidade ou mente, as formas de produção sentada pelo .órum Nacional pela região formada por um grupo dos canais locais no Brasil variam Democratização das Comunica- pequeno de cidades. entre as enxutas estruturas, pro- ções e sob a liderança da .edera- Desde o início da década de 90, duções terceirizadas e soluções ção Nacional dos Jornalistas), foi inúmeras emissoras de tevê a cabo híbridas, vendendo a maior parte elaborada a Lei nº 8.977, de 6 de começaram a se instalar nas do tempo do canal para produ- janeiro de 1995, mas, somente grandes cidades dos Estados toras independentes e exibindo em 1997, a lei e a norma foram Unidos. Nesse sentido, dois alguns programas próprios, bus- definitivamente publicadas. exemplos foram tomados por base cando nestes casos aproveitar o A lei obrigou as operadoras, a para a implantação da TVCOM de canal como ferramenta de marke- exemplo da lei norte-americana, Porto Alegre: a New York One (NY1) ting. Poucos são os modelos que a disponibilizar seis canais de e a Chigaco Land TV. conseguem sobreviver com acesso público e gratuito: sendo A New York One5 no ar desde qualidade estética e de conteúdo três canais legislativos (Senado, 1992 e apontada como a pioneira na programação mantida local- Câmara .ederal e um terceiro no telejornalismo regional, foi mente por causa dos altos custos. compartilhado pela Assembléia criada pelo grupo Time-Warner. A TVCOM, inaugurada em Legislativa - Câmara Municipal), É um canal de informações e 1995, no Rio Grande do Sul, se um canal educativo-cultural, serviços que transmite 24 horas mostrou um dos modelos mais reservado para utilização pelos diárias de programação voltada bem acabados por isso a impor- órgãos dos governos federal, totalmente para a comunidade tância em descrevê-lo. É uma estadual ou municipal que tratam nova-iorquina. Uma equipe de 25 emissora local de transmissão de educação e cultura, um canal repórteres procura cobrir tudo o mista por UH. e pelo sistema pago universitário, para uso comparti- que acontece na cidade, com a (cabo e MMDS), com abrangência lhado das universidades localiza- agilidade próxima ao modelo de inicial de 10 municípios da 7 das na área de prestação do rádio. A NY1 implantou a figura grande Porto Alegre , a quem o serviço, um canal comunitário, polêmica do videojornalista, um grupo RBS classificou de primeira aberto para utilização livre por profissional que dirige o carro, experiência comunitária do Brasil entidades não governamentais e carrega a câmera e faz as denominado de Canal da Comuni- 8 sem fins lucrativos. A lei também entrevistas. dade , e primeiro canal de infor- determina que as operadoras A Chigaco Land TV 6 , no ar mação local. devem manter dois canais para desde 1993, é uma emissora que A TVCOM foi projetada para ser uso eventual, mediante aluguel. trabalha com conteúdo local, a emissora com programação Atualmente, os canais locais mas que apresenta o diferencial segmentada e jornalística, voltada podem ser de acesso público, de compartilhar informações para os acontecimentos da grande como os comunitários e universi- com o rádio e o jornal do mesmo Porto Alegre, mas sem se fechar tários, previstos em Lei, e grupo. num microcosmo local. Abriu com a proposta de ser uma conexão da comerciais, como é o caso da No Brasil, a exemplo da tendência do mundo globalizado TVCOM de Porto Alegre. experiência norte-americana, a TV paga descobriu o potencial que se traduz na expressão 1.1 A Proliferação dos dos canais locais. Espalhados por ‘glocal’, oportunizando o debate Canais Locais diversas operadoras, eles têm se de assuntos globais voltados à tornando instrumento importante realidade local. A década de 90 marca a na hora de oferecer o pacote de A idéia de colocar no ar algo proliferação dos canais locais de programação para os assinantes. inédito no país, fez com que informação na tevê paga, nos A televisão local vem despontando diversos profissionais da RBS TV Estados Unidos e na Europa. O como uma alternativa ao modelo viajassem para os principais países Brasil inicia as primeiras expe- nacional de redes implantado no com desenvolvimento avançado riências com o advento da im- Brasil. em televisões comunitárias, locais plantação do UH. e, posterior- Num levantamento realizado e com programação voltada para mente, com as operações de nas principais operadoras de TV notícias, a fim de saber o que MMDS e Cabo. São emissoras a Cabo, percebeu-se que, atual- estava sendo feito no mundo

5 NY1. Disponível em:>. Acesso em 12/09/2001. 6 CHICAGO Land TV. Disponível em: >. Acesso em 12/09/2001. 7 Além de Porto Alegre, o sinal chegava a Canoas, Gravataí, Viamão, São Leopoldo, Alvorada, Sapucaia do Sul, Cachoeirinha, Guaíba e Esteio. 8 Esse é um conceito de comunitário comercial empregado pela emissora. Não faz parte do conceito de canal comunitário previsto na Lei de TV a Cabo do Brasil.

6 julho/dezembro-2002 Artigo nessa área. .oram analisadas as problemas que envolvem as Ao longo dos seus já quase programações dos canais NY1, dos cidades da grande Porto Alegre, a oito anos de existência, a progra- Estados Unidos; TN - Todo Notícias, TVCOM chegou a ser chamada de mação foi sendo experimentada da Argentina; City TV, do Canadá; CNN gaúcha11. Mas a pretensão de e moldada pelo retorno da LCI, da .rança; Channel One, da acabar sendo “o primeiro canal de comunidade e do mercado Inglaterra; e a Land TV de Chicago notícias a funcionar 24 horas por publicitário. para consolidar a idéia do canal. dia” não se concretizou. A emis- A TVCOM passou por três A concepção foi de ser, a sora caracterizou-se por ser um grandes fases, denominadas pela exemplo da NY1, um canal voltado canal de informação em diferentes pesquisa: implantação, renovação à comunidade local, no caso da formatos. e consolidação. A programação TVCOM voltada à comunidade O canal TVCOM foi autorizado inicial procurava o foco nas porto-alegrense. Raul Costa Jr pelo Decreto n°. 95744 de 23 de problemáticas locais, com uma fevereiro de 1988. A legislação (2001) 9, diretor de telejornalismo formatação “popular” tentando permite a utilização com sinal da RBS, salienta que, em relação mostrar, com bastante ênfase, os aberto com apenas 35% do à emissora norte-americana, “foi problemas dos bairros (linhas de tempo. O restante é codificado. feita uma adaptação do conceito ônibus, saneamento básico, Desta forma, das 24 horas de de news local para o conceito de poluição, buracos nas ruas, operação, apenas 8h podem ser escola, creche, lixo, iluminação informação local”. disponibilizadas no sistema Para colocar no ar a nova etc.), mas foi aos poucos sendo aberto de televisão. deixada de lado, pela proposta de emissora, foram montados dois A grade da programação estúdios, o principal no Morro público alvo a que o canal apresenta três tipos de for- começou a se destinar, focado nas Santa Tereza, prédio onde matação: 1) programas inéditos funciona a RBS TV e outro na classes A/B, com condições de (17h às 01h - período em que o pagar uma assinatura de TV. redação do Jornal Zero Hora e sinal está aberto); 2) jornal Depois de dois anos e meio, Rádio Gaúcha AM. Um terminal eletrônico12 (01h às 8h) e 3) chega ao fim à primeira fase da ligado aos dois foi instalado para programas de reprise (8h às TVCOM. .oi um período de possibilitar o contato direto entre 17h)13. A programação inclui implantação, experimentação e os apresentadores, viabilizando notícias e programas de jorna- adaptação da nova forma de assim a formatação da proposta lismo especializado para todo o fazer televisão. Nesse período, tipo de público, explorando temas de integração de mídias. A o público viu desfilar pela tela como política, economia, mercado concepção do canal foi de programas que entravam e imobiliário, consumidor, esportes, aproveitamento de todas as saíam da grade conforme a mídias do grupo RBS, formatando turismo, veículos etc., alguns com público bem segmentado, procu- aceitação. Mudou o enfoque e o assim uma integração da canal passou a ser visto como produção de notícias e do parque rando atender ao perfil do telespectador de tevê paga. negócio que precisava ser auto- técnico do rádio, jornal e tevê, sustentável, algo que ainda não otimizando custos e produção, Embora sendo um canal com proposta de ser segmentado na tinha conseguido. A mudança de como o modelo apresentado pela informação, os formatos dos fase marcava uma renovação Land TV de Chicago. programas da TVCOM procuram estética e de programação. A idéia de fazer tudo ao vivo, atender a um público hetero- A TVCOM do início da segunda em um estúdio só10, transformou gêneo. Os programas de maior etapa começa muito parecida a rotina de trabalho numa mara- destaque e apelo de audiência com o modelo de tevê tradicional, tona e obrigou os profissionais estão distribuídos na grade mas muda rapidamente para a adotarem a agilidade do rádio diária, ao vivo, com duração tornar-se um diferencial na na condução dos programas. variável. Os demais se tornaram comunidade e ser mais rentável. Pela forte abordagem jorna- semanais, com exibição aos A emissora levou quase quatro lística, feita ao vivo e capaz de ser sábados ou domingos, sendo a anos para conseguir o equilíbrio interrompida a qualquer momen- maior parte gravada com ante- financeiro. A consolidação culmi- to para entradas externas, com cedência. nou com dois fatores importantes.

9 Entrevista concedida à pesquisa em agosto de 2001, Porto Alegre. 10 Os programas eram apresentados todos do estúdio localizado no prédio da RBS TV. O estúdio, montado no Jornal Zero Hora, servia apenas para o aproveitamento de conteúdos dos profissionais do jornal e do rádio. Não era utilizado para a geração de um programa todo. 11 Essa denominação CNN Gaúcha foi encontrada em reportagem que saiu na Rede Globo, em 1995, no programa Vídeo Show. 12 Sem apresentadores e sem locução, o telejornal é um programa gráfico onde as informações são apresentadas através de textos e imagens. 13 Geralmente são reprisados os talk-show e todos os programas que passam no canal aberto da RBS.

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O primeiro foi à mudança de Herz, controla cerca de 80%15 das com o sistema de TV paga. O enfoque com a forte abordagem verbas publicitárias através do canal trabalha com dois tipos de dada à cobertura de eventos e seu complexo de mídia. Sua anunciantes: o pequeno que coberturas ao vivo; o segundo inserção na cultura regional vem busca uma mídia mais acessível com a distribuição do sinal no ano a ano se consolidando. A e empresas de grande porte que interior do Rio Grande do Sul, estratégia é trabalhar com a buscam regionalizar sua marca. aumentando com isso o número filosofia do localismo, chegando Diversos são os aspectos que de telespectadores e melhorando cada vez mais próximo da fazem do canal local uma forma a comercialização dos programas. comunidade e a TVCOM foi feita de comunicação diferenciada. No A TVCOM de Porto Alegre é sob medida para atender a essa caso da TVCOM, a agenda é fle- distribuída pelo sistema NET (cabo demanda. xível. Seus horários e programa- e MMDS), para 300 mil assinantes No campo estrutural, o canal ções podem ser modificados em no Rio Grande do Sul (150 mil na TVCOM, compartilha o parque função de necessidades emer- grande Porto Alegre e 150 mil técnico da RBS TV, o que permite gentes de modo mais fácil e sim- em 17 municípios do interior apresentar uma finalização de ples do que as redes de televisão. gaúcho)14 e ainda para a cidade programas e exibição com Os programas são realizados de Chapecó, Santa Catarina. A qualidade, uma vez que o grupo pelos departamentos de jorna- distribuição também acontece busca uma constante atualização lismo e produção que trabalham pelo sistema UH., na grande Porto dos lançamentos de equipamen- no mesmo espaço dentro da Alegre. O público estimado é de tos do mercado. redação da RBS TV. dois milhões e 100 mil telespecta- A concorrência da TVCOM no Com a RBS TV, a TVCOM divide dores conforme mapa de distri- mercado de televisão de Porto ilhas de edição, links para buição da emissora. Alegre já é indiscutivelmente entradas ao vivo e um helicóptero. 16 2 LATORES DE muito concreta. César .reitas , A TVCOM possui um estúdio SUSTENTABILIDADE gerente de Jornalismo, resume: principal para apresentação da DA TVCOM A TVCOM é uma empresa do maioria dos programas e um grupo RBS e, como empresa, busca estúdio para os programas de O principal fator de sustenta- lucro. Mas ela vê o lucro advindo notícias. Esse funciona no último bilidade da TVCOM é, sem da comunicação na prestação de andar do prédio da RBS TV, com dúvida, a integração de mídias serviços no seu nicho de atuação fundo de vidro mostrando ao onde se divide o parque técnico (...) Nós temos que, se nossos fundo uma panorâmica da cidade e profissional com os demais serviços forem bem feitos, as de Porto Alegre. Além desses, veículos do grupo RBS, maximi- pessoas vão pagar por eles. (...) A funciona ainda um terceiro na zando os custos de operação e fórmula de sustentação passa pela redação do Jornal Zero Hora, nos trabalhando com economia de maximização e otimização da mesmos moldes de quando o escala, mas seu modelo de produção, passa pela possibilidade canal foi inaugurado em 1995. funcionamento também se deve de utilizar o know-how de fazer O departamento de jornalismo a um conjunto de circunstâncias, televisão adquirido pela RBS, as é o mais dependente da produção algumas históricas-culturais e pessoas que fazem a TVCOM são de material do complexo de mídia outras de mercado que foram pessoas com experiências nos da RBS. Os programas de notícias sendo criadas. mais diferentes veículos da RBS é utilizam dois níveis diretos de A TVCOM está no terceiro claro que a TVCOM assumiu o aproveitamento da infra-estrutura melhor mercado publicitário do respeito publicitário do grupo, da empresa. O primeiro é a país, perde apenas para São Paulo então ficou mais simples.(...) A produção de matérias da RBS TV, e . O jornalista TVCOM não saiu do zero, por trás do Jornal Zero Hora, da Rádio Daniel Herz estima que o Estado já tinha um caminho andado pela Gaúcha e do portal de notícias Clic abocanha 8%15 do mercado RBS. RBS. O segundo nível se dá na nacional, sendo potencialmente A receita da TVCOM tem utilização de equipes de repor- bastante expressivo. O poder de origem em duas vertentes no tagem da RBS TV Porto Alegre e fogo está com a RBS que, segundo contrato de comercialização e interior para a realização de

14 Dados fornecidos pela emissora em 2001. 15 Dado estimado com base em pesquisas realizadas por Daniel Herz e repassado a esta pesquisa. Entrevista concedida em julho de 2001. Daniel Herz é diretor de relações Institucionais da .ederação dos Jornalistas. 16 Entrevista concedida à pesquisa, julho de 2001.

8 julho/dezembro-2002 Artigo entradas ao vivo. A emissora apre- arborização urbana, índice de o Canal 20, o Canal 14 - TV senta um jornal diário de uma leitura de jornais em regiões Comunitária, e o Canal 15 - Uni- hora de duração e boletins de um metropolitanas (76%, segundo a versitário, que transmitem con- a três minutos, durante os inter- Marplan), compra de livros (em teúdo local. Na TV aberta, além valos comerciais. Basicamente são nível estadual), assistência ao da RBS - TV, a TV Educativa, a informativos de prestação de ser- cinema, consumo de produtos Bandeirantes, a Guaíba e a Rede viços e de notícias do momento ligth/diet e uso de celulares. O PIB Pampa têm programação local. denominados de hard news. do Estado está acima de todos os O vínculo da TVCOM com a O departamento de produção países do Cone Sul, à exceção da comunidade se estabelece em é responsável pela maior parte da Argentina. vários níveis: participação na programação, incluindo progra- A posição, histórico-cultural e programação, exibição de pro- mas diários, semanais, cobertu- política, mostra a formação de gramas de interesse para a comu- ras e programas especiais. Cada um povo intelectualizado que nidade, cobertura dos eventos e programa costuma ser formado gosta de debater e opinar, por realização de eventos e campa- por uma dupla de um produtor e isso encontra campo fértil em nhas comunitárias. Através dessas um editor/apresentador. muitos programas do canal ações, ocupa espaços, define Além dos aspectos estruturais TVCOM que se caracterizam como hábitos, divulga fatos, envolve- e de mercado, é preciso com- jornalismo opinativo e produções se com as problemáticas locais, preender os aspectos culturais de especiais de cunho histórico. forma a opinião pública e serve que também são bases de susten- Há uma preocupação muito forte como um instrumento mediador tação do modelo de comunicação direcionada à valorização da importante na referência dos local. Entre as particularidades da cultura local e à cobertura dos assuntos de interesse local. população estão a forte abor- principais eventos que acontecem A TVCOM também procura, dagem política, a valorização da através dos especiais, retratar na no Estado. cultura e a presença constante tela o resgate da trajetória histórico- A análise do fator da identi- dos contrários: uma dicotomia cultural do povo rio-grandense. Em dade cultural permite a com- que permanece até os dias atuais. julho de 2001, período em que esta preensão da relação de valoriza- Tais fatores têm explicação na pesquisa foi realizada, além de ção que o público gaúcho mantém história: o Rio Grande do Sul foi passar as séries Mundo Grande do com seus canais locais de comuni- formado por muitas guerras, Sul, Contos de Inverno e Curtas cação como a TVCOM, que, por desenvolvendo no povo gaúcho Gaúchos, abria espaço, aos sábados uma forte identidade política e de apresentar uma programação à noite, para especiais de música valorização cultural. Os reflexos voltada às características regio- voltada à bandas e músicos da identidade cultural do Rio nais, assume um papel integrador gaúchos, com programas de duas Grande do Sul desempenham um com a comunidade. É por isso que horas de duração. papel relevante nos valores que os resultados da pesquisa enco- A TVCOM uma emissora local, conservam, e apontam índices, mendada pela emissora em maio mas que procura se comunicar com frutos da trajetória histórica, que de 2001, realizada pela .ocus os fatos de interesse da comuni- fazem os gaúchos adotar uma Consultoria, apresentam os dade gaúcha onde quer que eles postura de defesa e orgulho de seguintes dados: “Caráter local: estejam acontecendo. A emissora seus valores regionais. Hoje, o Rio .ala de Porto Alegre e o que passou a enviar equipes comple- Grande do Sul é o quarto maior acontece na cidade. Até a fala é tas para cobrir eventos fora da sua Estado do País e lidera alguns dos mais do gaúcho. A TV do nosso cidade, do seu estado e mesmo mais importantes índices sociais, estado, feita por pessoas do fora do país, para captar os fatos conforme dados divulgados no nosso estado. Conteúdo: É uma com a visão local. Nesse sentido, Jornal Meio & Mensagem (2000), TV culta. Sempre tem algo a emissora já foi à .rança fazer em edição especial sobre os diferente para ver. Relação com reportagens sobre a vinicultura gaúchos, entre eles estão: o cotidiano: Aborda assuntos da e ao Canadá e Nova Iorque para alfabetização (72, 81%); mortali- comunidade, do dia-a-dia. Os fatos acompanhar missões empresariais. dade infantil, expectativa de vida ocorrem hoje e hoje mesmo estão Realiza coberturas esportivas em e ingresso de jovens no terceiro sendo debatidos.” todo o Brasil e está presente em grau, por exemplo. Além disso, a Mas a TVCOM não está sozi- eventos de moda do país em que capital, Porto Alegre, tem as nha no mercado de comunicação há representatividade da indús- maiores taxas nacionais de local. Na TV paga existem ainda: tria gaúcha.

17 Entrevista concedida à pesquisa em agosto de 2001, Porto Alegre.

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Alexandre Oliveira (2001)17 É através das operações de TV emissora com custos mais gerente de Marketing da RBS TV paga que se abre a perspectiva baixos. Este apresenta uma e TVCOM, enfatiza o enfoque da para incrementar a comunicação evolução planejada, guiada por TVCOM com essas coberturas: das comunidades, tanto através diagnósticos do mercado, diretriz “São curiosidades de interesse dos canais de acesso público básica que norteia a trajetória do para todas as regiões do Estado quanto dos canais locais co- grupo RBS que firmou um (...). Se tiver um evento mundial de merciais. conceito de comunicação local no cerveja, provavelmente a TVCOM Do sul para o nordeste, mudam Rio Grande do Sul e em Santa não vá porque nós não temos os costumes e o jeito de falar, mas Catarina. A empresa multimídia grandes cervejarias no Rio Grande alguns canais de TV local estão é a base de viabilização ao mo- do Sul, nós temos unidades fabris, conseguindo alçar vôos maiores, delo desenvolvido pela TVCOM. não temos tradição, mas se tiver apostando na cultura regional. A A RBS aproveitou os anos 80 para um de churrasco no Japão, nós existência desses canais é recente montar uma estrutura de rede vamos”. Essa é a diferença entre e não se tem praticamente nada regional de informação eficiente um conceito de localismo e o escrito. Não se sabe nem ao certo e com alto padrão de qualidade. conceito comunitário. Um sim- quantos existem. Eles estão A TVCOM nasceu de uma plesmente aborda assuntos da espalhados nas mais diversas vontade legítima da população de comunidade, o outro busca o operadoras em todo o país. Porto Alegre, que se sentia ca- conceito de atuação e envolvi- Um levantamento preliminar19 rente de informações locais nos mento em todos os segmentos, apontou que existem várias telejornais da própria RBS TV e se relacionando-se com todos os formas de funcionamento. A encaixou no projeto do grupo de investir em emissoras pelo siste- fatos de interesse. maioria dos canais locais comer- ma UH. e por assinatura. Intera- Por fim, o sucesso da TVCOM ciais é destinada à utilidade ção e participação ativa da comu- pode ser traduzido numa frase ‘caseira’, onde as operadoras nidade fazem o canal prosperar. citada pela coordenadora de aproveitam para comercializar O foco é estar presente no dia-a- produção do canal, Marlise os horários e aceitam materiais dia das cidades que fazem parte Salgado Aúde (2001) 18, aliás bem terceirizados. Poucas são as que da atuação. É a TV participando bairrista, característica da estão realmente estruturadas e da vida dos cidadãos. As ações identidade cultural do Estado: “É conseguiram avançar na comer- comunitárias ajudam a criar um o Rio Grande do Sul se olhando cialização além dos prejuízos. contato direto com o público e, na tevê e é por isso que dá certo”. O grande desafio reside na nesse sentido, a emissora gaúcha capacidade de conquistar a sabe muito bem como fazer. CONCLUSÃO comunidade, refletindo e melho- A TVCOM nasceu com a rando seu cotidiano, aspectos característica de ser uma emissora A sociedade planetária tem que transcendem a telinha. Mas, de jornalismo comunitário, nem levado as pessoas cada vez mais acima de tudo, precisam atrair tanto mostrando, mas debatendo à fragmentação, à solidão e à empresas locais e verbas regio- os problemas estruturais. Com o separação, mas, contraditoria- nais de grandes anunciantes tempo, mudou o enfoque para um mente, essa revolução científico- para sobreviverem. O principal conceito local, mais adequado ao tecnológica gera os meios para obstáculo é a operação em rede, seu tipo de funcionamento, criar um tipo de individualidade formatação da televisão brasi- visando atingir o público da TV mais rica e, ao mesmo tempo, mais leira, que drena os recursos pu- paga, classificado prioritaria- coletiva. Ela tanto pode separar blicitários para a comercializa- mente nas classes A/B. como unificar, integrar. Uma TV ção e produção no eixo Rio - São Apesar da forte abordagem local pode fazer o movimento Paulo. dos programas informativos, contrário a essa solidão do mundo O canal TVCOM de Porto jornalismo opinativo e serviços, moderno, porque integra com a Alegre, objeto deste estudo, tem a emissora não se considera comunidade, gera uma dinâmica um modelo considerado de apenas classificada no gênero de da cidadania, gera disputas excelência dentro das condições informação, mas também no de democráticas, colocando no palco existentes no país e consegue, entretenimento, isso porque apre- pontos de vista diferentes a através do aparato de mídias do senta programas que misturam respeito de tudo. grupo RBS, fazer funcionar a informação com descontração.

18 Entrevista concedida à pesquisa, julho de 2001. 19 Levantamento feito em algumas operadoras de TV a Cabo e junto ao material publicado no artigo: POSSEBON, S.; RAMOS, R. Tornar canal local atraente é deságio para novos players. Revista Pay-TV. São Paulo, v. 7, n. 74, set. 2000. 10 julho/dezembro-2002 Artigo

É uma emissora que não cobre rentes setores sociais, consti- estabelecer laços de afeição com somente os fatos que acontecem tuindo-se uma arma de valoriza- a comunidade. De outro lado, é no Estado, mas também procura ção da identidade cultural local. mais um negócio que já tem o informar os gaúchos dos aconte- Através da sua programação, tamanho de um mercado, já cimentos relativos à sua econo- consegue respeitar as caracterís- competindo em faturamento com mia e sua cultura, provenientes ticas culturais locais, proporcio- algumas das emissoras de sinal de onde estiver a notícia. nando mais espaço para o aberto de Porto Alegre. Pela observação direta na aprofundamento das questões. O A comunicação local, seja ela programação, foi possível detectar grande diferencial está na disponibilizada pelo acesso aos que a identidade cultural local, seja liberdade de ter à disposição 24 canais públicos ou pelos comer- ela expressa através da música, da horas de programação, podendo ciais, em geral, tem representado arte, da política, da economia, do realizar programas e coberturas um ganho nas comunidades esporte, é retratada na TVCOM. em que as outras redes ficam locais. Mas é como Daniel Herz, Muitos são os programas que limitadas pelo tipo de funciona- em entrevista, colocou: não é a buscam dar espaço e abordagem mento. A programação difere na alternativa, é uma das alterna- a esses aspectos. abordagem, mas não na apuração, tivas para o planejamento equili- A emissora não é comunitária isso porque é realizada por brado da comunicação no Brasil: na acepção da lei e nem no que profissionais multimídias e segue A comunicação local não é uma se refere aos fatores sociológicos as orientações básicas para todos panacéia que vai resolver o pro- porque limita o acesso e a partici- os veículos do complexo RBS. blema da comunicação no país ou pação, mas cumpre com sua pro- Verificou-se, ainda que empiri- que vai democratizar a comuni- posta de ser comunitária no que camente, que o canal é um forte cação. O ideal é formatar um pode se referir a uma emissora instrumento de reforço institu- equilíbrio entre as emissoras com comercial. Ela atende a uma cional da imagem da empresa programações nacional, regional comunidade geográfica, abrindo perante o mercado. A filosofia de e local (...). É preciso ter janelas espaço para a expressão dos dife- valorização do local colabora para para a rua e para o mundo.

RELERÊNCIAS BIBLIOGRÁLICAS

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11 julho/dezembro-2002