CLINT EASTWOOD — Clássico E Implacável
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
CLINT EASTWOOD — clássico E ImplacávEL São Paulo: 6—30 dez 2011. Brasília: 13 dez 2011—8 jan 2012 O Centro Cultural Banco do Brasil procura, em sua programação audiovisual, possibilitar ao público um contato mais profundo com a obra de personas e realizadores significativos da história do Cinema. A mostra Clint Eastwood — Clássico e implacável, apresentada pelo Ministério da Cultura e Banco do Brasil, é mais um exemplo nesta trajetória. Clint Eastwood iniciou sua carreira como ator em 1955, mas seu primeiro trabalho de grande repercussão foi em 1964, no clássico do gênero western spaghetti Por um punhado de dólares (Per un pugno de dollari), de Sergio Leone. Protagonizou, a partir de então, diversos filmes que o imortalizaram como pistoleiro durão. Em 1971, Clint estreia na função de diretor em Perversa paixão (Play Misty for Me). Esta carreira, na qual permanece em atividade, ficou caracterizada pelo rigor formal, pelo aprofundamento nas histórias e personagens e, sobretudo, pela coerência em toda sua produção. É com satisfação que o CCBB convida o público a acompanhar a maior retros- pectiva já realizada no país sobre este ícone do cinema — exibição de 43 filmes, debate e publicação de um catálogo —, contribuindo para a reflexão sobre a obra, viva e em andamento, deste ator e diretor. Centro Cultural Banco do Brasil “Clint”, como todos se sentem à vontade de Seu cinema nos traz sentimentos o chamar, muito por conta da aproximação diferentes — e que a princípio seriam vistos e envolvimento que seus personagens e como contraditórios — como amargura e seus filmes despertam, faz um cinema com afeto ou dureza e sensibilidade, e talvez este uma marca própria e especial. É um autor seja um de seus maiores trunfos. E essa que se formou na dinâmica de Hollywood associação está refletida na imagem que como uma espécie de guardião do cinema ele constrói para si como diretor-ator, onde clássico no cinema contemporâneo – e seus protagonistas estão integrados a uma guardião da própria América, mesmo que ideia de transformação, em uma trajetória para questioná-la, sendo às vezes herói e que até o momento soma 34 filmes às vezes anti-herói, às vezes policial e às lançados como diretor e 66 como ator. vezes caubói, nem de todo mau, nem de Assim, a mostra Clint Eastwood — todo bom, mas sempre em busca de algo Clássico e implacável foi idealizada a partir que lhe é essencial. da vontade de pensar, mostrar e ver o Sua maestria reside em grande parte Clint como diretor, ator e autor. Para isso no fato de seus movimentos como diretor montamos um panorama de 43 filmes, que serem formados fundamentalmente se voltam tanto para a sua trajetória como pela mise en scène, por aquilo que é diretor quanto para a de ator, mostrando essencialmente cinematográfico. É assim influências determinantes como as de Don que seus planos e cenas se constroem. Siegel e Sergio Leone. Entretanto, a ideia de um cinema de autor O que percebemos ao longo dessa nunca foi muito bem associada ou aceita jornada é que o mais poderoso, e que fica para sua obra, e por muito tempo esteve de sua obra, é a maneira como ele encanta longe de ser unânime tanto no meio crítico o espectador através da sua precisão quanto no acadêmico, especialmente e rigor; e da aposta na densidade de porque vários dos seus filmes são diferentes histórias, fazendo um cinema criados a partir de uma certa iconografia apenas com o que é necessário, como um e linguagem do cinema de estúdio cavaleiro solitário no tempo e no espaço, norte-americano. como se fosse um filme, um filme para Mas, para além dessa questão, há uma diferentes gerações. certa linha condutora que rege o caminho de suas histórias e de seus personagens, Gisella Cardoso, curadora sempre em movimento, passando por questões (e emoções) como os encontros, os reencontros, os conflitos, a coragem, a violência, a moral, a vida e a morte. RIChARD SChICkEL INáCIO ARAuJO O pERCurso um CINEASTA INTEIRO quASE CLáSSICO 6 90 SéRgIO ALpENDRE LuIz Carlos OLIvEIRA JR. TRAJETÓRIA DE O hOmEm CLINT EASTWOOD eastwoodiano 44 98 CLEbER EDuARDO Calac NOguEIRA ENTRE A LEI A Luz E O TRAçO E A ORDEm 110 58 tatiana monassa RIChARD pEñA OuT OF ThE O CORpO Shadows Em questãO 116 66 FRANCIS VogNER STéphANE bOuquET OS espectros CLINT FuCkINg da CIvILIzAçãO Eastwood 122 72 ThIAgO STIvaletti NIkola MatevSkI SupERAçãO, A escuRIDãO CuLpA, SACRIFÍCIO DO hERÓI 130 82 EmmANuEL burdeau eastwood — Nota sobRE FILhas & FILhos A mALpaso 138 200 mIChAEL hENRy wilson ENTREvista CLINT eastwood CLINT pOR CLINT directed by… 204 148 FILmES ExIbidos bRuNO ANDRADE 214 LONgE DO CLASSICISmO FILmOgRAFIA 168 COmpleta 236 FERNANDO Toste Eastwood E A hERANçA DE Leone 174 gILberto SILvA JR. hAWkS-EASTWOOD 184 Marcelo Miranda JOhN FORD E CLINT Eastwood 192 RichaRd Schickel O pERCurso INTEIRO “The Whole Ride”, introdução da biografia Clint: A Retrospective (Sterling, 2010). Reproduzido com a autorização do autor. Traduzido do inglês por Fabiana Comparato. O percursO inteirO 1 Gosto de ver Clint entrar num restaurante. Ou, espere—deixe- -me aprimorar esta afirmação –, gosto de não vê-lo entrar num restaurante. Ele tem um certo orgulho pelo fato de conhecer as portas de serviço de todos os salões de cerimônia de Los Angeles—sabe, entrar pela porta de trás, passar pela cozinha, subir as escadas de serviço, achar o caminho até o salão prin- cipal, e lá esperar de forma amigável a apresentação do prêmio que esteja sendo oferecido a ele. É o mesmo com os restau- rantes; ele parece conhecer todas as portas de serviço da cidade. Então lá está ele—sorrindo cordialmente—pronto para comer seu prato de peixe, massa ou frango acompanhado de uma cerveja ou taça de vinho branco, e com uma longa, amigável e despretensiosa conversa. A razão para todas essas táticas evasivas é simples—evitar os paparazzi e a enxurrada de fãs que geralmente o cercam. Ainda o deixa confuso que, com quase oitenta anos, ainda atraia tanta atenção. Ainda não se fartaram dele depois de tanto tempo? Já estive com ele quando, apesar de todo o seu esforço, eles o rodearam. Geralmente, é cortês—conhece a maioria de vista –, dando autógrafos, educadamente rejeitando os presentes (como antigas revistas em quadrinho da série Couro cru / Rawhide1, pelas quais ele não tem nenhum interesse), e sempre em movi- mento até se ver livre. Por outro lado, ocasionalmente já o vi com raiva: “Escutem, seus filhos da mãe, essa já é a terceira vez que vejo vocês hoje. Já chega”. Às vezes ele se torna proativo. Uma vez estávamos fazendo uma sessão de perguntas e respostas na Universidade de Los Angeles e o pegaram no estacionamento depois da nossa 1 Rawhide, série americana de western com oito temporadas do canal de tv cbs, exibida de 1959 a 1966. 7 RichaRd Schickel apresentação. Ele se aproximou da sua mercedes impecável, sinalizou para mim (íamos almoçar com um amigo) e partiu, com os fotógrafos em intensa perseguição. Isso é algo que às vezes o diverte, dirigir em alta velocidade pelas ruas, vielas, estacionamentos, despistando os perseguidores. Ele chegou no almoço contando a divertida história da sua astuta improvisação de táticas evasivas. O gosto de Clint por simplesmente aparecer nos lugares, sem aviso e sem explicação, foi por vezes refletido em filmes como O estranho sem nome (High Plains Drifter, 1973) e O cava- leiro solitário (Pale Rider, 1985), nos quais ele fez aparições um pouco fantasmagóricas (embora ele sempre tenha evitado identi- ficação direta com esse tipo). Mas não importa o filme, ele nunca foi fã de tramas secundárias, especialmente para os seus perso- nagens. Ele também acredita que o público gosta de filmes com o final aberto. Mistério resolvido é mistério esquecido; um mistério sem solução tem o potencial de assombrar por um longo tempo. Seu ar de bondoso mistério é, naturalmente, uma maneira de manter sua privacidade, embora, no caso de Clint, ajude também o fato de ter 1,92 metros, parecer (mesmo que equivo- cadamente) carregar uma arma Magnum 44, e estar armado com uma prontidão eterna para se desviar de admiradores semipsi- cóticos. Isso é o mais puro Clint. Em qualquer ocasião, a não ser no Oscar, ele mesmo dirige para todos os lugares, sem segurança. E talvez seja por isso que tenha tantas casas—seis da última vez que contei –, todas (menos a de Los Angeles) em comuni- dades que tem real interesse em proteger o direito de ir e vir. Em Carmel, sua residência principal, ele vai ao cinema com sua mulher e filhos como uma pessoa comum. O hábito da inquietude esteve entranhado nele desde cedo. Quando criança, sua família vagava do norte ao sul da costa leste enquanto seu pai procurava qualquer trabalho disponível 8 O percursO inteirO durante a Depressão americana. Era uma família unida, fonte de seus principais valores, mas também foi difícil para Clint— um menino tímido e nem sempre confortável como o perpétuo novo aluno da escola –, e talvez essa tenha sido a fonte dos elementos básicos de seus personagens: desde Por um punhado de dólares (Per un pugno de dollari, de Sergio Leone, 1964), seu primeiro western spaghetti, ele era o cara que simplesmente vagava pela cidade, encontrava pessoas oprimidas por algum tipo de mal, ajudava a colocar as coisas no lugar e depois partia sem explicação. Por outro lado, é por natureza um homem disciplinado, mantendo ritmo e conduta imutáveis durante os trinta e três anos que o conheço. Suspeito que isso seja também produto da sua infância, quando provavelmente sonhava com uma vida mais estabelecida, que os Eastwood não conseguiram conquistar até finalmente se enraizarem em Oakland, quando Clint já era adolescente.