SOCIOECONOMIA

A seca na Foto: Acervo SEAGRI Foto:

Luiz Miranda1 ais uma vez a Bahia en- pre foi abordado sob viés técnico. Mfrenta uma seca. Compre- Em alguns casos, são estudados ender o fenômeno das secas os aspectos relativos aos seus é necessário para o uso sus- impactos econômicos e sociais. tentável dos limitados recursos Neste estudo, contudo, analisa- hídricos da região semiárida do mos do ponto de vista conceitu- Estado. Nesse contexto, estu- al, bem como sua variabilidade dos para a melhoria da previsão espacial e temporal. Além desses de secas, com base nos dados aspectos, buscamos descobrir, meteorológicos disponíveis e, com os erros e acertos do pas- em tempo hábil, de forma que sado, um caminho seguro para medidas possam ser tomadas, nortear as ações que permitam no sentido de minorar seus efei- produzir com segurança no Semi- tos, torna-se crucial. árido nordestino.

1 – Engenheiro Agrônomo, Diretor de Pecuária da Supe- rintendência de Desenvolvimento Agropecuário – SDA/ Na Região Nordeste do Brasil, o Grande parte de nosso planeta SEAGRI, Salvador – BA; e-mail: [email protected] fenômeno das secas nem sem- pertence à denominada área de

38 risco à seca. São regiões onde a precipitação aproxima-se do limite permitido à prática agríco- la. Exemplos são o Sahel na Áfri- Foto: Heckel Júnior Foto: ca, o Nordeste do Brasil, grande área da China, o platô Dekkan, na Índia, e parte da África do Sul. Tratam-se, portanto, de áreas de enorme vulnerabilidade para a agricultura (BARROSO, 2012). Consideráveis áreas das Améri- cas do Norte e do Sul, Austrália, Europa e Ásia foram atingidas por secas severas, acarretando prejuízos econômicos, sociais e ecológicos. A gravidade das se- cas está ligada com a duração, que pode atingir um ou até cinco anos consecutivos.

CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO NORDESTE

Além dos estados que compõem a Região Nordeste, essa região vai desde o litoral do Ceará e Rio ainda é subdividida em quatro Grande do Norte (neste último, até sub-regiões de acordo com ca- É a sub-região de transição entre próximo a cidade de Natal), até a racterísticas climáticas e de urba- a Zona da Mata, bastante úmida, região sudoeste da Bahia. As chu- nização (IBGE, 2012): e o Semiárido, região bastante vas são escassas e, por isso, a seca, acompanhando a faixa da pecuária e agricultura são ativida- Zona da Mata Zona da Mata do Rio Grande do des bastante difíceis na região. O Norte ao sul da Bahia. No Agres- único rio perene do sertão é o São É a sub-região mais populosa e te, predominam os minifúndios Francisco do qual é desviada água urbanizada. Compreende a faixa dedicados à produção de subsis- para irrigação em alguns locais e litorânea (aproximadamente 200 tência e a pecuária leiteira, sendo que também é fonte de energia km de largura) que vai do Estado o excedente comercializado na através de hidrelétricas como a de do à Bahia região da Zona da Mata. Sobradinho (BA). A vegetação típi- (litoral leste da região Nordeste) e ca dessa sub-região é a caatinga. é caracterizada pelo clima tropical Sertão úmido, presença de mata atlânti- Meio-Norte ca, pluviosidade bastante regular, Sub-região de clima semiárido que principalmente na região sul da compreende o centro da região Esta sub-região já apresenta uma Bahia, e solo bastante fértil. Nordeste, em uma extensão que pluviosidade maior conforme se

39 afasta para oeste, em direção aos ção pluviométrica média anu- Todos esses Estados compreen- Estados do Norte e compreende al inferior a 800 milímetros; dem uma área de 1.108.434,82 o Estado do Maranhão e grande 2) índice de aridez de até 0,5, calcu- km², o que equivale a 10,5% do parte do Piauí. Nesta região é co- lado pelo balanço hídrico que rela- território nacional e 53,9% do mum a presença das “matas de ciona as precipitações e a evapo- território nordestino englobando cocais”. As principais atividades ração potencial entre 1961 e 1990; 1.348 municípios, distribuídos pe- praticadas são a criação de gado, 3) risco de seca maior que 60%, los Estados do Piauí (214), Ceará o cultivo de algodão e arroz. tomando por base o período (180), Rio Grande do Norte (161), entre 1970 e 1990. Baseado nes- Paraíba (223), (145), Em 10 de março de 2005, o Mi- ses novos critérios, a área classi- (51), (32), Bahia nistério da Integração Nacional ficada como Semiárido brasileiro (256) e (86), cujas publicou Portaria que instituiu a aumentou de 892.309,4 km2 para populações totalizam 20.858.264 nova delimitação do Semiárido 969.589,4 km2 (BRASIL, 2005). pessoas, sendo 40% residindo brasileiro, resultante do traba- na área rural. A Insolação média é lho que atualizou os critérios de Esta área integra parte de oito es- de 2.800 h/ano, com evaporação seleção e os municípios que tados nordestinos (Alagoas, Bahia, média de 2.000 mm/ano e umida- passam a fazer parte dessa Ceará, Minas Gerais, Paraíba, de relativa do ar média em torno região. A nova delimitação to- Pernambuco, Piauí, Rio Grande de 50% (BRASIL, 2005). mou por base três critérios do Norte e Sergipe) e parte do técnicos, a saber: 1) precipita- norte de Minas Gerais (Mapa 1). O FENÔMENO Mapa 1 NOVA DELIMITAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO DA SECA

O conceito de seca varia segun- do o ponto de vista. Para um Hi- drogeólogo pode ser entendida como a insuficiência de recur- sos hídricos. Esta seca pode ser causada por uma sequência de anos e tem como consequên- cia o colapso nos sistemas de abastecimento de água. Para o Engenheiro Agrônomo assim como para o agricultor e o pecu- arista, a seca altera a produção agrícola de sequeiro e a pecuária Nova delimitação provocando grandes transtornos do Semiárido sociais a exemplo da fome, mi- Estados da gração e desagregação familiar. Região Nordeste Para o Meteorologista é enxergar o futuro para subsidiar tomadas de decisões fundamentais para Minas Gerais todas as áreas que dependem das chuvas, até mesmo o turis- Fonte: Ministério da Integração mo. Finalmente, para o nordestino

40 significa risco de vida (WILHITE; se estabeleceram provavelmen- Mar da China provocam a ascen- GLANTZ, 1987 apud VALADÃO et te há 20.000 anos, no fim da são de um vento quente e úmido, al., 2010). última grande era glacial. O pri- criando o que os meteorologistas meiro e mais importante é com- chamam de área de baixa pres- posto pelas áreas de baixa e alta são. A ascensão desse vento CLASSIFICAÇÃO pressão atmosférica no Pacífico úmido, também chamada de equatorial (MARENGO, 2006). convecção, leva à formação de DAS SECAS nuvens e chuvas, no fenômeno Na década de 1920, o inglês Gil- conhecido no Sudeste asiático As secas podem bert Walker descobriu que o pa- como monções. Livre da água, ser classificadas drão meteorológico do Oceano o vento viaja sobre o Pacífico a em (BRASIL, 2005a): Pacífico equatorial contém uma uma altura de 15 quilômetros em área de baixa pressão atmosféri- direção ao leste. Nesse trajeto, o Hidrológicas – Caraterizam-se ca sobre a Indonésia e o norte da vento se resfria e tende a descer por uma pequena, mas bem dis- Austrália e uma área de alta pres- sobre o oceano, próximo à costa tribuída, precipitação. As chuvas são no oceano, próximo à costa oeste da América do Sul, criando são suficientes apenas para dar da América do Sul, resultado da uma área de alta pressão atmos- suporte à agricultura de subsis- lei física de que o ar quente tende férica (MARENGO, 2006). tência e às pastagens; a subir e o ar frio tende a descer (MARENGO, 2006). Em ciclos de três e sete anos, nos Agrícolas – Também conheci- meses de setembro, outubro e no- da como seca verde, acontecem De maio a setembro, as águas vembro, por motivos que ainda não quando há chuvas abundantes, quentes do Oceano Índico e do se consegue determinar com cer- contudo mal distribuídas em ter- mos de tempo e espaço;

Efetivas – Ocorrem quando há baixa precipitação e má dis- tribuição de chuvas, tornan- do difícil a alimentação das populações e dos rebanhos e impossibilitando a manutenção dos reservatórios de água para consumo humano e animal.

CAUSAS DA SECA

O fenômeno das secas do Nor- deste tem origem em lugares tão distantes quanto o Sudeste asiático e o círculo polar ártico. É provocado por dois mecanis- mos de circulação de ventos

no planeta. São fenômenos que Heckel Júnior Foto:

41 teza, uma grande massa de água que envolve a Terra próximo à linha mais quentes próximas ao Equa- quente vinda da Austrália avança do Equador. A ZCIT oscila entre as dor, acompanhando com um pelo Pacífico equatorial em direção latitudes de 10° ao Norte e 5° ao pequeno atraso o movimento do ao leste além da Ilha de Taiti, no fe- Sul, a região onde os ventos alísios Sol. Assim, quando o Sol atraves- nômeno conhecido como El Niño. A dos hemisférios norte e sul se en- sa a linha do Equador no equinó- água quente cria nova zona de con- contram. Esse fenômeno também cio de outono do hemisfério sul, vecção, deslocando as chuvas do é chamado de “célula de Hadley”, entre os dias 20 e 21 de março, meio do Oceano Pacífico para a cos- devido ao meteorologista inglês a zona de convergência intertro- ta oeste da América do Sul, na altura George Hadley (1685-1768) que, pical atinge sua posição mais ao do Peru, e levando a corrente de ar em 1735, descreveu seu funciona- sul, provocando as chuvas do dia vinda do Sudeste asiático a cair dire- mento. Dependendo da localiza- de São José (MARENGO, 2006). tamente sobre o Nordeste brasileiro, ção, a zona de convergência inter- impedindo a formação de nuvens de tropical pode amenizar ou agravar Às vezes, a chuva não chega. O chuva (MARENGO, 2006). as secas provocadas pelo El Niño movimento da zona de conver- (MARENGO, 2006). gência intertropical depende da Ainda assim, as chuvas da terceira temperatura das águas no ocea- semana de março, no Nordeste, de- As nuvens de chuva da zona de no, que na região equatorial va- pendem muito mais de fatores físi- convergência intertropical são ria entre 26° e 29°. E uma varia- cos, que da esperança em São José, alimentadas, em boa parte, pelo ção de um a meio grau entre as cuja data comemorada pelos devo- sistema de baixa pressão atmos- águas do Atlântico Norte e do Sul tos é dia 19 de março. Elas são con- férica da região da Terra Nova, no é a diferença entre um “inverno” sequência de outro fenômeno mete- Canadá, próximo ao círculo polar chuvoso ou seco. Com as águas orológico conhecido desde o século ártico. Quando a baixa pressão do Atlântico Norte mais frias, a XVIII e chamado pelos climatologis- é mais forte na Terra Nova, o ar ZCIT desloca-se para o sul, tra- tas de Zona de Convergência Inter- úmido engrossa a ZCIT que se zendo suas nuvens carregadas. tropical (ZCIT), um anel de ar úmido desloca em direção às águas Se as águas do Atlântico estive- rem mais frias no sul, entretan- to, as chuvas serão despejadas na Amazônia. Para o nordestino será a seca (MARENGO, 2006).

Foto: Heckel Júnior Foto: O Mapa 2 representa o regime de chuvas na Bahia.

A HISTÓRIA DAS SECAS

A história das secas no Nordes- te relata a saga de um povo em busca de sobreviver no mais inóspito dos climas deste país. A ausência de regularidade de chuvas e de políticas públicas voltadas para resolver a situação agrava um quadro assustador:

42 Mapa 2 REGIME DE CHUVAS DA BAHIA Apesar desse crescimento, não houve investimento em infraestru- ITCZ turas de água, meios de transpor- tes e sanidade. Por trás de todo o crescimento estava o esquecimen- to dos efeitos da seca. As fazen- das não tinham infraestrutura para a quantidade de escravos. Há quem diga que ocorreu a morte de aproximadamente oito mil escra- A vos (CAMPOS; STUDART, 1997).

A seca mais severa desse sé- culo atingiu em cheio o frágil modelo de exploração e a socie- dade despreparada. Foi a seca de 1777-1779. Há quem estime que “morreram mais de 500.000 pessoas no Ceará e cercanias”. Mesmo considerando o exagero Frentes frias+umidade da Amazônia (nov/dez/jan/fev) da estimativa, esse foi realmen- Zona de convergência intertropical (dez/jan/fev/mar) te um grande desastre. Talvez Frentes frias Alta Subtropical do Atlântico (abr/mai/jun/jul) o maior desastre que já atingiu uma região brasileira. Há quem Fonte: SOMAR Meteorologia garanta que o Ceará perdeu fome, sede, migração desenfrea- Ceará eram ocupadas exclusiva- 80% do rebanho (CAMPOS; da, epidemias e miséria (MEDEI- mente pelos índios. A seca foi o STUDART, 1997). ROS FILHO; SOUZA, 1988). motivo pela ocupação tardia do interior do Nordeste. A coloniza- O registro da primeira seca é an- ção do interior foi intensificada A GRANDE SECA terior à colonização portuguesa, após uma Carta Régia que proi- e é relatada por Fernão Cardin: bia a criação de gado em uma “houve uma grande seca e esteri- faixa de dez léguas desde o li- A “Grande Seca”, como ficou lidade na província (Pernambuco) toral em direção ao interior. Esta conhecida, teve início em 1877 e desceram do sertão, ocorrendo- ação provocou a ocupação do e durou pouco mais de dois -se aos brancos cerca de quatro que hoje é Bahia, Alagoas, Ce- anos. Os efeitos foram catas- ou cinco mil índios” (MEDEIROS ará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, tróficos. Há quem estime que FILHO; SOUZA, 1988). Rio Grande do Norte, Sergipe e doenças, fome e sede dizima- também Norte de Minas Gerais. ram, somente, no Ceará, mais Esta medida acelerou o cresci- de 500 mil habitantes. Antônio A SECA DE 1700 mento dos rebanhos e, conse- Conselheiro percorreu as re- quentemente, o populacional. giões afetadas pela seca para Assim, sem uma seca mais se- socorrer os flagelados. Passou Até a primeira metade do sécu- vera, a população e os rebanhos a ser considerado um santo, lo XVII as áreas secas do interior cresceram rapidamente (CAM- aumentando o número de pes- do Nordeste de Pernambuco ao POS; STUDART, 1997). -soas que o acompanhavam.

43 surgiram os estudos para encon- trar uma solução para o proble- ma. Surgiram basicamente três linhas: armazenamento de água e irrigação, transposição do rio São Francisco e irrigação e mudanças no perfil econômico da Região.

A SECA DE 1897

Neste ano, os habitantes do Ar- raial de Canudos foram massa- crados. Crianças, mulheres e ido- sos foram mortos sem piedade. Antônio Conselheiro foi assassi- nado em 22 de setembro de 1897. Há quem atribua a seca deste ano ao castigo dos céus pela morte do beato (SECA..., 2012).

A SECA DE 1915

Esta seca foi marcada pelo movi- mento de fuga para as regiões li- torâneas, em especial as cidades, – o início do êxodo. Este período Foto: Heckel Júnior Foto: foi imortalizado por Rachel de A PRIMEIRA camelos, construção de ferrovias Queiroz, em seu livro “O quinze” e açudes e a abertura de um ca- escrito durante a seca de 1932, PROVIDÊNCIA nal para levar água do Rio São quando a escritora tinha apenas Francisco para o Rio Jaguaribe, 20 anos (SECA..., 2012). Após a catástrofe de 1877, pela no Ceará. Contudo muito pouco primeira vez, as autoridades do foi feito (SECA..., 2012). A seca de 1915 provocou fortes Império começaram a ter uma rotas migratórias. Os retirantes in- maior preocupação com o as- vadiam as cidades, provocando sunto. O imperador D. Pedro II A SECA DE 1888 bolsões de miséria. O governo do cunhou a célebre frase: “Não Ceará criou uma espécie de campo restará uma única jóia na Coroa, de concentração, nas margens das mas nenhum nordestino morrerá Uma década depois, outra se- grandes cidades para impedir a en- de fome”. Criou-se então a co- vera e duradoura seca atingiu o trada dos retirantes. A fome, aliada missão imperial para desenvolver Nordeste brasileiro. Foi a seca a total ausência de esgotamento sa- medidas que pudessem atenuar de 1888, conhecida como a seca nitário provocou um quadro trágico futuras secas. Da adaptação de dos três oitos. A partir de então, de doença e morte (SECA..., 2012).

44 “Eram locais para onde grande SECA DE Estado da Bahia, para o reba- parte dos retirantes foi recolhida a 1951–1953 nho bovino houve a redução do fim de receber comida e assistên- efetivo de 14 para 8 milhões de cia médica. Não podiam sair sem cabeças (IBGE, 2012). autorização dos inspetores do A expressão “pau-de-arara” surgiu campo. Ali ficavam retidos milha- nessa época motivada pelo trans- A falta de água no Nordeste res de retirantes a morrer de fome porte de nordestinos sertanejos no coincidiu com a crise de ener- e doenças”, relata a professora desconfortável caminhão, quando gia elétrica que colocou em Kênia Rios, doutora em História milhares de flagelados do Nordes- risco todo o País. A estiagem pela Pontifícia Universidade (PUC) te foram transportados de forma tornou-se ainda mais preocu- de São Paulo (BARRETO, 2007). desumana para outras regiões do pante, pois Estados vizinhos país, especialmente São Paulo e também estavam assolados estados circunvizinhos. Ainda em pela seca. A SECA DE 1951, Luiz Gonzaga e Zé Dantas eternizaram a seca em Vozes da As obras de combate às secas, 1931–1932 Seca: “Mas doutô uma esmola a iniciadas e abandonadas pelo um homem qui é são. Ou lhe mata governo federal antes da con- A seca de 31 trouxe o maior pre- de vergonha ou vicia o cidadão”. clusão, já haviam provocado, juízo para a Bahia. Foi nessa entre 1978/1993, prejuízos de época que se tornou conhecida CR$ 6,7 trilhões. O escândalo a expressão “indústria da seca”. A SECA DE das obras inacabadas deu ori- Os poderes econômicos e políti- gem até mesmo a uma Comis- cos da região usavam recursos 1992–1995 são Parlamentar de Inquérito do governo em benefício próprio, – CPI, no Congresso Nacional, com o pretexto de combater as A seca de 1992 a 1995 trouxe o para apurar responsabilidades mazelas, transformando o fenô- maior prejuízo para a pecuária do (SECA..., 2012). meno climático em fenômeno político (BARRETO, 2007).

A agropecuária crescia e a Bahia se estabelecia como maior polo do Nordeste. A dicotomia entre a agricultura e a pecuária pro- movia a sustentação do binô- mio. Assim, a cultura do cacau garantia o sucesso da pecuária do Sul da Bahia. O café e o algo- dão eram a mola propulsora do Sudoeste. A cana e a mandioca no Recôncavo e esse clima de crescimento esbarrou em mais uma seca. A ausência de estra- das e sobretudo meios de trans- portes impediam as rotas migra- tórias e a morte do rebanho foi significativa (BARRETO, 2007). Heckel Júnior Foto:

45 A SECA DE 2012 ESTRATÉGIAS  Queima de petróleo no oceano HISTÓRICAS DE atlântico para aumentar o índice É considerada a seca mais seve- pluviométrico; ra dos últimos 50 anos. Segun- COMBATE ÀS do dados da Secretaria Nacional SECAS  Construção de açudes nas nas- de Defesa Civil, 1.171 municípios centes das bacias hidrográficas. estão em situação de emergência por conta da prolongada estia- SOLUÇÕES NÃO SOLUÇÕES gem na Região Nordeste. CONVENCIONAIS: CONVENCIONAIS:

Muitos municípios nordestinos  A solução proposta foi trazer  Construção de açudes e adutoras; estão enfrentando colapso no camelos do deserto e adaptá-los  Transposição de bacias; abastecimento de água, e cres- ao Nordeste Semiárido. A idéia foi  Construção de poços tubulares. ce o número de comunidades proposta pelo Governo Federal em nas zonas rurais que recebem 1859, para ser testado no Estado do AÇUDAGEM: carros-pipa. Por conta da falta Ceará e teria como finalidade suprir de alimentos e água, muitos a necessidade de um meio de trans- A implantação de açudes teve iní- animais estão morrendo nos porte, para enviar alimentos e água, cio no período do Império no ano pastos, assim como produções além de transportar as pessoas do de 1877, ano em que a região foi inteiras foram perdidas nos úl- interior para as cidades do litoral, assolada por uma grande seca. timos meses. Segundo a Fede- para atendimento médico; Daquela data até a metade do atu- ração da Agricultura e Pecuária al século, a política de combate às do Estado da Bahia (FAEB), a  Promover fratura de rochas no secas contemplava, principalmen- queda da produção chega a cristalino, através de explosão, te, a formação de uma infraestru- 100% em algumas lavouras e a para armazenamento de águas tura hidráulica e a implantação de 60% nos rebanhos. subterrâneas; postos agrícolas como indutores da irrigação na Região. O período em que predominou essa política foi posteriormente denominado de período da solução hidráulica

Foto: Heckel Júnior Foto: (SECA..., 2012).

Na segunda metade de século teve início a política do aprovei- tamento intensivo do potencial hidráulico por meio dos grandes projetos de irrigação. Tratava-se de uma Política delineada pela Superintendência do Desenvol- vimento do Nordeste – SUDENE (SECA..., 2012).

O regime de construção de açu- des em cooperação, desativado em 1967, pretendia melhor distri- buir, sob o ponto de vista espa-

46 cial, a oferta d’água e subsidiava dos, alguns, com capacidade jeitas à concentração salina devido a construção de açudes particula- para geração de energia hidrelé- ao fenômeno da evaporação inten- res de capacidade máxima de três trica e muitos outros com proje- sa. Com esse fenômeno, a água se milhões de metros cúbicos. Não tos de irrigação. São açudes que evapora, mas o sal permanece no havia desapropriação de terras. O não secam, apesar da fortíssima açude e a sua concentração é pro- projeto e o orçamento eram for- e drástica evaporação promovida gressiva. Assim o fato de não san- necidos gratuitamente pela Inspe- pela radiação solar nesta região. grar constitui-se em um grande mal toria Federal de Obras Contra as Reduzem em até 60% do seu vo- para os açudes (GASPAR, 2012). Secas (IFOCS)/Departamento Na- lume, mas renovam, quase sem- cional de Obras Contra as Secas pre nos anos subsequentes. (DNOCS) e um prêmio, equivalente INDÚSTRIA à metade do orçamento, era con- No Vale do Jaguaribe, Ceará, cedido no fim da construção ou, o açude Orós, construído, em DA SECA a título de adiantamento, quando 1960, acumula 2,5 bilhões de m³ metade da obra estivesse pronta. de água. O Açude Armando Ri- A região Nordeste sofre com dois Os proprietários, em contrapartida, beiro Gonçalves, construído no fenômenos: um político chamado comprometiam-se a fornecer água Rio Grande do Norte, em 1983, “indústria da seca” e outro natural para as necessidades domésticas com um volume de 2,4 bilhões chamado “seca” propriamente dita. das populações circunvizinhas. de m³ de água. O Banabuíu e A tragédia que atinge grande parte Nem sempre a construção atendia o Araras, ambos no Ceará, que da região Nordeste brasileira e par- a interesse da população. juntos somam 2,7 bilhões. O te da região norte de Minas Gerais Castanhão, no Vale do Jaguaribe costuma ser utilizada (e superva- O século XX foi o século da açu- CE, concluído no ano de 2003, é lorizada) para justificar a fome e o dagem no Semiárido, por todo um o maior do mundo, construído subdesenvolvimento econômico e período de 100 anos. Quando da pelo homem. Com capacidade social da região em nome de erros “grande seca” de 1877/79, o Se- de 6,7 bilhões de m³. cometidos no passado e que faz miárido não possuía mais que seis fracassar qualquer tentativa de re- açudes. O Governo Imperial auto- Os pequenos e médios açudes, verter este quadro (GASPAR, 2012). rizou o início do grande açude do com volumes compreendidos entre Cedro, em Quixadá, Ceará, que só 10.000 e 200.000 m³, representam Em 1909, foi criado o primeiro foi concluído no ano de 1906, já no 80% das coleções de água nos Es- órgão de combate à seca, com Governo Republicano. Cem anos tados do Nordeste e são objetos o nome de Inspetoria de Obras de construído, este açude, armaze- de preocupação. Esses açudes, Contra as Secas (IOCS). Em nando 126 milhões de m³, continua por apresentarem formas geométri- 1919 passou a ser Inspetoria Fe- prestando seus serviços a milhares cas variadas devido à falta de pla- deral de Obras Contra as Secas de nordestinos (SECA..., 2012). nejamento inicial no momento da (IFCOS). Em 1945, Departamento sua construção, em que o principal Nacional de Obras Contra as Se- Foi o início do programa de cons- fator levado em consideração sem- cas (DNOCS) (GASPAR, 2012). trução da grande rede de açudes pre foi a vontade de se fechar uma espalhados pelo Semiárido. Che- pequena bacia, trazem inevitáveis A ideia central era definir metas gando ao final do século XX com problemas de dimensionamento, e solucionar o problema com obras a construção, de cerca, de 70.000 não sendo raro açudes que nunca para armazenar e transportar a água açudes, públicos e particulares. vieram a sangrar. Esse aspecto, ao para a população e assim atender Mais de 10% são açudes cons- contrário do que muitos imaginam, a agricultura, a pecuária e a utiliza- truídos para suportar os grandes traz problemas muito sérios de sa- ção humana. Pode se notar, pelo períodos de estiagem, projeta- linização, pois as águas ficam su- aumento da área atingida pela seca,

47 “Quando a seca chega no sertão” o pecuarista procura, no municí- pio as propriedades que ainda dispõem de forragem para alugar pasto. Quando esta alternativa não dá mais certo, a saída é “re- cursar” o gado para municípios vizinhos. A terceira opção é mu- dar de bioma, a quarta é mudar de Estado, a quinta é vender. As- que as ações foram insuficientes. atingidos. Mais da metade dos sim surgem as rotas migratórias. A seca do Nordeste está ligada municípios decretou situação de Contudo, “a esperança é a última à falta de políticas que realmen- emergência. O regime pluviomé- que morre”. Os melhores animais te funcionem em benefício da trico do inverno (junho e julho) de e as vacas produtoras de leite população. 2011 abaixo do normal provocou são mantidos na propriedade a uma diminuição das reservas hídri- fim de promover o sustento da Durante as longas estiagens, o cas na Bahia. Os reservatórios es- família. Surge a inexorável “Lei governo federal socorre os Esta- tavam secos, as pastagens abaixo de mercado” muita oferta e os dos atingidos, com ações emer- de suas reservas e o produtor des- preços despencam, O preço da genciais, como: envio de recursos capitalizado. A esperança eram as arroba despencou de R$ 100,00 para ser aplicado nessas áreas; trovoadas (chuvas de novembro para R$ 70,00. Em alguns lugares cestas básicas para a população; de 2011 a março 2012). Com a os animais eram comercializados perdão total ou parcial das dívi- ausência de chuva a natureza en- como peça. Uma peça variava de das de empréstimos tomados por tra em colapso, é a seca de 2012. R$ 350,00 a R$ 500,00. agropecuaristas. Essa é tida por muitos como a pior seca dos últimos anos. Essa agonia dura de dois a três A “indústria da seca” se utiliza da si- anos, a expectativa da chuva que tuação de emergência para conse- Podemos medir os efeitos da es- não vem gera um clima de sofri- guir mais verbas, incentivos fiscais, tiagem prolongada através de ín- mento e dor. Os poucos recursos concessões de crédito e perdão de dices pluviométricos, da mortali- são investidos até o fim. É neces- dívidas valendo-se da fome e da mi- dade do rebanho, do êxodo rural sário desfazer de animais para ali- séria pela qual passa o nordestino. e da mortalidade do homem, entre mentar os que ficam. outros. Neste ano, enfrentamos ín- dices de 50 mm, onde o normal é Diante deste quadro o baiano CONSIDERAÇÕES de 500 mm e 100 mm em regiões enfrenta outras dificuldades. O que chovem 1.000 mm. preço do milho e da soja dupli- FINAIS cou por conta da seca nos Esta- Com a evolução das práticas dos Unidos. O produtor do Sul Seca de 2012, um drama que atin- agronômicas de irrigação, produ- prefere exportar a vender para ge milhões de baianos e produz ção de feno, silo, os recursos de o Nordeste. efeitos devastadores na economia meios de transporte e pelas medi- da atividade de maior geração de das empreendidas pelo governo A Barragem do Sobradinho rece- emprego no país: a agropecuária. do Estado para amenizar os efei- be hoje 800 m³ por segundo e li- O Nordeste brasileiro vive mais tos da seca, a mortalidade animal bera 1.200 m³ por segundo, com uma daquelas secas históricas e não causou o mesmo prejuízo que esse déficit o nível chegou a 25% a Bahia é um dos Estados mais em secas anteriores. de sua capacidade.

48 Afirma-se, com frequência, que o em reservatórios construídos pelo Bahia tem 13 Bacias Hidrográfi- problema do Semiárido não é a DNOCS, no Nordeste, estão loca- cas, sendo a maior delas a Bacia falta de água durante as secas, lizadas no Ceará. do Rio São Francisco, com uma mas a falta de gerenciamento área de 304.421,4 km². Nessa das águas, o que dá a falsa im- Tem se cobrado dos especialis- bacia, encontram-se usinas de pressão de que a seca é uma tas um modelo semelhante ao do grande importância como as de simples questão de gestão das Ceará, que em 1925 tinha a mes- Sobradinho, Paulo Afonso e Itapa- águas (CAMPOS, 1999). Gerir ma quantidade de água armazena- rica. As bacias dos rios Itapicuru, num contexto de incerteza ele- da que a Bahia tem em 2012. Pelo Contas e Paraguaçu destacam-se vada é proporcionar esperança estudo das secas é nítida a confir- por serem exclusivamente baia- sem base sólida, especialmen- mação que o Estado do Nordeste nas. Na última, localiza-se a Bar- te porque a gestão implica em que mais foi assolado pela seca foi ragem de Pedra do Cavalo, res- guardar água para o futuro, com o Ceará. Pelo número de mortos da ponsável pelo abastecimento de alta probabilidade de perdê-la. população, pelas incontáveis per- água de 60% da população de Não se trata apenas de armaze- das agrícolas e pela própria produ- Salvador e Região Metropolitana, nar água em reservatórios, é ne- ção pecuária do Estado, podemos além de Feira de Santana e outras cessário distribuir essa água. O entender o porquê dessas ações. cidades próximas à barragem. Semiárido exige um conjunto de mecanismos para melhor apro- Ora, a Bahia vive uma realidade Mesmo com essa situação privi- veitar as oportunidades hídricas. edafoclimática significativamente legiada, este ano, na Bahia, a es- Inclui desde construção de açu- diferente do Ceará. A Bahia tem tiagem secou barragens, açudes des, integração de bacias, cons- 6% do seu território com 143 mu- e rios, devastou pastos e lavouras trução de poços e cisternas. nicípios inseridos no bioma Mata e provocou escassez de alimento Atlântica; 27,3% com 17 municí- para os rebanhos, que morrem de Observa-se que cerca de 60% pios no Cerrado e 68,7%, sendo inanição e sede. O clima na Bahia das águas públicas armazenadas 257 municípios na Caatinga. A é de apreensão.

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