estudos de cinema

A COMERCIALIZAÇÃO DE UM FILME INTERNACIONAL: CENTRAL DO BRASIL André Piero Gatti *

Resumo Abstract

A obra Central do Brasil é um importante marco na Central Station is a land mark in Brazilian and interna- história do cinema brasileiro e mundial. O presente tional cinema. This work studies the film’s distribution estudo se remete a pesquisar a circulação de Central do in the globalized market. Brasil no âmbito do mercado nacional e internacional.

Palavras-chave Keywords Central do Brasil, Jr., Miramax. Central Station, Walter Salles Jr., Miramax.

De um modo geral, a comercialização A nova realidade da indústria: teoria e prática de filmes brasileiros de longa-metragem, A respeito da ocupação do mercado cinema- notadamente, aquelas obras destinadas às tográfico brasileiro, encontra-se nos textos salas de exibição, ainda carece de estudos do crítico e historiador de Paulo Emilio sistêmicos para que se entenda como a- Salles Gomes um modelo interpretativo que contece a circulação econômica das obras poderia dar conta de tal situação (Gomes, cinematográficas em seu próprio mercado 1980, p.75-78). O crítico entendia a histó- e no mercado externo. Entretanto, sobre ria do cinema brasileiro como a trajetória o mercado local já se nota algum avanço de uma cinematografia que viveu subju- no âmbito acadêmico e não-acadêmico da gada pelo regime de subdesenvolvimento pesquisa. O mesmo não se pode afirmar econômico, estético, cultural e histórico sobre o que de fato acontece com os filmes (1896–1973). Entretanto, a tese de Paulo nacionais no ambiente econômico externo. Emilio, ao tentar entender um filme como Entretanto, sabe-se que o elemento forte da Central do Brasil, se encontra diante de uma cinematografia local nunca foi a inserção questão de complexa problematização e que internacional e mercadológica foge às suas limitações. Isto porque no filme Na primeira fase da Retomada do de Walter Salles as questões do ocupado e cinema brasileiro (1994-2002), detecta-se do ocupante encontram contornos mais sinu- a presença de alguns fenômenos fílmicos osos do que aqueles pensados pelas teorias que alcançaram o mercado de exibição clássicas do subdesenvolvimento cinemato- audiovisual internacional. Entre os filmes gráfico. Isto se deve ao fato de queCentral que obtiveram boa repercussão estão: O do Brasil avançou de maneira significativa quatrilho (Fábio Barreto, 1995) e O que é no mercado mundial de imagens em um isso companheiro? (Bruno Barreto, 1996). momento distinto: economia de mercado Ambos indicados para Oscar de Melhor globalizada. Pois, foi neste momento que o Filme Estrangeiro. Contudo, no seleto mercado de imagens em movimento e sons grupo de filmes “internacionais”, destaca- veio a se caracterizar por uma nova orde- se Central do Brasil (1997), obra dirigida nação no âmbito do capitalismo mundial e co-produzida pelo cineasta Walter Salles contemporâneo. Este que, por sua vez, há Jr. muito vivia os desdobramentos da NDITC,

16 Sessões do imaginário Cinema Cibercultura Tecnologias da Imagem ou seja, da Nova Divisão Internacional do Na comercialização de Central do Trabalho da Cultura, (Miller, 2005, p.124), Brasil, tudo que girou em torno do filme, variável direta da Nova Divisão Internacio- veio a acontecer a despeito de haver uma nal do Trabalho (NDIT). Esta política foi política econômica mais ampla e clara para gerada partir de vários acordos gestados em o setor audiovisual. A situação de uma organismos globais, tais como: Organização indefinição de política de industrialização, das Nações Unidas (ONU), Fundo Mone- seja por parte do Estado, seja por parte do tário Internacional (FMI), Banco Mundial setor cinematográfico e audiovisual, tendia (BM), Organização Mundial do Comércio a fragilizar um projeto de uma industrializa- (OMC), Organização das Nações Unidas ção mais sólida da produção independente para o Desenvolvimento Educacional, Cien- nacional (Gatti, 2005, p. 238). Este cenário tifico e Cultural (UNESCO), Organização de precariedade, por sua vez, abriu flancos Internacional do Trabalho (OIT) etc. para um processo de internacionalização O elemento mais visível da NDITC, da economia cinematográfica brasileira em no campo audiovisual, é o fenômeno que condições bastante desvantajosas. Pois, ficou conhecido como: Global Hollywood, durante muito tempo o ocupante se mostrou cujos efeitos podem ser identificados em intolerante e não permeável ao existente Central do Brasil (Miller, 2005, p. 164). polipólio da produção local (Gomes, 1980, Apesar desta se tratar de uma situação que p. 87). envolve uma série de contradições. A produção e a inserção comercial A concepção do filme: onde tudo começou de Central do Brasil aconteceram em um O primeiro passo concreto para nível global no sistema de difusão audiovi- a realização de Central do Brasil surgiu sual. No que tange ao aspecto da circulação a partir da produção de Socorro Nobre. internacional e nacional do filme, ele abran- Este é um filme documentário de 27 geu praticamente todas as mídias existentes minutos, rodado em 1993, com um novo (TV aberta, pay-per-wiew, homevideo, TV equipamento na época, a câmera Super por assinatura, Internet etc.). No mercado 16mm. O tema da obra recai sobre a figura externo, esta inserção aconteceu, quase de Socorro Nobre. Esta era uma presidiária sempre, tendo a sala de cinema como ponto que manteve longa correspondência com de partida. Fato este que raramente acontece o artista plástico Frans Krajberg e cuja com os filmes brasileiros. Esta inserção, em relação epistolar foi tratada no filme de diferentes territórios e em diferentes mídias, Walter Salles (Nagib, 2002, p. 422). A garantiu uma circulação e uma exposição partir do documentário, o diretor acabou pouco vista por qualquer obra cinematográ- criando o argumento que se transformaria fica produzida em solo brasileiro, seja ela na matéria prima do roteiro de Central recente ou não. do Brasil. O trabalho de roteirização foi A partir de Central do Brasil, o grau realizado por uma jovem dupla de roteiristas, de expectativa da indústria cinematográfica Marcos Bernstein e João Emanuel Carneiro. nacional de inserção no mercado globalizado A viabilização do projeto de Central aumentou consideravelmente (Gatti, 2008, do Brasil contou com uma bem arquitetada p. 237). Ainda que pesem as dificuldades orquestração operacional de interesses. históricas, o produto audiovisual indepen- Estes que giraram primeiro em torno do dente brasileiro passou a ocupar alguns argumento, roteiro e, depois, em torno espaços importantes no disputado mercado da produção do filme propriamente dito. internacional de imagens em movimento. Porém, esta situação foi derivada do fato de que houve um investimento forte no roteiro,

Porto Alegre no 23 agosto 2010 Famecos/PUCRS 17 passando por uma melhor formatação do em cerca de nove semanas de filmagem. projeto do filme e chegando, finalmente, Devido aos seus altos custos para aos processos de finalização. Com este tipo os padrões do cinema nacional, houve de procedimento e planejamento, alguns uma grande operação de financiamento produtores nacionais deram um grande salto em torno Central do Brasil, pois o filme de qualidade técnica que nada deve a outras conseguiu obter apoio das leis de incentivo cinematografias fora do eixo de Hollywood federais: Rouanet e do Audiovisual (Almeida; Butcher, 2003, p. 29). Hoje, ( Arts. 1º e 3º), da Riofilme, além de encontra-se um tipo de pensamento matizado recursos próprios e internacionais que sobre o desenvolvimento da indústria que alimentaram a complicada produção. entende que a produção cinematográfica brasileira acabou materializando um Gênero e influências cinematográficas determinado paradigma para um projeto É possível se identificar o fato de que de industrialização (Gatti, 2005, p. 265). existe um movimento de expansão de O primeiro passo visível da trajetória temáticas e gêneros no seio da produção de Central do Brasil foi a premiação de uma cinematográfica brasileira contemporânea primeira versão do roteiro. O fato aconteceu (Xavier, 2009, p. 109). Neste sentido, a no Sundance Film Festival, em 1996, trajetória do diretor de Central do Brasil quando o texto cinematográfico arrebatou é fundamental, pois indica a busca destes o Prêmio Cinema 100, cujo valor era de novos caminhos para a produção nacional. US$300.000 (Almeida; Butcher, 2003, p. 29). “O cineasta Walter Salles vem a dar uma Por sua vez, a equipe técnica teve um importante guinada ao realizar Central do papel bastante participativo na constituição Brasil, que é claramente um filme de gênero, do filme enquanto um todo. Isto aconteceu no caso: o melodrama” (Xavier, 2002, p. desde um primeiro momento, foi quando 11). A obra se encontra totalmente pautada se partiu para a construção de um roteiro por essa vontade de repor determinados que envolveu novos integrantes, isto para imaginários do cinema brasileiro. Walter que os mesmos pudessem dar continuidade Salles faz isso aclimatando Win Wenders à ideia original de Walter Salles. Depois, ao Brasil, tarefa que ele realizou de maneira deste procedimento interativo que a bem sucedida (Xavier, 2002, p. 10), pois equipe alcançou, houve o planejamento “Central do Brasil é o Alice nas cidades da fotografia, do som, da direção de arte, (1974) brasileiro” (Xavier, 2002, p. 12). da direção de atores e da finalização. Portanto, materializa-se em Walter Salles A produção contava com uma mescla um realizador já experiente e preparado bem equilibrada de talentos nacionais e para a participação no mercado global. estrangeiros, além de novatos e veteranos Apenas, faltava-lhe um filme como na atividade cinematográfica. Esta situação Central do Brasil, que deveria se encontrar deixa bem esclarecida a química que regeu muito bem amparado em todos os seus a realização do filme (Gatti, 2005, p. 242). aspectos. Isto no que diz respeito à sua A obra foi filmada em sequência. Este tipo construção narrativa propriamente dita, de procedimento tende a complicar todo o também, e no que toca ao seu projeto de processo de filmagem. Em função deste inserção mercadológica (Almeida; Butcher, procedimento, a equipe foi obrigada a 2003, p. 29). Walter Salles consolidou um rodar mais de 10 mil quilômetros, passando passo enorme para que Central do Brasil por diferentes estados brasileiros (Rio pudesse se tornar algo significativo em vários de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Ceará). aspectos. Para coroar esta articulação, faltava Esta odisséia cinematográfica foi realizada só a presença de um produtor de peso. O que

18 Sessões do imaginário Cinema Cibercultura Tecnologias da Imagem de fato acabou acontecendo, pois, o produtor qualquer filme, seja ele brasileiro ou não. que se interessou em participar do filme foi o Portanto, trata-se de uma ação particular na oscarizado Gabriel Cohn que ficou bastante comercialização cinematográfica brasileira. impressionado com o roteiro de Walter Este é um dado referencial na Retomada que Salles e companhia (Gatti , 2005, p. 243). Central do Brasil consolidou na indústria. Como Central do Brasil foi intei- Pois, antes da obra ser exibida em território ramente filmado em locação e, ao se pátrio, ela vem do exterior para o Brasil apoiar na fotografia de Walter Carvalho, com toda uma carga de informação e percebe-se que a orquestração da produção expectativas. Esta situação, de certa maneira, do filme teve todos os cuidados formais colocava a película cinematográfica quase necessários, combinando apurado senso de como um filme “importado”, pois tinha o direção artística e capacidade de produção, selo de qualidade da crítica estrangeira. às vezes em condições bastante adversas. Deve-se destacar a seleção do elenco de atores que integraram o filme. Conquistando a Europa e o Novo Mundo O mesmo apresenta um conjunto de Central do Brasil foi selecionado para a intérpretes de primeira linha, sendo este mostra competitiva do Festival Internacional um dos seus principais atributos. Neste de Cinema de Berlim. Aqui o filme setor, além de Fernanda Montenegro, iniciava a sua vitoriosa carreira, pois, contudo, destacou-se a figura do jovem trata-se do primeiro brasileiro a vencer o estreante Vinícius de Oliveira que foi Festival, conquistando o Urso de Ouro, selecionado em teste, onde participaram prêmio de melhor filme, e o Urso de mais de 1.500 candidatos. Destacam-se Prata para a atriz Fernanda Montenegro. outros profissionais, tais como: Marília Pêra, Entretanto, antes mesmo do seu Otávio Augusto, Othon Bastos e Matheus lançamento em território brasileiro e da Nachtergaele. Há também a presença premiação na berlinale, Central do Brasil já de figuras do povo que tributam à obra tinha os seus direitos vendidos mundialmente. uma qualidade de verossimilhança única, Este também se caracteriza como outro fato quando foram utilizados mais de 700 extras. raro até então na cinematografia brasileira. A venda internacional aconteceu quando Distribuição nacional em compasso de ex- pectativas o filme foi apresentando no Festival de Central do Brasil fez a sua estréia em Sundance, onde a Miramax e a Sony Classics território nacional no dia 3 de abril de 1998, foram protagonistas de uma disputa acirrada lançado inicialmente com apenas 36 cópias. pelos direitos de distribuição. Estes que Trata-se de um lançamento, no mínimo, de terminaram sendo divididos entre as duas proporções modestas para os padrões de empresas gigantes da distribuição mundial. comercialização de um filme deste porte. A Sony ficou com o lançamento nos Estados A comercialização estava inicialmente Unidos e no Canadá, e a Miramax com comprometida com a Riofilme, a qual veio a Europa e América Latina, via Buena a se associar a outra distribuidora, a empresa Vista, braço de distribuição da corporação Severiano Ribeiro Distribuição (SRD). Disney (Almeida; Butcher, 2003, p. 20). A estratégia de lançamento acabou sendo A premiação berlinense ajudou comandada pelo distribuidor-convidado apenas a alavancar uma enorme divulgação Bruno Wainer (Saraiva, 1999, p. 13) que nacional e internacional, de maneira veio a optar por um lançamento cauteloso. simultânea, a um custo muito próximo de Bruno Wainer assumiu a tarefa de zero. Por outro lado, este tipo de situação distribuir o filme em novembro de 1997, tende a otimizar a expansão e a recepção de

Porto Alegre no 23 agosto 2010 Famecos/PUCRS 19 quando já havia uma estratégia pensada espectadores ao cinema, isto na primeira anteriormente. A ideia original foi de lançar fase de lançamento (Gatti, 2005, p. 240). Central do Brasil em seguida a exibição do O resultado final pode ser considerado filme no Festival de Sundance, em janeiro como bastante satisfatório para os envolvidos de 1998, para aproveitar a repercussão no projeto (Gatti, 2005, p. 254). Mas, com desta exibição junto à mídia. Entretanto, certeza, os resultados foram um pouco quando Bruno Wainer entrou em contato aquém da capacidade econômica do próprio com a obra, ele logo teve a certeza de estar filme. Isto pode ser constatado através dos diante do filme brasileiro mais importante resultados internacionais que Central do daquele momento (Gatti, 2005, p. 256). Brasil veio a alcançar. Fato este que acabaria O distribuidor percebeu que havia ali um lhe garantindo uma boa carreira comercial. grande potencial. Era preciso vencer alguns A estratégia de lançamento de obstáculos, quebrar o preconceito do público Central do Brasil foi certamente cercada e dos exibidores em relação ao tema do filme. de prudência, de tal maneira, que o filme Ao que tudo indica, as sugestões de Wainer acabou sendo oferecido ao exibidor à acabaram sendo aceitas pelos produtores. O medida que o público se mostrava em franca resultado do processo foi uma readequação expansão. O número de cópias cresceu até do projeto original. O distribuidor agiu para atingir 70 salas simultaneamente. Enquanto, que pudesse ter a oportunidade de acumular o investimento em comercialização girou um maior conhecimento do terreno onde em torno de R$ 750 mil (Calil, 1999, p. estava pisando. O que pode ser percebido 99). Este valor envolveu desembolso e pelo adiamento da data de lançamento de permuta com a televisão, o que assegurou janeiro para abril. Isto porque janeiro é a ao filme uma divulgação sustentada pela época de filmes de férias e fevereiro e março excelente recepção popular (Calil, 1999, são meses dominados pelos filmes que p. 98). Após sete meses de exibição, concorrem ao Oscar. Além disso, foi feito Central do Brasil chegaria a uma cifra de um intenso trabalho de divulgação boca à 1.300.000 espectadores, o que permitiu boca do filme, através de pré-estréias pelas alcançar uma renda aproximada de R$ 7 principais praças do País (Gatti, 2005, p. 257). milhões (Gatti, 2005, p. 256). Todavia, É claro que foi dada uma ênfase haverá uma segunda fase em função do especial no circuito de exibição no eixo espaço conseguido no âmbito internacional. Rio-São Paulo. Portanto, antes de vender o seu primeiro ingresso, Central do Brasil Oscar e Central do Brasil: produção x re- já havia sido visto por mais 50 mil pessoas. ceita de bilheteria Além disso, foi feita também uma intensa A receital de Central do Brasil divulgação, através de assessoria de imprensa, viria a ser engordada no ano de 1999, isto que alimentava diariamente o noticiário por ocasião do seu relançamento, isto após (Gatti, 2005, p. 259). Ao ser lançado, no a indicação para a disputa do Oscar de seu primeiro final de semana de exibição, melhor filme estrangeiro e atriz. O tamanho comprovaram-se algumas expectativas e do empenho deste relançamento foi de o real interesse do público pela obra. Pois, um maior fôlego do que por ocasião do foi quando cerca de 70 mil pessoas pagaram lançamento original. Isto tanto é verdade para ver o filme. O que indicava uma que apenas na cidade de São Paulo o filme excelente média de espectadores por cópia retornou ao circuito em 20 salas, no dia 6 lançada. Central do Brasil veio a ultrapassar de fevereiro (Gatti, 2005, p. 259). Nesta todas as melhores expectativas, levando etapa da comercialização, o número de um público de um milhão e duzentos mil cópias em circulação chegaria a 80, na sua

20 Sessões do imaginário Cinema Cibercultura Tecnologias da Imagem oitava semana em cartaz, Central do Brasil financiamento que exatamente tenha na sua ainda se mantinha com 54 películas em raiz uma proposta de reinversão de capitais exibição. Ao fim de sua carreira comercial aplicados na produção dos filmes. Isto porque no País, a película de Walter Salles faria um em muitos casos, os recursos oriundos público total de 1.593.367 e uma receita de das leis de incentivo são, praticamente, a R$ 7.666.835,00. O número de 101 cópias fundo perdido. Portanto, a esta obra deve chegou a se encontrar em exibição, quase ser tributado o mérito de que o filme foi o o triplo das cópias utilizadas no primeiro responsável pela recolocação da produção momento da distribuição comercial. Em cinematográfica nacional no mercado termos econômicos, deve-se ressaltar o de imagens em movimento, alcançando fato de que as indicações de Central Brasil uma respeitabilidade raramente vista. De para o Oscar encontraram reflexos óbvios acordo com o Relatório de Atividades do no seu desempenho no ambiente cultural MinC/SDAv (1995-2000), o filme tinha um e cinematográfico brasileiro. No caso de orçamento estimado em R$ 5.842.733,00 Central do Brasil, as duas indicações que ou US$ 4.996.352,99, valores sem correção valeram para a reestréia do filme nas salas, de inflação. Os produtores de Central do também serviram de arma publicitária Brasil efetivamente captaram através de leis para a exibição na Rede Globo. Esta que federais de incentivo um valor total de US$ anunciava que iria exibir a fita duas semanas 3.995.027,70 (Art. 1º US$ 1.913.672,21 e após a cerimônia do Oscar (Calil, 1999, p. Art. 3º, US$ 299.145,29). Com recursos 103). O fato certamente contribuiu para que da Lei Rouanet, alcançou-se mais US$ o relançamento nas salas de cinema não 1.782.210,20. Os outros recursos foram fosse mais auspicioso (Gatti, 2005, p. 260). conseguidos através de vários mecanismos No que se refere a circulação da obra de financiamento, como o prêmio do em outros meios como o homevideo, é sabido Festival de Sundance, capital dos próprios que Central do Brasil foi primeiramente produtores e investimento direto da Riofilme. distribuído no sistema analógico (VHS), Os custos de produção e de lançamen- em 1999, pela distribuidora Europa- to do filme superaram a reinversão total Marcondes. Somente em 2000, o filme da bilheteria das salas de cinema em viria a ser distribuído no sistema digital solo brasileiro. Claro que os mercados (DVD). Ainda é possível se encontrar auxiliares (homevideo, TV etc.) ajudaram cópias do filme em DVD à venda, pois a manter um certo equilíbrio nas contas. a Videofilmes continua distribuindo a Entretanto, estas só viriam acontecer com obra nas casas especializadas. Este é um o retrospecto que o filme viria a obter no caso raro de verticalização audiovisual na mercado internacional cinematográfico. Retomada. Esta é a carreira mais longa de comercialização de um filme brasileiro Central do Brasil e suas conquistas de no mercado de homevideo nacional. crítica Entende-se que o custo de Central do A carreira internacional de Central do Brasil é um dos poucos casos, do período da Brasil foi algo inusitado para os padrões Retomada, em que este problema econômico do cinema brasileiro. Isto tanto é verdade poderia ser considerado aquele de menor que no dia 08 de fevereiro de 1999, o filme relevância. O mesmo não pode ser dito recebeu, em Nova York, entregue pela sobre a maioria dos filmes recentemente National Board of Review (Associação produzidos. Afinal, o sistema de incentivos Americana de Críticos de Cinema), os fiscais que sustenta a indústria do audiovisual prêmios de melhor filme estrangeiro e de independente não se trata de um esquema de melhor atriz para Fernanda Montenegro.

Porto Alegre no 23 agosto 2010 Famecos/PUCRS 21 A condição de filme premiados Sabe-se que a repercussão destes em festivais internacionais e também importantes prêmios será logo percebida o fato de ter sido agraciado com várias na carreira do diretor. Pois, ele logo terá láureas em escrutínios de associações de a oportunidade de dirigir produções e críticos prêmios, conferem a Central do co-produções internacionais, como foram Brasil uma trajetória praticamente única os casos de: O primeiro dia (c/d. Daniela na história recente do cinema brasileiro. Thomas, 2000), Abril despedaçado (2001), A Tabela abaixo descreve o percurso Diários da motocicleta (2004), Dark water vitorioso de crítica alcançado pelo filme. (2005), Paris, te amo (Diversos, 2006), No circuito internacional e nacional Cada um com seu cinema (Diversos, 2007), de láureas cinematográficas, Central do Stories on human rights (Diversos, 2008) e Brasil acabou arrebatando no total mais de Linha de passe (c/d. , 2008). 50 prêmios e indicações importantes. Este fato tornou o filme um fenômeno digno de Mercado externo é o novo foco nota, isto no aspecto cultural do mercado. Nos Estados Unidos, enquanto aconteciam

Tabela 1. Principais Prêmios e Indicações Internacionais de Central do Brasil (1996-1999)

Fontes: Filmes brasileiros de longa-metragem no exterior (1950-1999), Enciclopédia do cinema brasileiro, O cinema da retomada, Cinema desenvolvimento e mercado. Elaboração: Autor

22 Sessões do imaginário Cinema Cibercultura Tecnologias da Imagem as especulações e indicações para o Os- estadunidense, o filme ficou, entre os bra- car, a bilheteria do filme ultrapassou rapi- sileiros, apenas na terceira colocação entre damente o emblemático número de US$ os mais cotados (Johnson, 2010, p. 141). 1 milhão, isto pouco antes da premiação. Logo a renda do filme saltou para US$ 1,5 Trajetória comercial na Europa e em outros milhão quando houve um faturamento de mercados US$ 209 mil apenas num fim de semana, Central do Brasil teve uma pré-estréia sendo que a expectativa girava em torno bastante concorrida na França, em Paris, de US$ 140 mil (Calil, 1999, p. 112). As onde foi aplaudido pelo público de pé no indicações para o Oscar tiveram seus efei- Teatro Marigny. Estavam presentes nesta tos e repercutiriam de forma positiva nas sessão, além do diretor Walter Salles Jr., bilheterias dos EUA, a exemplo do que a- o ex-ministro da cultura Jacques Lang, a conteceu no Brasil. Houve uma ampliação atriz Cristina Reali, o diretor Patrice La- do número de salas, de 37 para 93 cinemas, conte etc. (Gatti, 2005, p. 260). O jornal Le fazendo com que a renda subisse de US$ Monde promoveu para os seus assinantes 2,2 milhões para US$ 3 milhões, o equi- uma pré-estréia. Na semana seguinte, o valente a 550 mil espectadores. O investi- filme seria tema do caderno de cultura do mento da Sony Classics para o lançamento diário (Gatti, 2005, p. 260). O filme logo nos EUA foi da ordem de US$ 1,5 milhão se tornou um sucesso de público na França, de dólares e acabou surtindo o efeito dese- em apenas três dias de exibição, atraiu 42 jado. Logo, a bilheteria iria alcançar a ex- mil espectadores. Estes que prestigiaram pressiva marca de US$ 5 milhões, o que as 82 cópias espalhadas pelo país. Somente representava um público em torno de 1 em Paris, a produção franco-brasileira ocu- milhão de espectadores. Um desempenho pou 14 cinemas. “A tal ponto que qualquer bastante surpreendente para um filme local pessoa minimamente interessada em ci- que, ainda, continuou em cartaz em 87 ci- nema, em qualquer lugar do mundo hoje, já nemas americanos, no momento da premi- tenha visto o filme” (Xavier, 2002, p. 14). ação (Calil, 1999, p. 113). “Só para se ter uma ideia, 300 mil pessoas Nos EUA, Central do Brasil foi na região parisiense viram o filme, isso é exemplar, pois até o final da sua carreira um fenômeno de mercado”(Xavier, 2002, em salas comerciais, o filme conseguiu ar- p. 14). Então, rapidamente “a obra bateu rastar 1.300.000 espectadores ao cinema, a marca de meio milhão de espectadores.” arrecadando US$ 6,5 milhões nas bilheteri- (Xavier, 2002, p. 15). Tendo em vista os as. Estes patamares de mercado alcançados números apresentados, proporcionalmente, por Central do Brasil são dignos de nota, Central do Brasil na França foi muito mais pois é único na circulação de uma obra cin- visto do que no Brasil. ematográfica brasileira no mercado dos Es- Central do Brasil viria a ser lança- tados Unidos da América, até então. O que do em mais três países: Itália, Alemanha e ajudou nesta circulação foi o número de Suíça. A obra logrou um feito raro que “é salas de arte que têm aumentado significa- o fato de que o filme se transformou em tivamente nos EUA e a estratégia da Sony um fenômeno de mercado internacional” que soube colocou o filme nas praças do (Xavier, 2002, p. 16). Portanto, o feito al- território estadunidense. cançado por Walter Salles e equipe, em No ranking norte-americano, Cen- termos de mercado internacional, é algo tral do Brasil foi a 45ª maior bilheteria que pode ser considerado como impressio- de um filme estrangeiro, isto nos últimos nante. quinze anos. No que diz respeito à crítica No Reino Unido, Central do Brasil

Porto Alegre no 23 agosto 2010 Famecos/PUCRS 23 estreou no dia 12 de março (1999), em 20 les praticados pela média dos filmes bra- salas, aparecendo como a segunda escolha sileiros. Historicamente, o pesquisador na lista dos dez mais recomendados pela se encontra diante de uma nova realidade “Time out”. Alguns mercados menores econômica, esta que, por sua vez, vem a se também acabaram dando fôlego às ven- amparar em um novo projeto de inserção das do filme. A Tabela abaixo descreve o no campo da circulação da mercadoria au- desenvolvimento do filme em alguns mer- diovisual nos mercados nacionais e interna- cados. cionais da produção contemporânea. Onde A conclusão que pode chegar é as empresas que controlam a circulação das que as receitas das salas de exibição alia- obras das cinematografias hegemônicas, das às vendas para outros meios de difusão também, vieram a avançar seus domíni- conferem a Central do Brasil um patamar os sobre as produções feitas localmente. de negociação e lucros bem acima daque- Tabela 2. Central do Brasil no Mercado Interancional Cinematográfico (1999)

(*) Estimativa Fonte: ‘Nas telas do mundo’, O estado de S. Paulo, 1º set., 1999, p. D-10, com dados do autor. Elaboração: Autor

24 Sessões do imaginário Cinema Cibercultura Tecnologias da Imagem NOTAS MAXWELL, Richard; WANG, Ting. Global Ho- lywood 2. London: British Film Institute, 2005. * Professor do Programa de Pós-Graduação em Comu- nicação da Universidade Anhembi-Morumbi. E-mail: NAGIB, Lucia. O cinema da retomada: 90 cin- [email protected] eastas dos anos 90. São Paulo: Editora 34, 2002.

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