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JORNAL SEMANAL DA 28ª BIENAL DE SÃO PAULO

sexta-feira 31.10.2008

No ritmo das imagens em movimento, a Bienal de São Paulo chega a sua segunda semana propondo novos modos para assistir, ouvir e dançar a arte FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO PARCEIROS DA 28ª BIENAL DE SÃO PAULO Francisco Matarazzo Sobrinho (1898–1977) Presidente perpétuo [Partners Of The 28th Bienal De São Paulo] CONSELHO HONORÁRIO Oscar P. Landmann † Presidente Membros do Conselho Honorário Alex Periscinoto, Carlos Bratke, Celso Neves †, , Jorge Eduardo Stockler, Jorge Wilheim, Julio Landmann, Luiz Diederichsen Villares, Luiz Fernando Rodrigues Alves †, Maria Rodrigues Alves †, Oscar P. Landmann †, Roberto Muylaert CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO Miguel Alves Pereira Presidente Elizabeth Machado Vice-presidente Membros Vitalícios Benedito José Soares de Mello Pati, Ernst Guenther Lipkau, Giannandrea Matarazzo, Gilberto Chateaubriand, Hélène Matarazzo, João de Scantimburgo, Jorge Wilheim, Manoel Ferraz Whitaker Salles, Pedro Franco Piva, Roberto Duailibi, Roberto Pinto de Souza, Rubens J. Mattos Cunha Lima, Sábato Antonio Magaldi, Sebastião de Almeida Prado Sampaio, Thomaz Farkas Membros Adolpho Leirner, Alberto Emmanuel Whitaker, Alex Periscinoto, Aluizio Rebello de Araújo, Álvaro Augusto Vidigal, Angelo Andrea Matarazzo, Antonio Bias Bueno Guillon, Antonio Henrique Cunha Bueno, Arnoldo Wald Filho, Áureo Bonilha, Beatriz Pimenta Camargo, Beno Suchodolski, Carlos Alberto Frederico, Carlos Bratke, Carlos Francisco Bandeira Lins, Cesar Giobbi, David Feffer, Decio Tozzi, Eleonora Rosset, Elizabeth Machado, Emanoel Alves de Araújo, Evelyn Ioschpe, Fábio Magalhães, Fernando Greiber, Gian Carlo Gasperini, Gustavo Halbreich, Jens Olesen, Julio Landmann, Manoel Francisco Pires da Costa, Marcos Arbaitman, Maria Ignez Corrêa da Costa Barbosa, Miguel Alves Pereira, Pedro Aranha Corrêa do Lago, Pedro Cury, Pedro Paulo de Sena Madureira, René Parrini, Roberto Muylaert, Rubens Murillo Marques, Rubens Ricupero, Wolfgang Sauer DIRETORIA EXECUTIVA Manoel Francisco Pires da Costa Presidente Eleonora Rosset Vice-presidente Álvaro Luis Afonso Simões Diretor Dráusio Barreto Diretor Diretores Representantes Embaixador Celso Amorim Ministro das Relações Exteriores João Luiz Silva Ferreira (Juca Ferreira) Ministro da Cultura João Sayad Secretário de Estado da Cultura Carlos Augusto Calil Secretário Municipal de Cultura ADMINISTRAÇÃO Flávio Camargo Bartalotti Diretor administrativo financeiro Maria Rita Marinho Gerência geral Maurício Marques Netto Gerência de Controle e Contabilidade Kátia Marli Silveira Marante Gerência financeira Mário Rodrigues Gerência de Recursos Humanos e Manutenção COORDENAÇÃO DE PROJETOS ESPECIAIS Alessandra Effori ARQUIVO HISTÓRICO WANDA SVEVO Adriana Villela CURADORIA E PRODUÇÃO APOIO INTERNACIONAL [International Support] Jacopo Crivelli Visconti Curador Vânia Mamede C. de Shiroma Coordenadora de produção Angélica Lima, Érika Fromm, Liliane Fratto, Mônica Shiroma de Carvalho, Rinaldo Quinaglia, Waléria Dias Equipe de produção Ana Elisa de Carvalho Silva, Diana Dobranszky Coordenação editorial

28ª BIENAL DE SÃO PAULO CURADORIA Ivo Mesquita Curador-chefe Ana Paula Cohen Curadora-adjunta Bartolomeo Gelpi, Fernanda D’Agostino Dias, Giancarlo Hannud Assistentes curatoriais Carolina Coelho Soares, Laura de Souza Cury, Thiago Gil de Oliveira Virava Pesquisadores A realização do jornal 28b foi possível graças ao apoio da American Center Foundation ARQUITETURA The newspaper 28b is made possible with the generous Felippe Crescenti, Pedro Mendes da Rocha Projeto expográfico support of the American Center Foundation DESENVOLVIMENTO DE ESTRUTURAS EXPOSITIVAS DO 3º ANDAR Gabriel Sierra IDENTIDADE VISUAL Daniel Trench, Elaine Ramos, Flávia Castanheira apoio institucional [Institutional Support] VIDEO LOUNGE Wagner Morales Curador Isabel García, Maarten Bertheux Curadores convidados Carlos Farinha, Clarice Reichstul Curadores colaboradores Clara Ramos Produção Conferências Luisa Duarte Coordenadora-geral Dulce Maltez Coordenadora de produção WEBSITE Tecnopop

JORNAL 28b Marcelo Rezende Editor-chefe Ana Manfrinatto Editora-assistente Eduarda Porto de Souza, Isabela Andersen Barta Repórteres Projeto Gráfico Angela Detanico Esse projeto foi realizado com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo - Programa de Ação Cultural - 2008 Rafael Lain Diagramação e Direção de Arte Carla Castilho Lia Assumpção Iná Petersen Assistente de arte Claudia Fidelis Tratamento de imagem André Mariano, Marília Ferrari Estagiários Documentação Fotográfica Amilcar Packer Editor e fotógrafo Rogério Canella Editor-assistente Alexandre Schneider, Autumn Sonichsen, Esther Varella, Maurício Reugenberg, Patrícia Stavis, Tuca Vieira Fotógrafos Este impresso possui PARCEIRO Tradução a certificação FSC Henrik Carbonnier Revisão Todotipo Editorial (português) e Anthony Doyle (inglês) Redação Pavilhão Ciccillo Matarazzo, Parque do Ibirapuera, Portão 3, CEP 04094-000, São Paulo, SP Brasil (55 11) 5576-7600 Publicação METRO capa: performance do grupo Fischerspooner_foto Autumn Sonnichsen editorial: foto Amilcar Packer EDITO Está tudo bem. RI E pronto Uma semana de 28ª Bienal de São Paulo, e o resumo dos acontecimentos poderia ser feito AL a partir de um raciocínio matemático. São sete dias a menos e incontáveis experiências a mais: atividade, festa, surpresa, passeio, arte, reflexão e uma noite de confronto, na qual o espaço do 2º andar do Pavilhão foi tomado pela ação de pichadores, originando violência e inúmeras imagens de apelo midiático exibidas rapidamente por jornais, TVs e internet. A questão aqui é pensar não apenas o significado desse fato, mas, também, a natureza dessas imagens.

O cineasta Jean-Luc Godard, na década de 70, passava da teoria à prática. Isto é, tentava criar uma alternativa para todas as armadilhas, envolvendo arte, política e representação da realidade, e fazendo filmes e projetos para a TV nos quais propunha se voltar para o Outro (palestinos, operários, crianças, imigrantes, classes sociais economicamente excluídas), mas sabendo que é impossível falar em nome dele. É possível o combater, o anular, o destruir; e ainda o apoiar, o celebrar, se engajar ao lado dele. Mas isso significa de fato entender a dimensão do problema proposto pelas imagens feitas a partir desse mesmo Outro? “Se pensa que podemos ouvir diretamente o que eles têm a dizer, imaginando que foram privados de comunicação durante muito tempo, e que podemos ser úteis a eles, sem problema. E para nós há, sim, um problema. Fazemos um filme imaginando estar ‘a serviço de’, mas estamos fazendo um filme contra, e não nos damos conta disso.” Esse é Godard em 1972, falando para a TV e lembrando aos telespectadores duas verdades muitas vezes esquecidas: nada é tão simples, raramente é o que parece, e sem o contexto tudo se dissolve em um oceano de opiniões emocionais.

Godard é peça central na programação do Video Lounge, espaço no Pavilhão da Bienal onde são exibidos trabalhos realizados por diferentes gerações de artistas, cineastas, documentaristas, profissionais da imagem de todas as ordens. Em toda essa produção, os visitantes da 28ª Bienal assistem ao resultado das propostas mais variadas, e em muitos casos estimulados por uma mesma indagação sobre o que significa um gesto político, de que modo ele pode ser entendido ou executado. E qual o lugar ocupado pelas imagens ao longo de todo esse processo.

Agora, entre as cenas da performance do grupo Fischerspooner e o Pavilhão tomado por visitantes descobrindo o pensamento do artista Carsten Höller sobre a situação humana por meio de seu “escorregador”, há a imagem da Planta Livre (o 2º andar do Pavilhão), com pichações, agressões, vandalismo, destruição e presença policial, como um instantâneo da cidade de São Paulo em seus momentos mais tensos. De que modo se relacionar com essas imagens? Há a adesão simples – ver a invasão do andar vazio como um “gesto artístico”, sem perceber a contradição desse gesto, repetindo aquilo mesmo que pretensamente critica: o uso do Outro em nome de uma afirmação pessoal, e não social, resultado do egocentrismo autoritário — ou a repressão igualmente autoritária, que ignora o modo como a cidade, as instituições e o corpo da sociedade se organizam, não reconhecendo o atrito gerado por essa mesma organização.

Entre um lado e outro, o 28b se volta para o discurso do cineasta e sua agitação exibida no Video Lounge: “E, para concluir, eu desejo dizer que o país não está ameaçado de nenhum ato de subversão, de nenhuma volta ao estado antigo, corrupção, terror ou subversão, (...) de forma que essas provocações à esquerda e à direita pertencem ao velho tempo (...). Então tudo bem. E pronto”.

Marcelo Rezende editor-chefe Em plen0 convívio

Abertura oficial, performance, experiências com as obras e uma nova relação com o espaço na 28ª Bienal de São Paulo em seus dois primeiros dias

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1_Performance do grupo Fischerspooner

2_Sob a obra do artista Mircea Cantor, “Airports and Angels”, a conversa de visitantes

3_Detalhe de “MIT Project”, de Matt Mullican

4_Esculturas sonoras de O Grivo

fotos Amilcar Packer

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5_Obra de Leya Mira Brander vista pelo público

6_Um passeio pela Praça, no Pavilhão da Bienal

7_Um visitante chega ao térreo pela obra “Valerio Sister”, de Carsten Höller

8_Visão do projeto “Eighteen Hundred Drawings”, de Allan McCollum

9_Autoridades na solenidade de abertura da 28ª Bienal

fotos Amilcar Packer

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1_Projeto do artista brasileiro 1 Rubens Mano, “Está tudo bem”

2_Visão do trabalho de João Modé, sem título

3_Cena de um registro da instalação “Video Portrait Gallery”, de Marina Abramović

4_Ao fundo, “Visión de lª pintura occidental”, de Fernando Bryce

5_Detalhe de “Daily Bread”, de Joe Sheehan

6_“Reação em cadeia com efeito variável”, de Carla Zaccagnini

fotos Amilcar Packer

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28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 6 Ivaldo Bertazzo, Weightless Days VOCÊ e o coletivo avaf propõem diferentes experiências ESTÁ com o público, como a dança CONVIDADO e a vibração de uma festa Por Eduarda Porto de Souza

O corpo presente, o convívio, o encontro, o som e o movimento. Diferentes projetos se integram na 28ª Bienal, promovendo experiências artísticas pensadas a partir da produção musical e da dança. O coreógrafo Ivaldo Bertazzo traz sua Escola ivaldo bertazzo do Movimento para a Praça, Bertazzo oferece até o fim do evento aulas gratuitas de dança para todos no Pavilhão os interessados. “É um trabalho que contempla como fazer as pessoas se da Bienal. apropriarem mais de espaços culturais. Quero tirar o rigor elitista do espaço O projeto da Bienal”, afirma o coreógrafo. “A separação entre o erudito da elite e o “Weightless artístico é muito importante para mim. Me interessa que o cidadão se aproxime Days” chega ao cada vez mais de ações artísticas que vão transformar a visão da cidade, e Brasil, após é com isso que eu quero trabalhar”, diz Bertazzo ao ser indagado sobre sua ter passado por primeira participação em uma Bienal de São Paulo e sobre o que seu trabalho Paris e Osaka, artístico pode trazer enquanto o ao evento. “O cotidiano coletivo avaf da cidade massacra. WEIGHTLESS DAYS Como podemos vê-lo Angela Detanico e Rafael Lain em parceria com Takeshi Yazaki, faz da festa uma com outro aspecto, Megumi Matsumoto e Dennis McNulty ferramenta para outras cores? Quanto “detonar” uma mais você se apropria Angela Detanico e Rafael Lain (também criadores do projeto relação com o de um espaço, mais gráfico deste jornal, 28b) começaram a trabalhar em parceria público. contemporaneidade com o coreógrafo japonês Takeshi Yazaki em 2004. Em seguida, injeta nele.” ao trio se juntou a também coreógrafa Megumi Matsumoto. Durante a 26ª Bienal de São Paulo, em que Angela e Lain participaram como artistas convidados, os dois conheceram o irlandês Dennis McNulty, também integrante da mostra. avaf Estava formado o quinteto – McNulty cuida da parte sonora do projeto “Weightless O avaf é um coletivo formado por brasileiros e integrantes de diferentes Days” (Dias sem gravidade). nacionalidades. O avaf encerra o programa de atividades da 28ª Bienal, em 6 de dezembro. “Nossa apresentação vai beirar uma homenagem ao submundo de São Paulo”, “Começamos trabalhando em Paris em um diz o artista Eli Sudbrack, um de seus componentes. Transexualismo, explosões, estúdio do Centre National de la Danse destruição, transformação e festa são palavras centrais do trabalho a ser (CND), em 2005”, diz Angela. Outras sessões apresentado. “É inevitável interagir com a arquitetura de , mas o que de trabalho reuniram o grupo na França, mais nos interessa é a idéia dos pilotis.” Para sustentar essa intenção está sendo onde a peça estreou em 2006. Um ano depois, planejada uma estrutura modular, com andaimes de madeira que se expandem desde o “Weightless Days” foi apresentado em palco, a fim de que as pessoas possam subir e ver a Bienal de outras perspectivas. Osaka, no Japão. Agora, no Brasil. “O mais “A verdade é que a festa é uma ferramenta para nós”, diz ele. “O público faz o importante nessa história é a construção trabalho em conjunto, e percebemos que fazia muito sentido ‘detonar’ isso por meio que fizemos e continuamos fazendo juntos. de uma festa. Tudo começou com a exposição ‘Ecstasy’ no Museu de Arte Contemporânea Nossa parte foi pensar um espaço de dança (MoCA) de Los Angeles (2006), numa exposição na qual falávamos sobre os direitos para eles”, contam Angela e Lain. gays nos Estados Unidos. Toda essa história foi embalada pela disco music, e formou-se uma comunidade que luta pela igualdade. No caso desta Bienal, o objetivo “Weightless Days” funciona da seguinte acontece no final. Chegamos ao ápice destacando a desvalorização das bienais no forma: Angela e Lain assinam as animações, mundo. Tudo é simbólico, também, da destruição dos valores das cidades”. que são acionadas ao vivo e projetadas sobre o palco. Alternando entre preto e branco, formas simples como discos de luz e sombra desenham o espaço, que é ocupado pela coreografia. “Ao redesenhar o palco, sugerimos novos movimentos para eles.” A trilha é executada ao vivo por Dennis McNulty, que combina sons pré-gravados em seu computador, como folhas secas sendo amassadas, notas de piano, passos e outros Confira a programação da 28ª Bienal na pág.24. sons ambientes.

28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 7 Em filmes, registros de

O cineasta performances, programas Glauber Rocha nos amos 70 de TV e vídeos musicais,

foto Agência Estado o Video Lounge propõe a construção O ano é 1979, e o cineasta brasileiro Glauber Rocha não está atrás, e sim diante da de um câmera. Ele diz “boa noite”, mas há a claridade do dia. Ao fundo, folhagens verdes e uma criança loira no colo de uma mulher negra. Perto de sua boca, um microfone pensamento jamais inerte. Enquanto fala, gesticula com a folha de jornal na mão (a camisa SESSÃO com os três primeiros botões abertos), e o tom de sua fala mistura indignação, sobre as irritação e energia. Um outro homem aparece no quadro, é a ele que Glauber se imagens dirige: “Severino, o problema é o seguinte: vamos falar de outro assunto importante, é preciso falar um pouco de cultura, porque o povo brasileiro é analfabeto, mesmo os DAS 28 intelectuais são analfabetos”. Depois de discursar sobre o escritor José de Alencar e a literatura do século 19, a seqüência chega ao final: “E, para concluir, eu desejo dizer aos extremistas que as greves são coisas normais, que o país não está ameaçado de nenhum ato de subversão, de nenhuma volta ao estado antigo, corrupção, terror ou subversão (...) de forma que essas provocações à esquerda A proposta não é apenas apresentar obras históricas nas relações construídas entre e à direita pertencem ao velho tempo (...). Então arte, cinema, vídeo e TV desde o final dos anos 50, mas criar um campo no qual se tudo bem, boa noite. E pronto”. estabeleça, para o público, uma caixa de ressonância em relação a toda a 28ª Bienal, tanto no que refere aos artistas participantes quanto às questões apresentadas pelo Esse é um dos momentos do programa “Abertura”, projeto curatorial “em vivo contato”. São quatro linhas temáticas: “Telepresença”, exibido na extinta rede Tupi de televisão e que “Ação da música”, “Diariamente (vida real): Pessoas e lugares” e “Performance”. integra a programação do Video Lounge, promovido pela Segundo Morales, “todas as quatro linhas temáticas procuram trazer ao público 28ª Bienal. Mais do que o espaço inserido no Pavilhão panoramas possíveis nos quais, evitando o didatismo fácil, podemos perceber como para exibir filmes e vídeos, o projeto é uma ação os trabalhos escapam de classificações rígidas. O próprio espaço físico onde estão conceitual a partir de sua definição, como explica os ‘nichos’, com os sofás e os televisores, evidencia isso, essa característica o artista Wagner Morales, responsável pela curadoria que é própria das artes visuais: um documentário que também é o registro de uma dos trabalhos exibidos – ao lado dos curadores performance, um videoclipe que pode ser visto como filme experimental, um programa convidados, Isabel García e Maarten Bertheux, e dos de TV que mais parece videoarte ou manifesto político”. colaboradores Carlos Farinha e Clarice Reichstul: “O termo lounge nos remete a espaços de conforto, O Video Lounge coloca o visitante da 28ª Bienal diante de trabalhos e reflexões descontração e até, a um certo estilo musical. sobre a política das imagens, a tecnologia, a documentação da realidade e a No entanto, existem outras relações possíveis a comunicação que têm ocupado a produção cinematográfica e artística contemporâneas, serem consideradas no nosso caso: encontro, pausa, evidenciando de que modo esses dois campos foram se aproximando, sobretudo a partir reflexão, flerte. É nesse universo que o Video Lounge do trabalho do cineasta Jean-Luc Godard e Anne-Marie Miéville na produtora Sonimage, se insere. A proposta é, com uma extensa programação nos anos 70. de vídeos e filmes, estimular e possibilitar a construção de um pensamento sobre o que se vê ali, O Video Lounge exibe o projeto “Six fois deux” (1976), no qual Godard e Miéville nos trabalhos mostrados nos monitores de plasma e na fazem uso dos equipamentos mais leves (de TV), criando “programas” sobre desemprego, Bienal como um todo”, diz Morales. montagem, jornalismo, fotografia, infância e amor. Godard se apressava em colocar em ação um pensamento originado a partir das ações revolucionárias de Maio de 68 (Glauber Rocha aparece em um filme de Godard no período, “Le Vent d’est”, de 1969): a idéia de que apenas uma imagem pode fazer a crítica de uma imagem. Ou, como na fórmula consagrada por ele, “é preciso confrontar as idéias vagas com as imagens claras”. “Desde os anos 60, as artes visuais se situam em um fogo cruzado de influências, dialogando com o cinema, a televisão, a música, o teatro e as ciências humanas. E, de alguma maneira, esse fogo cruzado se faz presente na programação do Video Lounge”, diz Morales. Essa conversação intensa, estética, política e experimental é o que estará disposto diante dos olhos dos visitantes.

Confira a programação do Video Lounge na pág.24.

28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 8 UMA LIMITADA SENSIBILIDADE

Jean-Luc Godard e

Anne-Marie Miéville em cena de “Soft and Por Isabela Andersen Barta Hard (Soft Talk on a Hard Subject Between O norte-americano Jonathan Rosenbaum possui uma trajetória notável na Two Friends)”, de 1985 imprensa dedicada ao cinema. Seus artigos são publicados nas revistas Cahiers du Cinéma (França) e Film Comment (Estados Unidos), e ele é autor de ensaios sobre os cineastas Jean-Luc Godard, Abbas Kiarostami foto Divulgação e Orson Welles. Aos 65 anos, Rosenbaum colabora também com a nova- iorquina Artforum, em artigos que 28b Durante décadas houve uma produção chamada de “cinema de arte”, expressão relacionam a que servia para qualificar diretores-autores. Hoje há uma produção de arte produção de imagens contemporânea que usa o cinema como base, como matéria-prima para suas criações. e a história do Como houve a aproximação entre esses dois mundos? cinema e da arte contemporânea. Jonathan Rosenbaum O cineasta Jean-Luc Godard tem sempre sido uma ponte entre Aqui, ele fala muitas áreas do cinema e vídeo desde ao menos os anos 80. Não acompanho a sobre essa relação. exibição de trabalhos em vídeo nos museus, e o sistema de exibição do cinema de arte está quase extinto nos Estados Unidos em razão do monopólio dos estúdios. E há a sensibilidade limitada dos diretores-autores norte-americanos. Além disso, com exceção de países como França e alguns outros, a percepção raramente ultrapassa 28b Mas acontece também o caminho contrário. Uma produção um diretor por país: Lars von Trier na Dinamarca, Pedro no campo da arte que chega ao circuito dos cinemas, Almodóvar na Espanha etc. como nos trabalhos de Eija-Liisa Ahtila, Philippe Parreno e Douglas Gordon (autores do filme “Zidane”, sobre o jogador francês) ou Matthew Barney, que procuram se inserir no sistema de exibição de filmes.

J.R. Eu detesto os poucos filmes de Barney que já vi, que não são exibidos em cinema, ao menos não aqui em Chicago. Para mim, o novo gênero de cinema de arte está nos DVDs. SONIMAGE: GODARD + MIÉVILLE Dividido em seis segmentos (e totalizando cerca de dez horas de projeção), “Six fois deux” reúne o pensamento dos cineastas Jean-Luc ABERTURA GLAUBER Godard e Anne-Marie Miéville sobre a TV, a sociedade e a Exibidos na extinta TV Tupi comunicação. em 1979, segmentos preparados pelo cineasta Glauber Rocha refletem sobre política BECKETT NA TV e sociedade brasileiras “Quadrat I + II” integra uma para o programa “Abertura”. série de peças experimentais realizadas pelo dramaturgo e escritor Samuel Beckett para “A VISIT TO a TV, no início dos anos 80. TIMOTHY LEARY” Essa “visita a Timothy Leary”, o profeta do LSD, foi feita pelo cineasta Jonas Mekas em 1965. No encontro, a humanidade que não ama mais o planeta.

AS IMAGENS Um rápido CLARAS olhar sobre JEM COHEN alguns “I Was Dancing in the RICHARD SERRA trabalhos Lesbian Bar” (1996) é uma exibidos ilustração visual feita pelo Realizado em 1968, “Hands diretor Cohen para o músico Tied” mostra duas mãos TV DE ARTISTA no Video Jonathan Richman, na qual o que tentam se desembaraçar público é participante ativo de cordas que as fazem “The Medium is the Medium” Lounge de uma canção. prisioneiras. foi um dos primeiros projetos de colaboração entre artistas e TV. Foi realizado em Boston em 1969, com artistas convidados a criar com e para a televisão.

BJÖRK Com direção do coletivo “OH, ESTAÇÕES! Encyclopedia Pictura, “Wanderlust” projeta OH, CASTELOS” a musicista islandesa Curto documentário dirigido Goldfrapp para um reino mítico e pela cineasta Agnès Varda “A & E”, de Dougal Wilson, fantástico (2008). em 1957 sobre os castelos mostra a cantora Alison do vale do Loire, na França. Goldfrapp como personagem e O título se refere a um tema para a natureza (2008). poema de Arthur Rimbaud: “Ô saisons, ô châteaux”.

Bruce Nauman Em “Pacing Upside Down”, de 1969, o artista norte- GLOBAL GROOVE americano explora o uso da câmera e a ilusão do cinema Dirigido por Nam June Paik para apresentar questões e John Godfrey em 1973, sobre o tempo e o espaço. a obra é um repertório de colagens visuais e sonoras, criando um canal global de TV.

28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 10 Nicolás Robbio 28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 Artista participante da 28ª Bienal de São Paulo 11 O Parque do Ibirapuera é redescoberto por meio de encontros, documentos e conversas no projeto da brasileira Mabe Bethônico

O projeto da artista mineira Mabe Bethônico nasceu de uma pesquisa sobre a União Cultural Ibirapuera. Mabe tomou conhecimento da instituição quando iniciou o trabalho a partir da documentação preservada pelo Arquivo Histórico Wanda Svevo, da Fundação Bienal de São Paulo. “Queria descobrir a maravilhosa constelação do parque”, diz ela, que se volta para questões relacionadas ao tempo e à percepção pessoal ou coletiva desse mesmo tempo: “O que mais me interessa nessa pesquisa é observar o tempo de cuidado do Ibirapuera, que é totalmente distinto do tempo do lazer. Sempre fui usuária do espaço, como visitante da Bienal, e meu desejo era olhar para fora do pavilhão e conhecer a vida própria que o grande público desconhece”.

O projeto conta com um programa de encontros em torno do parque, sua vida e instituições. Mabe explica as ações: “A exposição prevê um espaço dinâmico e propõe encontros que exploram o Ibirapuera numa experiência de visita atenta a tempos e movimentos da vida do parque, buscando revelar ciclos de cuidado e trabalho imperceptíveis aos usuários. Me refiro ao tempo do crescimento das plantas, da rotina de manutenção e da vida dos bichos que vivem ou passam por ali, assim como ao seu ritmo à noite, ao céu. Em paralelo, será possível refletir sobre como se guardam os aspectos vivos do parque. O trabalho é um convite ao diálogo com o Planetário, o Setor de Fauna, o Herbário, o Museu de Arte Moderna (MAM-SP), a Escola de Jardinagem, o Viveiro Manequinho Lopes e a Administração do parque”. Nesses encontros – que acontecem no Plano de Leituras (3º andar do Pavilhão), sempre às 16h – colaboradores convidados, que atuam nas diferentes instituições pesquisadas falam ao público.

As ações se dividem em quatro blocos temáticos: OLHAR “Ibirapuera comestível”: o que o parque oferece e consome. “Guardando o parque”: o que o Ibirapuera esconde ou o que se preserva. PARA FORA, “Parque-viveiro”: acervo vivo do parque, dentro e fora das instituições. “Parque contado”: histórias dos lugares, depoimentos sobre diferentes trabalhos executados nas instituições envolvidas. ENCONTRAR Com o projeto “União Cultural Ibirapuera”, a artista traz ainda, para dentro do Pavilhão, o que chama de “jornal A FLORA E relâmpago”, que funciona como um “álbum de figurinhas”: “Uma parte da minha pesquisa passa pela voz de outras pessoas que fazem parte do organismo do Parque do Ibirapuera. Por exemplo, recebo um professor do Planetário e faço uma pequena A FAUNA publicação com imagens e textos sobre o que foi falado. No final, pretendo unir tudo numa publicação só, mas primeiro vou disponibilizar individualmente na exposição e em forma de audiodepoimentos na web”. Por Eduarda Porto de Souza Você sabia que existem mais de 136 espécies de pássaros dentro do Ibirapuera? Esse número faz parte das pesquisas de Mabe. “Descobri dentro do parque o importante Setor da Fauna. Há uma clínica de animais interna que cuida de espécies dentro e fora daquele ambiente; há também uma enorme Escola de Jardinagem, o Herbário, o viveiro, que cuidam não só do parque, mas também da cidade. Foi tudo muito surpreendente. Descobri que um dia houve ali uma sociedade anônima de floricultura brasileira e de astronomia, por exemplo. Há uma imensa horta orgânica no centro, no coração do parque. Mas também descobri que o Museu da Aeronáutica, o Museu do Folclore e o de Ciência e Técnica, que estavam nos projetos iniciais, hoje estão desativados ou indisponíveis em outros lugares”, diz ela.

22.10.2008 Detalhe do projeto “União Cultural Ibirapuera”, de Mabe Bethônico, no Plano de Leituras do Pavilhão da Bienal

foto Amilcar Packer

28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 12 NOVO MORADOR

Por Isabela Andersen Barta

Maurício Ianês entra no Pavilhão da Bienal sem roupas, comida nem água, aguardando que o público se manifeste e estabeleça uma relação

CONTEXTO Durante 12 dias, o Pavilhão da Bienal terá um morador em tempo integral: o artista Maurício Ianês, nascido em Santos há 35 anos. Nu, sem comida, bebida nem qualquer outro pertence, ele entrará no prédio em 4 de novembro e ficará até o dia 16 totalmente sob “A bondade de estranhos”, nome da performance pensada para a 28ª Bienal. A cada dia, Ianês escolherá um ponto diferente do prédio para aguardar que o público se manifeste, doe algo, estabeleça alguma relação. Ele também passará as noites no Pavilhão, para não interromper a performance. “Procurei pensar num trabalho absolutamente POLÍTICO despido de qualquer “Eu sempre dependi da bondade de estranhos” é uma artifício, que se frase de Blanche DuBois, protagonista de “Um bonde afastasse do teatral chamado desejo” – peça do dramaturgo norte-americano e do espetacular, em Tennessee Williams que narra as relações conturbadas que a única coisa que de uma mulher que se muda para a casa da irmã submissa restasse fosse a minha e do genro violento. Embora o título da performance presença e a relação tenha origem no texto, Ianês afirma que não há relação crua com o público, direta com a peça, mas sim com a citação recorrente da do modo menos mediado frase de modo irônico. “Ouço amigos possível, apesar de e desconhecidos dizerem isso um o ambiente da Bienal pouco como piada, mas sempre já criar um contexto pensei nisso seriamente, porque EXTREMO representativo que me interessa esse confronto com Em sua primeira performance, “Apophisis 1” (apresentada em 1997 e novamente em 2003), media as relações.” a face do Outro, como ele se Ianês ficou envolto em fita isolante preta durante duas horas, do pôr do sol ao dá, quais as saídas éticas, não anoitecer, parado no centro da sala de exposição. O título é uma palavra originada do morais, para que esse confronto grego apophanai, que significa “negar”. É quando se diz que não se vai dizer algo e se dê de forma franca, aberta e se diz, como no uso da expressão “sem mencionar que...”, um processo de afirmação pela tolerante. A idéia de abraçar negação. Ianês investiga as linguagens (verbal, corporal, artística) e a capacidade o Outro, descobrir novas formas que elas possuem de comunicar ou não uma mensagem. “Não quero, como artista, apresentar 27.10.2008 de relação e novas linguagens respostas, até porque não as tenho. Quero criar algo que possa levar a diferentes o artista Maurício Ianês em sua casa a cada nova experiência com a respostas, construídas colaborativamente com pessoas que carregam diferentes cargas diversidade me interessa como sociais e culturais.” Em “A bondade de estranhos”, a nudez não é apenas um fator de foto Amilcar Packer arte e como modo de vida.” choque ou retirada da roupa por causa dos atributos sociais. “Uma roupa minha criaria uma interpretação, ganharia significados, mas quero justamente que a imagem final da ação seja construída com o que for doado. Não sei como essa relação se estabelecerá, não tenho expectativas concretas.” Além da performance, Ianês apresentará um trabalho com adesivos no chão (no 1º e no 3º andares), que delimitam áreas de diálogo, de monólogo e de silêncio. “Considero esse trabalho quase como uma ação na qual eu não estou presente, mas chamo o público a participar, propondo essas três diferentes formas O MOVIMENTO DO CORPO de discurso ou não-discurso.” Os adesivos dialogarão com o espaço, com a arquitetura e com outros trabalhos de artistas. Algumas performances recentes nas bienais de São Paulo

24ª Bienal A mineira Laura Lima executou a performance “Quadris”, em que dois homens foram unidos por uma única sunga e transitaram pelo espaço FLASH HISTÓRICO expositivo até a exaustão.

25ª Bienal O carioca Flávio de Carvalho é O português Antonio Manuel O norte-americano Spencer Tunick considerado o primeiro performer inscreveu-se como a própria fotografou 1200 voluntários nus brasileiro, por sua “Experiência obra no 19º Salão Nacional de no Parque do Ibirapuera para seu nº 2”, de 1931, em que caminhava Arte Moderna, em 1970, e foi projeto “Nude Adrift”. de chapéu no sentido contrário a barrado. Na inauguração do uma procissão de Corpus Christi evento, no Museu de Arte Moderna Na performance “VB50”, a italiana no Centro de São Paulo. Os fiéis do Rio de Janeiro (MAM-RJ), Vanessa Beecroft formou um exército se revoltaram e o artista foi o artista apresentou-se nu, estático de 50 modelos vestindo obrigado a fugir para não e intitulou a performance apenas perucas e sapatos. ser linchado. “O corpo é a obra”.

28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 13 28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 14 Em busca de uma história Diário de K.D. em oito partes

2. Mistério

No capítulo anterior destas memórias, descrevi como pedi demissão De modo que o romance policial de crime e mistério já estava come- de meu emprego para escrever o romance Em busca de Headless, sobre çando a tomar corpo. O personagem principal de fato fora acusado de o lado obscuro das finanças globais. assassinato nas primeiras páginas! Ele se chama John Barlow, e eu o fiz Ainda estava morando em Gibraltar, durante o período de aviso pré- realmente comer o pão que o diabo amassou. Barlow trabalha para es- vio no Sovereign Trust, uma empresa de gerenciamento de offshore. ses artistas suecos, Goldin e Senneby. Eles o empregam como escritor E o mundo do offshore também seria o cenário do meu romance: um e pesquisador “da casa”, para descobrir algo sobre a empresa secreta universo secreto e potencialmente perigoso, uma rede de espaços ina- Headless Ltda. cessíveis e identidades ocultas, muitas delas ferozmente protegidas Mas essas empresas são criadas especificamente para ser inatingíveis, dos olhos do público. quase inexistentes. Pesquisá-las é um trabalho duro. Apesar disso, seus Entre os milhares de empresas que o Sovereign gerencia, uma se cha- proprietários são reais, muitos deles legítimos homens de negócios. ma Headless. Foi incorporada (ou seja, registrada) nas Bahamas por Médicos e dentistas americanos, por exemplo, muitas vezes registram intermédio de nosso escritório de Gibraltar. Headless é um nome es- seus consultórios em lugares como o Caribe para diminuir o risco de lití- tranho, e me fez refletir. gios. Corporações multinacionais também usam jurisdições “isentas de Então recebemos um telefonema de Goldin e Senneby, dois artistas impostos” em locais como as Bahamas, escoando seus lucros para longe suecos. Eles disseram que estavam pesquisando a Headless Ltda. Isso das mãos ávidas de governos mais gananciosos. Mas offshore também era muito esquisito. Empresas como a Headless não são exatamente pode significar máfia russa, traficantes de drogas, lavagem de dinheiro, “abertas à pesquisa”, de modo que não entendi a perspectiva de Gol- criminosos da internet, qualquer coisa. Realmente qualquer coisa. din e Senneby no caso. No entanto, eles marcaram uma reunião com O romance de crime e mistério envolvendo a Headless Ltda., no caso, Rob Shipman, meu colega no Sovereign. Vamos encontrar com Rob é sobre os segredos que estão por trás do nome da empresa e seu re- na semana que vem... gistro em algum lugar longe dos olhos de todos. O livro é sobre quem Foi aí que comecei a me perguntar: o que estava me escapando nesse são seus proprietários e quem a controla, e o porquê de ela estar sendo caso? Havia mais coisas ocultas sobre a Headless do que eu ou qual- violada (e por quem). quer um no Sovereign sabia (ou contava). E aqueles artistas suecos? Só Digo “violada” porque passei a acreditar que há algo mais do que den- o que eu sabia era que, depois de toda uma carreira no ramo do offsho- tistas querendo escapar de processos. Trabalhei durante anos nesse re, eu estava numa excelente posição para descobrir. Na verdade, esse ramo, e é inevitável esbarrar com o lado mais obscuro do negócio. Es- era um tema incrível para um romance. tou com a impressão de que há um mistério mais profundo aqui, algo Eu também tinha um grande cenário: as Bahamas, onde a Headless sutil e potencialmente terrível. Admito que terei de investigar bastante estava registrada. O país tem sido um paraíso fiscal dos mais procu- para entender o que está exatamente em jogo aqui. rados há décadas, a Suíça do Caribe. Depois que as Bahamas ficaram Enfim, o que é Headless? Eis os fatos. Headless é uma empresa de ne- independentes da Inglaterra, em 1973, a capital Nassau, na ilha de New gócios internacionais, registrada nas Bahamas em 2007 pelo Sovereign Providence, assistiu à chegada de diplomatas e embaixadas, o que dei- Trust. Não há diretores registrados, o que não é comum. O escritor John xou o lugar ainda mais interessante. Na verdade, Nassau é também Barlow descobre isso quando é enviado a Nassau pelos caras suecos com onde meus ex-chefes do Sovereign Trust têm escritório. o pretexto de descobrir algo sobre a Headless. Digo pretexto porque, se Do ponto de vista de um escritor, existe uma imensa diversidade em você realmente quer saber algo sobre uma empresa offshore, não vai às New Providence, da sordidez dos guetos negros ao paraíso detrás dos Bahamas, você simplesmente analisa o impacto de suas atividades. Isso portões de Lyford Cay, área residencial privativa onde somente as pes­ você pode fazer em qualquer lugar, ou, quiçá, em parte alguma. soas mais ricas do Caribe moram – cheguei a me relacionar com algumas Mais uma coisa: os artistas Goldin e Senneby alegam que seu interesse delas quando era gerente de atendimento do Sovereign. na Headless remonta aos anos 30, a uma sociedade secreta de filóso- Eis aí, no entanto, o mais estranho de tudo. As pessoas com quem tra- fos chamada Acéphale. Bem, minha intuição me diz que, se você está balhei mais de perto, clientes que confiavam em mim para conduzir procurando empresas registradas em jurisdições mais frouxas, seu seus negócios, eu nunca cheguei a conhecer. A segurança financeira interesse provavelmente se voltará para as atividades atuais. E esses dessas pessoas estava em minhas mãos todos os dias. Contudo, ja- artistas, não percamos isso de vista, mandaram o escritor John Barlow mais as encontrei. Não tinha idéia de quem elas realmente eram, nem para viagens de pesquisa a toda parte, em busca de Headless. O que do que faziam. ele deveria procurar? Uma sociedade secreta de 80 anos atrás? Eu não Será que eu poderia simplesmente escrever sobre esse mundo secre- engulo essa. to? Bem, o fato é que depois que saí do Sovereign, não haveria forma Normalmente, no offshore a parte oculta é algo sobre o qual você fica de eu um dia saber. Essas pessoas e empresas desapareceriam do meu sabendo apenas o mínimo necessário. Você não faz perguntas que não mundo. E eu do mundo delas. Então, se resolvesse colocar elementos precisa saber. Mas agora eu pergunto. O que é Headless? Por que exis- de meu antigo emprego em meu romance, quem se importaria? tem outras pessoas interessadas nela? Quero saber todas as respostas, No que se refere aos artistas suecos Goldin e Senneby, eu os usarei tudo o que há para saber sobre a Headless. Se a obra artística desses também! Você pode usar nomes reais numa história, para aumentar o suecos ficar em meu caminho, azar o deles, pouco importa o que eles interesse. E a verdade é que, depois que você começa a pensar sobre o realmente estejam fazendo. Porque algo muito estranho está aconte- mundo do offshore, já está pensando em termos de ficção de qualquer cendo aqui. modo. Offshore é um tipo de ficção. Não se trata apenas da dissolução E na próxima semana as coisas ficarão ainda piores. Vai acontecer um das fronteiras; simplesmente não existem fronteiras. assassinato!

Goldin+Senneby 28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 Artistas participantes da 28ª Bienal de São Paulo. Ilustração: Johan Hjerpe 15 “Onde nada está em seu lugar, reina a desordem. Onde no lugar do desejo há o nada, reina a ordem” Bertolt Brecht O “ranking” maldito

Por Gilson Schwartz

Um doido armado com faca atacou vários cidadãos em plena luz do dia em Tóquio. Em São Paulo, mobilizando novamente o país numa onda de sensacionalismo em torno da violência, neste mês uma adolescente seqüestrada foi morta. Nos Estados Unidos ou nos países nórdicos, adolescentes com armas entram disparando em escolas, matando professores e colegas. Há algo de podre no Reino dos Consumidores. Especialistas de várias formações são chamados para preencher páginas e páginas de sensacionalismo entremeadas por ofertas – econômicas e políticas – de um mundo melhor. A crise financeira global e a recessão em curso aprofundam o desespero ético em que se re-trai a 27.10.2008 humanidade. Em Tóquio, no cruzamento mais “cidade suja” do mundo (no bairro de Shibuya), uma das Entrada de loja de produtos populares no milhares de lojinhas fixadas no subterrâneo da maior metrópole do planeta oferece aos milhões de Centro de São Paulo adolescentes que cruzam sua esquina mais famosa – carregada de outdoors digitais — o acesso fácil, barato e glamouroso ao que se anuncia como os produtos mais procurados por foto Amilcar Packer homens e mulheres: “Ranking, ranqueen”.

Tudo isso gera empregos, renda, poupança e investimento, dirão talvez alguns leitores da obra “Freakonomics” (dos norte-americanos Stephen Dubner e Steven Levitt), que, diante do vazio planetário de valores comuns sustentáveis, tudo justifica pela lógica de ranking da economia de mercado. Mas, se a economia não funciona a contento, que “lógica” é essa cujo ranking leva apenas ao crash, à frustração, ao medo e à morte de si mesmo no desespero de acabar de uma vez por todas com a ameaça de encarar o Outro? Já não gritam mais pelas ruas que “um outro capitalismo é possível”. Mas dentro do próprio capitalismo não há outro; o Outro, apenas a repetição da morte empacotada para viagem, para presente, para consumir na própria loja, galeria ou museu?

A lojinha em Tóquio, um pixel a mais nos bilhões de mensagens que circulam na hiperdigitalizada população urbana global, funciona como uma espécie de altar ao círculo vicioso de uma economia que não gera valores, mas apenas rankings. “Ranking, ranqueen” é um estabelecimento que seleciona e muda, toda semana, os produtos (tipo R$ 1,99) mais procurados pelos consumidores. Mas eles são mais procurados porque são os que vendem mais ou são os que vendem mais porque nos dizem que são os mais procurados? Uma Bienal propõe o que há de mais relevante ou torna relevante o Nada a cada ranking da arte que propõe bienalmente?

A massa dos consumidores deriva sua energia que entra e sai freneticamente das lojas, galerias, escolas e museus. Como os investidores que acompanhavam “racionalmente” o ranking de empresas,

28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 16 bancos e nações produzido por agências que vivem do próprio movimento, a massa sabe muito pouco do que faz, pois acredita gozar ao se suicidar como cidadã. Proliferam misturas curiosas de hiperconsumismo e suicídio coletivo nos templos do novo capitalismo imaterial e global. Nesse reino de consumidores, o gozo é procurado com recorrência infinita, sem que nunca se saiba exatamente qual o sujeito e qual o objeto desses desejos. Um e Outro manipulados pelos ícones que simulam uma ordenação – em prateleiras coloridas ou salas de exposição – da arte que se supõe ser a mais consumível pelos “outros”.

Há uma lógica especulativa nesse circuito classificatório de acumulação de capitais e gozos artísticos fictícios. Mas é uma lógica da morte, da fustração e do medo, no mínimo o medo de estar consumindo algo que já saiu da moda, que não foi consagrado pelos críticos de arte eles mesmos “rankeados”; medo análogo ao pânico financeiro de estar comprando uma ação na Bolsa que ninguém mais vai querer no portfólio. Valores? No cultura, acumulação reino do ranking, vale mais quem pensa e pesa menos, lógica suicida é sinônimo de que de tempos em tempos vira desemprego, desespero, terror diante da desvalorização. angústia de não saber onde está o próprio desejo, que flutua como ruído Ter mais explode branco numa sala vazia. a cada segundo em ter menos – menos Há quase 60 anos, na matriz do mergulho existencialista do pós-guerra, consciência de si, o escritor francês Georges Bataille (1897-1962) alertava na obra do Outro, da matéria. “A parte maldita” – editada em 1949 e traduzida para o inglês apenas Energia suicida em 1991 – para a dinâmica de descolamento da energia numa economia que se alimenta da política do desejo sem objeto. A energia solta é um nada no lugar, o seu corrida coletiva “rankeamento” (como numa Bienal) é um simulacro de ordem que opera no cuja referência registro do mau infinito, da repetição do mesmo sob pretexto de anunciar especulativa o “Novo Total”. Totalidade que é incapaz de referir-se ao próprio Fim, é a paranóia humanidade sem finalidade que é o caroço intransponível e estéril dessa classificatória massa de finalidades autônomas que se ignoram, mas buscam o conforto que pressupõe a de uma Ordem anunciada pela classificação do gozo sem utilidade, perda destruição completa, pura, gratuita e por isso mesmo afetando ser a mais valiosa possível. nuclear, de toda Nada que remete ao Nada, como pura despesa sem real investimento. ética. O crescimento econômico dá em O ranking na Arte, no Mercado ou na Educação simula uma qualidade nada. A energia hierárquica em que se acumulam quantidades, vazios, desesperos, solta das massas 23.8.2007 suicídios e colapsos do sólido aparente. Nessa economia política da pode ser captada Cenas do comércio produtivamente do bairro de Shibuya, em Tóquio apenas pelas redes em que cada um dá o que é, não o que tem. Quem não tem o que fotos Rafael Lain ser, procura na morte do Outro o alívio que se consuma apenas no suicídio real ou simbólico, econômico ou político. Explosão de silêncios totalitários.

“Essa imensa rede industrial não pode ser gerenciada da mesma forma como se troca um pneu... Ela expressa um circuito de energia cósmica da qual depende, que não pode limitar, cujas leis se ignoram com graves conseqüências. Malditos aqueles que, até o fim, insistem na regulação do movimento que os ultrapassa, com a mente estreita do mecânico que troca um pneu” Georges Bataille, “A parte maldita”, vol. 1: Consumo

Gilson Schwartz é economista, diretor acadêmico da Cidade do Conhecimento do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP).

28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 17 Na sala de estar, Douglas nos conta os eventos que o levaram até a final.

Levamos uma hora para chegar até Santana, um bairro de classe média (média) de São Paulo. Finalmente estamos na porta de um prédio onde mora um ex-competidor olímpico.

Nunca tinha encontrado um antes. Douglas Vieira ganhou uma medalha de prata nos Jogos Olímpicos de 1984. Me pergunto se seus vizinhos sabem disso.

Eu abri a série de lutas de judô nas Olimpíadas de Los Angeles. Todas estavam marcadas para o mesmo dia, com intervalos de 25 minutos entre as lutas.

Meu segundo oponente era do Meu primeiro adversário era Senegal. Foi fácil. A África não espanhol. Ganhei por pontos. tem muita tradição no judô.

Técnica: Kata Guruma Técnica: Ippon Seoinage

O terceiro foi um italiano muito O quarto veio da Islândia, era agressivo. Ele tinha vencido todas mais alto e forte do que eu. as lutas anteriores. Derrotá-lo me levou às finais.

Técnica: Kouchi Gake Técnica: Tani Otoshi

28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 18 Douglas foi para seu quarto Quanto mais você vai aprendendo, e voltou com uma surrada bolsa azul de uma companhia mais as cores se tornam escuras. Há cinco tipos de preto, e no sexto aérea. Ali estavam todos os Cinza, azul-clara, azul- dan você ganha uma faixa vermelha seus certificados, recortes de escura, laranja, roxa, marrom e branca. Assim, volta para onde jornal e ordens ao mérito. e finalmente preta. Mas a faixa começou. E o ciclo recomeça. preta não significa que acabou.

No início, você começa com a faixa branca, porque não sabe nada do judô.

O dia que os coreanos A luta começou. O coreano se mostrou bom nos golpes Os dois homens se chegaram com força, Seul no chão, a única fraqueza de Douglas. Ele tinha igualavam em força e foi escolhida para sediar que repetidamente dar as costas ao coreano, habilidade, eram muito a próxima Olimpíada. Eles esperando pela chance de um golpe, mas o coreano concentrados, não torciam com vontade. o levou para o chão e o deixou lá. marcavam pontos um sobre Douglas apertou sua faixa. o outro. No final da luta, Havia apenas um coreano a vitória foi do coreano, entre ele e o ouro. por 2 votos a 1.

Judô é um antídoto perfeito Aproxima as pessoas. Como um abraço E quando você cai… cai com graça. para a alienação urbana. que quebra todas as barreiras É um esporte de contato. físicas. Tira as pessoas de suas zonas de conforto.

Acompanhado de um barulho constrangedor.

Sarnath Banerjee 28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 Artista participante da 28ª Bienal de São Paulo 19 MARIA MARTINS

A Bienal, para muitos paulistanos, é um lugar. Fica no Ibirapuera. Mas a Bienal não é um lugar, ela tampouco se encontra no espaço. Ela é uma história e se entende como processo. Maria Martins, que ajudou a fundá-la, ilustra muito bem esse percurso, que é também o de sua estética. Por Raul Antelo

Filha de um político republicano, João Luiz Alves, e afilhada de Euclides da Cunha, Maria, que nasceu em Campanha, Minas Gerais, por volta do 1900, deve Maria Martins durante a abertura da ter ouvido o padrinho defender a tese de que a escultura não era determinada 1ª Bienal do Museu pela simultaneidade representativa – compartilhada aliás com a pintura –, mas de Arte Moderna de obedecia à sucessão rítmica, comum à poesia ou à música. A menina aprendeu, São Paulo, em 1951 logo no berço, que a escultura é uma questão de duração ou retard, um foto Arquivo Histórico interregno, um vir fora de tempo, que não se define tanto pela supremacia do Wanda Svevo gênio do artista, e sim pelo trabalho de colaboração cultural coletiva.

O valor da obra de Maria se capta, assim, no anacronismo. Gilberto Freyre reconhecia, não só na artista, mas também na pessoa chamada Maria Martins, o poder de fazer parar o tempo para preservar seu encanto singular. E Antonio Callado, ao resenhar a obra da artista pela primeira vez, na revista londrina The Studio (1943), viu nela a emergência da moderna escultura brasileira, corajosa e experimental. “Nothing stable, nothing definite. Nothing cold and eternal. Movement, creation, dynamism” (Nada estável, nada definitivo. Nada frio e eterno. Movimento, criação, dinamismo). Casada com um diplomata, Carlos Martins E isso, para o autor de “Quarup”, nos Pereira e Souza (1884-1964), Maria levava a lembrar das borboletas, as viveu em Quito, Paris, Copenhague, mesmas que a própria Maria realizaria como Tóquio, Bruxelas. Estudou escultura escultora-ourives, mas as mesmas, também, na França, com Catherine Barjanski, que o historiador e filósofo francês e na Bélgica, com Oscar Jespers, Georges Didi-Huberman associaria à assim como aprofundou, no Japão, lógica da imagem. seu conhecimento de zen-budismo. Entre 1939 e 1948, o casal residiu A noção não é fortuita, porque a escultura em Washington, como embaixadores do ativa a genealogia das forças, donde Brasil. Maria conheceu e freqüentou, o que nela conta é, a rigor, a vibração nos Estados Unidos, artistas como (a onda, a dobra) de uma poderosa dinâmica Jacques Lipchitz, Mies van der Rohe, das paixões. Nas páginas de “Ásia Maior: Philip Johnson, Amédée Ozenfant, Rufino o planeta China” (1958), a própria Maria Tamayo, Chagall, Mondrian e André celebraria mais uma borboleta, a do neutro Breton. Integrou-se, então, ao grupo ou eterno retorno, ao escrever: surrealista de Masson, Tanguy, Matta, “Um dia sonhei, eu, Tchouang Tseu, que era Max Ernst e Marcel Duchamp, artista borboleta, e voava daqui, dali, como uma este com quem manteve uma relação amorosa bastante duradoura. Assim, em 1960, Maria verdadeira borboleta. Seguia consciente participa, com “L’Impossible”, da exposição “Surrealist Intrusion in the Enchanter’s meus caprichos de borboleta, inconsciente Domain”, com curadoria de Breton e cujo catálogo foi assinado por Marcel. Maria Martins de minha condição humana. De repente inspirou, de fato, várias das obras de contato de Duchamp, como “Prière de toucher”, despertei, aqui estou deitado, eu mesmo, mas, em particular, a derradeira, “Étant donnés”, cuja figura feminina foi modelada, de novo. Agora, já nem sei mais ao certo precisamente, sobre o corpo de Maria. se era um homem que sonhava ser borboleta, ou se sou uma borboleta que sonhou ser O Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) organizou, em 1950, a exposição “Maria: homem. Entre o sonho e a realidade, esculturas”. A artista logo se incorporou à diretoria do MAM e colaborou ativamente segundo Tchouang Tseu, difícil é na organização da 1ª Bienal, em que recebeu o segundo prêmio de escultura. Em 1955, distinguir onde um começa e outro termina, por ocasião da 3ª Bienal, obteve a distinção de melhor artista nacional, e em 1956 e acrescentou: existe um sonho que nos ganhou retrospectiva no MAM do Rio de Janeiro. Em 1965, Maria apresentou duas peças, espera a todos nós e então, só então, a “Árvore da vida” e “A grande serpente”, na exposição “Surrealismo e arte fantástica”, saberemos se sonhamos um grande sonho”. na 8ª Bienal de São Paulo. Seria sua última participação na mostra.

O crítico Geraldo Ferraz considerava Maria Martins o melhor aprofundamento da pintura antropofágica de Tarsila, particularmente em seu aspecto erótico e reivindicatório do informe, captado em sua dimensão agarrada e tensa. Nessa Nachleben ou sobrevivência da imagem primordial, que perdura na figura, reencontramos um conjunto de conceitos ativados por Nietzsche, em sua filosofia, e não menos por Freud, na psicanálise: latência, repetição, regressão, repressão. Não em vão, St. John-Perse dizia que, para Maria, “la vie est toute re-création” (a vida é toda re-criação).

Numa conversa com , Maria confessa que seu método escultórico se baseava em um processo vindo do antigo Egito. “É cera de abelha misturada com um pouco de gordura para ficar mais macia. Aí você vai ao infinito porque não tem limites”. E essa potencialização da linguagem ao infinito acabava transformando o vácuo de cera em modelagem de bronze, “líquido como uma chama e que toma a forma que a cera deixou”. A modelagem em cera de Maria contém, portanto, todos os paradoxos do neutro e do anacronismo: ela é, enquanto objeto, suspensão da força, na medida em que, apesar dos entraves, o movimento flui ao menor contato do corpo; como desejo, ela manifesta, RAUL ANTELO porém, a própria violência extática do informe. Ela é suspensão do imperativo da forma é professor e, enquanto imago, dissolução da própria imagem como matéria votiva. Desconstrói, titular da de fato, uma perspectiva acerca da história da arte, concebida como evolução beata, Universidade etnocêntrica e ingenuamente otimista, o que põe a nu o autêntico fantasma do conceito Federal de de arte pura: a pungência do real na história. Santa Catarina (UFSC) Maria Martins morreu no Rio de Janeiro, em 1973.

28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 O PERSONAGEM 20 Leonor Amarante é, antes de tudo, uma defensora ferrenha do modelo de exposições bienais. E é do alto de suas sandálias plataforma que afirma – com tom de voz e entonação um pouco mais elevados, próprios de quem fala sobre alguma paixão – que “uma feira de arte nunca vai substituir uma bienal, porque uma bienal representa a atualização da produção artística e do pensamento contemporâneo”. E de bienal ela entende. Leonor já trabalhou (como curadora, curadora-adjunta e organizadora de mostras) na Bienal do Fim do Mundo (Ushuaia), Bienal de Havana (Cuba), Bienal Barro de América (Venezuela), Bienal Internacional do Chile, Bienal de Artes Visuais do Mercosul, Bienal de Gravura do Ceará e na Bienal Vento Sul, de Curitiba.

Formada em Comunicação Visual e Artes Plásticas pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) e em Jornalismo pela Cásper Líbero, Leonor teve sua paixão por bienais despertada na Bienal de São Paulo nos idos dos anos 70, quando aliou sua formação em artes à sua profissão de repórter do jornal O Estado de São Educ ação Paulo, especializando-se na cobertura do evento. “Naquela época, a gente acompanhava a montagem, a chegada dos artistas... as pessoas viajavam menos e não havia internet, por isso todo mundo nutria 23.10.2008 sentimenta l Leonor Amarante grande curiosidade por esse evento no Memorial internacional”, diz ela. da América Latina foto Amilcar Packer Embora nunca tenha trabalhado na Bienal Por Ana Manfrinatto de São Paulo – apesar das coberturas jornalísticas –, Leonor publicou o livro “As bienais de São Paulo” (1989), no qual Após 34 anos vendo, relata detalhes das mostras de 1951 a Quando questionada se é uma 1987. Conhecedora do tema que é, ela diz entusiasta da Bienal de São pensando e se formando que “crise” é um temática que envolve Paulo, Leonor responde com um por meio das bienais de a instituição desde 1960: “A Bienal já convicto “sim”. E explica que passou por coisas piores, como o boicote é daí que vem a sua formação: São Paulo, a jornalista de artistas internacionais em 1975, quando “A Bienal tem a função de e curadora Leonor Amarante vivíamos a ditadura militar. E mesmo assim formar, aconteceu comigo e se reergueu. Naquela ocasião, a Bienal foi acontece com o grande público acredita que sem o evento colocada em xeque internacionalmente, hoje também”. Para ela, o evento tem sua vida seria outra em dia o problema é interno, brasileiro”. uma capacidade de mobilização que nenhuma galeria ou feira de arte têm. “Muitos artistas brasileiros estão inseridos no cenário internacional porque foram conhecidos pelas centenas de críticos estrangeiros que vêm a São Paulo a cada dois anos”, fala, e continua falando, mas agora se volta para o sonho e a projeção. “O sonho de qualquer estudante de Belas-Artes na Argentina, no Chile ou no Uruguai é conhecer a Bienal de São Paulo. Várias vezes já os vi chegando de ônibus aqui na cidade”, diz Leonor. Não é à toa que ela nutre tanta paixão pelo passeio, ano sim, ano não, por entre os pilotis do edifício de Oscar Niemeyer: ela vê na Bienal um trampolim para sua carreira, que passou da cobertura de bienais à publicação de matérias no exterior e também à curadoria de exposições.

Não é preciso que Leonor diga que foi formada pela Bienal de São Paulo. Seu discurso inflamado, defesa apaixonada e a familiaridade com a qual recepciona o 28b no Memorial da América Latina – onde trabalha como editora-executiva de publicações –, numa sala envidraçada com vista para os edifícios de Niemeyer, dão conta de que sim, Leonor foi formada pela Bienal de São Paulo e não teria como não ser, antes de tudo, uma apaixonada.

Leonor em quatro datas

Começa a trabalhar como repórter de O Estado 74de São Paulo e logo passa a cobrir bienais.

Trabalha como colaboradora 84da Rádio Rebelde de Cuba.

Ministra uma palestra sobre arte 92contemporânea em Berlim.

É curadora da Bienal do Fim do Mundo, em 07Ushuaia, a cidade mais austral do planeta.

28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 PERfil 21 caça- CLIMA palavras ASTROLÓGICO

Procure no quadro abaixo o nome de artistas brasileiros semana de 1.11.2008 a 7.11.2008 Por Hélio Biesemeyer b v n m l w j o s t x q l é r b c r z o d a w l o Cenário de drama e celebração, a esperança u v p c n a m z b a e y s k r t p z b n w y x u l é cintilante, incerta, vertical. Demasiados dados sobre a mesa, sortes e sortilégios. x b f g h l y z t a t a r s i l a d o a m a r a l Nada em estoque, repertórios vazios. Hesitar é ruim, melhor a ação que a lucidez. z c f b n d m j c q w r t s z n m h j f o d s r y As escolhas são mais livres do que parecem. Ilusões de confiabilidade, eventualmente q i s é å e c o r d e i r o c g v n m z i q t y e desfeitas, agem como bálsamos para as dores do isolamento. Há mais vivacidade no grupo z l c v x m l w o q i u y p e w q v g m i r a h t que na parelha. As representações do mundo v d n m u a e a v i t a v o v a e s c h e n d e l revelam e não conseguem a verdade. Nada precisa ser salvo, apenas criado. z o c t y r i a e t i c a d a s i m a g e n s o x Ousar usar a louca inspiração. i m c b v p n i m a g i n a r i o a c i d e n t e d e c v b n a m k i l s x y m d r y l c b n a s e CONVOCATÓRIA z i c b t y d v r w e r n e s t o c n z b r i o s v r d h u o e p v z y u e p a d r a o c n k l i p “Contra todos os impedimentos, k e a n i o s s j i p x t v g h c m n t o e a o z o que foi dito deve sempre ser feito” h l g v o b i c o p i z o l i t o d m a r t i n s O jornal 28b convoca os leitores a debaterem de forma livre, em autogestão, x e n k é p n w o s w a l d d e a n d r a d r e p esse tema no dia 1º de novembro, às 16h, v s u c u p e b o x m n w z w y r t r a w z a o u na Praça criada pela 28ª Bienal de São Paulo (Pavilhão Ciccillo Matarazzo, n j t b n t s u o y s a r a r a m o z c v y m p w no Parque do Ibirapuera). A participação, dependendo do número de interessados, pode se dar da

Tarsila do Amaral, Tunga, , Waldemar Cordeiro, Maria Martins, Mira Schendel, Daniel Senise, Sara Ramo Ramo Sara Senise, Daniel Schendel, Mira Martins, Maria Cordeiro, Waldemar Meireles, Cildo Tunga, Amaral, do Tarsila seguinte forma:

a) Uma manifestação de massa b) Uma passeata c) Um seminário d) Um teatro improvisado e) Um piquenique “Origami” é uma palavra de origem japonesa e define f) Um jantar a dois a arte de criar representações de objetos usando papel g) Uma caminhada silenciosa e nenhum corte, apenas dobras, que podem ser feitas das h) Outras mais diferentes formas. Aqui, um origami em oito partes como um “faça você mesmo”. No ORIGAMI final, o objeto aparecerá diante de seus olhos.

por Milena Galli fotos Garapa

Una dois lados do quadrado com a dobra do meio. Entregue para a pessoa ao lado e peça-lhe que continue 3Você terá um quadrado divido em três retângulos horizontais. 4 o origami na próxima edição do jornal 28b.

28b -2+++++++ sexta-feira 31.10.2008 22

28ª Bienal de São Paulo: “em vivo contato” [28th Bienal de São Paulo: “in living contact”] de 26.10 a 6.12 de 2008_de terça a domingo_das 10h às 22h [from 10.26 to 12.6.2008_from tuesday to sunday_from 10h to 22h]

Programação segunda semana 1.11 a 9.11 [Program second Week 11.1 to 11.9]

16H_3º ANDAR [3rd FLOOR] Sul, Brasil, 1973), Megumi Matsumoto ARTISTAS/PROJETOS Mabe Bethônico (Belo Horizonte, Brasil, 1966) (Nishinomiya, Japão) & Takeshi Yazaki CONFER ÊNCIAS União Cultural Ibirapuera (Kochi, Japão, 1962) e [and] Dennis McNulty ESPECIAIS [ ARTISTS/ Programa de ações [Program of Actions] (Ballinasloe, Irlanda, 1970)/ Dança [