FAMÍLIA E DEMOGRAFIA EM ITACAMBIRA, , DURANTE OS SÉCULOS XVIII, XIX E XX: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA.

∗ Kamila Freire Fonseca ∗∗ Filomena Luciene Cordeiro Reis

Itacambira situa-se no norte de Minas Gerais, no Vale do , a 509 quilômetros de e 94 quilômetros de . O município foi fundado em 1962 e atualmente possui uma população com cerca de 5.000 habitantes numa área de 1.795, 7 Km². A origem de Itacambira remonta a expedição de Fernão Dias Paes Leme em 1674, quando o bandeirante saiu de São Paulo com o objetivo de adentrar o sertão mineiro. A bandeira de Fernão Dias Paes Leme foi importante para o povoamento dessa região, pois, “Além da importância da bandeira de Fernão Dias, que fez deste local celeiro para suas tropas, vale acrescentar como o povoado de Itacambira efetivamente surgiu” (LEITE, 2010, p. 124). Os moradores da cidade até os dias de hoje considera como fundador de Itacambira Fernão Dias. Podemos verificar a existência também de uma lenda que explica o surgimento de Itacambira. Sabemos, que no Norte de Minas Gerais, assim como no Brasil há várias cidades que justificam seu nascimento por meio de uma lenda como essa. Dessa forma,

Novamente, uma lenda vem preencher as lacunas da história. Segundo os moradores, enquanto Fernão Dias ainda vivia, uma pequena imagem de Santo Antônio foi encontrada sob uma árvore. Por se tratar do santo de sua devoção, considerado por ele seu protetor, a imagem foi levada para as margens da lagoa Vapabussu, onde seria construída a Igreja e o vilarejo que serviria de celeiro para a bandeira. Entretanto, todas as noites a imagem “fugia”, sendo reencontrada no dia seguinte no local da sua primeira aparição. Em face de tal “insistência”, o bandeirante [Fernão Dias] aceitou trocar as proximidades da lagoa pela colina escolhida pelo santo, onde foi construída a Matriz, em torno da qual cresceu o povoado, hoje cidade de Itacambira (LEITE, 2010, p. 124).

∗ Graduanda em História pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes e bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Geriam – FAPEMIG. ∗∗ Professora do Departamento de História da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes e doutoranda em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Orientadora.

O nome Itacambira significa em tupi guarani “pedra pontuda que sai de dentro da mata fechada”. Essa pedra se remete a Serra de Santana, proteção natural da cidade (LEITE, 2010, p. 121). Itacambira tem como santo padroeiro Santo Antônio, cuja festa é realizada em junho. Durante a realização dessa festa que dura cerca de uma semana, os moradores de Itacambira recebem visitas de ex-moradores que vivem hoje em São Paulo, Brasília e outras capitais, assim como das comunidades rurais vizinhas da Cidade.

A festa de Santo Antônio, geralmente acontece no final da semana, mas durante toda a semana comemoramos o santo. Da mesma forma, também festejamos o Divino em julho. São duas festas muito importantes para quem é de Itacambira. Tem gente que deixou Itacambira há 20, 30 anos e vem para a festa, pois é um momento de reencontro (REIS, 2012).

A festa acontece na Praça de Santo Antônio, ponto de encontro dos moradores e visitantes da Cidade, onde localiza-se a Igreja Matriz de Santo Antônio de Itacambira. A Igreja é tombada pelo Instituto Estadual de patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA, pois apresenta características coloniais. No altar mor ficava a imagem de Santo Antônio cercada pelas imagens de São Miguel, Santana Mestra, São Sebastião e outros. Porém, em 2012 a Igreja Matriz de Santo Antônio foi arrombada e assaltada:

Igreja com mais de 300 anos é arrombada no Norte de Minas. (...) Crime foi em Itacambira, na Região Norte do estado.

A Igreja Matriz de Santo Antônio, de mais de 300 anos, foi arrombada nesta quarta- feira (15) em Itacambira, na Região Norte de Minas Gerais. De acordo com a Polícia Militar (PM), cinco imagens sacras foram furtadas. Ainda segundo a PM, os suspeitos arrombaram a porta lateral para entrar na igreja. Foram levadas as imagens de São Miguel, Santana Mestra, São Sebastião, Santo Antônio e uma quinta ainda não identificada. A polícia acredita que os suspeitos conheciam o local e, por isso, conseguiram desativar o alarme. A igreja é tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha). Até o horário em que esta reportagem foi publicada, ninguém havia sido preso (REIS, 2012).

O furto das imagens da Igreja de Itacambira traz um prejuízo enorme para a comunidade, assim como para Minas Gerais e o Brasil, pois as mesmas eram datadas do século XVIII e XIX. Enfim, Itacambira com quase quatro séculos de existência contém fontes riquíssimas para pesquisa, dentre elas, os registros de batismo, casamento e óbito, alvo deste estudo.

2

Apreensões das fontes documentais: metodologia e algumas análises

O objetivo geral do projeto consiste em (...) investigar a história da família em Minas Gerais desde o século XVIII até meados do século XX, tomando como dimensão central da análise a relação dinâmica entre mobilidade e estabilidade que marca o povoamento e a ocupação do espaço mineiro. Para tanto, leva-se em consideração a diversidade dos regimes demográficos brasileiros, entendendo-se regime demográfico como o conjunto de relações que está na base da reprodução biológica e da reprodução social de uma dada população. Pretende-se viabilizar tal estudo pelo levantamento e exploração das informações propiciadas pelas fontes pertinentes” (LIBBY,2009, p. 2).

Dessa forma, a metodologia adotada para a execução da pesquisa constituiu em fotografar e extrair os dados dos registros de batismo, casamento e óbito datados de 1792 a 1948 sob custódia da Igreja Matriz de Santo Antônio de Itacambira. Para tanto, foi realizada uma visita técnica à cidade de Itacambira, quando foram fotografados os documentos paraoquiais referentes a: 1) BATISMO: a) Século XVIII: - Livro 1782-1792; e Livro 1793-1806. b) Século XIX: - Livro 1893-1899; e Livro 1899-1903 c) Século XX: - Livro 1903-1906; Livro 1907-1914; Livro 1909-1910 7b 8b; Livro 1914-1920; Livro 1921- 1925; Livro 1926-1931; e Livro 1947. 2) CASAMENTO: a) Século XIX: - Livro 1885-1903 - Livro 1887-1936 - Livro1868-1880 3) ÓBITOS: a) Século XIX: - Livro 1826-1877; e Livro 1899-1905 b) Século XX: - Livro 1917; e Livro 1925.

3

Os documentos paroquiais foram fotografados com o objetivo de agilizar o estudo e a execução do trabalho, pois essas fontes estando em Itacambira, os pesquisadores teriam que se locomover periodicamente até a cidade, o que atrasaria bastante a construção do banco de dados. Na sequência foram selecionados para o trabalho os livros de Batismo datados de 1782 a 1792, 1793-1806 e de 1889 a 1903, que demandou a realização de um mini-curso de paleografia com o objetivo de conhecer a técnica para leitura desses documentos. É importante ressaltar que a escrita, sobretudo do século XVIII é muito difícil. A transcrição das informações para construção do banco de dados é extraída por meio da leitura dos documentos paroquiais e apresenta os seguintes itens: Código de registro; Arquivo; Livro; Página; Data da ata; Data do Nascimento; Local; Igreja; Sacramentado por; Termo assinado por; Assentado por; Nome do batizando; Sexo; Condição do Batizando; Idade; Nome do pai; Estado civil; Nome da mãe; Padrinho (1); Sexo do Padrinho (1); Padrinho(2); e Sexo do padrinho (2). Dentre esses dados, os registros de batismo muitas vezes não trazem todas essas informações, assim como não estão legíveis impossibilitando a leitura do texto. Ao transcrever esses elementos verificamos que há registros que fazem questão de relatar os cargos ocupados, sobretudo pelos padrinhos como sargento, alferes, capitão, tenente, tenente coronel, tenente comandante, soldado, guarda mor, sargento mor, sargento mor comandante, desembargador além dos reverendos e padres, dentre outros. Observamos que, no caso das madrinhas não levam em consideração essa questão relativa à ocupação feminina, constando apenas algumas como “donas”, quando casadas com patentes importantes da região. No caso das madrinhas solteiras citavam os nomes dos seus pais. Percebemos também que em alguns registros os padrinhos tinham vínculos familiares, sendo eles irmãos, filho (a)/mãe e marido/esposa. Outro ponto a ser ressaltado refere-se à legitimidade dos filhos. Constatamos que, nos registros de nascimentos aparece o termo “natural”, “legitimo” e “exposto”. Atualmente o registro de nascimento deve ter obrigatoriamente os nomes dos pais, ou seja, tanto da mãe como do pai, não expondo e constrangendo, sobretudo o filho. Os filhos de escravos ao serem registrados na certidão de batismo eram automaticamente ditos e tidos como escravos dos proprietários dos seus pais. Isso revela como a escravidão transformou as pessoas em propriedade do outro, tornando-se fator hereditário. Também encontramos certidões de batismo que nos mostram a liberdade

4

conquistada pelos escravos, pela alforria ou pela quartação, o que resultava na condição de forro dos mesmos. Posteriormente essa pesquisa poderá pensar várias questões, dentre elas as relações sociais, políticas, econômicas e religiosas estabelecidas na sociedade mineira, mas especificamente em Itacambira. As relações entre as classes sociais podem ser estudadas revelando conflitos, tensões, coerção, consenso, alianças e compromissos, bem como o papel, sobretudo do trabalhador, que também nasce, casa e morre. O projeto ainda se encontra em fase de execução, por isso o seu andamento constitui na transcrição das informações para construção dos bancos de dados, mas viabiliza as várias possibilidades de estudo que vão além da dimensão historiográfica da História Demográfica.

Considerações Finais

Diante dos objetivos propostos, o referido projeto vem alcançando as metas, cujos resultados até o momento consistem na capacitação de bolsistas para lidar com mais propriedade acerca da temática família e demografia em Minas Gerais nos séculos XVII, XIX e XX. Esse projeto está sendo interessante no sentido de levantar fontes documentais paroquiais, possibilitando a formação do referido banco de dados que auxiliará em pesquisas posteriores. Como sabemos os pesquisadores, sobretudo os historiadores, cuja matéria prima é os documentos, precisam de fontes, mas sua escassez, muitas vezes, deixa de comprovar hipóteses dos seus estudos. Dessa forma, esse projeto viabiliza obter fontes documentais para um estado tão rico em relação ao estudo, como Minas Gerais. Além disso, a parceria entre diversas universidades mineiras como Universidade Federal de Minas Gerais, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Universidade Estadual de Montes Claros, Universidade Federal de Viçosa, Universidade Federal de São João del- Rei, Universidade Federal de Ouro Preto e Universidade Federal de articula o conhecimento, bem como a troca de experiência. O projeto relata que,

A temática escolhida é estratégica já que Minas Gerais apresenta condensada em seu território uma enorme diversidade de regimes demográficos. Ao centrarmos a pesquisa nesse território, temos condições de apresentar um cenário que será representativo também em termos nacionais. Daí a importância da incorporação de pesquisadores de outros estados brasileiros que trabalham dentro da mesma perspectiva teórico-metodológica. A potencialização dessas experiências será seguida da disseminação desses trabalhos para outros centros de pesquisa no Brasil e no exterior. Em outras palavras, a partir do reposicionamento desse grupo de pesquisa em termos de Núcleo de Excelência, será possível transformá-lo em 5

interlocutor privilegiado com outros grupos de modo que possa pautar de maneira mais efetiva a agenda de pesquisa na sua área de atuação. As experiências de sucesso na área da pesquisa histórica que estão se unindo nesse Núcleo de Excelência foram geradas sobretudo com o suporte da FAPEMIG e o CNPq, e poderão assumir maior visibilidades ao se aglutiná-las e se potencializar seus efeitos Multiplicadores (LIBBY, 2010, p. 36).

Dessa forma, foram analisados até o momento 1133 (mil cento e trinta e três) certidões de batismo datadas de 1782 a 1792 e 1899-1903. Para construção do banco de dados está sendo utilizado o programa Microsoft Excel e o Microsoft Acess. Assim, os resultados do projeto ainda são parciais, pois seu término será em fevereiro de 2013. Enfim, a Universidade com a execução dessa pesquisa pôde avançar em relação ao projeto realizado em parceria com várias outras universidades de Minas Gerais deixando sua contribuição.

FONTES a) Documentos: - Certidões de batismo, casamento e óbito da Paróquia de Santo Antônio de Itacambira datados de 1782 a 1942 b) Entrevista: - José Mário dos Reis. Entrevista concedida a Filomena Luciene Cordeiro Reis, Kamila Freire Fonseca. Montes Claros, 26 mar. 2012. c) REIS, João Olímpio Soares dos. ([email protected].). Divulgação: Imagens sacras furtadas. [Mensagem pessoal].Mensagem recebida por [email protected] em 17 fev. 2012.

REFERÊNCIAS

LEITE, Marta Verônica Vasconcelos. Inventariando Itacambira. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Montes Claros: Millennium, 2010. p. 120 – 132.

LIBBY, Douglas Cole. Família e demografia em Minas Gerais, séculos XVIII, XIX E XX. BELO Horizonte, mar. 2009.

6