MEMÓRIA, HISTÓRIA E CULTURA: REPRESENTAÇÕES NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO, NAS FESTAS E NA LITERATURA

Regma Maria dos Santos

Para tratar do tema geral da mesa que se remete às produções da História Cultural em Goiás optei por apresentar as pesquisas por mim desenvolvidas e orientadas nos últimos doze anos de atividade como professora do Campus Catalão da UFG.1 Apresentar as monografias por mim orientadas no curso de História da UFG em Catalão investe-se de um sentido ordenador das abordagens e dos temas escolhidos. Vários desses projetos partiram da própria escolha dos alunos e, de alguma forma, cruzaram com as áreas de interesse com as quais tenho lidado. Outros foram por mim sugeridos ou elaborados, em especial, os projetos de iniciação científica. Desses cruzamentos de interesses e convergências nas orientações posso situar quatro grandes linhas: - Memória e cultura nos meios de comunicação; - História e Literatura; - História e Imaginário; e -Ensino de História e Linguagens, que também se inter- relacionam. Como desdobramento da relação entre meios de comunicação, cultura e história, elaborei o projeto Entre História e Ficção: Do discurso jornalístico ao literário, apresentado ao PIBIC/CNPq, no ano de 2001, e que foi dividido em dois planos de pesquisa. O primeiro plano de pesquisa História, Memória e Ficção na obra As Ilusões Perdidas de Balzac, foi desenvolvido no período de agosto de 2001 a agosto de 2002 pela aluna Márcia Maria Pedroso, e o segundo História, Memória e Ficção na obra Recordações do

1 As reflexões sobre essa produção datam do ano de 2002, no qual elaborei e desenvolvi o projeto financiado pela FUNAPE denominado História e Linguagens: representações discursivas e imagéticas produzidas no curso de Graduação em História do Campus Catalão da UFG.Apresento aqui a continuidade desse levantamento acrescentando as monografias por mim orientadas a partir de 2002.

1 Escrivão Isaías Caminha de Lima Barreto, foi desenvolvido pela aluna Angelita Silva Neto, ambas alunas do curso de Graduação em História . Nestes dois trabalhos, privilegiou-se o debate historiográfico sobre a relação entre história e literatura, tentando dar conta dos universos desses dois autores, que, embora em períodos e lugares diferentes, um francês e outro brasileiro, apresentam concepções muito próximas sobre a atividade jornalística, como recurso para sobrevivência do escritor, e a atividade literária como produção artística, que demanda tempo e dedicação. A partir das possibilidades abertas por esses projetos outros tantos foram desenvolvidos, como iniciação científica, dentre esses: Mírian Costa Mesquita. Romance folhetim: Cotidiano e história em 'O galo de ouro' de ; Gilson Roberto Silva: Jornalismo e literatura: a memória e a história nas crônicas de Rachel de Queiroz; Radamés Vieira Nunes: Um homem como nós, mas também diferente: imagens do século XX nas crônicas de Carlos Heitor Cony; Gilson Roberto da Silva. A memória e a história nas crônicas de Rachel de Queiroz no livro 100 Crônicas Escolhidas e A Donzela e a Moura Torta; Leonardo de Oliveira Souza: A memória e a história na obra O Posto Seis de Carlos Heitor Cony; Mírian Costa Mesquita: A memória e a história nas crônicas de Raquel de Queiroz no livro O Caçador de Tatu; Leonardo de Oliveira Souza: Jornalismo e Literatura:memória e história nas obras O Ato e o Fato e Posto Seis de Carlos Heitor Cony. Matheus de Mesquita e Pontes. Cotidiano e História nas Crônicas de Carlos Drummond de Andrade; Matheus de Mesquita e Pontes: Memória, cotidiano e história nas crônicas de Carlos Drummond de Andrade.2 Praticamente todos esses trabalhos abordam a crônica como escrita cotidiana da memória escrita cotidianamente no jornal e

2 Este trabalho ganhou o II Prêmio de Iniciação Científica da UFG na área de Ciências Humanas em 2004.

2 procura observar as especificidades estéticas e ideológicas desses diversos autores, dentre eles: Cony, Rachel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade, e atualmente Mário de Andrade. Ainda explorando o debate sobre a relação jornalismo/ literatura/história, orientei o Trabalho de Conclusão de Especialização em História da aluna Vera Lúcia da Silva, que tem como tema Memória, jornal e produção literária no pós-64, em ‘Bebel que a cidade comeu’ de Ignácio Loyola Brandão. Analisando a produção literária como "lugar de memória", esse trabalho traça o processo de produção de Loyola que, constrói uma narrativa literária aproveitando-se amplamente dos recursos do jornalismo. Com a mesma preocupação orientei as pesquisas de especialização de Robson Miguel Pires: Questões urbana: representações do cotidiano nas crônicas de ; de Radamés Vieira Nunes. Sobre crônica, cronista e sociedade: História e cotidiano nas crônicas de na passagem do século XIX.; Sílvio Célio Felício. Crônica e História: Leituras da obra de Jamil Sebba. A monografia de final de curso de Radamés Vieira Nunes. Jornalismo e Literatura: memória e história nas obas O Harém das Bananeiras e Os Anos Mais Antigos do Passado de Carlos Heitor Cony. Orientei ainda outros trabalhos que tratam da relação entre história e literatura. O primeiro deles, de Márcia Fernandes de Lima: Literatura Infantil: Nos meandros de ´O Poço do Visconde de Monteiro Lobato’ , trabalho de conclusão do curso de Especialização em História do Brasil, e ainda o trabalho final de curso de Edna de Fátima Gomes. História e cotidiano nas poesias de Juca da Angélica. Posteriormente orientei a pesquisa de Matheus de Mesquita e Pontes: Possíveis olhares sobre a literatura: produção, memória e identidade em O Cavaleiro da Esperança de e Olga de Fernando Morais (transformada em dissertação de mestrado defendida em 2008 na UFU); a monografia de especialização de Edna de Fátima

3 Gomes Rosa. Uma leitura sobre a formação moral da mulher no século XIX a partir da representação literária de Adolfo Caminha em A Normalista . E ainda as seguintes pesquisas: De Márcia Maria Pedroso - Cotidiano e História na obra O chapadão do Bugre de Mário Palmério.; de Aurélio Martins Rosa. Uma memória do futuro: leituras da obra de Aldous Huxley. De Jefferson Silva de Mesquita. As representações da família na obra Lavoura Arcaica de Raduan Nassar. A pesquisa de Jason Hugo de Paula. Um homem e sua família: uma outra representação de Goiás nos anos 60, também desenvolvida na especialização foi o ponto de partida para sua dissertação de mestrado defendida na UFG. Orientei ainda as monografias de final de curso de:-Leonardo de Oliveira Souza. O golpe militar de 1964 nas obras de C.H. Cony. - Leonice Neres do Prado Almeida. Entre o prazer e o dever: as representações do corpo na obra Gula- O clube dos Anjos de Luis Fernando Veríssimo . - Maria Janete Vieira. Representações do grotesco em O Sorriso do Lagarto de João Ubaldo Ribeiro. - Helen Colandi Vaz Oliveira. Representações do interior em Rosinha Minha Canoa de José Mauro de Vasconcelos. - Maria Madalena Brandão. Representações e Memória do Cotidiano nas Poesias de João Baiano.-Renata Fernandes Miranda. O coronelismo na obra O Tronco de Bernardo Élis. O amplo painel de interlocução com esses autores propiciou aos alunos elaborar uma concepção diferenciada de História, mais especificamente, dos conceitos de “verdade”, “ficção”, “representação”, “imaginário”, “memória”, “cotidiano”. Nestas pesquisas permanecem as reflexões sobre a literatura como documento para o historiador e, ainda, as representações sociais que podem ser construídas a partir dessa documentação; seja analisando a campanha do petróleo desencadeada por Lobato, seja problematizando temas como a família, a loucura, a cidade, a política, seja apresentando o cotidiano rural expresso nas poesias de poetas populares, como Juca da Angélica e João Baiano. Nesses destaca-se

4 também a preocupação com as dimensões da oralidade que marcam o texto escrito, o que nos levou às importantes formulações de Paul Zumthor. Com relação à temática de Ensino de História e Linguagens orientei os seguintes trabalhos: - Éder Richardson Lopes. RPG: Uma modalidade contemporânea de jogo; Edna Maria Pereira da Silva Nascimento. As crônicas no ensino de História - abordagens interdisciplinares.(PROLICEN)- Aurélio Martins Rosa. As novas tecnologias e o ensino de História. As mediações entre história, meios de comunicação de massa e cultura no Brasil contemporâneo são freqüentes temas das pesquisas que oriento, dentre essas, a do aluno Sílvio Célio Felício: Ventos e Vozes do Progresso: A Rádio Cultura de Catalão (2001). Ainda sobre o rádio, orientei a pesquisa de Elizângela Fernandes de Souza Rádio Cultura: Memórias no Ar, defendida no ano de 1998. Larissa Cristina Pacheco. Emilinha Borba: a rainha que não perde a majestade. Rodrigo Marques Bernardo. Uma nova paixão no ar: memórias da Rádio Educadora de Goiandira. Larissa Cristina Pacheco. No ar: mais um romance radialista peruano. Este último aborda um romance de Vargas Llosa escrito sobre o rádio no Peru. Sobre fotografia e televisão orientei os trabalhos de Paulo Soares Augusto. Fotografia e História: leituras e releituras do espaço urbano em Uberlândia e Juliana Carvalho Costa: Televisão e modernidade no filme Absolutamente Certo - Uma leitura dos anos de 1950 no Brasil. Sobre imprensa, orientei o aluno Cleuber Aparecido da Silva, com o trabalho intitulado Centenário da Abolição: Discursos Impressos, e a pesquisa de Renato Aires da Silva. Cuba: Relatos da imprensa capitalista. Duas preocupações centrais podem ser destacadas nesses trabalhos. A primeira delas refere-se à dimensão da memória e a segunda sobre a produção de discursos. Com relação à memória, é perceptível a dimensão efêmera que os meios de comunicação

5 expressam, principalmente no rádio, cuja programação dilui-se instantaneamente nas ondas propagadas ao ar. Nesse sentido, a documentação aqui pesquisada informa-nos que, apesar desse contingente de efemeridade, é possível reconstruir a história desses meios por outras fontes como entrevistas orais, atas, jornais e mesmo textos escritos para serem lidos nos programas. Com relação à produção de discursos, a monografia de Cleuber A. da Silva revela-nos a preocupação com a importância de localizá-los, ou seja, quem os produziu e a quem se dirigem, tornando possível, assim, conhecer as suas implicações políticas e ideológicas. Orientei trabalhos que tratam de música, cinema, festas, como a pesquisa da aluna Pollyana A. Oliveira: Quando o carnaval chegar: samba e utopia nas letras de Chico Buarque (2000), Celestino Neto Guimarães. Racionais Mc´s: música, política e protesto na periferia. 2005. Edna de Sousa Cardoso Simões. As personagens femininas nas canções de Chico Buarque; Celestino Neto Guimarães. Cultura, música e história no Brasil Contemporâneo(especialização). Esses trabalhos enfocam especificamente a música brasileira contemporânea. Sobre festas e cinema orientei as monografias: Rezar, divertir e comprar: A Festa do Rosário em Catalão, escrito pela aluna Valdeci F. L. Ferreira (1996), Cinema e cotidiano: as salas de cinema em Catalão pesquisa realizada pela aluna Eliane A. Silva Rodrigues, (1996), que mais tarde foi desenvolvida como dissertação de mestrado na UFU, e hoje a aluna já desenvolve doutorado na mesma instituição. A referência básica dos dois primeiros trabalhos é a perspectiva de Bakhtin sobre circularidade cultural e a importância do riso e da festa para a construção de uma história cultural. Já o texto sobre as salas de cinema aproveita-se de referências sobre o cotidiano e sua absorção na criação de novas práticas culturais.

6 Sobre as concepções de representação e imaginário, orientei dois trabalhos: O Morro de São João e sua Igreja: a representação e construção do imaginário catalano, escrito pela aluna Ana Inácia N. Assunção (1997) e A Morte no Imaginário Catalano: epitáfios, escritas lapidais no Cemitério Municipal de Catalão, desenvolvido pela aluna Tânia Maria Araújo (2000). As referências de Backzo sobre imaginário social são pontos de partida para pensar esses dois locais da cidade nos quais se estabelece a dimensão da lembrança e do esquecimento. Tanto o Morro e a Igreja de São João, como o Cemitério da cidade são observados como monumentos que expressam, pelas lápides, pelos túmulos, pelo espaço geográfico, pelas portas da igreja, pelos poemas e pinturas a ela destinados, a existência, no imaginário social, destes lugares como referências dos sujeitos sociais que constituem a história da cidade de Catalão. Tratando da questão dos chamados “lugares de memória” e a constituição de espaços físicos nos quais as práticas culturais são constituídas, seja por meio de acervos, seja por meio de ação cultural orientei os trabalhos de: Nivaldo Sousa Gomes. Criação do Centro de Documentação, Informação e Memória da UFG/CAC; Ana Carla Dias. A Fundação Cultural Maria das Dores Campos de Catalão. Diante dos trabalhos apresentados, acredito estar apontando algumas possibilidades para se pensar a história cultural em suas múltiplas e possíveis abordagens, a diversidade dos pontos de partida teórico-metodológicos, as contribuições que possam ter lançado sobre o estudo dos temas. As monografias, aqui apresentadas, revelam um esforço, muitas vezes, rudimentar, das proposições para construção de uma História Cultural. Constituem-se, no entanto, como exercícios de aprendizagem, mas também como expressão de concepções dos significados da construção do conhecimento histórico.

7 A aprovação de alunos por mim orientados tratando de temas e abordagens da História Cultural, em mestrados de universidades como a UFG (Jason), a UFU(Márcia, Aurélio, Matheus, Radamés, Leonardo, Eliane, Vera Lúcia, Paulo ), a UFPR (Angelita), evidenciam o diálogo entre os historiadores de diversas outras instituições e o crescente alcance dessa perspectiva historiográfica. Procuramos nessas orientações aceitar o desafio de Peter Burke de realizar uma história polifônica, que nos revele, a partir dos encontros, o que se ganhou, mas também o que se perdeu, as possibilidades do devir e o que foi. Acreditamos que a História Cultural veio para ficar, como sugere Falcon “creio que a História Cultural chegou para ficar, a fim de se situar no lugar mais eqüidistante que lhe seja possível quer do ‘culturalismo’, quer do ‘economicismo’, ambos velhos, mas resistentes”(2002:108). Podê-se fazer essa história, conforme propõe Hunt(1995), sem se definir por um único modelo, e ainda tomando encontros como ponto de partida, voltar sempre a eles para não perder a dimensão dual e polifônica de sua constituição.

Bibliografia BACKZO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaude. Lisboa: Imprensa Nacional, 1985

BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. São Paulo: Hucitec, 1987.

BURKE, Peter. Variedades de História Cultural. : Civilização Brasileira, 2000

CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: Artes de Fazer. 3ª ed., Petrópolis, RJ: Vozes,

8 1998.

CHARTIER, Roger. Textos, impressão, leitura. In: Hunt, Lyn (org) A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

CHARTIER, Roger. A História cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.

FALCON, Francisco. História cultural: uma nova visão sobre a sociedade e a cultura. Rio de Janeiro: Campus, 2002.

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais: Morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

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ZUMTHOR, Paul. A Letra e a Voz: A “literatura” medieval. Trad. Amalio Pinheiro e Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

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