Memória e Televisão: a programação déjà vu no Canal Viva1

BRESSAN JUNIOR, Mario Abel Nome (Doutorando) 2 PUCRS – Rio Grande do Sul

COSTA, Cristiane Finger (Doutora) 3 PUCRS – Rio Grande do Sul

Resumo: Este artigo apresenta como objetivo analisar as estratégias de programação adotadas pelo Canal Viva para ativar a memória do telespectador. Utiliza-se como métodos de pesquisa o referencial bibliográfico e a análise de conteúdo de Laurence Bardin. Como recorte para análise foram selecionados os gêneros e programas que ocuparam primordialmente a programação nos dias compreendidos entre 04 e 10 de maio de 2015, conforme mostrado na nuvem de palavras composta na metodologia. Apresenta as contextualizações sobre imagem, televisão e grade de programação. Os conceitos de Henri Bergson (1999) sobre corpo, matéria, percepção, lembrança e memória são aplicados para atingir o objetivo proposto na pesquisa. Como resultado é possível concluir que a memória é um importante fator para a conquista e a fidelização do público que já estabeleceu, em tempos anteriores, e volta a estabelecer uma relação de proximidade com o conteúdo divulgado, novamente, pelo Canal Viva. Notou-se que a relação do corpo com a matéria se consistiu em memória porque as imagens mostradas na programação levam a uma percepção e lembrança e que o presente só é concretizado quando se tem um corpo que nele está inserido alguma percepção.

Palavras-chave: Comunicação; Televisão; Memória; Programação; Canal Viva.

Introdução

Em maio de 2015 o Canal Viva completa cinco anos no ar. Consiste numa programação que na sua maioria pertence ao arquivo da Rede Globo de Televisão e é reexibida. Esta grade é formada por , programas de humor e musicais, seriados, filmes antigos e algumas produções do próprio canal. Segundo dados do Ibope (VEJA.COM, 2015), em 2014, o crescimento da audiência junto ao público adulto chegou a 52% em relação ao ano de 2013. Ou seja, aumentou o número de maiores de 25 anos que acompanham a programação.

1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do 10º Encontro Nacional de História da Mídia, 2015. 2 Publicitário, Professor Universitário na UNISUL (SC), doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social na PUCRS / Famecos. Membro do Grupo de Pesquisa Televisão e Audiência (GPTV). E-mail: [email protected] 3 Jornalista, Professora e Doutora no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social na PUCRS / Famecos. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Televisão e Audiência (GPTV). E-mail: [email protected].

Em julho do ano passado, o programa Mulher colocou o Viva em terceiro lugar4 no ranking da TV por assinatura e com a série Carga Pesada, ficou “entre os cinco mais assistidos entre todos os públicos acima de 25 anos”, de acordo com o portal UOL, na sessão Notícias da TV (2014). Diante destes dados, é importante compreender o processo de ativação da memória através da reexibição de uma programação televisiva, visto o aumento da audiência que vem conquistando o Canal Viva. Este artigo apresenta como objetivo analisar as estratégias de programação do Canal Viva que auxiliam na ativação da memória do telespectador. Para isso, foram utilizados para análise as concepções de corpo, matéria, percepção, lembrança e memória de Henri Bergson (1999). Entender a memória é essencial para as diversas áreas em que a sociedade participa, como observa Huyssen (2000, p. 9). É um dos fenômenos culturais e políticos que vem ganhando destaque nas culturas ocidentais. Esse movimento “caracteriza uma volta ao passado que contrasta totalmente com o privilégio dado ao futuro, que tanto caracterizou as primeiras décadas da modernidade do século XX”. Como metodologia, além do referencial bibliográfico, também foi utilizada a análise de conteúdo de Laurence Bardin (2010). Para a pesquisa, foi observada a programação no mês de maio, período em que o Canal comemora cinco anos no ar e como recorte do objeto, foi selecionada uma semana, analisando a programação veiculada entre 04 e 10 de maio de 2015, disponibilizada para consulta no site http://canalviva.globo.com

Programação Televisiva: características e funções

Entender a televisão em seu âmbito social, cultural e histórico se faz necessário para compreender os caminhos que a levaram a ser um dos meios de comunicação de massa mais importante do século XX. “Com a televisão foi o milagre da imagem”, assim é uma das definições de

4 Terceiro lugar entre mulheres acima de 25 anos.

Wolton (1996, p. 5) referente ao aparelho técnico que revolucionou o contexto social da informação, da cultura e da comunicação. Dentre todos os meios de comunicação de massa, foi a TV a responsável por trazer a imagem, em movimento, incorporada ao som e aliando o áudio e o visual num sistema de emissão, transmissão e recepção da informação. Ela é uma instituição social, pública ou privada, distribuidora de imagens, como conceituado por Orozco (2014). A imagem é o principal fator para o sucesso da televisão e, para Wolton (1996), consiste em um conjunto, uma diversidade e uma oferta contínua de cenas, que são cedidas a um grande público que é anônimo e heterógeno. Para o autor, “debruçar- se sobre o status da imagem de televisão é, portanto, debruçar-se sobre o que está na origem do seu sucesso e que temos a tendência de esquecer, de tal forma banalizou-se a televisão” (WOLTON, 1996, p. 67). As experiências coletivas e individuais acontecem em função da programação, que no dizer de Wolton (1996) é uma atividade essencial na televisão e que se deve entendê-la sob três fenômenos: - o primeiro diz respeito a função de calendário e estruturação, visto a TV ser um tipo de relógio puro da vida cotidiana; - o segundo é compreender claramente o que é informação e o que são programas; - o terceiro consiste no respeito entre os diversos gêneros da programação, entendendo a oferta e demanda de variados tipos da programação. Mesmo sabendo de uma organização que é repetida com a sincronia de cenas que constituem uma história fictícia, ou não, o que se ama na TV, para Wolton (1996), são as surpresas das imagens, mesmo organizadas em uma grade e que provoca uma satisfação. “Essa „codificação‟ das emissões tem uma função essencial do ponto de referência cultural e relembra que a recepção não é totalmente livre” (WOLTON, 1996, p. 70). Torna-se imobilizado por estar subordinado a uma sequência convencional de programação. Assim, fica claro que a função da grade de programação é a aceitação da audiência, rendendo, desta maneira, resultado em vendas comerciais e patrocínios. “A força da programação resulta, de fato, da capacidade de apresentar programas que nem sempre têm garantido o sucesso da audiência” (WOLTON, 1996, p. 70). Consiste, também, num dispositivo panóptico (FECHINE, 2014), em virtude de que se a grade de programação for interrompida ou algo novo acontecer, a

TV modificará sua programação para deixar os telespectadores informados e participantes, mesmo num processo passivo. Fechine (2014), ainda, lembra de que nestas ou em outras situações, a transmissão da programação de forma direta exerce um papel de “programadora” da vida social, mesmo em outras telas ou nos conteúdos por demanda. É na programação que a televisão se encontra com o seu público, diz Cannito (2010). Além disso, ela torna-se necessária em função da organização do canal, na construção da realidade e no agendamento de horário. Wolton (1996, p. 106) explica que “a programação, mesmo que não seja jamais respeitada, é uma espécie de construção da relação com a realidade que ordena tanto os programas como o calendário do tempo cotidiano”. Além disso, provoca igualdade para grande massa, informando de forma análoga a todos, creditando confiança. O telespectador confia na televisão. Sobre isso Wolton (1996, p. 71) destaca:

a programação tem também uma outra vantagem: ser a prova tangível da igualdade de acesso aos tipos de imagem. Ora, a igualdade desemprenha um papel essencial no sucesso da televisão, pois proporciona, de modo incontestável, a informação que permite a cada um ver e ouvir os políticos, o que, sabemos, é para eles uma prova cruel de sinceridade [...] É assim que passamos da idéia de igualdade àquela, também fundamental, de confiança: o público confia na televisão e naqueles que a fazem, creditando a eles a vontade de apresentar aquilo que existe de mais interessante e de mais importante.

Ao ser operada em tempo real, a programação, conforme diz Fechine (2014), cria uma prática comum de ver TV. Todos assistem ao mesmo tempo um mesmo programa, o contato com se manifesta pela transmissão direta. “Parece ser justamente o resultado do senso de que algo está se atualizando (se fazendo) agora tanto aqui (espaço do „eu‟) quanto lá (espaço do „outro‟): um contrato produzido pela e na duração” (FECHINE, 2014, p. 125).

A teoria da memória para Bergson

Para atingir o objetivo proposto por este artigo, foram selecionados os conceitos de memória, percepção e lembrança para Henri Bergon. Neste sentido, é necessário apresentar algumas de suas concepções sobre corpo e matéria e os

desdobramentos teóricos para chegar ao conceito de memória. Na obra de Bergson (1999), um dos principais pontos para se entender e discutir a memória é entendê-la na relação com o corpo e matéria. É no corpo, segundo o autor, que as imagens externas são intensificadas em função da potencialidade de ver sua ação sobre os objetos que os cercam. Neste vínculo, corpo e imagem, que se constrói de forma subjetiva a relação dos objetos com o mundo. A matéria consiste no conjunto destas imagens. “Chamo de matéria o conjunto das imagens, e de percepção da matéria essas mesmas imagens relacionadas à ação possível de uma certa imagem determinada, meu corpo” (BERGSON, 1999, p. 17). O corpo, neste sentido, aparece como um mecanismo de produção destas imagens. Para o autor, os indivíduos captam das imagens os fatos e acontecimentos que configuram a relação social com os objetos, por isso, a imagem faz parte da memória. É com elas que o cérebro aciona a função de identificação da lembrança, situando o passado e o presente, através da percepção.

Não há percepção que não esteja impregnada de lembranças. Aos dados imediatos e presentes de nossos sentidos misturamos milhares de detalhes de nossa experiência passada. Na maioria das vezes, estas lembranças descolam nossas percepções reais, da quais não retemos então mais que algumas indicações, simples „signos‟ destinados a nos trazerem à memória antigas imagens (BERGSON, 1999, p. 30).

A percepção, por mais breve que ela possa ser, apresentará sempre uma certa duração, diz Bergson (1999), e isso resulta num esforço da memória em prolongar uma diversidade de situações e momentos, constituindo umas das principais contribuições para a consciência individual na percepção, que é o lado subjetivo do “conhecimento das coisas” (1999, p. 31). Subjetivo por que cada um estabelece uma relação com aquilo que o rodeia, ou seja, que está na proximidade do corpo, produzindo matéria. As lembranças e a percepção estão juntas, uma depende da outra para acontecer. Bergon (1999, p. 70) esclarece que “nossas percepções estão certamente impregnadas de lembranças, e inversamente uma lembrança [...], não se faz presente a não ser tomando emprestado o corpo de alguma percepção onde se insere”. Desta forma, diz o autor, a memória fica inseparável da percepção, intercalando o passado no

presente, condensando momentos variados e que com isso percebamos em nós a matéria, ou seja, o conjunto de imagens e a sua relação com os objetos exteriores. A centralidade ocupada pelo corpo faz com que ele reaja sobre as coisas que os cercam e isso estabelece o que Bergson (1999) fala sobre a teoria da memória, visto que o corpo colocado entre os objetos é um condutor que se responsabiliza em receber movimentos e os transmite em ações escolhidas ou voluntárias, elaborando uma memória composta por imagens adquiridas ao longo do tempo. Por isso, esta relação do corpo, matéria e memória, para o autor, consiste em um dispositivo motor que se arquiva a ação do passado.

É portanto na forma de dispositivos motores, e de dispositivos motores somente que ele pode armazenar a ação do passado. Donde resultaria que as imagens passadas propriamente ditas conservam-se de maneira diferente, e que devemos, por conseguinte, formular esta primeira hipótese: I – O passado sobrevive sob duas formas distintas: 1) em mecanismos motores; 2) em lembranças independentes (BERGSON, 1999, p. 83 e 84).

Seriam estes dois pontos que dariam a ordem prática da memória, segundo Bergson (1999). Para ele, o reconhecimento se dá de dois caminhos: o primeiro de forma automática, devido às circunstâncias, buscando no passado algo para dirigir o presente e o segundo no reconhecimento do objeto com os movimentos que são originados do próprio objeto e por representações que nascem pelo sujeito, ou seja, só se reconhece o objeto presente quando há uma representação do individuo sobre ele. Com isso, Bergson (1999, p. 84), justifica que o corpo pode ser considerado esta demarcação “movente” entre o futuro e o passado, “como de uma extremidade móvel que nosso passado estenderia a todo momento em nosso futuro”. Para ele, a consciência guarda as imagens de situações que o sujeito viveu e as alinha em ordem de sucessão. Poderia isso causar alguma confusão entre o que é presente e o que é realidade, mas que permanece organizado em uma sequência capaz de perceber a atualidade. A ação de reconhecer algo é que faz sentido na elaboração da memória. O reconhecimento, por exemplo, de acordo com Bergson (1999), é o ato capaz, concreto, pelo qual reassumimos o passado no tempo presente. É com a percepção das imagens que se chega ao reconhecimento. Para o autor há duas formas de se explicar o déja vu: ao encontrarmos uma pessoa pela primeira vez, a percebemos de forma natural. Ao

reencontrá-la, em uma segunda situação, a reconheceremos pelas circunstâncias gravadas na percepção obtida no primeiro encontro. Isso provocaria um desenho sobre a imagem atual, que não é o mesmo. Ou seja, seria uma mescla de algo visto no passado, com o que é visto atualmente. Ao rever a pessoa, lembranças do primeiro encontro com ela, como algumas características físicas, por exemplo, voltariam na memória e reconfiguraria esta imagem atual. Desta forma, este reconhecimento manifesta-se numa percepção presente na imagem dada. Para Bergson, a percepção presente sempre recorre à memória a lembrança da percepção anterior. Este sentimento do déja vu consiste na união entre percepção e lembrança. “A lembrança só surge uma vez reconhecida a percepção” (BERGSON, 1999, p. 101). O passado só é reconhecido por estas imagens-lembranças, que vem da percepção e que formaliza a ação da memória. A referencialidade com o passado é convencionada nesta relação de ir e vir num tempo, dentro destes dispositivos moventes, a consciência, e que há um estado presente.

Memória e programação no Canal Viva

Para atingir o objetivo deste artigo, propõe-se como método de investigação, a técnica de análise de conteúdo de Laurence Bardin (2011). Para a autora, a análise de conteúdo consiste em mostrar indicadores, podendo ser quantitativos ou qualitativos, que permitem o conhecimento sobre as condições de produção e recepção das mensagens e que a categorização consiste na classificação de elementos reagrupados seguindo critérios previamente definidos, reunindo classes ou rubricas sob um título geral, observando as características comuns destes elementos. Para esta investigação, o primeiro indicador consistiu em listar toda a grade de programação do Canal Viva entre os dias 04 e 10 de maio de 2015. Período escolhido por ser o mês de aniversário do veículo e apresentar a primeira segunda-feira do mês, critério selecionado pelos pesquisadores, ao considerar que, culturalmente, a semana sempre inicia na segunda-feira. Como critério para separação do corpus de análise, seguiu o que Bergson (1999) fala sobre a concepção da memória, que para ele provém de percepções e

lembranças. Para isso, a programação do Canal Viva foi dividia em dois grupos: 1- Programas Memória; e 2 – Programas Reprises. O primeiro agrupa os programas exibidos depois de um intervalo de tempo entre a exibição original na Rede Globo e a reexibição no Viva, de pelo menos 5 anos e que provocam através das imagens, as percepções e lembranças. No segundo grupo estão os programas que são exibidos pela Rede Globo de Televisão e no mesmo dia, ou no próximo, são reexibidos no Viva, em um horário alternativo, conforme tabela a seguir:

Tabela 1: Divisão da programação Grupo 1 Grupo 2 Programas Memória Programas Reprise Programas Estrangeiros Programas Nacionais Programas Nacionais Sessão Viva Escolinha do Professor Raimundo Estrelas SOS Babá Toma lá da cá Cadeirão do Huck Conselhos Supernany Sai de Baixo Vídeo Show Rescue 911 Os Normais Bem Estar Mr.Bean Viva o Gordo Mais Você Gargalhadas A Diarista Pedaginhas Família Dinossauro Malhação Mulher Carga Pesada As Cariocas Sandy e Junior Cassino do Chacrinha A Turma do Didi Quadros do Fantástico

Fonte: Site Canal Viva e elaborado pelos autores

No total foram exibidos 30 programas, alguns deles são reprisados duas vezes ao dia. O segundo critério para estabelecer o corpus desta pesquisa foi escolher para análise apenas as produções nacionais, da Rede Globo. Este conteúdo pode ser enquadrado no que Bergson (1999) discute sobre dispositivos motores que armazenam o passado. Já que o que importa neste artigo é verificar o uso da programação como fator estratégico para ativação da memória de um público que é nacional. Seguindo a proposta de Bardin (2011), para formar o corpus da pesquisa, uma nuvem de palavras foi elaborada com o propósito de delimitar os programas para análise. Para a autora, palavras e temas são significativos num processo de investigação,

ainda mais observando a frequência de registro e de incidência do termo. Para a criação desta nuvem, os nomes dos programas foram descritos de acordo com a quantidade de vezes que aparecem no site do canal Viva5, incluindo o número de exibições na semana. Desta forma, é possível ver através da representação visual da nuvem os termos que mais se destacam6. Para isso, o site word It Out7 serviu como ferramenta ao disponibilizar o espaço para serem inseridas as expressões e formar a figura visual da nuvem.

Figura 1: Nuvem de palavras da programação Viva

Fonte: Site word It Out. Elaborado pelos autores

Após a projeção visual das incidências dos termos, ou seja, dos programas mais exibidos na programação do Canal Viva, foram selecionados os 08 que apresentaram maio destaque e com isso, maior relevância, conforme evidenciados na tabela abaixo, juntamente com o tempo de intervalo entre a estreia na Rede Globo e a sua reexibição.

5 http://canalviva.globo.com 6 Para a elaboração da nuvem, os títulos dos programas que possuem mais de um termo (palavra) foram organizados e colocados como sendo um único vocábulo. Exemplo: Para que o título O Dono do Mundo pudesse ser apresentado com uma única expressão, registrou-se a seguinte tag: ODonoDoMundo 7 Endereço do site: http://worditout.com/word-cloud/make-a-new-one

Tabela 2: Intervalo de tempo entre a estreia e a reexibição no Viva Programa Intervalo entre estreia e reexibição no Viva O Dono do Mundo 24 anos Tropicaliente 21 anos Malhação 12 anos Pedra Sobre Pedra 23 anos Sandy e Junior 15 anos Sessão Viva Não mensurado A Turma do Didi 17 anos Escolinha do Professor Raimundo 25 anos Fonte: Site do Canal Viva e elaborado pelos autores

Como discutido anteriormente, para esta análise, serão consideradas somente as produções nacionais. Desta forma, a Sessão Viva8 ficará ausente neste processo de investigação. Ao analisar a programação selecionada pelos critérios descritos acima, é possível ver que o Canal Viva estabelece o fluxo contínuo da programação. Os horários de exibição permanecem o mesmo, mesmo com os horários alternativos. Estes (7)sete programas são veiculados sempre no mesmo horário. Isso reforça o que diz Fechine (2014) sobre o sentido de presença a partir da programação, pelo fluxo e exibição em tempo real, não deixando o espectador sozinho, como diz Wolton (1996), com o conjunto de imagens organizadas que a compõe. É nesta relação com as imagens do canal, diante da organização em grade, que começa a se estabelecer o que Bergson (1999) destaca sobre teoria da memória. O espectador é um corpo diante de um objeto que é a programação. Entre eles há reagentes motores que impulsionam as percepções e as lembranças. Em relação aos horários de exibição das telenovelas, Malhação acontece pela manhã e a no início da tarde, seguido por três histórias, O Dono do Mundo, exibida em 1991, Pedra sobre Pedra, 1992 e Tropicaliente de 1994. Destas, somente as duas primeiras foram veiculadas no horário nobre da Rede Globo, na faixa das 20h30min. Malhação como é um trabalho que permanece no ar há 20 anos, o Canal Viva a exibe

8 O programa Sessão Viva consiste na exibição de filmes americanos e europeus antigos

por temporadas. A que está sendo reprisada é a de 2003. (DICIONÁRIO DA TV GLOBO, 2003). Ao ser reexibida, esta programação passa a ser configurada em uma imagem que automaticamente se constituiu por uma lembrança. A programação do canal Viva passa ser um objeto que sofre uma reação em contato com o corpo, através da matéria, neste caso, o conjunto de imagens. Como discutido anteriormente, Bergson (1999) esclarece que o corpo ao estar diante destas imagens, lembra de acontecimentos e consequentemente estabelece uma relação social com os objetos. Isso se faz memória para Bergson. Na programação do canal, o que chama a atenção é o seu horário nobre. Diferente da Rede Globo e da época em que estas produções foram exibidas, não pertencem a faixa de horário entre 18 e 20 horas, o que configurou a grade: “novela das seis, sete e das oito”. No Viva, estas passam a ser reexibidas em um horário diferente, das 13 às 16 horas. Esta organização é necessária para a Rede Globo não concorrer com ela mesma. Uma definição do Viva é não exibir nos mesmos horários da “emissora mãe” e em termos de audiência isso vem sendo bastante positivo. Em 2014, ele foi líder entre os canais de TV por assinatura, “nos horários de exibição das atrações, às 14h30, às 15h30 e à 0h”, de acordo com a pesquisa do Ibope MW (VEJA.COM, 2015). Wolton (1996) diz que a programação é uma espécie de construção da realidade e que funciona como calendário do tempo. Mesmo sendo uma outra grade, em outro tempo, o Viva permanece como condutor temporal ao agendar as telenovelas em horários fixos. A memória neste caso passa a ser constituída pela percepção. Percepção e lembrança estão juntas, diz Bergson (1999). Isto porque a lembrança só se faz presente em um corpo onde ocorre a percepção de algo sobre o que desencadeou esta mesma lembrança. Bergson (1999) destaca que o corpo faz esta marcação “movente” entre o que é o passado e o futuro. As imagens são organizadas numa sequência de sucessão para dar ao indivíduo a sensação de que ele esta assistindo algo transcorrido. A consciência sabe que o corpo encontra-se no presente e que o reconhecimento de algo é que faz com que reassumimos este tempo antigo.

É possível dizer que a Televisão faz o individuo viver entre o presente e o passado e até mesmo nesta relação de “sonho”, misturando os tempos vividos. Ela reativa a noção de tempo através das imagens-lembranças que estão dentro de uma consciência e que volta ao presente real. Há o déjà vu como explicado por Bergson (1999). Ao reencontrar estas imagens na programação, se reconstrói um novo quadro sobre a imagem original. Este quadro é composto pelas lembranças daquilo que foi visto pela primeira vez. São pelas lembranças pessoais que se pode ter um “desenho” de nossos momentos vividos. Estas lembranças são transitórias e se materializam por acaso, seja pela atração corporal de alguma situação acidental ou por alguma indeterminada que deixa livre o campo da manifestação da lembrança e que resultará na memória. Com isso, o autor explica que a “imensa maioria de nossas lembranças tem por objeto os acontecimentos e detalhes de nossa vida, cuja essência é ter uma data e, consequentemente, não se reproduzir jamais” (BERGSON, 1999, p. 90). Neste caso, as lembranças voltam com algo que é reexibido tempos depois. A ação, o acontecimento não se reproduzirão presencialmente, mas a lembrança virá com um objeto que se faz presente novamente e que esteve no passado do sujeito. A programação do Canal Viva faz reviver uma situação na memória por apresentar outra vez o objeto, neste caso, os programas de televisão, que foram assistidos anos antes. O que pode ser questionado é porque as novas gerações, que não haviam visto estes programas, assistem agora. Talvez o fato de o Canal disponibilizar em seu “cardápio” (HOINEFF, 1996), uma variedade de itens, de diferentes décadas, possa explicar esta audiência. Quem acompanhou Sandy e Junior em 1998, pode não ter assistido O Dono do Mundo em 1991. Mas no quadro geral de programas do Viva, outras percepções surgem em função da linguagem e do fluxo. Assim, o que o sujeito viveu, não volta, mas a memória do que foi vivido retorna pelas imagens produzidas na programação.

Certamente uma lembrança, à medida que se atualiza, tende a viver numa imagem; mas a recíproca não é verdadeira, e a imagem pura e simples não me reportará ao passado a menos que seja efetivamente no passado que eu vá busca-la, seguindo assim o progresso contínuo que trouxe da obscuridade à luz (BERGSON, 1999, p. 158).

Ou seja, uma imagem só é lembrança se estiver relacionada com algo do passado, que venha se manifestar no presente, de escondido passa a ser visto. É esta a função da programação do Canal Viva, tende a buscar na lembrança, uma memória para o telespectador viver o seu presente. A estratégia é despertar a memória, que pode ser afetiva, o que nos leva a tempos passados, quando éramos mais jovens, talvez ativando uma memória seletiva que prefere lembrar o que é bom e esquecer o que é ruim. Para Bergson (1999), o presente é sensório-motor, é uma atitude frente ao futuro imediato e que o passado apenas torna-se imagem, mas que o faz confundir com tempo atual, visto que ao se transformar em imagem, se estabelece como memória, deixa o estado de lembrança pura.

Considerações Finais

A programação analisada quando exposta novamente ao telespectador, estabelece uma relação de percepção, lembrança e memória. Isso somente para quem a reassiste. Já que para haver memória é preciso ter vivido algo no passado para que ocorra a lembrança. O corpo, sensório-motor, diante do objeto, neste caso, a programação, reage ao receber algum estímulo por uma percepção. A relação do corpo com a matéria se consistiu em memória por que as imagens mostradas na programação levam a uma percepção e lembrança. E só irá funcionar como memória a partir de algo que se manifestou por estar diante da programação. Por exemplo, na telenovela O Dono do Mundo, uma cena qualquer na história poderá trazer alguma lembrança para alguém que a assistiu 24 anos atrás. Isso provavelmente será desencadeado por uma percepção que foi reconhecida tempos depois, podendo remeter a uma situação vivida na época, trazendo sentimentos variados, tristes, alegres, dependendo do que foi “arquivado” no cérebro e só foi “liberado” por esta percepção encontrada na telenovela, ou seja, na programação. Mesmo sendo algo subjetivo, como explicado por Bergson (1999), o vínculo, corpo e imagem, se edifica de maneira individual dentro da relação dos objetos com o mundo. É a ordem prática da memória, ou seja, o passado só sobrevive pelos

mecanismos motores e pelas lembranças independentes, num contexto subjetivo. As telenovelas, bem como os outros programas investigados, favorecem esta ação, no sentido que foi possível compreender a ativação da memória na relação com o corpo e matéria. O presente só é concretizado quando se tem um corpo que nele está inserido alguma percepção. Só assim haverá memória. A Turma do Didi, Sandy e Junior, Escolinha do Professor Raimundo e as telenovelas, podem estar impregnadas de percepção e lembranças. Bergson (1999) justifica que as lembranças ativam nossas percepções e que nos trazem à memória as imagens antigas. A estratégia do Canal Viva é ativar a memória com estas percepções e lembranças não só em um público específico, visto que dentre estes 7 analisados, a audiência é heterogênea, os gêneros e a classificação etária são distintos. A criança que assistiu A Turma do Didi agora o reassite como adulto. O homem ou mulher de trinta anos que acompanhou Pedra Sobre Pedra, agora revive a história 23 anos depois. É desta forma, que estrategicamente o canal conquista audiências. A programação, como explicado por Fechine (2014) situa o telespectador numa sequencia de espaços, o estar agora e aqui, quanto lá em companhia com o outro. A programação do Canal Viva propõe um terceiro tempo que é o passado. Além de se perceber assistindo os programas, o sujeito estará vivendo também um outro período que serão materializados em sua memória. A televisão como observado por Wolton (1996) constitui uma diversidade de imagens, são por elas que se “traduz” o status da televisão, ao ponto de que com estas transmissões, “todo o mundo assiste à mesma coisa”, não da mesma maneira, mas que que há um movimento homogêneo e simultâneo (1996, p. 133). Pensando nestas ponderações, é possível refletir nesta relação de TV generalista e TV fragmentada. Para Wolton (1996), esta última, consiste na oferta de uma programação amálgama de gêneros, alinhando especificidades de preferências e demandas. O Canal Viva, mesmo sendo um canal fechado, pago e por assinatura, possui diversidades em sua programação no que se refere aos tipos de programas. Assim a memória pode ser mais um “gênero” para ser incluído nas classificações de ofertas entre os canais. Um estudo mais detalhado pode ser realizado ao ouvir do telespectador o que se tem de percepção, lembrança e memória através das imagens exibidas novamente depois de tanto tempo.

Referências

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. 6.ed. Lisboa: Edições 70, 2011.

BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

CANNITO, Newton. A televisão na era digital: interatividade, convergência e novos modelos de negócio. São Paulo: Summus, 2010.

DICIONÁRIO DA TV GLOBO, v. 1: programas de dramaturgia & entretenimento. Projeto Memória das Organizações Globo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

FECHINE, Yvana. Elogio à programação: repensando a televisão que não desapareceu. In.: CARLÓN, Mario; FECHINE, Yvana (Orgs.). O fim da televisão. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2014.

HOINEFF, Nelson. A nova televisão: desmassificação e o impasse das grandes redes. Rio de Janeiro: 1996.

HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.

VEJA.COM. Novelas do canal Viva foram líderes de audiência na TV paga em 2014. Publicado em 16 de jan. de 2015. Disponível em: . Acessado em: 19 de abr 2015

NOTÍCIAS DA TV. Canal pago Viva cresce 21% com nova faixa de reprises da Globo. Publicado em 01 de jul 2014. Disponível em: Acessado em: 19 de abr 2015

OROZCO, Guillermo. Televisão: causa e efeito de si mesma. In.: CARLÓN, Mario; FECHINE, Yvana (Orgs.). O fim da televisão. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2014.

WOLTON, Dominique. Elogio do grande público: uma teoria crítica da televisão. São Paulo: Ática, 1996.