Universidade do Estado do Centro de Tecnologia e Ciências Instituto de Geografia

Krycia da Silva Perni

Dois lugares, dois caminhos: Maracanã e São Januário

Rio de Janeiro 2017 Krycia da Silva Perni

Dois lugares, dois caminhos: Maracanã e São Januário

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Gestão e Estruturação do Espaço Geográfico.

Orientador: Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas de Jesus

Rio de Janeiro 2017

CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CTC/C

P452 Perni, Krycia da Silva. Dois lugares, dois caminhos: Maracanã e São Januário / Krycia da Silva Perni. – 2017. 119 f.: il.

Orientador: Gilmar Mascarenhas de Jesus. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Geografia. Bibliografia.

1. Geografia Humana – Rio de Janeiro (RJ) – Teses. 2. Territorialidade Humana – Rio de Janeiro (RJ) – Teses. 3. Estádios – Rio de Janeiro (RJ) – Teses. 4. Estádio de São Januário – Rio de Janeiro (RJ) – Teses. 5. Estádio do Maracanã – Rio de Janeiro (RJ) – Teses. I. Jesus, Mascarenhas de. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Geografia. IV. Título.

CDU 911.3(815.3)

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese, desde que citada a fonte.

______Assinatura Data Krycia da Silva Perni

Dois lugares, dois caminhos: Maracanã e São Januário

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Gestão e Estruturação do Espaço Geográfico.

Aprovada em 30 de agosto de 2017. Orientador: Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas de Jesus Instituto de Geografia – UERJ

Banca Examinadora:

______Prof. Dr. Silvio Ricardo da Silva Universidade Federal de Minas Gerais

______Prof. Dr. Felipe Tavares Paes Lopes Universidade de Sorocaba

______Prof. Dr. Demian Garcia Castro Colégio Pedro II

Rio de Janeiro 2017 AGRADECIMENTOS

Quero agradecer, еm primeiro lugar, а Deus, pela força е coragem durante toda esta longa caminhada. Dedico esta, bеm como todas аs minhas demais conquistas, аоs meus amados pais Luiz Carlos е Cléia. Pai, você iniciou esse trabalho ao me levar, ainda criança, nas arquibancadas de São Januário, para torcer ao seu lado pelo Vasco da Gama. Agradeço também ао mеu esposo, Afonso, quе dе forma especial е carinhosa mе dеu força е coragem, mе apoiando nоs momentos dе grandes dificuldades, mesmo nos feriados, fins de semana e férias que fiquei trabalhando sobre esta dissertação. Ao meu irmão por cada comemoração de gol ao seu lado ou a km de distância. Aos meus preciosos sobrinhos Kalynne, Miguel, Karol, Bernardo e João, pois suas alegrias, abraços e sorrisos encantadores, foram fundamentais para a continuidade deste trabalho, meus melhores е maiores presentes... Aos meus sogros, cunhados e cunhadas pela família que formamos. Agradeço аo meu professor orientador Gilmar Mascarenhas quе teve paciência е quе mе ajudou a concluir еstе trabalho e ao grupo de pesquisa Megaeventos Esportivos e Cidades no qual participei. A família Silva Martins pelas alegrias compartilhadas nessa longa amizade. Aos amigos Geoloucos, em especial ao Garça (Vagner), a amiga Milena Melo, ao amigo Fernando e aos professores da FFP prof. Andrelino, prof. Karol e prof. Santana pela grande ajuda nessa caminhada. Aos amigos Camila, Elieser e Bruno pela amizade e pelas longas conversas de apoio nas quintas. Aos colegas, professores e funcionários do PPGEO-UERJ;

Camisas Negras

Eu vou torcer Aqui eu ergui meu templo para vencer Eu já lutei por negros e operários Te enfrentei, venci, fiz São Januário Camisas Negras que guardo na memória Glória, lutas, vitórias esta é minha história

Que honra ser Saiba eu sou vascaíno, muito prazer Jamais terás a Cruz, este é meu batismo Eu tive que lutar contra o teu racismo Veja como é grande meu sentimento E por amor ergui esse monumento Torcida do Vasco RESUMO

PERINI, Kyrcia da Silva. Dois lugares, dois caminhos: Maracanã e São Januário. 2017. 120 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

Para sediar a Copa do Mundo de futebol em 2014, alguns estádios brasileiros escolhidos para realizar as partidas passaram por transformações em seus espaços, provocando inúmeras mudanças tanto no seu entorno como em seus interiores com a colocação de cadeiras nas arquibancadas, coberturas e a construção de espaços gourmet, sob a alegação de maior conforto e segurança para os torcedores. Este trabalho busca a identificação e a comparação da Arena Maracanã com o antigo conceito de estádio, sobretudo, com o Estádio de São Januário (RJ), observando os usos e as identidades que ambos os conceitos de práticas do futebol geram para os participantes. Com a introdução dessa nova economia do futebol, essas medidas ajudaram a afirmar o processo de elitização, que já estava em curso, do estádio do Maracanã e tornaram o acesso ao estádio mais seletivo e excludente. Entretanto, a poucos quilômetros deste estádio, está localizado o estádio de São Januário, que pertence ao Clube de Regatas Vasco da Gama e que não passou pelas mesmas transformações do futebol moderno. Por apresentar características de um futebol tradicional com arquibancadas de concreto, sem cobertura e com livre circulação por toda a sua arquibancada, e ainda, por estar localizado em um território ocupado por uma comunidade que convive com os torcedores e com o clube em seu cotidiano, este passou a apresentar características mais hostis para receber os jogos, não se enquadrando nos padrões exigidos pelos novos gestores do futebol. Nessa direção, a hipótese principal do trabalho é que os espaços de torcer de ambos os estádios (internos ou externos) são ocupados de forma diferenciada por seus torcedores. Esta análise compara as diferentes trajetórias de ambos os estádios enquanto lugares de torcer, assim como identifica os distintos processos de apropriações espaciais em seus arredores. Foi possível observar que, com a realização do Mundial de 2014, a privatização do Maracanã foi acelerada e ainda ocorreu o aumento do processo de ―marginalização‖ dos estádios que não possuem os padrões de qualidade exigidos pela FIFA, e São Januário passou a ser um território hostil. Desta forma, este tenta manter suas tradições mesmo com o aumento do processo de ―arenização‖ e elitização dos estádios brasileiros.

Palavras-chave: Geografia. Maracanã. São Januário. Território. Lugar.

ABSTRACT

PERINI, Kyrcia da Silva. Two places, two paths: Maracanã and São Januário. 2017. 121 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

To host the Soccer World Cup in 2014, some Brazilian stadiums chosen to carry out the matches underwent transformations in their spaces, provoking numerous changes both in their surroundings and in their interiors with the placement of chairs in the bleachers, roofing and the construction of gourmet spaces, under the claim of greater comfort and safety for the fans. This work seeks to identify and compare the Arena Maracanã with the old concept of stadium, especially with the São Januário Stadium (RJ), observing the uses and identities that both concepts of soccer practices generate for the participants. With the introduction of this new soccer economy, these measures helped to affirm the process of elitization, which was already under way, of the Maracanã Stadium and made access to the stadium more selective and exclusive. However, a few kilometers from this stadium, is located the São Januário Stadium, which belongs to the Vasco da Gama Regattas Club and has not undergone the same transformations as modern football. Because it presents characteristics of a traditional football with concrete bleachers, without coverage and with free circulation throughout its bleachers, and also, because it is located in a territory occupied by a community that lives with the supporters and with the Club in its daily life, this one has presented more hostile characteristics to receive the games, not conforming to the standards demanded by the new managers of the soccer. In this direction, the main hypothesis of the work is that the support spaces of both the stadiums (internal or external) are occupied differently by their supporters. This analysis compares the different trajectories of both stages as supporting places, as well as identifying the distinct spatial appropriation processes in their surroundings. It was possible to observe that with the 2014 World Cup, the privatization of Maracanã was accelerated and there was still an increase in the process of "marginalization" of stadiums that did not meet the quality standards required by FIFA, and São Januário became a hostile territory. In this way, this one tries to maintain its traditions even with the increase of the process of "turning into arenas" and elitization of the Brazilian stadiums.

Keywords: Geography. Maracanã. São Januário. Territory. Place. LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – O primeiro estádio do Bangu...... 28 Figura 2 – Primeira arquibancada no campo da Rua Guanabara...... 29 Figura 3 – Arquibancada no campo da Rua Guanabara com torcedores em dia de jogo do Fluminense...... 30 Figura 4 – Estádio das ...... 32 Figura 5 – Arquibancada do Estádio das Laranjeiras lotada com torcedores no sul americano de 1919...... 33 Figura 6 – Reportagem de um jornal da época sobre o lançamento da pedra Fundamental do Estádio Vasco da Gama em 1926...... 38 Figura 7 – Estádio Vasco da Gama em construção ainda sem o anel da arquibancada...... 39 Figura 8 – Estádio Vasco da Gama...... 40 Figura 9 – Imagem de satélite: São Januário e sua proximidade com a Av. Brasil.. 41 Figura 10 – Manchete sobre a inauguração do estádio do Pacaembu ...... 43 Figura 11 – Derby Clube...... 49 Figura 12 – Manchete do jornal O Globo sobre como seria o Estádio Nacional...... 49 Figura 13 – Estádio do Maracanã em 1950...... 50 Figura 14 – Manchete do Jornal Correio da Manhã sobre a inauguração do Maracanã...... 51 Figura 15 – Capa do Jornal dos Sports sobre a inauguração do Maracanã...... 52 Figura 16 – Manchete do jogo Santos X Milan no Maracanã em 1963...... 54 Figura 17 – Manchete do Jornal O Globo sobre o jogo do Santos no Maracanã...... 54 Figura 18 – Manchete do jogo entre Vasco e Real Madrid, em 8/2/1961 no Maracanã...... 55 Figura 19 – Estádio das Laranjeiras nas décadas iniciais do século XX...... 59 Figura 20 – Dulce Rosalina...... 61 Figura 21 – A Charanga do Flamengo: o carnaval invade os estádios...... 63 Figura 22 – Cenas de violência entre os torcedores e a polícia...... 67 Figura 23 – Mapa da violência nos arredores do estádio do Maracanã nos dias de jogo...... 68 Figura 24 – O esquema da polícia para um jogo no Maracanã...... 69 Figura 25 – As Manchetes fizeram o Maracanã perder a identidade de maior do mundo...... 71 Figura 26 – As primeiras reformas do Maracanã...... 72 Figura 27 – Camarote do Maracanã após a reforma que implantou o padrão Fifa no estádio...... 75 Figura 28 – Camarotes do Maracanã com a visão para o campo...... 75 Figura 29 – Setor oeste inferior do Maracanã...... 76 Figura 30 – Setor Maracanã Mais com buffet nos jogos...... 77 Figura 31 – Presidente Getúlio Vargas chega para um discurso de 1º de maio em São Januário...... 83 Figura 32 – Desfile do 1º de maio em São Januário...... 84 Figura 33 – Getúlio Vargas em São Januário em 1º de maio de 1941...... 84 Figura 34 – Manchete de jornal sobre os desfiles das escolas de em São Januário em 1936...... 85 Figura 35 – Jogo de Tênis e disputa de atletismo em São Januário...... 86 Figura 36 – Foto do início da ocupação da Barreira do Vasco...... 88 Figura 37 – Foto de 1950, a comunidade da Barreira ao fundo do estádiodo Vasco...... 89 Figura 38 – Censo demográfico de 1950 -1º-VII – 1950...... 89 Figura 39 – Crianças jogando bola na entrada da comunidade em dia de jogo em São Januário...... 92 Figura 40 – Manchete de jornal sobre o temor da falta de segurança emSão Januário pelo técnico ...... 94 Figura 41 – Reportagem sobre São Januário não ser capaz de receber jogos...... 95 Figura 42 – Manchete sobre Vasco x Flamengo em São Januário...... 96 Figura 43 – Mensagem da torcida do Vasco no muro próximo à entrada dosvisitantes em São Januário...... 98 Figura 44 – Pintura da palma da mão de alguns torcedores no muro de São Januário, demostrando a apropriação deste território...... 98 Figura 45 – Pintura no muro com a data de fundação do clube nos arredoresde São Januário...... 99 Figura 46 – Muro ao redor de São Januário...... 99 Figura 47 – Calçada do estádio de São Januário...... 100 Figura 48 – Comércio nos arredores do estádio de São Januário nos diasde jogos... 101 Figura 49 – Uso do espaço público pelos comerciantes e torcedores nosarredores do estádio de São Januário...... 101 Quadro 1 – Os 8 piores estádios do Brasil para a torcida visitante...... 102 Figura 50 – Policiais disparando spray de pimenta nos torcedores...... 104 Figura 51 – Policiais disparando bombas dentro do estádio...... 104

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 14 1 O ESTÁDIO ENQUANTO ESPAÇO DE SOCIABILIDADE E DE PRODUÇÃO DE IDENTIDADES...... 23 1.1 O pontapé inicial no futebol carioca ...... 24 1.2 Os primeiros jogos cariocas, seus espaços e a criação de identidades...... 27 1.3 O primeiro estádio: uma forma inglesa no futebol carioca...... 31 1.4 Negros, operários e exclusão: a construção de São Januário...... 34 1.5 O início da popularização do futebol e a construção de uma identidade nacional...... 41 2 MARACANÃ: DA CONSTRUÇÃO DO ESTÁDIO DAS MASSAS À TRANSFORMAÇÃO EM UMA ARENA PRIVATIZADA...... 46 2.1 A Copa de 1950 e a construção do templo do futebol...... 47 2.2 O estádio das multidões: um território da torcida brasileira...... 53 2.3 As torcidas de futebol e a apropriação do território do Maracanã...... 56 2.3.1 Os primeiros torcedores...... 57 2.3.2 As mulheres nas arquibancadas no início do século XX...... 58 2.3.3 As Charangas...... 62 2.3.4 Os torcedores organizados...... 64 2.3.5 As brigas entre as torcidas e o aumento da violência no Maracanã...... 66 2.4 A nova ordem da economia do futebol: a transformação de um estádio em arena privatizada...... 69 2.4.1 O Maracanã como um espaço seletivo e de consumo...... 74 2.4.2 A higienização dos espaços públicos nos arredores do Maracanã para a realização da Copa de 2014...... 78 3 ESTÁDIO DE SÃO JANUÁRIO: DE EXEMPLO DE CIVISMO A TERRITÓRIO HOSTIL...... 81 3.1 Um espaço multiuso de construção/representação da identidade nacional.... 82 3.2 A comunidade da Barreira do Vasco...... 87 3.3 São Januário – uma rugosidade em tempos de novas arenas...... 93 3.4 São Januário – Território hostil desde 1927...... 97 CONCLUSÃO...... 105 REFERÊNCIAS...... 109 ANEXO A – Tabelas Censo Demográfico 2010 – Favela Barreira do Vasco...... 117

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INTRODUÇÃO

O esporte mais popular do planeta hoje é o futebol, e diversas são as teorias da origem desse esporte praticado com os pés e que possui a bola como instrumento principal. Estudos como o de Giulianotti (2010) e Franco Júnior (2007) apontam que as primeiras civilizações já praticavam variantes desse esporte, o chamado folk football1. Além deles, eventos na China e na América também foram registrados. No entanto foi um esporte praticado em terras britânicas que se espalhou pelo mundo e conquistou diversos seguidores. O esporte evoluiu no país e, nos últimos anos, o Brasil esteve em destaque na mídia por sediar os dois maiores eventos mundiais: o Mundial de Futebol e as Olimpíadas. Dentre esses eventos citados, a Copa do Mundo de futebol de 2014 foi aquele com o maior número de espectadores em todo o planeta, e algumas de suas consequências foram as transformações ocorridas nos estádios e nas arquibancadas. Um esporte coletivo, com poucas regras e com a necessidade de poucos instrumentos para ser jogado, que rapidamente se consolidou. Iniciado nas escolas elitistas inglesas, o futebol se fortaleceu nas indústrias e se tornou uma forma de identificação para as massas trabalhadoras inglesas (Mascarenhas, 2014). Logo, vários espaços para a prática desse esporte foram sendo construídos, transformando a paisagem das cidades. Os clubes, muitos de origem operária, foram construindo seus estádios e, assim, fortificaram a relação de identidade entre jogadores e torcedores com seus clubes. Nesse momento, o futebol inicia sua expansão por outros países, chegando até o Brasil. Do mesmo modo, não era considerado um esporte democrático pelos aristocráticos, pelo contrário, era extremamente segregador. Esse fato fez com que o Clube de Regatas Vasco da Gama construísse seu próprio estádio, em 1927, para poder jogar as competições. São Januário surgiu como o maior estádio brasileiro, quando, à época, possuía uma capacidade de 40.000 torcedores. Com o passar dos anos, o futebol torna-se o esporte mais praticado no Brasil e assume um caráter bem mais democrático. Os jogos são assistidos por grande parte da sociedade, independentemente do seu nível social, tornando-se o ―esporte do povo‖. E foi nesse cenário que o Brasil foi escolhido para ser sede da Copa do Mundo de 1950, e o Estádio do Maracanã começava a ser construído para ser o maior ―palco‖ do futebol nacional.

1Para saber mais sobre o assunto cf. Giulianotti (2010).

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Estudos como os de Helal (1997), Mascarenhas (1998, 1999, 2003, 2013, 2014), DaMatta (2006) e Campos (2008) demonstram que o futebol possui um papel relevante na estruturação do espaço urbano, assim como nos costumes e tradições de uma significativa parcela da sociedade. Trata-se de um esporte criado na Inglaterra e que foi abraçado pelos brasileiros de forma tamanha, tornando-se o mais praticado no país após alguns anos. Esse desporto acompanhou as mudanças sociais, políticas, econômicas e espaciais ocorridas mundialmente. Em 1950, a construção do Estádio Mário Filho, para o 4º Mundial de futebol, foi a maior representação de estádio que tivemos no Brasil, tornando-se conhecido mundialmente por sua grandiosidade. Uma estrutura física que conseguia reunir 200 mil torcedores em suas arquibancadas, cadeiras e nas gerais. Um ―gigante de concreto‖, em tons de cinza, mas que não precisava de muitos adereços para encantar a quem o visitasse, pois a cada jogo uma nova combinação de cores surgia, representando a magia das torcidas cariocas. Segundo Mascarenhas (2014), estes são os estádios das massas (feitos para reunir grandes quantidades de torcedores e apelo popular). Desta forma, o Maracanã e São Januário tiveram destaque e tornaram-se os dois principais estádios da antiga capital federal durante o século XX. Mesmo com modelo de construção inicial distinto2, esses dois estádios tiveram a territorialização de suas torcidas, criando características próprias em cada apresentação nas arquibancadas. Com confetes, bandeiras, fogos, faixas e gestos, a torcida transforma estes lugares em um espetáculo à parte para quem comparece aos jogos, criando uma identidade marcante. Barth (1980, p.148 apud MASCARENHAS; GAFFNEY (2004) destaca que a formação de grandes plateias nos estádios é um dado que transcende o universo específico dos esportes. Faz parte da estratégia dominante de reprodução social, do controle sobre o tempo livre do trabalhador. A festa recriada para o ambiente urbano-industrial (p.6). Contudo, um novo modelo de futebol, aliado ao mercado e ao capital, começa a surgir na Europa, após o episódio conhecido como a tragédia de Hillsborough, onde numa partida 96 torcedores do Liverpool faleceram e muitos ficaram feridos. A partir desse momento, foram

2 São Januário sendo um estádio privado e o Maracanã um estádio público.

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realizas mudanças drásticas, tanto nos estádios como no comportamento de seus torcedores, baseadas no relatório Taylor3. Inicia-se, na década de 1990, um processo de transformação dos estádios em locais que julgavam ser mais confortáveis e seguros, mas que, ao mesmo tempo, inibiam e reprimiam a figura do torcedor.4 Como estamos no auge da globalização, no qual existe um processo de homogeneização das culturas, o futebol também foi inserido nesse contexto, principalmente, por diversos países adotarem (por exigência dos órgãos organizadores) esse novo modelo europeu nas construções das arenas para os megaeventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Desse modo, na escolha do Brasil para sediar realização do Mundial de 2014, o futebol brasileiro acelera o processo de transformações na estrutura dos estádios, principalmente aqueles que serão locais dos jogos da Copa (Mascarenhas, 2014). Ao mesmo tempo, foi realizada uma modificação socioeconômica em relação ao público. Assim, as reformas feitas nos estádios os transformam em modernas arenas com um alto valor monetário, voltando novamente a ser, na maioria dos jogos, um esporte excludente. De acordo com Mascarenhas (2014), as arenas buscam um público específico, seleto e disposto a pagar caro por tecnologia, conforto e segurança. Esse fato faz com que exista um contraste entre essas novas arenas e os antigos estádios, que ainda são maioria no Brasil. Segundo Da Matta (2006), o futebol movimenta a economia através das propagandas, das mercadorias, por ser gerador de empregos, permanentes e temporários, com a realização de competições, pelos diversos processos de urbanizações que geram nos locais onde está presente e ainda pelo fortalecimento da identidade do torcedor para com seu clube ou seleção, tornando-os mais patriotas e fazendo com que nos estádios de futebol sejam criados territórios com diversos elementos simbólicos.

3 A tragédia de Hillsborough, em Sheffield, matou 96 torcedores do Liverpool, na semifinal Copa da Inglaterra de 1989, entre os Reds e o Nottingham Forest. O episódio determinou a elaboração de uma detalhada investigação que apontasse as causas da tragédia e como evitar sua repetição, apoiou a conclusão das autoridades de que a culpa das mortes era dos próprios torcedores. O Relatório Taylor estabeleceu algumas das bases para a criação da Premier League. Todos os estádios ingleses tiveram suas arquibancadas extintas e em seus lugares e a colocação de cadeiras. Uma transformação que levou os clubes a aumentar o preço dos ingressos e elitizar seus estádios.

4 Um estádio com características mais elitistas e higienista, em que as pessoas somente poderiam assistir aos jogos sentadas e em cadeiras numeradas, o qual, a partir daquele momento, receberia o nome de ―arena‖ (MASCARENHAS, 2013).

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Sendo assim, este trabalho, destaca na cidade do Rio de Janeiro, dois modelos de estádio: Maracanã (localizado no bairro do Maracanã) e São Januário (localizado no bairro Vasco da Gama). A análise se detém entre os anos de 1927 e 2017, período que abrange principais pontos históricos como: suas construções, o processo de consolidação dessas duas estruturas como os dois principais estádios da cidade do Rio de Janeiro, as reformas e os diferentes caminhos por eles seguidos a partir do ano 2000, finalizando na última reforma para o Mundial de 2014. Esta transformou o Maracanã em arena, modificando sua estrutura espacial interna e todo o seu entorno, resultando em uma grande alteração urbana, não acontecendo o mesmo com o estádio do Vasco da Gama. O Maracanã foi projetado na década de 1940, tendo sido erguido para abrigar as massas, embora atualmente comporte muito menos da metade de sua capacidade inicial. Com a realização da Copa das Confederações, em 2013, e do Mundial de 2014, o Maracanã sofre a implantação do ―padrão FIFA5‖ que, a partir desse momento, modificou os tradicionais costumes dentro e fora das arquibancadas, a fim de impor novos hábitos e comportamentos aos espectadores das partidas. Já São Januário tem sua construção no fim da década de 1920, tendo ainda hoje a mesma forma, com pequena mudança em sua estrutura e as mesmas tradições da cultura do futebol brasileiro construídas ao longo do século XX. A partir da constatação de que, diferente de outros países, o Brasil, sendo o tradicional "país do futebol", possui poucos trabalhos sobre esse esporte dentro da disciplina de Geografia, tem-se por relevante a contribuição de mais estudos nesta temática, a fim de colaborar para o conhecimento, tanto na academia, quanto pelo público geral, acerca dos impactos urbanísticos e sociais provocados pelo desenvolvimento do esporte na cidade. O desenvolver desta pesquisa foi então motivado por fatores práticos e acadêmicos. O primeiro refere-se ao fato de que a autora deste trabalho tem sido frequentadora de ambos os estádios durante anos, sendo admiradora não apenas desses dois monumentos, mas também das festas, cânticos e coreografias das torcidas nas arquibancadas. Tais características - presentes ainda hoje - encantaram durante anos, não somente a mim, mas a milhares de usuários desses espaços.

5 Este bordão foi criado tendo em vista a organização e qualidade cobrada pelos suecos responsáveis pela FIFA (Federação Internacional de Futebol). O Programa de Qualidade da FIFA oferece um padrão industrial reconhecido internacionalmente e confiável, com qualidade e fiabilidade nas áreas mais importantes para os jogadores de futebol: equipamentos, superfícies, tecnologia e serviços utilizados no seu esporte.

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O segundo diz respeito à necessidade de unir a disciplina de Geografia ao esporte, especificamente o futebol, devido à incômoda evidência de que tal relação é pouco demonstrada em um país geograficamente rico e culturalmente futebolístico. Durante anos, o tema presente nesta pesquisa já chamava a atenção, motivando o anseio por descrever o processo em questão pela perspectiva da Geografia. O terceiro fator então corrobora o primeiro motivo destacado: a presença, dentro da linha de pesquisa de Globalização, da ramificação Esporte e Território, desenvolvida no Programa de Pós- Graduação do Instituto de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, cujas aulas pude frequentar como ouvinte, sendo ministradas pelo Prof. Gilmar Mascarenhas, no 1º semestre de 2014 e a participação no Grupo de Pesquisa Megaeventos Esportivos e Cidades. Pressupõe-se que a relação existente entre a Geografia e o Futebol esteja cada vez mais fortalecida e interessante, uma vez que este, por ser o esporte mais difundido pelo mundo, é um reflexo da sociedade, estando inserido numa nova dinâmica global e, como consequência, vindo a sofrer algumas transformações. O futebol brasileiro tem sido transformado com os acontecimentos profundamente relevantes à sociedade atual e às futuras gerações ocorridos nos últimos anos; logo, faz-se necessário descrevê-los, delineá-los e entendê-los a fim de esclarecer para este tempo as transformações espaciais ocorridas à luz da Geografia. Observa-se que trais transformações não foram homogêneas e foram alvo de motivações econômico-financeiras. A partir de tal evidência e dentro do tema proposto, pode- se focalizar como objetos de estudo duas estruturas físicas relacionadas ao esporte por suas tradições, dimensões grandiosas, relevância histórica e representação de identidade entre torcida e clube: os estádios do Maracanã e de São Januário. Este trabalho se insere na Geografia dos Esportes, campo academicamente já bem desenvolvida em muitos países como França em Inglaterra, porém em fase ainda inicial no Brasil, constituindo hoje uma disciplina na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tem-se como precursor desta temática o já citado Geógrafo Gilmar Mascarenhas, que vem delineando a área desde a década de 90. Apesar de tal movimento, ainda é reduzido o número de pesquisas realizadas sobre estádios brasileiros no âmbito da Geografia. Deve-se enfatizar também que, pelo fato de o futebol ser o principal esporte do país, a história demonstra que os estádios brasileiros são lugares que reúnem, semanalmente, uma enorme quantidade de pessoas, evidenciando relações sociais estabelecidas nesses espaços de prática esportiva.

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Em vista a tais transformações bruscas e orientadas por um fator econômico e institucionalizado - Estádios tradicionais transformando-se em estádios modernos, padrão FIFA -, criou-se um discurso de que tais modificações eram necessárias à continuidade dos eventos futebolísticos em solo nacional. A população em geral, a massa que enchia os grandes estádios tradicionais, engajada com a ideia de grandes eventos em próprio solo, apoiou tais iniciativas, no entanto, sem consciência de que ela mesma seria privada de tal espetáculo e da continuidade dos vínculos socioafetivos existentes, até então, com outros torcedores e com o próprio clube. Ao observar tal acontecimento, alguns questionamentos têm de ser realizados a fim de clarear a consciência da sociedade e contribuir para reflexão sobre uma repetição, ou não, de ações semelhantes futuras. A premissa da reformulação dos estádios de que os mesmos são espaços violentas condiz com sua realidade estrutural? Os estádios são desconfortáveis para o fim a que se destina impedindo o lazer de seus frequentadores historicamente característicos? Os estádios são locais desaconselháveis às famílias em seu lazer? Estruturas antigas deveriam realmente serem "abolidas" a partir do surgimento de novos espaços para a prática do esporte? Para responder a tais indagações, foram investigados trabalhos já realizados na mesma temática. Mascarenhas é o precursor desses estudos no Brasil, o autor uniu Geografia e Esporte em sua tese de doutorado. Em seus estudos, Mascarenhas (2014) e Mascarenhas (2013), o autor analisou a relação existente entre futebol e seus estádios, assim como as transformações socioespaciais neles vivenciados6. Além disso, Castro (2016), em sua tese de doutorado, analisa o estádio do Maracanã, desde sua construção, baseada em um modelo de estádios públicos e democráticos construídos pelo governo, até o processo de transformação e privatização do estádio a fim de cumprir exigências de padrão da FIFA e do COI (Comitê Olímpico Internacional) para a realização dos Megaeventos que ocorreram na cidade do Rio de Janeiro em 2014 e 2016, deixando várias consequências para a cidade do Rio de Janeiro, como remoções e exclusão dos torcedores de baixa renda do estádio. Para guiar a linha teórica, o trabalho faz uso do conceito de Território de Raffestin (1993), que o conceitua como uma parte do espaço geográfico delimitado por relações de

6 O pesquisador também deu início à análise dos megaeventos e as transformações socioespaciais provocadas nas cidades-sedes. Em razão de o Brasil ter sido sede dos dois maiores Megaeventos mundiais, Mascarenhas6 analisou seus impactos na sociedade e no futebol brasileiro, especificamente na cidade do Rio de Janeiro, que recebeu os jogos Pan-americanos em 2007, foi uma das 12 cidades-sede dos jogos do Mundial de 2014 e, por fim, foi a cidade-sede das Olimpíadas de 2016.

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poder. E como continuidade, o trabalho se utiliza também de seu conceito Territorialidade para o desenvolvimento da análise. O trabalho também se valerá do conceito de Espaço de Santos (2002), que o define como produzido por e a partir das relações sociais, assim como de seu modelo de seus usos diversos e as transformações socioespaciais acarretadas. Ainda sobre essa temática, o trabalho se utiliza de HAESBAERT, 2004, p.40, que conceitua o Território Cultural (muitas vezes culturalista) ou simbólico-cultural, onde o território é visto, sobretudo, como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido. Esta pesquisa se apropria também do conceito de espaço e da produção dos lugares utilizado por Carlos (2007), que demonstra que a concretização das relações sociais produtoras dos lugares é responsável pela produção/reprodução do espaço geográfico. A partir das indagações citadas anteriormente, o trabalho pretende respondê-las a partir da análise do contexto político, histórico, urbano e social das transformações ocorridas, tendo como primeira hipótese norteadora a de que, para a ocupação dos espaços internos do tradicional Estádio de São Januário, os torcedores não são expostos a muitas regras de ordenamento e organização em relação ao estádio do Maracanã após a reforma para o Mundial de 2014, já que são constituídos por arquibancadas e não possuem cadeiras para o impedimento da locomoção dos torcedores, não havendo prejuízo para o conforto do público tradicional. A segunda hipótese, consequência de uma possível confirmação da anterior, divide-se em duas, e ela é oriunda da observação de que os espaços externos do estádio de São Januário possuem um maior uso dos moradores da comunidade e dos torcedores que frequentam os jogos, havendo grande interação entre eles, diferente do Maracanã que, após sua privatização, realizou a retirada de ambulantes e moradores da comunidade próxima através de medidas autoritárias. E ainda, com a modernização das instalações internas, passou a cobrar um valor maior pelo ingresso, promovendo, por consequência, a seleção do público que frequentaria o espaço e excluindo os torcedores tradicionais que não possuem condições de pagar pelo novo valor. Surgem daí as hipóteses de que não seria necessário transformar o espaço externo do Maracanã em um lugar neutro, o qual as pessoas não podem usar, assim como a não necessidade de expulsar as comunidades ao redor a partir de uma limpeza urbana que segrega essa classe social em relação aos frequentadores atuais. Além disso, os espaços internos não

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precisavam ser tão luxuosos e com diversos serviços que elevam os custos de assistir a uma partida de futebol. Com o objetivo de corroborar tais hipóteses, o trabalho se valerá principalmente do exemplo do Estádio de São Januário, que não precisou transformar seus arredores por possuir uma comunidade, pelo contrário, passou a construir uma relação de identidade com seus moradores e de seus moradores com os torcedores que frequentam os jogos. O trabalho pretende demonstrar como ocorreram as diversas formas de uso desse território pelas torcidas de futebol e pelos governos. Além disso, será abordado como a realização do Mundial de 2014 acelerou a interferência do futebol global na cultura do futebol nacional e culminou no processo de elitização, higienização e privatização do estádio do Maracanã. Como contraponto, o estádio será comparado com o estádio de São Januário, que ao longo de noventa anos recebeu algumas reformas, porém sem modificação de sua estrutura e de seu entorno. Como metodologia, a análise irá comparar as diferentes trajetórias de ambos os estádios enquanto lugares de torcer, assim como identificar os distintos processos de apropriações espaciais em seus arredores. Será realizada a recuperação do processo de construção dos principais estádios da cidade do Rio de Janeiro, reconhecendo-os como espaços de sociabilidade e de produção de identidades durante o século XX; serão também analisadas as formas de apropriações do Maracanã e o processo de sua transformação em arena para a realização do Mundial de 2014. O trabalho também demonstra como o estádio Vasco da Gama, nos seus 90 anos, passou de uma centralidade cívica inicial a território hostil, segundo os torcedores. Sendo assim, o foco principal desta pesquisa será a identificação e a comparação da Arena Maracanã com o antigo conceito de estádio, sobretudo, com o Estádio de São Januário (RJ), observando os usos e as identidades que ambos os conceitos de práticas do futebol geram para os participantes, levando em consideração que a existência de estádios ou arenas condizem com a territorialização, tanto pelos clubes como pelos seus torcedores e que, de uma forma ou de outra, os sentimentos e as afetividades mudam de acordo com o conceito adotado. Os dados para análise foram obtidos em pesquisas bibliográficas na Biblioteca Setorial C do Centro de Tecnologia e Ciências (CTC/C) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Biblioteca do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense (UFF), nas hemerotecas, assim como artigos acadêmicos e sítios institucionais da rede mundial de computadores (Internet). Foram realizados levantamentos acerca da história e dos processos

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de apropriações ocorridas em São Januário, como Malhano (2002) e Napoleão (2006), e no Maracanã, como Touguinho (1998) e Moura (1998), desde suas criações até o ano de 2017. Foram realizados também trabalhos de campo em dias de jogos dos Campeonatos Brasileiro e Carioca nos dois estádios, no período de 2015 a 2017. Assim, pôde-se observar e coletar mais informações de como esses dois importantes lugares se transformaram em dois estádios distintos na cidade do Rio de Janeiro. Para demonstrar tais intentos, com fins didáticos e de organização, o trabalho foi estruturado da seguinte forma: O primeiro capítulo focará na construção dos estádios pioneiros no Brasil, que datam do início do século XX e que possuem estilos e propostas diferentes. Para isso, foram escolhidos o estádio das Laranjeiras (Fluminense Football Club -1919), o de São Januário (Vasco da Gama - 1927), o Pacaembu (municipal de São Paulo - 1940) e o Maracanã (Nacional - 1950). Ademais, serão analisadas as relações socioespaciais estabelecidas a partir da difusão do futebol na cidade do Rio de Janeiro e a formação dos primeiros torcedores. O segundo capítulo discorrerá sobre o Maracanã e sua representação simbólica para o país e para o mundo. Posto isso, serão identificadas as diferentes formas de apropriação dos torcedores, que tiveram presença marcante neste estádio na 2ª metade do século XX, contribuindo com a formação da identidade nacional. E ainda, como esse estádio foi inserido nessa nova economia global que legitimou o processo de ―arenização‖ e privatização do mesmo para a Copa de 2014, realizando várias mudanças em sua estrutura física e em seu entorno. O terceiro capítulo abordará o estádio de São Januário, que durante décadas possuiu uma grande representação civil para o país, tornando-se um dos estádios mais importantes da cidade do Rio de Janeiro. No entanto, será demonstrado que este não seguiu o caminho de uma modernização e de transformação em arena, sendo assim construída, uma relação de proximidade e identidade entre o estádio, os torcedores e a comunidade que vive em seu entorno.

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1 O ESTÁDIO ENQUANTO ESPAÇO DE SOCIABILIDADE E DE IDENTIDADES

O futebol é um dos poucos esportes de massa que podem ser praticados em locais variados, não exigindo um estádio para a realização de uma partida. Essa característica aponta para o início dessa prática esportiva, quando havia apenas os campos em espaços públicos, nos quais as pessoas assistiam em pé às partidas. Mascarenhas (1998) afirma que a abertura de amplos espaços públicos e, sobretudo, suas mudanças simbólica e de uso, via dessacralização, configuraram um novo contexto que permitiu a adesão geral à prática esportiva. De uma cidade colonial, alheia aos esportes e marcada por fortes restrições de uso dos já escassos espaços públicos, surge uma outra cidade, na qual fervilhava a prática esportiva, e onde os espaços públicos, novos ou ampliados, eram socialmente preenchidos de forma bem mais intensa (p.31). Com a crescente popularidade, surgiram os estádios, possibilitando assim a cobrança de entradas. Essa primeira geração de estádios, que Mascarenhas 2013 chama de aristocrático, era de pequeno porte, localizados em bairros nobres, onde há fortes indícios de que somente a alta classe os frequentava. No entanto, proveniente do sucesso do esporte, uma parte considerável da sociedade começou também a torcer pelos clubes existentes, então os estádios tiveram que ser modificados e exigiram aumento em sua capacidade, surgindo uma nova geração de estádios. Um fenômeno arquitetônico - construções de estruturas com determinadas características - é denominado por Mascarenhas (2014a) de "Estádios das massas", por comportarem torcedores de várias classes sociais, formando verdadeiros espaços populares para torcer. Essa ―geração‖ estatal (criada entre 1940 e 1980) de grandes estádios brasileiros produziu espaços que propiciavam o engendramento de uma nova dinâmica comportamental coletiva, marcada pela articulação das vozes em uníssono (p.29-30). Porém, em virtude do aumento do número de torcedores e da crescente violência social, tem-se nos estádios um vertiginoso aumento das brigas entre as torcidas, acarretando novas transformações nesses espaços, tendo essas agora o intuito de pacificar as arquibancadas. A partir da década de 1990, inicia-se na Inglaterra uma nova dinâmica do futebol, a qual tinha como alvo a pacificação dos estádios e a elitização do esporte. Esses novos estádios impuseram normas, alegando a construção de um novo ambiente pacífico para seus torcedores. Segundo Mascarenhas (2014b), essas novas arenas possuem uma limitação de acesso, seja pela sensível redução da capacidade dos estádios, seja pelo encarecimento

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extremo dos ingressos ou, ainda, pelas restrições de portabilidade de inúmeros objetos e adereços, incluindo faixas e cartazes com conteúdo ―político‖ (p.32). Com a realização do Mundial de 2014, esse modelo de arena se consolida no Brasil, deixando o futebol mais elitizado e globalizado. A partir desse quadro geral, o primeiro capítulo deste trabalho enfocará o início do futebol no Brasil, com seus introdutores e praticantes, no final do século XIX. A cidade do Rio de Janeiro foi o local escolhido a ser estudado, haja vista que, na antiga capital federal foram construídos alguns dos primeiros grandes estádios brasileiros, que modificaram a dinâmica e a paisagem da cidade. Não se deixará, contudo, de abordar a construção do Estádio Municipal de São Paulo – Pacaembu – que será uma referência para a difusão do futebol nacional. Segundo Mascarenhas:

Geograficamente, o estádio é edifício ou equipamento de acesso coletivo que se comporta como uma centralidade física e simbólica no espaço urbano- metropolitano. No plano operacional urbanístico, funciona como uma centralidade periódica, capaz de acionar grande afluxo de visitantes em dias de jogos, forçando um reordenamento na gestão pública de seu entorno (para garantir segurança e acessibilidade) e gerando fugazes oportunidades comerciais e de serviços ao setor informal (2014, p.161).

Cabe ressaltar, ainda, que os estádios precursores, com suas áreas sociais e de arquibancadas delimitadas, representarão a divisão socioespacial que havia em todo o território nacional, ou seja, uma segregação que atingia principalmente os negros e as classes menos favorecidas da sociedade. Nesse sentido, serão os estádios, juntamente com as torcidas, colaboradores na formação social e cultural da sociedade brasileira.

1.1 O pontapé inicial no futebol carioca

Com o ciclo da mineração no século XVIII, a cidade do Rio de Janeiro apresentou vários fatores que fizeram com que ela se tornasse a capital do país e se firmasse como a mais importante durante o século XIX. Segundo Abreu (2013):

A cidade do rio de Janeiro sofria por apresentar grandes problemas de locomoção pelo espaço urbano, por se tratar de uma cidade muito aglomerada, fazendo com que diferentes classes sociais dividissem espaços muito próximos. Com a transferência da Família Real de Portugal para a capital do Brasil e o café como o principal

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produto de exportação, a cidade inicia um processo de mudança fazendo com que se torne um atrativo para diversas pessoas que desejavam trabalhar, e assim, temos o início da transformação na economia, na política e na estrutura social e urbana desta cidade, que passou a contar também com investimentos de capitais internacionais, principalmente nas aéreas de transportes, esgotos e gás.

De acordo com Melo (2010), a cidade do Rio de Janeiro apresentava, neste período, a maior concentração populacional do país dentre as cidades brasileiras com uma certa urbanização, não existia uma divisão exata entre o espaço urbano e o rural da cidade, e existia uma expansão para a Zona Norte7. Nas últimas décadas do século XIX, período em que o futebol chegou a terras brasileiras, o país vivia um momento de grandes transformações políticas e socioeconômicas, pois deixara de ser uma Monarquia, para tornar-se uma República, e, ainda, promulgara a lei que abolia a escravatura. Logo, a desigualdade social era muito intensa e a parte aristocrática advinda da Europa, bem como seus descendentes, não queriam perder os privilégios que lhes foram concedidos anteriormente. E ainda, de acordo com Abreu:

A evolução não sincronizada das estruturas que compõem a formação social tem papel importante no seu desenvolvimento. É exatamente essa a responsável por alterações importantes na organização social, por transformações na divisão social do trabalho (2013, p.16).

Desse modo, a capital federal, já marcada pela presença dos grandes senhores remanescentes da herança de uma sociedade colonial, tratou de reforçar os comportamentos que distanciavam os pobres e os negros descendentes de escravos da classe elitizada na hierarquia social e na divisão do trabalho. Concomitante a esses acontecimentos, o futebol será mais um elemento a ser inserido nesse novo modelo de vida da população carioca que surgia no fim do século XIX. E, desde o início da prática desse desporto, são notórios alguns dos problemas sociais enraizados no coletivo brasileiro, que se refletiram principalmente em relação aos menos abastados e aos negros. A influência inglesa fazia-se muito intensa nos primeiros clubes de ―football‖. Descendentes do velho mundo, ao viajar, traziam eventualmente, dentre várias mercadorias, a bola, principal objeto para a prática desse desporto, que, nessa ocasião, era importada da Inglaterra. Portanto, o esporte era caro e de difícil acesso àqueles que pertenciam às classes

7 Sede do governo, a cidade se estabeleceu como principal porto de entrada do país, local de chegada dos produtos refinados do ―mundo civilizado‖. Assim, com a flagrante importação e adoção de hábitos e costumes europeus, os esportes e as atividades físicas institucionalizadas chegaram ao Brasil (MELO, 2010, p. 20-21).

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menos favorecidas, como, em grande maioria, negros, analfabetos e trabalhadores, que ficavam, consequentemente, impossibilitados de praticá-lo nessas primeiras agremiações. O clube de futebol mais longevo do Brasil é o Sport Club Rio Grande (19/07/1900), que se localiza em uma cidade portuária de mesmo nome, no extremo sul do país (MASCARENHAS, 2014).

No Rio de Janeiro, foram fundados o Rio Football Club (12 de julho de 1902) e o Fluminense (21 de julho de 1902), [...] os pioneiros em usarem o termo ―football‖ em seu nome e, logo em seguida, vários outros foram surgindo, como o Bangu Athletic Club, América Futebol Clube e o Botafogo Football Club8 (1904) (NAPOLEÃO, 2006, p.82).

Como pode-se observar, os clubes pioneiros da capital federal possuem influências inglesas, como exemplo tem-se o Bangu Athletic Club, fundado dentro de uma fábrica. Iniciava-se, nesse momento, uma nova dinâmica espacial para a realização dos jogos. Os clubes passaram a apresentar seus jogos em campos específicos, onde pudessem ser assistidos por parte da sociedade. Foi o princípio para um processo de conquista de adeptos, tanto para a prática esportiva, como para se torcer pelas equipes nesse esporte que só crescia durante o início do século XX. Ainda nessa época, o futebol começou a rivalizar com o remo, que, até por volta dos anos 1920, era a modalidade esportiva mais praticada na cidade do Rio de Janeiro (MELO, 2015). Logo que perceberam o sucesso que esse novo esporte começou a ter, os tradicionais clubes de regatas começaram a criar seu departamento de futebol, como foi o caso do C.R.Flamengo, em 1912, e do C.R.Vasco da Gama, em 1915. A partir de então, já estariam formados os quatro grandes clubes do futebol carioca da atualidade, que se tornaram os grandes protagonistas durante o restante do século XX, e ainda, nas primeiras décadas do XXI.

8 O Botafogo de Futebol e Regatas nasceu oficialmente no dia 8 de dezembro de 1942, como resultado da fusão de dois clubes que tinham suas sedes no bairro de Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, com o mesmo nome: o Club de Regatas Botafogo (fundado em 1894) e o Botafogo Football Club (fundado em 1904).

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1.2 Os primeiros jogos cariocas, seus espaços e a criação de identidades

No fim do século XIX, a capital federal apresenta períodos de mudanças, em que capitais estrangeiros e nacionais (estes oriundos dos barões de café) iniciam um processo de instalação de indústrias, novos meios de transportes e modernização do espaço urbano. De acordo com Abreu (2013), ao longo da segunda metade do século XIX, tem-se uma cidade em expansão, que foi facilitada pela introdução dos bondes para São Cristóvão (antigo bairro imperial) e, principalmente, em direção à Zona Sul, como Catete, Gloria, Botafogo, Laranjeiras (para onde se deslocaram as classes mais nobres da sociedade) e pelos trens a vapor em direção ao subúrbio (onde se localizavam as classes menos abastadas e onde se instalariam as indústrias). Entre o período de 1902 a 1906, o Rio passou por uma reestruturação urbana durante o governo de Pereira Passos, removendo moradores das áreas centrais e abrindo novas ruas, expandindo suas cercanias, porém deixando a cidade cada vez mais partida entre a Zona Sul e o subúrbio. Foi nesse cenário que os clubes de futebol, então formados, resolveram criar o , sendo este o terceiro campeonato criado no Brasil, posicionando-se atrás somente do Campeonato Paulista (1902) e do Baiano (1905). A competição teve seu início em 1906, com a participação de seis equipes9, sagrando-se o Fluminense F.C10 o campeão daquele ano. Nessa época, o futebol não almejava grandes públicos e rendas, ou seja, era apenas praticado pelos rapazes universitários de ―boas famílias‖ (NAPOLEÃO, 2006). Ao mesmo tempo, o Fluminense F.C. construiu uma arquibancada de madeira para um público pequeno assistir a um jogo amistoso entre Fluminense e Paulistano (FLUMINENSE, [20--?], fato que já ocorria em maiores proporções em terras inglesas11. Um dos principais

9 As equipes que disputaram o primeiro campeonato carioca em 1906 foram: Fluminense, Paysandu, Botafogo, Bangu Football Athletic e o Rio Cricket. 10 ―Para entrar no Fluminense o jogador tinha de viver a mesma vida de um Oscar Cox, de um Félix Frias, de um Horácio da Costa Santos, de um Waterman, de um Francis Walter, de um Etchegaray, todos homens feitos, chefes de firmas, empregados de categoria de grandes casas, filho de papai rico, educados na Europa, habituados a gastar. Era uma vida pesada. Quem não tivesse boa renda, boa mesada, bom ordenado, não aguentava o repuxo (MARIO FILHO, 2010, p.34). 11 Na Inglaterra, a média de público aumentou de 4.600, em 1888, para 7.900 em 1895; essa cifra chegou a 13.200 dez anos depois e acabou em 23.100 nas vésperas da Primeira Guerra Mundial (VAMPLEW, 1988, p.63 apud GIULIANOTTI, 2010, p.20).

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locais para a realização dos jogos estava situado na rua Guanabara12, onde mais tarde seria construído o Estádio das Laranjeiras. Nesse campo, juntamente com o campo da Rua Ferrer, em Bangu e o do Rio Cricket, em Niterói, foi disputada grande parte dos jogos do campeonato carioca do início do século XX (NAPOLEÃO, 2006). No ano de 1905, Eduardo Guinle inaugurou, na Rua Guanabara, uma arquibancada para a torcida assistir às partidas, um fato inédito para o futebol carioca13.

Os primeiros estádios eram destinados exclusivamente às elites. Sua geografia é inequívoca: localizados nos bairros mais nobres, e com equipamentos de pequeno porte (geralmente uma única estrutura edificada que sequer cobria toda a extensão de um dos quatro lados do campo), apresentava uma arquitetura mais assemelhada a um confortável teatro (MASCARENHAS, 2014, p.107).

Como exceção, tem-se o campo do Bangu, localizado no subúrbio, em um bairro proletariado de mesmo nome.

Cancha encantada da Rua Ferrer', como dizia o locutor Ary Barroso foi feita em linha paralela ao terreno da Fábrica Bangu pelo Diretor-Gerente da Companhia e Presidente Honorário do Bangu, João Ferrer, em tempo recorde para que o Bangu pudesse participar do 1º Campeonato Carioca de futebol, pois antes o clube jogava em uma área dentro da Fábrica (BANGU, 1981).

Figura 1 - O primeiro estádio do Bangu

Fonte: Site do Bangu, 1981.

12 Em 17 de outubro de 1902, o Fluminense alugava ao Banco da República, por cem mil réis mensais, o terreno, na época uma chácara localizada na Rua Guanabara – atual Pinheiro Machado – esquina da Rua do Roso. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2016. 13 Ibid.

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Segundo o acordo firmado entre os clubes, a Liga de 190814 continha seis participantes: América, Botafogo, Fluminense, Paysandu, Riachuelo e Rio Cricket. Porém, somente participariam da competição os clubes que possuíssem campo cercado com arquibancadas para acomodarem seus torcedores, além de bilheterias e vestiários. O Paysandu, o Riachuelo, e o América F.C. não cumpriram as exigências e, mesmo assim, disputaram seus jogos (NAPOLEÃO, 2006, p.86).

Figura 2 - Primeira arquibancada no campo da Rua Guanabara

Fonte: FLUMINENSE, 1905.

14 Como foi nomeado o Campeonato Carioca desse ano.

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Figura 3 - Arquibancada com torcedores no campo da Rua Guanabara em dia de jogo do Fluminense

Fonte: FLUMINENSE, 1905.

Observa-se, aqui, a primeira exigência (ou seja, a primeira experiência de um processo de exclusão socioeconômica) por parte dos dirigentes da Liga, em relação a seus participantes, sendo que esta não se concretizou. Há uma tentativa de mudança na paisagem da cidade do Rio de Janeiro, pois, com aumento do número de clubes de futebol e de seus adeptos, ocorre também o aumento do número de campos para sua prática. Estes se espalhavam pela urbe, constituindo assim um novo fator de arranjo espacial nas primeiras décadas do século XX (MASCARENHAS, 2014). Com os campos em expansão pela cidade, a prática do ―jogo de bola‖ naturalmente aumentou, ao mesmo tempo houve uma pequena diversificação do público presente nas partidas realizadas pelo Campeonato Carioca. Por ser um esporte de origem inglesa, a maioria das palavras relacionadas à sua prática eram expressas nessa língua e não havia uma tradução específica para quem acompanhava os jogos do seu clube. Com a realização de uma sequência de jogos sendo assistidos por seus seguidores, tem-se a origem da palavra ―torcedor‖.

Esta surge de um relato do então dirigente do Fluminense, no início do século XX, que publicou uma crônica, descrevendo que as mocinhas torciam seus lencinhos de renda durante os momentos mais emocionantes da partida. Essas mocinhas receberam o nome de torcedoras (MURAD, 2012, p.36).

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O futebol iniciou então seu processo de identidade com os brasileiros, os quais, durante muito tempo, tiveram, na classe social dominante, uma grande influência da cultura europeia, no entanto, de acordo com Casttels (1999, p. 22), ―A identidade é um processo de construção de significados com base em atributos culturais‖, assim, foram formados os primeiros torcedores. Segundo Malaia (2012, p.54), a grande imprensa da época passou a adotar esse termo específico para identificar o sentimento de apoiar alguém ou alguma agremiação esportiva, em detrimento de outra.

1.3 O primeiro estádio: uma forma inglesa no futebol carioca

Vivia-se um tempo em que o futebol passava, cada vez mais, a ser inserido no cotidiano de muitas cidades brasileiras e que, em alguns anos, concretizar-se-ia como o principal esporte nacional. O denominado ―sport da moda‖15 passava a contar com uma plateia cada vez maior em suas partidas, e os estádios, além de contarem com a presença dos sócios do clube, juntamente com seus familiares, passaram a contar também com a assiduidade dos não sócios, que começaram a pagar seus ingressos para assistirem aos jogos. O Brasil, mais precisamente a cidade do Rio de Janeiro, sediaria o terceiro Campeonato Sul-americano de futebol, este teve duas edições anteriores (1916/1917), e a próxima seria em 1918, no entanto devido à epidemia de gripe espanhola, a competição foi adiada para o ano seguinte. Apenas quatro seleções participaram dessa edição: Brasil, Uruguai, Argentina e Chile, sendo a equipe celeste a atual bicampeã, e a seleção brasileira tentando seu primeiro título. Os jogos foram realizados no novíssimo estádio das Laranjeiras, o qual foi construído especialmente para o torneio de 1919.

Um estádio que representaria toda a nobreza que o futebol era até aquele momento. Situado no Bairro das Laranjeiras, reduto bucólico e inconteste das elites, o estádio foi patrocinado pela família Guinle, uma das mais ricas e influentes do Brasil (MASCARENHAS, 2014, p.110).

O Fluminense F. C. iniciou a construção de seu aristocrático estádio em 1918, sendo este o primeiro destinado ao futebol, um estádio grandioso para a época, com capacidade para

15 A Revista da Semana, uma edição ilustrada semanal do Jornal do Brasil, um dos maiores jornais do Rio de Janeiro e do país, colocava que o foot-ball já era considerado, ―com justa razão‖, o ―sport da moda‖ (MALAIA, 2012).

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18 mil torcedores. Era formado por modernas instalações, apresentando também uma pista de atletismo ao redor do gramado. Já no primeiro modelo brasileiro de estádio, o complexo das Laranjeiras possuía uma área privativa somente para os sócios, separando a elite dos demais torcedores, estes nas arquibancadas. A inauguração ocorreu em 11 de maio de 1919 com o jogo entre Brasil e Chile, no campeonato Sul-americano, tendo a seleção brasileira vencido por 6x0.

Figura 4 - Estádio das Laranjeiras

Fonte: FLUMINENSE, 1919.

O torneio foi um sucesso de público, com as arquibancadas lotadas em todos os jogos e, ao fim, a seleção brasileira conquistava seu primeiro título. Fato que ajudou muito a propagar ainda mais o desenvolvimento desse esporte no país.

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Figura 5 - Arquibancada do Estádio das Laranjeiras lotada com torcedores no Sul-americano de 1919

Fonte: FLUMINENSE, 1919.

Com o aumento da frequência de público aos jogos, os grandes clubes resolveram cobrar ingressos dos não sócios e, aos poucos, a ―entrada franca‖ foi sendo abolida. ―O sócio e sua família tinham direito de entrar gratuitamente, desde que pagassem uma taxa de alto valor (a jóia) e mensalidades ao clube‖ (MALAIA, 2012, p. 57).

Apenas para citar um exemplo, o Fluminense Football Club, grande clube do Rio de janeiro, contava em 1925 com pouco mais de três mil sócios. No mesmo ano seus jogos contra Vasco da Gama e Flamengo tiveram públicos de mais de 20 mil pagantes. Os ingressos eram muito mais baratos que as mensalidades dos grandes clubes (MALAIA, 2012, p. 57).

Dessa forma, inicia-se o que se pode chamar de forma precursora de ―sócio torcedor‖, pela qual o clube recebe mensalmente uma quantia em dinheiro do seu torcedor e lhe oferece algumas vantagens em troca, como, por exemplo, não pagar o ingresso para assistir à partida. Essa modalidade de oferta voltará com veemência nos clubes brasileiros no início do século XXI ao buscarem novas fontes de renda16. Mas, não se pode deixar de ressaltar que, até meados da década de 1920, o futebol ainda era amador, ou seja, os jogadores não ganhavam salário para atuarem em suas respectivas equipes.

16 O sistema de sócio torcedor, adotado pelos clubes, busca uma fidelização e uma clientela que se torne conhecida.

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Assim, esse esporte foi contagiando toda uma nação. Entre sócios e não sócios dos clubes de futebol, grande parte da sociedade queria ter como lazer, nos fins de semana, assistir ao jogo do seu clube e torcer por ele.

1.4 Negros, operários e exclusão: a construção de São Januário

No início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro vivia um momento de expansão e passava por grandes reformas urbanas sob a influência da cultura francesa, com estratégicas construções de grandes e largas avenidas, ligando o Porto do Rio de Janeiro (também reconstruído) aos centros comerciais e, simultaneamente, celebrando a chegada do ―moderno‖, do ―progresso‖, o ―apagar de um passado colonial‖ que deveria ser esquecido (MELO, 2006 p.2), o que mudaria significativamente toda a sua dinâmica interna. No entanto, apesar de toda essa transformação, a cidade crescia de forma rápida e ao mesmo tempo desordenada, principalmente em direção ao subúrbio, que se tornou a região que menos recebia atenção política e, consequentemente, poucas intervenções urbanísticas, embora abrigasse um número alto de diversos imigrantes17 cada vez mais atraídos à capital federal. Em vista disso, tais transformações, as quais raramente atendiam adequadamente aos interesses de quem morava nas periferias, fizeram com que graves problemas sociais surgissem pela cidade, e que, de alguma forma, continuam até os dias de hoje. A divisão social no Rio de Janeiro era grande, principalmente quando se faz referência à presença de uma aristocracia local, oriunda de uma Monarquia não muito distante, de brancos menos abastados e de negros operários, que pertenciam à classe dos escravos libertos e de seus descendentes. Além disso, havia uma grande parcela de comerciantes descendentes de portugueses no Distrito Federal, fato que ajudou a fundar o Clube de Regatas Vasco da Gama, que, apesar de ter sua origem no remo18, criaria seu departamento de futebol, em 1915, passando a competir com as divisões anteriores, objetivando alcançar a elite do futebol.

17 O desenvolvimento industrial da cidade, nessa época, feito praticamente sem qualquer apoio do Estado, não tardou a atrair um grande número de migrantes, na sua maioria provenientes do antigo Estado do Rio de Janeiro. A população carioca, em 1920, já ultrapassava 1.000.000 de habitantes (ABREU, 2013, p.80). 18 O remo teve seu início na cidade do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX. O desenvolvimento do remo atendeu a um conjunto multifacetado de mudanças na cidade do Rio de Janeiro. Do ponto de vista cultural, estava relacionado à configuração de novos hábitos ―modernos‖, expressão de um país que acirrava seu desejo de sincronizar com as novidades internacionais, adotando costumes ―civilizados‖ (MELLO, 2012, p.36).

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Contudo, somente em 1923, os cruzmaltinos jogaram seu primeiro Campeonato Carioca da divisão principal, já com a presença de jogadores negros e mulatos em sua equipe. O público não estava acostumado a observar, nas partidas dos clubes, atletas (amadores) que não fossem de origem aristocrática19. Logo, o Vasco deu início ao profissionalismo no futebol carioca, pois os jogadores passaram a receber salários para treinar e jogar pelo clube (fato conhecido por amadorismo marrom20) e, assim, sagraram-se campeões. Como já mencionado anteriormente, o futebol era um esporte amador praticado pela classe alta da sociedade. Sob essa ótica, os clubes gestores não aceitaram bem o resultado do campeonato anterior, justamente pelo fato de a elite dominar o futebol carioca e, por isso, acrescentaram algumas cláusulas ao regulamento, fato semelhante ao que já havia sido tentado anos antes. O novo regulamento afirmava que somente poderiam participar da liga as equipes que trouxessem jogadores que fossem sócios e que não exercessem função remunerada no clube (NAPOLEÃO, 2006). Além disso, os clubes deveriam possuir um campo próprio para os jogos. Essas imposições atingiram diretamente o C.R. Vasco da Gama, pelo fato de este não ter um campo próprio e por possuir, em seu elenco campeão, jogadores de origem social desprestigiada, ou seja, atletas que dependiam da remuneração do clube para seu sustento21. Houve um rompimento dos cruzmaltinos com a Liga, por questões eminentemente sociais, já que o clube se recusou a retirar os referidos atletas de sua equipe. A partir daí, então, o Vasco iniciou sua luta contra o racismo no futebol carioca, sendo o pioneiro nessa conquista22.

19 Segundo Mario Filho, não se tratava de querer legítimo. Ninguém no Fluminense pensava em termos de cor, de raça. Se Joaquim Prado, extrema esquerda do Paulistano, preto, do ramo da família Prado, se transferisse para o Rio, seria recebido de braços abertos no Fluminense. Joaquim Prado era preto, mas era de boa família ilustre, rico, vivia nas melhores rodas (MARIO FILHO, 2010 p.36). 20 O futebol era jogado por atletas amadores, ou seja, os praticantes do esporte tinham profissão definida e não recebiam nada para jogar por seus clubes. Já no clube da cruz de malta, tal fato não acontecia e seus jogadores, que eram negros e mulatos, recebiam salários [...] os dirigentes cruz-maltinos arrumaram uma maneira de burlar as leis criadas pela Liga. Registraram todos os seus jogadores como funcionários de estabelecimentos comerciais dos portugueses (NAPOLEÃO, 2006, p. 95). 21 Camisas Negras - foi o time campeão carioca de 1923. Já em 1924, o clube foi impedido de realizar a inscrição de jogadores sem profissão definida e analfabetos. Essa medida visava atingir a vitoriosa equipe do Vasco, pois esta reunia em seu elenco atletas negros e pobres. O Vasco recebeu essa nomeação por usar o uniforme preto – ainda sem a faixa diagonal – com gola branca e uma cruz vermelha, semelhante à da Ordem de Cristo, no lado esquerdo do peito (site do Vasco). 22 O Vasco não foi o primeiro clube a ter em seu elenco jogadores mulatos e negros. Tivemos antes alguns casos de jogadores negros e mulatos em outros times como: Francisco Carregal do Bangu, Carlos Alberto no Fluminense e Manteiga e Miranda do América (FILHO, Mario, 2010).

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Assim, em 7 de abril de 1924, o então presidente do Vasco da Gama, Dr. José Augusto Prestes, escreveu uma resposta ao dirigente da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos, dizendo:

As resoluções divulgadas hoje pela imprensa, tomadas em reunião de hontem pelos altos poderes da Associação, a que V.Exa. tão dignamente preside, collocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada, nem pelas defficiência do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa séde, nem pela condição modesta de grande numero dos nossos associados.

Os privilégios concedidos aos cinco clubs fundadores da A.M.E.A., e a forma porque será exercido o direito de discussão e voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.

Quanto á condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Diretoria do C. R. Vasco da Gama não a dever acceitar, por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consocios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.

Estamos certos de que V.Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um acto pouco digno da nossa parte, sacrificar ao desejo de fazer parte da A.M.E.A., alguns dos que luctaram para que tivessemos entre outras victórias, a do Campeonato de Foot-ball da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.

São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto publico que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles, com tanta galhardia cobriram de glorias.

Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V.Exa. que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.

Queira V.Exa.aceitar os protestos da maior consideração estima de quem tem a honra de subscrever

De V.Exa. Att. Vnr., Obrigado.

(a) José Augusto Prestes (PRESTES,1924).

Esse manifesto seria uma resposta à violência social com a qual o Brasil sempre viveu, em que o clube da cruz de malta estaria representando toda uma massa brasileira que estava sendo reprimida pelas imposições de uma sociedade com grandes desigualdades. Este fato seria o que Castells (1999, p.24) classifica de identidade de projeto, ―onde os atores sociais constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade‖. Realmente, o campo onde o time do Vasco realizava seus jogos era o da Rua Morais e Silva, e este não mais possuía estrutura adequada para abrigar uma equipe campeã carioca e que, a cada dia, ganhava mais torcedores. Devido a tal fato, os torcedores e associados do Vasco fizeram uma arrecadação e, com o dinheiro recolhido, compraram um terreno

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localizado no bairro de São Cristóvão23, na Zona Norte da cidade, que, nesse momento, já não representava mais um lugar aristocrático como no tempo do império, como afirma Ferreira:

Poderíamos também apontar alguns fatores secundários responsáveis pela instalação do Estádio de São Januário em São Cristóvão, tais como: a relativa proximidade com o antigo campo da Rua Morais e Silva e com a zona portuária, parte da cidade onde o clube fora fundado; a existência de uma numerosa colônia portuguesa em São Cristóvão, composta tanto por moradores quanto por comerciantes e industriais; a identificação do bairro com Portugal, construída desde a chegada da Família Real, em 1º de janeiro de 1809, à Quinta da Boa Vista (2004).

Com a compra do terreno, mais um gesto de amor ao clube seria escrito nessa história, demonstrando total identidade na relação criada com seus torcedores que, novamente, fizeram arrecadações; simultaneamente, o clube tentava conquistar novos sócios para erguerem o estádio. Segue abaixo uma circular que a diretoria do Vasco da Gama expediu aos sócios do clube:

Campanha dos 10.000 — Consocio.

Todos os vascainos têm conhecimento de ter o Conselho Deliberativo autorisado a directoria a suspender a joia para a entrada de novos socios durante os próximos meses, por isso, ao lembrar-lhes esse facto, venho appellar para todos os que se interessam pelo progresso do Vasco que envidem todos os esforços no sentido de podermos attingir a cifra dos 10.000, numero este que não será difícil conseguir, bastando que cada associado proponha no mínimo dois novos socios.

A situação do Vasco, que ora se encontra no momento em que tem de pôr á prova o seu proprio valor e, portanto, o dos seus componentes, exige que alguma coisa se faça que demonstre de uma forma indiscutivel o que, tambem, materialmente, elle vale e representa.

As obras que tomou o encargo de executar, que mais são impostas pela necessidade que tem de acudir ao preparo dos seus numerosos athletas que pela necessidade de fazer obras sumptuosas, obrigam a contrahir responsabilidades taes que só o esforço conjugado de todos os socios, póde superar e vencer.

É, pois, sob a sciencia das considerações acima, que nos dirigimos ao digno consocio exortando-o a que collabore com a directoria do Vasco no trabalho afanoso de tornar este centro de desportos o mais completo, adequado e util, erigindo-o, assim, em pioneiro destemeroso da grande causa desportiva.

Pelas gravuras que constam da presente pode o digno consocio avaliar das obras que se projectam cujo inicio já foi solemnisado com o hasteamento do nosso pavilhão no terreno adquirido e consequente nivelamento e preparo deste para receber os alicerces respectivos.

23 Atualmente este campo localiza-se no Bairro Vasco da Gama. Uma parte do Bairro de São Cristóvão que se emancipou e ganhou esse nome em homenagem à sede do clube de futebol de mesmo nome.

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Junto seguem duas propostas para que se signe completal-as com a indicação de egual número de futuros vascaínos.

Agradecido, em nome da directoria sou______

De V. S. etc. (NETVASCO, 2015)

E assim, a partir de 1926, com o sucesso da campanha feita pela diretoria, teve início a construção do que seria o maior e mais democrático estádio do Brasil na época. O Vasco já iniciava sua trajetória mostrando uma intensa relação de identidade entre o clube e seus torcedores, o que para a época era uma novidade. Pode-se observar a imagem de um jornal da época com a publicação do lançamento da pedra fundamental de São Januário.

Figura 6 – Reportagem de um jornal da época sobre o lançamento da pedra fundamental do Estádio Vasco da Gama em 1926

Fonte: Netvasco, 2014.

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Figura 7- Estádio Vasco da Gama em construção ainda sem o anel da arquibancada

Fonte: Vasco, 1926.

Desse modo, em 21 de abril de 1927, foi inaugurado o Estádio Vasco da Gama com capacidade para 40 mil torcedores. A apropriação de um território, para Souza:

É vista como algo gerador de raízes e identidade, ou seja, um grupo não pode mais ser compreendido sem o seu território, no sentido de que a identidade sócio-cultural das pessoas estaria inarredavelmente ligada aos atributos do espaço concreto (natureza, patrimônio arquitetônico, ‗paisagem‘) (SOUZA, 2008, p.84).

Assim, podemos afirmar que o clube e sua torcida conquistam um território e o territorializam, sendo a territorialização o controle/domínio de um espaço pelos indivíduos (HAESBAERT, 2004). A construção e a ocupação do monumento São Januário24 representa um simbolismo de identidade e de grande orgulho para os torcedores cruzmaltinos, fincando suas raízes como o clube do povo, vencendo a luta contra o racismo em relação aos jogadores e, ainda, conquistando seu lugar na elite do futebol carioca. Um estádio que representa uma nação que sempre esteve nos bastidores da formação do Brasil, porém sem a oportunidade de, nele, ser inserida. Uma arquibancada de concreto foi projetada com pequenos degraus na lateral, para os torcedores assistirem aos jogos em pé e com liberdade para exercerem sua função na partida. Desse modo, com o passar dos anos, o

24 Apelido dado ao estádio Vasco da Gama devido à rua em que se localizava, em seus arredores.

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estádio foi ficando cada vez mais lotado e, a partir disso, os torcedores foram ocupando esse espaço e imprimindo características bem marcantes.

Figura 8 - Estádio Vasco da Gama

Fonte: globoesporte.com, 2017.

A partir desse momento de conquistas sociais, é possível ressaltar que, através de sua prática, o futebol carioca deu um passo importante para a construção de uma identidade nacional. O fato de terem sido aceitos nas equipes atletas negros, mulatos e de baixa renda ampliou ainda mais a popularização desse esporte no Brasil. Um fato que deve ser mencionado é que na década de 1940, também foi construída a Av. Brasil25, principal via de acesso do subúrbio e da Zona Oeste ao Centro da cidade. Cabe ressaltar que é a partir desse período que o país tem como foco principal o crescimento do setor industrial e consequentemente o desenvolvimento econômico facilitado pela construção desse importante corredor viário. O trajeto escolhido para essa via ficou localizado bem próximo ao estádio do Vasco da Gama, o que facilitou, com o passar dos anos, a chegada e a saída de torcedores que moravam ao longo da Avenida Brasil, como observa-se na imagem abaixo:

25 Foi inaugurada durante a década de 1940 (com vários trechos finalizados ao longo desse período) e sua duplicação ocorreu na década de 1950 (COSTA, 2006). Atualmente, a Avenida Brasil continua sendo a principal via de acesso dos bairros do subúrbio e da Zona Oeste para o Centro da cidade.

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Figura 9 - imagem de satélite: São Januário e sua proximidade com a Av. Brasil

Fonte: Google Earth, 2016.

1.5 O início da popularização do futebol e a construção de uma identidade nacional

O Brasil das décadas de 1920 e 1930 tentava criar sua própria personalidade, mesmo possuindo, ainda, algumas heranças dos grandes senhores do café. Sendo um país sempre muito influenciado por seus exploradores, alguns representantes intelectuais fulguraram no cenário nacional em busca da exposição e valorização do que havia na cultura nacional, que, até aquele momento, vivia escondida pela influência externa. A Semana de Arte Moderna, em 1922, foi um marco inicial para a mudança de ideias estético-político-culturais, em uma tentativa de libertar a cultura brasileira dos padrões europeus impostos durante anos no cotidiano das famílias tradicionais. A partir desse momento, a sociedade passa por um processo de aceitação dos valores das tradições nacionais, não mais as negando. Em áreas como Artes, Literatura, Música e, também, no Futebol, passa-se a ter, desse momento em diante, uma valorização do que era brasileiro. Apesar de ter suas origens na Inglaterra, com uma forte presença aristocrática em seu comando, e de ter um cunho moderno, elitista e civilizatório, o futebol conquistou, com o passar dos anos, a sociedade brasileira em sua quase totalidade. Entretanto, o futebol praticado aqui no Brasil ganharia muitos ―sotaques‖ diferentes dos que já eram costume, o

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que, com o tempo, alteraria a forma de jogar e de torcer, criando uma identidade singular nas arquibancadas espalhadas por todo o território nacional. Segundo DaMatta:

É no futebol que o povo pode finalmente juntar os símbolos do Estado Nacional: a bandeira, o hino e as cores nacionais, esses elementos que já foram propriedade dos militares e de uma elite restrita (DAMATTA, 2006, p.165). . Com o tempo, observa-se que o futebol foi um dos primeiros elos entre as fortes diferenças sociais existentes na cultura nacional, representando uma ―igualdade‖. Um país que sempre sofreu por problemas de discriminação de classes encontrou no futebol uma forma democrática de juntar a elite à classe menos desfavorecida, em prol de um mesmo sentimento, nos cantos das arquibancadas. Os estádios de futebol representam bem essa espacialização da sociedade, pois, com a aceitação de pobres e negros no futebol, os estádios tornaram-se lugares mais democráticos, ao abrigarem as diferentes camadas sociais. Em 1930, houve o primeiro Campeonato Mundial de Futebol, realizado no Uruguai. Além disso, o início dos anos 1930 foi um marco para a entrada de importantes líderes de governo de vários países e no Brasil não foi diferente. Foi um período de grandes mudanças, com a entrada de Getúlio Vargas na presidência do país, que soube criar uma relação positiva entre política e futebol em seu governo, utilizando, principalmente, o estádio de São Januário para reunir os trabalhadores em todo 1º de maio, quando se comemora o Dia do Trabalhador. Discursando das tribunas de honra em frente ao microfone que levava sua voz a todo o Brasil e até ao exterior, em retransmissões do DIP26, Vargas utilizava-se do capital simbólico dos estádios para se aproximar das classes populares, que tinham no esporte um de seus principais elementos de lazer (DRUMOND, 2012), ou seja, além de deter o caráter populista27 para seu governo, principalmente por ter criado os direitos trabalhistas, o presidente também o usou magistralmente no esporte, que passou a ser uma extensão da educação para a população e que serviu para conquistar seus eleitores. Durante o Estado Novo, o presidente usaria muito bem todos esses artifícios e, no início da década de 1940, um novo conceito da prática esportiva se consolida no Brasil, com o financiamento da construção de complexos poliesportivos pelo Estado, oferecendo, assim, a possibilidade de diferentes usos deste espaço e buscando, por meio do esporte, fortalecer o nacionalismo na população brasileira.

26 Departamento de Imprensa e Propaganda do governo Vargas. 27 Populismo é uma forma de governar em que o governante se utiliza de vários recursos, para obter apoio popular.

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Para iniciar esse tipo de projeto, foi inaugurado o Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, na cidade de São Paulo, em 27 de abril de 1940, mais conhecido por Pacaembu, que é o mesmo nome do bairro nobre onde está localizado. Com capacidade para 70 mil torcedores, tornou-se, na época, o maior estádio do Brasil. Era um espaço poliesportivo que, além do campo, contava, ainda, com quadras e piscinas para diversos tipos de esportes, transformando toda a dinâmica esportiva do lugar. Como afirma Santos:

Os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar, fluxos novos ou renovados que recriam as condições ambientais e as condições sociais, redefinem o lugar e que mudam o lugar, exercendo diferentes fluxos (SANTOS, 1996, p.61).

Segundo a manchete do Jornal do Brasil da época, teria sido inaugurada uma nova era do esporte, na qual esporte e política manteriam uma relação bem próxima.

Figura 10 – Manchete sobre a inauguração do estádio do Pacaembu

Fonte: Acervo JB, 1940.

Contando com a presença ilustre do presidente Getúlio Vargas28, como afirma a reportagem da época: seria inaugurada ―mais uma prova de pujança e progresso do grande Estado da União‖. ―Um símbolo do crescimento nacional e do poder público‖ [...] (LABRIOLA, 1998).

28 E nele, ontem, com a presença do sr. Presidente Getúlio Vargas, srs. Interventores Adhemar de Barros e Comandante Amaral Peixoto, sr. Governador Benedito Valladares, sr. General Mauricio José Cardoso, prefeito Prestes Maia, d. José Gaspar d'Affonseca e Silva, e demais autoridades civis e militares do país (O Estado de São Paulo, 1940 apud LABRIOLA, 1988)

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Além disso, era uma obra que, financiada pelo governo, simbolizaria um novo modelo de vida, principalmente para o trabalhador e para as camadas mais carentes que poderiam praticar diversos tipos de esportes, o que, inicialmente, só era feito pelas elites. Foi mais uma demonstração de que o Estado populista abraçaria várias modalidades esportivas em busca da aceitação e conquista do povo, principalmente o futebol, esporte que viria a ser a paixão nacional. Além disso, o próprio governo usaria este espaço de desporto para ações cívicas, captando assim o apoio do trabalhador. Como afirma Drumond:

Enquanto o mundo se encontrava em guerra, o Estado Novo afirmava sua capacidade, ao construir grandes monumentos a serem desfrutados pelo povo. O futebol era um símbolo não só do sucesso do país nas quatro linhas, mas também do regime de exceção que imperava (DRUMOND, 2012).

Além da prevalência do regime ditatorial desde 1937, as principais potências da época estavam em guerra desde 1939, e o Brasil, nesse período, envia tropas para lutar na 2ª Guerra Mundial. Todavia, o futebol, esse esporte bretão, vai conquistando toda uma sociedade, pois até os governantes estavam aliados a esse entretenimento para elevar a autoestima do povo brasileiro e, ao mesmo tempo, ganharem algum tipo de prestígio. Era um período de renovação dos ideais e dos valores de uma nação que buscava sua própria identidade, mesmo que fosse pautada no futebol, já que, durante muitos séculos, foi apenas influenciada, justamente por não assumir quem era realmente, no entanto, nesse momento, o Brasil passa por um processo de emancipação cultural e de valorização de uma cultura nacional. ―Não importa quão diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma e grande família nacional‖ (HALL, 2010, p. 59). Contudo, não é fácil formar essa unificação nacional, principalmente em um país repleto de desigualdade e exclusão social como o Brasil. Em uma nação, onde quem possui bens e ―nome e sobrenome‖ tem um tratamento diferenciado, além de muitos privilégios em relação à maioria da sociedade. Todavia, Da Matta (2006, p.124) afirma que ―o futebol engendra essa cidadania positiva e prazerosa, profundamente sociocultural, que transforma o Brasil dos problemas, das vergonhas e das derrotas, no país encantado das lutas, da competência e das vitórias‖. E, para efetivar todo esse processo de construção de uma identidade nacional pelas vias futebolísticas, o governo do Brasil promoverá o quarto mundial de futebol, em 1950. Um novo momento

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que foi marcado com a inauguração do Estádio do Maracanã e com o surgimento de novas formas de torcer. O próximo capítulo tratará tanto do contexto que gerou o projeto de realização do Mundial de 1950, quanto do surgimento do Estádio do Maracanã e sua apropriação pelos torcedores.

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2 MARACANÃ: DA CONSTRUÇÃO DO ESTÁDIO DAS MASSAS À TRANSFORMAÇÃO EM UMA ARENA PACIFICADA

Após o período inicial de criação e de fortalecimento dos clubes na prática do futebol, este desporto torna-se importante no processo de consolidação da sociedade e do território brasileiro na primeira metade do século XX. Para Toledo (1996), o crescimento do futebol deu-se concomitante à evolução industrial e urbana do país. O autor ainda afirma que:

O esporte, por alguns dos elementos que contém e o caracterizam, ou seja, reflexo e agilidade, coletividade, dinâmica, o espírito competitivo, a participação – não somente daqueles que, de fato, praticam mas também assistem – traduziu, ainda que por um viés próprio, o movimento crescente de urbanização por que passou a cidade. Com isso expressou, simbólica e materialmente, o espírito do progresso dos centros urbanos, onde efetivamente se difundiu desde as primeiras décadas do século XX, sobretudo São Paulo e Rio de Janeiro (TOLEDO, 1996, p.16).

Durante a década de 1930, tem-se a difusão do rádio que, segundo Mascarenhas (2014), ajudará muito no desenvolvimento e na afirmação desse esporte como a verdadeira ―paixão nacional‖. Com o apoio do presidente Getúlio Vargas, que aliava política e futebol em seus discursos, as ondas de rádio foram fundamentais para maior difusão do esporte, já que propagavam, não só para a capital, mas também para o interior do país, os jogos, principalmente, dos clubes da capital federal. A partir da realização do Mundial de 1950, com sua construção apoiada, na maioria das vezes, por governantes, concretiza-se no país um novo padrão de estádio (padrão já inaugurado pelo Pacaembu em 1939 e por iniciativas estatais de menor porte, como Caio Martins, em Niterói), Esse modelo possui características marcantes, com grandes arquibancadas de concreto, onde os torcedores ficavam em pé e com reduzido conforto, representando uma peculiar forma de torcer. Assim, surge o que Mascarenhas (2014a) define como ―estádios das massas‖, tornando esse período o de maior público do futebol brasileiro.

O mesmo período consolida, em escala nacional, o pleno acesso das camadas populares urbanas aos estádios. Parece ser também possível afirmar que esse período viu nascer e se expandir todo um ritual de ―carnavalização‖ dos estádios, com coreografias coletivas e multiplicação de cânticos e adereços, propiciando um espetáculo muito particular nas arquibancadas (MASCARENHAS, 2014b, p.30).

Tais construções eram locais próprios para a grande população usar, no entanto bem pouco aristocráticos, como ainda afirma Mascarenhas:

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Para além da popularização do acesso ao estádio e do formidável aumento de volume de público que favorece tais processos mutantes, acreditamos que um dos fatores a ser considerado é a própria arquitetura desses equipamentos. Criados, ao menos em parte, para as camadas menos favorecidas, esses estádios apresentavam estruturas de cimento e concreto rústicas e bastante simplificadas (MASCARENHAS, 2014b, p.30).

Entretanto, a partir da década de 1990, uma nova economia do futebol, baseada nos moldes europeus, é introduzida no futebol brasileiro, produzindo algumas mudanças nas estruturas físicas dos estádios. Com a escolha do Brasil como sede do Mundial de 2014, houve uma imposição, por parte da organização, de como deveriam ser as novas arenas e assim, o Maracanã, o principal estádio da Copa, passou por uma grande transformação, não só em seu espaço interno, como também no seu entorno. Este capítulo abordará a difusão do futebol no território brasileiro, a construção do principal Estádio para a realização do Mundial de 1950 e a apropriação deste espaço pelos torcedores. Além disso, será explanado como a introdução do padrão FIFA modificou o estádio, tanto na sua estrutura, como em algumas de suas funções.

2.1 A Copa de 1950 e a construção do templo do futebol

A construção do Pacaembu foi o marco29 de uma nova fase, não só do futebol nacional, mas também do esporte em seu aspecto geral - principalmente com a elevação do número de adeptos de várias modalidades. O governo viu, nessas ações, uma maneira de expandir o reconhecimento internacional do país, e o futebol foi o precursor desse feito quando o Brasil lançou sua candidatura para sediar o Mundial de 1942, no entanto, as grandes potências declararam guerra entre si e o planeta entrou em conflito. No período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), não houve edição da Copa do Mundo de Futebol, entretanto, com o fim da grande guerra, as atenções novamente se voltaram para a realização de mais uma disputa do Mundial. Assim como foi na primeira edição, em 1930, o quarto Mundial, em 1950, seria sediado em um país do continente americano. Após ser a sede de dois Sul-americanos30, essa era a primeira vez que o Brasil sediava uma Copa. Por possuir a experiência de ter participado de todas as edições anteriores,

29 Estádio construído pelo governo. 30 O Brasil foi sede do Campeonato Sul-americano em 1919 e em 1922.

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a seleção brasileira tentava conquistar sua primeira taça, buscando, assim, ocupar um lugar entre as grandes potências. Com a escolha de seis cidades sedes31, o Brasil estava pronto para realizar os jogos. Os estádios escolhidos foram: Pacaembu (São Paulo), Eucaliptos (Porto Alegre), (Independência) Belo Horizonte, Durival Brito (Curitiba), Ilha do Retiro (Recife) e Maracanã (Rio de Janeiro). Além disso, eram estádios que contemplavam setores com cadeiras para a parte mais elitizada da torcida e com grandes arquibancadas de concreto (sem cadeiras ou algum outro tipo de assento) para a maioria dos torcedores, onde estes poderiam ficar em pé e com seus corpos livres (MASCARENHAS, 2014) para fazer o que mais gostavam: torcer. Haverá ainda nesse período uma mudança econômica nacional com a construção da indústria de base, promovendo, assim, toda uma nova dinâmica na sociedade, principalmente com a introdução das leis que garantiam os direitos trabalhistas, o que, no entanto, ainda não era o suficiente para os planos do governo. Até a década de 1940, o Brasil ainda era considerado um país agroexportador, cuja maior riqueza era representada pelo café. Na tentativa de se destacar internacionalmente, o Brasil passou a acreditar na realização de obras que simbolizassem seu tamanho, promovendo, com isso, algumas mudanças sociais, como a construção de um grandioso Estádio Nacional, a fim de sediar o primeiro Mundial de Futebol. O primeiro embrião do Maracanã, na capital federal, foi gerado no fim da era Vargas, quando o anteprojeto fora apresentado ao então prefeito do Rio de Janeiro, Henrique Dodsworth, que, contudo, não o concretizou (MÁXIMO, 2010). Somente na gestão do presidente Dutra, iniciou-se a construção do Estádio. O local escolhido foi o terreno antes ocupado pelo Derby Clube, hipódromo que foi desativado com a construção do Jóquei Clube, na Gávea.

31 A cidade de Salvador também seria mais uma sede, mas o estádio da Fonte Nova não ficou pronto para o mundial (MASCARENHAS, 2014).

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Figura 11 - Derby Clube

Derby Clube

Fonte: Guilherme, 1928.

Segundo o jornalista Mário Filho, essa obra serviria para ―comprovar a capacidade do povo brasileiro‖, e, em menos de dois anos, o Estádio do Maracanã estava à disposição para a Copa de 1950. Um Estádio construído pelo governo Federal, que, segundo Mascarenhas, ―tenta rivalizar com o Pacaembu o posto de melhor estádio público do país‖ (MASCARENHAS, 2014, p.124). Em seu primeiro projeto, já se nota uma grande evolução em relação a qualquer outro estádio brasileiro, como se observa na manchete do jornal abaixo:

Figura 12 - Manchete do jornal O Globo sobre como seria o Estádio Nacional

Fonte: Acervo O Globo, 17 nov. 1942.

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Porém, somente alguns anos depois, tem-se o projeto definitivo do imponente estádio, simbolizando, para todo o território, o poderio do Governo Federal. Com características democráticas bem marcantes, o Estádio do Maracanã foi dividido em vários setores, de modo que pudesse abrigar diversos tipos de torcedores, sendo considerado por muitos o mais popular do país. Localizado no bairro de mesmo nome – na zona norte da capital federal – o Estádio era de fácil acesso a pessoas de diferentes partes da cidade. Abrigava espaço, ainda, para uma praça de atletismo (Célio de Barros) e natação (Parque Aquático Júlio Delamare32), além do Maracanãzinho, para os jogos de quadra poliesportiva, com capacidade para mais de 18 mil espectadores. Sob esse aspecto, considera-se o que Santos (1996) define como a técnica da produção de espaço, configurado por meio de objetos técnicos. Desse modo, o estádio Mário Filho é construído para ser um espaço de uso pela sociedade, com diversas funcionalidades. Um legítimo legado para a reprodução das relações sociais, reconfigurando a capital do país. Mesmo com obras por terminar, o Maracanã foi inaugurado em junho de 1950. A primeira partida foi entre as Seleções Carioca e Paulista, como mostram a foto e as manchetes de jornais abaixo:

Figura 13 - Estádio do Maracanã em 1950

Fonte: VEJA RIO, 2012.

32 O parque dispõe de uma piscina olímpica, de 25m x 50m, uma piscina coberta para aquecimento de 10m x 25m e um tanque para saltos, de 25m x 25m, com profundidade máxima de 5 metros.

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Figura 14 - Manchete do Jornal Correio da Manhã sobre a inauguração do Maracanã

Fonte: Correio, 1950.

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De acordo com Moura (1998, p.73), ―as primeiras partidas do campeonato mundial confirmam a vocação prevista para a praça de esportes – a de promover a comunhão popular‖. E, assim, ficou consagrado o Maracanã: um estádio feito para o cidadão brasileiro.

Figura 15 - Capa do Jornal dos Sports sobre a inauguração do Maracanã

Fonte: STEIN, 2015.

O grande momento vivido pelo Maracanã foi a ―trágica‖ partida final do mundial daquele mesmo ano. Um jogo inesquecível entre Brasil e Uruguai, que ofereceu grande carga dramática aos presentes. Um Maracanã que, naquele dia, foi pleno em sua essência, mostrando o que realmente seria a partir daquele momento. Um estádio que nunca presenciou

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tantos torcedores33, dentre os quais se encontravam não só homens jovens, mas também, mulheres, idosos e crianças, enfim, torcedores de todas as classes em uma tarde tão festiva. O complexo esportivo do Maracanã era do tamanho dos grandes sonhos do Governo Federal e se tornou um dos símbolos representativos de um país que estava em pleno crescimento econômico, acompanhado de um sucessivo desenvolvimento industrial e da introdução de novos produtos para o consumo, dando origem, assim, a uma nova cultura popular relacionada ao futebol. A partir daquele momento, surgia uma nação que não representava somente um território agrícola exportador, mas um país que tinha como objetivo um desenvolvimento industrial e urbano. Além disso, o estádio era um espaço voltado à população, que ocupava e gerava diferentes usos, tornando-se, assim, um espaço democrático de desporto.

2.2 O estádio das multidões: um território da torcida brasileira

No mundial de 1950, foi registrado o maior público presente no Maracanã, fato ocorrido na final da Copa do Mundo, na partida entre Brasil e Uruguai, perfazendo um total de 200 mil torcedores. Durante a década de 1960, o Maracanã ficou consagrado por apresentar grandes públicos em diversos jogos de times cariocas, entretanto, foi também um atrativo para muitos times de fora do estado do Rio de Janeiro, que disputaram algumas partidas nesse estádio, fazendo dele, seu território, como por exemplo o Santos de Pelé. De acordo com Máximo:

O Maracanã elegeu o time do Santos seu visitante favorito. Em troca, o Santos elegeu o Maracanã seu estádio, sua casa. Por isso, fez nele as partidas contra Benfica e Milan, nas decisivas do Intercontinental de clubes de 1962 e 1963‖ (MÁXIMO, 2010, p.70).

33 A final da Copa de 1950 entre Brasil e Uruguai registrou o maior público no Maracanã: 199.854 pessoas (ACERVO O GLOBO, 2013).

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Figura 16 – Manchete do jogo Santos X Milan no Maracanã em 1963

Fonte: Acervo O Globo, 15 nov.1963. MATUTINA, GERAL, p.16.

Assim também foi pela Taça Libertadores de 1968, quando o Santos de Pelé jogou no Maracanã contra o Peñarol, vencendo por 1 a 0.

Figura 17- Manchete do Jornal O Globo sobre o jogo do Santos no Maracanã

Fonte: Acervo O Globo, 22 nov. 1968. Matutina, Geral, p. 18.

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Do mesmo modo, ainda na década de 1960, outras partidas internacionais foram realizadas nesse estádio: o empate entre Vasco e Real Madrid - este contava com o argentino Di Stefano no elenco -, assim como a Taça das Nações entre Brasil, Argentina, Inglaterra e Portugal.

Figura 18 - Manchete do jogo entre Vasco e Real Madrid, em 8/2/1961 no Maracanã

Fonte: Acervo O Globo. 9 fev. 1961. Matutina, Geral, p. 20.

Dessa forma, o Estádio Mario Filho sagrou-se como principal campo para o futebol brasileiro e a torcida carioca sempre fez a diferença, haja vista ter usado e dado significado a esse espaço das multidões, ou seja, um estádio que abriga as maiores torcidas do país e que é palco de clássicos como o Fla X Flu e o dos milhões34 (Vasco X Flamengo). Assim, o Estádio do Maracanã fixou-se como o grande símbolo do que Mascarenhas (2014) afirma ser o ―estádio das massas‖, onde o torcedor é parte do jogo e faz um grande espetáculo. Tem-se o que Santos afirma ser a representação de um sistema de objetos e de ações dispostos no espaço, em que os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes (SANTOS, 1996, p.63). Dessa forma, os torcedores, quando estão nos estádios, seja nas arquibancadas ou nos seus arredores, realizam suas ações, usam-nos e

34 O clássico entre Vasco e Flamengo ganhou essa alcunha por registrar grandes públicos entre os anos 1970 e 1980. A manchete do jornal O Globo dizia: 174.770 mil torcedores superlotam Maracanã. Com gente até na marquise do estádio, rubro-negro venceu por 3 a 1, jogo disputado em 1976. (ACERVO O GLOBO, 5 abr. 1976). Em 1977, mais de 150 mil viram os vascaínos ganharem o Campeonato Carioca sobre o Flamengo.

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os transformam. Sua estrutura física é um fixo na paisagem carioca que atravessa o tempo, pois, durante anos, recebeu diferentes tipos de torcedores, sendo estes considerados fluxos, já que, com o tempo, aumentaram em quantidade, foram se diversificando de acordo com a época e transformando este espaço (SANTOS, 1996)35. O Maracanã, no auge de seus grandes públicos, foi um modelo a ser seguido, ao mesmo tempo que foi considerado, não só o estádio mais importante do país, como também um dos mais famosos do mundo, tanto pela sua estrutura física, quanto pela ―força‖ de sua imensa torcida. Com o sucesso das festas dos torcedores, o Maracanã começa, então, a ―ditar moda‖ a outros torcedores espalhados pelos estádios do Brasil.

2.3 As torcidas de futebol e a apropriação do território do Maracanã

Um modo clássico que a Geografia utiliza para analisar a formação de um território passa pela existência de relações de poder entre os indivíduos, ou grupos de indivíduos, que atuam no espaço geográfico (RAFFESTIN, 1993). Nas arquibancadas dos estádios, são observados esses tipos de relações de poder sendo exercidas pelas torcidas de futebol durante as partidas. No entanto, existem vertentes em torno do conceito de território, não sendo somente uma formação de um Estado-Nação, mas também podendo ser a existência de um território simbólico-cultural:

Cultural (muitas vezes culturalista) ou simbólico-cultural: prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo, como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido (HAESBAERT, 2004, p.40).

Tendo tal conceito em vista, a partir da década de 1940, para além do aspecto funcional, os estádios brasileiros tornaram-se também territórios simbólico-culturais, pois as torcidas iniciaram um processo de apropriação e de valorização desses espaços durante os jogos de futebol, fenômeno que foi se fortalecendo com o passar do tempo, principalmente com o surgimento de diferentes tipos de torcedores. Segundo Murad (2012, p.88), as torcidas marcavam sua atuação com cânticos, cores, alegorias e festejos. Com isso, torcidas-símbolo das décadas de 1940 e 1950, como a

35 O espaço seria construído como um conjunto de fixos e fluxos (SANTOS, 1996, p.61).

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Charanga Rubro-Negra, criada por Jaime de Oliveira, e a TOV, dirigida por Dulce Rosalina – vascaína, que foi a primeira mulher a chefiar uma no Brasil - ficaram muito conhecidas em todo país36.

2.3.1 Os primeiros torcedores

Como foi mencionado anteriormente, a torcida brasileira nasce da parcela aristocrática da população, por ter sido o futebol um esporte inicialmente praticado somente pela elite. Porém, à medida que se tornava um sucesso, aumentava cada vez mais o número de adeptos, colocando-o, assim, em outras camadas sociais. Rio de Janeiro e São Paulo foram as cidades em que o esporte mais se desenvolveu. No final da década de 1910 e início da de 1920, o público que acompanhava os jogos dos clubes cariocas já era bem significativo, principalmente após a realização do Campeonato Sul- americano em 1919. Muitas famílias aristocráticas passaram a curtir um programa nas tardes de domingo: ir ao estádio e assistir seu clube disputar mais uma partida do campeonato, costume esse, que foi ganhando força e crescendo continuamente. As torcidas nos estádios ficavam separadas praticamente em dois setores: o setor da social e o das arquibancadas. ―O valor do ingresso de um jogo nas arquibancadas era menor do que o de cinema ou o de teatro‖ (MALAIA, 2014, p.58), portanto, o preço baixo também foi um fator relevante para ajudar na conquista de novos admiradores para incentivarem seu time. Os jornalistas da época escreviam em seus periódicos:

No futebol, querer a glória dos seus e a derrota dos outros era ‗torcer‘. O espectador ou a espectadora, que gritava, gesticulava, apoiava seu time e ofendia os adversários era um ‗torcedor‘. Fazer parte de um grupo de torcedores de um mesmo clube, ou da seleção brasileira, era fazer parte de uma ‗torcida‘ (MALAIA, 2014, p.59).

Logo, o torcedor identifica-se cada vez mais com seu clube e, quando nas arquibancadas, passa a apresentar comportamentos marcantes e distintos que, até aquele momento, não se tinha visto nos esportes praticados na cidade. Era uma espécie de paixão que

36 As maiores torcidas organizadas dos principais times cariocas da atualidade somente foram criadas no período em que o país se encontrava no regime militar: Torcida Jovem do Flamengo (1967), Força Jovem Vasco (1970), Torcida Young Flu (1970) e Torcida Jovem do Botafogo (1969).

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crescia e dominava os torcedores, fazendo com que estes ficassem como que sem controle corporal, ao gesticularem e gritarem a favor de uma agremiação, acreditando que, dessa forma, poderiam ajudar sua equipe de alguma maneira. Apesar de ainda não existir o grandioso Estádio Nacional na capital federal – sendo os Estádios das Laranjeiras e o de São Januário os principais palcos das partidas – as torcidas dos clubes só aumentavam, e o clube Vasco da Gama foi um bom exemplo disso. Este era o que mais possuía torcedores no Rio de Janeiro por ter sido fundado por imigrantes portugueses37 e por, em pouco tempo na prática do futebol, ter conquistado muitos seguidores. A torcida cruzmaltina se destacava por ser muito vibrante e apaixonada, como afirma um cronista do Correio da Manhã referindo-se a um jogo contra o Flamengo em 1923: ―a torcida vascaína, que é por sinal a mais incomodativa de quantas temos visto, explode no diapasão de um ‗Vaaaaasco!‘ formidável!‖ (CORREIO da MANHÃ, 1923, p.11 apud MALAIA, 2012, p.77). Não se pode esquecer que os estádios, no início do século XX, eram de portes menores, e que as arquibancadas ficavam próximas ao gramado, facilitando esse processo de incentivo e de diálogo do torcedor com o jogador. Tem-se, portanto, o início de uma relação amorosa que nunca mais acabaria e que é peça-chave para a manutenção desse esporte, porque, de acordo com Malaia (2014, p.79), ―torcer é lutar ao lado do time‖. Assim, a figura do torcedor foi de extrema importância para o desenvolvimento da cultura do futebol, haja vista que, com o passar dos anos e com as transformações que o futebol foi sofrendo dentro e fora dos estádios, muitos tipos de torcedores foram nascendo, tornando-o, assim, o principal esporte do país.

2.3.2 As mulheres nas arquibancadas no início do século XX

Desde o início do futebol no Brasil, nota-se, pelas imagens da época, a presença feminina nos estádios, principalmente no Rio de Janeiro, onde se encontra o Fluminense F.C., um dos times mais antigos do Brasil, cuja história se confunde com o início desse esporte no país. Foi o Estádio das Laranjeiras que registrou os primeiros momentos da torcida feminina

37 ―O Vasco da Gama ao lado do Palestra Itália (SP) eram os clubes brasileiros que mais tinham torcedores. Os dois possuíam em comum o fato de terem sido fundados por imigrantes - portugueses e italianos - respectivamente. Os dois clubes, donos de dois dos maiores estádios do país, trouxeram consigo, desde cedo, uma verdadeira legião de torcedores, muitas vezes caracterizados como violentos, arruaceiros, mas também, como decisivos para seus times‖ (MALAIA, 2014, p.79).

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em uma partida de futebol, e, com o tempo, tornou-se um lugar erguido a partir da identidade que elas criaram com seus clubes. Muitas mulheres iam aos estádios, nas primeiras décadas do século XX, acompanhadas de sua família. Os jogos entre os clubes foram eventos que muito contribuíram para consolidar uma vida urbana a partir do aumento do uso da cidade na capital federal. Uma parcela da sociedade começou a se reunir nos clubes de futebol e, assim, um esporte que era praticado somente por homens passou a inserir as mulheres nas arquibancadas e ninguém, naquela época, poderia imaginar a importância que elas teriam fora dos gramados. O lado feminino exerceu um papel fundamental no quesito torcer, ao gritarem e se contorcerem durante os jogos, torcendo por seu clube. Desse modo, enuncia Malaia:

No entanto, algo diferente acontecia com as mulheres presentes nos estádios de futebol. Bem vestidas, usando luvas, chapéus e longos vestidos, as moças presentes nos estádios torciam seus objetos com suas mãos delicadas. Contorciam seus corpos com pulos e gestos, além de soltarem gritos altíssimos a chamar os nomes de seus jogadores preferidos, a grande maioria também sócios dos clubes e possíveis bons partidos. Esse era o comportamento inusitado que tanto chamou a atenção da imprensa e da sociedade e que configurou um novo personagem do futebol do período: as 'torcedoras'(MALAIA, 2014, p.64).

Na imagem abaixo, pode-se visualizar a presença feminina em um jogo nas sociais do Estádio das Laranjeiras, no início do século XX.

Figura 19 - Estádio das Laranjeiras nas décadas iniciais do século XX

Fonte: Foto do arquivo do Museu do Futebol em São Paulo, 2013.

Entretanto, alguns relatos da época apontam que houve uma diminuição da torcida feminina nos jogos devido ao início das brigas entre os torcedores de diferentes clubes, como relata o jornal O Imparcial:

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Uma parte desse público, sem a devida educação, principalmente, de caracter um pouco inflamado [...] insulta e calumnia ora jogadores, ora juízes e provoca conflitos entre a grande assistência, conflitos esses que, em muitos casos, tem sido bem sérios e dos quais tem sahido muita gente ferida (O IMPARCIAL apud MALAIA 2014, p.68).

Assim, iniciam-se as confusões durante os jogos, havendo, inclusive, a ocorrência de feridos. Esses são os primeiros registros de violência nas partidas do futebol carioca, quiçá brasileiro, o qual, infelizmente, não deixará de apresentar esses episódios no futuro. Em uma sociedade que sempre apresentou muitas formas de violência e de repressão, principalmente em relação à população negra e pobre, não causaria espanto que essa violência fosse encontrada também nos esportes. Desse modo, o futebol apresentará um período grandioso, não só em relação ao crescimento e fortalecimento dos estádios, como também das torcidas, no qual, as confusões nas arquibancadas não ganharão muito destaque e importância, mas, que com o passar dos anos só aumentarão. Com a construção do Maracanã, muitas partidas dos campeonatos passaram a ser realizadas nele e, com isso, começam a surgir os grandes públicos. Muitos torcedores frequentavam o estádio, incluindo as mulheres. Na década de 1950, surge nas arquibancadas Dulce Rosalina38, uma torcedora símbolo do Vasco, clube que amava, e que simbolizou, em sua trajetória, a força da mulher no futebol.

38 A torcida em questão era a TOV, fundada em 1944 por João de Lucas, que, por motivos de saúde, em 1956, passa a presidência para as mãos de Dulce Rosalina, que se torna a primeira mulher a liderar uma torcida organizada. Por problemas políticos, em 1976, Dulce deixa a TOV e funda a Renovascão, da qual participou até seu falecimento em 2004 (COSTA, 2007, p.9).

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Figura 20 - Dulce Rosalina

Fonte: Netvasco, 2014.

Dulce Rosalina foi a primeira mulher no Brasil a chefiar uma torcida organizada e ganhou muitos prêmios por isso, fato inédito na época, já que todos os chefes de torcida eram homens. Naquela época, havia concursos entre as torcidas para definir qual a mais bonita. Ela era considerada ―uma figura muito conhecida no país, que em 1961, foi eleita o Melhor Torcedor do Brasil, troféu que doou ao Vasco‖ (COSTA, 2007, p.9). Em meados dos anos 1960, o Brasil passa por um momento político muito complicado, com a implantação de um sistema de Ditadura Militar, bastante disciplinador e repressor, que causou consequências desastrosas à sociedade brasileira. Nessa ocasião, começaram a ocorrer muitas brigas entre torcidas cariocas rivais, principalmente nos clássicos que eram realizados no Estádio Mário Filho. Justamente nesse período, haverá os maiores públicos da história do futebol brasileiro e o Maracanã foi seu melhor representante por ter sido o maior dos estádios e por ser o palco do clássico entre Vasco e Flamengo (clássico dos milhões). Durante a década de 1980, até o fim da década de 90, os estádios ficaram consagrados pelo senso comum como sendo territórios basicamente de torcedores do sexo masculino. Assim, não se pode trazer em discussão a torcida, sem antes abordar o conceito de território, pois é nele que as torcidas se apresentam. Em dias de partidas no Maracanã, as torcidas com seus cânticos de exaltação ao clube, coreografias e ―cânticos de guerras‖ transformam o estádio, a cada jogo, em um espaço

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constituído por relações de poder (RAFFESTIN, 1993) e (re)criam e se apropriam desse território. Uma enorme valorização simbólica é a elas atribuída, a partir de diversas tradições (bandeiras, confetes, papel picado, instrumentos musicais, etc.) construídas ao longo do tempo em partidas variadas, sendo o produto (fruto) da apropriação dos torcedores que concederam a esse espaço vivido um significado único, sentimento compreendido somente por quem pertence a esse território. Depois do aumento da violência durante os jogos, no fim do século XX, os estádios passaram a ser frequentados basicamente por homens, as mulheres já eram minoria. Assim, a pequena parte feminina deixou em seu passado uma relação de reconhecimento que somente se constrói através da vivência das torcidas durante as partidas.

2.3.3 As Charangas

Ainda na década de 1940, a primeira forma de torcida organizada39 no Rio de Janeiro serão as Charangas, que se tornaram um grande exemplo do processo de apropriação dos estádios pela sociedade, com as torcidas acompanhadas de instrumentos musicais a fim de alegrarem as arquibancadas com marchinhas de carnaval.

39 Em São Paulo, a primeira notícia que se tem sobre agrupamentos de torcedores organizados ou uniformizados data do fim dos anos 30 e começo dos anos 40. Em 1940, Manoel Porfírio da Paz e Laudo Natel fundam a Torcida Uniformizada do São Paulo, considerada por muitos a mais antiga do Brasil (TOLEDO, 1996, p.22).

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Figura 21 - A Charanga do Flamengo: o carnaval invade os estádios

Fonte: MAIOR TORCIDA, [20--?].

Além disso, na mesma época, o radialista criou os hinos que seriam imortalizados nas arquibancadas. Concomitante às marchinhas de carnaval, as torcidas cantavam seus novos hinos no Maracanã e fortaleciam o sentimento de identidade (LOPES, 2006 apud BRAGA, 2010, p.15). Essa forma de apropriação também foi introduzida no Estádio Mario Filho, que recebia mais de 100 mil torcedores em suas arquibancadas.

Vargas Neto, um dos cronistas do Jornal dos Sports – o popular ―Cor-de-Rosa‖ – que narrava: ―Dez mil bandeiras drapejaram no setor do Fluminense! Flâmulas em braços penduradas, faixas com frases alusivas à contenda, blusas, lenços, distintivos, toda uma série de papéis e de tecidos, para todos os lados agitados, faziam uma policromia de salões de noites de carnaval (JORNAL DOS SPORTS, 1951, p.5 apud HOLLANDA, 2012, p.87-88).

Era assim que as Charangas se apresentavam nos jogos e conquistavam seus territórios; segundo Hollanda (2012), além da orquestra musical, Jaime de Carvalho (criador e chefe da Charanga do Flamengo40) levou a primeira bandeira para torcer. Outra inovação dos ―charangueiros‖ foi o uso de camisa igual à do uniforme do time em campo. ―A vestimenta era inusitada para os padrões mais formais de roupa dos torcedores da época e constituiu uma novidade‖ (HOLLANDA, 2012, p.103). Desse modo, num tempo em que o futebol ainda

40 Data de 1942 a primeira formação que seria da Charanga Rubro-Negra.

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apresentava características mais elitistas, a criação das torcidas representou a quebra de um modelo formal que ainda existia nesse esporte. Segundo Braga:

O futebol, através das torcidas, celebraria o fim temporário das relações de hierarquia e das regras oficiais, criando uma maior integração das classes sociais e produzindo uma forma de comunicação mais espontânea. Um espetáculo polifônico, apesar dos condicionamentos históricos-políticos e das inúmeras tentativas de disciplinar e normatizar as principais condutas dos torcedores nos estádios (BRAGA, 2010, p. 3-4).

De acordo com Toledo, esses torcedores-símbolo, que eram reconhecidos como os chefes das torcidas, tinham prestígio na imprensa:

(...) Houve um tempo em que os chefes de torcida como Jaime R. de Carvalho, o líder da Charanga rubro-negra, mantinham seus comandados sob uma disciplina quase severa. O objetivo da torcida organizada era apenas o de incentivar seu time. E do outro lado do estádio ninguém via inimigos, mas apenas adversários que deviam ser superados não na força, e sim na festa das bandeiras, na animação das batucadas. Hoje Jaime de Carvalho já não tem essa ascendência sobre sua torcida. Cansou-se(...) (JOÃO AREOSA, 1974 apud TOLEDO, 1996, p.21).

Assim, as Charangas41 trouxeram toda a alegria, musicalidade e liberdade, que foram características marcantes desses territórios nas arquibancadas do Maracanã. Além disso, os torcedores passam a se identificar uns nos outros devido ao uso dos uniformes de mesmas cores e símbolos, criando um vínculo intermediado pelo sentimento de pertencimento ao mesmo clube.

2.3.4 Os torcedores organizados

Na década de 1960 e início de 1970, o Brasil vivia um dos momentos mais marcantes de sua cultura. Muitos artistas foram revelados nesse período, principalmente em relação à música, tendo grande divulgação nos festivais42 da época. Em contrapartida, simultaneamente, o Brasil viveu um dos períodos mais tumultuados de sua história com a implantação da

41 No Vasco, surgiu a TUV (Torcida Uniformizada do Vasco), fundada em 7 de março de 1944. No Flamengo, a Charanga apareceria em 11 de outubro de 1942. Botafogo, Fluminense e América também criaram suas torcidas neste período, no entanto, não marcaram uma data específica de fundação (BRAGA, 2010, p.3). 42 Festival de música popular que contava com músicos como , Caetano Veloso, e Elis Regina. Com o fortalecimento da ditadura esses festivais deixaram de acontecer.

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ditadura militar e a consequente falta de liberdade no âmbito sociopolítico, principalmente a partir de 1968 com a promulgação do AI-543. Paralelamente, o futebol seguia como o principal esporte do país e conquistava cada vez mais adeptos44. Toledo (1996) afirma que foram nos anos 1970 que o futebol se consolidou como uma ―mania nacional‖ e expandiu-se para diversas cidades brasileiras, passando a receber, dessa forma, maior interesse nas áreas política, econômica e social. Foi nesse contexto sociopolítico que ocorreu a passagem da carnavalização (anos 1930, 1940 e 1950) das torcidas para a juvenilização (anos 1960, 1970 e 1980) (HOLLANDA, 2012), que foi o enfraquecimento das Charangas e o crescimento das torcidas organizadas. Dessa forma, esse novo tipo de torcedor surgiu no cenário do futebol brasileiro com algumas especificações identitárias, que além da juventude, também possuíam o fato de pertencerem ao mesmo lugar (são amigos e vizinhos) como afirma Silva (2000). Assim, em 1967, tem-se a primeira formação carioca de uma torcida organizada, a Poder Jovem45 do Flamengo. Em 1969, foi a vez da torcida do Botafogo com a criação da Torcida Jovem do Botafogo, e, no mesmo ano de 1970, houve a formação da Força Jovem Vasco, da Força Flu e da Young Flu. Para Hollanda (2012, p.113), os torcedores organizados que se formaram tinham um desejo de mais liberdade e autonomia frente ao clube e de menor reverência frente às personas de autoridade. Os torcedores novatos eram impelidos por uma ação social impregnada de conotações políticas. Cabe ressaltar que, para Murad (2012), o futebol se tornou uma das culturas das massas, já que é um dos maiores exemplos de cultura coletiva da ―cultura popular‖. A partir de então, os jovens passaram a fazer do estádio uma extensão do lugar que eles frequentavam.

43 AI-5 (Ato Inconstitucional nº 5) foi o último e mais violento decreto da ditadura militar. Dentre as várias proibições estavam: aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de frequentar determinados lugares; c) domicílio determinado, fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Disponivel em: . Acesso em: 18 dez. 2016. 44 Em 1970 a população brasileira já ultrapassava os 90 milhões. 45 Em 1969 esta torcida passaria a se chamar Torcida Jovem do Flamengo (HOLLANDA, 2012, p.111).

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2.3.5 As brigas entre as torcidas e o aumento da violência no Maracanã

O futebol popularizou-se intensamente no Brasil, tornando-se, assim, parte do cotidiano da sociedade, gostassem as pessoas ou não desse tipo de esporte. Nas cidades, em dias de jogos ditos normais, existia toda uma dinâmica espacial voltada para tal evento, o que requeria a atenção de alguns setores, dentre eles o de transportes e o de segurança. Quando havia um clássico entre times de uma mesma localidade, a atenção era dobrada, pois, desde cedo, nas ruas, já se confirmava a importância do evento. O mesmo acontecia na cidade do Rio de Janeiro, quando torcedores dos bairros cariocas deixavam as ruas mais alegres com suas brincadeiras e cores que duravam por todo o dia, representando uma mesma paixão. As torcidas organizadas cariocas também se reuniam em suas sedes, antes dos jogos, para irem juntos cantando e gesticulando rumo ao Maracanã, tomando as ruas de agitação e cores das bandeiras de seus clubes. Entretanto, nem sempre essas atuações foram feitas de forma pacífica. Casos de violência entre as torcidas organizadas foram registrados no trajeto para o Maracanã em dias de clássicos, principalmente nas décadas de 80 e 90. Segundo Toledo:

Ou seja, a partir do gosto pelo futebol, sobretudo aquele formado por times profissionais, observaremos de que forma determinados indivíduos constroem organizações torcedoras pautadas em projetos coletivos, organizadas espacial e materialmente, denominadas Torcidas Organizadas. [...] As torcidas organizadas, genericamente, são a contrapartida popular do futebol profissional cuja organização é estruturada em times, federações, justiça desportiva, confederação. A relação entre estes diversos segmentos possibilita compreender os desdobramentos simbólicos que cercam as práticas desses torcedores militantes tanto dentro do futebol profissional quanto da própria sociedade (TOLEDO, 1996, p.13).

Ou seja, são indivíduos de todos os lugares, pertencentes a diferentes classes e etnias, e que encontram no ato de torcer pelo futebol seu ponto em comum. Entretanto, também são torcedores mais exaltados, que sempre lutam ao lado do time, independentemente de onde fosse realizado o jogo, em busca da vitória. De acordo com Hollanda:

Os primeiros anos das associações de torcedores no Rio de Janeiro reiteram a inquietude pedagógica de adestramento das massas [...] o objetivo era inculcar disciplina entre os torcedores em suas horas de diversão nas praças de esporte (HOLLANDA, 2012, p.92).,.

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Deve-se enfatizar que, nesse momento, vivia-se um período de ditadura no Brasil, cuja violência era uma das armas utilizadas contra a sociedade. No Maracanã, até existiam alguns desentendimentos entre os torcedores, mas eram conflitos isolados; na maioria dos jogos, contudo, era o clima "família" que comandava (MURAD, 2012). Durante as décadas de 1980 e 90, embora o Maracanã possuísse a maior arquibancada de torcidas organizadas, esse clima familiar ficou abalado com a ocorrência de vários incidentes de violência entre as torcidas, aos quais a imprensa e a maioria dos torcedores não estavam acostumados. Esses fatos geraram descontentamento na sociedade, que começou, juntamente com a mídia, a divulgar e criminalizar os diversos casos de agressão que ocorriam durante os jogos, como comprova a manchete do jornal O Globo:

Figura 22- Cenas de violência entre os torcedores e a polícia

Fonte: O Globo, 19 abr.1999, p.8.

Os torcedores cariocas começaram a enfrentar uma rotina e uma dinâmica espacial diferentes das que estavam acostumados para irem aos jogos no Maracanã. De acordo com Raffestin (1993), a formação de um território passa pela existência de relações de poder entre os indivíduos ou grupos de indivíduos que atuam no espaço geográfico, e, não só nos estádios, mas também nas ruas, antes e depois das partidas, podem ser observadas tais relações entre as torcidas de futebol. Ele ainda ressalta que o território é fruto do espaço, ou seja, gerado a partir do espaço, ―como resultado duma ação conduzida por um ator sintagmático (ator realizando um programa) seja a que nível for. Apropriando-se concretamente ou abstratamente de um espaço, o ator 'territorializa' o espaço‖ (RAFFESTIN, 1993, p.129).

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A cidade passou a ser dividida tanto em territórios próprios aos torcedores organizados de cada time, que se apropriavam desse espaço, quanto em territórios dos policiais militares, que tentavam cercar alguns torcedores organizados mais exaltados. As confusões eram tão frequentes que o jornal O Globo fez um mapa do estádio, apontando os pontos críticos para os torcedores em dias de jogos.

Figura 23 – Mapa da violência nos arredores do estádio do Maracanã nos dias de jogo

Fonte: O GLOBO, 22 set. 1991, p.64.

Pode-se perceber que os pontos críticos destacados na figura 23 encontram-se tanto no entorno do estádio, quanto em seu interior. O Maracanã das últimas décadas do século XX aumentou o efetivo de segurança, no entanto, por não saber como agir em relação às torcidas, primava pela violência. Com isso, muitos torcedores (organizados ou não) passaram por momentos tensos nas arquibancadas e nas gerais. Infelizmente, os policiais do Rio de Janeiro continuaram com uma postura violenta, fato esse que passou a ser normal no cotidiano carioca. Com algumas táticas, a Polícia Militar do Rio de Janeiro montava esquemas para garantir a segurança e conter as brigas entre as torcidas organizadas rivais e entre as organizadas e a própria polícia. Esses grupos organizados possuem denominações que representam juventude e força, como Força, Young e Jovem e também adotam em suas nomenclaturas identidades que simbolizam os militares e suas hierarquias (MURAD, 2012).

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Assim, alguns desses torcedores deixaram de fazer uma linda festa nas arquibancadas e na geral ao adotarem uma postura mais violenta no estádio.

Figura 24 – O esquema da polícia para um jogo no Maracanã

Fonte: O GLOBO, 03 dez. 1997, p. 44.

Desse modo, o Maracanã viveu seu primeiro momento de alerta com o início dessa onda de violência, a partir da qual foram tomadas algumas medidas pelo governo do Estado do Rio de Janeiro que, mesmo assim, não conseguiu contê-la. Contudo, o estádio não enfrentaria somente essa dificuldade, pois outro grave problema surgiria com o tempo de uso: a manutenção de sua estrutura física.

2.4 A nova ordem da economia do futebol: a transformação de um estádio em arena privatizada

No final da década de 1980, o mundo passa por uma grande transformação político- econômica que marcará sua história. Vivia-se o fim da Guerra Fria, a queda do Muro de Berlim e o Fim da URSS, e em decorrência disso, tínha-se nos EUA uma soberania política, econômica e militar. Concomitante a esse fato, o processo de globalização, já em curso, promove uma nova dinâmica econômica favorecida pela Revolução Técnico-Científica Informacional.

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No que diz respeito ao futebol, vivia-se um período de alguns confrontos entre torcedores rivais, tanto numa escala local como numa escala global. E o fato que mais marcou esses acontecimentos foi o episódio em que 95 torcedores do Liverpool morreram em um jogo pela Copa da Inglaterra entre Liverpool e Nottingham Forest em 1989, no estádio de Hillsborough. Esse acontecimento marcou o futebol inglês e, em consequência, o mundial, pois a partir dele um novo modelo de futebol46 começou a surgir e a ser seguido por outros países. De acordo com o relato de Hornby (2013), em seu livro Febre de bola, a transformação dos estádios por medida de segurança era o principal objetivo nas mudanças no futebol inglês, mas que não era de consenso e aceitação de todos, como se observa em:

O problema tem várias facetas. Mudar os estádios para torná-los mais seguros vai custar caro, e muitos clubes não têm dinheiro. Pra conseguir os recursos, alguns deles devem passar a cobrar muito mais pelos ingressos, ou lançar esquemas como os de torcedor-investidor do Arsenal e do West Ham, os quais podem vir a significar que muitos rapazes da classe trabalhadora, tradicionalmente o coração da torcida, ficarão de fora (HORNBY, 2013, p.313).

Assim, inicia-se o processo de transformação dos estádios em arenas, que ganha força ainda maior com a adoção de tal modelo pela FIFA em Copas do mundo e pelo COI nas Olimpíadas. No Brasil, esse procedimento chega no final da década de 1990 e início de 2000 sendo a arena da baixada o primeiro estádio a passar por essa transformação. O Maracanã também sofre o primeiro processo de mudança para sediar o Mundial de Clubes da FIFA, a reportagem abaixo revela a redução da sua capacidade com a reforma, deixando assim de ser o maior estádio do mundo.

46 Depois desse acontecimento, um processo de mudança foi instaurado no futebol Inglês. Esse documento ficou conhecido por relatório Taylor e é nele que constam as novas regras para se ter uma partida de futebol na Inglaterra.

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Figura 25 - As reformas fizeram o Maracanã perder a identidade de maior do mundo

Fonte: O GLOBO, 25 mar. 1999, p. 37.

Alguns jornais afirmavam que as mudanças que ocorreriam no estádio objetivavam seguir todo o mandamento da FIFA visando sediar a Copa de 2006, evento que não ocorreu, já que o Mundial de 2006 deu-se na Alemanha.

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Figura 26 - As primeiras reformas do Maracanã

Fonte: O GLOBO, 8 jun. 1999, p.32.

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Como verificado na manchete acima, em julho de 1999 já existia o ideário de término da Geral47, fato que só realmente aconteceu em 2007 quando a cidade do Rio de Janeiro sedia os jogos Pan-americanos. A partir desse episódio, haverá o preço do ingresso mais caro devido à colocação de cadeiras e assentos em todo o estádio e à extinção do setor mais popular. É justamente nesse contexto que o Brasil é escolhido para ser a sede do Mundial de 2014. Segundo Mascarenhas (2014), a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014 acelera esse processo de modernização, padronização e privatização que já existia no futebol brasileiro de uma maneira mais lenta. O famoso Maracanã, conhecido mundialmente por ser um território de tradicionais disputas de cânticos das torcidas, dos gestos e das bandeiras, agora passa a ser ocupado por novos praticantes, muitas das vezes sendo sua primeira vez nas arenas e, por isso, não possuem os mesmos costumes, deixando de exercer algumas tradições. Dessa forma, com o processo de privatização sofrido pelo estádio, tem-se o desmoronamento de um território, pois muitas pessoas que pertenciam às arquibancadas do Maracanã estão agora ―impedidas‖ de entrar nesse novo estádio devido à elitização daquele espaço. Logo, as diversas identidades culturais que lá existiam também ficaram perdidas no tempo (HAESBAERT, 2004). Um novo conceito de estádio de futebol é implantado nas grandes cidades brasileiras com as construções das arenas nas doze cidades sedes, o qual busca a abolição de velhos costumes populares e a exigência da adoção de novos hábitos (mais elitistas e condicionados ao padrão FIFA), a fim de que seja introduzida uma padronização mundial nesses novos territórios (MASCARENHAS; GAFFNEY, 2004). Assim sendo, tem-se o início da formação de novos ―modelos de torcedores‖, nos quais torcer passou a ser um pequeno detalhe, e ser sócio-torcedor-consumidor os inclui em uma seleta parcela da sociedade, ou seja, passa a existir uma acentuada divisão social que exclui o torcedor que não é o ―alvo‖ do espetáculo a ser realizado. De acordo com DAMO (2005, p.12.) o futebol de espetáculo também se caracteriza pela divisão social do trabalho, dentro e fora de campo. Não obstante a distinção clara e precisa entre quem pratica e quem assiste, há nesse espaço social uma trama de outras especialidades em torno das quais produzem-se as lutas em relação às competências, aos interesses e às reciprocidades.

47 Setor mais popular do estádio do Maracanã em que os torcedores acompanhavam os jogos em pé e bem próximo ao campo, separados apenas por um fosso.

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Com isso o torcedor torna-se padronizado, não sendo mais livre e espontâneo dentro dos estádios. Esse momento apenas confirma que a FIFA deseja que, em sua maioria, os torcedores venham a ser somente as plateias de um novo espetáculo, onde o jogo é apenas uma dentre as diversas atrações que lá existem. Ficam então fora do estádio muitos torcedores que não possuem poder aquisitivo para custear todos esses serviços, ou seja, a nova gestão imposta no Maracanã após a reforma passa a segregar uma grande parcela dos torcedores que, durante décadas, frequentaram o estádio para acompanhar seu clube. Essas ações levaram os tradicionais torcedores do Maracanã à desterritorialização - fenômeno de abandono do território - ou seja, uma "operação da linha de fuga‖ (DELEUZE; GUATTARI, 1997b, p.224 apud HAESBAERT, 2004, p. 127). Esses torcedores que migraram forçadamente foram obrigados a acompanhar os jogos do seu time em outros espaços criados pela cidade, como botecos, bares e restaurantes, principalmente no subúrbio do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense.

2.4.1 O Maracanã como um espaço seletivo e de consumo

A partir da nova estrutura espacial do Maracanã, há uma crescente publicidade e implantação de diversos serviços que foram criados para o novo frequentador deste espaço. Segundo Hannigan (2002 apud CORRÊA, 2010, p.08)., ―Bens e serviços simbólicos estão presentes, sobretudo a partir de 1990, nas compras, no entretenimento e na alimentação, os quais ganham novos significados. A cultura torna-se, mais e mais, objeto de consumo‖, ou seja, dentro desse novo território, existem locais de consumo, pois os novos torcedores- consumidores também são induzidos a adquirir produtos exclusivos de diversas categorias para aqueles setores, tornando esse espetáculo ainda mais completo para as pessoas que ali frequentam e fazem questão dessa separação e de um espaço mais homogêneo no quesito socioeconômico. Observa-se esse fato nas imagens da parte interna do Maracanã, sendo visualizados diversos espaços produzidos para serem espaços de consumo dos torcedores; tem-se assim o que é conhecido como refuncionalização dos espaços.

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Figura 27 - Camarote do Maracanã após a reforma que implantou o padrão Fifa no estádio

Fonte: A autora, 2015.

Sobre essa nova forma de gerenciar o espaço urbano, Harvey (2006) afirma que:

Esses investimentos enfocam, cada vez mais, a qualidade de vida. A valorização de regiões urbanas degradadas, a inovação cultural e a melhoria física do ambiente urbano (incluindo a mudança para estilos pós-modernistas de arquitetura e design urbano), atrações para consumo (estádios esportivos, centros de convenção, shopping centers, marinas, praças de alimentação exóticas) e entretenimento (a organização de espetáculos urbanos em base temporária ou permanente) se tornaram facetas proeminentes das estratégias para regeneração urbana (HARVEY, 2006, p.174).

Figura 28 - Camarotes do Maracanã com a visão para o campo

Fonte: A autora, 2015.

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De acordo com Nascimento:

Sofisticadas técnicas de marketing atuam para convencer os torcedores sobre a necessidade permanente de manter os vínculos de identidade com clubes, jogadores ou competições. Reforçar os vínculos significa adquirir produtos e serviços ofertados por diversos segmentos desse mercado mundial; portanto, os milhões de amantes do futebol são cada vez mais consumidores (NASCIMENTO, 2013, p.60).

Dessa forma, após a última reforma, o estádio do Maracanã passou a ter em seus espaços públicos internos diversos produtos para os torcedores também consumirem com suas famílias durante as partidas ali realizadas. Tem-se nesses espaços o que Santos (2002, p.244) denomina de "os territórios nacionais se transformam num espaço nacional da economia internacional e os sistemas de engenharia mais modernos, criados em cada país, são mais bem utilizados por firmas transnacionais que pela própria sociedade nacional". Mas não podemos deixar de mencionar que essas estratégias usadas são totalmente seletivas e excluem a maioria dos torcedores que frequentava o estádio antes da reforma, por estes não disponibilizarem de poder aquisitivo para adquirir os produtos impostos.

Figura 29 - Setor oeste inferior do Maracanã

Fonte: A autora, 2015.

Dessa forma, tem-se o que Arantes (2013, p.31) conceituou de apropriação do espaço legitimada pelo upgrade cultural; no caso brasileiro, observa-se que diversos serviços passaram a ser oferecidos dentro da tradicional cultura do futebol na tentativa de deixá-lo ainda mais atrativo.

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Em variados setores do Maracanã, há espaços desiguais, com apresentação de diversos serviços e de estrutura moderna em apenas alguns setores, não havendo os mesmos em todos os outros, o que Santos (2002) denomina de "espaços da globalização".

Figura 30 - Setor Maracanã Mais com buffet nos jogos

Fonte: A autora, 2015.

E ainda:

A paixão pelo futebol leva o torcedor a se comportar como um consumidor disposto a gastar cada vez mais dinheiro com seu clube. Os torcedores contemporâneos valorizam essa dimensão consumindo as marcas que apoiam seus clubes, interagindo com diversos fornecedores em um mercado de consumo bastante específico e ao mesmo tempo variado e dinâmico (NASCIMENTO, 2013, p.60).

Conforme explica DaMatta (2006), o futebol movimenta a economia através das propagandas, das mercadorias e por ser gerador de empregos permanentes e temporários com a realização de competições. E ainda, também é possível relacionar a forte influência desse esporte com alguns dos processos de urbanizações que são feitos nos locais onde ele está presente. Além disso, tem-se a questão da segurança dos espaços internos do Maracanã, que passaram a usar diversos mecanismos como câmeras de filmagem e vários seguranças uniformizados para que não haja nenhum tipo de violência entre os torcedores. Para Souza (2008, p. 85), tem-se uma ―cidade vigiada‖48, ou ―monitorada‖, esta se caracteriza pela

48 No Brasil, a expressão ―cidades vigiadas‖ foi utilizada pelo historiador Robert Moses (PECHMAN, 2002 apud SOUZA, 2008, p.84).

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disseminação e diversificação de aparatos de proteção e de controle, tanto em espaços públicos quanto em espaços privados. Portanto, há, na parte interna das novas arenas, espaços de consumos semelhantes ao que se encontram nos shoppings, com ar condicionado, conforto (incluindo cadeiras numeradas para se poder sair do assento e consumir com tranquilidade) e segurança. Assim, conforme Harvey (2006, p. 169), [...]―testemunhamos uma maior fragmentação do espaço social urbano em zonas, comunidades e diversos ―clubes de esquina‖[...]. O mesmo se pode afirmar dos espaços públicos no entorno do Maracanã devido às diversas mudanças ocorridas com a nova modelagem baseada numa arena padrão FIFA.

2.4.2 A higienização dos espaços públicos nos arredores do Maracanã para a realização da Copa de 2014

Diversas tentativas de execução de uma nova organização espacial foram realizadas no entorno do Maracanã para a realização do Mundial de 2014. Ao longo da última reforma sofrida pelo estádio, muitas características que o estádio possuía nos dias de jogos foram perdidas devido à imposição de medidas repressoras que não eram de costumes da população local. Uma dessas alterações foi o isolamento da área com diversas proibições e uma limpeza urbana ao redor do estádio. De acordo com Curri (2012), foi criada, durante o mandato do prefeito Eduardo Paes, uma medida repressiva para coibir pequenos crimes e ordenar os espaços da cidade na tentativa de tornar esses espaços urbanos mais seguros, e nela estava contida a proibição de vendedores ambulantes - atividade marcante dos espaços externos do estádio. Assim, foi criada a Secretaria de Ordem Pública:

Choque de Ordem

Um fim à desordem urbana.

A desordem urbana é o grande catalisador da sensação de insegurança pública e a geradora das condições propiciadoras à prática de crimes, de forma geral. Como uma coisa leva a outra, essas situações banem as pessoas e os bons princípios das ruas, contribuindo para a degeneração, desocupação desses logradouros e a redução das atividades econômicas.

Com o objetivo de pôr um fim à desordem urbana, combater os pequenos delitos nos principais corredores, contribuir decisivamente para a melhoria da qualidade de vida em nossa Cidade, foi criada a Operação Choque de Ordem. São operações realizadas

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pela recém criada Secretaria de Ordem Pública, que em um ano de existência vem conseguindo devolver a ordem à cidade (CURI, 2012, p. 286-287).

Em relação a esses decretos promulgados pelos governantes para a realização dos megaeventos nas cidades, Agamben denomina tal ato de estado de exceção:

Este deslocamento de uma medida provisória e excepcional para uma técnica de governo ameaça transformar radicalmente – e, de fato, já transformou de modo muito perceptível - a estrutura e o sentido da distinção tradicional dos diversos tipos de constituição. O estado de exceção apresenta-se, nessa perspectiva, como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo (AGAMBEN, 2004, p.13 apud OLIVEIRA; VAINER, p.96).

Curri ainda menciona em sua tese que:

No dia 23 de janeiro de 2009, o prefeito Eduardo Paes publicou no Diário Oficial que o Choque de Ordem será aplicado também nos arredores do Maracanã, mas não no Engenhão, a partir de duas horas antes e até duas horas depois dos jogos. A partir desse momento ficaria proibida, nas ruas ao redor do estádio, a venda de bebidas alcoólicas, de suvenires, ingressos ou qualquer outra venda na rua, assim como estacionar o carro (GLOBO; JORNAL DO BRASIL, 2009, apud CURI, 2012).

A medida tem valor de lei, o que permite aos agentes fiscais multarem ou prenderem infratores. Segundo o Jornal do Brasil, a Secretária de Esporte, Turismo e Lazer do Estado do Rio de Janeiro, Márcia Lins, durante a apresentação da medida, disse: ―Nossa intenção é mudar o perfil e a cultura dos torcedores em longo prazo. Queremos dar garantias para que a família retorne aos jogos‖ (JORNAL DO BRASIL, 2009 apud CURI, 2012, p. 287).

Evidencia-se que essas medidas tomadas pela prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, objetivando a limpeza do espaço público, foram impostas com austeridade para não haver obstáculo algum na execução do determinado pelos padrões impostos pela FIFA, deixando este espaço sem seu uso tradicional nos dias de jogos. Paralelamente a essas ações, têm-se ainda, nas áreas do complexo do Maracanã e na vizinhança ao redor, inúmeras tentativas de desapropriações por parte do consócio que gerenciava o estádio, com o intuito de deixar esse espaço mais higienizado e limpo para os frequentadores dos jogos. Segundo Castro:

[...] as intervenções relacionadas à Copa de 2014 ultrapassaram a escala do estádio e atingiram diversas áreas do seu entorno. Houve o fechamento, depredação e ameaça de demolição dos equipamentos que fazem parte do Complexo Esportivo do Maracanã, como os casos do Estádio de Atletismo Célio de Barros e do Parque Aquático Júlio Delamare, a ameaça de demolição da Escola Municipal Friedenreich e do prédio do antigo Museu do Índio, a desocupação da Aldeia Maracanã e a remoção da Favela Metro-Mangueira (CASTRO, 2016, p.192).

Essas medidas são consequências do processo de privatização do estádio que desejava tornar este espaço público composto por escola, pista de atletismo, piscina para natação, o

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Museu do Índio e a Favela Metro-Mangueira, em um espaço privado e restrito para criação de um paisagismo, um estacionamento e um shopping. Castro afirma que:

Dessa forma, a destruição criativa de institucionalidades e formas urbanas, direta e indiretamente vinculadas ao estádio, pautada pelo projeto de neoliberalização da cidade e pelos interesses dos agentes que hegemonizam esse processo, seria responsável pela desterritorialização dos agentes sociais historicamente vinculados ao estádio e ao seu entorno (CASTRO, 2016, p.192).

Com a inatividade do complexo esportivo do Maracanã devido às obras iniciadas em 2010, esses espaços ficaram vazios e estão se deteriorando com o tempo, pois não há uma manutenção para um futuro uso dos mesmos. A questão da desapropriação da Favela Metro-Mangueira49 - que recebe este nome justamente por se localizar entre a estação do metrô Maracanã e a comunidade da Mangueira, - demonstra que, a partir do processo de privatização do espaço público do Maracanã, passou a existir um conflito em relação às moradias próximas ao estádio. Segundo Paes-Luchiari (2006, p. 45), os conflitos de interesse entre a produção, os serviços e a necessidade de moradias, e entre os valores de uso e os valores de troca das edificações, tornam mais evidentes as contradições da transformação da própria cidade em mercadoria. Assim, devido a essa forma de se fazer a cidade voltada para um modelo empresarial, tem-se no Maracanã, após a conclusão das obras, a representação de um estádio sem significados, tendo seu passado ―apagado‖ pelas transformações físicas e operacionais por ele sofridas. No próximo capítulo, será observado que, diferentemente do modelo seguido pelo Maracanã, o estádio de São Januário está em direção oposta às modernidades e não fez nenhuma intervenção urbanística em seu entorno, mesmo sendo cercado por uma comunidade, fazendo inclusive questão de usar esses espaços em dias de jogos.

49 A comunidade era composta de aproximadamente 700 famílias. Em outubro/novembro de 2010, a Prefeitura entrou na região com a afirmação e que deveriam se retirar do local. O motivo era o de ―limpar‖ a área para a Copa. As primeiras 107 famílias não resistiram e foram desapropriados para o Condomínio Varese, do projeto Minha Casa, Minha Vida, em Cosmos (70km de distância da comunidade, ou 2 horas de trem). As famílias que permaneceram resistiram com a ajuda da Defensoria do Estado do Rio de janeiro e da Pastoral das Favelas. Cerca de 300 famílias foram realocadas para o Condomínio Mangueira I, do projeto Minha Casa, Minha Vida, construído na mesma região, dentro da Mangueira, no início de 2011. As famílias restantes foram levadas para um outro condomínio construído na área póxima à estação de Triagem (WILLIAMSON, 2012).

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3 ESTÁDIO DE SÃO JANUÁRIO: DE EXEMPLO DE CIVISMO A TERRITÓRIO HOSTIL

Desde sua criação, o estádio do Vasco da Gama já representava uma mudança no cenário futebolístico da cidade do Rio de Janeiro, pois os clubes mais tradicionais estavam localizados na Zona Sul. Um gigante que foi construído na Zona Norte da cidade e que passaria a ter o status de maior do país, como cita Malhano:

[...] já ao final da primeira metade do século XX, em terreno espaçoso e de aspecto agradável, como a ―Chacrinha‖, onde foi construído o Estádio do Clube de Regatas Vasco da Gama. São Januário era pequeno bairro de aspecto agradável junto ao Bairro Imperial São Cristóvão, servido por amplas avenidas, com diversos meios de transporte, grande superfície para estacionamento de veículos, etc. No Estádio, as bilheterias estrategicamente colocadas, separadas e independentes da sua estrutura principal, dirigem o fluxo de espectadores às diversas entradas, de onde, por passagens térreas, dão acesso direto à metade inferior das arquibancadas e às pistas, e, por determinadas passagens, acesso a circulações verticais e, daí, à metade superior das arquibancadas (MALHANO, 2002, p.167).

Com o passar dos anos, esse antigo bairro imperial sofreu um grande processo de transformação em seu espaço, principalmente após a construção da Avenida Brasil, na década de 1940, facilitando a circulação entre a Zona Norte e o Centro, o que foi um fator de atração de muitas pessoas para essa região. Durante o governo Vargas, o estádio de São Januário foi local de importantes acontecimentos na política nacional sendo um exemplo de civismo. Um espaço feito para o futebol, mas que ficou multifuncional com o passar do tempo. Um lugar que interagiu e ainda interage com o espaço produzido ao seu redor, principalmente com a comunidade da Barreira, localizada nos arredores do estádio, com quem o clube e a torcida construíram uma grande identidade. Entretanto, com as novas medidas de ―arenização‖ introduzidas nos estádios pelos organizadores do futebol brasileiro, toda a história de São Januário ficou esquecida, sua arquitetura antiga e o seu entorno não se enquadraram nos padrões e o colocaram como um lugar perigoso para a realização de partidas de futebol. Mas São Januário resiste como um dos poucos estádios remanescentes dos considerados grandes clubes do futebol brasileiro, e o Vasco da Gama continua se orgulhando de seu estádio, de sua estrutura e de seu lugar.

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3.1 Um espaço multiuso de construção/representação da identidade nacional

Inaugurado em 1927, como já foi mencionado no início deste trabalho, o estádio Vasco da Gama foi construído com a verba de uma campanha de arrecadação entre seus torcedores. A partir desse feito, temos a construção de um espaço que nasce com uma forte identidade e pertencimento, já que foram os torcedores da época, muitos descendentes da colônia portuguesa, que contribuíram para este monumento. O futebol vivia um momento de reformulação e afirmação, já que era um produto oriundo das exportações inglesas tendo sua profissionalização ocorrida somente durante a década de 1930, assim como a aceitação de praticantes oriundos de classes mais desfavorecidas. Segundo Teixeira da Silva:

O futebol é um esporte que cresce com força dentre a população em geral e uma intencionalidade política de modernizar diversas instituições do país – geram as possibilidades de se enxergar no futebol e em todos seus corolários (estádios, torcidas, federações, imprensa) o epicentro de um sentimento nacional (SILVA, 2006, p.30).

Concomitante a esse momento no futebol, o Brasil vivia um período de instalação de um novo governo populista e promulgava as primeiras leis trabalhistas da história do país em 1934. E assim, o governo brasileiro iniciava uma relação de identidade com o povo, como afirma Drumond:

Em razão de sua grande autonomia e maior amplitude de ação, o DIP tornou-se o porta-voz oficial do regime autoritário. O Departamento de Propaganda do Estado promovia eventos públicos destinados a difundir os feitos do governo. Através da realização de grandes eventos de massa, comemoravam-se as datas nacionais. As principais datas festivas eram o Dia do Trabalho (1º de maio), o aniversário de Getúlio Vargas (19 de abril), o aniversário do Estado Novo (10 de novembro) e a Semana da Pátria (setembro). Na maioria das vezes tais comemorações ocorriam em avenidas ou em estádios de futebol, principalmente em São Januário, no então distrito Federal, e no Pacaembu, em São Paulo. Os espetáculos fomentados pelo Estado ligavam-se à esfera cotidiana da população através do futebol (DRUMOND, 2006, p.111).

Assim, o presidente Getúlio Vargas utilizou do esporte para promover ainda mais a relação entre governo, esporte e população; e o futebol foi o escolhido para representar a nação. Assim começou a relação de São Januário com o então governo nacional no período Vargas.

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O espaço do estádio Vasco da Gama passa a vivenciar muitos eventos ligados ao governo, mas que não estavam relacionados diretamente ao futebol. Drumond (2006) ainda cita que:

Foi com o Estado Novo que essas atividades tomaram proporções espetaculares. As festividades contavam com desfiles da juventude, de trabalhadores e de militares, demonstrações de ginásticas e cantos orfeônicos. As grandes massas presentes - nem sempre de maneira espontânea - às atividades demonstravam apoio coletivo ao regime. No centro do espetáculo se encontrava a figura de Getúlio Vargas, personificação do Estado Brasileiro (DRUMOND, 2006, p.111).

Abaixo podemos observar algumas dessas festividades que foram realizadas em São Januário.

Figura 31 - Presidente Getúlio Vargas chega para um discurso de 1º de maio em São Januário

Fonte: Netvasco, 2014.

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Figura 32 – Desfile do 1º de maio em São Januário

Fonte: Historia do esporte, 2012.

Figura 33 - Getúlio Vargas em São Januário em 1º de maio de 1941

Fonte: Acervo O Globo, 2017.

O intuito do governo Vargas era promover uma harmonia entre as classes sociais e, assim valorizava o trabalho, disciplina, ordem e nacionalismo, que eram importantes pontos de sua ideologia trabalhista e populista. Contudo, o estádio do Vasco da Gama também passou a receber alguns eventos ligados à cultura nacional, como foi o caso do desfile das escolas de samba de 1945, no qual a

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Portela sagrou-se campeã. A reportagem abaixo relata os preparativos para o carnaval de 1936, em que as escolas se apresentariam para mostrar suas novidades logo após uma partida de futebol.

Figura 34 - Manchete de jornal sobre os desfiles das escolas de samba em São Januário em 1936

Fonte: Netvasco, 2010 (texto introdutório, transcrição).

Igualmente, ao pesquisar sobre a história do estádio Vasco da Gama, deparamo-nos com diversos outros eventos que foram realizados no espaço, sendo este, desde seu início, usado como um espaço multifuncional. Quando inaugurado, em 1927, São Januário, além de possuir um campo para os jogos, tem ao seu redor a pista de atletismo e, em alguns momentos, tínhamos a disputa de partidas de tênis atrás das balizas da arquibancada, como podemos observar nas fotos abaixo:

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Figura 35 – Jogo de Tênis e disputa de atletismo em São Januário

Fonte: Lance, [192-].

Percebemos que o espaço de São Januário passa a ter uma função importante no cotidiano do distrito federal. De acordo com Carlos: Ao produzir sua vida, a sociedade produz/reproduz um espaço através da prática socioespacial. A materialização do processo é dada pela concretização das relações sociais produtoras dos lugares, esta é a dimensão da produção/reprodução do espaço, passível de ser vista, percebida, sentida, vivida (CARLOS, 2007a, p.21). Assim, este lugar passou a ter um sentido na vida urbana carioca, representando uma diversidade cultural no dia a dia da sociedade. Para Drumond (2012), o estádio de São Januário passa a ter um valor simbólico para o presidente da república, que, mesmo tendo o Maracanã, na década de 1950, escolhe o estádio Vasco da Gama para fazer seus discursos.

O ano de 1952 veria a última festa ser realizada por Vargas no estádio do Vasco da Gama, no Dia do Trabalho. Ainda que o Maracanã já estivesse em pleno uso, a ligação simbólica de São Januário com Getúlio tornava-o o local mais propício à celebração do evento. A parte esportiva contou com jogos de futebol e com uma apresentação de basquete dos Harlem Globe-Trotters, seguidos de um show de músicas populares. A festa ainda contou com a entrega, por parte de Vargas, de medalhas de ouro e de diplomas de Mérito do Trabalho aos jogadores da seleção brasileira campeã do Panamericano do Chile (DRUMOND, 2012).

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A partir da inauguração de São Januário e dos diversos usos que lhe foi possibilitado, o espaço público e de lazer passou a ter uma identificação com os cidadãos, principalmente pelo fato de o governo também fazer política neste lugar, fortalecendo ainda mais essa relação de pertencimento da sociedade brasileira. Assim, haverá a transformação espacial de um lugar criado com o intuito de apenas jogar futebol, mas apropriado pelo governo e pela sociedade para a produção/reprodução da vida urbana.

3.2 A comunidade da Barreira do Vasco

O Clube de Regatas Vasco da Gama, como foi mencionado no primeiro capítulo deste trabalho, teve a origem de seu estádio de modo diferente dos demais clubes cariocas. O estádio de São Januário foi construído em um terreno do antigo bairro imperial de São Cristóvão, na Zona Norte da cidade, adquirido por meio de doações. Uma área da cidade que estava desvalorizada devido ao ―surgimento‖ e à ocupação da Zona Sul. Segundo Correa (1989), estamos nos referindo a uma zona periférica do Centro que constitui uma área em torno do núcleo central (cidade) e que sofreu um processo de descentralização onde as indústrias que ali estavam, migraram para outras localidades. Poucos anos depois, surgiu na década de 1930, a comunidade da Barreira do Vasco, localizada nos arredores do estádio e, por isso, recebeu este nome. Segundo o site netvasco:

A Barreira surgiu na década de 1930, quando o presidente Getúlio Vargas doou terras à Igreja Católica para a construção de habitações populares. A maior parte do terreno era pantanoso, foi nivelado e coberto de concreto. Os primeiros habitantes eram do interior do Estado e famílias de pescadores locais. Isso mesmo: pescadores, pois, antes na inauguração da Avenida Brasil, em 1946, São Cristóvão e Caju eram um bairro só (MURILO, 2015).

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Figura 36- Foto do início da ocupação da Barreira do Vasco

Fonte: Netvasco, [ca. 1940].

E ainda:

Ao fim da II Guerra Mundial, em 1945, muitos soldados da FEB, ao retornar, não tinham destino. Alguns foram para a Barreira. Outra comunidade de ex-combatentes se fixou no Tuiuti. Getúlio Vargas, então, assinou documento pelo qual aquele espaço passou a pertencer aos moradores. A construção da Avenida Brasil, nos anos 40, estimulou a chegada de levas de nordestinos, que se instalaram em canteiros de obras próximos da obra e muitos destes alojamentos improvisados viriam a se tornar favelas. Isso fez aumentar a população da Barreira (MURILO, 2015).

De acordo com Corrêa:

É na produção da favela, em terrenos públicos ou privados invadidos, que os grupos sociais excluídos tornam-se, efetivamente, agentes modeladores, produzindo seu próprio espaço, na maioria dos casos independentemente e a despeito dos outros agentes. A produção deste espaço é, antes de mais nada, uma forma de resistência e, ao mesmo tempo, uma estratégia de sobrevivência. Resistência e sobrevivência às adversidades impostas aos grupos sociais recém expulsos do campo ou provenientes de áreas urbanas submetidas às operações de renovação, que lutam pelo direito à cidade (CORREA, 1989, p.30).

Assim, a comunidade que homenageia o Clube Vasco da Gama, já localizado em São Cristóvão antes desta chegar, passou a ser um lugar de acolhimento de imigrantes, tanto pelo fato de ficar à beira da Avenida Brasil, como pela sua proximidade com o Centro da cidade e o mercado de trabalho.

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Figura 37– Foto de 1950 da comunidade da Barreira ao fundo do estádio do Vasco

Fonte: Globoesporte.com, 2017

Segundo o censo demográfico de 1950 -1º-VII – 1950 (Figura – 40), a favela da Barreira do Vasco está localizada no 6º Distrito – São Cristóvão, e seus acessos se dão pelas Ruas Ricardo Machado e São Januário.

Figura 38: Censo demográfico de 1950 -1º-VII – 1950

Fonte: Guimarães, 1953.

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Ainda neste censo, ficou concluído que a população presente na favela da Barreira do Vasco era de 6046 habitantes, sendo 3015 homens e 3031 mulheres. Além disso, mostrou a instrução dos moradores e afirmou que das pessoas de 5 anos ou mais, 5247 sabiam ler e escrever e 1452 não sabiam ler nem escrever (GUIMARÃES, 1953, p.40). Assim era composta a Barreira do Vasco, um espaço de moradias precárias que foi crescendo urbanisticamente desordenada, no entanto tornou-se um espaço de reprodução social e de uso contínuo das pessoas que ali moram e frequentam. Sobre as relações sociais a partir da materialização espacial, Carlos explica que:

A possibilidade do entendimento do espaço geográfico enquanto produto histórico e social abre perspectivas para analisar as relações sociais a partir de sua materialização espacial, o que significa dizer que a atividade social teria o espaço como condição de sua realização. Deste modo, as relações sociais realizam-se concretamente através de uma articulação espaço-tempo, o que ilumina o plano do vivido, ou seja, a vida cotidiana e o lugar. Assim, a reprodução de relações sociais materializam-se em um espaço apropriado para este fim, e a vida, no plano do cotidiano do habitante, constitui-se no lugar produzido para esta finalidade e é nesta medida que o lugar da vida constitui uma identidade habitante-lugar (CARLOS, 2007a, p.41).

E foi justamente assim que aconteceu na comunidade da Barreira do Vasco, onde a população passou a habitar e a se apropriar do espaço fazendo diversos usos sobre ele. Uma comunidade que se expandiu em um espaço plano, com diversos acessos para as principais vias da cidade e com grande proximidade do Centro. Atualmente, a Barreira do Vasco apresenta um total de 7792 moradores distribuídos em 3791 homens e 4158 mulheres e apresentando domicílios particulares e coletivos. Onde mais de 50% do total das pessoas que apresentam algum tipo de rendimento fica entre ¼ a 2 salários mínimos. Assim, com os dados apresentados no anexo I, podemos ter uma noção de como está organizada a comunidade da Barreira do Vasco. Nela foi implantado o programa urbanístico denominado "Morar Carioca"50, além de uma unidade de polícia pacificadora51 (UPP).

50 Programa de urbanização da Prefeitura do Rio de Janeiro em comunidades carentes da cidade. As ações incluem redes de água e esgoto, drenagem, iluminação pública, pavimentação e contenção de encostas, além de paisagismo, equipamentos de saúde, educação, cultura e lazer (fonte- http://prefeitura.rio/web/smhc/conheca-o- programa). 51A Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) é um programa de Segurança Pública implantado pela Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, no fim de 2008. A UPP Barreira/Tuiuti atende às comunidades da Barreira do Vasco e do Tuiuti e foi inaugurada no dia 12 de abril de 2013. Esta unidade beneficia, diretamente, mais de 10 mil habitantes, somando as duas comunidades. Disponivel em: . Acesso em: 15 mai. 2017.

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Dessa forma, a comunidade da Barreira do Vasco foi crescendo e se fixando nesta parte do espaço, onde se pode dizer que existe o que Haesbaert define como:

Um processo de dominação e/ou apropriação, e afirma ainda que o território e a territorialização devem ser trabalhados na multiplicidade de suas manifestações – que é também e, sobretudo, multiplicidade de poderes, neles incorporados através dos múltiplos agentes/sujeitos envolvidos (HAESBAERT, 2005, p.6776).

E assim, criando uma relação de identidade da comunidade com o lugar e com o clube de futebol que está ao seu redor, a Barreira do Vasco cresceu e se fortaleceu, dando um sentido para a vida das pessoas que ali estão. Assim, tem-se o que Carlos denomina de lugar, este:

Pode ser entendido como a base da reprodução da vida e espaço da constituição da identidade criada na relação entre os usos, pois é através do uso que o cidadão se relaciona com o lugar e com o outro, criando uma relação de alteridade, tecendo uma rede de relações que sustentam a vida, conferindo-lhe sentido (CARLOS, 2007, p.43).

O Clube Vasco da Gama também passou a entender que a comunidade ao redor fazia parte de seu cotidiano e, assim, passou a compartilhar seus espaços como mostra uma entrevista do site netvasco com o sociólogo Felipe Souza, ex-morador da comunidade.

A relação já foi mais intensa, como revela o sociólogo Felipe Souza, de 27 anos e ex-morador da comunidade:

- Antes, o Vasco oferecia de graça aulas de vários esportes. Lembro que tive aulas de boxe com o professor Nemo. Nos fins de semana, as famílias da favela tinham acesso à piscina, que vivia lotada, mesmo sob protesto dos sócios. Era um espaço de integração de classes sociais. Outra coisa: sempre que o estádio não enchia, os portões da arquibancada eram abertos no segundo tempo. O escudo do Vasco está em toda parte – em bares, carros, motos e bandeiras (MURILO, 2015).

No ano de 2009, o Vasco montou o projeto Cidadania Vascaína que, segundo o clube:

Foi concebido para beneficiar as comunidades de baixa renda que vivem no entorno do estádio de São Januário: a Barreira do Vasco e Tuiuti. O objetivo é aproximar os moradores dessas duas localidades dos serviços públicos e da iniciativa privada, de modo a diminuir e até eliminar fatores de exclusão social, desenvolver programas preventivos na área de saúde, oferecer cursos de capacitação profissional, proporcionar facilidades para a prática de atividades esportivas e alegrar as crianças, mediante a distribuição de brindes e kits esportivos (VASCO, [201-]).

Assim, podemos dizer que a relação do Vasco com a comunidade ao seu entorno pode ser considerada como a construção do lugar, onde:

O lugar é a porção do espaço apropriável para a vida — apropriada através do corpo — dos sentidos — dos passos de seus moradores, é o bairro, é a praça, é a rua, e nesse sentido poderíamos afirmar que não seria jamais a metrópole ou mesmo a

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cidade lato sensu, a menos que seja a pequena vila ou cidade — vivida/ conhecida/ reconhecida em todos os cantos. Motorista de ônibus, bilheteiros, são conhecidos- reconhecidos como parte da comunidade, cumprimentados como tal, não simples prestadores de serviço. As casas comerciais são mais do que pontos de troca de mercadorias, são também pontos de encontro (CARLOS, 2007b, p.17-18).

Figura 39 - Crianças jogando bola na entrada da comunidade em dia de jogo em São Januário

Fonte: A autora, 2016.

De tal modo, podemos afirmar que o estádio de São Januário, sendo vizinho da Barreira do Vasco, também exerce uma grande influência e é parte integrante deste lugar, pois, ainda segundo Carlos:

As relações de vizinhança o ir as compras, o caminhar, o encontro dos conhecidos, o jogo de bola, as brincadeiras, o percurso reconhecido de uma prática vivida/reconhecida em pequenos atos corriqueiros, e aparentemente sem sentido que criam laços profundos de identidade, habitante-habitante, habitante-lugar (CARLOS, 2007b, p.18).

Um espaço usado que foi/é fundamental na construção das relações de identidade e de vivência da comunidade que o cerca.

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3.3 São Januário - uma rugosidade em tempos de novas arenas

Como já relatado no início deste trabalho, o estádio de São Januário representou, durante muito tempo, uma modernidade no futebol. Contudo, o novo modelo econômico que rege o futebol atual fez com que a visão sobre este estádio começasse a mudar, principalmente com a pressão da mídia carioca e nacional. Nesse sentido, o conceito de rugosidade é de grande importância, pois auxilia na identificação das técnicas e conjunturas sociais de tempos anteriores. Para Santos:

Chamemos de rugosidade ao que fica do passado como forma, espaço construído, paisagem, o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com que as coisas se substituem e acumulam em todos os lugares. As rugosidades se apresentam como formas isoladas ou como arranjos (SANTOS, 1996, p. 140).

Não se pode deixar de mencionar que o Estado, como condutor da acumulação desigual dos tempos no espaço urbano, contribui para que exista em determinadas partes da cidade uma ausência de modernidade. Santos ainda afirmará que:

Em cada lugar, em cada subespaço, novas divisões do trabalho chegam e se implantam, mas sem exclusão da presença dos restos de divisões do trabalho anteriores. Isso, aliás, distingue cada lugar dos demais, esta combinação específica de temporalidades, diversas (SANTOS, 2002, p.136).

São Januário atualmente representa esse lugar específico que apresenta uma distinção temporal em relação ao futebol moderno, cujos representantes e seguidores o consideram ultrapassado, devido a características peculiares que só um tradicional estádio apresenta: torcedores em pé em alguns pontos das arquibancadas, concreto para sentar em outros pontos, e ausência de cobertura para proteção da chuva. Todavia, é possível observar, no trecho da reportagem abaixo, o modo como a mídia trata a questão do uso do estádio quando o Vasco da Gama, sendo mandante, recebe clássicos em São Januário, que já foi o maior da América do Sul, mas que hoje, para uma parcela da sociedade, representa algo ultrapassado e com pouco conforto.

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Figura 40 - Manchete de jornal sobre o temor da falta de segurança em São Januário pelo técnico TITE

Fonte: Acervo O Globo, 19 nov. 2015, Matutina, Esportes, p. 36.

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Figura 41 - Reportagem sobre São Januário não ser capaz de receber jogos

Fonte: Acervo O Globo, 30 mar. 2013, p. 01.

A reportagem enfoca a questão da mudança da sociedade e dos padrões de segurança, ambos deliberados pelo Padrão FIFA, utilizado nas novas arenas que estão sendo construídas há algum tempo nos principais centros do futebol mundial e que, no Brasil, provocou várias reformas nos principais estádios do país.

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Figura 42 - Manchete sobre Vasco x Flamengo em São Januário

Fonte: Acervo O Globo, 3 fev. 2016, p. 28.

Na reportagem acima, podemos observar a expressão ―trincheira‖, usada para designar algo que remete à guerra ou a combate, mas que também representa algo antigo, já que as trincheiras tiveram auge nas 1ª e 2ª Guerras Mundiais. Conota também local perigoso de se frequentar, já que, nos arredores do estádio, estão localizadas comunidades e as vias de acesso são ruas estreitas, típicas dos bairros da Zona Norte da cidade. Além disso, São Januário apresenta uma estrutura de degraus52 na arquibancada lateral, própria para os torcedores apoiarem o time em pé, culminando assim em uma maior pressão sobre os adversários. Igualmente, não se pode deixar de mencionar que, para muitos amantes do esporte, São Januário, mesmo nesse momento de intensa globalização, representa a valorização da tradicional cultura do futebol nacional. Tem-se o que Santos (1996, p. 140) afirmou como sendo "o tempo atual se defronta com o tempo passado, cristalizado em formas". Dessa forma, o estádio do Vasco da Gama representa um tipo de futebol com características mais antigas e tradicionais da cultura popular, e que ainda vigora na maior

52 Uma linha parabólica que coincidia, geralmente, com um espelho mínimo de, aproximadamente, 0.20m para lugares em pé, e entre 0.30m e 0.40m para lugares sentados, atingindo entre 0.45m e 0,48m nos topos das arquibancadas, à semelhança do que ocorre com o Estádio de São Januário. Os degraus das arquibancadas acompanham desde o espelho de 0.20m de altura para geral, até atingir 0,30m de altura, o espectador já pode sentar-se, atingindo 0,45m no topo da estrutura, denominado de galeria (MALHANO,2002 p.165).

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parte do país, porém se direciona cada vez mais à margem dos grandes centros53, onde a mídia, com fortes tendências globais, exerce uma grande influência. De acordo com Santos:

A cultura popular tem raízes na terra em que se vive, simboliza o homem e seu entorno, encarna a vontade de enfrentar o futuro sem romper com o lugar, e de ali obter a continuidade, através da mudança. Seu quadro e seu limite são as relações profundas que se estabelecem entre o homem e o seu meio, mas seu alcance é o mundo (SANTOS, 2002, p.327).

O estádio de São Januário é um lugar onde os torcedores não desejam um grande conforto para assistir aos jogos de futebol, gostam de torcer em pé durante toda a partida buscando, com isso, a liberdade de movimento corpóreo nas coreografias dos cânticos. Esse estádio é um espaço que mantém tradições de um futebol que busca um contato maior entre o torcedor e o seu clube, um futebol sem a influência da nova economia do esporte.

3.4 São Januário – “Território hostil desde 1927”

Esta é a frase com que a torcida do Vasco costuma definir o estádio de São Januário para os visitantes que ali vão jogar: ―um território hostil‖, pois com a apropriação deste espaço, a torcida passa a demarcar os limites da influência cruzmaltina nos arredores de São Januário. De acordo com RAFFESTIN (1993, p. 143), ―Ao se apropriar de um espaço concreta ou abstratamente, o ator ‗territorializa‘ o espaço‖. Assim, quando o adversário chega ao estádio do Vasco, depara-se com um território demarcado e territorializado, como podemos observar na imagem:

53 Dos considerados grandes clubes localizados nas regiões Sul e Sudeste, apenas Vasco, São Paulo e Santos possuem um estádio com tais características, sendo que estes dois últimos já iniciaram projetos de modernização. Os outros clubes mandam seus jogos nas novas arenas.

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Figura 43 – Mensagem da torcida do Vasco no muro próximo à entrada dos visitantes em São Januário

Fonte: A autora, 2016.

Desse modo, Raffestin comenta sobre a territorialidade:

(...) de acordo com nossa perspectiva, a territorialidade assume um valor bem particular, pois reflete o multidimensionamento do ―vivido‖ territorial pelos membros de uma coletividade, pela sociedade em geral. Os homens ―vivem‖ ao mesmo tempo, o processo territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas (RAFFESTIN, 1993, p. 158).

Figura 44 - Pintura da palma da mão de alguns torcedores no muro de São Januário, demostrando a apropriação deste território

Fonte: A autora, 2016.

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Diferente da neutralidade que existe no estádio do Maracanã, em São Januário têm-se vários símbolos que representam a identidade da torcida cruzmaltina, fazendo com que tenham um território demarcado, onde o time manda seus jogos.

Figura 45 - Pintura no muro com a data de fundação do clube nos arredores de São Januário

Fonte: A autora, 2016.

Figura 46 - Muro ao redor de São Januário

Fonte: A autora, 2016.

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Figura 47 – Calçada do estádio de São Januário

Fonte: A autora, 2016.

Os espaços urbanos externos a São Januário são usados e apropriados pela torcida do Vasco, tanto nos dias sem eventos, como pode ser observado nas fotos acima, como também em dias de jogos, em que a rua se transforma em um grande comércio a céu aberto e os espaços são usados por moradores locais exercendo atividades profissionais e por torcedores em momentos de lazer, não havendo nenhum tipo de seletividade dos frequentadores.

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Figura 48 – Comércio nos arredores do estádio de São Januário nos dias de jogos

Fonte: A autora, 2016.

Figura 49 – Uso do espaço público pelos comerciantes e torcedores nos arredores do estádio de São Januário

Fonte: A autora, 2016.

O site "90min.com" elegeu os oitos estádios brasileiros que recebem mal os torcedores visitantes, e São Januário ficou na 2ª posição (cf. Quadro 1 abaixo). De acordo com o site,

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foram levados em consideração os seguintes critérios: acesso, logística de ingressos, espaço, segurança e truculência policial.

Quadro 1 - Os 8 piores estádios do Brasil para a torcida visitante Posição Estádio 1º Vila Belmiro – Santos 2º São Januário – Vasco da gama 3º Moisés Lucarelli – Ponte Preta 4º Independência – América 5º Aflitos – Náutico 6º Arena da Baixada – Atlético Paranaense 7º Allianz Parque – Palmeiras 8º Arena Corinthians – Corinthians Fonte: 90min., 2015.

É imprescindível enfatizar aqui o fato de que a não neutralidade de um estádio contribui com o time da casa, pois, a torcida, em número avantajado, modifica o espaço físico e o ambiente sonoro, além do aspecto psicológico sobre ambos os times presentes  a equipe mandante tem, assim, um importante aliado para conseguir suas vitórias. Esta pesquisa não faz distinção entre estádios tradicionais e estádios com características de arenas, entretanto são duas formas distintas de estádio, pois são modelos que se diferenciam no que se refere ao comportamento e à organização da torcida. Com isso, a pesquisa aponta estádios tradicionais nas 3 primeiras posições, sendo considerados mais perigosos e não possuindo segurança suficiente para os torcedores visitantes. Tal demonstrativo sugere um tipo de influência no pensamento único e de conceitos pré- concebidos que cercam os tradicionais estádios de arquibancadas de concreto e sem coberturas, supervalorizando as arenas, que possuem modernas instalações e construídas sob uma nova visão do Modus Operandi de uma partida de futebol, tanto dentro, quanto fora das arquibancadas. São Januário, com o tempo, demonstra que passou  e ainda passa  por um grande processo de apropriação, não só por parte da sociedade do Rio de Janeiro e das cidades adjacentes, mas também por parte dos governantes. Com características bem peculiares de um estádio de futebol, a essência de sua construção permanece até os dias atuais: a união das pessoas independente da classe social e da etnia.

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No dia 08 de julho de 2017, o Estádio de São Januário recebeu, pelo campeonato brasileiro deste ano, a partida entre Vasco e Flamengo. Ao término desta, torcedores que ocupavam a área reservada à torcida do Vasco deram início a uma confusão nas arquibancadas. Policiais militares em serviço presentes no estádio tentaram dispersar o tumulto, porém sem sucesso, tendo efeito contrário, ou seja, elevando a violência. No mundo em desenvolvimento, o Estado pode funcionar como uma forma de crime organizado, infligindo violência no público e, em seguida, fazendo com que ele pague impostos para sua proteção (TILLY, 1985, p.171 apud GUILIANOTTI, 2010, p.101). Sendo justamente isso o que ocorreu no término da partida no interior do estádio, onde a polícia, que possui por missão proteger a população, passa a agir como em uma guerra, disparando bombas de efeito moral e spray de pimenta em vários inocentes, provocando, por consequência, correria no meio da arquibancada. Para Guilianotti (2010, p. 101), é possível aplicar essa noção da atividade de proteção à ―segurança‖ nos campos de futebol. No mundo em desenvolvimento, fatalidades anormais nas arquibancadas são mais comumente causadas pelas tentativas da polícia de controlar os torcedores ―violentos‖ do que pela própria violência das torcidas. Cabe ressaltar que o Estado do Rio de Janeiro passa por um momento ímpar em sua história, com falência dos órgãos públicos devido a grandes desvios de verbas dos cofres do governo, debilitando muitos setores e órgãos estatais, como é o caso da segurança pública. O futebol, por estar inserido neste contexto social, sofre os reflexos dessa crise, como se observa nas imagens abaixo:

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Figura 50 - Policiais disparando spray de pimenta nos torcedores

Fonte: UOL Esporte, 2017.

Figura 51- Policiais disparando bombas dentro do estádio

Fonte: Esporte Espetacular, 2017.

Paralelamente a esse fato, o clube tem passado pelos piores momentos de sua centenária história, com três rebaixamentos nos últimos dez anos e com um presidente muito questionado por grande parte de sua torcida. Para aumentar a tensão, no atual ano, 2017, haverá eleição no clube. Deste modo, baseado em determinados artigos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) e sem nenhuma averiguação dos fatos causadores, o estádio de São

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Januário foi punido e interditado, não podendo o Vasco da Gama realizar algumas partidas em sua casa. Assim, as autoridades do futebol brasileiro buscam uma rápida resposta para a sociedade, tratando o caso de uma forma generalizadora, não se preocupando em encontrar as verdadeiras razões para este acontecimento e retratando-o de forma superficial na tentativa de depreciar o Estádio, transformando-o assim em um território hostil  no sentido negativo da palavra  para o futebol. Contudo, devido ao grande apoio que a torcida do Vasco da Gama sempre deu ao time, este estádio ficou conhecido pela alcunha de Caldeirão, pois, em dias de jogos, os torcedores, por meio de seus cânticos e gestos, não deixam de apoiar a equipe, criando, neste momento, um território hostil  no sentido positivo da palavra  ao contribuir para elevar a motivação do time a fim de que este obtenha a vitória. Assim, punem aquele que é isento de culpa, o estádio, afinal este, em nenhum momento, praticou atos violentos ou se encontra em crise por motivo de falência.

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CONCLUSÃO

Esta dissertação de mestrado assumiu como objetivo a identificação e a comparação da Arena Maracanã com o antigo conceito de estádio, sobretudo, com o Estádio de São Januário (RJ), levando em consideração os usos e as identidades de cada um deles, que com as mudanças que tiveram ao longo das trajetórias transformaram-se em lugares bem distintos. As hipóteses levantadas foram a de que os espaços internos do tradicional Estádio de São Januário seriam mais democráticos e livres em relação ao estádio do Maracanã após a reforma para o Mundial de 2014, não impedindo a locomoção dos torcedores e não havendo prejuízo para o conforto do público tradicionalmente característico; considerou-se ainda a não necessidade de transformar o espaço externo do Maracanã em um lugar neutro e a não necessidade de expulsar as comunidades ao redor a partir de uma limpeza urbana de segregação dessa classe social, que é predominante em relação aos frequentadores atuais. Realizou-se, em primeiro lugar, uma revisão de literatura nas áreas da Geografia dos Esportes, principalmente no futebol. Na primeira, a análise valeu-se do conceito de Território, de Raffestin (1993), baseado nas relações de poder; o conceito de Território Cultural, de Haesbaert (2004) definiu e caracterizou os estádios analisados; a pesquisa usou também o conceito de lugar como tratado por Carlos (2007) para representar a relação existente entre São Januário, seu entorno e sua torcida. Além desses, as observações de Mascarenhas (2014) foram essenciais para abordagem da Geografia dos Esportes. Em relação aos Esportes, o trabalho se apoiou em Hollanda (2012), Napoleão (2012), Melo (2010), Malaia (2012) e Drumond (2006). Como resultado, verificou-se, em primeiro lugar, que, embora um seja privado desde sua construção, e outro público, são dois estádios com características democráticas semelhantes durante todo o século XX. No entanto, atualmente, após reforma e privatização do Maracanã, desde 2000, este tornou-se menos ―democrático‖, principalmente com a retirada do setor mais popular do estádio, a conhecida "Geral", e das arquibancadas com o objetivo de instalar cadeiras. Acompanhando as transformações estruturais, todos os bares foram reformados e inaugurados vários espaços "gourmet" com a oferta de diversos serviços para consumo em alguns setores do estádio, elevando o custo e forçando uma seletividade das pessoas que frequentam o espaço.

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São Januário ainda não sofreu alguma grande reforma que alterasse sua estrutura interna, permanecendo as arquibancadas de concreto e as cadeiras apenas na parte social. Isso resulta em um estádio mais popular, onde seus usuários circulam e torcem livremente. Conclui-se, ainda, que quando ao fazer referência ao espaço dos dois estádios, têm-se diferentes arranjos espaciais. Após a última reforma no Maracanã, os espaços externos sofreram um processo de higienização e passaram a ser ―neutros‖, não havendo relação entre o estádio e seus frequentadores com o seu entorno. Ocorre de maneira oposta em São Januário, já que este se localiza ao lado da comunidade da Barreira, possuindo estes uma forte identidade com o estádio desde a década de 1940. O presente estudo ainda demonstrou que o modelo de estádio que São Januário apresenta atualmente é alvo de discriminação perante a mídia vigente ao equipará-lo às novas arenas. Para finalizar, as observações mostram que as ruas ao redor de São Januário possuem demarcações em pinturas nos muros, nos nomes dos bares, nas fachadas e calçadas do clube, evidenciando a existência de um território cruzmaltino. E em dias de jogos, há intensa interação entre os torcedores e os moradores da comunidade, pois as ruas fecham e os moradores montam barracas para o comércio de comidas e bebidas, produzindo novas relações sociais. Ao comparar com o Maracanã após a última reforma, verificou-se a não interação entre as pessoas nos momentos anterior e posterior às partidas devido à limpeza urbana feita pela prefeitura do Rio de Janeiro como exigência das normas para a realização da Copa de 2014. Conclui-se, a partir das observações citadas, que, com a modernização do futebol, os estádios tradicionais, privados e públicos, estão entrando em extinção e está sendo construída uma nova dinâmica espacial dentro e fora das arenas que surgem. A cidade do Rio de Janeiro, assim, exemplifica muito bem esse momento, quando ocorreu a transformação do estádio Maracanã em arena, alterando então seus usos. No entanto, bem próximo ao Maracanã, o estádio São Januário, considerado um tradicional estádio do futebol nacional, ainda não passou por esse processo, sendo o único deste modelo na cidade a receber alguns clássicos, porém com grandes ressalvas. A análise de tais transformações no decorrer da história dos estádios, assim como as relações estabelecidas entre torcedor, estádio e clube, corroboram as hipóteses levantadas. Evidencia-se, primeiramente, que os estádios tradicionais são agradáveis a seus frequentadores e a suas famílias, embora não possuam o padrão de conforto designado às novas arenas. Porém, o fato de serem espaços mais democráticos em relação aos modernos

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estádios padronizados configura a não necessidade de serem transformados em arena tendo em vista o fim a que se destinam, tanto a prática do futebol, quanto o acolhimento ao público tradicional frequentador com suas necessidades corpóreas de desempenhar o papel de torcedores. As hipóteses sequenciais foram também confirmadas ao ser descrita a importante relação entre a comunidade da Barreira do Vasco e o Clube de Regatas Vasco da Gama, vide à convivência harmoniosa por mais de 70 anos entre ambos com mútuo respeito de seus espaços. Logo, não se justifica a necessidade de retirada da comunidade para a prática esportiva pelo simples fato de estar localizada nos arredores do estádio, intervenção esta que afetaria a comunidade com despejos e consequências psicossociais como a perda da identidade. Apesar da escassez de estudos na área que pudessem contribuir com a análise, considera-se que a pesquisa realizada permitiu trazer à tona o comportamento da população usuária dos estádios e a consequência à mesma levando em consideração as estratégias utilizadas pelas iniciativas pública e privada em relação aos espaços destinados ao futebol. Futuras investigações poderiam explorar outras amostras de estádios, em outras regiões que sofreram com processo semelhante de modernização, como as cidades de São Paulo, Natal e Recife, dentre outras que também foram cidades-sedes da Copa de 2014, contribuindo para corroborar ou trazer outros aspectos relacionáveis aos apresentados neste trabalho e que não puderam ser trabalhados pela necessidade de objetividade temática. Sugere-se também um estudo com foco nas percepções da população principal atingida diretamente pelas modificações. Neste sentido, haveria dados estatísticos e a construção de corpora com entrevistas trazendo à tona questões subjetivas e emocionais da massa, servindo de base para reflexões sobre intervenções futuras e suas consequências. Por fim, este estudo se constitui como mais uma contribuição para a comunidade acadêmica da área de Geografia dos Esportes, enriquecendo o corpo teórico necessário ao desenvolvimento de mais investigações neste importante campo em nossa época. Há ainda muito o que percorrer, pois o campo é pouco explorado entre os geógrafos, no entanto a área de investigação demonstra que está pronta para receber novos investigadores.

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ANEXO - Tabelas Censo Demográfico 2010 – Favela Barreira do Vasco

Tabelas do Censo 2010(População) - Favela Barreira do Vasco Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2010

Sexo e Razão de Sexos, segundo favelas - Município do Rio de Janeiro - 2010

Homens Mulheres Razão de sexo 3791 4158 0.91

Pessoas residentes em Domicilios Particulares e Coletivos, por idade e por grupos de idade, segundo favelas - Município do Rio de Janeiro - 2010

Faixa Etária

Total 7792 0 a 3 anos 440 4 a 6 anos 360 7 a 9 anos 357 10 a 14 anos 641 15 a 19 anos 607 20 a 24 anos 607 25 a 29 anos 863 30 a 39 anos 1294 40 a 49 anos 996 50 a 59 anos 783 60 anos ou mais 844

Pessoas residentes em Domicilios Particulares e Coletivos por idade, por grupos de idade, e por sexo, segundo favelas - Município do Rio de Janeiro - 2010

Faixa Etária Homem Mulher Total 3791 4241 0 a 3 anos 230 210 4 a 6 anos 186 174 7 a 9 anos 190 167 10 a 14 anos 307 334 15 a 19 anos 322 285 20 a 24 anos 377 387 25 a 29 anos 440 440 30 a 39 anos 622 738 40 a 49 anos 439 557 50 a 59 anos 370 413 60 anos ou mais 308 536

Total de Domicílios Particulares por Rendimento Nominal Mensal Domiciliar per capita, segundo favelas - Município do Rio de Janeiro - 2010

Faixa Rendimentos Total 2699 Até 1/8 salário mínimo 20 Mais de 1/8 a 1/4 salário mínimo 82 Mais de 1/4 a 1/2 salário mínimo 424 Mais de 1/2 a 1 salário mínimo 1006 Mais de 1 a 2 salários mínimos 793 Mais de 2 a 3 salários mínimos 142 Mais de 3 a 5 salários mínimos 75 Mais de 5 a 10 salários mínimos 26 Mais de 10 salários mínimos 16 Sem rendimento 115

Fonte: Instituto Pereira Passos, 2010.

118

Tabelas do Censo 2010(Domicílios) - Favela Barreira do Vasco Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2010

Domicílios particulares permanentes, por condição de ocupação, segundo favelas - Município do Rio de Janeiro - 2010

Próprios Alugados Cedidos Outros 1811 815 70 3

Domicílios particulares permanentes, por tipo, segundo favelas - Município do Rio de Janeiro - 2010

Casa Vila Apartamentos 2038 148 380

Domicílios por espécie, segundo favelas - Município do Rio de Janeiro - 2010

Permanentes Improvisados Coletivos 2699 0 0

Domicílios particulares permanentes, por número de moradores, segundo favelas - Município do Rio de Janeiro - 2010

Morador Quantidades Total 2699 1 morador 473 2 moradores 719 3 moradores 657 4 moradores 479 5 moradores 207 6 moradores 101 7 moradores 32 8 moradores 14 9 moradores 8 10 ou mais moradores 9

Domicílios particulares permanentes, por número de banheiros,segundo favelas - Município do Rio de Janeiro - 2010

Banheiros Quantidades Total 2699 1 banheiro 2088 2 banheiros 384 3 banheiros 49 4 banheiros 7 5 banheiros 2 6 banheiros 2 7 banheiros 1 8 banheiros 1 9 banheiros 0 Sem banheiro exclusivo 165

119

Domicílios particulares permanentes, por tipo de esgotamento sanitário,segundo favelas - Município do Rio de Janeiro - 2010

Tipo de esgotamento sanitário Quantidades Total 2699 Rede geral ou pluvial 2675 Fossa séptica 1 Fossa rudimentar 3 Vala 12 Rio, lago ou mar 7 Outro escoadouro 0 Sem banheiro de uso exclusivo dos 1 moradores e nem sanitário

Fonte: Instituto Pereira Passos, 2010.