PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC- SP

Jussara Tânia Silva Moreira

A Igreja e a Praça: Os Batistas da Cidade de Itapetinga- (1938-2013)

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

São Paulo 2016

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC- SP

Jussara Tânia Silva Moreira

A Igreja e a Praça: Os Batistas da Cidade de Itapetinga-Bahia (1938-2013)

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, tendo como requisito a obtenção do Título de Doutor em Ciências Sociais: Área de Concentração em Sociologia. Orientação: Dra. Marisa do Espírito Santo Borin.

São Paulo 2016 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP Autora: Jussara Tânia Silva Moreira (Doutorado em Ciências Sociais) Título: A Igreja e a Praça: os Batistas da Cidade de Itapetinga-Bahia (1938-2013) ERRATA 1. Dos elementos pré-textuais I Da Apresentação: onde se lê, “Departamento de Ciências da Educação e Linguagem da UESB – Campus de Itapetinga”, leia-se: “Departamento de Ciências Humanas, Educação e Linguagem – DCHEL - UESB – Campus de Itapetinga”. II Da Epígrafe: onde se lê, “paternalmente protegeu e amor”, leia-se: “paternalmente protegeu e amou”. 2. Dos elementos textuais I Dos Fundamentos Metodológicos: Procedimentos e Abordagens Onde se lê, “chama a tenção” (p.28); leia-se: “chama a atenção”. Onde se lê, “Finalmente, conseguimos conversar com a senhora Terezinha Ribeiro, como já citamos anteriormente, que pertence aos membros da Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI) há quarenta anos” (p.30); leia-se: “Finalmente, conseguimos conversar com a senhora Terezinha Ribeiro, que pertence aos membros da Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI) há quarenta anos”. Onde se lê, “nas também pioneiros da urbanização de Itapetinga” (p.31); leia-se: “ mas, também, os pioneiros da urbanização de Itapetinga”. II Da Estrutura Onde se lê, “ao trazer os históricos sobre a constituição” (p. 40); leia-se: “ao trazer os dados históricos sobre a constituição”. III Do Capítulo I: Os Discursos Autorizados Onde se lê, “A partir dessa concepção de Weber e Bourdieu, [...] campo religiosos e poder, para buscar” (p.42); leia-se: “A partir dos pressupostos weberianos e bourdieusianos, [...] campo religioso para apreender”. Onde se lê “pelos pensadores clássicos da Sociologia – Marx, Weber e Bourdieu –“ (p.74), leia-se: “pelos pensadores clássicos da Sociologia – Max Weber e Pierre Bourdieu –“. 3. Dos elementos pós-textuais I Das notas de Rodapé Nº 53 - Onde lê, “Antônio Pierucci[...]”; leia-se: “Ver nota de rodapé nº 51”. Nº 112 – Onde aparece em branco; leia-se: Ver: nota de rodapé nº 13 Nº 113 – Onde aparece em branco, leia-se: Ver: nota de rodapé nº 13 Nº 129 - Onde lê, “só está parte”, leia-se: “encontra-se parte”.

Banca Examinadora

______

______

______

______

______

Dedico... À Samuel

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus...

Por acreditar que nenhuma jornada acontece individualmente, pois, o universo é formado por encruzilhadas e labirintos é que, ao optar por elaborar um estudo acerca dos batistas da cidade de Itapetinga-Bahia acreditei, piamente, na participação e cooperação de seus moradores no processo de construção dessa caminhada acadêmica. Por essa razão:

Gostaria de agradecer, mui respeitosamente, a todos os recordadores pela paciência, compreensão e acolhimento ao pedido de utilização das suas memórias neste trabalho.

Ainda da Cidade de Itapetinga, abro espaço para agradecer, pela recepção e compreensão dos objetivos desta pesquisa, ao Ilmo. Pastor Emérito da Primeira Igreja Batista de Itapetinga, “O Pastor Samuel Oliveira Santos” (in memoriam); ao Doutor Wilson Ribeiro; à Senhora Adinita de Souza Brito Pio; à Senhora Sonia Brito Silva; ao Ilmo. Secretário do Departamento de Cultura de Itapetinga, Senhor Maurício Gomes da Silva (exercício 2009/2016); ao Ilmo. Pastor da Primeira Igreja Batista de Itapetinga, Senhor Adelson Augusto Brandão Santa Cruz; ao Ilmo. Administrador da Primeira Igreja Batista de Itapetinga, Senhor Adalmar Inácio Silva; ao Ilmo. Pastor da Segunda Igreja Batista de Itapetinga, O Senhor Odinei Ferreira Oliveira.

Entre as organizações civis, religiosas e governamentais existentes em Itapetinga, que muito contribuíram para este estudo, sou especialmente grata: à Primeira Igreja Batista de Itapetinga, à Segunda Igreja Batista de Itapetinga, à Prefeitura Municipal, ao Departamento de Cultura, ao Museu de Arte e Ciência de Itapetinga, ao Jornal Dimensão, à Câmara Municipal de Itapetinga e, não menos importantes, agradeço, igualmente, a contribuição dos setores da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – Campus de Itapetinga. Esses parceiros disponibilizaram tanto informações para compor o grupo de trabalho das memórias e o grupo de trabalho dos entrevistados, quanto as documentações para as consultas acerca do objeto de pesquisa

Além disso, a realização desse trabalho teve influências de muitas pessoas que deixaram, em minha formação intelectual, suas marcas. Por isso, desejo expressar meu reconhecimento, agradecendo:

À minha família, especialmente à querida mãe Tereza Moreira, pessoa muito especial a quem sou grande devedora. Muito obrigada pelo seu grande esforço em ser uma mãe zelosa e cuidadosa para com os seus filhos. Será sempre ponto de referência em minha vida. Aos meus irmãos, pelo incentivo e apoio. Ao meu esposo Elck Borges de Jesus, companheiro fiel nas horas de dificuldades. Ao meu filho Samuel Moreira de Jesus que, pacientemente, entendeu e superou a falta da mãe em momentos especiais de sua vida.

De forma especial, agradeço à minha querida orientadora, a professora Doutora Marisa do Espirito Santo Borin. Minhas palavras não conseguirão expressar meus agradecimentos. Tua seriedade profissional, dedicação e paciência em orientar-me foram significativas para o meu crescimento intelectual. Agradeço a disponibilidade aos momentos das dúvidas, orientações e correções. Mesmo em minhas limitações, soube fazer com que progredisse a cada etapa do trabalho. Mais do que a orientação, ganhei a sua dedicação, amizade e confiança. Serei eternamente grata cabendo, aqui, testemunhar o quanto és comprometida em sua profissão.

Nesse mesmo sentido, agradeço também aos Professores do Programa de Estudos Pós- Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP, em especial, ao Professor Doutor Edgard de Assis Carvalho, à Professora Doutora Eliane Hojaij Gouveia, à Professora Doutora Noêmia Lazzareschi e à Professora Doutora Mariza Martins Furquim Werneck, que contribuíram para o meu amadurecimento acadêmico.

Com muita satisfação, agradeço ao Professor Doutor Edin Sued Abumanssur (PUC-SP) e à Professora Doutora Eliane Hojaij Gouveia (PUC-SP) pelos valiosos conselhos por ocasião da minha Qualificação em maio de 2016, que auxiliaram, sobremaneira, para a atual revisão deste trabalho.

Agradeço à Professora Doutora Maria de Fátima de Andrade Ferreira (UESB) pelas sugestões significativas para se elaborar um bom trabalho de pesquisa.

Ao Professor Doutor José Valdir Santana, minha gratidão pela disponibilidade de fazer uma leitura deste texto.

Agradeço ao Professor Moisés Viana por nossas longas noites permeadas por discussões sobre o tema, objeto de nossa pesquisa.

Agradeço ao Programa de pós-Graduação da UESB pela bolsa com a qual contei a partir do segundo semestre da pesquisa. Sem essa “ajuda de custo” seria impossível continuar essa jornada.

Agradeço aos meus colegas do Departamento de Educação e Linguagem da UESB – Campus de Itapetinga, sobretudo, àqueles da área de Estágio e, especialmente, ao Professor Elson Lemos, que não mediu esforços para garantir a minha licença junto a Universidade. Agradeço à Professora Janaina Silveira por realizar a revisão técnica do trabalho. Sua atenção e eficiência proporcionou uma visível melhoria na redação final desta Tese.

Enfim, agradeço aos colegas de curso, aos amigos que abandonei e a todos aqueles que, de alguma maneira, estiveram ao meu lado nessa jornada acadêmica.

EPÍGRAFE

Os Pioneiros Evangélicos (de Itapetinga)

Eles chegaram como os anjos chegam, Misteriosamente... Um a Um, Para a riba ocupar do Catolé, Desflorestar a virginal floresta, Formar pastagens, semear o arroz, Milho, feijão, mandioca, café. Certo grupo pousou na Porangaba, Outra gente aportou no Pau de Copa Outros enfim, fixaram seu galpão Nos boqueirões, nas serras e baixadas Chamados Acará, Catolezinho, José Jacinto, Nega, Garrafão. Essas mulheres, esses homens fortes, Destemerosos, indomáveis, bravos No trato e no cultivo da restinga, Edificaram poderoso império Nas cercanias do maravilhoso E belo Vilarejo de Itatinga. Homens rudes nos gestos, no falar, No trato social, no decidir Os assuntos de ordem terreal, Ninguém diria pudessem revelar Tanto desvelo, amor, ternura e crença No sempiterno Deus celestial. Os bravos que vencia a floresta, Cruzaram rios, dominavam feras, E a malária, e o medo, e a fome, Ao mesmo tempo, conquistavam Almas Para o Deus redivivo, anunciando O Evangelho, e de Cristo o santo nome.

E o apostolado se multiplicou! E o denodo se fez Congregação Que em dinâmica Igreja se tornou, Para glorificar o Arquiteto Do Universo, o Senhor que a sua grei Paternalmente protegeu e amor.

(Wilson Ribeiro,2008)

Autora: Jussara Tânia Silva Moreira Título: A Igreja e a Praça: os Batistas da Cidade de Itapetinga-Bahia (1938-2013)

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo, analisar, entre os anos de 1938 a 2013, a origem dos batistas na constituição do desenvolvimento urbano de Itapetinga e compreender, como ocorreu esse processo de estabilização religiosa na cidade. O recorte temporal que circunscreve a pesquisa recaiu no período de 1938 a 2013, tendo em vista delimitar a comemoração do jubileu de diamante da Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI), cuja existência antecede ao nascimento da própria cidade. Para tal fim, foi necessário entrar por um caminho peculiar: a constituição social e histórica da cidade de Itapetinga, que fica localizada na Região Sudoeste da Bahia, cenário este, que serviu para a elaboração da seguinte hipótese: o campo religioso da cidade de Itapetinga só foi possível aos batistas, porque foi construído com estreita ligação com o poder dos fazendeiros, dominantes na sociedade itapetinguense. Por ter como eixo os conceitos de “poder dominação e religião”, a pesquisa respalda-se, prioritariamente nas teorias de: Max Weber e Pierre Bourdieu, mas, devido à complexidade da abordagem, houve também, a necessidade da apreciação de outras análises sociológicas, históricas e teológicas. Nesse percurso, adotou-se como procedimentos metodológicos: as memórias, as entrevistas, as análises estatísticas e documentais. Dessa maneira, os resultados da investigação foram apreciados através da pesquisa qualitativa, tendo o suporte para as interpretações as fontes orais e as fontes escritas.

Palavras-Chave:

Itapetinga; Batista; Memória; Religião.

Author: Jussara Tânia Silva Moreira Title: The church and the square: the baptist from the of Itapetinga-Bahia (1938-2013)

ABSTRACT

This work aims to analyze, between the years 1938-2013, the origin of Baptists in the constitution of Itapetinga’s urban development, and understand how the city’s process of religious stabilization happened. The period that circumscribes the research is from 1938 to 2013 in order to delimit the celebration of the Diamond Jubilee of the First Baptist Church of Itapetinga (PIBI), whose existence predates the birth of the city itself. To this end, it was necessary to enter in a peculiar way: the social and historical constitution of the city of Itapetinga, which is located in southwest Bahia, setting that served for the preparation of the following hypothesis: the religious field the city of Itapetinga was only possible for the Baptists, because it was built with close connection to the power of cattle breeder farmer, dominant in the itapetinguense society. By having as axis the concept of "power domination and religion", the research primarily draws upon the theories of Max Weber and Pierre Bourdieu, but due to the complexity of the approach, there was also the need for appreciation of other sociological, historical and theological analysis. Along the way, it was adopted as methodological procedures: the memories, interviews, statistics and documentary analysis. Thus, the results of the investigation were assessed by qualitative research, having as support for the interpretations oral and written sources.

Key words: Itapetinga; Baptists; Memory; Religion.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 15 1 Fundamentos Metodológicos: Procedimentos e Abordagens ...... 22 2 Estrutura da Pesquisa...... 39

CAPÍTULO I OS DISCURSOS AUTORIZADOS ...... 41 1.1 O Olhar de Max Weber ...... 42 1.1.2 Weber: asceticismo vocação e capitalismo ...... 50 1.3 Da Legitimidade Ao Campo: Algumas Contribuições ...... 59 1.3 Olhar de Pierre Bourdieu ...... 61 1.3,1 Bourdieu e a definição de Campo Religioso ...... 66

CAPÍTULO II O LUGAR E O TEMPO DA IGREJA BATISTA EM ITAPETINGA ...... 75 2.1 A Construção do Ethos Batista ...... 76 2.2 Considerações Sobre as “Ordenanças” e as “Doutrinas” dos Batistas ...... 93 2.3 Os Batistas do Brasil ...... 99 2.4 Os Batistas a Bahia e a Organização da Primeira Igreja de Itapetinga...... 104

CAPÍTULO III A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DA CIDADE DE ITAPETINGA ...... 117 3.1 A (Pré)história Itapetinguense ...... 119 3.2 Itatinga: a Pedra Branca ...... 128 3.3 A formação de Itapetinga: Os Bastidores da História ...... 134 3.4 Itapetinga: entre Humanistas e Futuristas ...... 137 3.5 A Formação Social de Itapetinga...... 144

CAPÍTULO IV OS OLHARES DOS MORADORES DE ITAPETINGA SOBRE A FORMAÇÃO DO SEU CAMPO RELIGIOSO ...... 155 4.1 Os Paisagistas da História de Itapetinga ...... 155 4.1.1 Dona Terezinha...... 155 4.1.2 Senhor Euredes ...... 158 4.1.3 Dona Elza ...... 160 4.14 Senhor Júlio ...... 163 4.1.5 Dona Adotiva ...... 166 4.2 Lembranças das Gerações Nascidas em Itapetinga ...... 168 4.2.1 Mauricio ...... 168 4.2.2 Sandra ...... 177 4.2.3Moisés ...... 179 4.2.4 Sergio ...... 182 4.2.5 Aline ...... 185 4.3 Lembranças dos Pastores ...... 186 4.3.1 O Pastor Samuel ...... 186 4.3.2 O Pastor Nelson ...... 194 4.3.3 O Pastor Odinei ...... 198 4.4 Memórias Públicas ...... 206 4.4.1 O Livro Homenagem ...... 206 4.4.2 O Discurso Público ...... 211 4.4.3 A Carta ...... 214 4.4.4 O Vídeo ...... 216 4.4.5 Uma Noite de Glória: 01 de agosto de 2013 ...... 217

CAPÍTULO V A POSSE DA TERRA E O PODER RELIGIOSO ...... 219 5.1 Terra Prometida ...... 220 5. 2 A Origem e a Estabilização Batista em Itapetinga ...... 228 5.3 O Novo Céu e a Nova Terra ...... 240

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 260

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 263

FONTES ...... 270 Documentais ...... 270 Orais ...... 275

ANEXOS 1 Demonstrativo dos Critérios Utilizados /Memórias dos Itapetinguenses ...... 278 2 Modelo do Documento / Solicitação ...... 279 3 Modelo do Documento /Declaração ...... 280 4 Atas da 1ª Igreja Batista de Itapetinga ...... 281 5 Carta Avulsa ...... 295 6 Relação Nominal dos Fundadores da PIBI ...... 299

ÍNDICE ACERVO FOTOGRÁFICO CAPA: Fundadores da Primeira Igreja Batista de Itapetinga FOTO Nº 1: Nativos da Região de Itapetinga ...... 129 FOTO Nº 2: A Família Itapetinguense. (Festa na Fazenda Astrolina em 1934) ...... 133 FOTO Nº 3: 1º Templo Batista de Itapetinga (Local: Rua Santos Dumont) ...... 149 FOTO Nº 4: Segundo Templo da PIBI ...... 150 FOTO Nº 5: Membros Fundadores da PIBI ...... 151 FOTO Nº 6: Primeira Igreja Batista de Itapetinga – Templo Atual ...... 152 FOTO Nº 7: A Igreja e a Paça - Cantata de Natal ...... 154 FOTO Nº 8: A Vaca, o Bezerro e o Boi - Praça Dairy Valley ...... 225 FOTO Nº 9: Paróquia de São José - Itapetinga/BA ...... 226 FOTO Nº 10: Paróquia Nossa Senhora das Graças - Itapetinga/BA ...... 227 FOTO Nº 11: Representação da Casa da Sede da Fazenda Vista da Casa do Vaqueiro ...... 233

ÍNDICE DE QUADROS

QUADRO Nº 01: Perfil Religioso dos Discente 2010/2011- UESB ...... 22 QUADRO Nº 02: Igrejas Históricas/Tradicionais ...... 78 QUADRO Nº 03: Índice Demonstrativo do Nº de Batistas No Brasil ...... 113 QUADRO Nº 4 Concílio para Organização da Primeira Igreja Batista de Itapetinga ...... 148 QUADRO Nº 5: Regras Definidas e Material Utilizado/ o Trabalho de Campo ...... 278

INDÍCE DE SIGLAS

ACI Associação Cultural Itapetinguense CBB Convenção Batista Brasileira CBN Convenção Batista Nacional CONDEPHAAT Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico DDB Declaração Doutrinária Batista DERBA Departamento de Rodagem da Bahia DOE-BA Diário Oficial do Estado da Bahia DOU Diário Oficial da União DPH Departamento do Patrimônio Histórico FAUUSP Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IEB-USP Instituto de Estudos Brasileiros da USP KM Quilômetro MACI Museu de Arte e Ciências de Itapetinga MAE Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo OJB O Jornal Batista PFL Partido da Frente Liberal PIB Pacto das Igrejas Batistas PIBI Primeira Igreja Batista de Itapetinga PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMI Prefeitura Municipal de Itapetinga PR Partido Republicano PRP Partido Republicano Progressista PSD Partido Social Democrata PTB Partido Trabalhista Brasileiro PUC/SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo RIR Representação, Identificação e Religião SAAE Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Itapetinga-BA SMN Sociedade Missionaria Nacional UDN União Democrática Nacional UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UNEB Universidade Estadual da Bahia UNOPAR Universidade Norte do Paraná VCA Vitória da Conquista

INTRODUÇÃO

No início do século XX, período no qual ocorreu a urbanização de Itapetinga, havia ainda uma forte predominância da Igreja Católica nas formações das cidades brasileiras. No entanto, impossível deixar de perceber que essa pequena cidade com 68.273 habitantes (IBGE, 2010), localizada na Região Sudoeste da Bahia, tem em sua história um elemento que se não a torna única, pelo menos, a distingue da maioria de outros centros urbanos do Brasil: em frente à sua praça principal se encontra edificada uma Igreja, que não é a de origem católica, como tradicionalmente está registrado pela memória do povo brasileiro. Sem nenhuma dúvida, foi ali, onde se localizam esses dois símbolos, a Praça Augusto de Carvalho (antiga praça Castro Alves) e a Primeira Igreja Batista de Itapetinga, o embrião para o desabrochar da vida urbana da cidade. Entretanto, se por um lado, esse é um ponto pacífico nas diversas literaturas, como por exemplo, o que está registrado pelos “causos” da poetiza Jabur (1998), ou através da “persistente busca” de Campos (2006) e o “quero te conhecer” de Gomes (2002), por outro lado, mesmo que esses autores ofereçam aos moradores da cidade um vasto painel das múltiplas facetas da sua trajetória histórica, sem nenhuma pretensão em desmerecer os seus pontos de vista, não foi encontrado o aspecto distinto, referente ao tema que acabou por gerar a nossa tese, afinal: o que teria levado Itapetinga a edificar o Templo Batista em sua praça central, rompendo com a tradição da herança deixada pela colonização luso-europeia? A praça religiosa de origem católica no imaginário do brasileiro possui uma representação incorporada historicamente, sendo comum, ao se conhecer uma cidade – de preferência pequena -, descrevê-la esteticamente pela referência: “no centro tem uma pracinha com uma igreja”. Essa informação contém uma imagem em que, automaticamente, narrador e ouvinte vislumbram a exposição de uma praça toda arborizada, cuja sede religiosa é sempre a de uma Igreja Católica. A visão estabelecida da cidade de hoje se entrecruza com aquela do passado, herança deixada ao Brasil pela sua colonização luso europeia. Segundo o arquiteto Manuel C. Teixeira (2009)1, Portugal desde o final do período medieval, já havia iniciado em seu

1Manuel C. Teixeira é Prof. Catedrático da Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa. Ver: “O Património Urbano dos Países de Língua Portuguesa. Raízes de um Património Comum”, cujos dados constam nas referências bibliográficas desta Tese. 16

território a cultura da praça religiosa e da praça cívica, fazendo dessas composições os elementos facilitadores para as formações dos seus núcleos urbanos. “Esta concepção de organização urbana, em que já não é a natureza, mas o próprio homem, através do plano (ideias), que define as principais localizações na cidade, fazia parte dos princípios de organização da cidade romana de colonização” (TEIXEIRA, 2009, p.6). Espírito este adaptado em toda a jurisdição dominada pelos portugueses. Sobre esse aspecto, o historiador Murillo Marx2 (1996), e como ele próprio se definia, “um apaixonado pela arquitetura”, esclarece ainda, que se a paternidade portuguesa começou efetivamente a ser retratada nas cidades brasileiras dos séculos XVI, XVII e XVIII, através das relações políticas, econômicas e sociais, porém, foi a estreita afinidade da Igreja Católica Romana com os habitantes da terra colonizada, o motivo gerador para os sentimentos que nasceram acerca dos espaços públicos ali constituídos. “Detecta-se grandes massas construídas, excepcionalmente localizadas em colinas, espigões, esporões. Nem que não queira, mira e reproduz capelas, igrejas, mosteiros e conventos de todo tipo, ou, mais precisamente, do mesmo tipo (MARX, 1996, p.174). Isto fica claro em “Nosso Chão: do sagrado ao profano”3, quando Murillo Marx (2003) mostrou esse legado, ao dizer que o parentesco entre a Igreja Católica e o povo brasileiro ganhou forma através das festas públicas sagradas4, mas, no decorrer do tempo, nas grandes cidades o caráter do sagrado vai dando espaço para as festas profanas, fossem nos largos, nas ruas, nas praças religiosas ou nas praças cívicas. Acontecimento esse, que ainda pode ser observado até a atualidade, não sendo raro encontrar nas jovens cidades brasileiras uma identificação populacional, seja em relação às festas religiosas, ou em relação ao espaço público considerado como sagrado, que sempre é revelado pelas áreas centrais das urbes, por uma catedral, uma paróquia, uma igreja ou uma capela.

2 M. Marx (1945-2011), foi membro fundador do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) em São Paulo, participou do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE) e do Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB-USP), foi professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Ver: “Olhando por Cima e de Frente”, cujos dados constam nas referências bibliográficas desta Tese. 3 Este estudo fala no geral sobre a evolução dos espaços urbanos públicos brasileiros, especificamente sobre a cidade São Paulo. A tese parte da problemática: que houve um claro e lento processo de secularização nos espaços públicos, a partir de quatro indicativos: o conceito, o uso, o âmbito e o trato das ruas. A obra é resultado de uma Tese de Livre Docência teve a sua primeira publicação em 1989, com uma 2ª edição em 2003 – os dados constam nas referências bibliográficas desta Tese. 4 M. Marx (2003, p. 70-80), cita várias formas de festas sagradas, como por exemplo: fala das comemorações dos santos ou das recepções aos bispos, quanto as festas profanas, essas podiam ocorrer até mesmo em dia de feira, na comercialização dos produtos, nas inaugurações e etc. 17

Em Itapetinga esses elementos têm formas bem distintas, pois existe a composição da praça religiosa (Praça Augusto de Carvalho) e da praça cívica (Praça Dairy Valley), respectivamente assumindo os seus papéis na malha urbana e gerando o próprio traçado da cidade. Mas, quando se reporta ao Murillo Marx (1996), procurando analisar a afinidade em relação à composição morfológica5 da cidade, principalmente, naquilo que é revelado a partir da existência de uma praça religiosa, há um diferencial de ordem histórica para o itapetinguense, uma vez que tal espaço foi ocupado por uma Igreja Batista. A tradição histórica dos batistas remonta ao próprio nascimento da cidade de Itapetinga, pois, como nos revelou a memória do Pastor Samuel (cf. cap. IV), “aqueles primeiros crentes batistas, que chegaram na região ainda na década de vinte do século XX, não vieram como missionários, mas, como aventureiros [...] começaram semeando o capim, criando o pasto, desenvolvendo o arraial, que foi batizado pelo nome de Itatinga, porém, não tardou a difundir os seus princípios religiosos”, instituindo entre os anos de 1927 e 1928, o embrião que daria à origem da sua primeira Igreja. A lembrança da Itapetinga do início do século XX, proferida pela voz do Pastor Samuel, também está presente nas vozes dos moradores e, portanto, na história oficial da cidade. A partir desse legado surgiu a seguinte inquietação: como foi a convivência entre as duas instituições religiosas representadas pelos católicos e pelos batistas naquele princípio do século XX no povoado de Itatinga? Como a priori não foi encontrada uma reposta para essa questão e reportando-se ao período de 1938 a 2013 (ano do jubileu de diamante da Primeira Igreja Batista em Itapetinga), estruturou-se esta pesquisa a partir da seguinte problemática: quais as circunstâncias históricas e sociais que possibilitaram aos batistas estabilizarem as suas crenças religiosas em Itapetinga? Ou seja, como foi permitida a consolidação religiosa da Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI) no início da formação do campo religioso da cidade, em uma terra (no sentido regional) que ainda era dominada (autoridade) pelo poder da Igreja Católica?

5 Murillo Marx (1996. p. 172), a partir da perspectiva da metodologia da “morfologia urbana”, rompeu com às análises quantitativas e funcionalistas com as quais eram tratados os traçados de uma cidade. Propõe assim, que os estudos das arquiteturas das cidades, sejam vistas pelos dados qualitativos, tendo como meio de verificação os contextos econômicos, políticos e sociais, como também, as questões históricas, as posições estéticas e culturais. “Na pequena escala dos primeiros mapas despontam, acompanhando uma modesta urbanização pelo litoral do Nordeste. Em tais aparições iniciais se denunciam uns poucos aglomerados e deles, morfologicamente, não se mostra nada a não ser sua situação geográfica”. 18

A partir desta questão, delineou-se como objetivo geral dessa pesquisa: analisar, entre os anos de 1938 a 2013, a origem dos batistas na constituição do desenvolvimento urbano de Itapetinga e compreender como ocorreu esse processo de estabilização religiosa na cidade. Como objetivos específicos, pretendeu-se: apresentar conceitualmente os sentidos de poder, dominação e campo religioso sob os olhares dos cientistas sociais6; elaborar um panorama sobre a história religiosa dos batistas, incluindo a sua entrada no território de Itapetinga; situar a formação histórica e social da cidade de Itapetinga; apresentar as memórias dos moradores da cidade; e analisar, dentro das fontes orais e documentais como foi o movimento batista dentro da construção do campo religioso de Itapetinga, o que envolve a identificação dos seus principais representantes institucionais e pessoais. Assim, configurou-se este trabalho tendo como eixo principal, o seguinte pressuposto: o campo religioso da cidade de Itapetinga só foi possível aos batistas, porque foi construído com estreita ligação com o poder dos fazendeiros pecuaristas, dominantes na sociedade itapetinguense. Tal corpus desdobra-se em três subeixos que emergem historicamente da relação que foi construída pelos moradores da cidade com à Primeira Igreja Batista de Itapetinga, são eles: a) Resultado da economia de subsistência pecuarista dos fazendeiros batistas que, por serem dominantes na sociedade itapetinguense do século XX, acabaram, também, por influenciar a construção do campo religioso da cidade. b) Decorrente das relações dos membros da Igreja com os representantes do campo da política local. c) Consequência da renda dos trabalhadores das fazendas (vaqueiros, boiadeiros e etc.) e a falta de escolaridade da população em geral que, diante de suas dificuldades econômicas e culturais, não partiram para o embate (luta) religioso, gerando a memória de uma convivência harmoniosa entre as duas formas de práticas religiosas cristãs que existiam na cidade, a saber católicos e batistas. A partir de subeixos, três categorias se direcionam para as nossas análises, são elas: a origem da formação do campo religioso de Itapetinga através da “memória de quem viveu a história” que pode nos apresentar a tradição, o passado e o vivido; a legitimidade que a religião de origem batista adquiriu dentro da cidade analisada a partir da “memória intergeracional”, cuja dinâmica circula entre os elementos tradicionais e os contemporâneos,

6 A opção por iniciar pelo Capítulo Teórico foi por acreditarmos que ele seria a base para as reflexões ao contexto da pesquisa. 19

revelando tensões e contradições que envolvem o território religioso de Itapetinga.; e, através da autoridade da “memória estabilizada”, que mesmo se referindo ao outro, ao estranho ou em adaptação, galgou espaço dentro da história da cidade. Essas categorias, além de outros dados7, encontram-se no capítulo IV através memórias representadas pelos “paisagistas da história”, pelas “lembranças dos itapetinguenses”, as “lembranças dos pastores” e as “lembranças públicas”. Dos indicativos e das três categorias ficou latente os conceitos de dominação, poder e campo religioso que emergiram durante a nossa trajetória no campo empírico. Estas categorias analíticas respectivamente analisadas por Max Weber (2012) e Pierre Bourdieu (2007c)8, serão consideradas nos fundamentos que dão suporte a essa tese. Adotando esses aspectos como premissas, cabe informar, que além dos teóricos da sociologia que já foram citados, no decorrer desse estudo, muitas vezes foi necessário, fosse para entender ou constatar, recorrer às pesquisas de outros autores que trabalham com a própria sociologia, como também, com a história ou a teologia. Além disso, também houve dificuldades que aconteceram no campo empírico: a primeira delas, se revelou logo que chegamos ao espaço de observação, onde foi possível averiguar as lacunas na produção de pesquisas e estudos, que pudessem ser direcionadores acerca dos batistas de Itapetinga, seria praticamente uma construção genuína, pois, pouco havia sido registrado na história oficial, não sendo possível com os dados existentes responder às indagações investigativas. A segunda dificuldade estava no longo período escolhido para a pesquisa, que teve como recorte de tempo de 1938 a 2013 (anos do Jubileu de Diamante da Igreja Batista em Itapetinga). Dessa forma, decidimos que o melhor caminho seria buscar pelas memórias dos moradores de Itapetinga, tomando como referência que nelas, como diz Bosi (2010), encontram-se os registros do passado, sem perder o caráter do que também está vivo dentro do tempo presente. Elucidadas a origem para as questões conceituais e procedimentais, cabe falar um pouco sobre a realidade da cidade de Itapetinga que foi revelada por nossa observação. Na cidade, existe atualmente uma sala que um dia havia sido, como nos recordou Moisés Viana,

7 Documentos particulares e públicos que foram analisados no decorrer da pesquisa. 8 Cabe esclarecer que os estudo em Max Weber serviram para o nosso entendimento sobre o campo religioso que é discutido por Bourdieu em “Genè:e et structure du champ religieux“, publicado originalmente in. Kevue Française de Sociologie, Vol. XII, N? 3, jul./ set. de 1971, pp. 295-334. (Versão Brasileira: Tradução de Sergio Miceli). 20

o “Cine Teatro Fênix com afrescos de Mario Cravo”9, agora reformada a sua porta permanece sempre aberta para receber diariamente pessoas, fiéis ou não fiéis para a suposta leitura da Bíblia. Ao adentrar no templo se é carregado pelo obreiro para o centro das sessões de curas, louvores e encontro com o Espírito Santo e, como disse Magnani, “no dia em que o pastor está exorcizando, ninguém sai de lá carregando algum encosto causador de vícios, doenças e desavenças familiares” (2010, p. 22). A descrição acima é da Igreja Universal do Reino de Deus que, junto com a Igreja Evangélica Triangular, Igreja Evangélica Monte Moriah, Igreja Maanaim, Igreja Assembleia de Deus, Igreja Apostólica Nova Jerusalém, Igreja Deus é Amor, Igreja Maranata, Igreja do Evangelho Quadrangular, Primeira Igreja Batista de Itapetinga, Igreja Batista Calvário, Segunda Igreja Batista de Itapetinga, Igreja Batista Shekinah, Igreja Batista Sião, Igreja Batista Nova Aliança, Igreja Batista Betel, Igreja Batista do Deus Vivo, Igreja Batista Boas Novas, dentre muitas outras igrejas e Congregações Batistas, formam o conjunto dos movimentos pentecostais, neopentecostais e protestantes históricos (cf. cap. II) espalhados do centro à periferia de Itapetinga. Contrapondo a esse número, do lado católico, se encontram a Paróquia São José, a Paróquia Nossa Senhora das Graças e a Igreja São Francisco. Como também, por trabalhar a partir dos preceitos do cristianismo, há na cidade o Centro Espírita Servos do Senhor e o Centro Espírita Amor Sem Fronteiras. O número superior das igrejas evangélicas ou protestantes em relação às paróquias católicas e centros espíritas, não seria nenhuma novidade dentro da atual história religiosa do território brasileiro, pois, de acordo com os dados do IBGE (2010), existe um universo de mais ou menos 42 milhões de pessoas10que se auto denominam por evangélicos11. Contudo, o mesmo Censo de 2010 apontou que o Brasil continuou com a sua tradição católica, tendo 70,1% da sua população ainda adepta aos dogmas romanos. Lógico que, respeitadas as diferenças populacionais, ao se comparar o percentual encontrado no Brasil com o de Itapetinga, já se percebe uma diferença, afinal, a sua população católica foi registrada com 53,83% pontos percentuais (IBGE, 2010, on-line).

9 Mario Cravo Junior: escultor, pintor e desenhista, nasceu em 13 de abril de 1923 em Salvador/BA. Ele é considerado como integrante da primeira geração de artistas plásticos modernistas da Bahia. 10 Para compreender melhor as análises desses dados ver: MARIANO, Ricardo, em “Mudanças no Campo Religioso Brasileiro no Censo 2010”, que apresenta um estudo com o declínio católico e o aumento dos evangélicos de 2000 a 2010. Os dados desse estudo se encontram nas referências bibliográficas desta Tese. 11 Em Antônio G. Mendonça e P. Velasques (2002, p. 82), existe uma “distinção entre evangelical e evangélico. Evangélico segundo os autores é o movimento teológico que remonta aos pré-reformados, evangelical, enfatiza a volta à Bíblia como única regra de fé e de conduta”. 21

Nesse sentido, poderia, de antemão, afirmar que a cidade possui uma tendência em seguir as religiões cristãs originadas a partir do movimento protestante do século XVI, entretanto, indagações poderiam vir à tona justificando, ainda, a existência de uma maioria católica em Itapetinga. Todavia, se for considerado o caráter histórico da dominação católica ou mesmo a mobilidade migratória urbana que existe no território nordestino, pode se avaliar que o percentual de 53,83% de católicos é significativamente baixo para o padrão do Brasil. Reafirmamos, assim, que houve uma sistematização do campo religioso de Itapetinga concretizada por meio da prática da religião cristã batista em seus primórdios, cuja memória vai muito além daquilo que foi apresentado pelos identificadores estatísticos do IBGE em 2010. Tal afirmativa, além de justificar a nossa proposta de estudo, também nos impulsiona a descobrir se, de fato, existe na cidade uma memória religiosa que aceita a ideia que “a história da cidade de Itapetinga e da Primeira Igreja Batista de fato se confundem”12. É importante salientar que toda investigação tem sempre um caminho que já foi percorrido. Mediante a afirmação, surge a necessidade em contextualizar brevemente de onde surgiu a pretensão da nossa pesquisa. Tudo começou entre os anos de 2007 e 2008, período no qual investigamos as “Representações dos Moradores da Cidade de Itapetinga sobre a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB): a construção de um olhar”13. Naquele momento ficou subtendido, através do trabalho de campo, cujo cunho metodológico trazia as histórias de vida dos moradores de Itapetinga, que havia uma inclinação entre eles, no sentido proposto por Mendonça (2002)14, das práticas evangelicais. Começamos assim, a observar o comportamento das pessoas, fossem em orientações, provenientes do nosso trabalho com os estágios que são realizados nas escolas de Itapetinga, em seminários realizados na no Campus da UESB, nas participações em sala de aula, em nossos estudos realizados sobre as feiras livres15 e, até mesmo, nos momentos de lazer efetuados nos movimentos festivos, sempre era possível verificar uma relação muito estreita

12 Essas palavras originalmente produzidas por um de nossos depoentes, o Pastor Samuel Oliveira Santos (cf. cap. IV), aparecem em redes sociais, jornais, programas de rádio e livros, quando são narrados os fatos históricos da cidade de Itapetinga. 13 O tema, refere-se ao nosso Mestrado realizado no ano de 2009 em Ciências Sociais. Área de concentração em Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Orientadora Prof.ª. Dr. Marisa do Espírito Santo Borin. Os dados constam nas referências bibliográficas desta Tese. 14 Ver nota de rodapé nº 11. 15 VIANA, Moisés dos Santos; MESQUITA FILHO, Odilon Pinto de; MOREIRA, Jussara. Fala aí, freguês! Estratégias de Comunicação na Feira Livre de Itapetinga-Bahia. Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas (UFSC). V11, p. 93-99, 2010. 22

dos moradores de Itapetinga em relação a Primeira Igreja Batista, pois, fosse para criticar como a “igreja dos ricos” ou exaltar como “o espaço considerado como sagrado”, de alguma forma ela estava presente em suas representações. E foi no cenário da sala de aula que nasceu a possibilidade de observar mais de perto que, entre os estudantes, havia uma presença muito maior de evangélicos do que de outras correntes religiosas. Como também era perceptível, no comportamento dos discentes, a não aceitação das diferenças religiosas, o que provocava sempre um afastamento entre eles. Era como se houvesse a presença de um muro invisível onde, de um lado, ficavam os “evangélicos” e, do outro, aqueles que professavam qualquer outro tipo de religião, ou mesmo, que não tivesse nenhum credo religioso. Como essa separação chegava a incomodar o trabalho pedagógico, não sendo raro surgirem discussões, muitas vezes acaloradas, entre os discentes sobre as incredulidades quanto às questões científicas, resolvemos entre os meses de março a junho de 2010 e agosto a dezembro de 2011 fazer um diagnóstico geral16 sobre a religiosidade presente entre os discentes daqueles semestres. QUADRO Nº 01: Perfil Religioso dos Discente 2010/2011- UESB Local Campus Curso/Sem. Ano Catól Evan. Esp./afric. Não/Decl. Total . UESB Juvino Pedagogia 2010 06 20 02 09 37 Oliveira 3º semestre (Espírita) UESB Juvino Pedagogia 2011 04 16 00 05 25 Oliveira 5º semestre UESB Juvino Biologia 2011 05 08 00 07 20 Oliveira 5º semestre UESB Primavera PARFOR 2010 18 22 02 02 44 (Módulo) 4º semestre (Espírita)

Fonte: Jussara Moreira: Levantamento feito em sala de aula-2010/2011-UESB de Itapetinga.

Os discentes se encontravam na faixa etária de dezenove (19) a cinquenta e dois (52) anos de idade, possuíam em média uma renda per capita de dois salários mínimos17, a grande maioria era composta pelo sexo feminino. Foi perguntado ainda no diagnóstico/perfil a origem (cidade) de cada um, cabendo informar que 20% da turma de Pedagogia era oriunda de localidades próximas à Itapetinga e 30% da turma de Biologia procedia de cidades circunvizinhas, mas também de Ilhéus ou de Vitória da Conquista (VCA).

16 Diagnostico Geral, por não haver discriminado cada corrente religiosa separando por credo e denominação. 17 O valor do salário mínimo em vigor de março a junho de 2010 era de R$510,00 e de agosto a dezembro de 2011 passou a R$545.00. 23

Do diagnóstico efetuado, dentre as questões destacamos uma, a saber: “qual era o conceito e a definição que tinham da ciência”? Mediante a indagação, algumas respostas foram proferidas pelos discentes, assim, elencamos alguns registros que chamaram a nossa atenção: “a ciência é coisa dos homens, e como tal deve ser apenas estudada e não internalizada”; “é um corpo de conhecimento, porém, o verdadeiro conhecimento está em nosso Senhor Jesus Cristo”; “categoria de fenômenos que estuda a natureza, no entanto, o importante é saber que tudo se originou no criador”; “hipótese, observação e teoria, mas, na vida só existe uma liderança Cristo e apenas, uma autoridade a ser seguida: o Novo Testamento”. Como as últimas palavras constam na Declaração Doutrinária Batista (2010), que por sua vez é ligada à Convenção Batista Brasileira (CBB) da qual a Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI) faz parte, essa foi a sinalização para o início do nosso estudo. A partir de então, ampliamos o tanto quanto possível a revisão de literatura e a nossa pesquisa de campo; portanto, para caminhar por essa investigação construímos os nossos passos metodológicos que agora serão apresentados.

2 Fundamentos Metodológicos: Procedimentos e Abordagens

É a partir da relação com o objeto a ser investigado que o pesquisador traça o caminho (a metodologia) que deseja percorrer para a obtenção de determinados resultados, todavia, os fundamentos metodológicos não são puros, pois arrastam consigo, além do próprio processo de produção do conhecimento (a ciência escolhida), as próprias concepções que o pesquisador tem do homem, da natureza e da sociedade. Portanto, como demonstra Bourdieu “o mundo social, com suas divisões, é algo que os agentes sociais têm a fazer, a construir, individual e sobretudo, coletivamente, essas são construções que não ocorrem em um vazio social” (2007a, p. 27). Todavia, ao percorrer pela obra de Bourdieu deparamos com dois aspectos, primeiro, com uma sensação que ele caminha por múltiplas direções, pois, sai do estudo dos camponeses, da arte, do desemprego, da escola, do direito, da ciência, da literatura à análise do parentesco, das classes, da polícia, do esporte, da linguagem, dos intelectuais, do Estado e da religião, tal diversidade intimida, além do que, muitas vezes, a sua locução é de difícil compreensão. O segundo aspecto está relacionado a sua integração de sistemas conceituais teóricos (Marx, Durkheim e Weber) que arbitrariamente foram separados por 24

“dogmatismos” existente na história da construção dos estudos que falam a respeito do social. Sobres o primeiro aspecto Quando eu escrevo, temo muitas coisas, isto é, muitas más leituras. O que explica a complexidade de algumas de minhas frases, coisa de que me criticam frequentemente. Tento desencorajar previamente as más leituras que muitas vezes eu posso prevê. Mas as observações que coloco entre parênteses, um adjetivo, aspas, etc., só sensibilizam aqueles que deles não necessitam. E numa análise complexa, cada um retém a parte que o atrapalha menos (2003a, p 17)18.

Sobre o segundo aspecto,

Há mais que um caso em que não podemos fazer avançar a ciência a não ser na condição de fazermos comunicar as teorias opostas, que muitas vezes se constituíram umas contra as outras. Não se trata de operar essas falsas sínteses ecléticas que pulularam em sociologia. Diga-se de passagem, a condenação do ecletismo tem servido muitas vezes de álibi à incultura: é tão fácil e tão confortável encerrarmo-nos em uma tradição (BOURDIEU, 2003a, p. 28)19. Aos poucos a sociologia de Pierre Bourdieu, quando aponta para “a construção do objeto”20, começa a transparecer como aquela que visa “objetivar” as práticas e, consequentemente, desvelar para os agentes sociais as determinações sociais dos seus comportamentos, representações e discursos, como também, fornece elementos para que se elabore críticas aos mecanismos de dominação, o que exige sair do terreno do senso comum, que são as opiniões muitas vezes impostas a um espírito racional, sem, no entanto, abandonar por completo a subjetividade inerente a vida humana.. Ao trazer os principais conceitos que permeiam a sua obra: “habitus, campo, capitais” que se desdobram em tantas outras variações, “Bourdieu milita por uma sociologia da sociologia, a fim de fazê-la progredir como ciência” (BONNEWITZ, 2003, p. 24). Para tal construção, reconhece que o espirito do “fisicalismo objetivista”21 que contrapõe as ideias subjetivistas, foram heranças do pensamento positivista, ou ainda

18 Ver: BOURDIEU, P. “ A arte de resistir as palavras”. (Entrevista concedida a Didier Eribon a respeito de "a Distinção", Libération, 3 e 4, novembro de 1979). In: Questões de Sociologia. Tradução Miguel Serras Pereira. Lisboa, Edições Sociedade Unipessoal LTDA, 2003a, p. 13-22. 19 Ver: BOURDIEU, P. (Entrevista realizada por Pierre Thuillier, en La Recherche, nº 112, jun. de. 1980, p. 738- 743). In: Uma ciência que incomoda. In: Questões de Sociologia. Tradução Miguel Serras Pereira. Lisboa: Edições Sociedade Unipessoal LTDA, 2003a, p. 23-41 20 Ver: BOURDIEU, P. ”A construção do objeto”. In: BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, Jean-Claude. Ofício de sociólogo: Metodologia da pesquisa na sociologia. Petrópolis: Ed. Vozes, 2004a, p.45. 21 Temo utilizado por Bourdieu (2004b. p.151). Ver: BOURDIEU, P. “o interesse do sociólogo”. In: Coisas Ditas. Tradução Cássia R da Silveira e Denise Moreno Pegorim; Revisão técnica Paula Montero. São Paulo: Editora Brasiliense S. A. 2004b.p. 126-133 25

proveniente do legado da ideologia materialista. Isto quer dizer que muitos cientistas ao negar as pré-noções, associa-se o conhecimento apenas a um “sistema de classificação com recortes operatórios, ou registros mecânicos, de cortes ou descontinuidades objetivas"(BOURDIEU, 2004b, p. 151), recriminando essencialmente, as representações subjetivas que são construídas dentro da existência prática, que por ser múltiplas, consistem em modos de apreensão do mundo, motivações e regras de conduta. Já os subjetivistas por sua vez, negam as ideias objetivas, dizendo que de maneira nenhuma, deve-se desprezar as construções do senso comum, pois, essas são as formas pré- selecionadas para apreender a realidade da vida cotidiana. Inegavelmente, todos nós temos representações espontâneas da realidade que nos cerca e essas, servem de guias e referências para a vivência social e compreensão do mundo. Para romper com tal dualidade, Bourdieu (2004b)22propõe que o pesquisador deva sim, abandonar o senso comum, procurando um maior rigor na constituição das explicações científicas e no trato dos fenômenos sociais, mas também, não pode esquecer que as categorias com as quais analisará a realidade social, são formadas e produzidas no próprio corpo social. Ou seja, se o fato social existe, ele não vive por si só, mas é construído dentro da atuação do investigador e dentro da realidade social. Para tal pleito é necessário conquistar o objeto, sabendo que a realidade é multiforme e muitas vezes mascarada, o que torna necessário (e sempre) a vigilância do observador. Nesse sentido, Bourdieu chama atenção, para certas facetas do real que serão percebidas como importantes, algumas como marginais ou acessórias, enquanto outras nem serão percebidas. Nesse aspecto, o pesquisador do social tem a particularidade de ter dois fatores principais, que estão ligados à posição ocupada em relação ao objeto, o próprio campo das lutas científicas, bem como, “o interesse que se tem em saber e em fazer saber a verdade, (ou, inversamente, em ocultá-la ou em ocultá-la para si mesmo) e a capacidade que se tem de produzi-la” (BOURDIEU, 2003a, p.26). Todo trabalho em sociologia sugere uma reflexão epistemológica, isto é, um estudo crítico dos princípios, hipótese e resultados desta ciência, para determinar a origem lógica, o valor e o alcance subjetivo, sem necessariamente, perder o foco da objetividade científica. Esta vigilância epistemológica se revela muito importante, dentro de uma produção científica; precisamente aqui, uma produção cientifica do campo religioso de Itapetinga.

22 Idem a nota de rodapé número 21. 26

Assim, se para o nosso estudo deste objeto foi adotado como direcionamento aquela autoridade cientifica, cabe lembrar: “que no âmbito de uma mesma formação social, a oposição [...]entre a manipulação legítima e a manipulação profana do sagrado, dissimula a oposição entre diferenças de competência religiosa que estão ligadas à estrutura da distribuição do capital cultural (BOURDIEU, 2007c, p.44). Portanto, podemos afirmar, que a prática religiosa produz tanto para os elementos internos (entre os próprios membros de uma mesma denominação religiosa), quanto para os elementos externos (referente aos estabilizados visto como os “estranhos”) as formas de dominação, que não ficam retidas apenas em uma Igreja em seu estado físico, mas chega a todos nas histórias, nas famílias, nos livros, nas obras de arte, nas músicas e deste modo, instituem culturalmente um conjunto de influências, não sendo possível no jogo da vida lhe atribuir um sentido de imposição. Assim, para construir este fato sociológico devemos seguir o que foi indicado por Bourdieu (2003b), ou seja, reconhecer aquilo que repousa sobre várias etapas ao longo da pesquisa, que vai da problemática que pode ser redirecionada, das hipóteses modificadas e até mesmo, sobre o direcionamento das variáveis, que sempre podem ser reconsideradas dentro do campo empírico. É nesse contexto, que podemos afirmar como Bosi, (2010), que o trabalho científico se constrói na árdua averiguação do pesquisador, por isso, o método deve ser visto como uma bússola, um direcionamento, pois ele se revela como um guia para a investigação. De tal modo, se por um lado, foram as lembranças vivas das pessoas de Itapetinga que se constituíram a base para conhecer a formação do campo religioso da cidade, por outro lado, as interpretações sobre essas passagens ficaram condicionadas através dos olhares da sociologia que, por ser possuidora de um objeto próprio de estudo (individuo/sociedade), se encontra separada de outras ciências, mas, nem por isso, está isolada em si própria podendo, também, apoiar-se em outras teorias (históricas, teológicas e etc.,), ou fazer uso de técnicas estatísticas. Nesse sentido, reafirmamos que cabe a utilização da memória como recurso metodológico, em primeiro lugar, porque a memória ao ser socialmente construída, carrega em si os conhecimentos adquiridos, em segundo lugar, porque se encontra encravada na memória a referência do passado, sem necessariamente, romper com a realidade da vida atual. Mas, apesar da riqueza metodológica que a utilização da memória oferece, alguns dados não foram encontrados nos depoimentos de nossos recordadores. 27

Como exemplo do aspecto citado, podemos informar que no decorrer da pesquisa houve a necessidade da construção das representações dos atores pessoais que estiveram diretamente ligados a origem da cidade e da Primeira Igreja Batista de Itapetinga, como todos já eram falecidos e sem documentos oficiais que pudessem servir de sustentação para esse objetivo, tivemos que fazer os levantamentos dessas passagens através de entrevistas23 livres com os familiares e representantes coletivos. Para tal fim, procuramos pessoalmente na cidade por autoridades constituídas de organizações políticas e civis para estabelecemos então, outro grupo de trabalho, diferente do grupo das memórias. Tratando do grupo das memórias, como nos interessava o passado, sem, no entanto, esquivar do tempo presente, o primeiro passo foi buscar pelas vozes dos moradores da cidade. Nesse percurso, acreditamos que os velhos, - homens e mulheres com idade superior a 70 anos de idade-, responderiam aos nossos propósitos. Também se fez ouvir as vozes dos mais jovens (pessoas com idade de 30 a 60 anos). Itapetinga possui apenas sessenta e três anos (63) anos de emancipação política, completados em 12 de dezembro de 2015, portanto, uma pessoa com trinta anos já vivenciou a metade da história da cidade. Além disso, foi impossível encontrar entre os mais velhos, pessoas que fossem registradas como naturais da cidade24. As narrativas desses recordadores, somadas às vivências e olhares dos Pastores das Igrejas Batistas, ganharam sentido ao serem adotadas as ideias de Halbwachs (2006) e Bernardo (2007) que, respectivamente, têm na memória a garantia de que todas as lembranças individuais são construídas no interior de uma coletividade e que a memória revela sempre as situações conflitivas que existem dentro do jogo do poder, tão característico do mundo social. Assim, fossem velhos ou moços, o método de abordagem, teve como exemplo o que foi indicado por Bosi, “formar um vínculo de amizade e laço de confiança com os recordadores” (2010, p. 37). Portanto, mesmo trabalhando com a memória, que por ser sempre viva e se revelar, como demonstrou Bernardo (2007) em uma opção metodológica plena de subjetividade, mas também, passível de plena objetividade cientifica, tivemos ainda que recorrer as entrevistas, como também, considerar a importância daquilo que já foi pesquisado e registrado dentro da história de Itapetinga.

23 Os dados de cada um dos entrevistados, as datas e o tempo de cada entrevista, encontram-se nas referências das fontes orais desta tese. 24 O registro civil das pessoas nascidas na região (povoados e fazendas) entre as décadas de 20, 30 e 40 pertenciam respectivamente, as cidades de Vitória da Conquista e de Itambé. 28

Para tal, tomamos como exemplo a proposta de Chizzotti (1991) quando evidenciou que, em uma pesquisa, é de singular importância haver o registro daquilo que já foi escrito e documentado. Este é um valor respeitado institucionalmente, por isso, não abriremos mão de trazer todas as informações das fontes documentais e históricas. Claro que ao reconhecer a importância das pesquisas já efetuadas não estamos tirando o valor sobre a oralidade, muito menos pretendemos conferir ou confrontar a validade dos discursos que foram produzidos por nossos recordadores e entrevistados. Esclarecido este ponto, descreveremos qual foi a nossa metodologia e, em seguida, como ocorreu o desenvolvimento da técnica com as fontes orais e as fontes documentais utilizadas no campo empírico desta pesquisa. O nosso estudo recaiu na investigação qualitativa, cuja própria natureza por abrigar, segundo Chizzotti (1991, p.77-81), diversas correntes de pensamento, permite observar os “fenômenos sociais, culturais e históricos” fora das dualidades, especialmente, aquelas que separam as objetividades científicas das subjetividades humanas. Sendo assim, torna-se necessário compreender que a busca investigativa não deve visar uma homogeneidade, mas sim, a diferenciação e a especificidade que geralmente é encontrada dentro de cada particularidade social. No entanto, ainda cabe considerar, o que o próprio Chizzotti (2006) chama a tenção ao afirmar que alguns historiadores preferem classificar esse tipo de pesquisa como fontes orais da história, diferenciando-as das pesquisas documentais, isto por temer cair muitas vezes em uma descrição voltada mais para a subjetividade dos indivíduos do que para o fato em si25. Sobre esse fato, Seixas (2002) esclarece, que ainda existe entre certos historiadores concepções preconceituosas, sobretudo, quando delegam uma fragilidade teórica aos estudos que utilizam como meio de investigação a memória. Ou seja, esses historiadores não levam em conta que tem se multiplicado “as obras que tratam de narrar o que se passou efetivamente, ou de revisitar fatos históricos excepcionais, esquecidos ou recalcados, a partir de relatos e testemunhos de experiências vividas, de biografias e autobiografias individuais ou coletivas” (SEIXAS, 2002, p.44). De tal modo, acordando plenamente com Chizzotti (1991) sobre a importância que deve ser atribuída à pesquisa qualitativa, mas, para irromper com a subjetividade que,

25 A advertência de Chizzotti ( 2006, p.106-107) nasce de suas leituras em Pierre Nora, para quem a memória não significa a descrição de um acontecimento, mas, o que a subjetividade do relato pode revelar sobre as causas e efeitos dentro dos contextos sociais, bem como, da reflexão trazida através da preposição de Cardoso & Brignoli (2002) que veem a coleta de um testemunho como um “dos diferentes tipos de instrumentos metodológicos, que permite alcançar informações não registradas ou inacessíveis”. Os dados deste trabalho se encontram nas referências desta Tese. 29

eventualmente possa envolver a pesquisa através da memória, tomamos como exemplo aquilo que foi revelado por Bosi (2010) e Bernardo (2007) quando, em seus estudos, mostraram que a memória pode e deve ser tomada como uma metodologia, pois, também conduz a uma objetividade científica. Ao fazer a opção pelo estudo da memória o interesse são situações vividas, que “embora possam parecer insignificantes à primeira vista, após análise poderão se mostrar plenos de significados. Na realidade, o estudo da memória se revela como recurso metodológico por excelência” (BERNARDO, 2007, p. 29). Ainda se pode afirmar que: Esse recurso metodológico permite, talvez melhor do que qualquer outro, não apenas lidar com a dimensão subjetiva do vivido, como também com as teias de significação que urdem a vida do sujeito, o recurso memória pode possibilitar muito mais, à medida que permite descortinar situações conflitivas, discriminações, jogo de poder entre pessoas e grupos sociais, processos como o de construção de identidades, uma vez que, memória e identidade se encontram imbricadas (BERNARDO, 2007, p. 30-31). Isto significa que, ao conhecer a voz de um grupo específico ao qual se deseja investigar, encontra-se na memória uma dimensão que dificilmente poderá ser alcançada por outro instrumento metodológico, pois, ela (a memória) tem a condição para indicar os conflitos que habitam sob as naturezas das representações coletivas. Nesta mesma linha, tomamos como referências as ideias de Bosi (2010), que no Brasil foi a pioneira dentro das ciências humanas ao utilizar as “lembranças dos velhos”, como testemunhas vivas da história, reconhecendo que a importância do estudo da memória está na autoridade desta forma metodológica como um caminho que possibilita analisar as transmissões das experiências que envolvem, tanto o registro de uma memória pessoal, como também, o registro de uma memória social, familiar e grupal. Todavia, o estudo da memória não é uma “proposta de amostragem: o intuito [está em] registrar a voz e, através dela, a vida e o pensamento de seres que já trabalharam por seus contemporâneos e por nós” (BOSI, 2010, p. 37). Nesse sentido, o que socialmente está em jogo são combinações de influências sociais que, por serem numerosas representações, jamais reproduzirão nem revelarão apenas a nossa vontade individual, pois, [...] a cada uma dessas influências, concebemos que uma outra se oponha, acreditamos que nosso ato é independente de todas essas influências, ainda que não esteja sob a dependência exclusiva de nenhuma delas. Então, nos damos conta, que na verdade ele resulta de seu conjunto, e que está sempre dominado pela lei da causalidade. Aqui, da mesma forma, como a lembrança reaparece em função de muitas séries de pensamentos coletivos emaranhadas e por que não podemos atribuí-la exclusivamente a nenhuma, 30

imaginamos que é independente delas e contrapomos sua unidade à sua multiplicidade (HALBWACHS, 2006, p. 70). Tomando como parâmetro que a memória coletiva (pensamento grupal) influencia e revela a memória pessoal (pensamento individual), pois, a consciência daquela se reflete nas palavras desta que, para efetuar o nosso estudo e não ficarmos reféns apenas de uma reconstrução histórica, buscamos pelas lembranças dos itapetinguenses. Portanto, se teoricamente foi nos olhares dos sociólogos o reconhecimento dos conceitos de poder, dominação e campo religioso, foi na realidade de Itapetinga, onde estes conceitos são reproduzidos na prática da vida cotidiana, onde houve a possibilidade de trazer as descobertas vistas com um novo olhar. Quando nada de novo pode ser dito, o velho e o conhecido adquirem outros parâmetros e paradigmas, afinal, é na observação e no ouvir as pessoas que se pode questionar e avaliar novos significados. Esse é o sentido que faz o usual parecer original, o ignorado e o escondido experimentado, que tomam conceitos empregados em outros tempos e espaços, possíveis para levantar e resolver novos problemas. Seguindo esse princípio a nossa técnica (memória) no campo empírico foi construída através de um quadro de intenções26, mas, sem delimitar uma amostragem populacional por credo religioso, corrente política, nível educacional ou posição social. No entanto, mesmo não tendo como fim buscar uma demarcação populacional, acabamos efetuando as transcrições de depoimentos que pertencem a estratos sociais diferenciados dentro da cidade. E tudo começou com a nossa participação nos encontros das igrejas (católicas e protestantes), reuniões políticas e festas populares; foi assim, aproximando e conversando com as pessoas da cidade, que recebemos as primeiras indicações, sempre alguém tinha um parente ou conhecido que era ligado à Igreja batista. Finalmente, conseguimos conversar com a senhora Terezinha Ribeiro, como já citamos anteriormente, que pertence aos membros da Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI) há quarenta anos. Foi ela que em um dia de domingo, exatamente no dia 16 de setembro de 2012, nos convidou para participar de um culto. Ali, tudo ainda era muito novo, alguns olhares foram direcionados à nossa pessoa e discretamente retiramos do local. Portanto, a fase inicial de construção da memória aconteceu com a senhora Terezinha Ribeiro (cf. cap. IV) que mais uma vez, no dia 12 de fevereiro de 2013, nos levou a Igreja e

26 O quadro nº 5 traz a construção das etapas do trabalho de campo com a Memória. Consta como o anexo nº 1 desta Tese. 31

fez as devidas apresentações ao Pastor Adelson Augusto Brandão Santa Cruz27, que na época era o pastor titular da Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI). Após conversar com o Pastor Adelson, entregamos a ele um documento28 solicitando oficialmente para que pudéssemos frequentar aos cultos, observar, analisar e estudar os documentos mais antigos da Igreja. Foi assim que durante o culto realizado no dia 27 de fevereiro de 201429 ele nos apresentou diante dos membros da Igreja, falando sobre o nosso objetivo de pesquisa. Naquele dia estava sendo realizado o estudo bíblico ou ação doutrinária como é chamado pela membresia da Igreja; o Pastor Adelson, para demonstrar o seu apoio a nossa presença e pesquisa, solicitou aos oitenta membros presentes que nos recebessem. Em suas palavras, “era muito bom ter um olhar da ciência sobre as passagens da Primeira Igreja Batista dentro da cidade de Itapetinga”. Estas palavras ficaram ecoando em nossa memória que “como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou o que ele representa como passadas” (LE GOFF, 1990, p. 423). Nesse sentido, o ato do lembrar remete a própria linguagem que traz para o presente um conjunto de informações que já estão armazenadas em nossa memória. Foi com a visão de buscar essas informações que chegamos a outros membros da PIBI que, entre um e outro no decorrer do processo, nos ofertaram fotografias, como a que está registrada na capa30 deste trabalho, feita segundo o nosso recordador Euredes Ribeiro por volta de 1954 ou 1955, que retrata os principais fazendeiros e construtores da Igreja, nas também pioneiros da urbanização de Itapetinga. Além disso, ainda recebemos cartas de acervos particulares que

27 Mesmo ultrapassando o período de nossa pesquisa, que se estende até 2013, cabe informar que o Pr. Adelson, que ficou em Itapetinga de 2010 a 2015, comunicou oficialmente à diretoria da Igreja que havia sido convidado pela Primeira Igreja Batista de Jequié (cidade do Sudoeste da Bahia) para assumir o pastorado da mesma. Após o culto, do dia 28 de maio de 2015, em reunião do Conselho Administrativo que foi convocado extraordinariamente, o Pastor Adelson, apresentou uma solicitação (chamada de carta-perdido de exoneração), na qual utilizou os critérios nos termos do Artigo 29, § 5º do Estatuto da Primeira Igreja Batista de Itapetinga, cumprindo assim, com o que chamou de “primeiros passos para a transição ministerial”. A comunidade da Igreja, através de uma assembleia aprovou a decisão do Pastor. A cópia da carta, além de ter sido registrada na ata do dia 28 de maio de 2015, ficou exposta no mural da igreja. 28 O modelo do documento/solicitação consta como anexo nº 2 desta Tese. 29 Somente voltamos ao campo empírico em 2014, após ter concluído em São Paulo, no decorrer de 2013, as disciplinas teóricas. 30 Em nenhuma fotografia (antiga) que será apresentada ao longo dos capítulos de nosso estudo, constava os dados ou os nomes dos fotógrafos, mas alguns dos nossos paisagistas afirmaram que até a década de 50 do século XX, somente havia existido um em Itapetinga, ele chegou em 1926 ao lugar, junto com o Fazendeiro Mariano Campos e era chamado por Cândido (Bocão). Como ninguém sabia informar o seu nome completo ou se ele ainda tinha descendente na cidade, procuramos nos registros de óbito, mas nada encontramos referente a “Bocão”, o que nos impediu de trazer os seus dados. 32

por si só já contavam muito da história da Igreja dentro da cidade. Já conhecendo mais de perto os batistas dentro da história de Itapetinga, começamos a trajetória da construção das memórias das suas primeiras gerações (cf. cap. IV). Com o decorrer da pesquisa, percebemos a necessidade de expandir as nossas recordações para os universos religiosos que tivessem sido originados pela PIBI, ou que fosse totalmente adverso aos seus dogmas. Foi assim que chegamos aos moradores que eram de outras denominações batistas, aos católicos, aos pastores, ou aquelas pessoas que de alguma forma fossem envolvidas com as crenças de origem africanas31. Chegar a cada um desses recordadores e coletar cada memória seguiu um único critério: foi um trabalho ombro a ombro32. Dentro desse processo, nossos recordadores começaram a indicar a necessidade de procurarmos o Pastor Samuel Oliveira Santos que em 16 de junho de 2007 havia completado 50 anos de ministério na Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI). Naquele ano de 2007 e nos seguintes, após a sua aposentadoria, Samuel foi titulado como o Pastor Emérito da PIBI. De antemão, desde a época do mestrado já havíamos tomado o conhecimento da existência do Pastor Samuel como uma importante presença carismática dentro da construção histórica não só da Igreja Batista, mas, também da própria urbanização de Itapetinga. Quinze dias depois de termos sido oficialmente apresentados aos membros da PIBI, exatamente no dia 13 de março de 2014, quando as chuvas anunciavam um outono vindouro e as andorinhas começavam a se afastar da cidade, que no fim da tarde, envolto em um certo mistério, mais uma vez cruzamos a Praça Augusto de Carvalho e antes de adentrar ao Templo Batista, olhamos e refletimos como aquele encontro (praça e Igreja) já havia presenciado da história da cidade. Foi neste dia, que encontramos pela primeira vez com o Pastor Samuel O. Santos, o que causou certo temor, pois representava estar diante da história viva da cidade de Itapetinga. No decorrer do culto, procuramos com o olhar o Pastor Samuel; sentado adiante três fileiras estava ele, levantando, cantando gesticulando com as mãos, clamando e orando. Estava ali bem à nossa frente, em total e absoluta integração com o movimento das orações. Enquanto o coral da Igreja cantava uma composição que falava do amor de Cristo, tivemos

31 Tanto os pastores quanto os primeiros fazendeiros e os herdeiros das religiões de origem africana aqui estão condicionados à categoria da memória dos estabilizados. 32 Ver: BOSI, Ecléa. “Introdução” In Memória e Sociedade. Lembranças de Velhos. São Paulo, 16ª Edição. CIA das Letras, 2010, p. 37-39. 33

a sensação que o Pastor Samuel havia se emocionado ou a emoção era nossa por, finalmente, poder conversar com ele. Enquanto o observava, pensava o quanto seria vital para a nossa pesquisa conhecer de perto aquela memória. Ao final do culto, um dos membros da Igreja fez as apresentações. O Pastor Samuel O. Santos era um homem com expressão decidida, de estatura mediana, quando falava se transformava em um gigante, palavras austeras, mas, incrivelmente esclarecedoras. Foi assim que, aos poucos, ele foi arguindo sobre a nossa pesquisa, “qual era o objetivo, qual era o interesse, qual era a finalidade e etc.”. Falamos naquele dia sobre a pesquisa; ali, naquele instante, passava por uma banca examinadora constituída de um único homem, mas, com a sapiência de mil. A partir de então, ficou acertado que começaríamos a fazer a composição de suas memórias. Foi rememorando essa passagem, com o coração disparado e um nó na garganta, que duas semanas depois, exatamente no dia 28 de março de 2014, nos dirigimos pela primeira vez a casa do Pastor Samuel O. Santos e principiamos o desvelar de sua memória. Assim, a memória do Pastor Samuel, junto a outras memórias de membros da Primeira Igreja Batista, acrescentando ainda, as memórias de alguns moradores antigos da cidade, foram trazidas com um objetivo: formar uma rede de conexões, cujo eixo se desdobrou em os “os paisagistas da história”. A noção de paisagem voltada para as pessoas, encontra em Bernardo (2007, p.31), o reconhecimento que “foram os velhos os primeiros paisagistas”, que sob o nosso olhar, conheceram em Itapetinga, as suas ruas, as suas casas, os seus rios, as suas estradas, os seus bairros e as suas igrejas. Foram eles, os primeiros a rir, chorar, lastimar, enfim, os primeiros a viver os dissabores, mas também, as alegrias que se constituíram na história da cidade. Portanto, como diz Bosi (2010, p. 36) “a memória dos velhos”, esse foi o caminho que encontramos, para conhecer as particularidades de uma época, que não foi encontrado em nenhuma das lembranças dos mais jovens. Por esses motivos essa é a nossa “memória de quem viveu a história” e pode nos apresentar a tradição, o passado e o vivido. Distinções essas, direcionadas para o conhecimento do início da história da Igreja Batista na cidade, ou melhor, como disse a Senhora Terezinha Ribeiro, o início do processo no qual, foi possível a cidade se formar em torno da Primeira Igreja Batista, fazendo desta, a paisagem central da cidade (cf. cap. IV). No entanto, existe o reconhecimento, que as lembranças revelam informações sobre o tempo e o espaço, que não ficam presas apenas no passado, por essa razão fomos buscar pelas “lembranças das gerações nascidas em Itapetinga”, ou as nossas memórias 34

intergeracionais, afinal, foram eles que receberam as heranças das gerações passadas e por isso, são legitimados a falar se houve ou não o efeito da crença de origem batista em suas condutas. Como vieram de outras regiões, mas assumiram a condução dos trabalhos ministeriais dentro da cidade, que em suas linguagens aparecem como: “o chamado do Senhor” ou “fazer a obra do Senhor”, também acreditamos que deveríamos buscar conhecer as tradições religiosas dentro da cidade através das vivencias dos representantes institucionais, assim fomos procurar pelas “lembranças dos pastores”. Foi a partir da construção dessas memórias que despontou a necessidade de conhecer a dominação manifestada por agentes sociais, que ocupando posições desiguais, entram em disputa dentro da realidade social. Isto significa, que, mesmo entre os protestantes batistas, por mais que por eles fosse negado, havia uma disputa em torno do domínio do espaço religioso da cidade de Itapetinga. Como também, foi a partir da construção dessas memórias, que nos levou a buscar por aqueles que eram considerados como o “estranho” dentro do universo religioso cristão Itapetiguense, assim, fomos buscar pelas memórias das pessoas que tivessem envolvimento com as religiões de origem africanas, por essa razão, chamamos a estes e aqueles (pastores) de “memórias dos estabilizados”, como anteriormente já foi esclarecido. Dessa maneira, mesmo que não tenha sido intencional, existe no quadro que forma os nossos recordadores, políticos, professores, donas de casa, artistas, fazendeiros, empresários, jornalistas, letrados ou com pouca escolarização, enfim, como mostrou Bernardo (2007), “são nas diversas vozes” que se encontram uma visão mais ampla sobre a memória religiosa que existe dentro da cidade. Portanto, se tomamos como critério trazer a memória dentro dessas representações singulares, foi para chegar naquilo em que acreditamos: promover o encontro da memória com a história que existe dentro do campo religioso de Itapetinga33. Ao transmitir essas lembranças, também vem a nossa memória um trecho visto em “Memória e Sociedade”: Quero expor o que pensa Walter Benjamin sobre a arte de narrar. Sempre houve dois tipos de narrador: o que vem de fora e narra suas viagens, e o que ficou e conhece as suas terras, seus conterrâneos, cujo passado o habita. O narrador vence distâncias no espaço e volta para contar suas

33 Chegar a alguns desses recordadores, somente foi possível pelo nosso trabalho que é realizado dentro da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, pois ali recebemos a indicação de muitos nomes que poderiam contribuir para a nossa investigação. 35

aventuras (acredito que é por isso que viajamos) num cantinho do mundo onde suas peripécias têm significação (BOSI, 2010, p. 84). Então, que seja tomado o caráter de uma viagem quando se trata de compreender que a memória é um conhecimento do passado e das aventuras vividas, por isso mesmo, reveladora do tempo presente do narrador. É neste sentido que cabe, por excelência, o título de “Mestre do oficio” e como tal, “não pode se perder no deserto dos tempos uma só gota da água” (BOSI, 2010, p. 91). Foi seguindo esse critério que reproduzimos no Capítulo IV as memórias que registramos, elas foram transcritas sem “quase” nenhuma modificação, pois, nelas estão presentes não só as lembranças sobre a história de Itapetinga, mas, também, são reveladoras das histórias que muitas vezes são silenciadas, como pode ser observado nos trechos abaixo: Há coisas que queria ‘esquecer’, mas, sou obrigado a lembrar e quando faço isso, eu faço de ‘forma dolorosa’, porque não posso mudar [...] ‘saudades’ da teologia da libertação (Moisés). Já vim ao mundo em uma família cristã batista e fui criado dentro dos ‘nossos’ princípios (Pastor Samuel). O meu marido é Batista de berço, [...] quando falei de berço referir a tradição da sua família. Eles já nasceram e foram ‘educados na lei de Deus’, já tinha um ‘modelo ideal’ de educação religiosa (Dona Terezinha).

Sim, as memórias podem ser reveladoras das relações, ou das tensões /forças que ocorrem na realidade social, pois, nelas se descobrem a legitimação de um espirito colonizado sequer pelo sujeito percebido, pois, como mostrou Bourdieu (2007b, p.133), não podemos “ignorar as lutas simbólicas desenvolvidas nos diferentes campos e nas quais está em jogo a própria representação do mundo social”; que muitas vezes, ao ser absorvida criam as distâncias ou as aproximações na vivência prática. Ainda cabe informar, que somente publicou-se das memórias recolhidas aquilo que foi permitido pelos narradores. Assim, além de solicitar, a priori, (durante as gravações), o consentimento oral, pedimos aos recordadores um documento34, com a devida autorização para a publicação das suas lembranças. Como o objetivo da pesquisa era claramente explicitado, foi dado a eles a opção de escolher se queriam ou não, através da disposição do texto, a total autoria sobre o registro de suas lembranças. Ficou decidido expor os verdadeiros nomes dos narradores, para tal, houve a autorização por escrito35, afinal, foram eles que construíram a história da cidade, sendo justo preservar as suas identidades. O mesmo critério foi utilizado em relação aos entrevistados.

34 O modelo do documento/declaração consta como anexo nº 3 desta Tese. 35 Ver Documento Anexo nº 3 desta tese. 36

Esclarecido esse aspecto, apresentamos a relação dos documentos que foram consultados e/ou utilizados, foram eles: a) leis do Poder Executivo de Itapetinga; b) ofícios do Poder Legislativo Municipal, Estadual e Federal; c) publicações do Jornal Dimensão de Itapetinga; d) publicações encontradas em O Jornal Batista (OJB) da Convenção Batista Brasileira (CBB); e) Atas e o Estatuto da Primeira Igreja Batista de Itapetinga36; f) a Ata nº 1 da Igreja Batista de Itororó; g) fotografias de acervos públicos e particulares37; h) cartas de acervo particular38; i) publicações originadas de discursos e audiências públicas; j) documentos do acervo do Museu de Arte e Ciências de Itapetinga – MACI; k) Código de Direito Canônico; l) Confissão de Fé Batista de 1689 e de 1833; m) Livros de histórias da cidade de Itapetinga; n) cartas avulsas dos jesuítas; n) teses, dissertações e pesquisas abordando a temática; o) dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); e, p) Documentos Batistas da CBB (2009; 2010, 2011), a saber: Exame e Consagração ao Ministério Diaconal; Exame e Consagração ao Ministério Pastoral; Culto e Adoração; Organização de Igrejas; Pacto e Comunhão; Declaração Doutrinária; e, a Filosofia da Igreja Batista. Muitas das leituras documentais foram realizadas em seus respectivos locais de arquivamento, com o destaque para a PIBI e o MACI. Alguns destes documentos eram antigos; muitos jornais, periódicos e atas faltavam algumas partes, o que era exigido, procurar por outros dados para complementar o que estava sendo anotado. Para o manuseio dos documentos foram adotados alguns requisitos como o uso de máscaras e luvas; como não foi possível retirar do local os documentos, alguns deles, com a devida autorização, tiveram partes fotografadas. Dessa maneira, dois procedimentos foram utilizados para compor os sujeitos da pesquisa, que foram baseados em três fontes investigativas, a saber: os registros na íntegra das memórias (cf. cap. IV), as entrevistas para compor o quadro de biografias e as análises

36 As fotografias que tiramos das Atas de fundação e da construção da PIBI se encontram como anexo nº 4 desta Tese. 37 Na introdução de “Imagem e Memória”, Koury (2001, p.9) discute sobre a utilização da fotografia que pouco a pouco chega a Ciência Social, não para tornar pesquisadores em excelentes fotógrafos, mas, para servir de instrumento ou objeto, isto requer “um rigor conceitual daquilo que se pesquisa, a mensagem cultural transmitida ou remontada em outra linguagem que não a puramente escrita ajuda a sintetizar ampliando os horizontes de compreensão da pesquisa”. Os dados constam nas referências desta Tese. 38 Paiva (2006, p. 27) ao propor uma análise sobre as cartas trocadas entre a poetisa Henriqueta Lisboa e Carlos Drummond de Andrade, e das missivas escritas a ela por Mário de Andrade e Cecília Meireles, diz que a carta é comunicação, interação social, memória e arquivamento do eu, portanto, serve para "conhecer e ser conhecido; para se informar, expressar opiniões e sentimentos, narrar acontecimentos; para alívio próprio, para ser lido por um ou por muitos. Escreve-se, antes de tudo, para conhecer a si mesmo"(PAIVA 2006, p.27). ”. Os dados constam nas referências desta Tese. 37

documentais, estatísticas e históricas, isto porque como nos disse Voldman (2002, p. 247), “a confrontação [...] de fontes permite direcionar a reflexão para o problema do tempo, tão essencial [na construção da história social] de uma cidade”. Tal distinção pode parecer demonstrar um maior rigor da fonte documental e uma fragilidade dos relatos ou fontes orais. De fato, é necessário considerar a particularidade da fonte oral, porém, conforme alerta Voldman (2002, p. 247), quando o testemunho tem o status de fonte, não se reduz mais à condição do “objeto do conhecimento”. Lógico que para Voldman (2002, p. 245-247) esse objeto somente tem validade se for considerado o “conjunto de questões relativas ao que perguntar”, à condução da entrevista, “se o entrevistado deve ou não ser contestado”, aquilo que pode ou não estar explícito do objetivo da pesquisa e o que pretende fazer “com o material que foi coletado”; são essas escolhas que certamente determinarão a pesquisa que tem por recurso uma fonte oral. Enfim, como sublinha Danièle Voldman (2002, p. 265), a história esboça-se “na própria memória daquele que lembra”, principalmente, se for tomado o fato de que aquilo que é contado dentro de um testemunho está permeado de subjetividade tão presente em atos e emoções. Tais ponderações nos conduziram à observação participante, que foi constante, exigindo a nossa presença nos movimentos públicos da cidade, fossem eles encontros religiosos, festas de rua ou atos políticos, como também, em cultos e assembleias que ocorreram de 2013 a 2015 na Primeira Igreja Batista de Itapetinga. Isso porque foi analisado que quando somos sujeitos-observadores não podemos, em momento nenhum, esquecer que o conhecimento impõe interpretar os fenômenos e ao mesmo tempo atribuir-lhes significados. Afinal, uma pesquisa é sempre um compromisso “e ela será tanto mais válida se observador não fizer excussões saturarias na situação do observado, mas, participar de sua vida” (BOSI, 2010, p. 38). De fato, até que ponto o observador participante terá condição de retomar à sua antiga visão de mundo e se manter totalmente longe do objeto investigado, garantido alguma, (já que a total é impossível) neutralidade axiológica39, se as suas lembranças, também, já estarão impregnadas dos valores do mundo observado e das teorias pesquisadas? Da mesma forma, quantos homens e mulheres tem a coragem, ou melhor, a percepção em confessar que em

39 Ver: WEBER, Max: o sentido da ‘neutralidade axiológica’ nas ciências sociais e econômicas, In, Metodologia das ciências sociais (parte 2), Tradução de Augustin Wernet. Introdução a versão brasileira de Mauricio Tragtenberg. São Paulo, Cortez, Campinas, Editora Unicamp, 1973, p. 361 – 398. 38

suas lembranças pouco ou nada foi acrescentado de seu? Como poderemos saber que, na maioria das vezes, nada acrescentamos de nosso às próprias lembranças? Halbwachs (2006), afirma que nisto não há nada de misterioso, pois, as lembranças são incorporadas inconscientemente a partir das ações coletivas. Mas, quando se trata de pesquisar a realidade social, o observador participante deve, a priori, refletir sobre essas questões, levando em consideração que “não basta a simpatia (sentimento fácil) pelo objeto da pesquisa, é preciso que nasça uma compreensão sedimentada no trabalho comum, na convivência, na condição de vida” (BOSI, 2010, p. 38). E foi partindo desse ponto de vista que a nossa observação no conduziu a registrar dentro da história coletiva de Itapetinga quatro momentos, que ao nosso olhar foram ímpares, são eles: a Marcha Itapetinga para Cristo; o festival Jesus Vida Verão; a Inauguração do Busto de Augusto de Carvalho, realizado na Praça, que tem o mesmo nome (afixado em frente a PIBI); e uma sessão especial, realizada pela Câmara Municipal de Itapetinga, para celebrar os setenta e cinco (75) anos, ou jubileu de diamante, da Primeira Igreja Batista na cidade. Cabe, ainda, dentro desse percurso metodológico, descrever a nossa técnica investigativa com a memória. Em primeiro lugar, chamamos a atenção para que seja observado, nos registros das memórias (cf. cap. IV) que existem em algumas sequências, as nossas interlocuções. Para definir tal participação, colocamos a nossa voz entre colchetes, com pontuação interna, quando estava se tratando de alguma questão levantada e, em seguida, fizemos a separação por um espaço. Esse critério foi utilizado para ficar claro e distinto para o leitor quando era a nossa voz e não a do recordador. Em segundo lugar, cabe informar, que as atas, os decretos, as leis, as cartas e os jornais averiguados eram antigos, (como por exemplo: os dados que foram retirados em “O 'Jornal Batista"). Assim, chamamos a atenção também, para a linguagem da época, que preferencialmente foi mantida, como o fato de que muitas localidades do interior da Bahia, apresentavam no período, nomes diferentes dos atuais, estando estes colocados entre parênteses ao lado dos antigos. Além disso, também, existem algumas intervenções que foram elaboradas nas citações de autores e teóricos, cuja interlocução segue a regra dos colchetes, mas, tem a nossa participação incorporada ao próprio texto. Esclarecidos esses aspectos, informamos que as memórias encontradas no quarto capítulo desta tese foram recolhidas em duas diferentes situações, ou seja, os “primeiros paisagistas”, as “lembranças dos itapetinguenses” e as “lembranças dos pastores” foi um registro conquistado arduamente por essa pesquisadora, 39

pois, quanto se perdeu quando era desligado o gravador e surgiam outros e outros fatos, alguns confidenciais, outros em meio a lágrimas ou sorrisos, alguns corriqueiros, isto nos fez entender o sentimento de Bosi quando falou que “a memória é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento. [...] e ainda mais, lembrança puxa lembrança e seria preciso um escutador infinito” (BOSI, 2010, p. 39). No entanto, para evitar qualquer lacuna, após as a etapa já relacionada, ainda trazemos uma segunda etapa, que foi produzida através das “memórias Públicas”, nascidas de atos políticos, ou recolhidas via homenagens, cartas ou vídeos, que estão repletas dos detalhes do passado e do presente da história religiosa da cidade. Isto porque consideramos que somente seria possível uma mostra do campo religioso de Itapetinga se a amostra para a pesquisa pudesse garantir as representações pessoais, mas também, aquelas originadas no coletivo. Dessa maneira, os resultados da investigação foram apreciados através da pesquisa qualitativa à luz da revisão da literatura, tendo como suporte para interpretação as fontes orais e escritas. Após essa justificativa apresentaremos como foi estruturada essa pesquisa.

3 Estrutura da Pesquisa

A “Introdução”, na qual foi possível discutir sobre o objeto de estudo pretendido, a problemática, os referenciais, o caminho (metodologia) percorrido e os instrumentos de coleta de dados (orais, escritos e de imagens) que foram utilizados, delineia-se agora a composição da pesquisa da seguinte maneira: O Capítulo I revela “ os discursos autorizados”, onde busca através de um diálogo com Weber e com Bourdieu, bem como com seus respectivos interlocutores, encontrar a sustentação para os conceitos de dominação, poder e campo religioso, marco concernente ao nosso objeto de investigação. Na sequência, o Capítulo II apresenta “o lugar e o tempo da Igreja Batista de Itapetinga”, onde traz a priori, uma discussão sobre a origem do movimento batista, que acabou por se constituir nas três correntes sobre a herança da sua identificação como povo cristão. Após, essa visão geral, faz a exposição sobre a história dos batistas no Brasil e através de documentos, abarca o contexto temporal e espacial, no qual foi possível seguir a trilha dos batistas até a cidade de Itapetinga. O Capítulo III expõe “A Formação Histórica e Social da Cidade de Itapetinga”, percurso onde foi possível discutir a sua pré-história, sua história, sua composição urbana, 40

seu desenvolvimento político e social, abrindo a possibilidade para compreender como vivia essa população e porque, ali naquele espaço, foi possível a formação do seu campo religioso de origem batista. O Capítulo IV traz “O Campo Religioso sob os Olhares dos Moradores de Itapetinga”, assim, aventuramos pela história viva contidas nas memórias da cidade. Nestas recordações se encontram dois aspectos: o contexto acerca da constituição da Primeira Igreja Batista de Itapetinga e as revelações daquilo que ocorreu para a formação do campo religioso na cidade, portanto, esse capítulo resolve as lacunas que anteriormente foram deixadas. O Capítulo V manifesta “a posse da terra e o poder religioso” no qual é revelado um “funil”, pois, começamos pelas reflexões acerca do campo religioso da cidade de Itapetinga, no qual, traremos os sujeitos pessoais e institucionais para demonstrar como foi a configuração do local, antes e após ser concebida a sistematização da sua formação religiosa. Assim, ao trazer os históricos sobre a constituição da Primeira Igreja Batista de Itapetinga, mostra-se os resultados obtidos. Embora esse seja um trabalho que procure oferecer, não exaustivamente, alguma contribuição aos moradores de Itapetinga sobre uma faceta de sua realidade histórica e social, consideramos ser impossível concluir nesta investigação as questões que foram surgindo no decorrer da nossa investigação. Portanto, "como é inconcluso” apresentamos as nossas considerações e descobertas, pontuando as representações religiosas, que estiveram presentes na origem e na estabilização da Primeira Igreja Batista dentro da cidade de Itapetinga.

41

CAPÍTULO I OS DISCURSOS AUTORIZADOS

O estudo sobre a religião se constitui em uma perspectiva instigante e desafiadora, logo, rica em possibilidades, isto trazendo para o caso particular de Itapetinga, analisando que, atualmente, os seus moradores pertencem a uma pluralidade de denominações religiosas (cf. cap. IV), fica visível que o espaço religioso se fragmentou e, consequentemente, as lembranças dos seus moradores também podem ter sofrido o mesmo processo. Muito embora compreendamos as fragmentações das denominações religiosas e de tantas outras organizações sociais existentes no mundo moderno, resta saber, como questiona Hervieu- Léger (2008, p. 22), se é possível reconhecer “a pluralidade e a singularidade dos arranjos do crer na Modernidade sem abrir mão, todavia, de tornar inteligível o fato religioso como tal? Chegar a uma reposta implica em reconhecer que qualquer que seja a crença, ela pode ser objeto de uma formulação religiosa40, desde que encontre sua legitimidade na invocação, à autoridade da tradição e os sentidos das conexões que foram estabelecidas no cenário religioso. Com isso, ao buscar investigar a formação do campo religioso de Itapetinga, tendo como alvo central a Primeira Igreja Batista, partimos do ponto de vista de que “só o poder dos movimentos religiosos, não somente ele, mas ele em primeiro lugar - criou as diferenças que sentimos hoje” (WEBER, 2013, p. 80) na cidade. Portanto, a religião está no cerne de qualquer processo cultural que é desenvolvido dentro de um centro urbano. Nesse aspecto, não podemos discordar de Weber quando alerta que, [...] não é da essência da religião que nos ocuparemos, e sim das condições e efeitos de determinado tipo de ação comunitária, cuja compreensão será alcançada a partir das vivências, representações e fins subjetivos dos indivíduos [...] A ação religiosa ou magicamente motivada, em sua existência primordial, está orientada para este mundo. As ações religiosa ou magicamente exigidas devem ser realizadas “para que vás muito bem e vivas muitos e muitos anos sobre a face da Terra (2012, p. 279). Mesmo que Weber revela não lançar mão de qualquer conceito de religião a priori, dado o seu caráter extremamente multiforme, mas, tal pronunciamento já traz o cerne daquilo

40 “O principal problema, para uma sociologia da modernidade religiosa, é, portanto, tentar compreender conjuntamente o movimento pela qual, a modernidade continua a minar a credibilidade de todos os sistemas religiosos e o movimento pelo qual, ao mesmo tempo, ela faz surgirem novas formas de crenças” (HERVIEU- LÉGER, 2008, p. 41)

42

que aqui estamos adotando, pois, é exatamente o que compete a esta pesquisa, buscar os efeitos das ações sociais dos batistas, tanto no setor religioso, econômico, quanto político de Itapetinga. Isto porque estamos tomando dois dados, que se repetiram em quase todas as memórias (cf. cap., IV), a saber: o primeiro deles, está relacionado às narrativas de que “havia uma unidade entre católicos e os batistas”; e o segundo, apresenta como se a ideia da “igreja batista fosse totalmente separada das questões políticas e econômicas” que permearam a história da cidade. Justifica-se, assim, porque neste capítulo a ideia é expor os pensamentos daqueles que já foram autorizados, dentro das ciências sociais, a nos mostrar uma passagem para estudar as ideias e as práticas religiosas que possam ser encontradas em qualquer realidade social. A partir dessa compreensão, buscamos Weber (2012, 2013) para entender os sentidos de “poder e dominação”, devido a relevância dessa discussão sobre o fenômeno observado pela presente pesquisa. De uma maneira mais geral, o seu estudo destacando a inter-relação entre reforma protestante e o desenvolvimento do capitalismo, explica algumas características percebidas no campo empírico desta pesquisa. Além disso, recorremos a Bourdieu (2007c) para entender o campo religioso, haja vista que há, em torno desse quadro conceitual, uma relação de interdependência entre religião, sistemas simbólicos, condições econômicas, políticas e sociais, além de tratar do próprio poder existente entre as relações das autoridades religiosas constituídas e os leigos em uma ótica dominador-dominado. A partir dessa concepção de Weber e Bourdieu, buscamos suas contribuições e a aproximação de campo religiosos e poder, para buscar apreender a realidade de Itapetinga. Explicado os nossos motivos, faremos uma pequena excursão sobre o olhar de Weber para, para em seguida, trazer a discussão sobre o campo religioso em Bourdieu (2007c).

1.1 O Olhar de Weber

A ciência que é voltada para o humano em Weber, inquestionavelmente, aparece bem distinta daquela que se encontra sob os olhares dos defensores das ciências naturais41, como ele mesmo disse: A ciência social que nós pretendemos praticar é uma ciência da realidade. Procuramos compreender a realidade da vida que nos rodeia e na qual nos encontramos situados naquilo que tem de específico, conexões e

41 Nesse sentido, se encontra um dos princípios que o distancia de Durkheim – para quem a ciência social deveria seguir uma metodologia igual a das ciências naturais. 43

significação cultural das suas diversas manifestações na sua configuração atual e, por outro, as causas pelas quais se desenvolveu historicamente assim e não de outro modo (WEBER,1986, p. 88). Cabe, de tal modo, desenvolver uma metodologia própria, haja vista que a postura epistemológica das ciências humanas sob a ótica de Weber é a compreensão42 dos fenômenos sociais explicados43 a partir das próprias atitudes e sentidos44 que os homens conferem às suas ações. Aceitando esse critério, cujo argumento se encontra em “a objetividade nas ciências sociais”, recorremos a Tragtenberg (1977), quando demonstra que entender o método compreensivo requer, antes, a observação sobre a noção weberiana da ação social, tanto na análise das organizações sociais como, por exemplo, o mercado, a associação ou uma instituição religiosa, como também, aquelas que são relacionadas aos valores, como foi o caso da ética protestante dentro do espírito do capitalismo. Nesse aspecto, cabe relembrar que qualquer pesquisa sobre o conhecimento científico será sempre como fragmentos particulares que, por ser uma construção teórico- abstrata, terá como código um determinado ponto de vista que serve apenas como um espelho, no qual se reflete uma específica realidade e, com isso, o olhar de um determinado pesquisador. O valor, ao ser tomado como o ponto de partida, ainda está no terreno extra científico, motivo este que todo valor deve ser criteriosamente analisado, pois, a sua escolha requer compreender que a subjetividade somente se concretizará e chegará a uma

42 Sobre a “compreensão”, grosso modo, pode ser: “a) racional (lógica ou matemática) -; b) de caráter empaticamente revivente (emocional, receptivo-artística) que, no domínio da ação, é racionalmente evidente, sobretudo, através da conexão significativa. Com não idêntica evidência, mas suficiente para a nossa necessidade de explicação, compreendemos também os “erros” (inclusive “confusões de problemas”) em que nós próprios podemos incorrer ou, de cuja origem, poderíamos ter uma vivência empática [...] muitos “fins” e “valores” últimos, pelos quais se pode orientar, quanto à experiência, apenas pode compreender em certas circunstâncias, assim, aceitar esses fins ou valores apenas como dados e tornar para nós compreensível o decurso da ação por eles motivada a partir da melhor interpretação [...] Compreensão pode querer dizer: 1 a compreensão atual do sentido intentado de uma ação (inclusive de uma manifestação); [...] 2 Compreensão explicativa, quanto à motivação, que sentido a tal associa quem expressou ou escreveu a proposição; [...] ou seja, [tal] proposição obtém uma conexão de sentido a nós inteligível (compreensão racional da motivação)” (WEBER, 2012, p.6-7). 43 - Em Weber “Explicar” significa, pois, para uma ciência que ocupa do sentido do agir, tanto como: apreensão do contexto significativo em que se inscreve, segundo o seu sentido subjetivamente intentado, uma ação já atualmente compreendida. Em todos estes casos, também nos processos afetivos, queremos designar o sentido subjetivo do acontecer, inclusive do contexto significativo, como o sentido “intentado” (indo, pois, além do uso linguístico habitual que costuma falar de “intentar”, nesta acepção, só no agir racional e intencionalmente referido a fins) ” (2012, p. XX) 44 Por “Sentido” é aqui ou a) o sentido subjetivamente intentado de modo efetivo a) por um agente, num caso historicamente dado, ou b) por agentes, como média e de um modo aproximado numa determinada massa de casos, ou b) num tipo puro construído conceptualmente pelo agente ou pelos agentes pensados como tipo. Nunca se trata de qualquer sentido objetivamente “justo” ou de um sentido “verdadeiro” metafisicamente fundado. Aqui radica a diferença entre as ciências empíricas da ação, a Sociologia e a História, em face de todas as ciências dogmáticas – Jurisprudência, Lógica, Ética e Estética – que pretendem investigar nos seus objetos o sentido “justo” e “válido” (WEBER, 2012, p. 04). 44

objetividade se for tomada como condição, a relação causal para a explicação, ou seja, o que o valor provocou dentro das condutas humanas, “a causalidade para Weber constitui um meio de se controlar a subjetividade da premissa de um valor” (TRAGTENBERG, 1977, p. 113). Com essa observação, ainda sobre a objetividade, em segundo lugar, podemos dizer que a explicação causal45 de Weber [...] sai do âmbito positivista na medida em que se transforma em explicação condicional. A Ciência Social pode estudar os fatores condicionantes dos fenômenos, mas não determinar relações necessárias. A possibilidade objetiva que transita da causação adequada à acidental é a categoria que preside a explicação na Ciência Social, porque a direção da explicação depende das premissas valorativas que orientam a pesquisa, traduzidas em hipóteses explicativas tal, como orientam-na na individualização de relações determinadas de condicionamento (TRAGTENBERG, 1977, p.113). Sendo assim, em Weber (2012), a sociologia46 como uma ciência, ao compreender ou interpretar a ação social47, fundamentalmente, está voltada para perceber que a ação individual, para ser social, necessita do outro. Grosso modo, uma ação racional pode tanto ser orientada em relação a fins, como orientadas por valores claramente formulados e logicamente consistentes. Esta é “determinada pela crença consciente no valor ético, estético, religioso ou de qualquer outra forma como seja interpretado, próprio e absoluto de determinada conduta, sem relação alguma com o resultado, ou seja, puramente em consideração desse valor” (WEBER, 2012, p. 15), aquela é “determinada por expectativas no comportamento tanto de objetos do mundo exterior como de outros homens, e utilizando essas expectativas como ‘condições’ ou ‘meios’ para alcançar fins próprios e racionalmente avaliados e perseguidos” (WEBER, loc. cit.).

45 Em Weber “a explicação causal significa, a asserção de que em harmonia com uma regra de probabilidade – avaliável seja de que modo for e numericamente especificável só num raro caso ideal – a um processo determinado (interno ou externo) observado um outro processo determinado se segue (ou com ele juntamente aparece). Uma correta interpretação causal de uma ação concreta significa que o decurso externo e o motivo são conhecidos de um modo justo e, simultaneamente, compreendidos quanto ao sentido na sua conexão. Uma interpretação causal correta de ação típica (o tipo de ação compreensível) significa que o acontecer considerado típico surge com adequação de sentido (em algum grau) e se pode estabelecer como causalmente adequado (em algum grau) ” (2012, p. 8) 46 Por “Sociologia (na acepção, aqui aceite, desta palavra empregue com tão diversos significados) designará: uma ciência que visa compreender, interpretando-a, a ação social e, deste modo, explicá-la causalmente no seu decurso e nos seus efeitos” (Weber, 2012, p. 3). 47 Por “ação” entender-se-á um comportamento humano (tanto faz externo ou interno, num omitir ou permitir), sempre que o agente ou os agentes lhe associem um sentido subjetivo. Mas designar-se-á como ação “social” aquela em que o sentido intentado pelo agente ou pelos agentes está referido ao comportamento de outros e por ele se orienta no seu curso” (WEBER, 2012, p. 03). 45

A análise sobre uma ação social requer compreender que dentro da conduta social alguns quadros são regulares, isto é, certos tipos de ação possuem um sentido típico e semelhante que são repetidos pelos indivíduos, esse é um dos principais pontos para se investigar um fenômeno social. Outro princípio dentro da investigação social, segundo Tragtenberg (1977, p. 114), é manter, se possível, a “doutrina da neutralidade axiológica weberiana fundada em Kant” que, por conseguinte, aparece como a “isenção de valores (Wertfreiheit)”. Pelos argumentos utilizados por Tragtenberg (1977), mesmo que tenha sido em Kant a raiz de pensamento que forneceu a Weber a possibilidade de estudar a ética dentro de uma pesquisa cientifica, no entanto, ele não insistiu na hipótese do homem universal, já que Weber não acreditava em nenhuma estrutura de universalidade. Segundo Tragtenberg (1977), a noção de neutralidade axiológica weberiana tinha o mesmo significado em construir uma Ciência Social sem pressupostos, pois, cabia ao pesquisador conter, no processo de suas análises de dados, os julgamentos sobre os aspectos valorativos e, por conseguinte, elaborar um conhecimento que fosse objetivo. Só que a noção de neutralidade axiológica, além de provocar muita discussão em torno de si, ainda sofreu algumas críticas como a que foi efetuada pelo próprio Tragtenberg (1977) quando alertou que a escolha de uma investigação já tem nela implícito o valor e a ideologia do pesquisador. Não haveria, assim, um juízo de valor do próprio Weber ao definir aquilo que deveria ser considerado ou não, como algo a ser pesquisado cientificamente? Sobre esse aspecto, a neutralidade axiológica defendida por Weber — embora reconheça a valoração no início do processo de pesquisa —, “refere-se a valores de conteúdo, em que o individualismo emerge interligado a valores formais, liberdade, igualdade, tolerância e justiça. Sendo moralmente neutro, permite que os valores sejam transformados em valores inteiramente opostos à ditadura, à intolerância, à discriminação racial ou social” (Tragtenberg, 1977. p. 254). Mediante ao exposto, cabe a observação do próprio (Tragtenberg (loc. cit.), ao dizer que em Weber a referência a valores determina o objeto histórico, que constitui em virtude de seu significado cultural; esse significado é sempre individual. Ao estabelecer o método de interpretação da realidade social, Weber (2012) uniu compreensão e explicação emergindo, daí a decodificação do sentido da ação. Isto significa que, em Weber, o campo de estudo da sociologia deve ser definido segundo as formas sociais (dominação, legitimação do poder, protestantismo) e nunca por meio de conteúdo 46

(histórico). Essa visão nominalista de Weber, onde o mundo das ideias – ou espíritos – (que é diferente tanto em sociedades quanto em pessoas) influencia o pensamento, sentimento e a ação das pessoas e “não estrutura a necessidade de um conhecimento universal e de um sistema de valores”, em contrapartida em “nível lógico, estrutura as categorias de racionalidade48 formal e racionalidade material. (TRAGTENBERG 1977, p. 115-143). Ou seja, em Weber (2012, p. 10-14), a sociologia ao se constituir como compreensiva tem um objeto próprio de estudo: a ação humana, que por sua vez, possui características específicas, que improvavelmente pudessem ser verificadas dentro dos métodos utilizados pelas ciências da natureza. Compete assim, ao pesquisador social abarcar que o procedimento metodológico se encontra no estabelecimento de conexões: singulares, significativas, motivacionais, típicas, compreensíveis, interpretáveis e deste modo, explicar causalmente o sentido imaginado e subjetivo do sujeito da ação. Acolhendo esses critérios, podemos afirmar que, para Weber, não é a existência de uma ação qualquer que dará a ela o caráter de social como, por exemplo, não é uma ação social, o “comportamento religioso, quando nada mais é do que uma contemplação ou uma oração solitária ” (2012, p. 14). Pode-se, também, adotar como parâmetro o comportamento de uma pessoa não como uma mera imitação e nem como um mero modismo, será uma ação social se, a partir de um determinado comportamento, tanto a moda ou a imitação, criar uma relação de sentido e de causalidade no decurso de seus efeitos sobre as condutas humanas. Neste aspecto existem, para Weber (loc. cit., p 17-20), quatro tipos de ações constituídas como sociais, são elas: a) A ação tradicional, instituída pela moralidade e costume, exercida com o mesmo modus operandi através dos séculos. b) A ação afetiva que, por ser ligada aos sentimentos, tem a sua expressividade na emoção requerendo, assim, a satisfação imediata de um impulso. c) A ação relacionada a valores que podem ser éticos, estéticos, políticos, religiosos e morais. Exatamente por ser ligada a convicção de cada um, esse tipo de ação tem a sua garantia por meio das probabilidades de aprovações ou reprovações dos padrões ou transgressões sociais. d) A ação social orientada a fins, na qual encontra-se o estado estritamente racional. Ao se estabelecer um programa, um projeto ou um planejamento é necessário escolher o melhor caminho para se alcançar o fim. Por ser organizada pela

48 Trata-se de identificar a peculiaridade específica e explicar a gênese do racionalismo ocidental e, no interior deste, o racionalismo moderno. 47

racionalidade, esta ação social utiliza os melhores meios para realizar o objetivo pretendido. Além de buscar compreender o conceito de ação social, ainda cabe analisar o que o Weber chamou por tipos ideais, portanto, utilizado como um recurso metodológico. O tipo ideal do Weber (2012), por ser despido de todo e qualquer conteúdo histórico, raramente poderá ser encontrado dentro de uma contextualização real da vivência humana. Isto significa que o tipo ideal, como uma reconstrução abstrata, não deve ser tomado como absoluta verdade, mas, apenas serve como uma referência que se tem de algo material ou concreto. A partir da construção do tipo ideal, encontramos as formas de dominação e de poder que foram trazidas por Weber (2012, p. 139-141) através dos termos “legitimidade e legalidade”, cabendo destacar que entre estes termos vamos procurar definir o que nos interessa: a legitimidade. Weber (2012) separa por uma linha tênue os conceitos de “poder” e de “dominação” chamando a atenção para os seus significados comuns49 que, de uma forma ou outra, acabam por implicar na “disciplina”50. Partindo das generalizações que tais termos possuem, esclarece que o poder visto por esse ângulo é “sociologicamente amorfo”, qualquer análise, adotando apenas tais regras, colocaria, independentemente da posição ocupada (dominante ou dominado), as pessoas reféns ou algozes dentro das situações cotidianas. Sendo assim, a dominação como algo característico do poder é um estado pelo qual uma vontade manifesta do dominador influi sobre os atos de outros. Portanto, o conceito sociológico de dominação depende, para Weber (2012, p. 33), da probabilidade que o “comando seja obedecido”, o que requer certos fundamentos (ou recursos) para que se efetue a legitimação desse poder. Em outras palavras, é preciso ter alguma coisa a mais em relação aos outros para que se possa “liderar”, o que vai depender do grau e da maneira pela qual a autoridade (dominação) é legitimada. A legitimidade de uma autoridade, segundo Weber (2012), pode ocorrer de várias formas se isto for pensado em uma base puramente subjetiva. Podemos tomar como exemplo a religião e conferir que nela, as atitudes são guiadas pelas crenças. Isto significa que, para muitos daqueles que fazem parte de uma determinada denominação religiosa, existe a crença

49 O Poder é aquele que exerce uma dominação dentro da relação social, independentemente da base na qual essa oportunidade se fundamenta. A dominação, por sua vez, é a oportunidade de ter um comando sobre um específico conteúdo que é obedecido por um certo grupo de pessoas (WEBER, 2012, p. 33). 50 A disciplina é vista como a oportunidade de obter a obediência imediata e automática de uma forma previsível de um grupo de pessoas por causa de sua orientação prática ao comando (WEBER, 2012, p. 33). 48

que a Salvação depende do grau da obediência que é devotada a uma autoridade (padre, pastor, rabino e etc.). Como a “crença” pode ser tomada como uma ação relacionada a valores religiosos, não é algo palpável e concreto, portanto, improvável de ser verificada em uma realidade empírica. O que não impede que a “crença” seja analisada desde que, para isso, seja tomada como condição a relação causal para a explicação, ou seja, o que a “crença” causou dentro das condutas humanas. Tal exemplo serve para compreender que a legitimidade de uma autoridade religiosa aparece como um fundamento do poder, mas, é o valor da crença que conduz as pessoas a acolherem a obediência e com isso aceitar a condição de dominadas. Ainda assim a relação “dominador (autoridade) dominado (crente)” não deve ser tomada como uma regra geral (universal). Foi por essa razão que Weber (2012) utilizou o tipo ideal, alertando que deveria servir apenas como um instrumento de análise em que se conceituam os fatos puros e, com eles, comparem aos fatos reais ou particulares, mas, tendo a clareza que sempre será apenas por meio de aproximações e abstrações. Nesse sentido, o poder que se legitima pode ser analisado a partir de três tipos puros, respectivamente chamados por Dominação Racional-Legal, Dominação Tradicional e Dominação Carismática. Ou seja, a “racional, é baseada em leis e regulamentos; a tradicional, motivada pela tradição/costume; e a carismática, alcançada pela virtude ou carisma de um chefe ou líder, político ou religioso” (WEBER, 2012, p. 141). Ao explicar os tipos de autoridade e expor os três tipos ideais, não no sentido de que deveriam ser estes os existentes na realidade, mas, por serem projeções que não podem ser encontradas de forma pura na realidade, Weber (2012) traz uma possibilidade de melhor compreensão sobre qualquer meio em que se habita, podendo assim ser verificado o tipo de dominação que predomina nas organizações sociais, o que inclui as Igrejas. Assim, entre as formas de dominações vamos nos atentar, especificamente, sobre a autoridade carismática que, se for tratado em linhas gerais, ajusta-se aos seguintes casos: líderes políticos, religiosos, revolucionários, sindicalistas, sociais, heróis, etc. A autoridade carismática ocorre em função das qualidades pessoais do líder, por isso, não é racional e nem tradicional, pois, não é herdada ou delegada por outro, a não ser em casos excepcionais. A autoridade carismática tende a ser instável e arbitrária, isto devido a legitimação do poder que pode ocorrer por influência da personalidade do líder ou em função da valorização que lhe é conferida por um determinado grupo social. Nas palavras de Weber, 49

O Carisma pode ser, e decerto regulamente é, qualitativamente particularizado. Trata-se mais de uma questão interna do que externa, e resulta na barreira qualitativa da missão e do poder do portador do carisma. Em sentido e conteúdo, a missão pode estar dirigida a um grupo de homens que são delimitados local, étnica, social, política e ocupacionalmente ou de alguma outra forma. Se a missão se dirige assim, a um grupo limitado de homens como é comum, encontra seus limites dentro desse círculo. Em sua subestrutura econômica, como em tudo mais, o domínio carismático é o oposto do domínio burocrático. Se este depende de uma renda regular, e daí, pelo menos a posteriori, de uma economia monetária e tributos em dinheiro, o carisma vive neste mundo. Embora não seja deste mundo. Isso deve ser bem compreendido. Com frequência o carisma deliberadamente abstém-se da posse do dinheiro e da renda pecuniária per se. Como São Francisco e muitos semelhantes a ele, mas, tal, não é decerto a regra. Até mesmo um pirata genial pode exercer o domínio carismático, no sentido, isento de valor que usamos aqui a palavra. Os heróis políticos carismáticos buscam o saque e, acima de tudo, o outro (2013a, p.172-173) Após a breve explanação das noções metodológicas weberianas, ainda analisando aquilo que o Tragtenberg (1977) nos informa, quando diz que a obra de Weber foi construída na passagem do século XIX para o século XX, onde os efeitos do avanço da ciência e a evolução do capitalismo traziam uma série de mudanças para a política, o Estado, o direito e a produção técnico-industrial, cabe contextualizar o percurso na qual, a “Sociologia Compressiva” buscou o valor da “ética” para explicar o sistema capitalista. Ou seja, estamos falando sobre “A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo”51, obra que foi o resultado de uma série de ensaios escritos entre os anos de 1904 e 1905, tendo uma segunda versão revista em 1920. Foi neste trabalho que Weber (2013) mostrou o protestantismo52, precisamente a ramificação Calvinista que, enraizada em uma doutrina da predestinação, tornou o enriquecimento um reflexo da servidão a Deus. Assim, para compreender a concepção do capitalismo enquanto espírito originado em uma ética protestante, dividimos as suas argumentações em três partes, a saber: a definição dos conceitos ascetismo e vocação, uma visão geral do que chamou por espírito (ideias) do capitalismo; e as distintas denominações do protestantismo (o calvinismo, o

51 Antônio Flávio Pierucci (2013), ao fazer a revisão técnica e a apresentação do livro “A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo” de Max Weber (2013) - livro aqui utilizado –, diz que essa publicação é diferente de outras traduções brasileiras trazendo, simultaneamente, as duas versões weberianas sobre a ética (1904/1905 e a de 1920). Assim, informa que utilizou a aspa na palavra “Espírito” simbolizando o retorno à primeira versão e que o conceito “O desencantamento do Mundo” somente apareceu na segunda versão quando Weber mais amadurecido, inseriu tal noção no 1º capítulo da Parte II, com o sentido especifico da repressão/supressão da magia. Na publicação revisada por Pierucci (2013), o conceito “desencantamento do mundo” se encontra nas páginas: 96; 106; 133; e, 135. 52 Weber (2013) apresenta a definição histórica sobre o termo “protestante” utilizado como aquele que serviria para caracterizar os grupos que contestavam a Igreja Católica. 50

anabatismo, o pietismo, o metodismo e os batistas) em suas influências sobre o mundo moderno. 1.1.1 Weber: asceticismo vocação e capitalismo

Havia, na Europa moderna, o cenário que marcou, para Weber, “o desencantamento do mundo” (Entzauberung der Welt) com duas acepções: “como desmagificação voltada para a religião e a outra, se encontrou no esfacelar da consciência mágica, voltada para a ciência” (PIERUCCI, 2003, p. 58-60). O sentido estava no rompimento de um pensamento povoado por monstros, feitiçarias e bruxarias em prol de uma “religião que representou em relação à magia um momento cultural de racionalização” (PIERUCCI, 2003, p. 70). De tal modo, Weber tratou a distinção entre magia e religião sob uma perspectiva histórica, evidenciando que se “a religiosidade mágica vem desde o princípio, desde os tempos imemoriais, literalmente primordiais; a religiosidade ética, por sua vez, ainda não tem três milênios de existência” (PIERUCCI, 2003, p. 87). Decorreu um longo tempo para a magia, precursora da religião, perder o seu sentido elucidativo e explicativo para a vida, passando a ser representada como profana pela religião. Essa perda de sentido, ou melhor dizendo, essa passagem da magia à religião é, para Pierucci (2003), comprovada por Weber sob três aspectos: pela ascese intramundana do protestantismo; através da imagem que se cria do mundo; e por meio da moralização ou ética da conduta religiosa. Para definir a conduta religiosa, Weber (2013)53, distingue dois tipos de princípios ascéticos54: a) Do tipo ligado às práticas extramundanas ou fora do mundo, forma mais relacionada com a vida daqueles que habitavam os monastérios vivendo em um controle autodisciplinado do corpo e total entrega reflexiva para encontrar o caminho da comunhão com Deus. b) Do tipo vinculado à prática intramundana, encontrado na ética racional da ascese protestante puritana, cuja vida centrava em buscar a rigorosa conduta moral fazendo do trabalho, um dever religioso.

53 Antônio Flávio Pierucci (2013), ao fazer a revisão técnica e a apresentação do livro “A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo” de Max Weber (2013) - livro aqui utilizado –, diz que essa publicação é diferente de outras traduções brasileiras, trazendo simultaneamente as duas versões weberianas sobre a ética (1904/1905 e a de 1920). Assim informa que utilizou a aspa na palavra “Espírito” simbolizando o retorno a primeira versão e que, o conceito “O desencantamento do Mundo” somente apareceu na segunda versão, quando o Weber mais amadurecido, inseriu tal noção no 1º capítulo da Parte II, com o sentido especifico da repressão/supressão da magia. Na publicação revisada por Pierucci (2013), o conceito “desencantamento do mundo” se encontra nas páginas: 96; 106; 133; e, 135. 54 Segundo Weber (2013) esse é um controle disciplinado do próprio corpo ao evitar qualquer tipo de prazer. 51

Podemos definir que o ascetismo, sendo denominado como uma renúncia ao prazer e aos aspectos mundanos, trazia a liberdade para diversas áreas da vida do indivíduo, principalmente, a econômica. Tal análise nasceu da afirmação do Weber (2013) quando avaliou que os homens do capital eram, em sua maioria, protestantes. Esta conexão indica que as situações históricas da religião apontam para as condições econômicas que foram trazidas pela Reforma do século XVI, pois, implicou em uma nova forma de controle, ou seja, a regulamentação da conduta humana penetrando tanto na vida pública quanto na privada. Isto quer dizer que Weber não entende a doutrina religiosa como um mero processo de crença, ao contrário, a sua compreensão sobre a religião, nomeadamente, a de origem protestante, [...] é que ela possui um sistema de regulamentação da vida em sociedade, ocorrida através de um gênero particular de agrupamento de dominação (Herrschaftsverbände), que ele chama de ‘agrupamento hierocrático’ (hiero kratischer Verband). Para Weber, o agrupamento hierocrático é, com efeito, um agrupamento em que se exerce um modo particular de dominação sobre os homens (HERVIEU-LÉGER e WILLAIME, 2009, p. 85). Tomado o termo hierocrático como um governo que é exercido por especialistas da teologia ou, então, como um tipo de organização social que se mantém graças a um sistema de coerção (sociológica ou psíquica) sob as concepções religiosas, pode-se analisar que o Weber (2012), ao conceber o racionalismo, no sentido histórico, enquanto elemento das dominações hierocráticas, construiu a ideia sobre a existência de uma teologia racional. Mas, para tanto, Weber foi “particularmente atento que a complexidade do real está no oposto de qualquer perspectiva unilateral e monocultural de explicação” (HERVIEU-LÉGER e WILLAIME, 2009, p. 114). Com esse pressuposto, buscou compreender os motivos da conduta racional e ascética dos homens elegendo o trabalho, a partir da noção de vocação (ou Beruf 55). Isto partindo da ideia de que não era qualquer tipo de trabalho, nem o trabalho em si e por si, mas, o valor do trabalho, cujo sentido, para os protestantes, estava diretamente ligado ao chamado do próprio Deus à Salvação. Em outras palavras, o trabalho passa a ser considerado a própria finalidade da vida. A ordem de Deus é para ser cumprida; se Ele, assinala alguma oportunidade de lucro, o sujeito deve abraçar, pois, um cristão deve acatar ao chamado do Senhor, aproveitando-se da ocasião. Assim, a riqueza seria eticamente má apenas à medida

55 Em Weber (2013) a palavra alemã Beruf ou a palavra inglesa Calling tem nelas um significado implícito, cuja conotação religiosa traz a ideia de uma tarefa confiada por Deus que também pode ser chamada por “vocação”. 52

que “o gozo da riqueza com sua consequência de ócio e prazer carnal, mas antes de tudo o abandono da aspiração a uma vida "santa". Eis porque traz consigo o perigo desse relaxamento que ter posses é reprovável (2013, p. 143). Weber (2013, p. 148) chama a atenção ainda sobre um específico acontecimento: o indivíduo almejar ser pobre é o mesmo que desejar a doença. Isto jamais serviria à glorificação do trabalho e de Deus, pelo contrário, “seria condenável na categoria de santificação pelas obras, nocivo, portanto à glória de Deus. E, ainda por cima, quem pede esmola estando apto ao trabalho não só comete o pecado da preguiça” como, também, afronta a máxima do cristianismo sobre o amor ao próximo. Isto gerou a obtenção de lucro e fundamentou a existência do espírito do capitalismo que se desenvolveu na Europa Moderna, devido aos homens de negócios (capitalistas e operários) especializados que, em sua maioria, tinham em comum, a devoção ao protestantismo. Não foi à toa que as cidades mais ricas do antigo Império foram as primeiras a aderir ao movimento do protestantismo, originado do século XVI, mas, “qual a razão dessa predisposição particularmente forte das regiões economicamente mais desenvolvidas para uma revolução da Igreja” (WEBER, 2013, p. 30)? A razão encontrada por Weber à sua questão foi localizada na regulamentação da profissão, nas horas de trabalho, na qualidade da produção, na repressão às fraudes e no monopólio sobre o mercado urbano. As corporações que se desdobravam das coligações religiosas de origens protestantes, de acordo com Weber (2013), eram encarregadas de subvencionar seus membros. Isto levava as cidades mais desenvolvidas a caminhar para além da própria emancipação religiosa; era a libertação frente ao tradicionalismo econômico do período medieval dominado pela Igreja Católica Romana. Para demonstrar essa questão de ordem histórico-comparativo, Weber (2013) faz uma relação de causalidade desse período, aceitando como ponto de partida o estudo estatístico sobre a situação econômica entre Católicos e Protestantes na província de Baden na Alemanha, realizado por seu aluno e orientando Martin Offenbacher56. O contraste que aparece no comportamento das duas confissões religiosa em face da vida econômica nos seguintes termos: "o católico, é mais sossegado; dotado de menor impulso aquisitivo, prefere um traçado de vida o mais possível seguro, mesmo que com rendimentos menores, a uma vida arriscada e agitada que eventualmente lhe trouxesse honras e riquezas”. Diz por gracejo a voz do povo: 'bem comer ou bem dormir, há que escolher. No presente caso, o protestante prefere comer bem, enquanto o católico quer dormir sossegado". De fato, com a frase "querer comer bem" é

56 A pesquisa demorou dez anos (1885-1895), sendo publicada em 1901 (WEBER, 2013, p.34). 53

possível caracterizar, embora de modo incompleto, mas pelo menos em parte correto, a motivação daquela parcela de protestantes mais indiferentes à igreja na Alemanha de hoje (WEBER, 2013, p. 34). Weber (2013) ainda ressalta que o número de católicos presentes na vida de negócio era bem inferior à dos protestantes, o que representa, apenas, um pequeno engajamento dos católicos nas empresas capitalistas. Diante destas considerações, o intenso trabalho e a ideia de progresso estão relacionados com o velho, nascido no século XVI, espírito protestante e o sempre renovado capitalismo moderno encontrados nas suas características puramente religiosas. É nesse cenário que o homem é dominado pelo poder do dinheiro, aquisição do propósito final de sua vida, ou seja, a [...] ideia da obrigação do ser humano para com a propriedade que Ilhe foi confiada, à qual se sujeita como prestimoso administrador ou mesmo como “máquina” de fazer dinheiro'; estende-se por sobre a vida feito uma crosta de gelo. Quanto mais posses, tanto mais cresce - se a disposição ascética resistir a essa prova -. O peso do sentimento da responsabilidade não só de conservá-la na íntegra, mas ainda de multiplicá-la para a gloria de Deus através do trabalho sem descanso. Mesmo a gênese desse estilo de vida remonta em “algumas de suas raízes à Idade Média”, como aliás, tantos outros elementos do espirito do capitalismo [moderno), mas foi só na ética do protestantismo ascético que ele encontrou um fundamento ético consequente. Sua significação para o desenvolvimento do capitalismo é palpável (WEBER, 2013, p. 155). Assim como o homem se envolveu com o capitalismo, também aceitou compartilhar de suas regras. O melhor exemplo trazido por Weber (2013), ainda no início da obra, é quando fala sobre os Estados Unidos, a terra de Benjamin Franklin, como aquela na qual o espírito, visto sempre como a ideia do capitalismo, já estava presente.

Benjamin Franklin estava repleto de "espirito capitalista" numa época em que sua tipografia formalmente não se distinguia em nada de uma oficina artesanal qualquer. E veremos que em geral, no limiar dos tempos modernos, não foram somente nem preponderantemente os empresários capitalistas do patriciado mercantil, mas muito mais os estratos ascendentes do Mittelstand57 industrial, os portadores dessa disposição que aqui designamos por "espirito do capitalismo". Mesmo no século XIX seus representantes clássicos não eram os distintos gentlemen de Liverpool (WEBER, 2013, p. 57). Mesmo que a organização fosse ainda um pré-capitalismo (empresa tradicional – artesanal –, sem referência à margem do lucro, grande quantidade de trabalho, regulações nas formas de trabalho e no círculo de clientela), ela já possuía um aspecto comercial de

57 A palavra mittelstand aparece no texto como mittelstandburguês - aos comerciantes, nomeadamente burguês; Mittelstand ainda pode ser o portador da virtude – entendendo-se por Mittelstand, a "classe burguesa" em contraposição à aristocracia. 54

negócios e de contabilidade, nisto se encontra o caráter racional. Foi este ethos58 formado que, de acordo com Weber (2013), trouxe o espírito do moderno capitalismo proporcionando uma nova dimensão para o trabalho. Tal processo de racionalização no campo da organização econômica e técnica, sem dúvida, determinou boa parte dos “ideais de vida da moderna sociedade burguesa: o trabalho com o objetivo de dar forma racional ao provimento dos bens materiais necessários a humanidade e também, não há dúvida, um dos sonhos dos representantes do espirito do capitalismo” (WEBER, 2013, p. 67). Entre o racionalismo econômico e as condutas racionais e práticas houve um valor: a habilidade e disposição do homem para se adequar as possibilidades modernas. Foi nesse contexto que o espírito do capitalismo se converteu em resultado, cuja adaptação necessitou da vocação para o acúmulo do capital e das atitudes voltadas para os bens materiais, como uma condição de sobrevivência no mundo econômico. Essa mesma ideia pode ser tomada para o desenvolvimento do capitalismo permeado pelo protestantismo ascético. Falando em outras palavras, se houve um acúmulo do capital ao evitar o gasto do dinheiro indevido provocando o aumento do lucro e o seu investimento produtivo, tal concepção nasceu da vida puritana que, ao ser disseminada pelo mundo ocidental, desenvolveu a vida econômica da burguesia. A ideia foi: “não nos é licito impedir que as pessoas sejam laboriosas e frugais; temos que exortar todos os cristãos a ganhar tudo quanto puderem, e poupar tudo quanto puderem; e isso na verdade significa: enriquecer” (WEBER, 2013, p. 160). A mesma lógica serve para explicar as ações dos puritanos ingleses, holandeses e americanos, que se caracterizavam justamente pelo afastamento das coisas mundanas. Essa ascese religiosa puritana criava uma clara distinção entre trabalho e a diversão, ação que provocou o aumento do lucro e do investimento produtivo. Tal marca, herdada das igrejas calvinistas foi o requisito impulsionador para o desenvolvimento industrial e capitalista que foi disseminado pelo mundo ocidental. A ideia foi: “não nos é licito impedir que as pessoas sejam laboriosas e frugais; temos que exortar todos os cristãos a ganhar tudo quanto puderem, e poupar tudo quanto puderem; e isso na verdade significa: enriquecer” (WEBER, 2013, p. 160).

58 O ethos, inicialmente, é defendido por Weber (2013) como o movimento para definir o espirito do capitalismo. Depois dessa classificação, traz os seguintes termos: "Um determinado estilo de vida regido por normas e folhado à ética" (WEBER, 2013, p. 284).

55

“Graças a Deus” e por cumprir o dever para com Deus, a burguesia moderna, galgou uma ética econômica; já que os capitalistas poderiam buscar aos lucros enquanto os almejassem, eles somente estavam cumprindo os desígnios de Deus. Por ter sido o trabalho enviado por Deus, isto levou aos homens fazer do trabalho um alvo, um propósito de vida. Foi desse círculo de ideias que originou para Weber, “a inclusão de uma atividade voltada puramente para o ganho na categoria de vocação" (2013. p. 66). Olhando para os dias atuais, a ação social dessa “vocação ascética” encontra exatamente na legalização da exploração da mão de obra, mas ao contrário da visão materialista que separou em espaços distintos opressores de oprimidos, em Weber, todas as atividades laborais passam pelo mesmo critério, afinal, “foi essa a ideia que conferiu a conduta de vida do empresário de "novo estilo" base e consistência éticas” (loc. cit.). É nesse sentido que Weber (2013) afirma que um dos acontecimentos prioritários para o espírito do capitalismo em sua ligação com a cultura moderna foi a conduta racional abalizada pela compreensão de vocação que surgiu a partir do espírito do ascetismo cristão. Quando o puritano desejou para si e estendeu a vocação/trabalho à sociedade ocidental, ela foi forçada a seguir o mesmo destino, dominando a moralidade laica e contribuindo para a formação da moderna ordem econômica. Se a ética e o capitalismo já existiam, foi a ética protestante (acúmulo devido ao afastamento da vida mundana), o valor condicionante para servir ao desenvolvimento do espírito do capitalismo. Foi nesse propósito que Weber apontou que as forças mágicas e religiosas e as ideias éticas de dever são influências formativas de condutas humanas. Para chegar a tal afirmação, Weber (2013) justifica que somente pode apresentar as ideias religiosas que se apresentam em uma realidade prática, se for tomado a consistência lógica de um "tipo ideal". Seguindo esse critério, apresentou o calvinismo, pois, foi em torno deste movimento que circularmente se moveram os embates políticos, econômicos e culturais que assolaram os séculos XVI e XVII em várias regiões da Europa. Os calvinistas e seus dissidentes possuíam a convicção que a posse material jamais garantiria a Salvação da alma pós morte. Para alcançar o estado de graça, a ordem era privilegiar o trabalho e fazê- lo, de preferência, naquilo que já havia sido designado ou predestinado pela providência divina. Essa ascese protestante marcou fortemente a conduta dos Calvinistas, dos Pietistas, dos Metodistas e dos Anabatistas abarcando, nesse último, as várias correntes religiosas, que 56

foram chamadas por Weber (2013) de Seitas59 - inclui-se nessa categoria os Batistas. No caso de Calvino, [...] seu interesse religioso está focalizado unicamente em Deus, não nos seres humanos; Deus não existe para os homens, mas os homens existem por causa de Deus, e todo o acontecimento – incluindo aí o fato indubitável para Calvino, de que só uma pequena parcela dos homens é chamada a bem-aventurança eterna (WEBER, 2013, p. 97). Cabe lembrar que, de acordo com Weber (2013), para os calvinistas, o único modo de vida aceitável por Deus, não estava meramente na superação da modalidade mundana pelo ascetismo monástico como era efetuado pelos católicos, mas, no cumprimento das obrigações impostas ao indivíduo pela sua posição no mundo. Adotando como base que o mandamento divino ordena que o indivíduo cumpra os deveres impostos por Deus, nada mais precisaria ser feito para o homem do espírito capitalista, adotar o trabalho como um meio de obediência. Sendo assim, a Reforma Protestante teve como efeito aumentar a ênfase moral e sanção religiosa em relação ao trabalho. Falando de outra maneira, isto significa que, na visão do calvinista, Deus está acima de tudo e de todos; os seus desígnios somente poderão ser conhecidos como parte de sua vontade. O homem vive e conhece apenas fragmentos dessa verdade eterna, mas, nem por isso deve questionar os intuitos divinos, muito menos lamentar o seu cotidiano ou seu destino, nem buscar esclarecimentos que não tenham sido revelados pela Bíblia Sagrada (1980). De acordo com Weber: O mundo está destinado a servir autoglorificação de Deus; O cristão [eleito] existe para isto [e apenas para isto]: para fazer crescer no mundo a glória de Deus, cumprindo de sua parte, os mandamentos Dele. Mas Deus quer do cristão uma obra social porque quer que a conformação social da vida se faça conforme seus mandamentos e seja endireitada de forma a corresponder a esse fim. O trabalho social do calvinista no mundo exclusivamente é um trabalho para aumentar a glória de Deus. Daí porque o trabalho numa profissão que está a serviço da vida intramundana da coletividade, também apresenta esse caráter (2013, p. 98-99).

O mundo existe para servir à glorificação de Deus e só a este propósito. Se os cristãos eleitos têm que viver com tais propósitos, logo, o protestantismo, principalmente o calvinismo, foi fundamental para o desenvolvimento do capitalismo. Basta avaliar que, se o ser humano com a sua carne do pecado está separado por uma divisória intransponível de Deus, lhe restando um castigo, não como punição, mas como merecimento: a morte eterna, somente Deus em

59 Seita “é uma associação voluntária de indivíduos religiosamente qualificados. Círculo restrito e religiosamente elitista, uma espécie de aristocracia religiosa que faz da comprovação explícita de determinadas qualidades morais, uma condição distintiva de admissão e participação” (WEBER, 2013, p. 289-290). 57

sua infinita bondade e misericórdia tem o poder de deliberar para esse homem a vida eterna. É nesse sentido, que o caminho da Salvação passa por abandonar toda e qualquer ligação com o mundo (ou coisas mundanas), glorificando o nome de Deus, fazendo a sua obra divina e pregando a Palavra do Senhor. Com essa ideia, encontra-se a “fonte do caráter utilitário da ética calvinista, e daí igualmente advieram importantes peculiaridades da concepção calvinista de vocação profissional” (WEBER, 2013, p 100). Como apenas uma parte da humanidade constitui-se em escolhida para ser salva, o restante fica abandonada e condenada à sua própria sorte e culpa. O destino incerto e solitário produz uma vida dedicada à execução da tarefa diária que, de maneira nenhuma, deve ser voltada para o acúmulo do material pessoal, nem pensada como organizadora para o engrandecimento do homem, pelo contrário, a ideia do trabalho deve ser ligada ao processo da obediência e devoção a Deus. Na prática, isto significa que “Deus ajuda a quem ajuda a si mesmo. Assim, o calvinista, criava por si próprio a salvação ou, como seria mais correto dizer, a convicção disso” (WEBER, 2013, p. 105). Além disso, anteriormente Weber já havia chamado a atenção, que [...] o calvinismo e anabatismo enfrentaram-se rispidamente no começo de seu desenvolvimento, mas tornaram-se muito próximos um do outro no seio do movimento batista do final do século XVII, sendo que já no início daquele mesmo século, nas seitas dos independentes na Inglaterra e na Holanda, os trânsitos religiosos entre um e outro se fazia de forma gradual. Como se vê no caso do pietismo, o trânsito para o luteranismo também era gradual, o mesmo ocorrendo entre o calvinismo e a Igreja anglicana, parente do catolicismo em seu caráter de exterioridade e no espirito de seus adeptos mais consequentes. Aquele movimento ascético que foi chamado de "puritanismo" no sentido mais amplo dessa expressão polivalente, atacou os fundamentos do anglicanismo, na massa de seus fiéis e particularmente na pessoa de seus paladinos mais consequentes, mas também, nesse caso os antagonismos se aguaram pouco a pouco, na luta. E mesmo se deixamos de lado as questões de constituição e organização que não nos interessam diretamente aqui, o estado de coisas, com tanto mais razão se mantem tal e qual. As diferenças dogmáticas, mesmo as mais importantes, como aquelas concernentes a doutrina da predestinação e a doutrina da justificação [Lutero], assumiam umas as formas das outras nas mais variadas combinações e já no início do século XVII impediam de modo geral, regra essa não sem exceção, a preservação da unidade interna das comunidades eclesiais. E acima de tudo: o fenômeno da conduta de vida moral, que para nós e importante, encontra-se de igual modo entre os seguidores das mais diversas denominações que brotaram seja de uma das quatro fontes mencionadas acima (WEBER, 2013, p. 105) Portanto, além do calvinismo, houveram outras denominações religiosas da linha protestante que também mapearam a economia da Europa Moderna cabendo, assim, destacar alguns pontos que foram trazidos por Weber (2013): 58

1. O Anabatismo caminhou lado a lado com calvinismo no que diz respeito a autonomia da ascese protestante. Como comunidade religiosa ou "Igreja visível" transformou-se em uma Instituição que abrangia, necessariamente, justos e injustos – para aumentar a glória de Deus (lema da Igreja calvinista), passando a ser vista exclusivamente como uma comunidade daqueles que se tornaram, pessoalmente, crentes e regenerados, somente batizando os adultos que tivessem encontrado a fé em seu íntimo e a professassem – ideias pneumático-religiosas encontradas no cristianismo primitivo. A conduta de vida bíblica foi pensada na primeira geração de anabatistas de forma radical, pois, pregava o rompimento com todo contentamento, com o mundo e que se deveria viver segundo o modelo dos apóstolos. 2. O Pietismo, sobretudo o holandês, significou uma penetração da conduta ascética metodicamente controlada e supervisionada nas agremiações não calvinistas. O movimento foi marcado pelo estabelecimento de uma aristocracia dos eleitos baseada na Graça especial de Deus. 3. O Metodismo (anglo e americano) é um tipo de religião emocional e ascética, ao mesmo tempo, demarcada pela indiferença das bases dogmáticas do ascetismo calvinista. Tanto o pietismo quanto o metodismo foram movimentos secundários no que diz respeito aos aspectos ideológicos e históricos. 4. As seitas batistas, vistas como uma derivação dos anabatistas, desvalorizavam os sacramentos como meio de Salvação, “obtendo com isso a racionalização religiosa do mundo em sua forma mais intensa” (WEBER: 2013, p.133). Considera-se, assim, que as seitas batistas com o predomínio da Salvação como a revelação de Deus forneceram o caráter de “desenvolvimento do espírito do capitalismo. Foi a busca pela Salvação da alma através do trabalho e da obediência cega, segundo Weber (2013), que conduziu ao autocontrole sistemático, o que se tornou uma ação preciosa para se atingir a qualidade metódica da conduta ética racional, influenciando decisivamente a vida prática moderna. Se por um lado os protestantes da linha puritana- calvinista possuíam uma tendência específica para a racionalidade econômica, elegendo o trabalho para a construção da boa conduta na Terra, por outro lado, o catolicismo, pelo menos para o maior número de ovelhas, condenava a usura e pregava a Salvação das almas através da confissão, das indulgências e da presença às missas, preferindo a segurança e a garantia da vida eterna. Essa “interpretação causal espiritualista da cultura e da história” entre 59

protestantes e católicos forneceu a Weber (2013, p 167)., elementos para constatar que a “ética protestante [foi a mola mestra para impulsionar] o capital econômico em seu desenvolvimento moderno”.

1.2 Da Legitimidade ao Campo: Algumas Considerações

Foi exatamente pela ligação (economia/religião/protestante) que o defensor da sociologia compreensiva foi criticado. Sobre esse aspecto, em Cipriani (2007) ele aparece como um pesquisador que procurava uma identidade diferente do Weber criticado como o “Marx da burguesia”. Cipriani (2007) avalia, ainda, que Weber recusava totalmente a análise marxista da contradição da sociedade capitalista, vivendo em perene oposição, isto para ele, era demasiadamente determinista. Para fugir da legenda materialista, comum aos outros pesquisadores do seu tempo, Cipriani (2007) expõe que Weber procurou, em sua investigação, mesmo se tratando da economia, se distinguir ao máximo de Karl Marx. Nesse percurso, sem negar a força do capitalismo na realidade da sociedade moderna, Max Weber legitimou o fato de haver mais de uma matriz para a origem das dinâmicas econômicas, isto não quer dizer que suas análises “não estão isentas de imperfeições [...]; com frequência seu tratamento sai dos objetivos imediatos da pesquisa e se torna quase uma ‘complacência intelectual’. Apesar disso, continua um marco para os estudos sobre fenomenologias religiosas” (CIPRIANI, 2007, p. 106). Diferente de Cipriani (2007), Delumeau (1989, p. 300-304) não defende Weber, ao contrário, para ele qualquer um que tente explicar a Reforma seguindo o ponto de vista da economia, terá como fundamento as ideias de Karl Marx, pois, foi dele que se originou que as religiões eram filhas de seu tempo, mais concretamente, filhas da economia, mãe universal de todas as sociedades humanas. Sendo assim, da mesma maneira que a concepção marxista pecou ao analisar a Reforma não separando o joio do trigo, ao tratar o homem do século XVI com os mesmos conflitos que marcaram a vida do homem do século XIX, Max Weber também não foi muito diferente, pois, [...] o protestantismo não engendrou em seus fiéis a mentalidade capitalista a não ser na medida em que perdeu seus tônus religioso e se tornou infiel a Calvino, isto é verificável no século XVI, tanto na Inglaterra, quanto em Genebra, o Capitalismo puritano coincidiu com o enfraquecimento da fé. [O que ocorreu foi que] a Reforma laicizou por assim dizer a santidade. Lutero e Calvino deslocaram a noção de salvação, eles fizeram-na sair dos claustros para a introduzirem na vida de todos [...] (DELUMEAU, 1989, p. 305-306). 60

Pela análise de Delumeau (1989), o reflexo trazido pelo ideário dos reformadores do século XVI não representou somente o rompimento com a unidade da Igreja Católica, nem ficou apenas restrito às vias econômicas, ela trouxe mudanças que repercutiram tanto no desenvolvimento da política, como na secularização e laicização da sociedade moderna. Ou seja, foram os princípios teológicos, eclesiológicos e escatológicos60– tão presentes em lutas espirituais –, os provocadores para as modificações culturais, cujas significações históricas superaram, e muito, como disse Hervieu-Léger (2008), o próprio acontecimento em suas implicações religiosas imediatas. No entanto, em defesa a Weber (2013) e contra a acusação de Delumeau (1989), cabe lembrar que, ao trazer a predestinação calvinista nos termos da vocação (Beruf), ascetismo e privação, como meio de atingir a produtividade e o acúmulo do capital, ele próprio já havia alertado que [...] para a análise das relações entre a ética do antigo Protestantismo e os desenvolvimentos do espirito capitalista partimos das criações de Calvino, do calvinismo e das demais seitas "puritanas", isso, entretanto não deve ser compreendido como se esperássemos que algum dos fundadores ou representantes dessas comunidades religiosas tivesse como objetivo de seu trabalho na vida, seja em que sentido for, o despertar daquilo que aqui chamamos de "espirito capitalista". [...] eles não foram fundadores de sociedades de "cultura ética" nem representantes de anseios humanitários por reformas sociais ou de ideais culturais. A salvação da alma, e somente ela, foi o eixo de sua vida e ação. [...] por isso temos que admitir que os efeitos culturais da Reforma foram em boa parte - talvez até principalmente, para nossos específicos pontos de vista - consequências imprevistas e mesmo indesejadas do trabalho dos reformadores (WEBER, 2013, p. 81).

Tal argumentação, ainda pode ser somada à análise de Aron quando defende que Tem-se afirmado muitas vezes que Weber procurou refutar o materialismo histórico e explicar o comportamento econômico pelas religiões, em vez de postular que estas são apenas a superestrutura de uma sociedade cuja infraestrutura séria constituída pelas relações de produção. Na verdade, Weber não pensava assim. Ele quis demonstrar que a conduta dos homens nas diversas sociedades só pode ser compreendida dentro do quadro da concepção geral que esses homens têm da existência. Os dogmas religiosos, e sua interpretação, são partes integrantes dessa visão do mundo; é preciso entendê-los para compreender a conduta dos indivíduos e dos grupos, notadamente seu comportamento econômico. Por outro lado,

60 O significado literal definido para a palavra Teologia é o estudo sobre Deus, tanto na Escritura Sagrada (Bíblia) como também a partir de suas representações nas variadas culturas. Essa palavra, originada do grego theología, significa ciência da divindade; Eclesiologia é um ramo da teologia cristã que fala da doutrina da Igreja, do seu papel, origem e disciplina; e, a Escatologia trata-se de uma parte da teologia que estuda os últimos eventos na história do mundo ou do destino final do gênero humano, comumente denominado como fim do mundo ou apocalipse (DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA 2003-2015 on-line,). 61

Weber quis provar que as concepções religiosas são, efetivamente, um determinante da conduta econômica e, em consequência, uma das causas das transformações econômicas das sociedades (2000, p. 474). Na mesma linha de defesa de Aron (2000), ecoa pela visão de Bourdieu (2007c), justificativas sobre a obra de Max Weber, [...] para construir realmente a noção de campo, foi preciso passar para além da primeira tentativa de análise do ‘campo intelectual’ como universo relativamente autônomo de relações específicas: com efeito, as relações imediatamente visíveis entre os agentes envolvidos na vida intelectual – sobretudo as interações entre os autores e os editores – tinham disfarçado as relações objetivas entre as posições ocupadas por esses agentes, que determinam a forma de tais interações. Foi assim que a primeira elaboração rigorosa da noção saiu de uma leitura do capítulo de Wirtsschaft und Gesellschaft consagrado à sociologia religiosa, leitura que, dominada pela referência ao campo intelectual, nada tinha de comentário escolar. Com efeito, mediante uma crítica da visão interacionista das relações entre os agentes religiosos proposta por Weber que implicava uma crítica retrospectiva da minha representação inicial do campo intelectual, eu propunha uma construção do campo religioso como estrutura de relações objetivas que pudesse explicar a forma concreta das interações que Max Weber descrevia em forma de uma tipologia realista. Nada mais restava a fazer do que pôr a funcionar o instrumento de pensamento assim elaborado para descobrir, aplicando-o a domínios diferentes, não só as propriedades específicas de cada campo – alta costura, literatura, filosofia, política, etc. – mas também as invariantes reveladas pela comparação dos diferentes universos tratados como “casos particulares do possível” (BOURDIEU, 2007b, p. 65-66). Nessas palavras depara com o fio condutor do pensamento da sociologia compreensiva que pode ser encontrada dentro do estruturalismo construtivista, pois, inegavelmente, a ideia de campo bourdieusiana trilhou a partir da noção weberiana de tipo ideal. Mediante ao que foi exposto, percebemos que é importante apresentar o olhar inicial de Bourdieu sobre o campo religioso, mas antes, cabe alertar, que, segundo Bonnewitz (2003), foi Bourdieu que trouxe para a sociologia a ideia de unicidade, sobretudo, quando o filósofo/normalista rompeu com as visões oposicionistas tradicionais, especialmente, aquelas que separavam os pensamentos clássicos de Durkheim, Marx e Weber.

1.3 O Olhar de Bourdieu

Bourdieu, para explicar os fenômenos sociais criou, dentro do estruturalismo (ou a partir dele) duas formas: o sentido trazido pela “noção do interesse no qual, orienta as práticas e à noção de regras, onde acrescentou a noção de estratégia” (BONNEWITZ, 2003, p. 14). Com a “noção de interesse“, Bourdieu (2004b) rompeu com qualquer visão ingênua, 62

dentro da ciência social, que tratasse o interesse individual apenas pelas vias das motivações ou das aspirações pessoais. Demonstra, assim, que se o interesse for pensado em sua forma histórica, passa a ser visto como o sinônimo de uma instituição arbitrária com tantas variáveis que, dentro de cada tempo e espaço, se torna quase um conceito infinito. O interesse, em sua condição de funcionamento, estimula as pessoas fazendo-as competir, pleitear, concorrer, resistir e lutar; ele não alimenta somente os desejos e os anseios, mas, também, orienta as instituições jurídicas, religiosas, econômicas, políticas, familiares, dentre outras, naquilo que está em jogo na criação das representações dentro do espaço social. Quanto à noção de estratégia, esta deve ser vista como [...] o instrumento de uma ruptura com o ponto de vista objetivista e com a ação sem agente que o estruturalismo supõe (recorrendo, por exemplo, à noção de inconsciente). Mas pode-se recusar a ver a estratégia como o produto de um programa inconsciente, sem fazer dela o produto de um cálculo consciente e racional. Ela é produto do senso prático como sentido do jogo, de um jogo social particular, historicamente definido (BOURDIEU, 2004b, p. 81).

As estratégias servem para reconstruir o passado ajustando, ao mesmo tempo, às necessidades do presente que se encontra no espaço social, pois, é dentro das práticas sociais e nas disposições dos lugares ocupados pelos agentes sociais que, ao ser categorizados em teorias, criam as representações sobre os lugares das origens, das distâncias ou das proximidades entre: homens e mulheres, ricos e pobres, jovens e velhos, operários e patrões, intelectuais e incultos, magros e gordos, religiosos e ateus, católicos e protestantes. Essas categorias objetivamente orquestradas, ao se deslocar do senso comum e se constituir como um princípio funcional, estrutural ou histórico, criam as [...] estratégias de condescendências, através das quais agentes que ocupam uma posição superior em uma das hierarquias do espaço objetivo negam simbolicamente a distância social, que nem por isso deixa de existir, garantindo assim as vantagens do reconhecimento concedido a uma denegação puramente simbólica da distância [...] que têm lugar nesse universo social. Esses poderes sociais fundamentais são, de acordo com minhas· pesquisas empíricas, o capital econômico, em suas diferentes formas, e o capital cultural, além do capital simbólico, forma de que se revestem as diferentes espécies de capital quando percebidas e reconhecidas como legítimas. Assim, os agentes estão distribuídos no espaço social global, na primeira dimensão de acordo com o volume global de capital que eles possuem sob diferentes espécies, e, na segunda dimensão, de acordo com a estrutura de seu capital, isto é, de acordo com o peso relativo das diferentes espécies de capital, econômico e cultural, que forma o volume total de seu capital (BOURDIEU, 2004b, p. 154).

63

Nesse aspecto, o universo cultural dos indivíduos e dos grupos sociais reproduzem as ideologias, as sensações e os preconceitos levando os agentes a se reconhecerem mutuamente por um código comum que, no jogo de interesses, ganha significado pelo valor do volume incorporado proveniente de cada um dos tipos de capitais (econômico, cultural, social e simbólico) ou mesmo pela soma do seu conjunto. Com essa conclusão torna-se possível, dentro da teoria de Bourdieu (2007b), sucintamente definir que: 1. O capital econômico é constituído pelos distintos meios de produção (terras, empresas, fábricas, trabalho, comércio) e através dos bens econômicos adquiridos: (renda pessoal, heranças, acúmulo de património). 2. O capital cultural (bem mais complexo, ao nosso ver, de se definir conceitualmente que o econômico) possui formas diferenciadas, podendo ser definido: a) em estado incorporado como uma disposição duradoura do corpo (traduzido pela vocação, retórica ou conhecimento artístico); b) em estado objetivo, pela posse cultural (ser dono de quadros ou obras de arte por exemplo); c) em estado institucionalizado, por ser recebido de outrem como um conhecimento adquirido (ligado à escola, à família e aos diplomas). Portanto esse tipo de capital pode ser proveniente do sistema escolar, herdado pela formação familiar ou recebidas do meio da qual o agente social faz parte. 3. O capital social tem por definição as relações sociais que circulam na vida do indivíduo ou do grupo, por isso, está ligado a todos os afazeres que se desenrolam dentro da sociedade. 4. O capital simbólico corresponde ao conjunto dos rituais, tradições e reconhecimentos sociais “geralmente, chamado de prestígio, reputação, fama, etc. que é a forma percebida e reconhecida como legítima das diferentes espécies de capital” (BOURDIEU, 2007b, p. 134-135). Para trazer o conceito de capital e seus tipos, Bourdieu criticou o estruturalismo clássico, produzindo “um enfoque que pode se qualificar de estruturalismo genético ou construtivista” (BONNEWITZ, 2003, p.10), pois, o seu trabalho investigativo deixou explícita a sua ruptura com as dualidades científicas, sobretudo a existente entre o objetivismo/subjetivismo, além de buscar um esquema singular e uma linguagem tipicamente específica que pudesse conduzir a sua sociologia. Com isso, Bourdieu se apropriou das expressões tiradas do grego e do latim, ethos, hexis, habitus e “das palavras, que, conceitualmente, já haviam sido utilizadas por outras leituras científicas, como: campo, mercado e capital. Mas, todos esses termos são redefinidos. Trata-se de operar uma ruptura com a linguagem usual” (BONNEWITZ, 2003, p. 37). 64

Tomando como fator inicial a dicotomia teórica existente que separava o agente social visto apenas pelo ângulo do indivíduo ou da sociedade, bem como dos termos acima citados, Bourdieu (2007b), ao analisar a estrutura estruturada e a estrutura estruturante do espaço social adota, para a sua teoria, o conceito de habitus, tendo o propósito de romper com as dualidades e justificar o jogo existente nas práticas cotidianas. Este ponto de partida, marcou a sua concepção de sociedade e do agente social, sem deixar de fora a mediação entre a exterioridade e a interioridade, bem como, a relação entre o individual e o coletivo. Nesse sentido, para Bourdieu, o habitus foi tratado como um conceito que traduz a própria produção e “reprodução da ordem social. Por isso, como princípio de conservação, ele também pode se tornar um mecanismo de invenção e, consequentemente, de mudança” (BONNEWITZ, 2003, p. 75). Na visão de Bourdieu (2007b), o habitus carrega em si dois componentes, por um lado, a hexis cuja correspondência se encontra nas posturas (que vão da dicção até as atitudes ou maneiras de andar, falar e se comportar), até chegar às disposições corporais interiorizadas inconscientemente pelo indivíduo em sua história de vida, por outro lado, traz também o ethos, (estruturas mentais e morais), por essa razão designa dentro do mundo prático os próprios valores que são interiorizados. Esse esquema hexis/ethos/habitus em sua integração, definitivamente, passou a designar e abranger por si só, um princípio unificador e gerador de todas as práticas sociais (produção, reprodução, processo, teoria e prática). Logo, o habitus, ao servir como esquema classificatório, cujo princípio está na visão e divisão encontrado nas posições e gostos desiguais dos sujeitos dentro de um espaço social, torna possível que cada condição seja definida através de uma troca mútua entre o mundo objetivado e o mundo subjetivado. Por isso que o habitus dentro do espaço social pela visão bourdieusiana se constitui em uma matriz de percepção/representação e ação capaz de criar as táticas individuais e coletivas para lidar com as questões originadas pelos próprios estilos de vida. Estilo de vida resulta do fato de que condições semelhantes produzem habitus substituíveis que engendram, por sua vez, segundo sua lógica específica, práticas infinitamente diversas e imprevisíveis em seu detalhe singular, mas sempre encerradas nos limites inerentes às condições objetivas das quais elas são o produto e às quais elas estão objetivamente adaptadas. Constituído num tipo determinado de condições materiais de existência, esse sistema de esquemas geradores, inseparavelmente éticos ou estéticos, exprime segundo sua lógica própria a necessidade dessas condições em sistemas de preferências cujas oposições reproduzem, sob uma forma transfigurada e muitas vezes irreconhecível, as diferenças ligadas à posição na estrutura da distribuição dos instrumentos de 65

apropriação, transmutadas, assim, em distinções simbólicas (BOURDIEU, 2003, p. 73-74).

O mesmo princípio utilizado por Bourdieu para fundamentar o habitus “ele estrutura também em relação a um campo” (BONNEWITZ, 2003, p. 85). De modo geral, A noção de campo social aparece então como um elemento central do procedimento teórico. “Os campos são espaços estruturados de posições (ou postos), cujas propriedades dependem de sua posição nestes espaços e que podem ser analisados independentemente das características de seus ocupantes - em parte determinada por elas” (BOURDIEU, 1980, p. 113). Visto que a sociedade é definida como um vasto espaço social inigualitário, [...] cabe encontrar as homologias estruturais entre a posição na sociedade e os diferentes campos sociais (BONNEWITZ, 2003, p. 38-39). Ou seja, todo campo exerce uma influência representativa sobre os sujeitos dentre as relações sociais, seja este campo de cunho religioso, artístico, filosófico, sociológico, educacional, cultural, científico, político, dentre outros. Mas, cada campo tem uma lógica própria de funcionamento, sendo definido como o lugar onde se travam as disputas, as diferenças e as concorrências existentes dentro do espaço social, visto sempre como o espaço da teoria, pois, quando se trata da realidade social, cabe, incluir que:

Bourdieu sempre advertiu e mostrou que a noção de campo, definida em conformidade com a realização de um estudo empírico concreto, necessita ser compreendida em sua interdependência, ou seja, em relação a outra(s) noção(ões) – por exemplo, as noções de campo, habitus e capital [...]. A noção de campo substitui a de sociedade, pois, para ele [Bourdieu], uma sociedade diferenciada não se encontra plenamente integrada por funções sistêmicas, mas, ao contrário, é constituída por um conjunto de microcosmos sociais dotados de autonomia relativa, com lógicas e possibilidades próprias, específicas, com interesses e disputas irredutíveis ao funcionamento de outros campos (CATANI, 2011, p. 191-192).

Atentando para os critérios que devem ser utilizados, como chama a atenção Catani (2011), quando se trata do campo empírico, o campo pode ser considerado, em função das relações que são ocupadas pelos agentes sociais, apenas e na medida em que ele possa ser visto a partir da mobilização e dos interesses de funcionamento ou de orientação que ocorrem dentro da realidade. Falando em outras palavras, existe uma dominação que se manifesta pelas estratégias pelas quais os agentes sociais se mobilizam nos diferentes campos. Nesse aspecto, tem “tantos interesses quantos campos, enquanto espaços de jogo historicamente constituídos, com suas instituições específicas e suas próprias leis de funcionamento” (BOURDIEU, 2004b, p. 126-127). Consequentemente, são esses interesses historicamente constituídos dentre das relações sociais que buscamos compreender a partir do conceito de campo religioso. 66

1.3.1 Bourdieu e o Conceito de Campo Religioso

Bourdieu (2007c) adotando as palavras do inatista e fundador da Universidade de Berlim, Wilhelm von Humboldt61, quando fez ver que a língua é como um “círculo mágico em torno do povo a que pertenceu, um círculo de que não se pode sair sem saltar para dentro de outro” (BOURDIEU, 2007c, p.27), evidencia que Humboldt não desconsiderou as questões culturais sobre o processo de transformação da língua. Por certo, a mistura cultural acabou repercutindo no próprio redimensionamento da linguagem humana, portanto, este sempre será um conhecimento inacabado. Foi esse processo imperfeito e inconclusivo que serviu para “Cassirer [abarcar] as formas simbólicas e, em particular, aos símbolos do rito e do mito, quer dizer, à religião concebida como linguagem” (BOURDIEU, 2007c, p. 27). Esse mesmo princípio, segundo a visão bourdieusiana, tornou-se condição sine qua nom para compreender, refutar ou negar, as teorias sociológicas, especificamente, as diferenças entre Durkheim e Max Weber. Desta forma, chama a atenção para o risco que se corre em cair nos erros das omissões ou nos (pseudo) pluralismos, pois, como a língua, essas foram criações que culturalmente geraram uma natureza simbólica chegando a tal ponto, quando se trata do materialismo histórico, “que a corrente althusseriana achou por bem fundar uma igreja pronta a erigir uma teoria maiúscula a fim de resguardar o legado marxista do processo real e das ideologias rivais (MICELI, 2007c, p. XXXIV). Com o fim de estabelecer uma distinção entre as diversas teorias culturais daquelas que foram construídas pelos pioneiros da sociologia, Bourdieu distingue [...] duas posturas principais dentre as diversas orientações que lidam com sistemas de fatos e de representações comumente recobertos pelo conceito mais abrangente de cultura62. De um lado, a problemática kantiana que encontra seus herdeiros em Cassirer, Sapir, inclusive Durkheim e Lévi- Strauss, que considera a cultura — e por extensão todos os sistemas simbólicos, como a arte, o mito, a linguagem etc. — em sua qualidade de instrumento de comunicação e conhecimento responsável pela forma nodal de consenso, qual seja o acordo quanto ao significado dos signos e quanto ao significado do mundo. De outro, tende-se a considerar a cultura e os sistemas simbólicos em geral como um instrumento de poder, isto é, de

61 Wilhelm von Humboldt nasceu em 1767 na cidade de Potsdam (Alemanha). 62 Para Laraia (2006), Alfred Kroeber (1876-1960) ao ampliar o conceito de cultura que havia sido definido por Edward Tylor (1832-1917) como um emaranhando de conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes, qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos, demonstrou que a cultura atua sobre o homem, por isso, existe no mundo social, uma série de pontos de vista ao seu respeito que são controvertidos, além do que as suas explicações contrariaram um conjunto de crenças populares. Nesse sentido, a cultura pode ser vista como herança, padrão, adaptação, barreira ou aproximação, processo acumulativo, ação criativa, experiência histórica, descobertas cientificas, capacidades artísticas, crenças, tradições religiosas ou, mesmo, pode estar atrelada aos profissionais da música, da obra de arte e etc. 67

legitimação da ordem vigente. Refere-se, neste caso, à tradição marxista e à contribuição de Max Weber que, a despeito desta aproximação, acham- se separados por outros tantos motivos (MICELI, 2007c, p. VIII).

Não foi à toa que o “anjo caído” do Paraíso se diferenciou de outros animais, pois, além de ter o dom da comunicação (a linguagem) e a possibilidade de fazer e utilizar as técnicas, ainda foi possuidor da cultura e suas contradições. Assim, se por um lado, a linguagem foi defendida dentro dos aspectos físicos e mentais, por outro lado, sem refutar os aspectos psicofísicos, a linguagem ganhou o valor simbólico. Nesse aspecto, Bourdieu (2007c) afirma que o tratamento sobre os sistemas simbólicos como instrumentos de comunicação e de conhecimento tem como ponto de partida a teoria da função de integração lógica e social das “representações coletivas” e, em particular, das “formas de classificação” religiosas de Durkheim. De tal modo, seguindo a Durkheim (2003) que atribui a religião a um conjunto de práticas e representações revestidas de caráter sagrado, Bourdieu (2007c) concebe a religião como uma linguagem, um sistema simbólico de comunicação e de pensamento. Sentido no qual reconhece que existe uma contribuição teórica de Durkheim para com a sociologia da religião, afirmando que muitos beberam nele, mesmo que tenha sido para refutar ou ampliar a sua teoria. Um que pode ser citado foi Lévi-Strauss que no “capítulo de O Pensamento Selvagem dedicou à “lógica das classificações totêmicas”, que constituíram uma resposta sem dúvida incomparavelmente mais elaborada ao problema posto por Durkheim, e, portanto, kantiano, das “formas primitivas de classificação” (BOURDIEU, 2007c, p. 28). Todavia, Durkheim foi um dos primeiros a se preocupar em estudar as categorias do pensamento, processo no qual tinha por objetivo buscar a gênese das transformações dos conceitos no marco de uma sociologia do conhecimento. Para tanto, traz as categorias de espaço e tempo como noções que permitem coordenar e organizar os dados empíricos, além de tornar possível a compreensão sobre os sistemas de representação que o homem elabora sobre o mundo e sobre si mesmo em uma determinada sociedade e momento histórico concreto. Com isso, Durkheim encontra em uma "teoria sociológica do conhecimento", o mesmo que uma sociologia das formas simbólicas, o fundamento “positivo e empírico do apriorismo kantiano”, sinalizando que as categorias de pensamento se refazem invariavelmente, pois, modificam-se em função das culturas e das épocas históricas. Assim, quando críticas são atribuídas a ele, “elas não se restringem à violenta repressão imposta às contribuições fundamentais da escola de Durkheim, mas, pelas censuras conjuntas do bom - mocismo espiritualista e do bom-tom intelectual, (BOURDIEU, 2007c, p. 28). 68

Bourdieu (2007c) ainda chama atenção para a metodologia de Durkheim, cuja pretensão era deixar de lado a questão das funções econômicas e sociais dos sistemas míticos, rituais e religiosos que devem ser submetidos à análise. Mediante a crítica diz que, ao contrário do que pensava Durkheim e os seus seguidores, existe uma relação entre a economia, a política e a religião em suas funções, pois, essas são formas imbricadas de poderes simbólicos, uma vez que os sistemas simbólicos organizam o mundo natural e, ao mesmo tempo, derivam dele suas estruturas por meio das reproduções continuadas de um único e mesmo princípio de divisão, aplicando neles mesmos o recorte de “classes antagônicas, como pelo fato de que engendram o sentido e o consenso em torno do sentido por meio da lógica da inclusão e exclusão [...] de associação e dissociação, de integração e distinção” (BOURDIEU, 2007c, p. 30). Assim, as funções sociais (no sentido de Durkheim ou no sentido “estrutural-funcionalista” do termo) tendem sempre a se transformar em funções políticas na medida em que a função lógica de ordenação do mundo que o mito preenchia de maneira socialmente indiferenciada operando uma diacrisis, ao mesmo tempo, arbitrária e sistemática no universo das coisas, subordina-se às funções socialmente diferenciadas de diferenciação social e de legitimação das diferenças, ou seja, na medida em que as divisões efetuadas pela ideologia religiosa vêm recobrir (no duplo sentido do termo) as divisões sociais em grupos ou classes concorrentes ou antagônicas (BOURDIEU, 2007c, p. 30- 31). Ao considerar os sistemas simbólicos como instrumentos do poder e afirmar que a religião cumpre uma função de conservação da ordem social, Bourdieu (2007c) diz que Weber rompeu com a visão simplista do discurso mítico religioso e mostrou a fragilidade das teorias reducionistas que tomavam a religião como um reflexo direto das estruturas sociais. Max Weber, não consegue apreender a mensagem religiosa do mesmo modo que Lévi-Strauss, ou seja, como o produto de “operações intelectuais” (por oposição a operações “afetivas” ou práticas), como também não consegue refletir a respeito das funções especificamente lógicas e gnosiológicas daquilo que considera como um conjunto quase sistemático de respostas a questões existenciais. Todavia, ao mesmo tempo, Weber encontra os meios de correlacionar o conteúdo do discurso mítico (inclusive sua sintaxe) aos interesses religiosos daqueles que o produzem, que o difundem e que o recebem (BOURDIEU, 2007c, p. 32). Outro aspecto trazido por Weber que é referenciado por Bourdieu (2007c) diz respeito à sua compreensão sobre o sistema de orientação religiosa monoteísta, no qual se criou uma concepção sobre o mundo dominante. Nesse contexto, destacou-se o trabalho especializado da era moderna que na religião se encontrou nas figuras dos sacerdotes, como especialistas capazes de exercer influência sobre os homens. Ao fazer isso Weber, na ótica 69

de Bourdieu (2007c), mesmo criticando, negando e sendo contrário ao materialismo histórico, reconheceu a existência de uma legitimação do poder do monopólio da religião a serviço dos dominantes e a domesticação dos dominados. Isto significa que, se por um lado “Weber enxergou na gênese histórica de um corpo de agentes especializados o fundamento da autonomia relativa que a tradição marxista confere à religião, sem daí extrair todas as consequências econômicas”, mas, por outro lado, demonstrou também, que havia dentro da modernidade “um sistema de produção” de uma ideologia que era proveniente da ordem religiosa (BOURDIEU, 2007c, p. 33). Seguindo como ponto de partida os discursos antagônicos de Weber e de Durkheim, Bourdieu (2007c p. 33- 34) concluiu que a religião, por ser ao mesmo tempo impositiva e dissimulada, fornece os “princípios de estruturação da percepção e do pensamento do mundo e, em particular, do mundo social, na medida em que impõe um sistema de práticas e de representações cuja estrutura objetivamente está fundada em um princípio de divisão política”. Dentro deste critério a “religião opera um ordenamento político lógico do mundo natural e sobrenatural do cosmo”. A religião interessa à Sociologia por ser um sistema de “pensamento e comunicação”, ela também interessa por ser uma ordenação do “poder e dominação”. Deste encontro mais particular com Weber, Bourdieu (2007c) estabelece as relações entre o campo religioso e o campo do poder e, para isso, elucida que, enquanto a dispersão espacial rural atrapalhava as trocas econômicas e simbólicas, as aglomerações produzidas pelas formações das cidades possibilitaram as tomadas das consciências e dos interesses coletivos, dessa maneira, [...] o maior mérito de Weber foi o de haver salientado o fato de que a urbanização (com as transformações que provoca) contribui para a “racionalização” e para a “moralização” da religião apenas na medida em que a religião favoreceu o desenvolvimento de um corpo de especialistas incumbidos da gestão dos bens de salvação (BOURDIEU, 2007c, p. 35).

Weber, segundo Bourdieu (2007c), compreendeu que, através de uma orientação religiosa monoteísta, criou-se uma concepção do mundo dominante. Destaca-se, assim, o trabalho especializado da era moderna que dentro da religião se encontrou nas figuras dos sacerdotes como os especialistas capazes de exercer influência sobre os homens. Ao considerar que o corpo de especialista (padres, sacerdotes, bruxos, profetas e, na condição contemporânea, acrescentamos os pastores), possui tanto um capital social, quanto um capital simbólico, isto dentro da estrutura de uma intitulação religiosa que transforma os 70

leigos em dominados, principalmente, se forem tomadas como exemplo, as hierarquias que existem na maior representação da religião cristã (Igreja Católica Apostólica Romana). Cabe, ainda, refletir que, de acordo com Bourdieu, dentro da ordem histórica, houve uma divisão do trabalho religioso como um processo de moralização e de sistematização das práticas e crenças religiosas, onde [...] o conjunto das transformações tecnológicas, econômicas e sociais, correlatas ao nascimento e ao desenvolvimento das cidades e, em particular, aos progressos da divisão do trabalho e à aparição da separação do trabalho intelectual do trabalho material, constituem a condição comum de dois processos que só podem realizar-se no âmbito de uma relação de interdependência e de retorço reciproco, a saber, a constituição de um campo religioso relativamente autônomo e o desenvolvimento de uma necessidade de "moralização” e de “sistematização” das crenças e práticas religiosas (BOURDIEU 2007c, p. 34).

Entretanto, o que ocorre é que visões do mundo social se perdem em oposições morfológicas63 criando as dualidades dentro da história, dentro da ciência e dentro da religião. Como exemplo, pode ser citado que o monoteísmo era ignorado pelas sociedades de subsistência de pesca e/ou de caça, “somente se expandindo nas classes dominantes das sociedades fundadas em uma agricultura já desenvolvida e em uma divisão em classes [...] e, em particular, da divisão do trabalho religioso” (BOURDIEU 2007c, p. 37). Isto significa, para Bourdieu (2007c), que a dominação foi mapeada nas tradições e relações sociais. Neste cenário, o desenvolvimento das profissões, da intelectualidade e espiritualidade se por um lado rompeu com estruturas sociais onde os dominados viam a sua condição como se fosse uma questão natural, por outro lado provocou, como bem diz Weber (2013), um desencantamento do mundo que acendeu uma ”transferência da noção de pureza da ordem mágica para a ordem moral, ou seja, pela transformação do erro como sujeira (miasma) em “pecado” (BOURDIEU 2007c, p. 37). Acolhendo o sentido da doença e do pecado que assolou o campo da religiosidade humana, Bourdieu (2007c) procura compreender que, se houve um processo da sistematização e da moralização, ele foi efeito das transformações das estruturas econômicas e sociais, mas, também, foi a consequência das relações de produção simbólica constituídas pelo campo intelectual cuja raiz remonta ao pensamento do mundo grego antigo. É nesse sentido que [...] o corpo de sacerdotes tem a ver diretamente com a racionalização da religião e deriva o princípio de sua legitimidade de uma teologia erigida em dogma cuja validade e perpetuação ele garante. O trabalho de exegese

63 Entendido como o estudo e a classificação das estruturas ou das formas de vida. 71

que lhe é imposto pelo confronto ou pelo conflito de tradições mítico- rituais diferentes, desde jogo justapostas no mesmo espaço urbano, ou pela necessidade de conferir a ritos ou mitos tornados obscuros um sentido mais ajustado às normas éticas e à visão do mundo dos destinatários de sua prédica, bem como a seus valores e a seus interesses próprios de grupo letrado, tende a substituir a sistematicidade objetiva das mitologias pela coerência intencional das teologias, e até por filosofias (BOURDIEU 2007c, p. 37-38).

Em contrapartida, em um espaço social também existe a deterioração ou ampliação dos capitais (econômico, simbólico, cultural e social), seja pela combinação cultural, seja por novas leituras científicas; tem sempre o fator de perder o caráter do sentido tradicional, cuja consequência, para Bourdieu, se traduz por uma “pauperização da religião, objetivamente incumbidas de assegurar a produção, a reprodução, a conservação e a difusão dos bens religiosos” (2007c, p. 40). Sobre esse aspecto Bourdieu enfatiza que o campo religioso produz e reproduz as ideologias, assim, muitas vezes, o pesquisador toma a teoria da religião de Durkheim cujo melhor resumo é a definição de “Igreja como uma comunidade moral que serve para diferenciar a religião da magia”, mas, ao contrário do que aspirava Durkheim em encontrar a verdade das “religiões complexas nas religiões elementares”, os limites de sua teoria ancoram nas questões “das variações da forma e do grau de diferenciação da atividade produtiva e, ainda mais, da forma e do grau de diferenciação do trabalho' de produção simbólica e das variações correlatas das funções e da estrutura da mensagem religiosa” (BOURDIEU, 2007c, p.42). Do lado oposto, outros buscam sustentação para estudos nos conceitos que foram elaborados por “Weber, [para quem], o “ mágico está para a magia, assim como o sacerdote está para a religião, um colégio de sacerdotes não é uma Igreja, assim como uma congregação religiosa devotada [...] não constitui um culto particular64” (BOURDIEU, 2007c, p. 42). Assim, se for tomado como base um estudo comparativo entre as duas obras, pode-se ver [...] como bem observa Weber, tendo em vista que a visão do mundo proposta pelas grandes religiões universais é o produto de grupos bem definidos (teólogos puritanos, sábios confucionistas, brâmanes hindus, levitas judeus etc.) e até de indivíduos (como os profetas) que falam em nome de grupos determinados, a análise da estrutura interna da mensagem religiosa não pode ignorar impunemente as funções sociologicamente

64 Sob a ótica de Weber: “Uma Igreja não é simplesmente uma confraria sacerdotal; é a comunidade moral formada por todos os crentes da mesma fé” (BOURDIEU, 2007c, p. 42). Nesse caso, “a mesma fé” pode ser vista por dois ângulos: pelo ponto de vista dos fiéis ou pelo ponto de vista dos sacerdotes. 72

construídas que ela cumpre: primeiro, em favor dos grupos que a produzem e, em seguida, em favor dos grupos que a consomem (BOURDIEU, 2007c, p. 42-43).

Nessas condições existe, para Bourdieu (2007c, p.43), “uma transformação da mensagem no sentido da moralização e da racionalização que pode resultar, ao menos em parte, do fato de que o peso relativo das funções que se pode considerar internas cresce na medida em que o campo amplia sua autonomia”. Isto quer dizer, no âmbito de uma mesma formação social, pode ser considerada a oposição entre a religião e a magia, entre o sagrado e o profano, entre a manipulação legítima e a manipulação profana do sagrado, pois, são essas formas “que dissimula a oposição entre diferenças de competência religiosa que estão ligadas à estrutura da distribuição do capital cultural” (BOURDIEU 2007c, p. 44), Isto significa que, muitas vezes, são os discursos teóricos que, incorporados pelo habitus, formam as representações que se tem do mundo social, ou seja, encontra-se, nesse processo, a coerência lógica do discurso religioso que não habita especificamente em um caráter meramente do sagrado em si, pelo contrário, diferente de sua aparente mensagem, a prática religiosa pode ser um reflexo daquilo que foi instituído através das obras. Encontra- se, assim, os princípios de um habitus (esquemas de percepção e ação incorporadas) cuja natureza está na capacidade especificamente ideológica, portanto, produtora de bens culturais. Isto pode ser melhor esclarecido se for tomado como exemplo que o campo religioso (espaço de lutas) é dividido entre especialistas (institucionalmente designados para exercer as suas funções religiosas) e os leigos (como os desapropriados do saber específico religioso), então, o caráter do sagrado e da tradição, está diretamente vinculado à capacidade que os primeiros têm em “mobilizar”, pela linguagem, os interesses religiosos para os segundos. Sobre esse aspecto Bourdieu (2007c) enfatiza que, entre as estruturas dos sistemas de representações e práticas religiosas, existe um instrumento de imposição e legitimação da dominação contribuindo para assegurar o poder do especialista sobre o leigo. Bourdieu (2007c p. 52-57) diferente de Weber (2103b), não tomou como ponto partida para a sua análise determinadas ou específicas denominações religiosas, mas, ao trazer a noção da divisão do trabalho religioso como um meio de superar o dilema entre as posições objetivas e subjetivas, acabou por sistematizar um caminho que nos permite compreender como ocorre o funcionamento de um “campo religioso”. Para tal, apresenta sete pontos, dentre os quais, retiramos aquilo que compreendemos ser o melhor caminho para as nossas análises sobre o campo religioso de Itapetinga, são eles: 73

1. O interesse religioso tem por princípio a necessidade de legitimação das propriedades vinculadas a um tipo determinado de condições de existência, disso decorrem os interesses diferenciados e as ideologias. 2. O interesse religioso tem por princípio a necessidade de legitimação das propriedades materiais ou simbólicas, cuja validação empírica revestem as práticas e as crenças religiosas. Vale dizer que a circulação da mensagem religiosa implica, necessariamente, em uma reinterpretação que pode ser operada de forma consciente por especialistas e recebida inconscientemente pelos leigos. Ou seja, a estrutura dos sistemas de representações e práticas reforçam sua eficácia mistificadora que, por trás das aparências de dogmas e ritos comuns, efetua-se a imposição lógica que toda religião realiza. 3. Uma prática (ou uma ideologia religiosa), por definição, somente pode exercer o efeito propriamente religioso de mobilização (correlato ao efeito de consagração) na medida em que o interesse político que a determina e a sustenta, subsiste dissimulados pelos discursos, tanto daqueles que os produzem, como daqueles que os recebem. 4. A crença na eficácia simbólica das práticas e representações religiosas faz parte das condições da eficácia simbólica das práticas e das representações religiosas. 5. A prática religiosa cumpre uma função de conhecimento/desconhecimento, basta perceber que os especialistas religiosos devem forçosamente ocultar a si mesmos e aos outros que a razão de suas lutas são interesses políticos. Isto porque a eficácia simbólica de que podem dispor nestas lutas depende de tais interesses (ou seja, em linguagem “pagã”, interesses “temporais”). 6. O nome carisma designa, na realidade prática, as suas propriedades de eficácia simbólica através do poder simbólico. Nesse sentido, existe uma eficácia específica da profecia na medida em que conserva a fé do profeta em sua própria “missão” e ao mesmo tempo lhe fornece os princípios de sua ética profissional, sobretudo, a recusa pública de todos os interesses temporais. 7. A ideologia da revelação, da inspiração ou da missão constitui a forma, por excelência, da ideologia carismática, isto porque a convicção do profeta contribui para a operação de inversão e de transfiguração que o discurso profético realiza, impondo uma representação da gênese do discurso profético que faz descer do céu o que ele devolve ao céu aqui da terra. Logo, a função de um campo religioso em Bourdieu (2007c, p. 57) depende: a) do estado, em um dado momento do tempo, da estrutura das relações objetivas entre a demanda religiosa e a oferta religiosa que as diferentes instâncias são compelidas a produzir e a 74

oferecer em virtude de sua posição na estrutura das relações de força religiosas., b) determina tanto a natureza, a forma e a força das estratégias que estas instâncias podem colocar a serviço da satisfação de seus interesses religiosos, como as funções que tais instâncias cumprem na divisão do trabalho religioso ou em consequência, da divisão do trabalho político. Portanto, para Bourdieu (2007c), o que importa são os interesses e as estratégias utilizadas pelos sistemas religiosos universais, como a melhor menção para compreender a estrutura social a partir de um campo religioso, isto tomando como critério que, ao mesmo tempo que eles criam as manutenções, também rompem com o processo de dominação. Ou seja, como o campo religioso é formado por instituições religiosas, ali habita a ideia de que elas estão acima dos interesses mundanos. Isto ao ser traduzido dentro das realidades práticas, estabelece uma relação entre a legitimação do dominante (pastores, sacerdotes e etc.) e a aceitação do dominado (fieis ou “leigos”) que se encontra na transferência do valor do bem-estar social sob a forma de compensação da Salvação. Com isso, os dominados aceitam e até reforçam a sua condição de subordinação. É por isso que Bourdieu (2007c) enfatiza que o campo religioso produz e reproduz as ideologias (materialista), como também é comunicação (funcionalismo) que, por sua vez, assinalam, mas do que aquilo que foi visto por Weber, pois nela está implícito não somente os interesses por ações e práticas mágicas, mas, também, as condições de existência que vivem na própria posição do sujeito dentro da estrutura social. Deriva desse fato tanto a integração da conduta cotidiana como a própria aceitação de uma determinada posição social ocupada dentro da instituição religiosa, seja ela pelo especialista ou pelo leigo. Portanto, se a religião tem sido pensada no campo das Ciências Sociais sob distintas matrizes teóricas, com diferentes graus de abstração e de generalização, a pretensão aqui foi delimitar dentro da perspectiva do espaço social, o fio condutor entre os discursos produzidos pelos pensadores clássicos da Sociologia – Marx, Weber e Bourdieu – e o próprio panorama dessa pesquisa. Com base nessa delimitação que construiremos nos capítulos III, IV e V aquilo que apreendemos da realidade da cidade de Itapetinga.

75

CAPÍTULO II O LUGAR E O TEMPO DA IGREJA BATISTA EM ITAPETINGA

Acompanhar a trilha efetuada pelos batistas até a sua chegada a Itapetinga conduz- nos a sair dos muros” imaginários” que compõem o espaço da cidade, por uma excursão em um tempo onde fosse possível encontrar o início do processo histórico e social do batista como cristão, pois, “qualquer religião tem ‘também sua história, ou melhor, há uma memória religiosa feita de tradições que remontam a eventos distantes do passado e que aconteceram em determinados lugares” (HALBWACHS, 2006, p. 185). No entanto, impossível foi localizar um lugar ou uma data específica sobre a origem histórica dos batistas; de tal modo, o que podemos apresentar são as memórias como a do teólogo e apresentador de programas de televisão, George Edward Vandeman que diz gostar dos batistas “por sua liberdade, [conquistada] por uma luta complexa e fascinante, entre os protestantes. [...] tudo começou com o movimento anabatista no século XVI” (1993, p. 25). A origem advinda da herança protestante europeia também é defendida pelo historiador das práticas e representações da Igreja Católica, Jean Delumeau (1989, 1994), pelo historiador da teologia protestante, Justo L. González (1994) e pelo precursor da sociologia compreensiva, Max Weber (2013). Respeitadas as divergências epistemológicas entre os pesquisadores, em suas leituras encontra-se um ponto em comum: para eles a circulação dos batistas foi originada dos movimentos reformistas ocorridos na Europa dos séculos XVI e XVII. Ou seja, por terem sido herdeiros dos anabatistas suíços ou dos puritanos calvinistas ingleses têm o mesmo sentido trazido por Mendonça (2008), quando os classifica como históricos. Da origem europeia pós reformista, advinda dos movimentos anabatistas, o marco foi o movimento desencadeado pela revolta em Zurique, tendo como principal reformador Zwínglio que, nas palavras de Mainka (2001, p. 146), tornou a Suíça “naquele tempo, de fato, um centro europeu de modernização quanto ao pensamento teológico e político”. Já a representação para a origem dos batistas ligada aos calvinistas65 tem como ponto de apoio um pequeno grupo que sobreviveu na Holanda. Foi a partir dos reformados “ingleses exilados e liderados por John Smith que fundaram, em 1609, a primeira das Uniões batistas mais modernas” (GAARDER et al, 2005, p. 215).

65 Encontra-se nessa dimensão, de acordo com Paixão (2013), a crença de que os batistas são descendentes dos movimentos separatistas e/ou puritanos conformistas da Inglaterra.

76

No entanto, Mendonça (2005, p. 51) chama a atenção para um fato que, corriqueiramente, passa despercebido para o mundo acadêmico: embora os batistas mantenham os princípios teológicos e eclesiológicos originados dos pós luteranos, existem, em seus círculos, alguns grupos que vivenciam um dilema quanto à sua origem histórica. Carroll (2007) é um dos testemunhos teológicos que defende, como ponto de vista, que eles (os batistas) “não são protestantes”, pois, já viviam como cristãos bem antes do tempo e do lugar da reforma”. Portanto, entre as três teorias, nascem as versões que defendem a origem dos batistas como protestantes ou como não protestantes. Essa série de intepretações torna inexequível descrever qualquer trajetória histórica dos batistas. Mas, para compreender se o caráter representativo das crenças batistas teve efeito sobre as ações sociais dos moradores da cidade de Itapetinga, cabe aqui delinear um panorama acerca dos elementos constitutivos deste ethos religioso66.

2.1 A Construção do Ethos Batista

Das condições da existência do estilo de vida “dourado” e regado a “ética”, nascem os batistas e deles “a teoria JJJ ou Jerusalém-Jordão-João; da teoria do parentesco espiritual com os anabatistas do Século XVI; e da teoria dos separatistas ingleses do Século XVII” (PEREIRA, 1979, p. 9), nascem as formas de pensamento que sustentam as diferentes visões sobre os batistas. Assim, encontramos as memórias, por vezes já registradas, como é o caso de “O Rasto de Sangue" de J. M. Carroll (1997) que, segundo Pereira (1979, p. 9), foi “largamente difundido entre os batistas do Brasil” ou, então, as memórias religiosas dos batistas publicadas em seus respectivos documentos: Pacto das Igrejas Batistas, Declaração Doutrinária, Princípios Batistas, Filosofia Batista (CBB, 2010). Tais documentos, ao mesmo tempo que organizam, também são organizados por uma teoria, nesse sentido, as lembranças em suas vivências cotidianas criam as representações do passado, pois, como disse Halbwachs (2006), uma imagem vai sendo engajada em outras imagens provocando, pelo tempo e pelo espaço, a reconstrução do passado. São nessas imagens que se encontram os acontecimentos que marcaram o pensamento dos defensores da teoria JJJ (Jerusalém-Jordão-João), pois, criaram um conceito sobre uma linhagem sucessória com o tempo e o lugar da vivência de João Batista, sobretudo, quando este praticou o batismo no Rio Jordão.

66 Pensado aqui enquanto “dominação e legitimidade de suas doutrinas” (BOURDIEU, 2004b) no território itapetinguense. 77

Essa teoria se popularizou no sul dos Estados Unidos no final do século XIX e início do século XX através de um movimento que foi denominado por landmarkista. Essa era uma corrente cristã “radical que considerava a eclesiologia batista como a única neotestamentária" (MENDONÇA, 2008, p. 297). Portanto, foi a imagem do cristianismo primitivo que os landmarkistas defendiam, acreditando que seriam os “verdadeiros” descendentes “de uma sucessão apostólica, não através de uma linha de bispos, mas de uma ininterrupta corrente de congregações voluntárias idênticas às do Novo Testamento, desde os tempos apostólicos até o presente” (MENDONÇA, 2008, p. 297). Dentre os teólogos do "landmarkismo", Mendonça (2008) destaca a figura de James R. Graves, nascido em 10 de abril de 1820, em Chester – Vermont (EUA), e falecido em 26 de junho de 1893, em Memphis – Tennessee (EUA), dizendo que ele acusava o protestantismo dos reformadores do século XVI de corrupto, tal qual, fora a Igreja Católica Romana. O mesmo menciona o sucessionista Carroll (1997), quando adverte que a Igreja Católica ao aceitar uma prática cristã elevada por Constantino à categoria de religião do Estado, em nada permaneceu fiel aos desígnios cristãos, ao contrário, tornou a representante de uma prática religiosa corrupta. Com os reformados, para ele também não teve muita diferença. A ruptura e o não reconhecimento do pacto do cristianismo com o Estado marcou o pensamento dos batistas neotestamentários ou sucessionistas, como o [...] historiador Thomas Crosby, que escreveu, entre 1738 e 1740, uma História dos Batistas Ingleses, em quatro volumes. Outro historiador, G. H. Orchard escreveu, em 1855, uma História Concisa dos Batistas Estrangeiros, defendendo a mesma ideia. Perfilharam o mesmo ponto de vista J. M. Cramp, professor na Nova Escócia, que publicou, em 1868, uma História Batista: Desde os Princípios até o Fim do Século XVIII, e John T. Christian, professor do Instituto Bíblico, hoje Seminário Batista de New Orleans que escreveu, em 1922, uma História dos Batistas. Adota também essa teoria um opúsculo largamente difundido no Brasil sob o título O Rastro de Sangue, da autoria de um pastor batista, J. M. Carroll (PEREIRA, 1979, p. 9). A defesa do Sucessionismo Batista também encontra sustentação nas ideias do escritor e Pastor Nevins (1981) que, em sua obra, “ Batismo Estranho e os Batistas67” traz argumentos que remontam ao ano 200 da era Cristã, a existência dos batistas, como também, que foram eles, entre os cristãos, a defender o modelo do batismo como foi expresso pelas

67 O título original é “Alien baptism and the Baptists” – publicado, originalmente, em 1938, no Brasil teve a sua versão publicada em 1981 e consta em nossas Referências Bibliográficas. A tradução brasileira traz a palavra “alien” como “estranho”; existem, na língua inglesa, alguns outros sinônimos para a expressão, são eles: exótico, estrangeiro, extraterrestre, não cidadão, estranho desconhecido. Poderíamos, então, refletir que o batismo, por imersão, praticado pelos batistas lhes conferia o título de “não cidadãos” e, como tal, eram sujeitas às mais estranhas penalidades. 78

Escrituras Sagradas. Para comprovar tal ideia, Nevins (1981), por eliminação histórica, justifica que “qualquer igreja cuja origem esteve no tempo medieval ou moderno, não é a igreja estabelecida por Cristo, pela simples razão: não existia quando Cristo fundou a Sua Igreja ” (NEVINS, 1981, p. 33). Os nomes de algumas das Igrejas que, para Nevins, são históricas, se encontram descritas abaixo. QUADRO Nº 02: Igrejas Históricas/Tradicionais IGREJA AUTOR DATA DOUTRINA Ciência Cristã Mary Baker Eddy 1879 Fundamentação Cristo e cura cristã, Mórmons Joseph Smith 1830 Deus um homem glorificado. Cristãos Alexandre 1827 A igreja é o corpo de Cristo organizado. Campbell Metodistas John e Charles 1730 Quadrilátero: Escrituras interpretadas Wesley pela fé, pela razão, tradição e experiência pessoal. Episcopais Henrique VIII 1538 A fé cristã afirmada e autorizada pelo Credo dos Apóstolos e Credo Niceno. Presbiterianos João Calvino 1532 Predestinação. Luteranos Martinho Lutero 1521 Justificação pela fé; Sacerdócio Universal; e Bíblia como única fonte segura para a fé. Fonte: Willian Manlius Nevins (1981, p. 34).

Quando se exclui os batistas dos reformadores, encontra-se sustentação no princípio do reconhecimento do batismo que deve ser efetuado em adultos ou, pelo menos, na idade da razão. Essa sem dúvida é, para eles, a maior prova da total separação entre a Igreja e o Estado. Ou seja, o batismo ao ser efetuado na infância cria para esses cristãos a ligação entre o indivíduo e o território de nascimento, mas, sendo a religião cristã apátrida [...] não procurou secularizar-se, nem procurou por qualquer apoio de qualquer governo. Não procurava destronar a César. Disse Jesus: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mat. 19:22; Mar. 12:17; Luc. 20:20). Sendo uma religião espiritual, não visava rivalizar-se com os governos terrenos. Aos seus adeptos, era ensinado a respeitar todas as leis civis, como também aos governos (CARROLL, 1997, p. 17). Como os cristãos primitivos, os batistas, de acordo com Pereira (1979), também não reconhecem a ligação da Igreja/Estado, muito menos, o mérito do batismo como o caminho para a Salvação. Para eles, o significado desse ritual apenas é encontrado se a sua efetivação for um ato de subordinação, obediência e reconhecimento de Jesus Cristo como o único caminho para a vida eterna, além disso, [...] longe do pensamento dos escritores neotestamentários se encontra a ideia de uma Igreja Católica, eficientemente organizada, com um chefe terreno que fosse o substituto de Jesus Cristo. Há a ideia de uma Igreja composta de todos os crentes. Em ‘Mateus 16.18’ temos Jesus usando o 79

termo “igreja” nessa acepção. A igreja pode ser considerada sinônimo de cristianismo. Cristianismo verdadeiro, bem entendido. Tem como chefe Jesus Cristo, não tem outros ministros senão ele, não tem sombra de organização humana e só se reunirá inteira após o juízo final (PEREIRA, 1979, p. 15). Essas ideias coadunam com o pensamento do defensor neotestamentário J. M. Carroll (2007) que reconhece em Cristo o autor, fundador, sacerdote, rei, senhor e legislador da religião cristã. Para Carroll (2007), foi a partir das diretrizes desse criador que seus seguidores se reuniram em uma organização e a chamaram por “Igreja”. Portanto, ao se titular como Igreja cristã deve ter por ofício, apenas, pastores e diáconos, ser totalmente independente em governo e disciplina, ter por critérios, apenas, a ordenança do batismo (voltado para a conversão do crente) e a ceia do Senhor (proclamada em memória de Cristo). O apresentador Clarence Walker68 (2007) ao introduzir o texto de Carroll (2007), delega a este o título de líder entre os batistas do Texas (EUA). Como também, o mérito pelo seu notável reconhecimento em ordem mundial dentre as Igrejas Batistas. Para Walker (2007), as palavras de Carroll devem ser vistas dentro de uma linha teológica. Por essa razão, Walker (2007) recrimina qualquer tipo de crítica que seja dirigida ao pastor, sobretudo, aquelas que dizem respeito a falta de uma precisão histórica. Segundo Walker (2007), a leitura em Carroll deve ser vista como as memórias de um oficio de fé que traz uma riqueza de detalhes onde, através das leis humanas (concílios e éditos), como também, da Lei Divina (Novo Testamento), produziu um longo estudo sobre os batistas pelo tempo que ele chamou de: “1.200 anos de trevas da meia-noite, escurecidos pelos rios e mares do sangue mártir” (CARROLL, 2007, p. 20). Em Carroll (2007), o interesse maior de Roma e de sua Igreja (católica) não era a religião cristã em si, mas, sim, o domínio territorial, tanto do ponto de vista político como econômico e social. O batismo na infância não tirava o pecado, pois, é inconcebível que um recém-nascido possa cometer algum ato que vai de encontro à vontade de Deus. A ideia do batismo na Infância tinha a intenção de consolidar a união do Estado com a Igreja como se fosse um único corpo, por essa razão, por volta de “426 d. C., justamente dez (10) anos depois do estabelecimento legal do batismo infantil, começou o rasto de sangue dos cristãos” (CARROLL, 2007, p. 42).

68Clarence Walker era pastor da Igreja Batista de Ashland Avenue e presidente do Seminário Batista de Lexington, Kentucky, E.U.A. É ele quem faz a apresentação e a introdução do livro “O Rasto de Sangue” de Carroll (2007). 80

Entre o período primitivo da era cristã e a Reforma do século XVI, segundo Carroll (2007), o cristianismo, para uma grande maioria, foi substituído por um papismo que tomou forma com Leão II, a partir de 440 a 461 d.C. Foi nesse tempo que o modelo democrático das Igrejas foi substituído por um governo eclesiástico. Aos poucos, através dos concílios ou éditos, as mudanças impregnaram a memória europeia e, no alvorecer da “Idade das Trevas”, quando o modelo papal tomou corpo definitivo, os cristãos romanos, agora honrada e socialmente nominados, passaram a perseguir aqueles que permaneceram fiéis ao Novo Testamento e que, naquele momento, eram chamados por variados nomes. Sobre esse aspecto, Delumeau (1989) alertou que havia a ideia generalizada na Europa que fora da Igreja Católica não haveria Salvação. Era comum ao homem medieval acreditar na veracidade desta Igreja, com isto, aos poucos, foi sendo criado um imaginário social que no transcorrer do tempo se converteu em um verdadeiro dilema humano: ou o homem era católico ou estaria perdido em sua Salvação eterna, pior, a negação à Igreja Católica poderia vitimar toda a humanidade com a ira de Deus. Quando o movimento protestante alemão instituiu as três doutrinas: “a justificação pela fé, o sacerdócio universal e a infalibilidade apenas da Bíblia”, segundo Delumeau (1989, p. 59), isso provocou a representação do sentimento da participação do indivíduo na construção da própria identificação espiritual, tendo na valorização da vocação do leigo a oportunidade de conhecer e divulgar a Bíblia que, supostamente, estava colocada ao alcance de cada homem e mulher. Se por um lado essa base teológica evidenciou o primeiro movimento reformador frente à Igreja Romana, uma vez que as veiculações dessas ideias dividiram definitivamente a mentalidade cristã, por outro lado, permaneceram os luteranos como uma Igreja estatal, ou seja, ainda era a Igreja tutelada pelos princípios do Estado. Não foi diferente com a Reforma Inglesa em sua lenta transição dentro da política – tanto na época de Henrique VIII e, com a sua morte, no breve governo de seu filho Eduardo VI (1537-1553) ou, ainda, no reinado de Elizabeth I –, a Igreja Anglicana se manteve conservadora cultivando, pela ótica de Mendonça (2008), o velho sistema de governo da Igreja Romana e muitas das antigas formas do culto católico. Ainda sobre o tempo da liderança de Eduardo VI, Mendonça (2008) fala que surgiu uma ala mais radical, dentro da Igreja Anglicana, que era desejoso de uma reforma mais completa do cristianismo. Esse grupo queria a simplificação do culto, a abolição do episcopado, a adoção do sistema presbiteriano de governo, o congregacionalísmo e a disciplina rigorosa. Mas, demorou muito 81

tempo para que esses reformadores criassem o partido dos puritanos ingleses, como veremos depois. Além disso, quando o luteranismo perdia o folego, João Calvino· (1509-1564) deu “nova vida e nova forma à Reforma. Retido em Genebra/Suíça por Farel, em 1536, expulso da cidade dois anos depois, chamado novamente pelos genebrinos em 1541 [...] o autor da Instituição Cristã foi transformado em segundo patriarca da Reforma” (DELUMEAU, 1994, p. 128). Aparece, deste modo, o que foi representado como a “Segunda Reforma” ou “Reforma Suíça”, cujo contraste com a reforma luterana e anglicana centrava-se na ideia de uma renovação radical da igreja sendo difundido, posteriormente, como indica Delumeau (1994, p 128-130), por: “tradição reformada”, “fé reformada” e “teologia reformada” Porém, Calvino, que acreditava em uma Igreja invisível e pertecente a Deus, sendo necessário galgar a sua visibilidade para os fiéis, “lutou para que essa Igreja visivel, ficasse não separada do Estado, mas autônoma em relação a ele. Não teve exito, senão parcialmente” (DELUMEAU, 1989, p. 124). Para Calvino, a Igreja e o Estado eram criações divinas e, como tal, deveriam, ambos, em cooperação, trabalhar juntos para o avanço do Cristianismo. Um dos marcos de Calvino foi a influência da teoria da predestinação na Reforma inglesa, sob o signo particular do Puritanismo. Essa herança havia sido traçada desde os tempos dos reinados de Eduardo VI e de Isabel (Rainha Elizabeth I), quando as obras de Calvino foram traduzidas para o inglês. Essa ligação Igreja/estado serviram como sustentação, segundo Carroll (2007), para que a Reforma Protestante não respeitasse a liberdade cristã como está detalhada no Novo Testamento, por essa razão, os reformadores, tal qual os católicos, mantiveram o cristianismo refém do Estado e aquele que negasse esse vínculo era perseguido por Luteranos, Anglicanos e Presbiterianos. Nesse aspecto, a Reforma em lugar de esperança literalmente foi, para Carroll (2007), uma sangrenta desilusão para os batistas. Essa é a prova determinante para afirmar que eles (os batistas) não saíram da Igreja Católica, nem foram dissidentes da Reforma Protestante. Portanto, Se o nome Batista é um apelido dado por inimigos, até o dia de hoje o nome batista nunca foi oficialmente adotado por qualquer grupo de batistas. [...], mas, tal nome é perfeito. Este foi o nome distintivo do precursor de Cristo, o primeiro a ensinar a doutrina que os batistas agora mantêm (CARROLL, 2007, p. 85). Como a origem batista perpassa pelo cruzamento de suas memórias, podemos observar de onde Carroll (2007) produziu as suas lembranças, pois, traz em seu texto as ideias do pregador batista João Bunyan, o inglês que foi “preso em 1660, sob a acusação de 82

fazer reuniões ilícitas e contrárias ao ideal religioso da Igreja Anglicana. Ficou recluso por 12 anos (Bedford) onde escreveu o livro o Peregrino” (CARROLL, 2007, p. 89). Há de lembrar que a disputa pelo campo religioso cristão na Europa dos séculos XVI e XVII, provocou guerras, sendo proibido negar aos Sacramentos ou ao Estado. Assim, muitos morriam queimados, afogados ou, então, eram colocados para fora do território no qual habitavam. Todavia, tanto na obra fictícia do “ Peregrino” de Bunyan (1999) quanto na pesquisa teológica de Carroll (2007) em o “Rasto de Sangue” se houve a perseguição e morte desses cristãos, eles “não estavam dando o seu sangue em vão, [...] pois, com sua morte, ajudaram a pagar o preço da liberdade cristã” (CARROLL, 2007, p. 13). Essa narrativa, tomada como condição real, se traduz como se os batistas fossem os mártires em detrimento de uma Europa cruel e perseguidora. Isto pode ser verificado dentro das memórias dos batistas itapetinguenses que até a atualidade ainda utilizam o “Rasto de Sangue” como exemplo do bom mocismo. Essas são “verdades69” que “podem afetar, ao mesmo tempo, várias consciências coletivas distintas; disso concluímos que nesse momento essas consciências se aproximam e se unem numa representação comum [...] em um mesmo espaço (HALBWACHS, 2006, p. 140) que a um só tempo criam as representações humanas que acabam por instituir a própria construção social. Mediante tal argumento, quando os batistas pregam a liberdade de consciência, há de se entender que existem, em sua tradição, os princípios que, ao serem estabelecidos pela Declaração Doutrinária Batista (CBB, 2010), mostra que eles não são tão indiferentes à ideia que a sua origem é ligada aos primeiros cristãos. Isto está presente na aceitação das Escrituras Sagradas como única regra de fé e conduta; no conceito de Igreja como sendo uma comunidade local, democrática, autônoma e formada por pessoas regeneradas, sendo biblicamente batizadas; na total separação entre Igreja e Estado; na absoluta liberdade de consciência e na responsabilidade individual diante de Deus. Estes princípios que são comuns dentre as teorias sobre a origem dos batistas, adquirem para os neotestamentários a certeza que, se existe um “cristão genuíno”, ele é batista. Para além desse processo, os batistas também são vistos a partir do “parentesco espiritual com os Anabatistas”. Nesse percurso, “a religião Para os batistas, não é apenas uma teoria, mas uma pessoa” (VANDEMAN, 1993, p. 25). A origem dessa visão nasceu de uma luta árdua, começada com o movimento anabatista na Europa do século XVI quando,

69 Até a atualidade em Itapetinga a leitura das obras de Carroll e Bunyan são indicadas na Escola Dominical como leituras “preciosas” para entender a origem cristã batista. Por essa razão, coube aqui essa discussão. 83

Lutero seguia avante na Alemanha, Ulrich Zwínglio lançou a reforma na Suíça [...] buscando apenas uma reforma gradual das tradições da Igreja. [...]expulsaram os anabatistas. Os anabatistas de Zurique foram condenados à pena de morte. Mais tarde na Alemanha, o colega de Lutero, F. Melanchton (1497-1560) argumentou que os anabatistas deveriam ser executados: “até a sua pacífica expressão de fé tem subvertido a ordem religiosa e civil”, acusou Melanchton. Ele predisse que a oposição deles ao batismo de bebês iria produzir uma sociedade pagã. Por isso deveriam ser exterminados para salvar a nação. [...] os anabatistas foram arrancados dos seus lares, jogados em prisões e cruelmente assassinados (VANDEMAN, 1993, p. 28-30). As palavras de Vandeman (1993) sobre as perseguições aos anabatistas encontram ressonância entre os escritores batistas neotestamentários como, por exemplo, Carroll quando diz que era triste “o destino desses grandes sofredores, o mundo não oferecia sequer um lugar onde eles se pudessem esconder. Quatro temíveis perseguidores [Católicos, Luteranos, Anglicanos e Presbiterianos], fizeram da vida dos anabatistas, um verdadeiro Rasto de Sangue” (2007, p. 71). Pereira, nessa mesma linha, expõe que “[...] os anabatistas eram adeptos da não violência. Estabelecer um reino terreno e defendê-lo pelas armas era uma verdadeira aberração para um anabatista legítimo” (1979, p. 65). Por essa subversão, à ordem religiosa estatal, a expressão “Anabatista primeiro tinha por designação Ana Batista, uma palavra composta que surgiu para designar um grupo de cristãos que apareceu na História do cristianismo durante o terceiro século”. (CARROLL, 2007, p.116)). Contudo, sem uma continuidade histórica linear, [...] foram confundidos com outros grupos surgidos naquele caldeirão borbulhante de ideias em que se convertera a Alemanha na segunda década do Século XVI. Devemos a um padre católico romano que, por sinal, abandonou a Igreja após a promulgação do dogma da infalibilidade papal, em 1870, os primeiros estudos sobre a verdadeira identidade dos anabatistas. Chamava-se esse padre Carl Adolf Cornélius. Ele publicou em 1855 um livro sobre os anabatistas, em lugar de repetir o que outros haviam dito ele procurou fontes ainda não exploradas. Tais fontes são, por exemplo, a correspondência entre os personagens do Século XVI, as confissões de fé anabatistas, os livros e opúsculos por eles publicados, os autos dos processos em que eles foram julgados, as sentenças condenatórias dos seus mártires (PEREIRA, 1979, p. 54). Logo, o nome anabatista nasceu do repúdio social por dois aspectos: era utilizada para indicar a quem negava ao próprio Deus ao abandonar o batismo infantil e estava ligada ao seu sentindo etimológico grego: “batizar-se outra vez. Ou seja, o prefixo ana se constitui em outra vez, enquanto a raiz batista, denota-se em mergulhar-se nas águas” (CARROLL, 2007, p. 13). Como, então, esse grupo de cristãos poderia aceitar ser chamado de anabatista, 84

se jamais havia negado os princípios do cristianismo primitivo e não acreditava que já havia sido realmente batizado? Mas, foi exatamente a negação ao batismo infantil, tido na Europa do século XVI como uma subversão ao cristianismo, que rendeu, em Zurique, as três denominações como fossem sinônimos: "dissidentes”, “seita de heréticos"70 ou “anabatistas” Por não ter negado ou burlado nenhuma norma da Igreja Católica Romana, já que não se sentiam pertencentes a ela, os radicais cristãos de Zurique não aceitavam ser apontados como “dissidentes”; ao contrário, para eles, o nome que lhes caberia era o de defensores da fé cristã. “Seita de heréticos”, porque aceitar essa denominação? Designá-los assim, seria o mesmo que julgá-los como “apartados da verdadeira fé, separadores da verdadeira Igreja de Cristo, isso era uma inverdade, nunca houve a intenção de mudar aquilo que Deus havia ordenado e que, constava na Bíblia Sagrada” (CARROLL, 2007, p. 33). Com o passar do tempo, o nome “anabatistas” acabou sendo a referência para quem trazia, como representação simbólica, o batismo efetuado somente em adultos convertidos ao cristianismo. Resta, no entanto, um dilema, muitas vezes encontrado na memória de Carroll (2007) quando fala da identificação batista, pois, apesar da sua defesa neotestamentária, por vezes em seu texto existe uma confusão ao separar os movimentos batistas e anabatistas. Nesse sentido, surgem duas questões: teriam os anabatistas realmente um “parentesco espiritual” com a origem batista? E qual foi a origem dos anabatistas? Uma primeira teoria tem como representante o historiador luterano alemão Mosheim. Para ele, “a verdadeira origem dessa seita, que adquiriu a denominação de anabatista, porque administra de novo o rito do batismo [...] está escondida nas profundezas da antiguidade e é, portanto, extremamente difícil de ser verificada”. [...] Surgiram de vários lugares do Continente europeu, sem ligação aparente com a Reforma. Uma segunda teoria faz os anabatistas descenderem em linha direta dos movimentos (pré)reformadores medievais. Dentre esses movimentos há, em particular, o dos Valdenses. O historiador Ludwig Keller afirmava existir íntima conexão histórica entre os anabatistas e os Valdenses. Considerava os anabatistas os perpetuadores dos movimentos medievais adversos a Roma. (PEREIRA, 1979, p. 56).

Há, finalmente, a ideia de que os anabatistas somente começaram a existir paralelamente à Reforma de Zwínglio, porém, como diz Carroll (2007), a divergência em

70 Heresia é uma doutrina contrária ao que a Igreja define como dogma ou verdade de fé. No sentido popular é ato ou palavra ofensiva da religião; no sentido figurado é opinião que vai contra qualquer teoria ou doutrina estabelecida ou, então, grande disparate, absurdo, contrassenso. Essa expressão originada do grego haíresis, significa escolha e no latim haerĕse significa opinião (DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA 2003- 2015 on-line,). 85

torno do batismo infantil fez Ulrich Zwínglio71 romper com os Anabatistas, expulsando-os de Zurique e até mesmo, punindo-os com a prisão e a morte, como foi o caso do seu aluno e amigo Conrad Grebel – pioneiro por ter realizado, em janeiro de 1525, o primeiro batismo por imersão em um adulto no território Suíço –, que só não morreu queimado por ter falecido antes da execução. Quando Ulrich Zwínglio começou a Reforma em Zurique, teve apoio num grupo de jovens, seus alunos, que, além de admirarem o mestre, se empolgavam com suas ideias. Dentre esses jovens estava Conrad Grebel, ex-estudante das Universidades de Viena e de Paris, [...]. Quando descobriu que só pessoas realmente convertidas podiam fazer parte de uma igreja cristã, apressou-se a dizer isso a Zwínglio. [...] e como outros aderiram às ideias de Grebel, foi convocada uma discussão pública e [...] severas penas ameaçavam os que contrariassem as decisões tomadas. Indiferentes às ameaças, Grebel e seus companheiros continuaram a pregar o Evangelho, acentuando que o batismo infantil era um erro e que só pessoas em condições de professarem a fé e realmente regeneradas poderiam ser batizadas. Alguns batismos foram feitos pelos membros do grupo, mas o Conselho da cidade agiu depressa. Os que eram estrangeiros foram banidos de Zurique. Os naturais da cidade foram presos e condenados. Um dos condenados foi um dos mais íntimos companheiros de Grebel, o Felix Manz que sob a acusação de que desobedecera às determinações do Conselho e ensinava o anabatismo, foi afogado no rio Limmat, que cruza a cidade de Zurique, em 5 de janeiro de 1527. Sorte igual teria Conrad Grebel se não tivesse morrido antes, de doença não determinada. Depois de ter sido preso mais de uma vez. Conrado Grebel escreveu um opúsculo em que refutava as ideias de Zwínglio sobre o batismo. Desejava imprimi-lo, para ter um debate com seu antigo professor. A propósito desse debate escreveu: “Se Mestre Ulrich vencer, eu estou pronto a ser queimado, mas se eu, Conrado, vencer não vou exigir que Zwínglio seja queimado”. Essa tolerância os anabatistas passaram aos batistas (PEREIRA, 1979, p. 57-58).

A expulsão dos anabatistas de Zurique fez com que as suas ideias de rejeição ao batismo infantil e separação total do Estado se espalhassem por toda a Europa, todavia, como trazia da identificação cristã uma posição ideológica pacífica, foram os anabatistas considerados como subversivos. Sobre esse aspecto, González (1994) chama a atenção para as reduções das visões históricas que conferem à doutrina dos anabatistas, apenas o ponto de vista da insatisfação e da ruptura institucional religiosa; para ele, as repercussões dos princípios anabatistas foram mais determinantes dentro do campo político.

71 Na visão de González (1994), Zwínglio, por não concordar com os anabatistas sobre a não validade do batismo infantil, acabou por se tornar um dos seus carrascos. A perseguição de Zwínglio aos anabatistas chegou ao fim em 1531, quando ele morreu no campo de batalha contra católicos suíços que não aceitavam nem as suas ideias reformistas e muito menos as suas sanções políticas e econômicas. . 86

Essa afirmativa de Gonzalez (1994) encontra respaldo nas crenças básicas dos anabatistas definidas, segundo Pereira (1979), na Confissão de Schleitheim, editada em fevereiro de 1527. Neste documento os anabatistas negam o poder do uso das armas de fogo e se recusam a participar das guerras, de cargos e empregos públicos abominando, assim, qualquer ligação com o Estado. Este pode ser considerado como um documento importante na história dos anabatistas; uma espécie de Confissão de Fé que teve como redator Miguel Sattler72, mas, este [...] ao voltar da Conferência, foi preso em Rotemburgo. Submetido a julgamento e condenado. É interessante saber quais as razões por que foi condenado. Segundo o processo, as acusações contra Miguel Sattler foram estas: 1. Ação contrária ao decreto imperial; 2. Ensinar e crer que o corpo e o sangue de Cristo não estão presentes no sacramento; 3. Ensinar e crer que o batismo infantil não dá salvação; 4. Rejeição do sacramento da unção; 5. Desprezar e aviltar a mãe de Deus e condenar os santos; 6. Declarar que os homens não devem jurar diante do magistrado; 7. Começar um novo costume a respeito da Ceia do Senhor, colocando o pão e o vinho num prato, comendo e bebendo deles; 8. Ter-se casado contrariamente às regras; 9. Ter dito que, se os turcos invadissem o pais, não se lhes deveriam oferecer resistência e que, se ele aprovasse a guerra, ficaria antes contra os cristãos do que contra os turcos (PEREIRA, 1979, p. 59). O processo de Miguel Sattler, na visão de Pereira (1979), não somente ajuda a compreender quem eram esses radicais cristãos, mas, também, demonstram qual era o espirito europeu reformista contra o pensamento anabatista. Eles não eram bem vistos por recusar o batismo infantil, essa posição gerou na “2ª Dieta de Spira, realizada em 1529 o decreto a pena de morte para todo aquele que não apresentasse seus filhos ao batismo logo depois do nascimento” (PEREIRA, 1979, p. 66). Ou seja, a mesma Dieta de Spira que quis fazer valer novamente o Édito de Worms, que bania Lutero do Império alemão e foi rejeitada pelos nobres para o manter no território alemão, “o reformador, [pois], seis príncipes alemães e quatorze cidades protestaram - e daí o nome de protestante” (DELUMEAU, 1994, p. 126), serviu para a perseguição contra os anabatistas e, desta vez, ninguém protestou, pois, os anabatistas, [...] não acatavam nem a Igreja Católica nem a Luterana nem a Zwingliana. Nessas condições, eram malvistos e malquistos pelas três denominações, que os perseguiram com requintes de crueldade. Não acatavam aquelas autoridades humanas pela mesma razão por que Lutero não acatou as

72 “Miguel Sattler nasceu em Friburgo, na Alemanha, em 1490. Foi frade num convento beneditino, onde chegou a ocupar a função de prior. Em 1525 encontra-se em Zurique, fugindo da perseguição que havia na Áustria contra os luteranos. Sob a influência dos anabatistas, tornou-se logo um ativo evangelizador, o que chamou a atenção das autoridades locais que o expulsaram. Seguindo, então, para Friburgo de onde também foi expulso. Passou por outras cidades e quando os anabatistas tiveram uma Conferência em Schleitheim, na Suíça, Miguel Sattler estava lá” (PEREIRA, 1979, p. 58). 87

autoridades católicas. Como se sabe, o monge revoltado perante a Dieta de Worms proclamou sua fidelidade à Bíblia. Pois essa fidelidade à Bíblia é que levou os anabatistas a repudiar os reformadores como haviam repudiado a Igreja Católica. Para eles, Lutero e Zwínglio efetuaram uma reforma incompleta porque ainda mantiveram, em suas igrejas, muitos erros de Roma. Por não apoiarem nem Lutero nem Zwínglio nem o Papa, foram perseguidos de todos os lados. E, o que é pior, foram vitimados pela generalização, tão fácil em tais circunstâncias. Noutras palavras: quem quer que se levantasse ao mesmo tempo contra os líderes reformadores e contra Roma, era logo taxado de anabatista (PEREIRA, 1979, p. 52).

A própria história serve como parâmetro para demonstrar a acepção sobre a origem da identificação batista sob a égide da teoria do “parentesco espiritual” com os anabatistas, uma vez que a valorização da prática do batismo, era administrado apenas aos regenerados adultos; a supremacia da Bíblia Sagrada como a única detentora da Palavra Divina; a liberdade religiosa; e a descentralização da igreja, foram princípios anabatistas seguidos pelos batistas. Essa teoria é defendida por: David Benedict, que publicou, em 1848, uma História Geral da Denominação Batista na América e em Outras Partes do Mundo, por Richard Cook, que publicou, em 1884, uma História dos Batistas em Todos os Tempos e Países, por Thomas Armitage, que publicou uma História dos Batistas em 1889. O grande historiador batista Albert Henry Newmann concorda com essa teoria na sua História do Antipedobatismo, publicada em 1897, o mesmo acontecendo com o famoso iniciador do Cristianismo Social, o pastor e professor Walter Rauschenbusch (PEREIRA, 1979, p. 10).

No entanto, a identificação da origem batista seria somente essa transferência de rótulo? Ou seja, de anabatistas passaram a ser chamados de batistas? Sobre esse aspecto, Pereira (1979) alerta que existe uma terceira teoria sobre a origem batista, que nega totalmente a teoria do “parentesco espiritual com os anabatistas”, como também, não aprova a visão neotestamentária da teoria “JJJ”. Essa teoria proclamada como a “verdadeira” dentro do espirito da história, surgiu a partir dos ideais reformistas calvinistas e ingleses, pensamento que remonta ao período do governo da Rainha Elizabeth I. Desse percurso nasce a defesa para a teoria que defende a origem dos batistas como herdeira dos ingleses e calvinistas, de maneira especial, para aqueles que eram congregacionais na eclesiologia e insistiam na validade do batismo aos regenerados. Esse ponto de vista tem como defensores [...] o teólogo Augustus Hopkins Strong e o historiador Henry C. Vedder, professor do Seminário Teológico Crozer, na Pensilvânia, de 1894 a 1927, em sua Breve História dos Batistas, publicado originalmente em 1907. Também adota essa teoria o mais recente e respeitado dos historiadores batistas, Robert G. Torbet, ex-presidente da Convenção Batista Americana, 88

cujo livro História dos Batistas foi publicado em 1950, precedido de um prefácio de outro historiador batista, Kenneth Scott Latourette, professor da Universidade de Yale (PEREIRA, 1979, p. 11). Pereira (1979, p. 11) destaca, ainda, que “Vedder, somente acatou a ideia que os Batistas foram originados dos ingleses em 1610”, quando percebeu que historicamente havia uma linearidade entre as trajetórias das igrejas fundadas na Inglaterra e Holanda com a origem batista. Outro destaque nasce da visão da teoria de “Torbet ao negar a origem neotestamentária ou anabatista, apresentando três (3) proposições, são elas:

1° Ela não violenta os princípios da exatidão histórica, como fazem os que procuram afirmar uma continuidade definida entre as seitas primitivas e os batistas modernos. 2° Os batistas não partilham com os anabatistas a aversão destes pelos juramentos e pelos cargos públicos. 3º Não adotaram doutrinas anabatistas, como o pacifismo, o sono da alma73 e a necessidade de sucessão apostólica para a ministração do batismo (PEREIRA, 1979, p. 11). Sobre essa questão Paixão (2013), ao buscar a raiz histórica da Primeira Igreja Batista da cidade de Campo Maior (PI), acabou retrocedendo ao período da reforma inglesa e ao movimento antianglicano que se formou dentro dos domínios da Rainha Isabel (Elizabeth I), reconhecendo que esse foi um período de rupturas dos reformados. Mas, antes desse tempo, a separação dentro do protestantismo já havia sido anunciada, quando foram formados os partidos puritanos conformistas e os puritanos separatistas. Como o próprio nome se auto define, os puritanos conformistas, segundo Mendonça (2004), reclamavam das práticas da Igreja anglicana, mas, não estavam intencionados em romper com o modelo dominante. Por sua vez, os puritanos separatistas não aprovavam nenhuma posição da Igreja Inglesa, qualificando-a como uma Igreja Católica em espirito, portanto, desejavam quebrar qualquer vínculo que houvesse com uma Igreja que estava no “meio do caminho”. Sobre esse aspecto, de acordo com González, (1994), já havia na Inglaterra, provavelmente desde o século II, os seguidores do cristianismo que, no século VI, viraram tutelados do Vaticano. Essa subserviência não agradava aos ingleses mais radicais, assim, quando o Rei Henrique VIII decidiu proclamar a independência de Roma, essa já era uma vontade existente no solo Inglês. O cristianismo romano foi reinventado e identificado por um cristianismo anglicano; a nova roupagem centrava-se na figura de um nobre como cabeça

73 O sono da alma parte do princípio de que após a morte a pessoa ficará dormindo até o dia do juízo final quando Cristo, ao retornar à Terra, escolherá somente aqueles que foram justos e fizeram a obra de Deus. 89

da Igreja, pois, religiosamente, tal qual o catolicismo, as convicções de fé se mantiveram presas à herança que foram editados por Roma, cabendo a crítica, segundo Delumeau (1989), que o meio do caminho, significava que os anglicanos ficaram “entre católicos e protestantes”. González (1994) ratifica a crítica de Delumeau (1989) dizendo que a parte protestante que cabia aos anglicanos foi porque, tal qual outros movimentos reformistas, romperam com Roma, não reconhecendo mais a figura Papal como o emissário de Deus, além disso, manteve-se a ênfase na fé pessoal sob o poder do Espirito Santo de Deus. A parte do caminho dos anglicanos que pertencia à herança Católica se referia à preservação da ordem dos bispos, presbíteros e diáconos; da ênfase das leituras de outrem das Escrituras Sagrada; e, da manutenção dos sacramentos do Batismo e da Santa Eucaristia; dos Credos (Apostólico e Niceno) como profissão de fé. Nesse processo, os conformistas começaram a se reunir na casa do advogado Thomas Helwys, mas, logo foram influenciados pelos separatistas, principalmente, através das ideias do Pastor John Smith que fundou, em 1606, uma congregação independente na cidade de Gainsborough (Inglaterra). Passaram, então, a ser chamados por puritanos separatistas.

John Smith, que nasceu por volta de 1568 e estudou na Universidade de Cambridge. Em 1594 foi nomeado “fellow” nessa Universidade e ordenado ao ministério cristão. Em 1598 deixou essa posição, por ter se casado, e em 1600 começou a exercer as funções de “leitor” na cidade de Lincoln. O leitor era um pregador pago pela cidade ou por um grupo de cidadãos, cuja função era ensinar as Escrituras suplementando assim as deficiências do culto anglicano. Durante dois anos John Smith exerceu essas funções em Lincoln, mas em 1602 rompeu e [...] em 1606 aliou-se a 238 uma congregação separatista, que se reunia na cidade de Gainsborough. A perseguição do governo anglicano de Jaime I contra puritanos e separatistas tornava-se cada vez mais rigorosa. [...] em 1608 o grupo liderado por Smith emigrou [para Holanda] e os fundos para a viagem foram providos por Thomas Helwys (PEREIRA, 1979, p. 67).

Os “rebeldes” anglicanos se estabeleceram em Amsterdam com outros ingleses. John Smith, por ter sido um “leitor”, se transformou em um permanente estudioso do Novo Testamento, não encontrando no livro sacro nenhuma validade para o batismo infantil. Além disso, John Smith e Thomas Helwys enquanto estiveram na Holanda, encontraram com os Menonitas e a sua cultura da não violência. O porta-voz mais notável, segundo Pereira 90

(1979), para essa nova geração de anabatistas foi Menno Simons74, um padre católico holandês que abraçou ao movimento reformador, em 1536, quando se rebatizou novamente. O pacifismo, para Menno Simons, era fundamental dentro do exercício da fé cristã, o que o levou a negar e a repudiar qualquer ligação com a ala revolucionária dos anabatistas, não reconhecendo nestes, o verdadeiro cristianismo. Como exemplo, o teólogo e historiador José Reis Pereira (1979, p. 55), cita o caso do revolucionário Tomás Müntzer, classificando- o como “falso profeta”75. Portanto, foi do encontro com os pacifistas que levou Smith a pedir para ser batizado. O líder social do grupo [ Helwys} preferiu que a iniciativa fosse do próprio Pastor Smith, que batizou a si mesmo [existem muitas controvérsias entre os escritores batistas sobre esse batismo]e depois batizou aos outros. Eram cerca de quarenta pessoas. Dessa maneira foi organizada, em Amsterdam, em 1609, uma igreja batista de língua inglesa, que é considerada a primeira igreja batista dos tempos modernos. Não que tivesse esse nome. Mas porque adotou uma prática que é caracteristicamente batista: o batismo após profissão de fé como condição para a entrada na igreja (PEREIRA,1979, p. 67).

Algum tempo depois, o advogado Thomas Helwys, segundo González (1994), não concordou com a ligação de Smith com os herdeiros do ex-sacerdote Menno Simons, muito menos com a imperante teologia da predestinação calvinista adotando, assim, a teologia arminiana76. Diferente do que González afirma, Pereira (1979) apresenta outra versão ao dizer que, ao estudar os documentos escritos pelo próprio Helwys, não encontrou nada que pudesse comprovar nenhum tipo de aversão contra Smith, ao contrário, o advogado concordava plenamente com o que havia sido escrito e publicado na Holanda, pelo seu amigo antes de morrer. Pereira (1979) ainda pontua que, para Helwys, as ideias de Smith se tratavam de uma verdadeira confissão de fé, na qual defendia o princípio batista dentro do

74 Como era um tempo de massacre aos anabatistas, os seguidores de Cristo adeptos às pregações de Menno Simons, preferiram ser chamados por "menonitas”, no lugar dos rejeitados anabatistas. Eles “existem até os nossos dias e é justamente entre eles que vamos encontrar alguns dos melhores historiadores da vida, dos costumes, das doutrinas e dos sofrimentos dos anabatistas do Século XVI e XVII” (PEREIRA, 1979, p. 62). 75 Ao contrário daquilo que é visto por Pereira, para Delumeau (1989), o líder (Tomás Müntzer) da Revolta dos Camponeses que ocorreu na Alemanha, entre os anos de 1524 a 1525, provocou uma revolução social, pois, onde havia uma relação inquebrável entre a Igreja e o estado, lutou contra o regime de opressão e deu voz aos trabalhadores. 76 Tal crença derivou de Jacob Arminius que morreu em 1609. González (1994) ainda diz que o holandês em sua vida foi pastor, professor e teve por formação teológica uma forte base de ligação com a modelo calvinista, mas, rompeu com a visão da predestinação quando entrou em contato com as ideias subversivas religiosas de Dirck Koornhert. A partir de então, a teologia arminiana atribuiu ao homem uma capacidade bem maior e uma participação bem mais decisiva no projeto de sua Salvação. Ou seja, pelos dados históricos que apresenta González (1994), Arminius defendia que Jesus Cristo morreu por todos os seres humanos, o seu sangue foi derramado na cruz por cada pessoa e por cada raça humana, cabendo ao homem, pela graça recebida, procurar ser justo. 91

ideal da liberdade e da consciência individual. É tomando esse princípio que Mendonça (2004) afirma que Helwys, ao voltar a Inglaterra em 1612, fundou uma igreja na periferia de Londres dentro dos parâmetros de seu antigo líder religioso que, na história, é a que tem maior semelhança com a igreja batista dos dias atuais. É exatamente nesse ponto que nasce a contradição da história, pois, Pereira (1979) traz um detalhe que já havia sido colocado por González (1994) ao dizer que a Igreja fundada por Thomas Helwys somente recebeu a designação de Batistas Gerais por adotar, como doutrina, a visão arminiana. Todavia, Helwys não permaneceu muito tempo à frente dos Batistas Gerais, [...] isto porque em 1612 escreveu um livro e em consequência foi preso, morrendo na prisão por volta de 1615. Seu livro cujo título: Uma Breve Declaração Sobre o Mistério da Iniquidade, foi a primeira obra publicada na Inglaterra que reivindicava a liberdade de consciência para todos. Helwys declarou, com toda a franqueza e ousadia, em seu livro: “a religião do homem está entre Deus e ele: o rei não tem que responder por ela e nem pode o rei ser juiz entre Deus e o homem. Que haja, pois heréticos turcos ou judeus ou outros mais, não cabe ao poder terreno puni-los de maneira nenhuma (PEREIRA,1979, p. 70).

Além dos Batistas Gerais, outro segmento de ruptura com a igreja inglesa, segundo Pereira (1979), ocorreu em Londres e ficou conhecido como os puritanos particulares (mais tarde como os batistas particulares77). Este movimento era liderado por Henry Jacob, tendo como modelo de fé, a doutrina da predestinação pregada pelos calvinistas. “É bem verdade que tem havido controvérsias quanto a ser este o dogma mais importante da igreja reformada ou apenas um acessório” (WEBER, 2013, p. 90). Ou seja, “o ato mais importante da reforma” e a formação batista de caráter tradicional, pode ser encontrado justamente na “ mentalidade puritana”. Sobre esse aspecto, Até onde se estende a influência da mentalidade puritana, sob todas as circunstâncias e isso é muito mais importante que um simples encorajamento ao acúmulo – favoreceu o desenvolvimento da vida econômica racional da burguesia; foi a mais importante e, acima de tudo, a única influência consistente para o desenvolvimento desse tipo de vida. Foi, diríamos, o berço do homem econômico moderno. Na verdade, tais ideais puritanos tendiam a ser transigidos devido à pressão excessiva das tentações da riqueza, como os próprios puritanos sabiam muito bem (WEBER, 2013, p. 158).

77 Os batistas/calvinistas que foram originados do movimento dos separatistas anglicanos, por muito tempo ficaram distante dos Batistas Gerais, “apenas em 1891[...], o Pastor geral: John Clifford, uniu os dois grupos, formando a União Batista da Grã-Bretanha e da Irlanda” (PEREIRA, 1979, p. 73).

92

Nesse percurso, para Weber (2013), inicialmente, haviam muitas diferenças entre os calvinistas e os batistas. O estranhamento se modificou no fim do século XVII e acabou por desenvolver algumas semelhanças sobre as crenças, as regras éticas e a Salvação da alma. Foi ao lado dos calvinistas que os batistas romperam com todo tipo de sacramento, trazendo a crença que somente [...] os adultos, que tivessem adquirido pessoalmente sua própria fé poderiam ser batizados. A justificação por esta fé era, para os batistas, como eles mesmos repetiram insistentemente em todas as discussões religiosas, radicalmente diferente da ideia do trabalho mundano a serviço de Cristo, como impunha o dogma ortodoxo do protestantismo mais antigo. Ela consistia mais na tomada de posse espiritual do Seu dom da salvação. Mas, isto ocorria mediante a revelação individual, pelo trabalho do Espírito Divino sobre o indivíduo, e apenas desse modo. Era oferecido para todo mundo, e bastaria esperar pelo Espírito, sem resistir à sua vinda com um apego pecaminoso ao mundo (WEBER, 2013, p. 131).

Com essa prática, os batistas na visão de Weber (2013b), demonstrou um repúdio à idolatria, transformou a Bíblia Sagrada em um veículo de fé e modelo de vida. A rigidez em reconhecer a Escritura Sagrada como a única autoridade para a Salvação da alma eliminou, dos batistas, toda a crença na doutrina da redenção através da Igreja, do batismo e da comunhão. Afinal, como fala Weber (2013b, p. 133), os batistas acreditavam que apenas a “luz interior da revelação contínua poderia capacitar alguém de fato para compreender até as revelações bíblicas de Deus”. Isso nos conduz a buscar quais são os princípios da doutrinação dos batistas.

2.1 “Ordenanças” e “Doutrinas” Batistas

E tudo começou quando em “cada navio uma leva de puritanos separatistas foram transportados, na esperança de organizarem um mundo livre da intolerância inglesa, onde pudessem livremente declarar sua fé conforme conferiam na Palavra de Deus” (PAIXÃO, 2013, Cap. I, p. 15). Dentre os puritanos que chegaram a América do Norte, se encontrava um grupo que queria uma reforma geral da Igreja; dele derivou, segundo Paixão (2013), o real movimento batista reconhecido na atualidade. Os batistas prosperaram nos Estados Unidos, suas Igrejas, suas associações suas convenções estaduais e nacionais, seus Seminários Teológicos e suas Juntas Missionárias, sem exceção, foram organizadas “com base na Confissão de Fé Batista de 1689” (PAIXÃO, 2013, Cap. I, p. 15,). 93

Como foi citado a Confissão de Fé de 1689, começaremos pela análise dos documentos iniciais dos batistas, para então definir o que nos interessa, especificamente o que é tratado pela Convenção Batista Brasileira. Esclarecido esse ponto, podemos iniciar dizendo que, no início da “obra’ Batista, as Congregações que foram formadas, cada uma delas adotava uma própria concepção de confissão de fé. Com o transcorrer do movimento na Europa e América do Norte, de acordo com Paixão (2013) surgiu uma espécie de desejo de criar uma associação78, o que tornou possível as primeiras formas de confissões de fé regionais. Assim teve a confissão de fé de 1644 e a Confissão de Fé de 1689. Esta trazia os princípios da liberdade, democracia e igualdade; com trinta e dois (32) capítulos, versa da organização das igrejas até o tempo do “Juízo Final”. Em linhas gerais, traz os seguintes itens: a. A crença na Escritura Sagrada, como a única fonte divina a ser seguida. b. Jesus Cristo como único organizador e legislador da Igreja. c. A igreja local é autônoma em relação a outras igrejas e livre do Estado. d. Cada membro de uma Igreja Batista é responsável, individualmente, pelo seu caminho da Salvação, que não é encontrado apenas por uma filiação e identificação com uma Igreja, mas, adquirido através do batismo e da regeneração. e. A validade do batismo nasce apenas para a pessoa que, ao ser convertida, tem como sustentação da fé, o arrependimento individual, com isto, o convertido se torna a própria a Igreja. f. A existência da igreja somente é reconhecida se ela for construída por aqueles que são regenerados, isto é, exclusivamente dos que fazem clara a sua convicção de fé ao cristianismo. Esses princípios demarcaram a crença dos batistas de origem inglesa/americana, sendo acrescentado, segundo Pereira (1979), a Declaração de Mensagem e Fé Batistas (1925 - Estados Unidos). De tal modo, mesmo divergindo acerca das Igrejas Reformadas nos quesitos Batismo, Ceia do Senhor e governo da igreja, adotaram a Confissão elaborada pela Assembleia de Teólogos de Westminster [...] e justamente em relação a doutrina da predestinação - e foi esse dogma a primeira coisa no calvinismo, a ser considerada um perigo para o Estado e combatida pelas autoridades. Os grandes sínodos do século XVII,

78 Weber (2012) compreende por associação (Verband) uma relação social regulada, limitada para fora ou fechada, quando a manutenção do seu ordenamento é garantida pelo comportamento de determinados homens destinado em especial à sua execução: um dirigente e, eventualmente, um pessoal administrativo que, se for necessário, tem normalmente, ao mesmo tempo o poder representativo. 94

sobretudo os de Dordrecht e Westminster, a par de um sem-número de outros sínodos menores, puseram no centro de seu trabalho a definição de sua validade canônica; a inúmeros heróis da ecclesia militansele79serviu de [e, no século XVIII como no XIX, provocou cismas eclesiais e forneceu palavras de ordem aos grandes surtos de despertamento protestante]. Não podemos passar ao largo desse dogma, e de saída - já que hoje não dá mais para supô-lo conhecido de toda pessoa bem formada - temos de tomar contato com seu conteúdo autêntico tal como consta da Confissão de Westminster, de 1647, a qual nesse ponto foi simplesmente repetida nas profissões de fé dos independentes e dos batistas (WEBER, 2013, p.90)

Destarte, mesmo que os Batistas neotestamentários recusem qualquer aproximação com os Presbiterianos, a Confissão de Fé Batista de 1689, permaneceu como a Confissão de Fé das Igrejas Batistas Particulares (ou calvinistas) da Inglaterra e País de Gales (CONFISSÃO DE FÉ BATISTA, 1689). No decorrer da história, pelo que consta nos documentos Batistas da Convenção Batista Brasileira (CBB, 2009, 2010, 2011), eles passaram a adotar os princípios da Confissão de Fé de New Hampshire, redigida pelo Rev. John Newton Brown (1803 - 1868), publicada por uma comissão da Convenção Batista no Estado de New Hampshire, em 1833, que influenciou as futuras declarações de fé batista construídas no território americano. Na mesma condição, ocorreu no cenário brasileiro, pois, como mostra Antunes (2005), foi a Confissão de New Hampshire que ao ser traduzida com o nome de Declaração de Fé das Igrejas Batistas do Brasil, serviu como o documento, para expressar o consenso doutrinário entre as Igrejas Batistas, que até meados do século XX eram parte integrante da atual Convenção Batista Brasileira. Essa confissão de fé possui aspectos da Primeira Confissão de Londres editada em 1644 e da Segunda Confissão de Londres editada em 1689, como foi detalha por Weber (2013), por conseguinte, ainda mantem como regra os princípios calvinistas. Porém, pelo que apresenta Paixão (2013), a Confissão de New Hampshire manteve apenas uma moderação dos princípios calvinistas e contém somente dezoito (18) artigos que versam: das escrituras; do verdadeiro Deus; da queda do homem; do caminho da Salvação; da justificação; “da natureza livre da Salvação”; da graça na regeneração; do arrependimento e da fé; do propósito da graça de Deus; da santificação; da perseverança dos santos; da harmonia da lei e do Evangelho; de uma Igreja evangélica; do batismo e da ceia do Senhor; do sábado cristão; do governo civil; do justo e do ímpio; e, do mundo vindouro.

79 Em Weber (2013) a expressão no campo da ecclesia militans - ou literalmente Igreja militante - foram os pequeno-burgueses que se fizeram portadores do desenvolvimento ético do calvinismo. 95

A Confissão de Fé de New Hampshire, segundo as memórias do Pastor Samuel [cf. cap. IV], foi utilizada pelos missionários norte-americanos quando chegaram ao Brasil. Mas, em 1983, a Assembleia Anual da Convenção Batista Brasileira votou a nomeação de uma comissão para elaborar uma declaração de fé dos batistas brasileiros; como resultado, em 1985, foi apresentada a nova declaração que recebeu o nome de "Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira" (CBB, 2010). Isto foi originado em janeiro de 2002, por determinação da 83ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira (CBB, 2011) cujo resultado foi editado e publicado no “Pacto e Comunhão (CBB, 2010). Esse documento deixa visível que as igrejas que fazem parte, em forma de cooperativas, da Convenção Batista Brasileira, reconhecem apenas duas confissões de fé: a de New Hampshire e a sua recente "Declaração Doutrinária”. Sobre a Convenção Batista Brasileira, o Pastor Samuel Oliveira dos Santos recorda (cf. cap. IV) que todas as Igrejas Batistas são livres, sendo assim, não tem um órgão superior, mas, um ponto de cooperação que é chamado de Convenção Batista. As lembranças do Pastor Odinei Oliveira (cf. cap. IV) ainda nos esclarecem que cada Igreja Batista, além de adotar uma determinada “Convenção” em nível nacional, ainda tem vinculação com as convenções estaduais e possui documentos que são particulares. Um desses documentos é o estatuto que, por sua vez, para ter validade deve ser discutido democraticamente, votado e aprovado pelos membros da Igreja local. O Estatuto da Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI, 2013) regula sobre: a membresia; os direitos e os deveres; a entrada e a saída dos membros; a administração e o ministério pastoral; a vacância e a contratação pastoral; o conselho gestor; os ministros auxiliares; o conselho diaconal; as comissões, a ordenação aos ministérios; as finanças do conselho fiscal; o patrimônio; a assembleia geral, ordinária e extraordinária; a diretoria estatutária; a equipe administrativa; os conselheiros; a divisão da equipe ministerial e os ministérios: da educação religiosa, da missões, do evangelismo, do serviços e de música. Portanto, cada Igreja Batista, o que inclui a Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI), além de ter ligação com os documentos da Convenção ao qual pertence, ainda possui documentos que são próprios e, quando se trata da Igreja local, todas as decisões passam pela aprovação da sua membresia. Dentre as Convenções Batistas, a primeira a ser formada no Brasil, segundo Pereira (1979), foi a Convenção Batista Brasileira (CBB), iniciada pelos missionários estrangeiros americanos Arthur Beriah Deter (1868-1945), Zachary Clay Taylor (1851-1919) e Salomão 96

Ginsburg (1867-1927), que era polonês e casado com a norte americana Emma Morton Ginsburg. Todavia, ainda de acordo com Pereira (1979), foi Salomão Ginsburg, o primeiro a pensar em organizar a Convenção dos Batistas no território Brasileiro, mas, não atingiu imediatamente o seu objetivo, por ter encontrado resistência de outros missionários e de líderes brasileiros, inclusive Francisco Fulgêncio Soren que, mais tarde, foi presidente da CBB. Contudo, foi na Bahia que houve a organização da Convenção Batista Brasileira em 22 de junho de 1907, tendo a presença de 45 mensageiros. Ali compôs a primeira diretoria tendo como Presidente - Francisco Fulgêncio Soren; 1º Vice-presidente - Joaquim Fernandes Lessa - 2º Vice- presidente - João Borges da Rocha; 1º Secretário - Teodoro Rodrigues Teixeira; 2º Secretário - Manuel I. Sampaio; Tesoureiro - Zachary Clay Taylor. Além da criação de várias juntas missionárias, pois foram criadas além das duas Juntas Missionárias, Missões Nacionais e Missões Estrangeiras [atualmente Missões Mundiais] outras juntas que deveriam estar voltadas: para a Casa Publicadora Batista, para Escola Bíblica Dominical, para União de Mocidade Batista, para Educação e Seminário, e para a Administração do Seminário. ” (PEREIRA, 1979, p. 97).

A motivação básica para a criação da Convenção foram as missões, pois naquele período, segundo Pereira (1979), já era uma pretensão partir para a evangelização de Portugal, do Chile e da África. Portanto, foi por causa da Igreja em Salvador que [...] continuou a fazer satisfatório progresso, à semelhança da águia que renova as forças, largando as velhas penas, ou a semelhança das arvores que deixam cair as folhas mortas, [...] que gerou nos seus membros a mais ampla vida espiritual, nas quais o Espirito de Deus manifestamente opera. No culto da noite de domingo, depois de um sermão apropriado a ordenança do baptismo foi administrado a dois moços perante um auditório numeroso e seleto. Apesar do grande número dos assistentes serem pessoas de fora houve profundo respeito [sic] (ENTZMINGER, 1901b, p. 4). Assim, os batistas que participam da Convenção Batista Brasileira, sejam eles adeptos das ideias reformistas ou contrários a essa visão têm, em seu processo de origem histórica, a defesa dos seguintes princípios: 1º) A aceitação das Escrituras Sagradas como única regra de fé e conduta; 2º) O conceito de Igreja como sendo uma comunidade local democrática e autônoma, formada de pessoas regeneradas e biblicamente batizadas; 3º) A separação entre Igreja e Estado; 4º) A absoluta liberdade de consciência; 5º) A responsabilidade individual diante de Deus; 6º) A autenticidade e apostolicidade das igrejas. Caracterizam-se também os batistas pela intensa e ativa cooperação entre suas igrejas. Não havendo nenhum poder que possa constranger a igreja local, a não ser a vontade de Deus, manifestada através de seu Santo Espírito. Os batistas, baseados nesse princípio da cooperação voluntária das igrejas, realizam uma obra geral de missões, em que foram pioneiros entre os evangélicos nos tempos modernos; de evangelização, de educação 97

teológica, religiosa e secular; de ação social e de beneficência. Para a execução desses fins, organizam associações regionais e convenções estaduais e nacionais, não tendo estas, no entanto, autoridade sobre as igrejas; devendo suas resoluções ser entendidas como sugestões ou apelos. Para os batistas, as Escrituras Sagradas, em particular o Novo Testamento, constituem a única regra de fé e conduta, mas, de quando em quando, as circunstâncias exigem que sejam feitas declarações doutrinárias que esclareçam os espíritos, dissipem dúvidas e reafirmem posições. [Isto] é que traz a Convenção Batista Brasileira, em seus 19 artigos como consta em sua Declaração Doutrinária (CBB, 2010, p. 15).

Dentro da Declaração Batista cabe destacar: “o Batismo e a Ceia do Senhor”. A respeito disso, o autor neotestamentário afirma que se a Igreja Batista, durante todos os séculos de sua existência, não pode ser considerada perfeita na condução do “cristianismo, mas, imperfeita como era no princípio ou atualmente, foi a única organização que guardou e conservou as ordenanças do batismo [...] e as doutrinas da Santa Ceia passando-as à posteridade, a despeito da apostasia de Roma” (NEVINS, 1981, p.40). O nosso recordador Pastor Odinei (cf. cap. IV), que tem a sua Igreja filiada à Convenção Batista Nacional, fala quase a mesma coisa que Nevins, pois diz que era católico, mas quando recebeu o “ chamado do Senhor” a sua opção foi por uma Igreja Batista, que mesmo não sendo perfeita, é aquela que mais se aproxima de um modelo ideal de cristão. Porém, a despeito do que fala Nevins (1981), tanto o batismo como a Santa Ceia, também, fazem parte, de acordo com Gaarder (2005), da fé das Igrejas Reformadas. Afinal, o batismo sempre foi o passaporte para entrar na comunidade cristã. Na linguagem cristã batizar refere-se se ao um "novo nascimento". Logo, “o batismo não pode ser separado da Palavra de Deus. Não é um ritual mágico que tem em si um poder intrínseco. Sem a Palavra de Deus, a água é apenas água e não um batismo, disse Lutero” (GAARDER, 2005, p. 185), Ainda podemos citar a observação de Mendonça (2008) que indica somente haver uma mudança das práticas dos batistas após 1855, quando a Convenção Batista do Sul dos EUA renunciou ao batismo infantil (pedobatismo) por não ser neotestamentário. Ou seja, somente a partir desse tempo que os batistas passaram a rejeitar “um ministro (pastor) que tivesse sido batizado na infância, porque o seu batismo não seria considerado como válido” (MENDONÇA, 2008, p. 91). Quanto à eucaristia, que [...] é uma palavra grega e significa "dar graças", se refere à ceia que Jesus compartilhou com seus discípulos mais próximos antes de ser executado. Os ingredientes básicos da ceia foram pão e vinho. São essas as coisas que Jesus escolheu para demonstrar o significado de seu ministério. Ele se ofereceu a si mesmo, em carne e sangue, para que o homem pudesse ser perdoado pelo rompimento de sua relação com Deus. "E tomou um pão, deu graças, partiu e distribuiu-o a eles, dizendo: 'Isto é o meu corpo que é 98

dado por vós. Fazei isto em minha memória" (GAARDER et al, 2005, p. 187). A Ceia do Senhor, como é chamada pelos batistas, originalmente foi pregada por Pedro de Bruys e Henrique de Lausanne, ambos franceses do início do Século XII 80, que consideraram a eucaristia como um ato memorial comemorativo da morte de Jesus. Esse significado foi adotado pelo os batistas até a atualidade. Ao rejeitaram a teoria da transubstanciação na eucaristia de origem católica, tomaram esse ato como memorial e de natureza simbólica. Por conseguinte, 1. O batismo consiste na imersão do crente em água, após sua pública profissão de fé em Jesus Cristo como Salvador único, suficiente e pessoal. 2. Simboliza a morte e sepultamento do velho homem e a ressurreição para uma nova vida em identificação com a morte, sepultamento e ressurreição do Senhor Jesus Cristo e também prenúncio da ressurreição dos remidos. 3. O batismo, que é condição para ser membro de uma igreja, deve ser ministrado sob a invocação do nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. 4. A ceia do Senhor é uma cerimônia da igreja reunida, comemorativa e proclamadora da morte do Senhor Jesus Cristo, simbolizada por meio dos elementos utilizados: O pão e o vinho. 5. Nesse memorial o pão representa seu corpo dado por nós no Calvário e o vinho simboliza o seu sangue derramado. 6. A ceia do Senhor deve ser celebrada pelas igrejas até a volta de Cristo e sua celebração pressupõe o batismo bíblico e o cuidadoso exame íntimo dos participantes. (DECLARAÇÃO DOUTRINÁRIA DA CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA, 2010, p. 9).

Nesse processo, a memória individual não pode e nem deve ser considerada isolada do grupo que a compõe, pois, como consta na Declaração Doutrinária e na Filosofia Batista (CBB, 2010), para compreender a conduta do batista, o que importa é colocar acima das posições individuais, a elevada importância em Jesus como o único Salvador e Filho de Deus. Tendo esse princípio básico como ponto de partida, a autoridade reconhecida será apenas a do Novo Testamento, o que significa, que o Velho testamento não deva ser respeitado. Portanto, se esse binômio é o ponto influenciador para a formação da Identificação Batista, então, porque existe entre eles o conflito em relação à sua origem histórica? A resposta para essa divergência, como consta na Filosofia Batista (CBB, 2010), somente ratifica o maior ponto de intersecção que tem o ethos batista: a garantia da plena liberdade religiosa na escolha da crença81, que se traduz pela autonomia das igrejas82locais. A

80 Ver Pereira In: Pequena História dos Batistas (1979, p. 42). 81 A liberdade da escolha da crença foi justificada por nossos recordadores (cf. cap. IV), como a “certeza” de servir ao cristianismo. 82 A igreja tem dois significados que não se excluem, trata da própria pessoa cristã, mas também, do espaço físico onde podem testemunhar em nome de Cristo. 99

liberdade é superestimada a tal ponto que permite aos batistas discordar entre si, até mesmo sobre a sua origem. À única convicção é a de servir a Deus. Após, essa averiguação cabe conferir o processo no qual foi possível aos Batistas estabelecer as suas raízes no Brasil.

2.2 Os Batistas do Brasil

Do desenvolvimento nos Estados unidos (EUA), os batistas se espalharam para outros espaços levando o seu projeto missionário para novas colônias, como as de “Providence e Hode Island”. Mas, foram homens como “Roger William, John Clark e Obadiah Holmes que lutaram e contribuíram para construir uma poderosa nação livre [EUA], assim, como alavancaram o movimento batista para o mundo” (PAIXÃO, 2013, Cap. I, p. 15). Logo, vindos do território norte americano, em 1860 chegou ao Rio de Janeiro “o missionário Thomas Jefferson Bowen, sem esquecer que mesmo antes, alguns batistas já haviam visitado o País, como é o caso do Dr. Luther Rice e do pastor William Teophilus Brantley Jr” (loc. cit.). Dessa maneira, começamos a história dos batistas no Brasil trazendo um relato que consta em O Jornal Batista (OJB), para demonstrar como aos poucos a representação religiosa batista se espalhou pelo território nacional. [...] mal decorrem vinte annos que os baptistas deram princípio ao seu trabalho de evangelização no , cujos resultados em relação ao que resta fazer, por demais insignificantes [...]. Não obstante ao pequeno número de trabalhadores, quer estrangeiros, quer nacionais, mesmo diante dos mil infortúnios que tem sofrido a nossa causa, a tornar algum vulto mais considerável, inclusive as três igrejas estrangeiras no sul. O número de igrejas baptistas neste país cifra-se em 36, cujo total de aderentes eleva- se a dois mil, durante o anno findo, foram organizadas mais 10 novas igrejas e batizados perto de 300 novos Crentes em Jesus [sic] (ENTZMINGER, 1901a, p. 4). No entanto, o começo da Igreja Batista no Brasil, segundo Paixão (2013), não é ponto pacífico entre os seus membros. Equívoco que, para Paixão, ocorre, principalmente, no meio acadêmico e que pode ser desmitificado através da pesquisa da professora Betty Antunes de Oliveira. Antunes (2005), como parte da membresia da Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro procurou, valendo-se de atas e cartas de acervos pessoais, fazer um resgate sobre a memória de seus próprios antepassados. Disto resultou sua tese de doutoramento e livro: “Centelha em Restolho Seco: Uma Contribuição para a História dos Primórdios do Trabalho Batista no Brasil”. Deste trabalho foram destacados alguns aspectos trazidos por Antunes (2005, p. 175-200) que já revelam a abertura do trabalho dos batistas no território brasileiro. São eles: 100

a. A igreja batista de organização neotestamentária, foi estabelecida no Brasil em 10 de setembro de 1871, na cidade de Santa Bárbara, que é localizada no Estado de São Paulo. b. Essa foi a Primeira Igreja Batista a ser constituída em solo brasileiro, o que provocou “inclusive, o envolvimento de brasileiros”. c. A fundação da Igreja Batista de Santa Bárbara tinha o propósito do trabalho missionário, pois, ainda no final da década de setenta do século XVIII, visando implantar a missão batista no Brasil requereu o pleito, que passou pela votação da Convenção Batista Americana, sendo acatado e executado pela Junta de Richmond, nome que no Brasil ficou conhecido para designar a Junta de Missões Estrangeiras (Foreign Mission Board) da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, (atualmente com o nome de International Mission Board - IMB). d. Ainda no dia 02 de novembro de 1879 foi organizada uma segunda Igreja Batista localizada na Estação de Santa Bárbara, com as cartas demissórias da Primeira Igreja Batista. e. Em 15 de outubro de 1882, foi constituída na Bahia, a terceira Igreja Batista. Os seus membros (os Bagby e os Taylor) traziam as cartas demissórias da Primeira Igreja Batista de Santa Bárbara e o ex-padre Antônio Teixeira de Albuquerque saiu com carta de transferência da Igreja Batista da Estação. f. Entre os comissionados para a Fundação da Igreja em Salvador já havia entre os integrantes o primeiro pastor brasileiro: Antônio Teixeira de Albuquerque. g. W. Bagby foi escolhido como moderador e Albuquerque como secretário. A Igreja adotou a Confissão de Fé de New Hampshire, posteriormente em 1907, sendo abraçada pela Convenção Batista Brasileira, com o nome de “Declaração de Fé das Igrejas Batistas do Brasil”. Entre os pontos cabe destacar que o primeiro batista batizado na terra brasileira foi Antônio Teixeira de Albuquerque83, que era filho único do casal Felipe Ney de Albuquerque e Helena Maria da Conceição. Nascido em Maceió (AL) no dia quinze (15) de abril de 1840, estudou inicialmente, no Liceu de Maceió, após ingressou no Seminário Católico de Olinda (PE). Ao ser ordenado, regressou a Alagoas e foi designado para a paróquia do povoado do Limoeiro de Anadia. Algum tempo depois, abandonou a carreira sacerdotal para se casar. O matrimônio com Senhorinha Francisca de Jesus foi realizado no dia sete (7) de setembro de 1878, na cidade de Recife, (PE). A união foi oficializada pelo Reverendo John Rockwell Smith da Igreja Presbiteriana local, tendo por base legal, o Decreto do Império de onze (11) de setembro de 1861, que Faz extensivo os effeitos civis dos casamentos, celebrados na fórma das leis do imperio, aos das pessoas que professarem religião diferente da do Estado, e determina que sejão regulados ao registro e provas destes casamentos e dos nascimentos e obitos das ditas pessoas, bem como as condições necessárias para que os Pastores de religiões toleradas possão praticar actos que produzão effeitos civis. (sic) (DECRETO, 1861, p. 21).

83 Para mais detalhes sobre a história de Antônio Teixeira de Albuquerque, ver: CRABTREE, A. R. História dos Baptistas do Brasil: até o anno de 1906. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista do Rio de Janeiro,1937. 101

Antônio Teixeira de Albuquerque acabou se tornando batista, tendo sido batizado em vinte de junho de 1880 por Robert Porter Thomas. No dia 1º de novembro do mesmo ano foi ordenado ao Ministério, pelos pastores Elias Hoton Quillin e Robert Porter Thomas, contando com a presença de alguns diáconos das Igrejas de Santa Bárbara. Antônio Teixeira de Albuquerque foi uns dos missionários pioneiros do Estado da Bahia. Faleceu em 07 de abril de 1887 em Rio Largo (AL). Ainda sobre o Missionário Batista, foi publicado em “O Jornal Batista” do dia 27 de abril, a seguinte matéria, Antônio Teixeira de Albuquerque foi o primeiro brasileiro batista a tornar- se um ministro do Evangelho neste Brasil! Ele fez sua profissão de fé, foi batizado e consagrado ao Ministério da Palavra em 20 de junho de 1880, com as duas primeiras igrejas batistas em Santa Bárbara e Estação, SP. Como se teriam realizado tais atos se ele não falava inglês e os membros daquelas igrejas, ainda falavam mui pouco o português (ANTUNES, 2003, p.10)?

Após a exposição trazida do estudo de Antunes (2003, 2005), ainda cabe esclarecer aquilo que, aqui, estamos chamando de “o pomo da discórdia” entre ela e Pereira (1979). Ele gira em torno da origem das Igrejas Batistas no Brasil, pois, para este, o local berço dos batistas foi o Estado da Bahia e, para aquela, foi a cidade de Santa Bárbara, localizada em São Paulo. Sobre esse aspecto, Em 10 de setembro de 1871, se fundou a Igreja Batista de Santa Bárbara. Trata-se da primeira igreja batista organizada em solo brasileiro. Entretanto, essa era uma igreja limitada em seu escopo: seus cultos, em língua inglesa, destinavam-se apenas aos colonos. Não tinha a igreja objetivos missionários, não visava à evangelização dos arredores. Os mesmos colonos, para atender a conveniências locais, fundaram, no lugar denominado Estação, uma segunda igreja batista em janeiro de 1879. Essas duas igrejas com o tempo desapareceram. Cumpriram sua missão e encerraram seus trabalhos. Eis porque nós as consideramos apenas como um marco, um estágio preliminar na história batista do Brasil (PEREIRA, 1979, p. 81-83). Isto já gerou debates, principalmente, por causa das questões sexistas, como o que é expresso no trabalho de Alberto Kenji Yamabuchi (2009), que faz uma minuciosa análise das relações e dos conflitos de gênero nos lugares de poder existentes na Convenção Batista Brasileira (CBB) entre os anos de 1960 a 1980. Yamabuchi (2009) parte do princípio que existem, ainda, conflitos dissimulados pelos discursos batistas sobre direitos de liberdade social quando se trata de acatar a mulher no mesmo patamar de igualdade que o homem. Contrariando essa visão, trazemos um depoimento em “ O Jornal Batista” que demonstra que os batistas, desde o início do século XX, já defendiam a ideia da igualdade entre os membros da igreja: 102

Em todos os falsos sistemas religiosos a mulher é considerada como um ente tão inferior que seria uma blasfêmia si lhe fosse permitido tomar parte na celebração de seus ritos e cerimônias, ou figurar entre os propagandistas das suas respectivas crenças. A atitude da igreja de Roma para com suas mulheres é quase a mesma que a da igreja de Maomé, e a de Buda, isto é, as considera incapazes e indignas de se salientarem nos seus cultos e trabalhos. É forçoso confessar que nas igrejas protestantes há 100 anos julgavam ser uma heresia que as mulheres cantassem, ensinassem, etc., nas igrejas [...]. Folgamos de que hoje em dia estas mesquinhas ideias vão dando lugar a concepções mais exatas acerca do verdadeiro valor do sexo feminil como um poderoso fator na tarefa sublime de abençoar a infeliz humanidade aplicando o bálsamo do Evangelho. Em todas as nossas Igrejas no Brazil, gostaríamos de ver as nossas irmãs porem-se a testa de toda a sorte de trabalho que adiantar a causa. Foi com grata satisfação que recebemos a notícia da organização há pouco da Sociedade Auxiliadora de Senhoras, em nossa Igreja em Manaus, que ficou de seguinte modo constituída: Dona Ida L Nelson, Presidente; Dona Joventina da França Costa Vice-Presidente; Dona Onilda Ivy Pitts, Secretária; Dona Luiza Ferreira Araújo, tesoureira [sic] (ENTZMINGER, 1901b, p. 4). No entanto, essa aparente credibilidade no terreno da origem batista no Brasil deixa de existir, pois, o que é avaliado e reconhecido como a história é posição de Pereira (1979); isto foi confirmado pela pesquisa de Yamabuchi, quando afirma que: A Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos não tomou partido. [...] apenas Betty de Oliveira estava mantendo a posição rebelde. Suas obras não alcançaram o povo batista em sua totalidade, até porque a tiragem de seus livros foi bem limitada, vez que a autora precisou assumir, mais de uma vez, a sua publicação com recursos próprios (2009, p. 92). Segue, portanto, como a história para a origem das Igrejas Batistas dentro do Brasil, a posição que parte do ponto de vista que,

[...] embora essa igreja de Santa Bárbara não fosse missionária, ela tinha o ideal missionário. Via o que o Brasil significava como campo de Missões. Assim, escreveram à Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, apelando-lhe no sentido de que enviasse missionários ao Brasil. A Convenção não teria dado, no entanto, muita atenção ao pedido dos colonos, se não fosse a atuação de A. T. Hawthorne, um ex-general das forças sulistas, que se entusiasmara grandemente com a ideia de enviar colonos para o Brasil (PEREIRA, 1979, p. 89). Alexandre Travis Hawthorne (1825-1899) já havia estado no Brasil em 1868 para organizar uma nova colônia batista norte-americana. Visitou Santa Bárbara e depois, com permissão oficial do Governo brasileiro, “viajou pelo país para escolher o local da nova colônia. No sul da Província da Bahia [área que engloba as cidades em torno de ] Hawthorne foi recebido festivamente e decidiu que ali seria o lugar ideal” (YAMABUCHI, 2009, p. 57). Ao retornar aos Estados Unidos, duas situações o impediu de retornar aos seus planos missionários, 103

[...] a doença de sua esposa e, depois, o falecimento de sua única filha. [...] Como representante da Junta de Richmond e apaixonado por missões, retomou seus planos para o Brasil, mas agora com ênfase destacada: a de evangelizar o povo brasileiro. Mesmo com a nomeação de Quillin para o Brasil, Hawthorne conseguiu convencer a assembleia da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos em 1880 a reinvestir na missão no Brasil, que estava estagnada desde 1861. Como não possuía mais idade para ser nomeado missionário, Hawthorne contatou e convenceu um casal de vocacionados, William Buck Bagby (1855-1939), recém consagrado pastor, e Anne Luther Bagby (1859-1942), para se dirigir ao campo brasileiro (YAMABUCHI, 2009, p. 57-58). Sobre o pastor William Buck Bagby, Pereira (1979) apresenta, em linhas gerais, que ele era do Estado do Texas (EUA), que um dia ouviu um dos sermões de Alexandre Travis Hawthorne, ficando impressionado com a narrativas sobre as suas viagens missionárias. Além disso, W.B. Bagby estava noivo de Ann Luther, que já tinha o desejo de partir para o trabalho missionário. Foi assim que, ambos, começaram a projetar a ideia de trabalhar no Brasil, sendo, posteriormente, enviados ao país pela Junta de Missões Estrangeiras. O casal desembarcou em 1880 no Rio de Janeiro seguindo imediatamente para a cidade de Santa Bárbara. Como havia a pretensão de aprender a língua portuguesa, conseguiram tal pleito com Antônio Teixeira de Albuquerque. Após os Bagby, pouco tempo depois, chegaram ao Brasil os missionários: Zachary Clay Taylor e Kate Stevens Crawford Taylor. O grupo formado pelos cinco evangelizadores foi em busca da terra baiana. Porém, antes desse período, cabe destacar que foi pela expansão dos trabalhos missionários desse grupo que, dois anos após, exatamente no dia 24 de agosto de 1884, foi organizada a Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro, tendo como linha de frente o casal William e Ann Bagby, acompanhados de Mary O' Rorke e Elizabeth Williams. Também foram formadas as nove igrejas da missão de Pernambuco, que acabaram por constituir-se na: União Baptista Leão do Norte, cujos representantes reuniram-se em nossa igreja no Recife nos fins de dezembro, a fim de estreitar entre si os laços fraternais e unirem os seus esforços para a maior vantagem do trabalho, pois, "a união faz a força." [...] no estado do Rio, constituída de 12 igrejas baptistas, que deve reunir- se pela 4ª vez em junho próximo, na nossa igreja em Macahê [sic] (ENTZMINGER, 1901a, p. 4). Depois das doze (12) Igrejas formadas no Rio de Janeiro, segundo Pereira (1979), foi criado, em 1894, no Rio de Janeiro, a primeira Associação Batista no Brasil (ABB), dando origem à atual Convenção Batista Fluminense (CBF) e Convenção Batista Carioca (CBC). Portanto, agora cabe registrar a história dos Batista no território baiano. 104

2. 3 Os Batistas a Bahia e a Organização da Primeira Igreja de Itapetinga

Reafirma Pereira (1979, p. 97) que a organização batista começou, realmente, a partir do território baiano quando houve “a fundação da Primeira Igreja Batista Brasileira, em 15 de outubro de 1882, na cidade de Salvador, por William e Ann Bagby; Zachary e Kate Taylor e o Pastor Antônio Teixeira de Albuquerque”. Isto é confirmado por Mendonça (2008, p. 294) ao esclarecer que “embora tenha havido cultos batistas na colônia americana de Santa Bárbara em 1871, foi só em 1882, que na Bahia, fundou-se a primeira igreja batista com objetivos missionários”. Todavia, como revela Teixeira (1975), em se tratando da Bahia, em princípio, pode ter havido, entre a sua população, um relativo desconhecimento sobre o que era ser protestante. Ou, significativamente, quais eram os seus propósitos. Mesmo que a Bahia já tivesse recebido em seu território a presença de comerciantes ingleses, com o destaque para os anglicanos na primeira metade do século XIX, cabe o reconhecimento sobre a afirmativa de W.B. Bagby quando afirmou “que a Bahia era um campo quase virgem para o trabalho missionário” (loc. cit. p. 57). A identificação dos missionários norte-americanos com o solo baiano conduz Paixão (2013), mesmo reconhecendo a contribuição de Antunes (2005) para a história dos batistas no Brasil, a distinguir que as primeiras formações missionárias batistas, comprovadamente, nasceram na Bahia. Isto porque, para ele, a história da expansão Batista para outros locais do nordeste Brasileiro, ocorreu, sobretudo, quando a Junta de Richmond, em 11 de janeiro de 1882, determinou ao missionário Z. Taylor que substituísse o missionário William Bagby na Bahia. Dentro do território baiano podemos tomar como ponto de partida o estudo de Teixeira (1975), destacando quatro tipos de propagandas que foram adotadas entre os anos de 1882 a 1925 para a expansão da doutrina batista. Foi nesse tempo que foi formada a Primeira Igreja Batista de Itapetinga. Assim, em primeiro lugar, apresentamos a distribuição de literatura religiosa como uma das formas utilizadas para a divulgação da fé batista – a exemplo dos metodistas –, pois, como relata Léonard (1981, p. 41), foi a “distribuição da Bíblia, o processo que o norte- americano Daniel Parish Kidder”, quando esteve no Brasil durante o período regencial, utilizou para a evangelização, portanto, esse foi o meio para romper a resistência das várias camadas sociais no território católico brasileiro. De tal modo, “escrevendo para Z. C. Taylor, - o pastor da Primeira Igreja Batista da Bahia em 1886 –, o general norte americano 105

Alexandre Travis Hawthorne recomenda: "colocai uma Bíblia em cada casa" (TEIXEIRA, 1975, p. 59). Em segundo lugar, foram utilizados os jornais, chamado por Teixeira (1975, p. 66) de denominacionais84, pois, traziam as questões relacionadas ao trabalho missionário, evangelizador e produzia uma fundamentação da doutrina batista, assegurando o compromisso religioso dos seus adeptos, mas, também, continham as retaliações contra a Igreja Católica, além de divulgar “violentos” artigos contra os "separatistas” vinculados à “Questão Radical Batista”85, quando se iniciou a disputa pelo espaço religioso. Aos poucos, esses jornais começaram a produzir outras informações. Assim, fossem elas sociais ou culturais, divulgavam o que ocorria entre os próprios batistas (aniversário, óbito, nascimento, conversão e etc.), como traziam as notícias do mundo e do Brasil. O primeiro deles, anterior ao “O Jornal Baptista” foi, segundo Teixeira (1975), idealizado e organizado, em 1885, por Z. C. Taylor, denominado como “Typographia Bíblica”. Em 1900, o jornal funcionava na Primeira Igreja Batista, na antiga Ladeira do Aljube, nas imediações de onde atualmente se encontra o viaduto da Sé. Foi vendido e o capital entregue a William Edwin Entzminger para o estabelecimento da Casa Editora. A partir de então, a missão da Bahia passou a ser atendida pela Editora Batista do Rio de Janeiro. Transcrevemos, nesta tese, vários artigos de “O Jornal Baptista” (OJB)86 e, mesmo não pertencendo ao Estado da Bahia, cabe apresentá-lo por ter sido mais uma das formas de propagação batista que foi empregada no Brasil, no início e decorrer do século XX. Quando começou a circular foi como “órgão oficial”87 das igrejas em sua comunicação com as cidades. A função era instruir os fiéis, uma vez que, prioritariamente "a Escriptura Sagrada, [...] era a primeira cousa que se deve lêr [mas, após, como registra Salomão L.Ginsburg, deveria ser]. O Jornal Baptista88” (ANAIS DA CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA,

84 O conceito foi empregado para “aqueles utilizados não só como veículo de informação para os membros das Igrejas, mas, e principalmente, como meio de atingir a opinião pública” (TEIXEIRA, 1975, p. 61). 85 Refere à luta pelas lideranças e domínios do movimento batista no território nordestino. 86 “O Jornal Batista” (forma de escrita atual) teve sua primeira versão publicada em 10 de janeiro de 1901, no Rio de Janeiro (capital federal do Brasil). Suas publicações são mantidas até a atualidade. Inicialmente, era publicado nos dias 10, 20 e 30 de cada mês. Nos dias atuais, possui quatro ou cinco edições, a depender da quantidade de semanas que tem o mês. 87 A Assembleia da CBB do ano de 1909, realizada em Recife (Pernambuco), tornou O Jornal Batista “órgão oficial de comunicação da Convenção Batista Brasileira (CBB). 88 O local de publicação de O Jornal Baptista era "Rua S. Anna, 25, Caixa Postal, nº 352, Rio de Janeiro." (O JORNAL BAPTISTA, 1901, p. 2). A Casa Publicadora Batista, segundo os relatórios da Convenção Batista de 1908 possuía, até aquele ano, "Typographia, papelaria e Livraria”, cujo valor era cerca de “ trinta contos de 106

1908, p. 27). Entre 1901 e 1919, “O Jornal Baptista” ficou sob a direção de missionários americanos, foram eles: W. E. Entzminger, Z. C. Taylor, A. B. Deter, A. L. Dusntan e S. L. Ginsburg89. Assim, quando W. E. Entzminger foi embora, por ter, intercaladamente, ficado por um maior tempo como redator chefe à frente do jornal, na edição número trinta e oito (38), no dia 04 de setembro de 1919, foi publicado na capa do Jornal a seguinte homenagem: Quando este número for publicado, estará mar em fora, com Exma. Família, e mais e amigos missionários o nosso prezado e mui querido redactor-chefe que foi a alma creaoora do nosso jornal e da nossa casa, e abaixo de Deus, ainda continua a ser a alma do nosso jornal. Vae em goso de férias bem merecidas, o que não obsta a que nos deixe fundas saudades. Sentimos imensamente a ausência; ao mesmo tempo, senti-lo-emos como sempre presente; e inspirados na dedicação a esta santa causa, procuraremos seguir a rota que elle tao bem soube traçar (sic) (O JORNAL BATISTA, 1919 p. 1). Porém, retornado a propaganda batista, especificamente na Bahia, ela não ficou totalmente dependente do trabalho editorial que nascia no Estado do Rio de Janeiro, pois, em 1907, começou a circular

[...] "A Mensagem", como "órgão da Comissão de Evangelização Estadual das Igrejas Baptistas da Bahia". A Sua redação e impressão situava-se na sede da Primeira Igreja, sendo Alípio Dórea seu primeiro redator. Em 1908, era um dos poucos jornais que atendiam à denominação batista na Bahia [...]. “A mensagem” [circulou amplamente] na imprensa batista da Bahia e do Norte do Brasil, de 1907 até 1915, quando sua sede, mudou-se para Recife, tornando-se então "órgão oficial da Confissão Batista do Norte do Brasil". Em 1919 voltou a ser editado na Bahia, sob a direção do missionário M. G. White, mas circulou apenas até 1920 [ainda pode ser citado]: "O Batista Interestadoal", que era o órgão de divulgação da Convenção Batista Interestadual e substituiu o jornal "A Mensagem" [por O Batista Brasileiro" [para״ sua vez] em 1925, foi substituído pelo jornal finalmente] em dezembro de 1923 ser fundado “o Baptista Bahiano“, órgão da Convenção Batista Baiana. [Além deste, também] publicações de caráter regional (para o "Campo Baiano"), como também jornais mantidos

réis”. Adquirindo um “motor electrico da força de dez cavallos" (ANAIS DA CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA, 1908, p. 6). 89 Segundo Amaral e Barbosa (2007), Willian Edwin Entzminger (1859-1930) era um missionário norte- americanos que chegou ao Brasil em 1891 e trabalhou no território nacional por trinta e um (31) anos. Durante o período que se fez presente em terras brasileiras, fez parte da edição de O Jornal Baptista de 1901 até 1904, saindo por problemas de saúde. Retornou em 1907 e permaneceu até 1913; ausentou-se por dois (02) anos, voltando em 1915 e ficando até 1919. Arthur Beriah Deter foi missionário da Junta de Richmond e um dos líderes responsáveis pelo jornal. Zacharias Clay Taylor, o segundo missionário, responsável por constituir as Igrejas Batistas no Brasil, além de ser o primeiro criador do primeiro jornal batista que circulou em 1886, com o nome “Echo da Verdade”, Salomão Luiz Ginsburg, da mesma maneira, foi fundador de várias Igrejas Batistas, além de ter lançado o jornal, “O Boas Novas”, em 1894. Albert Lafayette Dusntan era missionário e atuou na Casa Publicadora Baptista. 107

diretamente por Igrejas, para a informação dos seus membros (TEIXEIRA, 1975, p. 61-66). A partir das divulgações da imprensa nasce, em terceiro lugar, a outra forma de propagação batista, o “evangelismo pessoal”, também conhecido como o “trabalho missionário”. Amparado pela distribuição de Bíblias, esse é outro exemplo que foi adotado dos metodistas, pois, desde “1835 quando chegou o primeiro missionário ao Rio de Janeiro, o rev. Fountain E. Pitts, do "Board of Mission" da Methodist Episcopal Church in the United States, [já havia começado] a pregar em residências particulares” (MEDONÇA, 2008, p. 45). Dentro desse trabalho, a informação mais relevante foi a de “Salomão Ginsburg, [...] que relata diversas situações, algumas não muito fáceis, ao abordar as pessoas desconhecidas, oferecendo uma Bíblia ou folheto, entabulando conversa, e logo após, convidando-as para visitar a Igreja” (TEIXEIRA, 1975, p. 68). Em último lugar, apresentamos “os pontos de pregação e pregações ao ar livre90, pois, essa ainda era uma época, como é comprovado por Teixeira (1975), em que ainda não havia sido formado os templos. Assim, fosse nas ruas, praças, mercados ou em qualquer lugar estratégico, tudo serviria para a propaganda dos batistas sobre a sua doutrina. Sobre esse tempo, algumas vezes, o critério da escolha de algum lugar, ficava restrito aos locais que tivesse um conhecido, pois, em caso de agressão, haveria um refúgio próximo. Após as formações das Igrejas91, estas passaram a servir como pontos de referência tanto para a pregação em locais próximos, para facilitar as visitas daqueles que eram convidados a ouvir o “Senhor”, como para formar as comitivas que iriam às ruas. Mas, para compreender como essa forma de veiculação da doutrina batista chegou aos moradores da Bahia é preciso, primeiro, de acordo com Teixeira (1975), conhecer o contexto no qual estava inserido a sociedade baiana. Principalmente, no que diz 'respeito à vida cotidiana das várias camadas da população, pois, disso dependeu a aceitação da doutrina batista dentro do contexto histórico-social da época. Tomando como ponto de partida os comportamentos dos anunciantes (missionários batistas) e dos ouvintes (os prováveis convertidos), Teixeira (1975) apresenta os seguintes dados: a Província da Bahia enfrentava sérias dificuldades referentes à ordem pública, isto

90 Z. C. Taylor publicou em "O Jornal Batista" (1916), "Reminiscências”. Nesse artigo recorda os episódios da pregação pública na Bahia por volta de 1905. Parte do que é trazido por Teixeira (1975) encontra-se nesse relato. Os dados constam nas referências desta tese. 91 Segundo Teixeira (1975), é provável que a crise da “Questão Radical” tenha iniciado em 1923, originado pela expansão que o trabalho de pregação atingiu, provocando as rivalidades entre as Igrejas e os líderes batistas em todo o nordeste brasileiro. 108

era advindo de uma estruturação social repressiva, patriarcal e autoritária, mas, também, proveniente da grande extensão dos seus limites territoriais. Tais dificuldades, fragilizavam os órgãos policiais no enfretamento aos conflitos, fossem eles gerados pelo alto índice de criminalidade e rixas entre as famílias, ou provenientes das rivalidades entre as autoridades civis (juízes, “coronéis” e gestores) e os representantes religiosos (padres). Tais dificuldades eram maiores no interior do que na própria cidade de Salvador. A ligação da Igreja Católica ao Estado muitas vezes levava as autoridades (juízes e policiais) a cumprir a exigência de padres e frades, interferindo nas atividades dos pregadores batistas. Por outro lado, sofriam tendo que controlar o grupo de linchadores (católicos) que, instigados pelos sacerdotes, atacavam os pastores. Houve um incidente que poderia ter sido muito grave com Bagby. Estava ele pregando quando começou a ser apedrejado, sendo ferido; carregou a cicatriz pelo resto da vida. Do império para o O advento da República, considerado pacífico em seus primeiros momentos em várias áreas do Brasil, não assumiu na Bahia a mesma característica. As [dificuldades ainda foram pioradas com os problemas da] ordem política, envolvendo elementos de elite e de todas as outras camadas sociais. O climas de insegurança ocasionavam conflitos [...] os elementos que caracterizaram a Primeira República brasileira permitiram que as forças estaduais, apoiadas no federalismo, chegassem ao auge do seu poder, agindo sob as formas conhecidas do oligarquísmo e do situacionismo. Para a manutenção ' desses padrões políticos, os grupos dominantes utilizavam-se de todo um esquema socioeconômico no qual as camadas mais baixas eram manipuladas ao sabor das suas conveniências. Agregados que obedeciam cegamente aos seus coronéis. [...] a intensa campanha desenvolvida pela Igreja Católica no sentido de neutralizar as aberturas propostas pelo decreto de 07 de janeiro de 1890 a outros credos não católicos. Foi dentro desse contexto, que se desenvolveu a propaganda pública dos batistas (TEIXEIRA, 1975,

Assim, foram formadas “ as nove igrejas no estado da Bahia que [deveriam] constituir-se quanto antes na: União das Igrejas Baptistas do Brazil Central [sic]” (ENTZMINGER, 1901a, p. 4). Essa “união”, não significava, nem significa, nenhum tipo de hierarquia, apenas expressava o desejo de ter uma ligação de cooperativa de Igrejas. Este foi o princípio para as Convenções no Brasil. Existe um princípio que é respeitado pelos batistas, como disse Mendonça (2005), eles prezam pela liberdade religiosa. Assim, reconhecem a autonomia das Igrejas locais. Inicialmente, as igrejas possuíam uma natureza ligada aos princípios instituídos pela crença da predestinação calvinista, com os mesmos critérios que foi apresentado por Weber (2013) sem, necessariamente, seguir a ideia da fé cega do já ter sido o escolhido. Isto causava 109

muitas dúvidas dentro do próprio corpo de adeptos, o que levou Entzminger a escrever um artigo, que foi publicado no OJB elucidando qual era a natureza da doutrina da predestinação. A Predestinação: “Algumas observações”. O pastor da nossa igreja em S. Luiz do Maranhão pede-nos explicação nessa coluna a doutrina da predestinação, o que vamos fazer [...]. Ao que parece aquele irmão não se contenta mais com o "leite racional não falsificado, alimento próprio aos recém-nascidos em Cristo" (I Pedro 2:2), mas, começa a desejar mantimento sólido”, próprio aos adultos, aos mais desenvolvidos na fé. Para nós, este é um bom indicio, que merece ser elogiado e imitado. Porém, ele pôs o dedo em um dos assuntos mais duros da Bíblia e do propósito de Deus. Que provavelmente jamais poderá ser explicado de modo completo. A doutrina da Predestinação, como a doutrina da Trindade, está além da compreensão humana, para ser por ela explicada. Mas, ela é uma tremenda realidade, E não pode deixar de ser aceita pela fé. Porque achamos claramente expostas nas Sagradas escrituras. Temos que aceitar de Deus essa doutrina, com a simplicidade, confiança e fé. Como uma criança aceita uma declaração de seu pai [...]. Que Deus determinou sorte de suas criaturas humanas é um corolário lógico. Quanto a doutrina da soberania de Deus. Se o mundo é governado por um ser onisciente e onipotente, segue-se que seus decretos, tem que ser forçosamente executados. [...] O destino de cada criatura é segundo o que Deus tem anteriormente determinado, [sem lhe tirar a responsabilidade de suas ações] [sic] (1916, p. 2). Ou seja, se por um lado aqueles missionários que começaram o trabalho acreditavam que a Salvação do homem somente ocorria pela graça divina e não pela obra do homem, por outro lado, acentuavam a Salvação a uma responsabilidade individual. Tal processo foi analisado por Weber (2013), levando-o a concluir que os batistas foram, na história do protestantismo, o movimento que poderia ser considerado, entre todos os reformadores dissidentes, como aquele com maior racionalidade. Nesse sentido o racionalismo foi tomado como um conceito histórico que encerra um mundo de contradições, servindo a Weber (2013b) apresentar que, se o movimento batista foi encorajado subjetivamente pela ideia do trabalho apenas para as finalidades da vocação, acabou desenvolvendo uma ética econômica racional semelhante a calvinista. Nessa ordem, a liberdade dos discursos batistas credita a sua força no trabalho da [...] Igreja local que é de suma importância. Cada pastor dedicado a seu trabalho deve sentir feliz de poder estar exercendo seu ministério. Alguns são chamados para funções de caráter geral; nas Convenções e Congressos, uns poucos aparecem em primeiro plano. O que eles dizem e fazem está longe, entretanto, de ter a importância daquilo que diz e faz o pastor local [...]. Não desprezamos nem vamos deixar de realizar grandes concentrações em estádios e grandes desfiles nas ruas, mas, o importante mesmo, o necessário, será o trabalho da igreja local. [...] todas elas interessadas em ganhar seu bairro ou sua cidade para Cristo, então cada Campanha será vitoriosa (PEREIRA, 1980, p. 3).

110

Outro ponto, que cabe ser discutido, dentro do sentido de contradição, recai sobre a defesa que os batistas não são tão indiferentes às questões sociais e políticas, sendo “contra qualquer espécie de ditadura, prisões arbitrárias, torturas e a subvida de muitos trabalhadores. [...] procuramos aplicar a regra áurea ensinada por Jesus Cristo, o amor” (PEREIRA, 1980, p. 3). No passado, para divulgar esse amor cristão, a conferência da CBB realizada na cidade de Vitória (ES) criou, em 1933, a Assembleia da Mocidade Batista Brasileira, o que ampliava o trabalho entre os mais jovens. Antes desse período, o primeiro esforço para a associação da mocidade do Brasil já acontecia, pois,

[...] durante muitos anos houve da parte dos moços evangélicos do Rio de Janeiro um desejo de se arregimentarem todos num grêmio com o fim de se estimularem mutualmente e de chamarem os seus companheiros ao conhecimento do Evangelho. [...] em 1893, porém, contando com maior número [...] de alguns que conheceram a experiência na Europa e da América do Norte foi definitivamente organizada a primeira Associação Cristã dos Moços do Rio de Janeiro [sic] (CLARK, 1901, p. 1). Antes do tempo dos “moços”, com a realização do segundo encontro da Convenção Batista Brasileira que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1908, possibilitou, segundo Pereira (1979), a criação da União Feminina Missionária, órgão auxiliar da Convenção, destinado à coordenação e orientação do trabalho de senhoras, moças e crianças nas Igrejas Batistas do Brasil. Tanto a associação dos jovens, como a união missionária das mulheres, mesmo que fossem vinculados a uma dimensão teológica, tinham um objetivo claramente social: a educação. Não foi à toa o valor dado ao conhecimento escolar pelos batistas. Muitos relatos aparecem em OJB, como o exemplo desta memória: Em 23 do andante [mês de janeiro] chegou a Bahia da sua viagem à América do Norte, a nossa irmã D. Laura Taylor, esposa do pastor Z. C. Taylor e diretora do Colégio Americano Egídio, o qual deve abrir as suas aulas em 11 de fevereiro. Uma das especialidades desse colégio é seu Jardim de Infância, que se acha sob a direção de Miss Alvne Goolsby, professora perita neste importante ramo de ensino. A matricula por trimestre é de 20$, e de 30$, conforme o curso tomado [sic] (ENTZMINGER, 1901b, p. 4).

O interesse educacional dos Batistas para ser materializado no Brasil enfrentou alguns obstáculos, dentre eles cabe destacar que, em primeiro lugar, a própria origem histórica nacional, cuja matriz religiosa católica não ia deixar facilmente um terreno aberto como o da educação, para ser assumido por qualquer outro tipo de dominação religiosa. Sobre esse aspecto, [...] parece ter sido em torno do ensino que se desenvolveu uma das grandes polêmicas entre sacerdotes e civis, uma vez que toda a carga do 111

tradicionalismo cultural conservador, defendido pela Igreja, sentia-se prejudicada pela decisão do governo provisório de não se comprometer com a manutenção do ensino religioso obrigatório nas escolas. Iríamos longe se abordássemos - todas as faces da questão, e estendêssemos nosso comentário em torno das discussões acerca do casamento civil, registro civil, laicização dos cemitérios e todas essas, questões referentes à extinção do padroado e implantação do Estado laico. Ao apresentarmos de forma panorâmica a situação religiosa dessa fase correspondente ao século XIX e início do século XX, procuramos nos ater muito aos aspectos sócio antropológicos que 'propriamente episódicos, embora estes fossem aqui e ali, aludidos como apoio daqueles. É que a ambiência caracterizada pela religiosidade da maioria da população brasileira, é sobremodo significativa para a compreensão das questões ligadas à expansão dos batistas. (TEIXEIRA, 1975, p. 56). Marli Geralda Teixeira (1975) aponta, ainda, que, por volta de 1880, amparados pelo Estado católico português, as autoridades imperiais criaram e divulgaram uma imagem negativa dos protestantes dentro do território nacional, não sendo fácil na época, para os batistas, conquistar uma liberdade religiosa entre os baianos. Isso afetava até mesmo a promoção dos seus cultos ou o enterro de seus pares. No entanto, cabe lembrar que, como os primeiros missionários batistas vieram do Sul dos Estados Unidos, os próprios acordos comerciais entre Brasil e o EUA, gradativamente, promoveram uma maior tolerância para que os protestantes pudessem “livremente” realizar os seus cultos. Tratando-se da esfera política e social o Brasil, naquele momento, passava pelo processo da abolição da escravatura; era preciso substituir a mão de obra negra pelos imigrantes. Foram estas as razões que permitiram a presença dos missionários e pregadores evangélicos trabalhando num intenso proselitismo, mas isso, [...] não caracteriza apenas a Bahia do fim do século XIX. Gilberto Freyre afirma que o evangelismo chegou a estabelecer-se como aspecto característico da vida religiosa brasileira. Admitindo-se como certa a presença de protestantes na Bahia a partir da segunda metade do século passado, seria pertinente perguntar até que ponto esse protestantismo teria alcançado notoriedade na sociedade local. Na abordagem das populações rurais ou urbanas, tradicionalmente católicas, os missionários batistas valeram-se de um relativo conhecimento que o povo tinha acerca do protestante. Em se tratando da Bahia, porém, é possível, em princípio, pensar-se num relativo desconhecimento sobre o protestantismo. Pelo menos sobre os seus propósitos. Ao menos sobre a sua mensagem. É certo que a presença de comerciantes ingleses na província baiana desde a primeira metade do século XIX - muito deles anglicanos - seria um dado indicativo de que os baianos não seriam totalmente ignorantes sobre os mesmos. Lembremos, porém, que o anglicanismo poderá ser também classificado como "protestantismo de imigração" e assim, seu valor propagandístico torna-se irrelevante. A afirmativa de W. B. Bagby, de que a Bahia era um campo quase virgem para o trabalho missionário, vem talvez apoiar a afirmativa acima colocada (TEIXEIRA, 1975, p. 60). 112

Em segundo lugar, o maior motivo para as dificuldades de se expandir o setor educacional batista não era de ordem externa, mas, segundo Mendonça (2005), era interna, no interior das Igrejas Batistas que queriam romper com qualquer tipo de ideal mundano, porém, como irromper com os princípios do movimento liberalista? Como poderiam os batistas ficar fora do cenário educacional, base para firmar o movimento liberal e, com ele, o próprio sistema financeiro do capitalismo? Nasce, assim, segundo Mendonça (2005), o discurso entre os batistas de que a prioridade não era o “educar para civilizar”, como pregava o ideal liberal da mentalidade norte-americana, mas, educar para leitura da Sagrada Escritura, trazendo através desse conhecimento, a condição para a conversão e a regeneração das pessoas. Portanto, para atender a essa perspectiva foi instituída a Escola Bíblica Dominical. Há quatorze anos atrás era conhecida tão-somente como Escola Dominical. Dizia-se que as primeiras letras destas duas palavras significavam “Evangelismo e Doutrina”. Em abril de 1966 foi intercalada a palavra "bíblica", porque realmente a tarefa principal desta maravilhosa Escola é ensinar a Bíblia, a Santa Palavra de Deus. Costuma-se dizer que o professor da EBD é um pastor em miniatura perante a classe. Devemos, pois, estudar bem a lição, procurando pensar mais nos alunos, nos Seus problemas, nas prováveis interrogações e dúvidas que possam surgir [...]. Cremos que o coração duma igreja evangélica, está na Escola Bíblica Dominical. É na EBD que temos oportunidade de receber mais instruções doutrinárias; é na EBD que os visitantes podem se matricular mesmo não sendo crentes; é na EBD que a igreja pode participar do estudo da Bíblia em classes distintas de acordo com a faixa etária. Abençoada é a igreja que apoia a EBD pois esta organização vem sendo uma bênção para os nossos lares e para a promoção do reino de Deus [sic] (CAMARGO. 1980, p. 2).

Como o próprio nome da Escola Dominical indicava: “Evangelismo e Doutrina”, o interesse dos batistas na educação, além de promover a formação de seus pares, ainda de certa maneira auxiliou o crescimento do movimento no território brasileiro, tanto que nas primeiras décadas os [...] Baptistas no Brasil são mais fortes do que outras denominações. Somos mais de 50.000 baptistas, num total, tem-se cerca de 600 igrejas. Temos aproximadamente 1.000 pontos de pregação baptistas que gostam de ler. E, como regra geral, aos que cultivam esse habito são bem instruídos. 1937, ano que saíram da Casa Publicadora Baptista: 24.527 livros; 13.815 panfletos e 338.338 folhetos. Além da literatura para a Escola Dominical e do Jornal Baptista. O progresso rápido dos baptistas no Brasil, resulta em grande parte do desejo que tem de ler e estudar as doutrinas da Bíblia. Os membros que leem e estudam, não são por "qualquer vento de doutrina”, tem um alto valor que a Igreja pode prestar aos seus membros, providenciar para que haja sempre boa literatura [sic] (SOUZA, 1938, p. 16).

113

No entanto, de 1916 a 1938, o próprio OJB registra, em números, a quantidade de batistas que existia no Brasil, trazendo os seguintes dados: QUADRO Nº 03: Índice demonstrativo do nº de Batistas no Brasil CONVENÇÃO BATISMOS MEMBROS CRESCIMENTO 1916 1.777 13.166 13,50% 1928 2.551 26.357 8,54% 1932 3.740 34.351 10,85% 1933 4.168 36.309 11,55% 1934 4.402 38.960 12,32% 1935 4.234 40.280 10,51% 1936 3.866 43.306 8,92% 1938 3.866 43.205 8,30% Fonte: MOREIRA, Victorino (OJB, 1938, p. 5). Diante do número apresentado, pode-se perceber que houve um baixo índice de crescimento dos batistas entre os anos de 1936 a 1938 chegando, mesmo, a se ter um recuo entre os membros no último ano. Tomando como parâmetro a comparação entre a Igreja Batista com a Igreja Presbiteriana algumas críticas foram produzidas, sobretudo, sobre o bem-estar dos batistas da Bahia. A esse respeito: As oportunidades magníficas a munificência divina outorga aos baptistas da Bahia que ainda não estão sendo devidamente aproveitados, senão vejamos: GINÁSIO, não faltam aqui professores secundários devidamente registrados no Departamento Nacional de Educação, nem falta aqui alunos batistas e amigos da causa. Todavia não temos um só ginásio oficializado no interior ou nesta capital. Enquanto que, o Ginásio Americano, um dos estabelecimentos de ensino secundário oficializado mais erudito na Bahia, mantido como a Escola Normal de Ponte Nova, pelos irmãos da Igreja Presbiteriana, há longos doze anos. HOSPITAL. De a muito a Bahia evangélica poderia dispor de um hospital, guardadas as proporções nos moldes do Hospital Evangélico do Rio, gozando de igual crédito e prestígio para os crentes e incrédulos. Enquanto que, o serviço glorioso que vem prestando, na dupla cura do corpo e da alma do nosso sertanejo da zona de , o hospital de Ponte-Nova, onde opera milagres o melhor mais hábil canivete que existe, em cirurgia geral, neste estado, o famoso cirurgião presbiteriano Dr. W. Wood. Porventura não temos também cirurgiões, médicos enfermeiras baptistas? Porventura não temos uma infinidade de Juntas? Porventura não temos como os nossos Irmãos presbiterianos também uma ”board” na outra américa [sic] (GOUVEIA, 1938, p. 13)? Outra crítica de Gouveia (1938) é dirigida à falta de mobilidade da Igreja Batista da Bahia em efetivar um meio de comunicação perdendo, assim, o espaço para os presbiterianos que anunciaram, em uma das publicações do Jornal Presbiteriano “Luz e Vida”, a concretização de um rádio evangelizador. Tal fato conduz a seguinte manifestação: 114

A culpa, a cegueira, a indiferença, a visão pequenina, a desorganização, a rotina retrógada e falida. Temos tudo e nada [...]. Que nos falta? Precisarmos de mais missionários, moços e empreendedores, que possam revolucionar a Bahia para Cristo e realizar uma grande obra para honra e gloria do divino Mestre. Precisamos de missionários que possa viajar pelo interior, ver as necessidades das igrejas e orientar o trabalho. -Mandem- nos missionários! A PRIMOGÊNI'TA. A 'Bahia é a primogênita da causa batista no Brasil e na América do Sul [sic] (GOUVEIA, 1938, p. 13).

As críticas surtiram efeito, pois, despertaram um trabalho evangelizador e missionário mais atuante no interior da Bahia, tanto que “o trabalho da missão da Bahia estava tomando feições muitíssimo agradáveis, pois, através da Sociedade Missionaria Nacional (SMN), continuava a aumentar os esforços missionários e a cada vez mais, a se tornar um fator valioso na evangelização do estado “ (ENTZMINGER, 1901a, p. 4). Foi com o trabalho e manutenção financeira da SMN que

[...] três evangelistas viajavam pelo interior da Bahia, em ativíssima propaganda: a graça de dar para a causa do Senhor está sendo cultivada amplamente por todos os crentes, ao passo que as contribuições durante o anno findo constituíram uma muito respeitável somma. (Sentimos aqui dizer que os nossos irmãos do Norte são mais liberais que os do Sul). Uma igreja briosa e dedicada é a de Cannavieiras [atual cidade de Canavieiras, Região Sul da Bahia], que, não obstante ser pequena (33 membros), não somente levanta meios para construir seu próprio templo, como também, admiravelmente coadjuva para edificar a Casa de culto da igreja da cidade de Conquista [atual cidade de Vitória da Conquista], que é menos favorecida pela fortuna. É escusado dizer que essa igreja canavieirense mantém o seu pastor e um collegio para a educação de seus filhos [sic] (ENTZMINGER, 1901a, p. 4).

Como consta no trecho publicado no OJB, foi de Salvador que os missionários batistas de origem norte americana chegaram, no final do século XIX, na cidade de Canavieiras (Região Sul) e na católica cidade de Vitória da Conquista (Região Sudoeste). Assim, além das condições em que se encontravam a população da Bahia, ainda, [...] existiu una relação intima entre a concentração de núcleos batistas e vias de comunicação. As estradas de ferro existentes na Bahia entre 1882 e 1925, foram os caminhos preferidos naturalmente mais utilizados pelos evangelistas, [assim], houve uma concentração na microrregião de Jequié, atendida pela Estrada de Ferro Nazaré, que partia da cidade de Nazaré no Recôncavo baiano [...] A associação de linhas férreas a caminhos secundários ou tradicionais, facilitaria o acesso a pontos mais longínquos, tais como o planalto de Conquista ou em relação Cacaueira e Litorânea do Extremo Sul, todas elas com acesso pelo mar, servidas já em 1925 por uma navegação regular a vapor da "Companhia Baiana" (TEIXEIRA, 1975, p. 89-90).

115

Menos de duas décadas depois, como assevera Campos (2006), já estavam instalados na cidade de Itambé. E foi o distrito de Sapucaia, como mostram os nossos recordadores de Itapetinga (cf. cap. IV), o local que deu origem aos primeiros batistas do recém-formado povoado de Itatinga. A prova disso está no relato do Pastor Arlindo Oliveira que enviou ao OJB, no dia 27 de junho, o anúncio que foi publicado em 15 setembro de 1938, informando as condições das Igrejas no Sudoeste da Bahia. A Igreja Batista de Itapemirim [atual cidade de -BA] continua conquistando almas para Jesus Cristo. Sempre animada e graças ao Senhor e a boa vontade dos seus membros, a nossa esperança é que futuramente será bem desenvolvido o seu trabalho. A Igreja Batista de Itapuhy [atual cidade de Itororó] que tem o privilégio de na sua localidade morar o pastor. O seu trabalho é progressivo, assumimos a responsabilidade pastoral em março deste ano e já batizamos sete novos crentes. Ultimamente, preparamos para organizar a Igreja Batista de Itatinga [atual cidade de Itapetinga]. A Igreja Batista de Ribeirão do Salto é uma boa igreja. Fica entre Minas e Bahia. Na viagem feita no mês de maio manifestaram-se ao lado de Jesus oitenta pessoas! Batizamos ali cinco pessoas e o povo do lugar é acessível ao evangelho [sic] (SOUZA, 1938, p. 16). Exatamente, trinta e quatro (34) dias depois dessa comunicação ao OJB efetuada pelo Pastor Arlindo Oliveira (Primeiro Pastor da Primeira Igreja Batista de Itapetinga), estava formada a Igreja Batista de Itapetinga. De acordo com Campos (2006), no início não foi um trabalho evangelizador fácil, não que houvesse o impedimento social ou religioso como havia na maior parte do Bahia católica, incluindo Vitória da Conquista e Itambé, que respectivamente haviam sido municípios que dominavam a área que compôs a cidade de Itapetinga. O problema citado pelo historiador encontra eco na memória do pastor Samuel que alerta que os problemas estavam mais direcionados aos fatores geográficos da região. Os batistas não residiam no pequeno povoado, ficavam em fazendas distantes tendo que viajar muitas léguas92. Para dirigir as casas de outros crentes batistas e praticar o estudo da Bíblia, ou mesmo, chegar a Itatinga para fazer a feira e ficar para a pregação do Evangelho. Havia uma aproximação entre as feiras livres de Itatinga e os cultos, ambos aconteciam nos dias de domingo, em um barracão que ficava localizado na antiga Praça Castro Alves e atual Augusto de Carvalho. Ou seja, havia uma estreita ligação entre os negócios e a religião. Foi com esse trabalho que começaram a semear a terra, cultivar o boi, mas, também, colher as almas para o rebanho batista. Até conseguir, segundo Jabur (1998), organizar a Igreja em uma casa alugada. Anos depois mudaram a Igreja para a praça central de

92 Cada légua mede 6 Km. 116

Itapetinga. Essa recordação está presente nas memórias dos nossos recordadores. Essa lembrança está na história oficial da urbanização de Itapetinga, como veremos no capítulo seguinte.

117

CAPÍTULO III A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DA CIDADE DE ITAPETINGA

Procuramos, neste capítulo, apontar alguns aspectos do desenvolvimento urbano de Itapetinga tendo como propósito situar as condições nas/pelas quais ocorreu a formação do seu campo religioso. Nesse aspecto, foi revisitando obras já escritas sobre tal abordagem, mas, também, foi revirando arquivos públicos, periódicos, documentos de acervo particular, entrevistas93 e as memória. Assim, cabe informar que Itapetinga teve a sua formação urbana a partir da prática econômica baseada em uma tradição determinada pela cultura da pecuária. Decisivamente, este modelo foi responsável pelas atividades de produção e de subsistência de sua população. Sendo uma “jovem” urbe, com uma população ainda inexpressiva se comparada aos grandes ou médios centros urbanos encontra-se, ainda, os seus moradores presos aos laços da confiança (herança ruralista) cujo valor da “lei” é a força da “palavra dada”. No entanto, a partir da consolidação do modelo produtivo industrial, principalmente através da produção calçadista ocorrido na década de 90 do século XX, Itapetinga, aos poucos, foi se redefinindo, aumentou a sua população e, em menos de dez (10) anos perdeu toda a tranquilidade em que vivia. Convive, assim, entre a áurea de um passado “dourado” e as mesmas mazelas existentes nas grandes metrópoles, pois, se encontra mergulhada em meio as crises dos valores morais e sociais, inserida em meio à violência, drogas, desemprego e o medo. O que nos remete a lembrar, como disse Hervieu-Léger (2008) sobre as rupturas de memória e as reorganizações de valores, pelas quais a identidade passa a ser concebida em suas dinâmicas modernas. Essa passagem entre o passado e o presente, por sua vez, também pode ser visto, como uma situação balizadora, como disse Bauman (2001)94, por uma modernidade liquida,

93 As entrevistas realizadas com as cinco (5) pessoas, já foram destacadas na apresentação deste trabalho. 94 Bauman (2001, p.29) parte do princípio que não tem mais como negar, ou mesmo subestimar, as profundas mudanças que o advento da modernidade fluída produziu na condição humana. “O que foi separado não pode ser colado novamente. Abandonai toda esperança de totalidade, tanto futura como passada, vós que entrais no mundo da modernidade fluida. Chegou o tempo de anunciar, como o fez recentemente Alain Touraine, fim da definição do ser humano como um ser social, definido por seu lugar na sociedade, que determina seu comportamento e ações. Em seu lugar, o princípio da combinação da "definição estratégica da ação social que não é orientada por normas sociais" e "a defesa, por todos os atores sociais, de sua especificidade cultural e psicológica" "pode ser encontrado dentro do indivíduo, e não mais em instituições sociais ou em princípios universais". A referência deste trabalho consta em nossas referências bibliográficas

118

“desregulamentada” e “desengajada”, onde abandonar a esperança virou sinônimo de individualidade. Essa individualidade encontrada no contexto da cidade de Itapetinga, pode ser traduzida como a crise de viver entre o passado e o abandono dos princípios que sustentavam os seus costumes e as suas organizações sociais. Tais conflitos, em sua realidade social, trazem a angústia que pode ser lida da seguinte maneira: o vizinho de antigamente era o pai, irmão, parente..., tinha um corpo e um rosto, tinha uma identidade, atualmente, as casas adquiriram muros e grades, o rosto é aquele que se esconde atrás da porta, sonhando [...] encontrar uma cidade antiga no labirinto das novas ruas, que pouco a pouco circundaram e transformaram casas e monumentos, que ora descobriram e apagaram bairros antigos, ora encontraram o seu lugar no prolongamento e nos intervalos das construções de outrora, não voltamos do presente ao passado, seguindo em sentido inverso e de modo contínuo a série dos trabalhos, demolições, traçados das ruas, etc., que modificaram progressivamente o aspecto dessa cidade. Para reencontrar caminhos e monumentos antigos, conservados, aliás, ou desaparecidos, nós nos guiamos, pelo plano geral da cidade antiga, nos transportamos para ela em pensamento, o que sempre é possível, para os que nela viveram, antes que houvessem ampliado e reconstruído os velhos bairros, e pelos pedaços de muro que permaneceram de pé, essas fachadas de outro século, esses trechos de ruas guardam sua significação de outrora (HALBWACHS, 2006, p. 152).

Inicialmente, o que podemos argumentar sobre a antiga Itapetinga veio através das recordações de Dona Elza ao lembrar que:

[...] quando entramos em Itapetinga aqui era mata e lama. O único lugar que tinha casa, feira, venda [armazém] e local para abrigar os viajantes é onde está a Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI), ali funcionava tudo, era a praça. Na época, isso aqui era um arraialzinho de chão e poeira; quando saia da nossa casa para ir à feira ou à Igreja Batista, íamos calçados e voltávamos com o pé descalço, pois, a lama começava a pesar e não dava mais para andar [...]. Desde que eu era menina que a Igreja Batista está ali naquele lugar, se houve uma Igreja católica antes dela não sei te dizer, sei que quando um padre chegava nessas bandas se dirigia, geralmente, às grandes fazendas para batizar ou casar os filhos dos fazendeiros católicos. Muitos dos moradores da vila iam para as fazendas levar os filhos e eles mesmos para ser abençoados. Muito tempo depois que vi falando da Igreja São José, foi depois dela, que veio a Igreja Nossa Senhora das Graças, mas, onde ela está, antes era uma Congregação Batista, sei disso porque trabalhava ali, varria, arrumava e zelava. Depois aquele terreno foi vendido para os católicos, nunca entendi direito essa história (cf. cap. IV).

A praça, à qual se refere Dona Elza, chama-se Augusto de Carvalho e a igreja é a imponente Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI) que reluz em sua forma majestosa tomando a área central da cidade. A praça e a Igreja dentro do imaginário cristão ocidental, 119

ultrapassou em muito a função meramente urbanística95. Tais lembranças do espaço e do tempo passado permanecem vivas e coletivas nas memórias dos itapetinguenses, pois, a mesma história é repetida por quase todos os recordadores (cf. cap. IV). Nesse processo, o conceito de lembranças pode ser analisado a partir de Halbwachs (2006) em categorias diferenciadas: primeiro, elas podem ser vistas como representações (re)construídas nas presenças dos outros; segundo, as lembranças podem ser tomadas como recordações remotas de acontecimentos passados; e terceiro, as lembranças podem ser tratadas como (in)formações retiradas dos fatos históricos, das leituras efetuadas, das peças teatrais assistidas ou das pinturas vistas que, outrora, faziam parte do cotidiano da cidade. Contudo, essas lembranças, para sobreviverem e serem reconstruídas, mesmo aquelas que são armazenadas, apenas, em uma parte reduzida da memória, precisam ser alimentadas a partir dos dados ou noções comuns localizadas nos circuitos sociais ao qual o sujeito está inserido. Assim, se toda lembrança é coletiva e construída dentre as relações sociais, ela se desdobra pelo tempo e espaço. Isto sinaliza que muitas recordações encontraram a sua raiz ainda em território anterior à própria existência urbana de Itapetinga, como veremos a seguir.

3.1 A (Pré)História Itapetinguense

Mesmo diante do quadro desenhado dentro do jogo social, no qual vivem os moradores de Itapetinga, inegavelmente, ela é o resultado de um projeto deslumbrante aberto por aqueles que construíram a sua história, pois, foram os seus pioneiros que enfrentaram muitas dificuldades por dentro da mata fechada para chegar aquilo que foi considerado como o embrião da cidade (Praça Augusto de Carvalho). Mas, não podemos considerar esse ponto, como limitador para as demarcações históricas e geográficas da história social da cidade de Itapetinga, pois houve um período antecedente a vinda de Bernardino Francisco de Souza e mais tarde do fundador Augusto de Carvalho, chamada pelo historiador Emerson Campos de “pré-história”, cujo ponto de partida foi [...] o Século XVI, mais precisamente em 1553, quando a coroa portuguesa contratou o entradista Francisco Bruzza Espinosa de nacionalidade espanhola. Esse, avançou as terras do atual noroeste mineiro e retornou a costa da capitania dos Ilhéus, seguindo sempre os cursos do rio grande

95 Para compreender melhor esse aspecto ver: MARX, Murillo. Olhando por Cima e a Frente, In: Revista USP, São Paulo, (30): junho/agosto de 1996, p. 170-181.

120

(atual Jequitinhonha) e do rio da Ourinas - posteriormente rio Patipe e atual rio Pardo (CAMPOS, 2006, p. 17). Junto com o espanhol se encontrava João de Navarro, padre jesuíta de origem nobre da Casa dos Azpilcueta, cuja ascendência pertencia ao reino de Navarra - localizado ao norte da Península Ibérica -, que era reconhecido por ter sido um dos núcleos da resistência cristã frente ao domínio islâmico no período medievo. O Padre havia chegado ao Brasil acompanhado do padre Manoel da Nóbrega, Leonardo Nunes, Antônio Pires e os irmãos Diogo Jacomé e Vicente Rodrigues. O grupo fazia parte da primeira missão jesuítica que, junto ao Governador Geral Tomé de Souza, adentraram a terra Brasil em 29 de março de 154996. 1549, chegam ao Brasil em 29 de março o 1ª Governador Geral Thomé de Souza e a I a Missão de Jesuítas [Nóbrega, "Cartas" I, "Cartas Avulsas", I] composta dos Padres Manoel da Nóbrega, João de Azpilcueta Navarro, Leonardo Nunes, Antônio Pires e Irmãos Diogo Jacomé e Vicente Rodrigues [Anchieta, Informações, páginas 13-4], Leonardo Nunes e Diogo Jacomé enviados aos Ilheós e Porto-Seguro [Nóbrega. Cart. I]. Navarro e Pires nas aldêas da Bahia [Nóbrega. Cart. III – [sic] (Cartas Avulsas, 1933, p. 20).

Considerado, dentre os Jesuítas, como o primeiro mestre e tradutor dos idiomas nativos (Tupi e Guarani) encontrados no litoral, o padre João de Azpilcueta Navarro morreu no dia 30 de abril de 1557 na Bahia97, mas, antes, deixou traduzidos orações e sermões que foram facilitadores para o trabalho de catequização dos nativos de Pindorama98. Nos fragmentos abaixo foram destacados alguns trechos da Carta escrita pelo jesuíta em Porto Seguro, exatamente em um dia que, no futuro, permaneceria na memória viva do nordestino brasileiro, pois, foi aquele destinado a homenagear ao São João (24 de junho de 1555); ali o padre narra a viagem que o levou a passar pela região onde atualmente está localizada a cidade de Itapetinga. Caríssimos irmãos, passa de ano e meio que, por mandado do nosso padre Manoel da Nóbrega, ando em companhia de doze homens Christãos, que, por mandado do Capitão, entraram pela terra dentro a descobrir si havia alguma nação de mais qualidade, [...] entrámos pô-la terra dentro 350 léguas, sempre por caminhos pouco descobertos, por serras mui fragosas que não tem conto, e tantos rios que em partes, no espaço de quatro ou cinco léguas, passamos cinquenta vezes contadas por água, e muitas vezes, si me não socorreram, me houvera afogado. [...] os índios andavam

96 Os dados foram retirados das Cartas Avulsas dos Jesuítas escritas de 1550 a 1568, publicadas originalmente no Brasil em 1887. As suas referências se encontram nas fontes documentais. Quanto à carta do Padre João de Azpilcueta Navarro, está descrita na integra como anexo nº 5 desta Tese. 97 Ver nota de rodapé número 96. 98 - Derivada do Tupi a palavra Pindorama ou “Terra das Palmeiras" seria o nome dado pelos nativos as terras brasileiras quando foi invadida pelos portugueses (MONLEVADE, 2001). 121

pintados com tintas, ainda nos rostos, e emplumados de penas de diversas cores, bailando e fazendo muitos gestos, torcendo as bocas e dando uivos como perros: cada um trazia na mão uma cabaça pintada, dizendo que aqueles eram os seus santos, os quais mandavam aos índios que não trabalhassem porque os mantimentos nasceriam por si, e que as flechas iriam ao campo matar a caça: estas e outras muitas cousas, que eram para chorar muitas lagrimas, vi. No outro dia fomos e passamos em muitos locais despovoados, [...]. Neste ermo passamos uma serra mui grande, que corre do Norte para o meio-dia, e nela achamos rochas mui altas de pedra mármore. Desta serra nascem muitos rios caudais: dois deles passamos que vão sair ao mar entre Porto Seguro e os Ilheós: chama-se um rio Grande, e o outro rio das Ourinas. [...] os tempos são mui temperados, fora de alguns anos secos. Ha muita caça, assim de animais como de aves: há uns animais que se chamam antas, pouco menores que mulas, e parecem-se com elas, senão que têm os pés como de boi [sic] (AZPILCUETA, 1933, p. 147- 150). Confirma Campos (2006, p. 18) que um dos “afluentes do rio Ourinas (atual rio Pardo) visto pelo Padre Azpilcueta foi o rio Catulé”99, água que banha a cidade de Itapetinga. Outro ponto da carta do padre que merece registro é quando faz a narrativa sobre índios e antas - antigos habitantes da região onde está localizada a cidade. Foram eles, os nativos e os animais, os principais representantes do sacrifício para solidificar o cristianismo desejado pelo Padre quando profetizou: “O fructo sólido desta terra parece que será quando se for povoando de Christãos. Nosso Senhor por sua misericórdia saque estes miseráveis das abominações em que estão [sic]” (AZPILCUETA, 1933, p. 150). O primeiro contato do homem branco na atual região Sudoeste da Bahia, espaço que se transformaria na cidade de Itapetinga, foi direcionado pelos padrões cristãos jesuíticos, mas, naquele momento o que Azpilcueta (1933) não poderia prever era que a cultura dos valores cristãos arraigados no local, pelo menos no início do século XX, seria de ordem protestante, fortemente marcada pela presença dos fazendeiros batistas na região (cf. cap. IV). Porém, alguns séculos antes dessa consagração cristã, quando chegaram os bandeirantes, estavam eles destinados a buscar o ouro ou quaisquer riquezas que pudessem ser encontradas nessa área territorial. Sobre esse aspecto, Campos (2006, p. 18-19) assevera que conhecer a “origem da expansão do ciclo colonizador lusitano na formação do núcleo

99 A pesquisa de Campos (2006) apresenta que a palavra Catulé é de origem indígena, por essa razão a escrita é com “u” e não com “o”, como é utilizada pela população de Itapetinga (Catolé). Originalmente registrada como Katu’le significava o mesmo que pati, ou seja, era uma planta conhecida como coco-da-quaresma dizimada na região pela colonização e civilização do pasto. Em nossa Tese será respeitada o padrão da língua nativa. 122

populacional da Vila da Conquista”100, fundada no final do século XVIII pelo “sertanista João Gonçalves da Costa”, como também, a história do nascimento e desenvolvimento da cidade de Itambé, fornece uma melhor compreensão sobre a própria formação histórica e social da cidade de Itapetinga, afinal, o seu território inicialmente esteve oficialmente ligado a estes dois municípios. Tudo começou em meados do século XVIII, quando um ex escravo português que se encontrava no Norte de Minas Gerais, ao compor o grupo de bandeirantes com os homens brancos, partiram das Minas Novas com direção à Bahia. Nascido, provavelmente, por volta “de 1720, na cidade de Chaves, em Trás-os-Montes (Portugal), o preto forro João Gonçalves da Costa envolveu-se no processo de conquistar os sertões” (IVO, 2009, p. 14). Assim, ao adentrarem [...] as regiões não litorâneas, inseriram os sertões no movimento planetário das monarquias católicas: entre eles, o Sertão de Minas Novas do Araçuaí; o Sertão da Ressaca, grosso modo, Município da Imperial Vila da Vitória; o Alto Sertão da Bahia, e Caetité. O sertão do rio Doce e o sertão do rio São Mateus foram os cenários das aventuras e conquistas do superintendente das Minas, Pedro Leolino Mariz, do mestre-de-campo João da Silva Guimarães e do ex escravo português, o capitão-mor da Conquista, João Gonçalves da Costa (IVO, 2009, p. 29). Campos (2006, p. 30), por um lado, concorda com Ivo (2009) quando diz que a Vila da Conquista foi fundada pelo ex escravo português João Gonçalves da Costa, com o interesse relacionado à procura do ouro extinto nas Minas Gerais, por outro lado, Campos (2006), ainda afirma, que havia também, o empenho de Portugal em criar um aglomerado urbano entre a região litorânea e o interior do sertão brasileiro. Foi assim, que o lugar conhecido como o Sertão da Ressaca101, berço da atual cidade de Vitória da Conquista, entraria para o mapa da história. Essa região habitada dentre outros grupos indígenas pelo povo conhecido como os Mongoió, inicialmente, se limitou à produção da atividade pecuarista. A família indígena pertencia ao tronco linguístico Macro-Jê, atualmente, como

100 O arraial da Conquista, segundo Campos (2006), antes era área distrital de Caetité, foi elevada à Vila através da Lei Provincial nº 124, de 19 de maio de 1840. Pelo ato de 1º de julho de 1891, a Vila da Victória transformou- se em cidade, recebendo, simplesmente, o nome de Conquista. Através da Lei Estadual N. º 141, editada em dezembro de 1943, o nome do Município foi novamente modificado e, a partir de 1944, passa ser chamado de Vitória da Conquista. 101 O nome Sertão da Ressaca, em Campos (2006), aparece como duas possibilidades: pode ser derivado da invasão das águas dos rios sobre o sertão que assemelha ao fenômeno marinho, como também, pode ter sido proveniente da palavra ressaco que corresponde à funda baía de mato baixo circundada por serras. 123

esclarece Cruz e Corozomae (2015)102, família linguística que se encontra em revitalização em algumas regiões do Brasil. Entre os anos de 1815 a 1817, o botânico e Príncipe Maximiliano Wied-Neuwied da Renânia, localizada no oeste da Alemanha, em sua narrativa sobre a “Viagem ao Brasil”103 descreve que havia um [...] grupo de índios Camacã, descendentes de uma tribo que os portugueses conhecem com o nome de "Mongoió". Esses índios só se estendem ao sul até o Rio Pardo [...] Somente aqui, no "sertão" da Capitania da Bahia, pode- se ainda observá-los em seu estado primitivo, pois muitos deles nunca viram um europeu (WIED-NEUWIED, 1942, p. 341). Continua narrando Maximiliano que o vocabulário dos “Camacã ou Mongoió” da capitania da Bahia era uma língua muito singular, cheia de palavras bárbaras e extensas, com muitos sons guturais. O final das palavras era sempre pronunciado de um modo breve e indefinível, para Wied-Neuwied (1942, p.341) os sons emitidos pelos Mongoió pareciam nasais, palatais e guturais a um só tempo, usando em abundância as letras ch, k e ä. No entanto, se Wied-Neuwied percebeu, em sua viagem, que haviam diferentes línguas que eram faladas pelos indígenas, o que deveria ser visto como uma variedade cultural, foi considerada, por ele, como um fator de maior ou menor desenvolvimento da civilização dos nativos. Dessa maneira, de acordo com o botânico, o povo Mongoió que vivia na Região da Ressaca, à beira do rio Catulé Grande, estava longe de ser considerado como civilizado, já que a sua comunicação verbal não passava de um prenúncio do desenvolvimento linguístico. Além disso, chamou a atenção para o fato que os Mongoió possuíam costumes e ritos religiosos que eram particulares, mesmo sendo considerado como “primitivos eram mais

102 A Doutora em Linguística Mônica Cidele da Cruz, que é docente da Universidade do Estado de Mato Grosso, e o Professor Marcio Monzilar Corozomae, que pertence à Escola Estadual Indígena JuláParé, situada na Aldeia Umutina na área rural de Barra do Bugres (MT) esclarecem que “A língua Umutína é classificada como pertencente à família linguística Bororo, do tronco Macro-Jê. Atualmente, trinta (30) dos seus últimos remanescentes vivem na terra indígena localizada entre os rios Bugres e o Paraguai, a 15 Km da cidade de Barra do Bugres-MT, juntamente com diversas etnias, [...] Os Umutina são monolíngues em português e, dentre eles, há apenas dois anciãos na aldeia, de 75 e 95 anos de idade, considerados os “lembrantes” da língua. Nos últimos anos, a escola e a comunidade indígena Umutina vêm desenvolvendo um trabalho bastante interessante de revitalização da língua materna e da cultura indígena” (CRUZ; COROZOMAE, 2015, p. 317). A referência deste trabalho consta em nossas referências bibliográficas. 103 A viagem de Wied-Neuwied (1942) ao Brasil forneceu-lhe o reconhecimento sobre as línguas faladas em seu interior, pois, até então eram mais conhecidas o Tupi e o Guarani. A narrativa da viagem do Príncipe, também traz uma riqueza de detalhes sobre as diversas culturas formadas por crenças, hábitos, vestimentas, adornos, cerâmicas e maneiras de vidas dos nativos do interior brasileiro.

124

civilizados que seus vizinhos os Pataxó e os Botocudo; não viviam mais exclusivamente da caça, pois, já cultivavam as plantas” (WIED-NEUWIED, 1942, p. 341). Os Mongoió, de acordo com Wied-Neuwied (1942), eram habituados em se fixar em uma determinada área utilizando-a para a sua sobrevivência; nesses espaços faziam o plantio de ervas e de algumas raízes. Tinham por tradição depilar o corpo e ornamentá-los com penas de aves. Na aldeia o trabalho era dividido de acordo com o gênero; os homens praticavam a caça e a agricultura. Cabia, às mulheres, trabalhar com as tecelagens, o que lhes destacava um importante papel, sendo delas a memória construída sobre as formas de arte encontradas nas cerâmicas, bolsas ou sacos de fibras feitos das palmeiras existentes na região. Quando um Camacã caia doente, deixavam-no sozinho; se ainda pode andar, procura por si a sua subsistência. Os Camacã conhecem poucos medicamentos; empregam para curar os doentes um processo [...] que consiste em lançar sabre eles a fumaça do tabaco [...]. Se um doente vem a falecer, toda a tribo se reúne em volta dele, e, com a cabeça inclinada por cima do cadáver, todos, homens e mulheres, soltam berros terríveis, durante dias inteiros. [...]. Dizem que consideram as almas dos mortos como suas divindades, dirigem-lhes preces e atribuem-lhes as tempestades. Acreditam também que as almas dos mortos, quando não foram bem tratados durante a vida, voltam sob a forma de uma onça para fazer mal aos vivos; daí a razão de botarem, junto do cadáver, numa cuia ou numa panela um pouco de cauí, bem como arcos e flechas. Todos esses objetos são colocados por baixo do morto, enchendo-se em seguida a cova e acendendo uma fogueira em cima (WIED-NEUWIED, 1942, p. 418). Nas citações de Wied-Neuwied (1942) e do Padre Azpilcueta, (1933) podemos comprovar que a região de Itapetinga era habitada pelo povo Mongoió, isto porque Jovino Francisco de Souza, em sua memória (cf. cap. IV), recorda que quando era criança viu “dois adolescentes” amarrados em uma espécie de poste que ficava no centro da Praça Augusto de Carvalho. Segundo Jovino, “Eles estavam com vestimentas estranhas e gritando sem parar. Perguntei do que se tratava [...] isto é índio! [...], era algo comum aqui”. Ou seja, o povo Mongoió, de novo, foi sacrificado já na constituída cidade de Itapetinga, já que existe implícito, na noção desta provável e vindoura civilização, a extensa penalidade que os índios sofreram ao serem obrigados a transformar a sua cultura. Um dado relevante é analisar que no processo da catequização não havia uma conversão desejada, pois, como aponta o próprio Wied-Neuwied (1942), mesmo aqueles Índios convertidos ao cristianismo romano, somente frequentavam uma Igreja por obrigação, não sendo raro trocar as orações pela arma de fogo. Além disso, pela ótica de Wied-Neuwied (1942), o povo Mongoió, por viver e fixar em áreas onde plantavam, era considerado diferente de outros povos indígenas nômades. As 125

diferenças provocavam guerras entre os nativos, cuja disputa nascia do desejo em proteger o espaço de caça e de pesca. Este motivo sinalizou para Ivo (2009), em sua pesquisa, que foi a rivalidade entre os nativos a principal causa, na região da Ressaca, para produzir um acordo entre o povo Mongoió e João Gonçalves da Costa conquistando a terra berço da cidade de Vitória da Conquista. No entanto, Costa [...] que foi descrito como preto-forro, em 1744, em carta “patente do posto de capitão-mor do terço de Henrique Dias”, concedida por André de Mello e Castro, conde de Galveas, então “membro do Conselho da Majestade do Rei e capitão de mar e terra do Estado do Brasil”. A justificativa da patente esclareceu que o título de capitão é “da gente preta que servirá na conquista e descobrimento do mestre-de-campo João da Silva Guimarães”. Nomeado para substituir Guimarães nas conquistas relacionadas às buscas de metais e pedras preciosas, João Gonçalves da Costa acabou por traçar outro destino para suas aventuras: tornou-se proprietário da maior parte das terras do Sertão da Ressaca e, junto com seus filhos e descendentes, passou a controlar a vida política da maior parte deste Sertão por quase dois séculos (IVO, 2009, p. 14). O controle da família Costa acabou com a paz entre os colonizadores e o povo Mongoió, atingindo o ápice quando os nativos perceberam que estavam “sendo escravizados pelo homem branco” (IVO, 2009, p. 15). A consequência foi uma guerra sangrenta104. Sobre esse aspecto, utilizando os dados da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros de 1958, o historiador Campos faz a seguinte observação: “João Gonçalves da Costa, após a guerra contra os índios em que saiu vencedor, cumprindo promessa edificou uma capela em louvor a Nossa Senhora da Vitória, no local do último combate com os gentios” (2006, p. 123). Ivo diz ainda que Costa assimilou o universo católico português e se tornou seu defensor no Sertão da Ressaca. Logo após a conquista da região, ergueu uma capela em nome de Nossa Senhora das Vitórias, conforme registra a memória popular da cidade até os dias atuais e no decorrer do século XVIII, sua militância religiosa foi contínua (2005, p. 5). Quando a “Villa da Victória”105 se transformou em cidade da Conquista possuía, em seu território, dezesseis (16) distritos, o que incluía o território de Itapetinga. Tomando como critério que o português da região, Capitão Mor João Gonçalves da Costa, era um católico devoto e se transformou no “doutor coronel” como era chamado pelos vaqueiros e até fazendeiros da região, fica previsível afirmar que, a partir dele, houve um maior domínio da

104 Para compreender a divergência entre os índios e os sertanistas, na região da Ressaca, consultar o livro “Viagem ao Brasil" de Maximiliano Wied-Neuwied. Publicado em 1820 sob o título “Reise nach brasilien in den jahren 1815 bis 1817”. A versão em português do livro consta em nossas referências bibliográficas. 105 Os dados foram retirados da pesquisa de Emerson Ribeiro (2006, p. 123). 126

Igreja Católica Romana que havia sido iniciado desde o século XVI, ainda no tempo dos primeiros entradistas.

Foi com o objetivo de conquistar os índios, que o governo brasileiro iniciou uma campanha no sentido do aldeamento dos gentios, usando, principalmente, missionários católicos. Nesse sentido, a partir de 1844 começaram essas atividades. Tanto que uma ação missionária é fundada na Barra do Rio Catulé, margem do Rio Pardo, inicialmente chefiada pelo Frei Ludovico de Livorno, italiano, mas substituído pelo Frei Luiz de Grava. Os índios aldeados, cerca de 125, plantavam mandioca e outros produtos de subsistência. Talvez tenha sido a primeira povoação do território correspondente ao atual município de Itapetinga. Pena que tal povoação não durou muito tempo. Hoje, quem vai ao local não constata nenhum vestígio dessa povoação (CAMPOS, 2006, p. 51). A troca da força bruta pela força da crença religiosa de origem católica estabeleceu um campo de manipulação simbólica marcando, aos poucos, a vida prática na Região da Ressaca; paulatinamente, foi desenhando um novo estilo de vida. Em Bourdieu (2003b) o estilo de vida pode ser caracterizado por um conjunto de gostos respectivamente formados das opiniões políticas, das crenças religiosas, das convicções morais, das preferências éticas ou estéticas, das reflexões filosóficas e dos conhecimentos científicos, como também ligada, em sua natureza prática, às orientações sexuais, preferências alimentares, escolhas de uma específica religião, seleções dos vestuários e prioridades culturais (leituras, escolaridade, alternativas artísticas ou esportivas e etc.). Tomando essa referência bourdieusiana em analogia ao povo Mongoió, isto significa que, a partir da chegada do “homem branco”, foi perdida a sua cultura que começou a ser marcada pelas novas configurações civilizatórias. Tomando a mesma referência para a formação social na região, começa a ser percebida a formação de uma cultura urbana nomeadamente católica. Assim, os nativos romperam com os seus costumes, suas vestimentas, sua alimentação, seu idioma, seus ritos, enfim, perderam a própria identificação, pois, exatamente em [...] 1851, o diretor-geral de índios, Casemiro de Sena Madureira, apresentou ao Governo um quadro geral dos aldeamentos do Sertão da Ressaca e produziu este texto: “Aldeia do Catulé, a margem do Rio Pardo, conta de índios Camacã, dirigidas pelo missionário Capuchinho Frei Reignero, quase todos ainda mais selvagem são 150. Próxima a essa aldeia há uma horda de indígenas ainda selvagem, que vão se acostumando a catequese empregada pelo dito missionário” (Seção Colonial e Provincial. Série “Índios”; maço 4.611: “aldeias indígenas da Província da Bahia”, 1851, Arquivo Público da Bahia). Outro missionário Capuchinho, Frei Antônio de Falerno, também, atuou no Aldeamento da Barra do Catulé, a 127

partir de 1850, ele foi o fundador do posto missionário do lugar, onde havia uma comunidade Camacã, conforme cita o Frei Pietro Vittorino Regni (OFM106 - Cap. da obra “Os Capuchinhos na Bahia” Vol. 2, p. 497, 1988). Como se vê, foram muitas as tentativas de domesticar aos índios, aos poucos, na verdade, os selvagens vão se aproximando da civilização. Mas, como não poderia deixar de ser, tudo era feito com muito sacrifício (CAMPOS, 2006, p. 51-52). Outro local que fazia parte deste cenário citado por Campos (2006, p. 40-44), que também é destacado na “pré-história de Itapetinga”, foi a cidade de Itambé107 que tem o seu nome originado no idioma Tupi, significando “pedra afiada". Itambé, inicialmente, era na região conhecida como o Povoado da Verruga – procedência do nome do rio Verruga, atualmente praticamente extinto. O Povoado do Verruga nasceu, provavelmente, entre 1860 a 1890. Naquela época, uma grande seca assolou o sertão baiano e muitas famílias se deslocavam para o litoral em busca de suas sobrevivências. Muitas dessas famílias ficavam pelo caminho, foi assim que os sertanistas Manoel Balbino da Paixão e Manoel Raimundo da Fonseca de alguma forma negociaram com os Mongoió, se instalando na região. Como em Vitória da Conquista, os primeiros habitantes registrados na pequena Verruga também foram os nativos Mongoió ou Camacã, que ficavam instalados à margem do Rio Catulé Grande, localizado a cerca de 60 quilômetros ao sul do povoado recém- formado108. Portanto, a “pré-história” de Itapetinga, para campos (2006), se finaliza à luz de dois aspectos que cabem ser destacados: Verruga, ao adquirir o status de município, ganhou o nome de Itambé e, por uma questão de divisão territorial do estado da Bahia adquiriu, da cidade de Conquista (agora já produtora de café), a área onde estava situado o pequeno povoado de Itatinga; e, por ter sido Itambé, distrito de Conquista, ali também, imperava o domínio da tradição católica. Tomando como parâmetro os estudos históricos de Ivo (2009) e de Campos (2006), podemos inferir que a raiz religiosa de Vitória da Conquista e de Itambé foram dominadas pela Religião Católica Apostólica Romana. A luz da sociologia, isto nos revela que a dominação como algo característico do poder é um estado pelo qual uma vontade manifesta

106 Em 1517, após inúmeras rivalidades entre os ortodoxos e heterodoxos franciscanos, de acordo com Campos (2006), o Papa Leão X dividiu-os em dois grupos distintos e independentes, cada qual com o seu próprio ministério. Dentro dessa divisão, no ano de 1520, surgiu, a partir da Ordem dos Frades Menores (OFM), a comunidade dos Capuchinhos. Foram eles que se estabeleceram no território da Bahia e passaram a catequizar ou domesticar os indígenas, sendo os únicos permitidos a atuar entre os índios, a partir do século XVII, após a lei de expulsão dos jesuítas comandada pelo Marquês de Pombal.. 107 A Lei estadual nº 2.042, de 12 de agosto de 1927, criou o Município de Itambé, mas, o seu território somente foi desmembrado de Conquista através do Decreto Estadual nº 11.089 de 30 de novembro de 1938. 108 Local em que foi formada a cidade de Itapetinga, nessa época, distrito de Conquista. 128

do dominador influi sobre os atos dos dominados. Sendo a religião católica dominante, a sua vontade e comando imperava sobre os moradores do trecho de terra onde mais tarde nasceria o povoado da Pedra Branca. Sendo assim, como foi permitido aos batistas adentrar o pequeno povoado que se formou naquele início do século XX? Tal resposta pode ser encontrada na própria memória da cidade (cf. cap. IV), como também foi detalhada no capítulo II desta tese. Por ora o que interessa é mostrar a formação do povoado permeada pelas questões econômicas, políticas e culturais, cuja história é contada a seguir.

3.2 Itatinga: a Pedra Branca

Foi a chegada daqueles conhecidos pela memória da população de Itapetinga como “os pioneiros”: Bernardino Francisco de Souza, seu irmão Tercílio Francisco de Souza e sogro Possidônio Antônio de Carvalho que, com alguns trabalhadores em 1912, adentraram as matas da região do Sudoeste da Bahia, abrindo uma pequena clareira à beira do leito de um rio, marcando o prenúncio do núcleo urbano de Itapetinga. As condições eram péssimas “para trafegar pelas densas florestas fechadas, o que dificultava a locomoção humana, fosse por rodovias, em lombo de animais, ou até mesmo quando os interessados se aventuravam a enfrentar longas distâncias a pé” (GOMES, 2006, p. 11). O historiador Campos (2006) verificou em uma correspondência de Bernardino Francisco de Souza, o seguinte relato: quando chegou às margens do Rio Catulé Grande foi ao acaso, encontrou muitos animais selvagens, muita mata nativa e uma infinidade de caboclos (índios ou nativos) que disputavam a governança das margens do rio. Os índios, mesmo não demonstrando nenhum tipo de aversão, muitas vezes, até mesmo os presenteando com caças e pescas, não eram fáceis de se lidar, não era raro o fato de furtarem ferramentas, especialmente facões e machados. “Os índios viviam assombrados, para cima e para baixo [Serra Couro D´ Anta] com medo do homem branco” (CAMPOS, 2006, p. 68). Bem antes dessa época, ainda nos anos de 1817, já havia nesta região uma grande Fazenda que fora registrada no nome “de Bernardo Lopes Moitinho, doada pela metrópole portuguesa, por ele ter aberto a estrada que ligava o sertão ao litoral. A propriedade se chamava Onça109” (CAMPOS, 2006, p. 54). Nesta fazenda tinha um pequeno povoado que, mesmo sendo atualmente extinto era na época, segundo Campos (2006), muito conhecida em toda a região A passagem descrita pelo historiador pode ser verificada na memória da

109 O trecho de terra que resta à Fazenda Onça até a atualidade fica localizada a 6 Km ao Sul de Itapetinga. 129

Senhora Terezinha Ribeiro (cf. cap. IV) quando recorda que ela e toda a sua geração familiar ancestral havia nascido na Fazenda Onça antes de ir morar definitivamente em Itapetinga. Pelo que nos contou, a Fazenda Onça era famosa por suas festas e encontros religiosos. Além disso, servia de abrigo para tropeiros, boiadeiros e mascates que cruzavam a região. Isto fazia com que a região onde futuramente seria instalado o pequeno povoado de Itatinga fosse muito conhecido, o que se torna impossível (supomos) que, de fato, Bernardino, vindo da região e, como assegura Campos (2006), neto de índio (caboclo, chamado popularmente) como era, não soubesse de antemão que aquela área pertencia por direito aos Mongoió. Assim, como em muitas outras formações de cidades brasileiras, a área de Itapetinga foi marcada por práticas agressivas de exploração da natureza, principalmente, contra os Mongoió. Como prova a foto nº um (1) que apresenta os índios mostrando o novo estilo de vestimenta. Nos chama a atenção aquele que aparece no centro da foto, por ter se posicionado como pretendesse se esconder atrás do cabo da enxada. Era a vida dos índios representada, pelo menos pelo pouco tempo que ficaram na região. Esse também foi o estilo de vida dos machadeiros na derrubada das matas de Itapetinga. Foto nº 1: Os Nativos da Região de Itapetinga (Local: Atual Alameda Rui Barbosa).

Fonte: Acervo do Museu de Arte e Ciências de Itapetinga - Foto Tirada em 1935 Por A. A. DUTRA Alfredo Antônio Dutra, no final de 1935, atraiu os índios deixando-os caçar em suas roças, colher milho, mandioca, cana de açúcar, assim pegou alguns deles da Serra do Couro D´ Anta, para a roça de sua Fazenda Itaporanga, vestiu-os e os trouxe para a praça, para ter contato com a comunidade [...] 130

logo depois foram enviados para Itaju do Colônia, onde havia um posto para os índios se adaptarem a civilização (JABUR, 1998, p. 44). Alfredo Antônio Dutra, segundo Campos (2006), foi apresentado à região de Itapetinga pelo seu colega de profissão, o comerciante de gado pé duro (boi que não é de raça) e fumo de corda, Augusto de Carvalho. Seguindo a indicação do amigo, Alfredo Dutra retirou uma posse às margens do Rio Catulé Grande e, com isso, se tornou o terceiro homem branco a tomar a posse da terra em Itapetinga, iniciando a história da Fazenda Liberdade. A fazenda cujas terras ele “gentilmente” permitia aos índios retirar os cultivos, outrora foram as próprias terras do povo Mongoió. Jabur (1998), ao narrar a biografia de Alfredo Dutra, apresenta um homem que possuía o maior capital cultural (entendido aqui como o conhecimento erudito) daquela época em Itatinga (tanto que anos depois ele foi Juiz de Paz e em homenagem a ele foi dado o seu nome ao Colégio Alfredo Dutra, que no passado foi um centro educacional de referência no Estado da Bahia). Além disso, Jabur (1998) ainda relata que ele era ”um cabra” de coragem e um grande latifundiário, pois, chegou a possuir cerca de oito mil hectares de terra na Região, o que incluía as proximidades das terras da Serra Couro D´Anta, onde viviam os índios da família Mongoió. Essa é a última notícia dos Mongoió na região. O fato é narrado por Campos (2006) e Ivo (2005, 2009) trazendo a seguinte ordem: primeiro, os índios foram eliminados na área de Vitória da Conquista depois, já na região de Itapetinga, expulsos da margem do Rio Catulé Grande para a Serra Couro D’Anta, posteriormente, colocados no centro da prometida “civilização” que ficava em Itaju do Colônia. Aqueles que não aceitaram, fugiram para o litoral da Bahia, lugar de onde desapareceriam para sempre ao ser aculturados pelos povos Tupinambá e Pataxó. Consequentemente, com a chegada do homem “branco”, [...] o mar verdejante da mata foi bólido, e surgiu a primeira ilha de derrubada. Os índios sentiram a presença de estranhos nos seus domínios, os bichos das matas perceberam a presença do invasor, nos rios, antas, capivaras e lontras ouviram e sentiram o troar das espingardas. Acordava a região, o toque desbravador do homem e a área de Itapetinga começavam a ser integrada ao mundo “civilizado”. Caçadores, viajantes e jagunços tinham dado notícias desta região onde andaram: - A terra era boa, que as elevações eram pequenas, que os rios constantes garantiriam a vida de quem dessas áreas se apossassem (NERY. 1995, p. 101).

Tais notícias espalhadas pelo território baiano, transformou Itapetinga em herdeira da produção pecuarista que havia sido iniciada na Região da Ressaca (cidade de Vitória da Conquista) no final do século XVIII. Porém, antes dessa formação, a saga de Bernardino terminou quando a sua posse, chamada de Fazenda Astrolina, foi vendida para o amigo 131

Augusto Andrade de Carvalho que, também, era proprietário de outras fazendas, incluindo a Arrebol – atualmente, as duas áreas (Fazenda Astrolina e Fazenda Arrebol) compõem quase toda a área urbana da cidade de Itapetinga. Sobre essas passagens, os dados históricos apresentam que Em 1916, Bernardino Francisco de Souza vendeu ao compadre e amigo Augusto Andrade de Carvalho a sua posse, com as benfeitorias existentes, pelo preço de dois contos e quatrocentos mil réis. Nestes quatro anos, Bernardino tinha continuado a derrubada das matas, aumentando o pasto em suas posses. Após vender as terras, Bernardino mudou-se para o Córrego do Nado, perto do Arraial do Acaba já, depois denominado Nova Esperança, atualmente a cidade de . Voltou anos depois para a região de Itapetinga, onde veio a falecer, os seus restos mortais encontram- se no Cemitério Municipal de Itapetinga (JABUR, 1998, p. 36).

Foi Augusto de Carvalho quem, no mês de setembro110, dia desconhecido por todos, no ano de “1924, separou dentro da mata bruta um pedaço de terra de 10 hectare (ha). Para a formação do povoado” (OLIVEIRA N., 2003, p. 54). No centro do território havia um espaço que foi chamado por Augusto de Carvalho de praça Castro Alves; ali construiu as primeiras três casas, após, surgiram outras duas casas na Rua da Cancela (depois Rua Dois de julho e atual Rua Pastor Samuel Oliveira Santos) que era a entrada da Fazenda Astrolina. No final de 1925, pelos cálculos de Jabur (1998, p. 37), eram essas e mais “nove casas, feitas de taipa e cobertas de telhas, que formava o pequeno povoado”. Augusto de Carvalho com a sua família, até 1937 morou, de acordo com Jabur (1998), na sede de sua Fazenda Astrolina; após esse ano, passou a residir na já constituída Vila de Itatinga. Descrevem Jabur (1998) e Campos (2006) que, ainda na época de Bernardino, Augusto de Carvalho tirou dentro da mata bruta a sua primeira posse, começando a expandir as suas propriedades. No centro da área havia uma região que era coberta por pedras brancas (local da atual Praça da Bandeira); olhando especificamente para este espaço, decidiu fundar o povoado e o chamou pelo nome de Itatinga, cujo significado, no idioma Tupi, traduz- se por “pedra branca”. Campos (2006) ainda narra que Augusto de Carvalho tinha a fama de ser um excelente anfitrião, recebendo em sua casa, na Fazenda Astrolina, muitos viajantes que sempre observavam a boa terra, levando a notícia para outros lugares. Augusto Andrade de Carvalho, era filho de Rita Rosa de Andrade e Ezequiel Alves de Carvalho. Nasceu em Conquista, teve três irmãos por parte de pai e mãe [...] mais três irmãos, que nasceram do segundo

110 Contam as memórias dos paisagistas de Itapetinga que existe a possibilidade do dia de setembro estar inserido entre o dia primeiro ao dia cinco, isto porque, quando Augusto de Carvalho mandou abrir a clareira, era tempo de queimada. As queimadas aconteciam sempre no princípio do mês de setembro para dar lugar à renovação do pasto. 132

casamento do seu pai com Hermínia Rosa. Augusto Andrade de Carvalho foi criado por sua avó materna, Carolina Rosa de Andrade, que também, era a sua madrinha de batismo. Em Conquista, fez o curso primário e estudou música, fazendo parte de uma filarmônica na qual tocava dois instrumentos: pistom e saxofone. Era também exímio violonista. [...] na cidade de Conquista o primeiro trabalho foi como balconista em uma loja de tecidos. [...] de onde, a pedido do proprietário, saia mascateando as mercadorias pelas fazendas e arraiais. Em uma dessas viagens, chegou a Cachimbo [Arraial de Campinas, que foi desmembrado de Conquista em 1º de janeiro de 1922, passando a integrar a atual cidade de ], onde conheceu Doraliza de Andrade Coimbra, com quem se casou em 24 de janeiro de 1914. Na época ele estava com 21 anos e ela com 15 anos, juntos tiveram 15 filhos. Augusto Andrade de Carvalho residiu por 10 anos em Cachimbo e em 1924, fixou a sua residência na Fazenda Astrolina (JABUR, 1998, p. 37-38).

Dois anos depois que Augusto de Carvalho começou o povoado de Itatinga, exatamente em setembro de 1926, vindos da cidade de Itambé, chegaram à região o cidadão Mariano Campos e o seu cunhado Manoel Oliveira Ribeiro (conhecido na cidade como Nezinho Ribeiro) Estes fazendeiros muito contribuiu para a história dos batistas em Itapetinga. Itatinga, assim, já contava com quatro nomes de fazendeiros que muito ainda seriam divulgados em sua história: Augusto de Carvalho, Alfredo Dutra, Mariano Campos e Nezinho Ribeiro. Somado a isso, relata o nosso entrevistado Dr. Wilson Ribeiro111 que, naquela época, houve uma briga entre duas poderosas famílias de Itambé e muitas pessoas começaram a fugir daquela cidade para o povoado que crescia atraindo cada vez mais pecuaristas. Isto fez no ano de 1933, no dia 22 de junho, ser publicado no Diário Oficial da Bahia, o Decreto Estadual de n° 8.499 reconhecendo que o povoado de Itatinga era um distrito e oficialmente integrava aos domínios do município de Conquista. Nessa mesma época, Gomes (2002) descreve que Augusto Andrade de Carvalho se desfez de vinte e cinco (25) alqueires de terra, desmembrando-os da Fazenda União da Bela Vista para vender ao seu amigo Juvino Oliveira. Com isso, chegava a Itatinga outro nome que ficaria conhecido pela sua história. Se, inicialmente, o objetivo do fundador Augusto Andrade de Carvalho era apenas abrir um espaço ao qual chamou de Praça Castro Alves, para ter, na área, o abastecimento de alimentos e um local de descanso no meio da Estrada Real que ligava a cidade de Vitória da Conquista a cidade de Ilhéus, para quem “trafegava a pé ou no lombo de jumentos e a cavalos” (OLIVEIRA N. 2003, p.54), com o passar do

111 Entrevista realizada pela pesquisadora no mês de junho de 2016. Os dados constam nas fontes orais. 133

tempo, Itatinga foi se constituindo em um pequeno povoado que chamava muita atenção dos produtores de bovinos. Assim, quando, de fato, oficialmente, foi estabelecido o local para os viajantes com a fundação do Barracão (Rancharia) que aconteceu em 1934, a inauguração, segundo Jabur (1998), contou com uma comitiva política de Itambé, transformando o ato em um grande evento festivo e político, como mostra a foto número dois (2) que, naquele momento, foi realizado na Sede da Fazenda Astrolina, tendo o anfitrião Augusto Andrade de Carvalho, que está sentando ao centro, tendo em sua volta a família itatinguense.

Foto nº 2: A Família Itapetinguense. (Festa na Fazenda Astrolina em 1934).

Fonte: J. JABUR (1998, p. 48). - Histórias e Causos de Itapetinga: (Sem registro do fotógrafo).

A condição da terra para o desenvolvimento agropastoril acabou por trazer uma rentabilidade econômica para os criadores de boi de Itatinga. Isto tornou-se notório quando a notícia, ao ser espalhada, atraiu novos investidores e aumentou a população do pequeno povoado. Aos poucos, de acordo com Nery (1995), a mata fechada acabou sendo substituída por um centro cada vez mais urbano. Cinco anos após a chegada de Juvino Oliveira, o distrito de Itatinga, “no dia 30 de março de 1938, foi elevado através do Decreto Estadual nº. 10.724, à categoria de Vila” (GOMES, 2002, p. 23). Porém, pelo que apresenta Jabur (1998), no mesmo ano deixaria de ser a Vila do Município de Conquista e passaria a integrar ao Município de Itambé. Surgem, então, ritmos de trabalho e a cultura que marcariam o “habitus” (re)produtor de uma nova definição social; aos poucos, foi totalmente esquecido que a sua ascensão urbana nascera da morte de outras culturas, que envolveu o extermínio do povo Mongoió e 134

o aniquilamento dos animais. Ambos foram trocados por criadores (pecuaristas), vaqueiros e criatórios bovinos. Evidentemente, como mostrou a nossa pesquisa em 2009112, por muito tempo essa produção em nada utilizou dos conhecimentos tecnológicos ou científicos. O que havia era a exploração do solo, formando uma maior concentração de renda econômica. Dentre os capitais, a primeira forma de representação constituída para a região de Itatinga, como recorda Moisés Viana (cf. cap. IV), foi derivado do poder e do status quo de possuir a terra. Para tal, pouco importava aqueles novos moradores abrirem novos pastos e aumentarem o criatório bovino; significava extrair e queimar as florestas, motivo que, segundo Moreira (2009a, 2009b, 2013), conduziu à destruição quase que total da mata atlântica na região, entretanto, com isso materializava- se a formação urbana de Itapetinga.

3.3 A formação de Itapetinga: Os Bastidores da História

Itatinga desenvolvia-se economicamente, mas, vivia ainda isolada, quer fosse por estar localizada fisicamente dentro de florestas ou fosse pelo analfabetismo que assolava seus moradores. Dentre eles, existia um morador que se preocupava com o isolamento cultural e erudito em que viviam. Este homem, de acordo com Campos (2006), era Juvino Oliveira que, como medida para romper com o estágio no qual se encontrava Itatinga, convidou outros fazendeiros (não muito diferente dos demais, apenas tinha uma escolarização um pouco melhor) para fazer reuniões, pelo menos, uma vez por mês. A ideia de Juvino era que, juntos, os fazendeiros pudessem ler e discutir um jornal que chegava a vila periodicamente. Este processo inicial ampliou e tomou forma com a chegada de Orlando Borges Bahia, primeiro médico da vila, que ficou no local até 1939. Foi o médico o responsável por projetar e coordenar a criação da Associação Cultural Itatinguense (ACI) que ocorreu em quatorze (14) de novembro de 1936. Esse empreendimento somente foi possível por ter encontrado apoio em Juvino Oliveira, Mariano Campos, Augusto Andrade de Carvalho, dentre outros fazendeiros que ali já habitavam. Para tal, Nery (1995) diz que o próprio Juvino retirou de suas terras um terreno para abrigar a sede do clube, com isso, ele foi o primeiro orador da ACI que passou a ter: Cursos gratuitos de música, inglês e geografia, foi onde se colocou uma estante com vários livros que viria a se tornar a primeira biblioteca da cidade. Ali também, se jogava xadrez e se realizava bailes. A partir de então, eram feitas reuniões semanais, onde aconteciam desde ‘bate-papos’

112 Ver: nota de rodapé nº13 135

sobre assuntos culturais até as decisões mais importantes sobre os rumos da comunidade Itatinguense. A ACI esteve, a partir de então, no centro de todos os acontecimentos importantes de Itatinga. Em todos os setores de atividade, qualquer que fosse a iniciativa, a ACI estaria lá a capitanear (OLIVEIRA N, 2003, p. 61). Foi a partir da criação da ACI que começou a desenvolver o campo educacional culminando, nas décadas de 80 e 90, na estruturação do Campus da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) em seu território, como mostrou a nossa pesquisa desenvolvida em 2009113. Todavia, longo seria o processo para que o inicial Distrito de Conquista e agora, a Vila de Itambé, pudesse se constituir dentro de um padrão tido como civilizado. Itatinga, em 1936, havia firmado o capital político, pelo menos no campo da representação dentro da Câmara Municipal de Itambé, pois, havia escolhido três vereadores. Augusto Andrade de Carvalho, Juvino Oliveira e Mariano Campos. Entretanto, com a Instalação do Estado Novo por Getúlio Vargas, em 1937, os três foram destituídos dos seus mandatos. Sem os vereadores, segundo Campos (2006), Itatinga, dentro da sua condição de Vila, tinha o direito de possuir um administrador que a representasse junto à cidade de Itambé; naturalmente, este cargo seria de Augusto de Carvalho, porém, por causa dos desentendimentos políticos e pessoais com o Prefeito de Itambé (Aparício do Couto Moreira), entregou aquilo que só era, de fato, a administração da Vila, mudando com a família para a Capital do Estado da Bahia - a cidade de Salvador. Continua Campos (2006) narrando que a ligação de Augusto de Carvalho com Itatinga, aos poucos, foi se desfazendo. Antes de ir embora para a Capital, em 1939, vendeu a um grande latifundiário da Bahia, Pompílio Espinheira (Pai de José Vaz Espinheira), as Fazendas Astrolina e Arrebol; em 1944, vendeu a Fazenda Umburana a João Macário; e, em 1946, vendeu a Fazenda Altamira a Augesziro Moura. Como já foi falado, as duas primeiras, compõem a área urbana de Itapetinga e as outras duas são localizadas perto da Serra Couro D´Anta. Parte do valor recebido foi uma permuta de terras que o levou às novas propriedades no extremo sul da Bahia. Ali continuou atuando como líder político, mas, após uma picada de cobra, com a saúde abalada, faleceu em 1964, vítima de um derrame, como narra a sua neta Paim (cf. cap. IV). Assim, quem ficou como administrador de Itatinga por onze (11) anos foi o médico Guilherme Dias, que havia chegado a Itatinga em 1939 para assumir o local na saúde da

113 Ver nota de rodapé nº 13. 136

Vila, que havia sido deixado por Orlando Borges Bahia. Quando finalmente, Aparício do Couto resolveu nomear um administrador para Itatinga, segundo Nery (1995), convidou, primeiro, Juvino Oliveira para assumir o cargo que, por sua vez, não aceitou e, em seu lugar, indicou o nome de Guilherme Dias. Pelas recordações do Senhor Júlio Pereira de Carvalho (cf. cap. IV) foi Guilherme Dias que, depois de uma grande enchente, trouxe o povo na década de quarenta do lugar que ficava do outro lado do rio Catulé, nessa época conhecido pelo nome de Bairro “Enfeza Homem”, para povoar, onde atualmente é a região do Bairro Camacã. Com o transcorrer do tempo, em um período de mais ou menos quinze (15) anos, a Vila que crescia velozmente, foi se tornando um centro de captação de renda, sendo mais rico e populoso que a sua Sede; isso foi acentuado pela crescente expansão da cultura pecuarista. Naquele período, Getúlio Vargas como Presidente do Brasil, [...] instituiu a lei de nº. 5.901 de 23 de outubro de 1943, normatizando a divisão administrativa e judiciária do País, [assim], localidades com a mesma denominação, prevalecia na seguinte ordem de preferência: Capital, Comarca, Termo, Município, Distrito (ART. 7º, I); localidade da mesma categoria com o mesmo nome, quem o possuir a mais tempo (ART. 7º, II). Itatinga estava enquadrada em ambos os itens (CAMPOS, 2006, p. 145). A Vila teve, portanto, que adicionar ao seu nome o termo “PE”, se transformando em Itapetinga, pois, existia no estado de São Paulo, um local que se chamava Itatinga. Na nossa pesquisa em 2009, foi identificado através das histórias orais de vida dos moradores da cidade, que a sílaba “PE” foi adicionada pelo sentido de raiz, pé no chão, exatamente por se sentir assim, o povo da Vila de Itatinga. Este é o mesmo sentido que foi atribuído, muito tempo depois, ao slogan que a cidade ganhou: “Terra Firme, Gado Forte”. Itapetinga continuava com o desmatamento atroz; isto trazia benefícios para aquela cidade nascente. Com a volta, em 1946, da democracia ao Estado Brasileiro, novamente foi eleito, como vereador pela Vila, o Senhor Juvino Oliveira. É ele quem escreve, em 1951, uma carta, relatando ao Deputado Estadual Adelmário Pinheiro, “que nessa época Itapetinga, contava com um rebanho bovino superior a cem (100.000) cabeças de gado e começava a produção em média escala da suinocultura e de lanígeros” (NERY, 1995, p. 28). Além disso, como demonstra Nery (1995, p. 28-30), consta, ainda, na carta de Juvino Oliveira, alguns trechos que falam do desenvolvimento urbano de Itapetinga, são eles: a. O amplo desenvolvimento da indústria extrativa de madeira, fazendo com a Vila, mensalmente exportasse cerca de 50.000 pranchões, ripões e tábuas. b. A extração da madeira, transformava, e ainda de forma lucrativa, tudo no entorno de Itapetinga, em um grande campo ou pasto verde. 137

c. O pasto ocupando um maior espaço, trazia uma produção melhor, o que alavancava mais a cultura pecuarista. d. A cultura econômica trazida pela pecuária, gerava dentro dos domínios particulares uma grande fonte de renda, com isso, publicamente, aumentava o comércio interno da Vila. e. Com a produção pecuarista, surgiram fábricas de calçados, laticínios, saboarias e curtumes. f. A fase de industrialização trazia uma arrecadação financeira para os moradores da vila de Itatinga, que logo passou a possuir agências bancárias, coisa que não existia ainda em suas proximidades, nem mesmo em Itambé. g. A viabilização da produção, tanto nas fazendas, como no comércio e nas fabricas, precisava de mão-de-obra, o que impulsionava mais pessoas chegando à Vila em busca destes empregos. O desenvolvimento econômico da Vila de Itapetinga começava a ser conhecido na Região Sul e Sudoeste da Bahia, assim, conta,

[...] o advogado e historiador Emerson Ribeiro Campos, que todo projeto de lei de emancipação resulta de um trabalho elaborado por algum parlamentar. Mas, em Itapetinga isto aconteceu de outro modo. Foi a Câmera Municipal de Itambé, liderada pelos vereadores de Itapetinga, Otávio Lacerda Rolim, Pastor Saturnino José Pereira, Clodoaldo de Oliveira Costa, Américo Nogueira de Souza, Estevam Santos Silva e Elias José de Carvalho, que por unanimidade, aprovou a indicação a Assembleia Legislativa da Bahia, justificando a necessidade de transformar a Vila em cidade. Coube ao ilheense e Deputado Estadual Ramiro Berbert de Castro, apresentar tal Projeto. Esse fato ocorreu no mês de novembro de 1951 (JABUR, 1998, p. 86). Naquele momento, se externamente foi atuante o movimento dos políticos da região de Itapetinga em busca da sua emancipação, internamente, o maior defensor da liberdade da Vila foi, segundo Gomes (2002), o homem Juvino Oliveira. Portanto, foi nos bastidores da história política de Itapetinga, tendo por um lado, um Pastor Batista, Saturnino José Pereira e o batista mestre de obras Elias José de Carvalho e, por outro lado, um católico fervoroso, Juvino Oliveira que se consagrou a emancipação Itapetinguense em 12 de dezembro de 1952114. Quando isso aconteceu, a maioria da população de Itapetinga sequer entendia o que havia sucedido, mas, o fato era que para as suas lideranças era inaceitável, era impossível “continuar a depender política e administrativamente de Itambé, uma vez que [a Vila] em vários aspectos ultrapassara em muito a Sede, inclusive no volume de impostos arrecadados” (OLIVEIRA N., 2003, p. 66). Juvino Oliveira, por ter movimentado a bandeira da independência dentro da Vila de Itapetinga, como relatam as memórias de Maurício Gomes

114 - “O Governador Régis Pacheco desmembrou Itapetinga do Município de Itambé, (...) como consta na lei nº 508 de 12 de dezembro de 1952” (IBGE, 1959, p. 322-325). 138

(cf. cap. V), em 1954, quando houve a primeira eleição para Prefeito do Município, foi considerado, naturalmente, como um concorrente nato. Gomes (2002) e Campos (2006) ainda chamam a atenção que o Município teria a sua eleição concomitante com a do Estado. Pela primeira vez, os seus moradores nomeariam prefeito e vereadores para representar a cidade, bem como, deputados federais, deputados estaduais, governador e dois senadores para representar o Estado da Bahia. Dentre os deputados estaduais, um que foi eleito e era da região de Itapetinga, foi o médico Guilherme Dias. A partir dessa época, a política Itapetinguense foi marcada pelos grupos chamados por humanistas ou futuristas.

3.4 Itapetinga: entre Humanistas e Futuristas

A condição eleitoral ocorrida em 1954, somente foi possível, para Gomes (2002), por ter sido criado no Município, no decorrer de seus dois anos de emancipação, os diretórios compostos pelos partidos: PSD, UDN, PTB, PR e PRP. Desses diretórios nasceram duas coligações: por um lado, a composição PR/PTB apoiou a candidatura de Juvino Oliveira, por outro lado, a coligação formada pelo PSD/PRP115 amparou a candidatura de José Vaz Espinheira, proprietário nessa época da Fazenda Astrolina que havia pertencido, no passado, a Augusto de Carvalho. Como resultado, Gomes (2002) diz que Juvino Oliveira venceu as eleições e, ainda, trouxe pela sua coligação dez (10) dos doze (12) vereadores eleitos. Abaixo estão relacionados alguns trechos do discurso de posse proferido por Juvino Oliveira, que governou a cidade de Itapetinga de 1955 a 1959. [...] Dizer das nossas necessidades é falar de quase tudo, ou seja: luz e energia diurna, hospital, grupos escolares, prédio próprio da prefeitura, arborização, calçamentos, etc., Melhor seria reunir-se isto em duas palavras: precisamos de tudo: mas precisando de tudo, seguirei apenas a minha legenda: DO PRECISO O MAIS PRECISO. [...], mas, é por todo este sacrifício e por todo esse sofrimento, que um dia ousei sonhar: sonhei com Itapetinga grande, bela e forte, este sonho me empolgou, tomou conta de mim e hoje sou teu apaixonado, Itapetinga! Mas, eu não quero despertar. Quero continuar sonhando, porque este sonho é a razão do meu ser e do meu existir! Por isso povo de Itapetinga, vamos unidos edificar e trabalhar, vamos! Eu vos convido sonhemos juntos! (CAMPOS, 2006, p. 210). Juvino, desejoso de marcar o nome da sua cidade entre as grandes divisas fiscais da Bahia, em 1956 realizou, segundo Nery (1995), a 1ª Exposição Agropecuária e Industrial de

115 Os nomes dos Partidos Políticos constam no Índice de Siglas, parte inicial da Tese. 139

Itapetinga. Para tal acontecimento, um tempo antes da instalação da Exposição, foi à Salvador tentar conseguir recursos com o governador do Estado, Antônio Balbino de Carvalho Filho. Ao chegar no Palácio da Aclamação foi atendido pela secretária do governador que lhe perguntou quem deveria ser anunciado, Juvino explicou que era prefeito de um município recém-criado, situado na região sudoeste da Bahia. Em seguida a secretária foi comunicar ao governador que o prefeito de Itapetinga lhe pedia a concessão de uma audiência. Retornando a secretária, disse ao Prefeito Juvino que aguardasse alguns minutos para ser atendido. Sobre esse aspecto, tanto Nery (1995) quanto Campos (2006) falam que estes minutos virarão horas e dias. Assim, sem ter sido recebido pelo Governador, Juvino retornou a Itapetinga comunicando ao povo que a cidade ainda não era reconhecida pelo Estado da Bahia e, para conseguir tal pleito, deveria ter muito trabalho e realizar uma grande Exposição. O trabalho foi intenso, ainda contou, de acordo com Nery (1995), com a doação de um grande terreno do próprio Juvino, onde foi construído o parque de exposições (que atualmente chama-se Juvino Oliveira). A 1ª Exposição Agropecuária e Industrial foi, para os historiadores da cidade, uma das mais bem-sucedidas de Itapetinga. Graças a esse empreendimento a cidade, algumas décadas depois, passou a ser conhecida dentro do Estado da Bahia como a “capital da pecuária”. A partir da Eleição na qual Juvino Oliveira foi eleito como prefeito, entrava no cenário da política Itapetinguense, o nome do candidato que, em 1954, fora derrotado: José Vaz Espinheira. Ele, além de ser dono da Fazenda Astrolina era, de acordo com a memória de Mauricio Gomes (cf. cap. IV), o engenheiro-chefe da 5ª Residência do Departamento de Estradas e Rodagens do Estado da Bahia (DERBA), localizado na cidade de Conquista que mudou, em 1944, para a 7ª Residência, instalada ainda na Vila de Itapetinga. Espinheira, como consta na pesquisa de Gomes (2006), havia no mês de março, no ano de 1941, iniciado a construção da estrada Leste/Oeste. Aquela rodovia (parte formada pela BR 415 e parte formada pela BA 263) não somente ligava Itapetinga à cidade de Vitória da Conquista e às cidades de e de Ilhéus, também, colocava a Vila em comunicação direta com resto do Estado da Bahia e do Brasil. O asfalto chegando à Vila valorizava muito o preço da terra e permitia um maior escoamento da produção bovina. Portanto, a história de Itapetinga, no campo político, foi marcada por dois grupos: um que defendia Juvino Oliveira e outro que defendia José Vaz Espinheira. Estes homens foram transformados em mitos; cada um, à sua maneira, foi responsável pelas hierarquias 140

dominantes que brotaram no desenrolar da história social da cidade de Itapetinga. Na visão dos moradores de Itapetinga, conforme foi relatado por nossos recordadores (cf. cap. IV), Juvino Oliveira e José Vaz Espinheira foram transformados em mitos na cidade, sendo respectivamente citados como “o humanista e o futurista”. Em Bourdieu (2007b), isto aparece como um mecanismo do poder de um capital simbólico que, geralmente, é chamado de prestígio, reputação e fama. Na vida cotidiana, as representações destes mitos acabaram por produzir um campo de rivalidades políticas dentro da população de Itapetinga que, de certa forma, contribuiu para transformar o futuro da zona pastoril. Isto nos faz lembrar que A política é o lugar, por excelência, da eficácia simbólica, ação que se exerce por sinais capazes de produzir coisas sociais e, sobretudo, grupos. Pelo poder do mais antigo dos efeitos metafísicos ligados à existência de um simbolismo, a saber, aquele que permite que se tenha por existente tudo o que pode ser significado (BOURDIEU, 2007c, p. 159). A eficácia simbólica do mito humanista Juvino Oliveira, que nasceu na cidade de -BA em 1904 e faleceu em Itapetinga em 1987, surgiu pela sua vontade de mudar as questões sociais da Vila e da constituída cidade de Itapetinga. Ele, reconhecidamente, foi, dentro da sua história, de acordo com Nery (1995), um entre os muitos latifundiários, que mais se preocupou com a educação local. Além de combater o isolamento cultural, também, iniciou as obras de esgotamento sanitário, pois, sabia que esse era o caminho para modificar os problemas de saúde encontrados na cidade. Sobre José Vaz Espinheira, chamado de “o futurista”, quem narra a sua história é Gomes (2006) que o qualifica como o grande empreendedor. Pelas informações de Gomes (2006), Espinheira nasceu em 10 de setembro de 1914, foi prefeito de Itapetinga por três mandatos, um deles teve a duração de seis anos (1959 a 1963; 1967 a 1971; e, 1977 a 1983). Entre a segunda e a terceira gestão, Espinheira sofreu algumas derrotas políticas, tendo como sucessores o Padre Altamirando Ribeiro dos Santos que governou Itapetinga apenas por dois (2) anos, no período de 1971 a 1973, sendo substituído, com o apoio do próprio Padre e dos grupos evangélicos, o candidato batista, Evandro de Oliveira Andrade que, através da extinta Aliança Renovadora Nacional (ARENA), foi eleito para prefeito da cidade, ficando no cargo de 1973 a 1977. Durante as gestões intercaladas de Espinheira, Gomes (2006) defende que fosse em terras doadas da sua Fazenda Astrolina ou de expropriações feitas em terras de terceiros, ele efetuou várias obras na cidade, a saber: criou o Serviço Autónomo de Água e Esgoto de Itapetinga (SAAE); fez a Rótula dos Orixás, que forneceu uma mobilidade aos moradores 141

dando acesso às avenidas que ligam os bairros entre si e, estes, ao centro da cidade; a mesma rótula forneceu, ainda, uma ligação interna da cidade com a BA 263. Gomes (2006) ainda nomina que foi espinheira quem fez a ampliação do cemitério Campo Santo; criou o Museu de Arte e Ciências de Itapetinga (MACI) pelo Decreto nº 237, de 11 de novembro de 1969, publicado no diário oficial do mesmo ano, sendo inaugurado em 02 de junho de 1970; fez obras de aterro do Rio Catulé e de lagoas, o que propiciou o crescimento da cidade; mudou o curso do Rio Catulé, construindo um cinturão verde que serve tanto para conter as enchentes, como também, se transformou em uma veia que arboriza parte da cidade; e, fez o Estádio Municipal. Espinheira, para Gomes (2006), também se preocupava com a saúde, a educação a cultura e o lazer. Foi por essa razão que continuou com as obras de esgotamento sanitário iniciada por Juvino Oliveira, tanto que já na década de 80, Itapetinga possuía 90% da área urbana totalmente saneada. Além disso, criou o que o povo de Itapetinga chama carinhosamente de “Matinha” (Parque Zoobotânico da Matinha - único zoológico do interior do Estado da Bahia), preservando a vegetação e animais da Região, o que incluiu uma pequena parte da Mata Atlântica que ainda existe na cidade; construiu diversos postos de saúde e escolas, principalmente, na área periférica de Itapetinga; e, iniciou a construção do antigo prédio da Faculdade de Zootecnia, atualmente, um dos módulos do Campus da UESB na cidade. Além dessas obras, segundo Gomes (2006), foi de Espinheira a iniciativa em transformar o velho centro de Itapetinga e, para tal, constituiu a Rua Rui Barbosa em Alameda, trazendo o estilo moderno dos grandes centros urbanos para a cidade. Quando a Alameda Rui Barbosa ficou pronta, ele mandou fazer canteiros decorados com figuras em alto relevo, mostrando a beleza da natureza e a riqueza da Terra. Esses canteiros traziam figuras de estrelas, sol, cavalos e vaqueiros. No término da obra da alameda Rui Barbosa, que tem o seu final no início da Praça Castro Alves, agora já chamada oficialmente como Augusto de Carvalho, resolveu mudar a estrutura da praça, e para isso derrubou o edifício Maringá que ficava em seu centro e fez uma nova e moderna estrutura. Essa praça foi novamente reformada na década de 90 no governo do prefeito Michel Hagge. No dia 21 de março de 1983, quando Espinheira morreu, pelos relatos de Gomes (2006), a celebração fúnebre foi ecumênica, contando com a presença de pastores e padres da cidade. Espinheira foi enterrado debaixo de uma árvore que ele próprio havia plantado, no cemitério Horto da Paz situado próximo onde um dia havia sido a sede da Fazenda 142

Astrolina. Naquele momento, “morria o homem, mas nascia a história do mito político de Itapetinga, até hoje lembrado pelas suas obras [...] impressas em cada ponto da cidade […]. Espinheira continua vivo na memória de Itapetinga” (GOMES, 2006, p. 149). O registro a seguir são palavras proferidas pelo próprio Espinheira, em Itapetinga, na véspera do natal de 1979, quando fez o seguinte discurso: O que podemos dizer ao povo de Itapetinga, ó Cristo, neste natal de 1979? Todos nós estamos inquietos, a nossa Pátria está inquieta, [...]. No silêncio da noite, nos lembramos da luz da tua estrela, que fizeste desabrochar como um lírio no céu do Oriente. Aquela estrela tinha o brilho dos olhos das crianças; o céu da Ásia olhou o mundo com o olhar da tua estrela. A tua estrela fulgurou como uma lâmina de prata, porque a luz dos raios era feita de coragem. A coragem da bondade que entra serenamente onde os homens se trucidam, onde os fracos são esmagados, onde a mentira, a calúnia, a injustiça estende a mão, a covardia e o orgulho dividem as almas. Conta- nos o segredo da tua Estrela [...] na revolta dos oprimidos e na angústia dos desesperados, [...] ao substituir-te pelo Papai Noel, patriarca dos comerciantes de brinquedos, patrono dos ricos [...].As nações estão se armando e não respeita mais, as dignidades das outras; os assaltos e assassínios se multiplicam; a massa sofredora se organiza para luta; as crises financeiras se agravam, não há previsão para o custo da vida, ninguém sabe o dia de amanhã; os indivíduos temem-se reciprocamente; as classes se entreolham, como tigre numa arena; os governos sentem os abalos da opinião pública; os partidos políticos se entrelaçam e as guerra se espalham como sarna pelo planeta. Enquanto os minutos passam, perguntamos ao minuto que vem: que desgraça nos Trazes? Na Bahia, em cujas praias aportaram as Naus de Cabral, trazendo em suas velas a imagem do teu sacrifício, se sofre tanto, como na nossa Itapetinga, na tua Itapetinga, também os corações se inquietam. É fechar os olhos e imaginar o que vai pelo mundo, uma vez que é dia de Natal, basta pensar um pouco, para ver milhares de criancinhas da nossa vasta região, pobres e humildes (GOMES, 2006, p. 117-120). Há de lembrar, conforme Gomes (2006), que foi Espinheira, em suas terras, que implantou um sistema de loteamentos, trazendo novos fazendeiros e, com eles, novos desejos e cobranças sociais. Claro que como todo capitalista, o lucro também era seu objeto de desejo, afinal, Espinheira era dono de praticamente toda a área urbana de Itapetinga. Mesmo assim, não tem como deixar de admitir, de acordo com Gomes (2006), que foi a visão deste engenheiro que transformou a Itapetinga do futuro em dois aspectos: fez dela um polo calçadista e um polo educacional. Sobre o primeiro aspecto, O polo calçadista da Bahia promoveu uma reestruturação da produção e provocou impactos de diversas naturezas, dentre estes, destaca-se a geração de emprego e renda, com resultados expressivos para a economia local e regional. [...] em Itapetinga a indústria calçadista é responsável pela reestruturação local, em virtude da inserção do grande capital através da implantação de estabelecimentos industriais, em consequência, gerou um número de empregos significativos. Acrescenta que, esses projetos 143

podem causar impactos regionais mais expressivos, em relação aos investimentos, que estão sendo direcionados para áreas mais dinâmicas da economia. [...]. Dessa forma, o município de Itapetinga torna-se sede de um dos maiores empreendimentos no setor de calçados, através da empresa Azaleia que representa uma das maiores indústrias da América Latina. O projeto visou gerar dez mil empregos diretos provocando assim, impactos significativos em escala regional e nacional cuja inserção reflete-se no contexto global (NERY G., 2003, pp. 136-137).

No que diz respeito ao polo educativo,

Em 2008, entre os 1.090 alunos egressos das graduações e pós-graduações, 42% eram moradores de Itapetinga, 20% de seu entorno e 38% de outras localidades. [Dentre os formandos e alunos matriculados] existem os que são ligados diretamente as pesquisas, que não atendem somente a Itapetinga, por isso mesmo, o Campus da UESB localizado nesta cidade, serve como mecanismo de desenvolvimento econômico, social e cultural [...] pois, além do Programa de Pós-Graduação em Zootecnia (Mestrado e Doutorado) com Área de Concentração em Produção de Ruminantes, que tem como objetivo o desenvolvimento de pesquisas voltadas para a solução dos principais problemas da pecuária regional, ainda possui, os cursos de Engenharia, Pedagogia, Biologia e Química que juntos, criaram impacto nas relações sociais da cidade. Com as inovações da Zootecnia, houve uma geração de tecnologia que regionalmente, transformou o cenário da produção animal na região, com alternativas que visa a ampliação da produção, a redução dos custos e, consequentemente, o aumento da lucratividade dos produtores rurais e das empresas que atuam no meio rural (MOREIRA, 2009, p. 107). Além de ser polo regional, a cidade de Itapetinga, dentro do território da Bahia, é considerada como Microrregião116 (IBGE, 2008); contém, nessa divisão, nove municípios. São eles: a própria Itapetinga, Encruzilhada, Itambé, Itarantim, Itororó, , , Potiraguá e Ribeirão do Largo. Nesse universo, um dos marcos, foi a diferença social que existiu na cidade, tendo por um lado, os fazendeiros e, por outro, os trabalhadores rurais.

3.5 A Formação Social e Religiosa de Itapetinga

A política, representando a pecuária, aos poucos vai exercendo sinais cada vez mais dominantes na Itapetinga das décadas de 30, 40 e 50 do século XX, enquanto que, para as pessoas mais humildes, a Itapetinga urbana se desenvolvia ao lado de problemas não muito diferentes de outros lugares do interior do Brasil, pois, como demonstrou o estudo de N. Oliveira (2003), as condições sanitárias eram precárias, não havia saneamento público que

116 Microrregião é, de acordo com a Constituição brasileira, “um agrupamento de municípios limítrofes. Sua finalidade é integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, definidas por lei complementar e estadual” (C F. 1988, Capítulo III: Dos Estados Federados, § 3º). 144

atendesse aos bairros periféricos, o que propiciava o surgimento de diversos tipos de doenças. Além de não possuir saúde pública, hospitais, também, não tinha escolas que pudessem atender a maioria das pessoas ficando estas, por sua vez, à mercê da vontade dos grandes pecuaristas. Nessa ótica, a cidade somente se beneficiaria se as distribuições dos poderes fossem de pleno acordo com os interesses dos produtores rurais, grupo que passou a ser dominante na constituição social da vida da cidade. A população era quase toda analfabeta, a própria instalação da eletricidade117, como fator preponderante para o desenvolvimento do progresso urbano, segundo Oliveira (2003), era destinada apenas aos consumidores capitalizados, mudando essa condição somente na década de 70, quando passou a funcionar como entidade pública. Diante de tal situação, a relação de trabalho [...] era de total submissão do trabalhador em relação ao pecuarista que assumia uma postura paternalista. Desta forma, o trabalhador rural subordinava-se ao patrão em todos os níveis – econômico e político -. Essa relação criou espaço para a hegemonia política dos produtores através da formação dos denominados “currais eleitorais”, onde a escolha dos governantes estaria sempre definida, pelo chamado “voto de cabresto” (OLIVEIRA N., 2003, p. 71). Portanto, a eleição em Itapetinga era vencida pelo candidato que recebesse maior número de adeptos dos grandes produtores pecuaristas, (o que incluía a Indicação do humanista Juvino Oliveira ou do futurista José Vaz Espinheira). Para haver a aprovação do candidato era preciso, em primeiro lugar, apoiar o grupo dos produtores rurais, legando a estes, todos os incentivos para o desenvolvimento da pecuária dentro da zona rural da cidade. Em nossa pesquisa de 2009118 foi comprovado que a política municipal também era extensiva para a macro política, pois, tanto em nível Estadual quanto em nível Federal, também, só seriam votados pelos eleitores da cidade, aqueles candidatos que defendessem a bandeira pecuarista. Foi nessa condição de subserviência à ditadura pecuarista que os grupos sociais de Itapetinga foram sendo formados; todos dependiam da subsistência ligada à área rural. Entre os seus moradores, poucos eram os indivíduos que não eram empregados diretamente nas fazendas, fossem como donos ou como trabalhadores rurais; eram reféns da produção da

117- Desde a fase em que Itapetinga era ainda considerada como área territorial de Itambé a energia elétrica já tinha sido implantada. Nos estudos de N. Oliveira (2003) isto aparece como um benefício sucedido através da organização da iniciativa privada. 118 Ver nota de rodapé nº 13. 145

atividade bovina. Nasce, assim, uma “legitimidade”119 hegemônica do poder em possuir a terra como nos disse o nosso recordador Moisés Viana (cf. cap. IV). Tal critério demonstra que existe um grau do poder que fica vinculado ao conjunto (ou pelo menos a uma das formas) de capital (cultural, simbólico, social e econômico). Assim, no início da história de Itapetinga, a única diferença entre os seus moradores foi o poder econômico dos seus fazendeiros. Quem melhor descreveu essa realidade foi o médico Orlando Borges Bahia quando disse que, na constituição social do povoado, a sua economia nasceu sob uma “força de mão de obra de base familiar” e foi: “constituída nos moldes do interior brasileiro, à base da honradez [...], mas, a média social e cultural, alcançava um nível muito aquém do desejado, mesmo para um núcleo ainda em formação” (NERY, 1995, p. 57). Além de Bahia, Oliveira também comprova que, [...] devido aos hábitos simples e o nível cultural do pecuarista, que teve origem semelhante à maioria dos seus trabalhadores, as diferenças sociais não se mostravam muito evidente inicialmente. Essa aparente semelhança cultural e social conseguia dissimular conflitos e proporcionar uma relação de total cooperação do trabalhador em relação ao produtor rural, o que propiciou uma velocidade maior do capital econômico, fazendo com que as diferenças se manifestassem mais adiante de forma muito mais evidente (OLIVEIRA N., 2003, p. 58).

Como Oliveira (2003) também mostramos em nossa pesquisa realizada em 2009, que inicialmente, para cuidar da zona pastoril bastava saber lidar com o boi no pasto, não havia muita necessidade de uma mão de obra especializada. O nível de instrução existente era somente para uma pequena parte da população que contava apenas com o curso primário – ou seja, o equivalente aos quatro primeiros anos do atual Ensino Fundamental –, a grande maioria da população era analfabeta ou sem nenhuma escolarização, o que para aquelas pessoas não fazia diferença, pois, como foi registrado pela memória de Orlando Borges Bahia: Coisa interessante eram os casamentos dos que vinham de sítios mais atrasados, com os noivos de braços dados, de volta do ato religioso em direção a casa, onde se hospedava o cortejo modesto, formado por oito ou dez pessoas. A noiva devido ao sol abrasador, empunha uma sombrinha aberta, com toda a pose. Aliás de referência ao casamento, como também servia para qualquer outra festança, vale lembrar algo Interessante do hábito local, não haviam convites. Todos se conheciam, todos

119 Sobre esse aspecto podemos analisar que Bourdieu (2003b), utilizando como critério o conceito de legitimidade de Weber (2012), encontrou dentro do espaço social os mecanismos pelos quais os dominados aceitam a dominação sob todas as suas formas e porque se sentem solidários aos dominantes, sem questionar ou rechaçar as suas posições sociais.

146

compareciam, para o ato, os comes e os bebes. E as danças que iam até o clarear do dia, viam-se vaqueiros ou quaisquer outros empregados, dançando com as filhas dos patrões. Se quase todos os ricos de então, no início de suas vidas foram: vaqueiros, tropeiros, boiadeiros e machadeiros na derrubada das matas, não haviam como fazer a separação (NERY, 1995, p. 59). Este prenúncio, não permaneceu por muito tempo, pois, como comprovou a nossa pesquisa em 2009, a chegada de novos fazendeiros vindos de cidades próximas ou distantes de Itapetinga, dentre os quais destacamos o nome do batista Aquilino Brito, procurando comprar uma terra barata que tinha a garantia da boa produção para a pecuária, começava a mudar as relações sociais, mas, também, a paisagem da cidade. O destaque dado ao nome de Aquilino Brito deve-se ao fato de ele ter sido uns dos responsáveis por mudar, pelo menos, a paisagem central de Itapetinga, pois, foi dele a ideia de comprar um terreno próximo à Praça Augusto de Carvalho para construir a Primeira Igreja Batista de Itapetinga. Além disso, de acordo com Nery (1995), desde a constituição da ACI, havia sido formada uma elite cultural composta por fazendeiros batistas e católicos que, via de regra, como nos contou as irmãs Adinita de Souza Brito Pio e Sonia Brito Silva120, em grande maioria, pertenciam à Loja Maçônica Amor e União Itapetinguense. A existência deste novo grupo marcou totalmente as diferenças culturais e sociais, sobretudo, como foi comprovado por nossa investigação em 2009, quando os filhos dos ricos de Itapetinga foram mandados para estudar na capital (Salvador- BA) e no colégio Batista Taylor-Egídio (-BA), ou, até mesmo, em outros grandes centros urbanos dentro e fora do Brasil. Esse foi o início para despontar, consequentemente, na cidade, a configuração de um novo capital social e o estabelecimento dos detentores do capital cultural, reconhecidamente, nas posições ocupadas por advogados, médicos, dentistas, professores universitários, escritores, e etc., que vai para além das meras relações da produção econômica, pois, como revelou o Dr. Wilson Ribeiro, foi ele, a sua irmã Athenée Ribeiro de Oliveira Cruz e a prima Eneclydes Campos121, os primeiros a sair da Itapetinga e a concluir um curso universitário. É nesse sentido que concordamos com Bourdieu (2007b) quando diz que a existência, na realidade, não é puramente um jogo de sorte, mas, um jogo social que tem uma história, uma tradição, um simbolismo e uma cultura que muitas vezes independe da vontade de seus

120 Entrevista realizada pela pesquisadora no mês de junho de 2016. Os dados constam nas fontes orais. 121 Wilson Ribeiro e Athenée Ribeiro de Oliveira Cruz são filhos do fazendeiro batista Nezinho Ribeiro. Eneclydes Campos é filha do fazendeiro batista Mariano Campos, a sua história (cf. cap. V). 147

jogadores, pois, criam as identificações para aqueles que jogam esse jogo e se adequam a ele. Nesse aspecto, o universo cultural dos indivíduos e dos grupos sociais reproduzem as identificações, ideologias, sensações e preconceitos, levando os agentes a se reconhecerem mutuamente por um código comum que, no jogo de interesses, ganha significado pelo valor do volume incorporado, proveniente de cada um dos tipos de capitais (econômico, cultural, social e simbólico) ou mesmo pela soma do seu conjunto. Consequentemente, se for observada essa lógica bourdieusiana, cabe a afirmação que se em Itapetinga houve a legitimação dos fazendeiros que eram os detentores do capital econômico, então, foram eles, aqueles que também “apostaram” na formação religiosa da cidade. Tanto que, aos poucos, foi se perdendo a Itapetinga desenhada por Orlando Borges Bahia da seguinte maneira: Ao atravessar a cancela da Fazenda Astrolina, passava-se pela pequena rua [Rua Dois de Julho, atual, Rua Pastor Samuel de Oliveira Santos], que desembocava na praça larga (atual Praça Augusto de Carvalho), em declive suave, em cima era quase vazia de construções. Ao lado direito diversas casinhas de construções muito simples – de taipa -, uma ou outra de tijolos. Ao seu término, uma rua dirigindo se para a direita (Rua Barão do Rio Branco), do lado esquerdo da praça, prolongava-se por uma série de casas pequenas de construção também ligeira, penetrando sem solução de continuidade. Na Rua Rui Barbosa até a esquina com a José Bonifácio, na parte de baixo, outra fila de casinhas igualmente modestas. Na esquina da Rua Rui Barbosa com a Rua José Bonifácio, havia um barracão para tropeiros, continuava a Rua Rui Barbosa com todas as casas, também simples. Inclusive a que resido, que tinha um aspecto melhor, por ser enfeitada com uma platibanda. Ali instalei a "Farmácia Itatinga". A Rua José Bonifácio, estendendo-se para direita, contava a casa de Juvino Oliveira (atual Banco do Brasil), em um sítio, que pouco depois, ele comprou do velho Cassiano Campos (nome real Cassiano Soares de Oliveira). Para esquerda, havia a casa de Osvaldo Luz, que tirou um cômodo de esquina, para abrir uma loja de tecidos em sociedade com o seu irmão Inocêncio. Da esquina, parte a outra rua (Rua Santos Dumont) em acentuado declive que vai dá no Rio Catulé. Atrás das casas da praça, ao sul, uma comprida rua de meias águas (Rua Dom Pedro II). Na esquina da pequena rua que partia da cancela, morava Elgino. Na Rua Rui Barbosa à esquerda, de quem desce, na segunda ou terceira casa, era o armazém de Gôda, - Clodoaldo Novaes, nosso fornecedor -. Vinha depois a padaria de Argemiro Pimenta e a seguir, quase defronte à farmácia, a venda de Jonas, ficando na esquina a venda de Américo, mais ou menos a um quilômetro de distância, a residência de Augusto Carvalho na fazenda Astrolina, a uma distância de três quilômetros na estrada de Itambé, a casa de Juvino Oliveira, na sua Fazenda Bela Vista, para Sudoeste a uma ou duas léguas, a casa de Fazenda de Alfredo Dutra e muitas outras ali por perto (CAMPOS, 2006, p. 100-101). 148

Nestas palavras se encontra o mapa que consolidou a Itapetinga do início do século XX. Com o transcorrer do tempo, muitas das fazendas foram incorporadas, alterando a sua área urbana, mas, também, a condição social de seus moradores. Ou seja, da mesma forma que ocorreu a criação do povoado, do distrito, da vila e da cidade, também, foram aumentando as diferenças entre os seus ricos e os seus pobres. Mas, foi ainda em um tempo em que as diferenças sociais não eram tão evidentes ou, pelo menos, não eram claramente percebidas dentro das relações de convivência, que surgiu a constituição do campo religioso de Itapetinga. Foi em decorrência da organização religiosa dos batistas que, oficialmente, se estabeleceu a sua Igreja na cidade em 31 de julho de 1938, quando foi fundada a Primeira Igreja Batista de Itatinga, como consta no registro da Ata122 número 01, com os seguintes termos: Aos 31 dias do mês de julho de 1938 da era de Nosso Senhor Jesus Cristo no arraial de Itatinga, distrito de Itambé, Comarca de Conquista do Estado Federativo da Bahia, às 12 horas e meia, reunidos em uma casa na Rua Santos Dumont, membros das Igrejas Batistas de Itapuí [Itororó], Sapucaia [extinto], Itamirim [] e Ribeirão do Salto, o Pastor Arlindo Rodrigues de Oliveira depois de juntamente com a Congregação louvar cantando os hinos 314 e 278, fez uma súplica ao Todo Poderoso e explicou o que era uma Igreja Batista Regular. [...] em seguida explicou a Assembleia] a regra de fé das igrejas Batistas do Brasil [cujo coro respondeu] “Reconhecemos”. Após, solicitou ao Irmão Felipe José dos Santos, para ler o Pacto das Igrejas Batistas do Brasil, ao qual ouviu o “aceitamos” da Assembleia. [Estava assim, logo após a aprovação de Henrique Ferreira Couto e Valdemar Rodrigues Medrado das cartas demissórias123 dos membros, confirmada a fundação] da Primeira Igreja Batista de Itatinga, [trazendo em seguida a relação da assinatura dos seus Membros Fundadores]124 (PIBI, 1938, p. 1-2). O concílio para a fundação da Primeira Igreja Batista em Itapetinga contou com a participação de um conselho, chamado pela Ata nº 01 de 1938 de “os Comissionados”; estes representantes eram de quatro Igrejas Batistas que ficavam localizadas em povoados circunvizinhos do arraial.

QUADRO Nº 4: Concílio para Organização da Primeira Igreja Batista de Itapetinga POVOADO MEMBROS CARGO/CONCÍLIO Itamirim (Firmino Manoel Gonçalves Chaves Vice-Presidente Alves) Manoel dos Santos Silva Francisca Eufrosina do Carmo

122 As referências das Atas constam nas Fontes Documentais desta Tese. 123 Como o próprio nome indica, são pessoas que saem de uma Igreja e se apresentam em outra. No caso da PIBI, haviam integrantes das Igrejas de Sapucaia e Itapuí. 124 A relação com todos os nomes dos fundadores da PIBI se encontra no anexo nº 6 desta Tese. 149

Itapuí (Itororó) Pastor Arlindo Rodrigues de Oliveira Presidente Henrique Ferreira Couto Secretário Evaristo Bispo de Santana Vogal125 Sapucaia (Povoado Felipe José dos Santos Vogal extinto) Landulfo Lopes Ferraz Marcos Francisco da Silva Maria Campos Ribeiro Ribeirão do Salto Valdemar Rodrigues Medrado Fonte: Primeira Igreja Batista de Itapetinga. ATA nº 1 (1938, p. 1).

Os relatos contidos no “livro Atas” e memórias da cidade não deixam a menor dúvida que a origem dos Batistas em Itapetinga ocorreu antes do movimento católico. Com o tempo, a Igreja, que era a da fotografia número três (3), foi deslocada do espaço inicial, conquistando o seu lugar definitivo na Praça Augusto de Carvalho. Foto nº 3: 1º Templo Batista de Itapetinga (Local: Rua Santos Dumont)

Fonte: Acervo da PIBI: 1938 (sem registro do fotógrafo)

O melhor interlocutor dessa história foi o Fazendeiro Aquilino Brito, em uma carta que foi escrita na década de 80, cuja divulgação atingiu os meios de comunicação da cidade126. Dos fatos relatados, o que chamou a nossa atenção, foi quando diz que o terreno na praça principal da cidade havia sido ofertado aos fazendeiros católicos. O líder político e católico Juvino Oliveira, no entanto, recusou por não ter arrecado o valor do imóvel, ao qual estava intencionado em comprar para construir a Igreja Católica. Segundo o Senhor Aquilino, ele sequer avaliou o valor do terreno, adquirindo-o para a construção da Igreja Batista. O projeto inicial para a edificação do primeiro templo Batista construído na Praça

125 Como o próprio termo jurídico indica, o “vogal” significa nos capítulos religiosos, aquele que tem o direito de votar em uma assembleia ou comissão. 126 A carta que chegou às nossas mãos foi entregue pela Senhora Adinita Pio Brito, filha de Aquilino Brito. Posteriormente descobrimos que a carta havia sido publicada em o Jornal Dimensão - Edição Nº 1.495, de 02 / 08 / 2008, p. 1 – Como uma homenagem ao casal de pioneiros, Aquilino e Hermínia Brito (in memoriam). 150

Augusto de Carvalho, que aprece na fotografia abaixo, foi de um pedreiro que também, era batista, o senhor Agenor Sena.

Foto nº 4:2º Templo da PIBI

Fonte: Acervo da Primeira igreja Batista de Itapetinga: 1949 (sem registro do fotógrafo)

Narra ainda o Senhor Aquilino Brito, que muitos membros saiam das fazendas e se dirigiam ao local para os cultos, como não tinham casa na Vila ficavam hospedados na casa do casal Mariano e Etelvina Campos. Assim, no dia em que foi inaugurado o templo Batista na Praça Augusto de Carvalho, muitos dos membros estavam na Igreja. Como consta nas Atas nº 214 e nº 219 da PIBI, isto aconteceu no dia seis (6) de outubro de 1943, tendo na linha de frente o Pastor Arlindo Rodrigues de Oliveira. Estava assim instalado o templo Batista no coração da cidade de Itapetinga. Nessa época, aparece alguns nomes que são citados por Aquilino Brito, como a comissão que estava à frente da Primeira Igreja Batista desde 1937, são eles: Elvira da Cruz Prates, (avó de Aquilino), João Francisco de Oliveira Magno, Arquiminia Magno (Zizinha), Oséias Pio, Manoel Pio, Júlia de Souza Freitas, João Maurício da Rocha, Aurora Rocha, Belarmina Rocha, Maria de Oliveira Ribeiro (conhecida como Maricas, esposa de Nezinho Ribeiro), Leonízio Moreira Santana, Gregório da Mota e Hermínia Freire Brito, como está registrado na a foto a seguir127.

127 Encontra no anexo nº 07 o Álbum de onde foram retiradas as Fotografias cedidas pela PIBI. Alguns dos nomes que foram registrados, aparecem nas memórias que se encontram no Capítulo IV desta Tese. 151

Foto nº 5: Membros Fundadores da PIBI128

Fonte: Acervo da Primeira igreja Batista de Itapetinga: Ano 1954 (sem registro do fotógrafo)

O primeiro templo batista e que foi construído próximo à Praça Augusto de Carvalho serviu com espaço sagrado até 1954, pois, dois anos após a emancipação política de Itapetinga, foi demolido, para dar lugar ao atual, sendo inaugurado na comemoração dos vinte e dois anos da Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI) na Cidade (31 de julho de 1960). Existem nas memórias dos itapetinguenses batistas algumas controvérsias sobre a planta que originou a construção deste templo, nas recordações da Senhora Elza Souza Carvalho, foi o seu pai, o batista e mestre de obras, que se chamava Elias José de Carvalho, (que havia sido vereador em 1952 e também, estava entre os homens que buscavam a emancipação política do território), que ao ser convidado para fazer a reforma do templo, projetou também a nova Igreja. Nas lembranças do Pastor Samuel Oliveira Santos, a arquitetura do Templo, foi responsabilidade do batista norte americano James Elmer Lingerfelt, que naquele período estava na Região Sudoeste da Bahia fazendo o trabalho missionário. Segundo o Pastor Samuel O. Santos (cf. cap. V), foi Lingerfelt, que era arquiteto de formação, quem fez a planta da Igreja, assim, chama a atenção para o estilo arquitetônico da PIBI, dizendo que ele se assemelha muito aos templos tradicionais do sul dos Estados

128 O primeiro senhor sentado de paletó claro é o João Maurício da Rocha; A criança escondida ao seu lado é Sônia Brito, esposa do advogado Adalmar Inácio da Silva e filha de Aquilino Brito, ambos pertencem aos membros da atual PIBI; Aquilino Brito, está de paletó escuro, óculos e em pé; do seu lado esquerdo se encontra Nenzinho Ribeiro e do lado direito Agenor Gigante; com o vestido preto, Elvira Prates; de vestido claro e óculos Belarmina Pio; ao seu lado Maria de Oliveira Ribeiro (Maricas); de vestido preto florido Aurora Rocha e sentados do lado esquerdo da foto, de paletó escuro o sr. Oseias Pio. 152

Unidos, local de onde saíram os missionários batistas, tanto durante quanto após a guerra da sucessão Americana, para o trabalho no Brasil. Uma coisa o Pastor Samuel Oliveira Santos, concorda com a Senhora Elza Souza Carvalho, foi Elias José de Carvalho, quem ficou responsável pela construção do segundo templo da PIBI. De tal modo, ficamos com as descrições trazidas pelo Pastor Samuel, que nos relatou que uma das indicações de Lingerfelt, era voltada para as formas externas de uma Igreja, que deveria trazer o estilo e o espírito das igrejas tradicionais, muito parecido, com elementos encontrados nas igrejas do fim do século XIX na América do Norte, com suas aberturas ogivais e fachadas elevadas. Ou seja, mesmo que Lingerfelt fosse um cristão Batista, o seu estilo se aproximava muito daquilo, que em uma entrevista do dia 27 de fevereiro de 2014, um pouco antes de começar o trabalho doutrinário, nos disse o Pastor Adelson Santa Cruz: “Mesmo sendo leigo nas questões da arquitetura me parece que o estilo físico da PIBI é meio gótico, a imponência do seu templo foi um grande destaque dentre as construções da cidade”. “Ao conhecer as descrições de Lingerfelt, reconhece o modelo da Igreja de Itapetinga em toda a sua arquitetura externa” recorda o Pastor Samuel, chamando a atenção, também para as formas internas, pois, como referenciava Lingerfelt, um templo deveria possuir uma boa ventilação, com muitas janelas, espaços para as salas de estudos bíblicos, ambientes para atender as diferentes faixas etárias, salas para os ministros, para a assistência social e para a secretaria, como também uma biblioteca, alguns banheiros e uma cozinha. Como resultado dessas observações se encontra a foto abaixo que traz o modelo do templo atual.

Foto nº 6: Primeira Igreja Batista de Itapetinga – Templo Atual

Fonte: Acervo da Primeira Igreja Batista de Itapetinga (provável data da foto: 1970 / sem registro do fotógrafo). 153

O modelo indicado pelo Pastor Samuel consta em um texto de Lingerfelt (1970), que traz a indicação que o templo Batista deve ter uma fundação que possa suportar todas as reformas vindouras, além disso, aconselha que o Templo deve estar em um lugar que possa dar acessibilidade aos membros, ao mesmo tempo, que seja longe o suficiente de outras igrejas, para não entrar em desacordo ou sofrer interferências de sons durante os cultos, resumindo, o lugar tem que ser “atraente salubre, ruas limpas, casas boas e livres de barulhos perturbadores"(LINGERFELT, 1970, p.08). Todas as recomendações do missionário foram seguidas na íntegra para a construção da PIBI. Portanto, como nos disse o Pastor Adelson Santa Cruz no dia 27 de fevereiro de 2014: “mesmo Itapetinga sendo um dos municípios mais novos do Estado da Bahia, essa igreja configurou como uma das mais forte e atuantes do Estado, pois, em seus setenta e cinco anos, formou muitas outras Igrejas batistas”. Assim, através das memórias de Itapetinga (cf. cap. IV), podemos concluir que a PIBI, esteve presente em quase todos os momentos e fatos políticos e sociais da cidade. Estes acontecimentos se referem a sua participação no início da década de 50 na luta pela emancipação política da cidade; na década de trinta, nas iniciativas das criações das primeiras escolas da Vila, culminando com a fundação da Associação Cultural Itatinguense (ACI) e criação do Ginásio Alfredo Dutra (atual Centro Educacional Alfredo Dutra); e, na década de 60, à frente da fundação do Colégio Batista Albert Schweitzer (atual centro de formação básica e de curso superior). O trabalho social e cultural da Igreja ainda existe na atualidade, pois, através das obras sociais, efetuadas pelo Centro Batista de Ação Social, atende nas áreas de moradia, cursos profissionalizantes, alfabetização de adultos, atendimento médico e dentário, distribuição de medicamentos, além da distribuição de cestas básicas de alimentação. Ainda existe dentro da Igreja, o projeto "ZICA" conhecido como “Fala Galera”, que é um culto especial com entrevistas, informações, depoimentos e palestras com temáticas importantes para os jovens e adolescentes - o trabalho ocorre uma terça-feira por mês.-. Outro projeto que merece destaque é o Encontro de Casais com Cristo – onde os participantes podem professar qualquer credo religioso, que visa promover um encontro da família - este trabalho ocorre uma vez ao ano. Ainda existe a Cantata de Natal, pois, como o próprio nome indica o que a fotografia número sete (7) traz, marcando o reencontro entre as pessoas nos dias que antecedem o natal, com isso envolve a Igreja e a praça. 154

Foto nº 7: A Igreja e a Paça - Cantata de Natal

Fonte: Arquivo Pessoal da Pesquisadora (19/12/2014) No entanto, como a construção desse estudo vai além dos processos históricos, urbanísticos e de desenvolvimento social da cidade, pois, o que queremos entender é como foi constituído o seu campo religioso, então, para nos aproximar dos sentimentos vividos e experimentados por alguns habitantes da Itapetinga, bem como para compreender os significados do passado ainda presente em suas memórias é que apresentaremos, no capítulo seguinte, as memórias através das vozes dos Itapetinguenses.

155

CAPÍTULO IV OS OLHARES DOS MORADORES DE ITAPETINGA SOBRE A FORMAÇÃO DO SEU CAMPO RELIGIOSO

Tomando-se como premissa que “a memória coletiva” constrói ao mesmo tempo em que é construída pelo grupo social, podemos inferir que no processo de urbanização da cidade de Itapetinga houve, em seu campo religioso, uma história que foi marcada pelo movimento batista. Isto sem negar, que esse movimento somente foi possível por ter sido, como disse Bourdieu (2007c), uma adaptação racional em um território que se via negado dos próprios bens da salvação (cf. cap. I). Mediante tais justificativas, apresentamos os testemunhos, na íntegra, dos moradores de Itapetinga129 que, através de suas lembranças individuais, traduzem a própria memória coletiva da cidade. E como já foi justificado na metodologia, a disposição do texto desses recordadores passa por quatro momentos diferenciados: em primeiro lugar, traz a voz dos “primeiros paisagistas”, como referenciou Bernardo (2007, p. 31), em seguida traz as lembranças dos itapetinguenses, as lembranças dos pastores e, por último, expõe as recordações que já são públicas na cidade.

4.1 Os Paisagistas da História de Itapetinga

4.1.1 Dona Terezinha

Morava em Vitória da Conquista, não nasci nesta cidade e sim na Fazenda Onça, onde tinha um pequeno vilarejo; minha família e todos que conheci naquela época eram deste local. A terra era tão grande que chegava próximo à cidade de Itambé. Itapetinga veio muito tempo depois. Hoje o pedaço de terra que forma a Fazenda Onça quase é parte da área urbana de Itapetinga. Lembro que ainda era pequena quando fomos morar em Conquista, chamava assim aquela cidade. Quando Itapetinga estava crescendo, viemos embora; ainda era uma mocinha, cresci junto com Itapetinga, cresci junto com a Igreja Batista. Nessa época era católica, aliás, a minha família toda era católica. No tempo da Fazenda Onça tinha sempre festas, batizados e casamentos. Quando o Padre chegava de Conquista, ia muita gente da vila de Itatinga para poder falar com ele. Ainda era pequena, muito

129 Dentre as memórias, aqui neste capítulo só está parte das lembranças do Pastor Samuel Oliveira Santos, pois, parte da sua recordação foi retirada para formar a sua biografia, que é apresentada no capítulo V desta tese. 156

pequena, mas, lembro-me que as pessoas saíam do povoado para ir conversar com o padre, parecia uma procissão. Hoje sou casada com Eudetes Domingos de Oliveira e mãe de dois filhos. O mais velho chama-se Charles e a filha chama-se Norma. Sou feliz porque Deus me deu um bom marido. Então eu tenho muita alegria em dizer que sou feliz, ainda mais depois que voltei para os braços de Jesus. Foi Jesus quem me chamou, porque eu era católica, queria batizar meus filhos na Igreja Católica, foi o meu marido que não quis e não deixou. [Pensa por um momento, depois alerta]: O meu marido é Batista de berço, não que ele tenha sido batizado quando criança, os batistas não batizam criancinhas como faz na Igreja Católica; seguir Jesus é uma escolha e um chamado pessoal que não pode ser imposto. Quando falei de berço, me referi à tradição da sua família. Eles já nasceram e foram educados na lei de Deus, já tinha um modelo ideal de educação religiosa, todavia, não foram os primeiros batistas a chegar em Itapetinga. Acredito que Itapetinga desde que foi formada já tinha muitos batistas que pertenciam a PIBI. Também não quero que pense que o meu marido me impediu de batizar os nossos filhos, ou mesmo tenha pedido para abandonar a minha religião; respeitamos a liberdade religiosa, apenas aconselhou sobre o que significava o batismo, que para ele era um ato que identificava o prenúncio da ressurreição dos remidos e uma criança não sabe ainda o que é o pecado. No início resisti e queria de qualquer maneira batizar os meus filhos na Igreja Católica, depois de muita conversa, parei para pensar naquilo que estava falando e resolvi escutar. Até que um dia, foi Deus quem me aconselhou: “– Vai para a Igreja Batista; é ali o lugar de criar os seus filhos”. [Como sabe que Deus a aconselhou e de que Igreja Batista está falando? ] Eu estou falando da Primeira Igreja Batista de Itapetinga, aquela da praça. Foi ali que achei o meu caminho e lugar. Não entenda com isso que estou falando mal da Igreja Católica, não é essa minha intenção. Contudo, em meu coração, o chamado foi para a Igreja Batista. Esse chamado não dá para explicar, ele é sentido pelo coração. Acontece que Deus me tocou e disse: “ – Venha como está, traga seus filhos e eduque no poder de Deus”. [Seus filhos também são da mesma Igreja? Essa questão deve ter causado algum estranhamento, pois, houve um longo silêncio, ao qual respondeu: ] Não, Charles é uma espécie de agnóstico e a Norma se batizou na Primeira Igreja, mas, não está frequentando. Espero que volte; ali naquele coração já tem uma semente, que brotou há muito tempo. Bem, meus filhos também seguiram o chamado de seus corações. Não quero criticá-los e muito menos obrigá-los, para o Senhor tudo tem um tempo. Quanto a mim, estou na igreja tem uns quarenta anos e fui batizada pelo Pastor Samuel O. Santos. Naquela época a Igreja não era como a de hoje, era bem menor, isto somente tratando da arquitetura. Ela era no mesmo lugar, na mesma praça. [As lembranças nesse momento emociona o testemunho, pois, os seus olhos se enchem de lágrimas e com um sorriso meio maroto complementa]: 157

A igreja veio primeiro, depois a Praça daquele jeito e, finalmente, a cidade que se desenvolveu em sua volta. Quando fui batizada não foi uma decisão pessoal, não se tratava de uma mera vontade, era algo bem mais forte. A conversão é se entregar a Deus de corpo e alma, é uma missão, um chamado. Depois que me transformei em crente tenho sido muito feliz com a minha escolha, pois, a igreja é mais do que reuniões e cultos, ela é uma comunidade. Por exemplo, nós temos um grupo formado pela terceira idade, ligado ao Colégio Batista, que não está funcionando agora porque a nossa coordenadora morreu há pouco tempo, mas, em breve, dentro talvez de um mês, volte a funcionar. Esse grupo é muito mais do que encontros, passeios e realizações internas, como comemorações e celebrações, pois, ali concretizamos as obras de Deus, mas também, várias obras assistenciais pela cidade. A obra de Deus se encontra em nossas reuniões de orações e as obras sociais são apenas a complementação para ajudar nossos irmãos. Por exemplo, quando fazemos uma feijoada, um chá, rodada de tortas, geralmente esses encontros são realizados, naquele espaço ao lado da Igreja. São encontros que tem por objetivo arrecadar algum dinheiro, valores esses que, geralmente, são doados a algum irmão que esteja passando alguma privação. Estamos sempre ajudando as pessoas mais necessitadas. O importante é fazer o bem sem olhar a quem. Na Igreja encontro muita união. É uma comunidade que realmente prega o amor. Gosto de ir à Igreja às quintas-feiras e aos domingos. [Por qual motivo esses são os dias escolhidos? ] A nossa Igreja é muito ativa, tem atividade a semana inteira; a minha preferência é pelas quintas-feiras, pois, neste dia temos o nosso culto doutrinário, onde a Escritura Sagrada é lida e discutida permitindo, assim, que se dissipem dúvidas, ao mesmo tempo que podemos reafirmar as nossas posições. Quanto ao domingo pela manhã acontece a escola dominical para as crianças que tem até dez (10) anos; durante qualquer dia da semana, também, temos professores que contam histórias para as criancinhas menores enquanto os familiares estão nas atividades da Igreja. E no domingo à noite acontece o culto evangelista que traz o fortalecimento dos membros da Igreja para a evangelização pessoal. Como vê essa Igreja só traz paz e amor, às vezes a gente fala de amor e não sabe o que é o amor, o amor está em nossa relação com Deus e em nossa obediência ao Evangelho. Ali é uma comunidade onde todos são iguais, não tem mais rico nem mais pobre, não existem diferenças, pois, lá dentro, somos todos iguais, a nossa igualdade está em Deus. [Muda de assunto]: Eu considero o Pastor Samuel como se fosse o fundador da igreja, se os pastores que vieram antes foram importantes para a formação inicial da Igreja Batista e se não me falha a memória foi nessa ordem: Pastor Arlindo Rodrigues de Oliveira, Pastor José Jacinto da Silva, Pastor Saturnino José Pereira, Pastor João Moreira, mas, para mim, foi ele, o Pastor Samuel de Oliveira Santos (o fundador), pois, foi quem ficou entre nós por cinquenta anos, por isso seria bom você conversar com o Pastor Samuel, ele sabe muito da história de Itapetinga e da história da PIBI. Muito do que você me perguntou ele vai te 158

responder. [E quem ficou no lugar do Pastor Samuel? ] Foi o Pastor Inaldo Camelo Vieira Filho e, atualmente, quem está conosco desde 2010 é o Pastor Adelson Augusto Brandão Santa Cruz, que você já conheceu. [Novamente muda de assunto]: A nossa doutrina é sempre estar com Deus, por isso que te disse que sou feliz, pois, eu tenho estado com Deus todos esses anos. Para mim, essa é a maior influência que a 1ª Igreja Batista teve em minha vida.

4.1.2 Senhor Euredes

Nasci em 1937 e chegamos aqui em 1951. Itapetinga ainda não era uma cidade emancipada, o que aconteceu somente em 1952. Quando chegamos aqui já éramos batistas e já existia a Igreja, só que a Igreja era bem pequena. Como ela foi parar ali naquele terreno, não tenho certeza, mas, tem uma carta que foi deixada por Aquilino Brito, onde tudo está registrado sobre a Igreja. Nessa Carta ele conta a história daquele terreno e como os batistas o compraram. O que sei sobre a história da PIBI foi o que correu de boca em boca; dizem que um irmão escreveu para Aquilino Brito perguntando se não queria fazer uma campanha junto aos crentes para comprar o terreno e construir a Igreja. Aquele terreno estava vazio na época, apenas tinha do outro lado da praça, o barracão e algumas casas. Juvino Oliveira que era vereador e depois da cidade emancipada foi prefeito; ambicionava comprar o terreno para fazer a igreja católica, mas, era muito caro e os fazendeiros católicos não quiseram colaborar. Quando o irmão Aquilino recebeu a carta começou uma grande campanha e arrecadou cerca de um conto de réis entre os Batistas; foi esse o valor do terreno. Olha o que aconteceu? Quem comprou o terreno foram os Batistas. Acho que ninguém sabe de quem era aquele terreno, o que sei é que o compraram e fizeram uma pequenina Igreja, depois aumentaram um pouco, até fazer a reforma e transformar naquele prédio que hoje está ali na Praça. A igreja veio primeiro, a praça como está, depois, antes era Praça Castro Alves, mas, não era igual a de hoje que traz o nome de Augusto de Carvalho; foi ele o fundador do povoado que se transformou na cidade de Itapetinga Vou te contar uma história, não sei se quero que você grave isso. [As histórias são boas para lembrar o passado? ] É verdade... Um dia chegou à cidade um padre, pense que Itapetinga era bem pequena, quase só existia aquela área central, ele foi direto para a Igreja, lá se curvou e fez o sinal da cruz, próximo dele tinha um crente que disse: “seu padre essa não é uma Igreja católica é uma Igreja Batista”. O Padre olhou meio sem graça e, assustado, perguntou: “– Não é católica? E onde fica a Igreja Católica?” O rapaz respondeu que a Igreja Católica ficava um pouco longe daquela área central. O padre blasfemou e saiu resmungando, como era possível aquela Igreja Batista ter tomado o lugar que, por honra, deveria ser da Igreja Católica. Acho que ele [o padre] não sabia que a honra pertence a Deus e não a uma casa de oração. Tenho um livro, de um rapaz chamado Emerson Campos, ele é filho dos Campos, que eram fazendeiros e foram pioneiros aqui entre os batistas. Se você ler esse livro vai encontrar muito da 159

história de Itapetinga. [Interrompe a conversa e vai pegar o livro de Campos, quando volta, junto ao livro traz uma fotografia130]. Essa foto tem todos os fundadores da PIBI e que, também, foram responsáveis pela construção da história da cidade de Itapetinga, como você vai ouvir muitas vezes os nomes deles, vou te falar um pouco de cada um. [Começa a apontar para a foto indicando}: esse é o Aquilino Brito, um dos homens que também construiu a história de Itapetinga; a pequenininha ao lado é a sua filha, a Sonia Brito Silva que até hoje, tanto ela quanto o marido, o advogado Adalmar Inácio Silva, são nossos irmãos de Igreja; esse outro pequenininho é Wilson Ribeiro, foi ele quem fez o registro dos nomes de todos os pioneiros que estão na fotografia. Ele é um advogado muito conceituado na cidade. Wilson é filho do finado Nezinho Ribeiro, que é este [mostra apontando para a foto], ele era fazendeiro e o primeiro batista do povoado de Itatinga. Aqui [continua a apontar para a fotografia, mostrando] é Oséias Pio, João Mauricio da Roça, Agenor dos Santos, a menina Elza, Dona Aurora [e continua nominando tantos outros fazendeiros batistas que fizeram parte da história de Itapetinga e que se encontram na fotografia na capa desta tese]. Aqui você tem os membros das famílias Campos, Pio e Brito. Foram eles os primeiros batistas convertidos. Portanto, nessa foto, nós temos dos quarenta e seis membros, vinte e seis que foram os fundadores, mas, também, outras pessoas, pois, a Igreja cresceu muito. Observe que não estamos falando de uma Itapetinga de hoje, estamos falando de um local que não chegava a ter mil habitantes, isto pensando em um lugar que a área rural era mais povoada que a área urbana, então, o número de batistas era bem grande, por isso acredito que em toda família constituída em Itapetinga tem ou teve uma pessoa que pertenceu a PIBI. Todo mundo que chega à cidade e enxerga aquela Igreja, pensa que é de origem católica, precisa conhecer a arquitetura de uma Igreja Batista para saber definir senão, confunde qualquer um, lembra a história do padre? Quem construiu aquela igreja foi este aqui [aponta novamente para a fotografia], ele é o mestre Elias Carvalho. A filha dele ainda está viva, ela é essa aqui da foto [sinaliza para uma garotinha escondida atrás de um senhor de terno preto], o nome dela é Elza Souza Carvalho. Atualmente, ela deixou a Primeira Igreja [Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI] e faz parte da Segunda Igreja Batista. Seria bom você conversar com a Elza e com o Pastor Samuel. Gostaria de um último registro. Muita coisa da história de Itapetinga eu vivi, a história de Itapetinga é muito próxima da minha própria história, crescemos juntos, fui embora um tempo para , retornei para Itapetinga porque aqui é a minha casa. A Primeira Igreja Batista, também está na história da cidade, na história da minha vida, na história da minha família. Como não reconhecer a

130 A fotografia trazida como mediadora das recordações é a que se encontra na Capa deste Trabalho. O Senhor Euredes Domingos de Oliveira não tem o registro do fotógrafo e nem a data exata de quando foi tirada a foto, atribui que tenha sido em 1954 ou 1955, assim provavelmente foi tirada por um fotógrafo que era conhecido como Bocão. 160

sua influência, se não tem como falar das nossas vidas sem fazer referência a PIBI, sem referenciar aquilo que acredito ser o ideal de uma religião que foi a 1ª Igreja que trouxe para a cidade?

4.1.3 Dona Elza Nasci no município de Nova Canaã, na época Água Fria. Cheguei ao mundo no dia 23 de janeiro de 1932. Lembro que ainda era pequena quando fomos morar em Ibitupã, que era conhecida como ; naquela época, aquele pequeno lugar pertencia ao Município de Poções. Meu pai se chamava Elias José de Carvalho e minha mãe Ernestina Souza Carvalho. Minha mãe quando se casou estava com treze anos e morava na roça, não sei exatamente onde, só que ficava mais adentro do nordeste da Bahia. Meu pai se encantou pela minha mãe que só tinha doze anos, assim, começaram a namorar, ele na casa dele e ela na casa dela, era um namoro somente acertado pela palavra. Eles contavam a história que quando casaram, um dia meu pai saiu para fazer compras, quando voltou montado no cavalo estava muito bonito, minha mãe ficou olhando encantada e ele, ao ver aquele olhar, desceu do cavalo e deu um beijo nela, olha que foi no rosto, ela saiu correndo para dentro de casa e chorou tanto que o meu pai perguntou: “– Porque você está chorando”? Ela ainda não queria ser beijada, acreditava que era pecado. Enfim, resolvido esse pequeno conflito, minha mãe teve o primeiro filho e, daí em diante, acredito que foram mais vinte e dois (22) filhos, não sei ao certo se foram uns a mais, o que tenho certeza que não foram menos que isto, faço essa conta por causa daqueles que ficaram vivos. Quando nasci, eles já tinham um bocado de filhos. Meus pais contavam que na época de Água Fria havia muita fartura dentro de casa. Mainha, que vinha de uma família numerosa, colocava aquelas panelas bem grandes de arroz, carne e feijão no fogo; com isso era o maior desperdício. Painho também não era muito diferente, quando ela engravidou pela primeira vez, ele saiu da roça e foi para a rua. [A expressão “ir para a rua” é utilizada quando se está em uma fazenda, em um sítio ou em uma chácara e se dirige a um núcleo urbano? ] Isto mesmo, ele foi para a rua comprar o enxoval do menino, quando chegou trouxe metros e metros de panos florados, eram aqueles panos de fazer lençol e fronha chamado por chita. Mainha mostrou a compra para a vovó e essa falou: “– Elias, isso aqui não presta para fazer vestido de neném, isso aqui é para fazer roupa de cama”. Mas, era tanto metro de pano que ela acabou aproveitando para fazer várias coisas. Não sei como resolveu o problema das roupas do bebezinho, mas, sei que foi nesse mundo de duas pessoas que não tinham muitas reservas quando se tratava do financeiro, que nasceram tantos filhos. Quando vieram para Ibitupã, meu pai, que já era um excelente mestre de obras, aperfeiçoou bastante o seu oficio, construiu isso e aquilo, porém, um dia faltou trabalho. Como ele havia tomado conhecimento de um lugar que estava crescendo e que tinha muito trabalho, além de ter muita gente rica, tomou uma decisão comunicando à família: “ Vamos embora 161

para Itatinga”. Veio primeiro sozinho, ficou muito tempo longe da gente, um dia voltou para buscar a família. A viagem de Ibitupã à Itapetinga demorou tantos dias que não sei te contar; primeiro foi a cavalo, depois a travessia do rio e, por último, em uma carona num caminhão de boi. Quando entramos em Itapetinga aqui era mata e lama; onde hoje tem a praça do boi [Praça Dairy Valley] era uma lagoa e uma lama imensa. O único lugar que tinha casa, feira, venda [armazém] e local para abrigar os viajantes é onde está a PIBI, ali funcionava tudo, ali era a única praça. Na época, isso aqui era um arraialzinho de chão e poeira; quando saia da nossa casa para ir à feira ou à Igreja, íamos calçados e voltávamos com o pé descalço, pois, a lama começava a pesar e não dava mais para andar. Quando o meu pai veio embora para Itatinga, ele e minha mãe já eram batistas batizados, congregavam na igreja de Ibitupã; ele soube da história de Itapetinga por um irmão daqui que havia ido para a Igreja dele fazer um culto. Aqui foi muito bom, o lugar estava crescendo e como ele era mestre de obras, começou a trabalhar logo. Foi ele quem construiu todas aquelas casas grandes da praça do boi. A história da construção da Igreja Batista, ou melhor da Igreja igual a de hoje foi assim: entre uma obra e outra no povoado, a fama de meu pai como bom mestre de obras começou a se espalhar, todos o queriam como responsável pelas construções de suas casas, era fazendeiro o tempo todo chamando. Naquela época haviam muitos fazendeiros batistas e com isso foi formando uma amizade entre eles e meu pai, até que um dia ele foi convidado para fazer a planta ou a construção da Igreja, não me lembro exatamente como foi. Meu pai, então, começou a construir aquele modelo de Igreja que hoje está ali. Acho que olhou outros modelos de igrejas batistas, mas, também sei que muito do que tem naquela Igreja era ideia dele. Tem muito, na sua construção, daquilo que meu pai acreditava ser o modelo da casa de Deus. Sei que foi assim que a construção da Igreja foi consolidada. Meu pai, não dependeu de nenhum engenheiro para colocar a primeira pedra da Igreja, eu mesma carreguei muita pedra, era pequenininha e já ajudava. O mestre Elias, ficou um tempão trabalhando na igreja; bem antes desse tempo, conta a história que o primeiro grupo de fiéis batistas congregava em uma casa, depois que adquiriram o terreno na praça, construiu uma pequena igreja, essa foi reformada já ficando com uma aparência maior, até que veio a última construção que, graças a Deus, teve meu pai como o seu construtor. Como o prédio da igreja que cresceu, também foi a vida do meu pai em Itapetinga: ele foi vereador, delegado, construtor, mestre de obras e maçom. Naquela época, muitos batistas da PIBI eram maçons, principalmente, os médicos, os políticos e os fazendeiros. Quando o meu pai aceitou a renovação em cristo, saiu da maçonaria definitivamente. Desde que eu era menina que a Igreja Batista está ali naquele lugar, se houve uma Igreja católica antes dela não sei te dizer, sei que quando um padre chegava nessas bandas se dirigia, geralmente, às grandes fazendas para batizar ou casar os filhos dos fazendeiros católicos. Muitos dos moradores da vila iam para as fazendas levar os filhos e 162

eles mesmos para ser abençoados. Muito tempo depois que vi falando da Igreja São José, foi depois dela, que veio a Igreja Nossa Senhora das Graças, mas, onde ela está, antes era uma Congregação Batista, sei disso porque trabalhava ali, varria, arrumava e zelava. Depois aquele terreno foi vendido para os católicos, nunca entendi direito essa história. Naquela época a Primeira Igreja Batista teve muita influência na Itapetinga nascente, existiam grupos que eram chamados de Intermediários; esses crentes (o que me incluía) saiam por essas ruas ainda em formação, indo de casinha em casinha, pregando a Palavra, orando, cantando hinos, muitos daqueles que ouviam levantavam as mãos aceitando ao Senhor. Foi nessa época dos grupos intermediários que conheci o meu marido Nelson; ele namorava com outra moça que também se chamava Elza, – coincidência ou não –, ele havia terminado o namoro, como já havia comprado a aliança, pediu para alguém me entregar, era para eu colocar no dedo. Experimentei, coube certinho, mas, mandei falar com ele que somente daria a resposta depois que tivesse conversado com o meu pai. Fiquei com vergonha de falar, meu pai era um homem muito sério, mas, tive a oportunidade e contei para minha mãe, foi ela quem relatou a história para o meu pai. Ele logo mandou investigar quem era o rapaz e depois disso aceitou o casamento. Dez meses depois, quando já tínhamos arrumado a nossa casa, nos casamos. [Casaram na Primeira Igreja Batista? ] Eu não casei na Igreja, o Nelson ainda não era do Senhor, casei dentro da minha casa. Na época, como o Pastor Samuel estava viajando, o pregador do meu casamento foi um senhor que trabalhava com o meu pai, isto quer dizer, ele e quase toda a sua família. Meu pai pegava as construções e aí botava as famílias para trabalhar, lá em casa quando era dia de sexta feira, enchia de gente recebendo os pagamentos. Era meu pai quem movimentava a construção civil da cidade. [O que significa a expressão “era do Senhor”? ] Significa que estamos fazendo a obra e entregando a nossa vida a Deus, para isso tem que seguir a religião que é a ideal, aquela que foi deixada pelo Nosso Senhor Jesus Cristo. Quando eu me casei, ainda era muito jovem, como toda moça da minha época, sabia cuidar muito bem de uma casa, aprendi as prendas domésticas desde uma idade bem tenra e aperfeiçoei nos bordados. Como Itapetinga era bem quente, ficava costurando e bordando até a noite em frente de casa, o Nelson passava e me olhava. Um dia ele mandou o recado por uma amiga, foi assim, que fiquei sabendo da sua existência. Como já disse, o Nelson não era do Senhor, mas, como ele estava interessado no namoro, começou logo a frequentar a Primeira Igreja Batista só para ficar perto de mim. Quanto ao meu pai, bem próximo do tempo do meu casamento, ficou muito magoado com alguns políticos locais, foi por isso que ele vendeu a nossa casa e foi embora para Minas Gerais. Eu fiquei na região, mais ou menos um mês depois que meu pai partiu, fomos embora para Potiraguá, ficamos lá muito tempo. Foi naquela cidade que o Nelson começou a estudar, foi ali que morreu para a mundo e nasceu para Cristo, enfim, somente há pouco tempo voltamos novamente para Itapetinga, nessa época, já seguia uma igreja Batista mais renovada, foi por isso que saí da PIBI e comecei a 163

congregar na Segunda Igreja Batista, onde estou até hoje. Se existe uma influência da 1ª Igreja Batista, acredito que sim, basta ver que a maior parte das igrejas batistas de Itapetinga são filhas, netas e bisnetas da primeira. Ela foi o embrião.

4.1.4 Senhor Júlio.

Tenho cem (100) anos de idade, completados agora em 08 de julho de 2014; moro aqui ao lado da Concha Acústica há cinquenta e quatro (54) anos. Estou aqui desde que tudo isso ainda era mato, lama e água. Quando cheguei à Itapetinga, saí da minha moradia que era localizada na cidade de Vitória da Conquista. Não se admire com minha idade, minha irmã Telvina está com noventa e cinco (95) anos e tem também uma cabeça muito boa, ainda tem muita energia. [Então isso é coisa de família? ] Oh sim! Temos também a vida aqui em Itapetinga, que é muito tranquila. Quando vim morar aqui, o nome não era Itapetinga, era chamado por Itatinga; naquela época já tinha três filhos, aqui nasceram mais três que são os mais novos. Antes, eu era do lado de lá. [Isto significa que o Senhor morava no centro da cidade? ] Não, ali perto da Igreja dos Batistas só moravam os ricos, morava em um local que deixou de existir depois da grande enchente, foi por causa dela que acabei morando aqui deste lado. [O fato está relacionado aos dois lados do Rio Catulé que cruza a cidade de Itapetinga]. [A área na qual o Senhor mora é considerada como uma das regiões mais nobres da cidade? ] Nem sempre foi assim, naquela época faltava terreno para fazer casa, principalmente, para a classe mais humilde, aí eles conseguiram este terreno com uma verba que, se não me engano, foi o Doutor Guilherme Dias quem arranjou. Essa verba era de setenta (70) contos de reis, Itambé ficou com trinta (30) contos, Itatinga com trinta (30) contos e os outros dez (10) contos não sei onde foi parar. Com essa verba se comprou este terreno, as pessoas mais humildes da vila de Itatinga puderam, então, morar do lado de cá do rio. [Quem era Guilherme Dias? ] Guilherme Dias era médico e administrador geral da vila de Itatinga junto à Itambé. Foi ele que, junto a Aparício Couto Moreira [prefeito de Itambé], solicitou ao deputado estadual Joaquim Hortélio da Silva Filho e ao deputado federal Luís Regis Pacheco Pereira, uma verba federal para os desabrigados da enchente. Houve uma grande enchente aqui em Itapetinga no ano de 1947, o rio Catulé Grande ultrapassou, e muito, o seu leito; naquele período, do lado de lá do rio haviam algumas famílias, o que inclui a minha, tudo foi levado rio abaixo pela forte correnteza. Quando comecei a morar aqui na Concha [o local refere-se a Concha Acústica que fica situada na Praça Guilherme Dias, Bairro Camacã], primeiro foi naquela casinha que fica junto à Igreja Nossa Senhora das Graças. Ali criei meus filhos, depois nos mudamos para essa casa. Naquela época deram a posse [um terreno] para quem podia iniciar logo a obra, para quem podia fazer logo uma casa, era preciso nos abrigar. Todos as posses foram doadas por Doutor Guilherme Dias que, 164

depois da emancipação de Itapetinga, exatamente dois anos depois [1954], foi eleito como deputado estadual. [Guilherme Dias era o dono dos terrenos? ] Não. Isto aqui antes era puro murundu e muito mato, boa parte era um mangueiro onde a boiada de Clero Pedreira pastava e passava quando ia para o matadouro localizado onde hoje é o Bairro Nova Itapetinga. Estas terras pertenciam a um senhor por nome de Manoel Quiabo [Manoel Francisco de Almeida] que morava lá no centro, perto da Praça da Igreja Batista ou, como chamamos, a praça do táxi. Depois, Quiabo vendeu para Otávio Camões de Araújo, conhecido como Tavinho; quando a verba chegou, foi dele que Guilherme Dias comprou toda essa área que agora é chamada pelo nome de Bairro Camacã. Lembro que após a enchente, algumas famílias foram embora do povoado. Parte destas pessoas foram localizadas pelo Dr. Guilherme, sendo trazidas de volta para Itapetinga, ganharam as posses para construir as suas casas. Com esse desfecho acabou, definitivamente, o bairro “enfeza homem”. Nessa terra era muita água, vendo a Itapetinga de hoje não dá para acreditar; por exemplo, naquela rua onde mora o Michel [Michel José Hagge Filho foi prefeito de Itapetinga por três mandatos: 1983-1989, 1993-1997 e 2005-2008] tudo era lagoa, tinha tantas que podemos falar que existia uma carreirinha de lagoas, com o tempo elas foram sendo aterradas, somente sendo deixada aquela lagoa que hoje forma o Parque Poliesportivo. Antigamente Itapetinga era um pequeno pedaço de terra e muita água em sua volta; onde é a praça do boi [Praça Dairy Valley], para ser construída a sede da Prefeitura Municipal, foi preciso, primeiro, mandar aterrar. Isso foi obra de Espinheira, foi ele, também, que mudou a Prefeitura de lugar, antes era ali no Prédio Escolar Dom Pedro II. O centro de Itatinga se resumia ao local que fica a Igreja dos Batistas; era ali onde funcionava o comércio [uma espécie de mercado ao céu aberto] que foi iniciado como uma feira livre de um batista, irmão de Nezinho Ribeiro, o Sinfrônio Ribeiro. Do outro lado do rio tinha as olarias, bem antigamente, antes da enchente, chamavam ali de “enfeza homem”. Este terreno aqui no Bairro Camacã foi doado exatamente para as pessoas que moravam antes no “enfeza homem”. Mesmo antes da grande enchente, chovia muito na cidade, tinha muita mata e todo desmatamento era para formar os pastos, ninguém preocupava com os pobres. Assim, quando o rio enchia, dificultava a vida das pessoas que moravam do lado de lá. As mulheres, para atravessar o rio e ir ao comércio, eram obrigadas a levantar as saias, por isso, o nome do local dos humildes era conhecido como o “enfeza homem”. Eu te contei a história dos pobres que, em maioria, eram vaqueiros, boiadeiros ou trabalhavam nas olarias, agora vou contar a história dos ricos. Tirando Augusto de Carvalho que era um católico devoto, os primeiros grandes fazendeiros que chegaram por aqui eram batistas, depois chegaram os fazendeiros ricos que eram os católicos. A maior parte deles, tanto batistas como católicos, morava perto da praça de táxi – aquela era a área principal da cidade –; tudo acontecia ali, fosse o comércio, entrada e saída de pessoas, festas, ou qualquer movimento que houvesse no 165

povoado. O fazendeiro, quando não morava perto da praça, vivia nas próprias fazendas, muitas delas tinham a sede melhor do que as residências da vila. Uma coisa lhe digo, havia muita paz entre os batistas e os católicos, A convivência entre as famílias Brito, Ribeiro, Campos e Pio com os católicos era muito tranquila, bem pacífica, era muito bom. [E os católicos não rejeitavam os batistas? ] Nunca teve nenhuma confusão, além disso, os batistas eram os fazendeiros e os católicos os vaqueiros, como podia haver confusão? Os batistas, naquela época, eram a maioria; quando cheguei em Itapetinga, a Igreja dos Batistas ainda não era construída. [Perguntei sobre as datas, o Senhor Júlio não respondeu, dando a entender que não se lembrava exatamente quando havia ocorridos os fatos]. Antes, no local onde está o prédio da Igreja dos Batistas, era um terreno destinado para fazer a Igreja Católica, os católicos dormiram no ponto e os crentes mais ativos pegaram aquela Praça, então, para arranjar outra praça, foi preciso esperar por muito tempo. Era de interesse da Igreja Católica comprar aquele terreno onde fica a Igreja dos Batistas. Se bem que já existia uma Capela Católica que ficava perto da lagoa que hoje é a praça do boi [Praça Dairy Valley], ela ficava ao lado onde está o correio; era bem pequena, a capelinha de São José. Foi uma pena, mas essa capela foi demolida por um batista para ampliar a praça do boi. [O fato refere a gestão do prefeito Evandro de Oliveira Andrade prefeito de Itapetinga de 1973 a 1977, que para ampliar a praça cívica da cidade (Praça Dairy Valley) desapropriou algumas propriedades próximas ao núcleo do antigo modelo da praça]. [O senhor sabe de onde vieram os batistas daqui de Itapetinga? ] Os protestantes que chegavam a Itapetinga para comprar terra e criar boi, vinham da região de Conquista e de Itambé; como tinham muito dinheiro, não houve reação da Igreja Católica. Meu primo, que pertencia a família dos Ribeiro, era um desses crentes que tinha condições financeiras, na bem verdade, todos eles possuíam fazendas com grandes rebanhos de boi. Naquela época, as famílias mandavam as moças e os moços para a Igreja Batista, mas, não mandavam para a Igreja Católica, como também muitos ricos, através da Igreja, mesmo que não fossem batistas, mandavam os filhos e as filhas, para o Colégio Batista Taylor-Egídio que fica na cidade de Jaguaquara. [O colégio foi idealizado por batistas, o americano Zachary C. Taylor e o brasileiro Egídio Pereira de Almeida, em 1898 na cidade de Salvador; em 1922, o Colégio foi transferido para a cidade de Jaguaquara (interior da Bahia), funcionando até 1986 dentro de um sistema de internato que atendia, principalmente, aos filhos dos fazendeiros da região]. Foi assim que os fazendeiros batistas foram ampliando o seu número, tanto que se reuniram e compraram aquele terreno da praça. Acredito que o valor do terreno foi um conto de réis, somente muitos anos depois da formação daquele núcleo batista, que o terreno da Igreja Católica apareceu. Acho que foi o Espinheira quem deu uma parte de suas terras ou desapropriou de algum fazendeiro para fazer a Igreja Católica, mas, o terreno escolhido era muito acidentado, por isso levou tempo para 166

construir a Paróquia e a Igreja São José. A sua construção não foi fácil, foi muito sacrifício do povo católico que juntou devagarinho o dinheiro até ter verba para pagar o trabalho dos pedreiros, muitos deles trabalhavam de graça. Muito tempo depois foi que se construiu a Igreja Nossa Senhora das Graças; antes o terreno dessa igreja era dos batistas, mas, o terreno foi comprado por uma pessoa e doado para o Padre João Félix Neto. Ali antes já tinha um centro dos batistas, durante o dia funcionava uma escola e a noite era lugar de culto. Os batistas não queriam vendê-lo, principalmente para os católicos, então, um amigo do Pe. João comprou o terreno em seu nome e passou para a Igreja. Com a escritura em mãos, os Congregados Marianos, o Apostolado da Oração, as Filhas de Maria e alguns integrantes da comunidade formaram o caixa para iniciar a construção da matriz de Nossa Senhora das Graças. A igreja foi oficialmente fundada em 2 de fevereiro de 1962; em princípio, o primeiro pároco da Igreja Nossa Senhora das Graças foi o Padre Altamirando Ribeiro dos Santos. No início era uma Igreja pequenina, foi crescendo aos poucos; isto aconteceu quando os terrenos ao lado da igreja foram acoplados ao já existente. Por exemplo, meu irmão quando morreu, deixou a casa dele para ser doada à Igreja, foi de doação em doação de seus mais antigos membros que a Igreja Nossa senhora das Graças cresceu e hoje é esse belo lugar de oração. Sei dessa história, pois, faço parte da comunidade da Igreja. No geral, a convivência aqui sempre foi boa, o Padre Altamirando quando foi prefeito, recebeu muitos votos dos batistas. Por isso que te falo que aqui em Itapetinga a convivência entre os batistas e os católicos nunca foi acirrada. Agora, sobre a influência, o que posso te falar é que, mesmo sendo católico praticante, reconheço que aqui em Itapetinga perdemos muitos fieis para a linha protestante.

4.1.5 Dona Adotiva

Sou cuidadora da Roça131 que fica no Endereço Travessa 10, Bairro Nova Itapetinga. Nasci em 10 de novembro de 1937, moro aqui na Roça, tenho três filhos (João, Graça e Jorge); deles, a Graça se converteu ao protestantismo e, atualmente, frequenta a Igreja da praça de táxi [ Primeira Igreja Batista de Itapetinga]. O Jorge, continuou católico como eu, mas, põe e lê cartas [um ritual ligado a cartomancia e a leitura das mãos], sendo que hoje é o proprietário da Roça que, antigamente, era residência do falecido Nerisvaldo. Nerisvaldo Lourenço da Silva foi um entre os pais de santos mais famosos da Bahia. O Candomblé daqui foi a raiz, mas, ele tem ramificações em outros lugares como, por exemplo, em Angra dos Reis e Volta Redonda, só que aqui o Candomblé não está mais em atividade constante e não possui mais encontros semanais. A Roça ainda costuma ofertar o caruru e as festas para Ogum,

131 A senhora Adotiva faz referência ao Espaço do Centro de Candomblé como a Roça distinguindo, claramente, o espaço do ato religioso, ao qual classifica como candomblé. 167

Omolu e outros santos [A festas continua a ser realizada como uma rememoração da época que o Nerisvaldo ainda estava à frente do terreiro, mas também, por ser considerada como um ato sagrada. Assim, mesmo que não tenha mais a função da aprendizagem (iniciar um novo seguidor) na “roça” ela se constitui em um fortalecimento do axé. Em Amaral (1992) o sentido da festa, produzido dentro dos terreiros, ultrapassa seus muros e torna-se o elemento que norteia e distingue as escolhas de grupos em relação aos demais e que aponta de que outros grupos ele pode participar]. No meu caso, como já te disse, sou católica. Também estou em uma idade que não aguento mais tocar o trabalho para os santos, apenas sou a cuidadora deles. Isto aqui era bem diferente; na época de Nerisvaldo tinha mais de cem (100) filhos de santo. Ainda era jovem quando cheguei na Roça; tem cinquenta e três (53) anos que procurei o Candomblé por conta de uma enfermidade, fui curada do meu mal e, desde aquela época, permaneci como a sua cuidadora. Entretanto, a Roça já existia antes de minha chegada e tinha a liderança do Nerisvaldo, que era filho de Omolu (cabeça) e Oxum (colo). Até hoje a Roça possui vários quartos para os santos, sendo o primeiro destinado a Oxum. Não sei onde nasceu Nerisvaldo ao certo, creio que ele era de , só tenho certeza que não era de Itapetinga e nem tinha nenhum parente antes de chegar a essa região; quando morreu deixou um filho e sucessor, o Nerismar. Como o rapaz é muito ligado à música, não deu importância ao legado do pai preferindo ir embora para São Paulo em busca do seu sonho. Com a morte de Nerisvaldo, Nerismar vendeu a Roça e a residência da família para o meu filho Jorge. Ele preferiu trocar a Roça por aparelhos musicais, guitarra, bateria, dentre outros instrumentos que nem sei te dizer o nome. Só sei que trocou o tambor por estes aparelhos. Jorge, embora tenha comprado a propriedade, não é consagrado a exercer o ofício; ele não pode ser pai de santo, era Nerismar quem teria que assumir a Roça. Quando Nerisvaldo morreu, o santo, ou se preferir a entidade dele, pediu que tocasse tambor por sete anos, essa Roça era de raiz muito antiga. Assim fizemos durante todo o período, depois disso, não temos mantido nenhum trabalho na casa; somos sempre convidados para ir participar das festas e realizações de trabalhos em Volta Redonda e Angras dos Reis. Lá sim, o povo não é como o daqui, não tem vergonha em assumir que é filho de santo, todo mundo tem honra em seguir o legado de Nerisvaldo. Ainda hoje por esses lugares se encontram muitos filhos e filhas de santo que foram feitos pelo próprio Nerisvaldo. Quando cheguei em Itapetinga vim procurar Nerisvaldo por causa da minha enfermidade, como já te contei. Naquela época, nessa parte da cidade só havia murundu, água e mato; foi assim, que nos permitiram ficar por aqui. Hoje estamos dentro da cidade, antes tudo era muito deserto, acredito que o povo de Itapetinga, mesmo aqueles que se fizeram filho de santo, não queriam ser reconhecidos como frequentadores da casa de Nerisvaldo. O povo daqui ou é católico ou é evangélico, outra religião não há. 168

[A senhora sabe da existência de outras casas de Umbanda ou Candomblé na cidade? ] Que toca o tambor é difícil, aqui no Bairro Nova Itapetinga tinha a filha de Oya [Ìyásan a deusa do rio Níger], uma Ìyálorìsà [mãe de santo] da Nação Angola [herdeiros do culto africano]. Havia uns trinta (30) anos que ela trabalhava em seu terreiro Ilê Axé Iansã [casa da força espiritual da divindade Ìyásan], morreu tem pouco tempo, quando fazia uma homenagem a Iansã que é a Deusa da Espada e do Fogo; ela é a rainha dos Raios e Tempestades. Também esse lugar foi fechado e me parece que a sua filha se converteu em evangélica. Não vejo o Candomblé como uma religião, vejo como uma seita. Pode até ser religião para uns, mas, para outros não é, por isso, quando me pergunta sobre a minha religião respondo sempre que sou católica. Meu filho Jorge também fala que é católico; fomos batizados na Igreja Católica, essa é a minha religião. Além disso, aqui em Itapetinga é muito difícil, a cidade tem sempre perdido parte de sua história quando o assunto são as nossas crenças [afrodescendentes], pois, não tem incentivo, nem dos políticos e nem da população. Para manter esse espaço, como um ponto da história da própria cidade, tudo é feito com nossos recursos. Fica difícil cuidar, limpar... Sempre sou eu e o meu filho; ele tem que trabalhar e eu estou ficando velha para o trabalho. O povo da cidade não se interessa por cultivar e cultuar crenças que são diferentes, isso mesmo, a palavra é essa diferente, pois, é assim que somos tratados. Quanto à sua pergunta sobre a influência, não vejo nenhuma em minha vida, mas, a minha filha, não quis continuar a ser católica e faz parte dessa igreja.

4.2. Lembranças das Gerações Nascidas em Itapetinga

4.2.1. Maurício

Nasci na cidade de Itapetinga exatamente no dia 02 de setembro de 1969; sou filho de Pedro Gomes de Araújo e dona Maria José, conhecida como Anita e casado com dona Telma. Meus pais eram da área do Grapiúna132 [cidade de Itabuna]. Eles chegaram à Itapetinga um pouco depois da sua história ter começado. Aqui tiveram alguns filhos que nasceram lá no alto da Igreja [local onde fica a Igreja São José]; fui o último, quando nasci a família já habitava o Rola Pote133 [Bairro Primavera]. Fomos quase que os primeiros a morar neste local. Dona Anita é uma excelente artesã e meu pai trabalhou no DERBA – [Departamento de Rodagem da Bahia]. A história do trabalho dele aconteceu

132 Nome dado aos naturais da cidade de Itabuna-Bahia. A expressão se expandiu com o crescimento da lavoura cacaueira na região, englobando novos cidadãos de outras localidades, como também, a palavra grapiúna era no início “graaiúna”. Os índios da zona cacaueira a usava para identificar uma ave preta conhecida como “viuvinha”. A palavra grapiúna pode também ter nascido de um equívoco vindo da expressão indígena “igarapé-una”, que significa riacho preto. 133 O nome Rola Pote ocorreu por causa da situação geográfica cheia de declívio onde era localizado um chafariz; ali os mais humildes da cidade se dirigiam para buscar água. Normalmente, o transporte era feito em potes carregados pelas mulheres na cabeça. 169

logo após ter se casado com a minha mãe. Tinha um tio nosso que morava em Itapetinga e possuía uma estreita ligação com José Vaz Espinheira. Meu tio convidou o meu pai para morar aqui e o apresentou a Espinheira, que era Engenheiro Chefe do DERBA; um tempo depois, meu pai já estava trabalhando no DERBA. Itapetinga, em seu passado, possuía dois nomes que, vinculados à política, criaram dois fortes segmentos. Assim, por um lado tinha o grupo do Juvino Oliveira, chamado de humanista e, por outro lado, o grupo de Espinheira, chamado de futurista. A política daquela época era ditada por esses grupos. Meu pai era admirador e seguidor político de Espinheira, tinha a mania de guardar tudo que fosse ligado ao movimento político do futurista. Fosse camisas de campanhas políticas, santinhos, panfletos, bastava ter algum comunicado escrito que entrava para a sua coleção. Essa foi a minha herança e que herança... Ajudou muito a construir as minhas pesquisas sobre o “Itapetinga quero te conhecer” e o meu “Espinheira: o mito”134. O que posso te falar sobre a história desses homens passa, também, por aquilo que pesquisei, por exemplo: Juvino Oliveira, não construiu tanto como Espinheira, no entanto, merece ser relembrado. Por época da emancipação, foi ele quem lutou muito para Itapetinga ser reconhecida como cidade. Assim, quando veio a emancipação, ele se transformou em candidato nato da cidade nascente. Eleito como o seu primeiro prefeito, a grande obra de Juvino foi organizar, em 1956, a exposição agropecuária de Itapetinga. Esse evento atraiu muitos investidores, o que fez alavancar o nome da cidade para ser conhecida no Estado da Bahia e, até mesmo, em outros locais da Federação. Depois de Juvino Oliveira veio José Vaz Espinheira. Foi ele quem fez a infraestrutura da cidade. Ele praticamente era dono de Itapetinga; havia herdado do seu pai, Pompílio Espinheira, a Fazenda Astrolina e a Fazenda Arrebol. O Senhor Pompílio foi, naquela época, considerado como uns dos maiores latifundiários do Estado da Bahia. Nesta região ele havia comprado as fazendas de Augusto de Carvalho, área que, praticamente, compõe o perímetro urbano de Itapetinga. Você sabia que foi Espinheira quem fez a Rótula dos Orixás em Itapetinga? [Por um momento parece refletir sobre a própria questão e complementa]. Uma cidade com tanto cristão e possui uma Rótula chamada de Orixás. Mas, essa não foi uma obra pacífica, ela aconteceu no terceiro mandato de Espinheira, [1977-1983]. O ponto do conflito foi ele ter mandado colocar, no centro da praça, um monumento que foi feito pelo escultor Manoel Bonfim em homenagem aos orixás das religiões africanas. Ainda bem que a obra, mesmo a contragosto, sobretudo dos grupos religiosos, foi aprovada e efetuada. Lembro-me que no transcorrer do processo foram muitas as discussões religiosas que se ouviam para a não aceitação do povo, aquilo não era coisa de Deus. O caráter dos benefícios trazidos por uma obra que possuía um plano de desenvolvimento urbano elaborado para facilitar o trânsito interno da cidade, permitindo o acesso entre as avenidas que ligam os bairros Nova Itapetinga, Otávio

134 As pesquisas efetuadas por Gomes (2002, 2006, 2014) constam nas referências bibliográficas. 170

Camões, Primavera e Camacã à área central, além de possibilitar a ligação interna com a BA 263 [rodovia que liga Itapetinga as três maiores cidades do Sul e Sudoeste da Bahia: Ilhéus, Itabuna e Vitória da Conquista] parecia perdido. A mobilidade urbana foi pouco compreendida por um detalhe [o orixá no centro da praça], esse símbolo trazia um descontentamento para a comunidade que a referenciava como a representação religiosa do próprio prefeito que fora adquirida em sua vida na terra dos Ilhéus e em Salvador. Essa era uma crítica muito mais de cunho de valor religioso do que, propriamente, uma preocupação com o valor econômico que deveria ser utilizado na construção da obra. Foi Espinheira quem fez um sistema de loteamento trazendo muitas pessoas para morar na cidade, dentre essas, permitiu a entrada dos centros de candomblé doando as terras que, atualmente, fica no Bairro Nova Itapetinga. Foi ele quem promoveu a infraestrutura da cidade e as grandes obras de Itapetinga, pois, foi em seus três mandatos como prefeito que foram construídos os postos de saúde, as escolas, o cinturão verde [década de 50] que arboriza a cidade, o sistema hidráulico que até o ano de 2020 – com as devidas manutenções – ainda estará em perfeita condição de uso, o estádio de futebol, o MACI e a popular “Matinha”. [Após a memória da área política, retoma a sua própria vida]. Com sete anos perdi o meu pai [nesse momento a sua voz parece ficar embargada de muita emoção]; foi cedo, muito cedo que ele morreu, mas, não fico triste com essa lembrança acredito que Deus sabe o que faz. [Aproveito o momento e questiono: Você tem alguma religião? ] Deus, isto mesmo, Deus é minha religião. Jesus Cristo é minha igreja. Sou convertido à Igreja Batista Nova Aliança, porém, atualmente, a religião está ganhando um espírito religioso que tem me assustado muito; está havendo muita confusão entre o que é religião e ser religioso. A religião está sendo confundida com desejo e poder, isto eu não entendo, por isso não gosto de falar que tenho uma religião no sentido de Igreja física, não gosto e não quero rótulos quando o assunto é religião. Não entendo a religião com esse caráter; acredito que a religião sempre será Jesus Cristo. Agora, quando quero entrar em oração e comungar essa oração com outras pessoas vou a Igreja Batista Nova Aliança. Antes que você me pergunte se penso dessa maneira porque me converti a uma Igreja, vou contar como aconteceu. Primeiro, o que me levou a Igreja Batista Nova Aliança foi ter ali encontrado a pregação genuína do Evangelho. Segundo, vou te falar que não acredito na sua hipótese que a 1ª Igreja Batista tenha alguma influência sobre a representação e identificação da religiosidade na cidade; comigo pelo menos não. Minha família, como disse, veio de Itabuna. Era católica, eu também era católico, como muito católico que tem por aí, havia sido batizado quando pequeno, mas, não frequentava a Igreja, quando me perguntavam qual era a minha religião respondia sempre: “– Sou católico”. Da família, hoje, tenho uma irmã, a Marinalva Gomes, que é batista desde a década de setenta. Eu também me converti a religião evangélica, mais ou menos, na década de oitenta, mas, 171

lembre-se que estou muito distante de uma questão religiosa vista apenas em uma ordem convencional, pois, volto a afirmar que a minha igreja é Jesus. Outra coisa que merece destaque foi o papel fundamental da minha mãe. Na época em que me converti, quando um filho de católicos se convertia a evangélico, muitas vezes a família até mesmo o expulsava de casa, não foi o meu caso, minha mãe, mesmo sendo católica praticante entendeu e incentivou a ideia. Na época em que me converti era recém-casado com a Telma que também é convertida. [Qual era religião de sua esposa? ] Ela era católica, mas também não era praticante. Bem, na época da minha conversão tinha uns vinte e poucos anos de idade, havia ido com um amigo, hoje já falecido, até a Igreja Batista do Calvário. Ali houve um momento especial, uma pregação maravilhosa feita pelo Pastor Amilton Nunes Carvalho que, por ser biólogo de formação, começou falando sobre o átomo. O seu discurso trazia a ideia que “o átomo é a menor partícula, tanto capaz de identificar um elemento como participar de uma reação química. O átomo é o menor componente de toda a matéria existente. Sendo, então, impossível dividi-lo em partes menores. Ele é composto, pelo menos, por um próton e um elétron, podendo apresentar nêutrons [...]”. E o pastor continuou falando até que finalizou com a ideia do tanto que o “átomo é importante como parte da composição da matéria”. A partir dessa exposição fez uma analogia entre o átomo e a vida humana, trazendo a ideia sobre a importância e a representação que temos para Deus. Em suas palavras dizia que, por menores que fôssemos dentro do universo, éramos importantes por demais para Deus. Aquelas palavras tocaram o meu coração. Quando ele perguntou quem iria lá na frente, não pensei duas vezes e lá estava me confessando, me entregando a Jesus. Naquele mesmo ano, o Pastor Amilton acabou por constituir a Igreja Batista Nova Aliança de uma congregação já existente. Inicialmente, a Igreja funcionou ali onde era o Casarão [um restaurante, bar e boate]; como nessa época morava no Bairro Vitória Régia acabe, pela proximidade, frequentando a Nova Aliança. Tenho um profundo respeito pelo Pastor Amilton, homem íntegro que tem como base de vida o Evangelho. Também continuo na Igreja Batista Nova Aliança porque no seu espaço eu encontro a palavra do Senhor e não a ditadura da “Teoria da Prosperidade”, tão comum em tantas outras denominações ou ministérios. Não vejo ali as hipocrisias que tanto desaprovo como, por exemplo, posso citar as ações de pessoas que usam o nome de Jesus para apontar aquilo que não concordam ou que não aprovam, por considerar que seja diferente do que sentem ou acreditam. Passei há pouco por uma experiência muito desagradável, exatamente por causa dessas hipocrisias. Meu último Livro: “AIRAM e o Herdeiro de Lúcifer", que lancei aqui em Itapetinga no dia 12 de setembro de 2014, como todo evento desse tipo teve vários convidados. Dentre eles, tinha um radialista que é um amigo pessoal, ele é um católico convicto, veio ao evento, levou e leu o livro. Alguns dias depois, fui convidado por ele para participar de uma programação, pensei que se tratava 172

de alguma coisa relacionada a pasta da cultura. Quando estávamos em pleno ar, meu amigo radialista começou a falar sobre o livro, discutindo sobre pontos que, em sua leitura, havia considerado importantes. Quando já estava encerrando a entrevista, ele tomou a palavra e se dirigiu ao público dizendo: “– Meus irmãos católicos que tanto me recriminaram por ter ido ao lançamento deste livro e me escreveram...”; a partir daí ele começou a criticar a forma da ação das pessoas que julgavam o livro apenas por sua capa, por seu título, sem nem mesmo saber do que se está falando. Foi assim que descobri o tanto que alguns católicos e, até mesmo, alguns evangélicos da cidade estavam me criticando por ter usado o anagrama AIRAM que, se lido de trás para frente, significa MARIA. Estava sendo criticado como se houvesse faltado com o respeito à crença alheia. Repudiaram o livro sem nem mesmo saber que ali faço toda uma discussão sobre a importância da Mulher e Mãe na figura de Maria. O nome “Airam”, encontrado no mesmo trecho que “Lúcifer”, parte da capa do livro, foi a única coisa percebida. A mensagem positiva que o livro tem, no que diz respeito à vida humana, se perdeu em prol de apenas se analisar a sua capa. Isto me lembra uma história de uma pessoa chamada Caio Fábio D'Araújo Filho. Não sei se você conhece... [Balanço a cabeça afirmando que sim e ele continua]. Eu o admiro muito. O pai de Caio era presbiteriano, razão dele ter se aproximado dessa denominação [Igreja presbiteriana]. Em 1971, depois de buscas intensas e de fortes experiências, converteu-se ao Evangelho de Jesus Cristo. Mas, antes foi uma espécie de hippie; gostava da música dos Beatles e dos Rolling Stones. Tinha muitas namoradas, gostava de lutas orientais e de motocicleta. Depois de se converter, acho que um pouco depois dos dezoito anos, Caio começou o seu trabalho com a obra do Senhor, chegando a ser o presidente da AEVB [Associação Evangélica Brasileira] e fundador da revista Vinde, que hoje é a Eclésia. Caio foi um homem de Deus, foi um expositor e divulgador da fé evangélica pelo Brasil. Além disso, ele esteve à frente do projeto “ Fábrica da Esperança” [instalado na cidade de São Paulo], que realizava um trabalho assistencial, sendo considerado como o maior da América Latina. Esse trabalho não teve muita divulgação na grande mídia, acredito que seja a falta de interesse da nossa imprensa quando deve divulgar algo realmente importante. Na década de noventa, Caio teve um caso extraconjungal com a sua secretária, os evangélicos [cita nomes de representantes famosos que hoje estão inseridos dentro da política do Brasil, por essa razão aqui foram omitidos] que antes o admiravam e elogiavam passaram a recriminá-lo. Diante disso, ele escreveu em um artigo publicado na Revista Vinde: “o exército de Deus é o único que deixa os seus mortos para trás”. A frase marcou a minha vida; depois dela, tenho refletido muito sobre a religiosidade, no sentido de perguntar, onde está o amor de Jesus Cristo nos discursos e atos de pessoas que defendem esse ou aquele tipo de cristianismo? Você sabe que o convertido morre para o mundo e nasce para Cristo; como, então, quando uma pessoa é de Cristo e comete algum ato que não tem a aprovação, pode ser abandonado? 173

Outro exemplo também publicado na mesma revista, foi uma entrevista dada a um repórter que lhe perguntou: “ei Pastor Caio, o diabo realmente conseguiu lhe tentar”. Ele respondeu imediatamente, “quem é o diabo para me tentar, se eu não quiser”. Isso, ao meu ver, é de uma dignidade, ou seja, você deve assumir a sua responsabilidade e não fazer como muitos fazem, escondendo atrás do diabo para não reconhecer a próprias falhas. Incluindo, como conta em sua autobiografia, atualmente, tem uma relação muito boa com a ex-esposa. Ali relata que antes de se converter era muito namorador e acabou tendo uma gravidez sem planejamento, o que o levou a se casar, mas, aquela pessoa, mesmo sendo muito querida como amiga, não era a companheira escolhida para a sua vida. Não estou aqui para julgar se concordo ou não com a ação do Caio, tenho também meus princípios, o que coloco com esse modelo de vida são as hipocrisias que não consideram a única coisa que deveria existir como religião, o amor que Cristo pregou, isto que é importante e essencial. A questão “se não vem pelo amor vem pela dor” não existe, não pode existir, Deus é amor, seria contraditório demais pensar o contrário. Como é contraditório quando um político entra e desfaz o que o outro fez. Para você entender isto de uma forma melhor, vamos falar um pouco da festa de São João em Itapetinga. O São João até 1996 acontecia pelas ruas da cidade. O prefeito José Otávio, que foi eleito por duas vezes para prefeito [1997-2000 e 2001-2014], acabou com as festas de rua e criou a festa de largo, estabelecendo, como ponto de referência, a Central de Abastecimentos, colocou o nome do evento de “Arraiá da Pecuária”. A festa acabou se transformando em um grande movimento; muito turista, muita gente do entorno da cidade. Quando Michel Hagge assumiu o terceiro mandato [2005-2008], a Prefeitura tirou a festa lá da Central de Abastecimentos e a levou para o Parque Poliesportivo da Lagoa, colocando o nome de “Arraiá do Catolé”. Michel simbolizava, com o nome, o seu projeto de campanha que era revitalizar o Rio Catulé. Com isso, deu uma marca própria para a festa, cujo objetivo é o desenvolvimento do turismo. Quando assumimos a Secretaria de Cultura no primeiro mandato do Zé [José Carlos Cruz Cerqueira Moura (PT) - mandatos: 2008-2012 e 2012-2016], por época da festa, o pessoal da administração veio me perguntar qual deveria ser o nome da festa. Ora nem pensei duas vezes, a festa de São João deveria ser chamada, exatamente, pelo nome de “Itapetinga”. Fui rechaçado imediatamente, pois, queriam que fosse colocado a marca da campanha do prefeito. Consegui convencê-los com um argumento: a festa é de Itapetinga, quem tem de ser reconhecida em outras localidades quando se anuncia uma festa deste tipo é a cidade, depois quem iria saber onde fica o arraial disso ou daquilo. O nome propagado deve ser o de Itapetinga e não o de um slogan de uma campanha política. Com isso, desde que assumimos a pasta da cultura, as propagandas que fazemos da festa traz nome de “São João de Itapetinga”. Espero que a gestão vindoura não mude mais essa característica, porque é muito caro propagar esse tipo de cultura para trazer turistas para a cidade. [Essa não é uma 174

festa religiosa? ] Não. Bem, se os católicos pensam como uma festa religiosa não vou discutir, mas, a festa junina promovida pela Prefeitura é uma festa turística. Quanto à sua questão sobre o protestantismo em Itapetinga, diríamos que hoje parece estar na moda ser evangélico, diferente de antigamente que, se comprometer com a fé evangélica, gerava até aversão, hoje até a música gospel brilha e muito. Aqui mesmo são vários shows, há alguns dias mesmo teve um que me deixou embebecido. [Além dos shows existem outros movimentos públicos dos evangélicos na cidade? ]. Existem sim, são encontros públicos que, aos olhos de muitos, podem parecer festas, mas, não são festas, pois, de fato tem um espírito religioso. Sobre esse aspecto, o que posso te dizer é que aqui tem dois grandes eventos: “A marcha Itapetinga para Cristo” e o “Jesus Vida Verão”. Antes, quero esclarecer um detalhe, mesmo que o Estado seja laico e não possa ser identificado com esse ou aquele credo religioso, isso não o impede de apoiar a vida religiosa. Em Itapetinga esse apoio Estado/religião se traduziu nos seguintes aspectos: sempre existiu uma bancada evangélica dentro da câmara de vereadores, foi a partir dessa bancada, mais ou menos, há uns 16 anos, nomeadamente com a Nair Lima Duarte [Vereadora que tinha a filiação ao PFL] e o Benilson Leite conhecido como Chiquinho [Vereador eleito por vários mandatos, com filiação ao PFL e atualmente, DEM] que se formou o projeto de lei instituindo“ a Marcha Itapetinga para Cristo”, que ultimamente está orçado em 80.000 mil Reais. A Marcha Itapetinga para Cristo é acompanhada por milhares de pessoas, dentre as quais se encontram fiéis de outras religiões; não é só uma marcha de evangélicos então, isto ao meu ver, justifica a contribuição financeira do município. Ela acontece todo dia 12 de dezembro de cada ano, exatamente no dia do aniversário da cidade. É um movimento que passa por várias ruas e praças e finaliza no Parque Poliesportivo da Lagoa com o culto de gratidão a Deus. Inicialmente, esse foi um projeto realizado pela OMEI [Organização de Ministros Evangélicos de Itapetinga] que, agora, deve possuir umas trinta igrejas evangélicas filiadas. Quanto ao projeto o Jesus Vida Verão, ele foi orçado em 130.000 mil reais. Como evento evangélico, inicialmente nasceu de um movimento que foi organizado pela Igreja Batista do Calvário, depois cresceu e acabou tendo a gerência de várias pessoas da cidade. A partir daí, foi solicitado aos vereadores da bancada evangélica que o constituísse como lei. Feito isso, ocorre uma vez por ano, durante três dias no período do verão. Atualmente, o Jesus Vida Verão se transformou em um dos principais eventos públicos da cidade, muito conhecido em todo o Estado da Bahia. O evento traz muitas pessoas de fora, isto fortalece a economia local então, como pode perceber, os recursos da Prefeitura não estão totalmente ligados somente às questões religiosas, pois, são movimentos religiosos que acabam por fomentar o turismo na cidade. [Então a Marcha Itapetinga para Cristo e o Jesus Vida Verão são eventos como a festa de São João, ou seja, são eventos turísticos? ] Não, o São João tem natureza turística, é tanto que o recurso municipal para essa festa é muito maior. Já a Marcha e o Jesus Vida Verão têm natureza 175

religiosa, o que não impede que também promovam o turismo. Ainda tem o São José, que é o Santo Padroeiro da cidade, sempre reverenciado com atividades festivas e religiosa em 19 de março. Mas, essa é uma celebração que não é muito divulgada na cidade, pois, fica dentro dos muros da Igreja Católica. O santo padroeiro herdamos do pioneiro Augusto de Carvalho que era devoto de São José. Foi ele quem construiu a primeira Capela Católica que era próxima à Praça Dairy Valley e quis construir a igreja definitiva em um local alto que também, naquela época, era costume brasileiro; não conseguiu, pois, a Igreja de São José definitiva nasceu bem mais tarde, mas, se analisarmos mais de perto, poderíamos dizer que a sua construção atendeu a perspectiva do pioneiro, sendo edificada em um lugar alto, pois como sabe foi fundada em frente à Praça Duque de Caxias. A Igreja São José foi a primeira na linha católica a ser construída em Itapetinga; antes dela só havia a PIBI, no meu pensamento está aí a diferença que existe em Itapetinga, a Igreja Católica ficou recuada e a Igreja Batista se instalou no coração da cidade. Este é um ponto que todos os historiadores da cidade concordam, Itapetinga é uma das raríssimas cidades brasileiras que teve o seu desenvolvimento urbano em torno de uma Igreja protestante. Até porque Aquilino Brito que era um dos grandes pecuaristas e latifundiários da região era protestante, foi ele quem comprou aquelas terras e deu o pontapé inicial para a construção da Igreja. Existe uma carta que foi deixada por ele, você poderia conseguir uma cópia e fazer o registro. Ali conta a história com detalhes. Fomos nós também que nesta gestão, à frente da pasta da cultura, colocamos e inauguramos o busto de Augusto de Carvalho [produzido pelo artista Sergio Carvalho Gomes] e colocamos na praça bem em frente a Primeira Igreja Batista. Esse ato foi uma homenagem ao pioneiro Augusto de Carvalho, pois, foi quem começou a nossa história. Engraçado, a posição que foi colocado o busto parece que está ali olhando a Igreja [risos], nem foi proposital foi, antes, estratégico, pois, onde está o busto é o início da praça. Olhando bem, o busto e a praça parecem um prolongamento da igreja. No dia da inauguração a filha de Augusto de Carvalho, a Marieta Paim135, que morou muito tempo na Espanha e hoje está morando novamente em Itapetinga, não estava presente por questão de saúde. Foi representada pela sua filha, Maria Augusta Carvalho Paim, que nos honrou com aquele belíssimo discurso. Foi emocionante colocar aquele busto na Praça Augusto de Carvalho, foi ressignificar a própria história de Itapetinga, dando um lugar de honra àquele que um dia formou um pequeno povoado, começado exatamente naquele local, pois, foi ali onde foram feitas as primeiras casas; aquele é de fato o embrião da cidade. [Gostaria de lembrar algumas questões que foram colocadas; primeiro, disse que é da Igreja Batista Nova Aliança originada de uma congregação da Igreja Batista do Calvário, na qual o Pastor Amilton foi o organizador? ] Sim, foi exatamente isto que aconteceu. [Sabia que a Igreja Batista do

135 A senhora Marieta Paim faleceu no dia 24 de maio de 2015. 176

Calvário foi organizada pelo Pastor Misael Sena Silva na década de 1970 e que foi originada de uma Congregação que era da Segunda Igreja Batista de Itapetinga que, por sua vez, foi fundada a partir de uma Congregação organizada pela Primeira Igreja Batista? ] Sim, sabia. [Diante disso, ainda reafirma que a existência da Primeira Igreja Batista de Itapetinga não influenciou as representações e identificações religiosas da cidade? ] Pensando bem, o Pastor Samuel, junto a PIBI, fez muito pela história de Itapetinga; eles tiveram um papel fundamental no processo educacional, na saúde e na própria política, mesmo não estando diretamente envolvidos dentro dela – a não ser na época do Prefeito Evandro Andrade [1973-1977], foi ele quem demoliu a primeira capela católica para ampliar a praça cívica; ele foi o único batista a concorrer e ocupar o cargo de Prefeito Municipal na cidade de Itapetinga. Muitos dos nomes ilustres da cidade pertencem ou pertenciam à Primeira Igreja Batista, foram eles que construíram a história dessa cidade. Atualmente congrego em uma Igreja que, como você relatou, teve o embrião na Primeira Igreja Batista. Realmente, pensando por esse lado, a PIBI teve muita influência religiosa sobre esta cidade. Incluindo quando estudava na UESB, percebia que havia uma grande quantidade de evangélicos, não sei se era a maioria, mas, era perceptível um grande número de evangélicos inseridos naquele espaço. Essas são pessoas que moram em Itapetinga e que também constroem a sua história. Ainda mais se for pensado que a PIBI, no início, era frequentada pela elite de Itapetinga, ela era uma Igreja de elite. Havia, naquela época, uma divisão entre as famílias ricas – uma parte era católica e a outra, pertencia à Primeira Igreja Batista –, muitos que ali frequentavam também faziam parte da maçonaria; se tomar essas questões, podemos analisar que houve alguma influência. No entanto, há de lembrar que se a raiz foi a Primeira Igreja Batista para a congregação que formou a Igreja Batista do Calvário que, por sua vez, formou a Igreja Batista Nova Aliança, ambas tiveram a sua origem na Segunda Igreja Batista que, atualmente, faz parte da Convenção Batista Nacional (CBN). Se tomamos como ponto de partida que a Primeira Igreja Batista de Itapetinga pertence à Convenção Batista Brasileira (CBB), isto já traz uma diferença entre as posturas religiosas das respectivas Igrejas. Talvez por essa razão, a história parece tomar sentidos diferenciados e a nossa memória fica longe de acreditar que a PIBI tenha influenciado as nossas vidas ou escolhas religiosas.

4.2.2 Sandra

O seu trabalho com a memória realmente é uma boa opção, pois, a Igreja Batista, tem setenta e cinco (75) anos oficialmente na cidade, mas, ela já tinha 10 anos ou mais quando foi oficialmente registrada como Igreja. Para falar sobre o desenvolvimento da sua história, indico-lhe o Pastor Samuel e para falar como foi o começo da história, a aquisição do terreno na Praça, veja se consegue uma Carta que foi escrita pelo Senhor Aquilino Brito, que já faleceu. Ele foi membro fundador da 1ª 177

Igreja. Sei que tanto o Pastor Samuel, que ficou mais de 50 anos como pastor da Igreja, como as memórias deixadas por seu Aquilino, têm muito a te dizer. Meu pai, que tem 76 anos sabe muito dessa história, ele mora aqui há muitos anos e é membro da igreja. Ficamos um tempo fora, mas, ele já era da igreja; ele sofreu influência da sua família. [A família dele era batista? ] Os pais dele eram, nós temos aí uma influência geracional. Por exemplo, meu pai saiu daqui e foi membro fundador de uma igreja em Teixeira de Freitas; essa geração antiga, como a do meu pai, da minha tia Lúcia, todos eles são de uma geração que marcou uma época em Itapetinga, todos eles eram e são da Primeira Igreja Batista de Itapetinga. Eu tenho quarenta e seis (46) anos, não sei muito do que aconteceu no passado, não sei muito sobre a história da construção da PIBI e nem porque está na praça, mas, sei que existe uma influência da Igreja na vida da cidade. Sei disso porque desenvolvi uma sensibilidade de pesquisadora, isto se deve ao meu mestrado, pois, trabalhei com as representações sociais, tendo por método o grupo focal. [Em que trabalha e qual é a sua formação? ] Fiz Geografia, trabalho na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), no Campus de Vitória da Conquista, [Trabalha lá e mora aqui? ]. Sim, minha família toda mora aqui; gosto muito da história de vida que encontramos nas memórias. É interessante perceber como se desenvolvem as questões sociais e culturais, por isso, acredito que o seu trabalho é interessante, trazer à tona a memória dessa cidade é muito importante, não só para a Itapetinga, mas, também, para a região. Neste aspecto, a entrevista com o Pastor Samuel vai ser o ponto alto de sua pesquisa, ele é referência no campo religioso, não só daqui, mas em toda a região. A PIBI sob a liderança do Pastor Samuel já formou outras congregações e outras igrejas em cidades em torno de Itapetinga. Então, como vê, a influência religiosa da PIBI extrapola os limites da cidade. Seria interessante também você frequentar a 1ª Igreja para conhecer um pouco da liturgia, da doutrina, se aproximar dessa família batista para perceber que a PIBI tem uma relação com a fé, mas também, com o itapetinguense como ser social. Sobre esse fato, acredito que a Igreja tem uma importância não como símbolo, mas, como espaço de união, de ligação entre as pessoas, tanto aquelas que a frequentam como, também, com as outras pessoas da cidade. [O que significa a frase: a igreja tem relação com a cidade? ] O que quero dizer com isso, vou exemplificar com a história da minha própria vida. Já fui da PIBI; quando era pequena ficava encantada com os vestidos que usava para ir à Igreja, isso ficou marcado em minhas lembranças. Atualmente, estou congregando em outro ministério, não que o lugar no qual estou seja pentecostal ou neopentecostal, somente tem uma linha, digamos assim, mais renovada. Isto aconteceu há três (3) anos. Foi na transição do Pastor Samuel para o Pastor Adelson Augusto Brandão Santa Cruz. [Fica por alguns segundos em silêncio, em seguida elucida]. Espera, é melhor esclarecer esse ponto, o que estou querendo dizer, não significa que o Pastor Samuel Oliveira Santos [interrompe novamente as lembranças, procurando uma maneira diferente para falar]. Não, o Pastor Samuel, não 178

tem uma linha mais renovada, pelo contrário, ele interage perfeitamente com a linha mais tradicional da 1ª Igreja. Mas o que estou chamando de tradicional? É o modelo mais fechado de liturgia. Enfim, eu queria uma linha mais avivada. [Qual a igreja que você frequenta agora? ] Estou, melhor, estamos em um ministério pequeno que tem parceria com Niterói, chama se Igreja Cristã Apostólica. Ela é bem pequena, mas, gosto de estar ali, me enche de vida. Mas, voltando à relação entre a PIBI e a cidade, o importante é saber que toda a minha formação religiosa foi na PIBI, foi nesta igreja que formei os meus conceitos, isto a gente leva para a vida, isto repassamos para as pessoas de nossa convivência. A mesma herança que recebi da PIBI também está em muitos corações e lugares da cidade; se vai para o Bairro Nova Itapetinga, ali encontra a Segunda Igreja Batista, que mesmo tendo uma linha religiosa sob uma perspectiva mais aberta, menos tradicional e pertencer à Congregação Batista Nacional, a semente dela veio da PIBI; se vai para a Vila Isabel, ali se encontra uma Igreja batista que foi originada pela PIBI; se vai para o Bairro Clodoaldo Costa, encontra a Igreja Batista Betel que é filha da PIBI, somente aí já se tem um mapa da cidade, portanto, acredito que existe muita influência religiosa da Primeira Igreja Batista pelos espaços da cidade. Antes de ir para a UESB, trabalhei muitos anos com a educação básica no Colégio Modelo [Colégio Estadual Eduardo Carlos Magalhães]. Ali fazia alguns trabalhos com a comunidade, em um deles, vi muitas fotos do acervo particular do Pastor Samuel que, pela sequência, era a própria história de Itapetinga e da PIBI. Como sempre diz o Pastor Samuel, essa é uma história que, de fato, se confunde. O Pastor Samuel, mesmo aposentado, continua como uns dos líderes emérito da PIBI. E se ela tem uma linha tradicional, nem por isso tem poucos membros, ao contrário, permanece com as inúmeras reuniões como, por exemplo, as reuniões das senhoras, as reuniões dos jovens, ela [a Igreja] ainda continua com uma membresia muito forte. [Não entendo e pergunto: forte em que sentido? ] Tanto em número como em representação, pois, dentre os seus membros se encontram pessoas de todos os setores da cidade. Você pode encontrar o registro destes nomes nas atas, pois, nelas constam quem entra, muda ou sai da Igreja. [A Igreja também possui outros documentos que são de ordem local? ] Sim, possui o estatuto. É nele que constam todas as decisões que são tomadas pelos membros da Igreja. Assim, mesmo que exista a Convenção, como a da PIBI que é a Convenção Batista Brasileira, existe uma democracia, tudo que acontece é decidido conjuntamente pelos membros da Igreja local. A Convenção se relaciona com as igrejas em decorrência dos laços cooperativos, todavia, reconhecidamente, as igrejas locais são autônomas. A convenção cria uma interdependência entre as igrejas, mas, não é uma ordem central como, por exemplo, não é a mesma relação que tem o Papa com as Igrejas católicas, na Igreja Batista não existe essa hierarquia.

179

4.2.3 Moisés

Na memória há estrutura, classificação, sistematização; torna assimilável, edifica o saber compartilhado, o pensamento coletivo. Resgate dos acontecimentos, ressingnifica o passado e revela o presente. É o não-esquecer (Aleteia) contra o esquecimento (Léthe). Há coisas que queria esquecer, mas, sou obrigado a lembrar e quando faço isso, eu faço de forma dolorosa, porque não posso mudar. Ah! A memória, nunca minha, acho que sou mais dela do que ela minha. No candomblé, duas divindades regem isso, Ori e Orumilá. Ori é a divindade individual de cada um e Orumilá, o grande memorialista divino. Nada escapa de seus registros. Ele é a testemunha do destino. Nasci em dois (2) de fevereiro de 1981, em uma família simples, pobre e sem escolaridade alguma. Sou o primeiro de três (3) irmãos; meu pai era motorista e minha mãe, dona de casa. Apesar de não passar fome ou miséria, minha infância foi muito limitada economicamente. Fui criado sob uma cultura católica popular, apesar de que quando me lembro da primeira infância, entre cinco (5) e sete (7) anos de idade, não gostava muito da Igreja Católica. Meus irmãos, sendo mais novos, foram batizados primeiro do que eu. Sempre fui doente e meus pais sempre apelaram para esse cristianismo popular, diante das privações materiais e minha doença. Uma vez fiquei indo para os Testemunhas de Jeová, mas, logo saí do mesmo jeito que entrei, bem rápido. Lembrei de um episódio quando tinha bem uns seis (6) ou sete (7) anos, indo com a minha vó, a Dona Maria, para a missa, ia obrigado, assim, saía com meus primos no meio da celebração para assistir os trapalhões na Padaria São José. Um dia destes, voltando da Igreja São Francisco, virei para minha vó e perguntei o que fazer para ser padre e se eu poderia ser padre. Ela respondeu que não, porque eu tinha a boca muito porca e falava muito palavrão. Não tomei aquilo como verdade absoluta, pois, aos doze (12) anos, resolvi participar, com meus colegas da rua e de escola, do grupo de coroinhas. Foi uma espécie de virada importante, pois, comecei a ser mais sociável, ter uma noção de comunidade. Foi algo importante ir além da família, vizinhança e escola. A teologia da libertação estava em alta. Aí fui participar do grupo de coroinhas. Depois a crisma, o grupo jovem, tudo naquele clima franciscano. Nunca entendi, na verdade, porque era uma Igreja Batista que estava no centro da cidade. Uma vez me disseram que o centro era onde ficava a Igreja São José e, por birra do padre, ela estava onde estava. O protestantismo na cidade era, para mim, algo muito estranho e pouco corriqueiro. Apesar de ter vizinhos e conhecidos, protestantes eram por mim vistos como gente estranha. Eu pensava assim. Não havia uma ideia da guerra pelo mercado religioso-cristão, mas uma indiferença. Para mim, foi sempre gente esquisita. Depois comecei a corresponder-me com os Paulinos, uma congregação religiosa onde fui ser religioso e fiquei por seis anos. De forma mais profunda tive aula sobre o cristianismo, teologia, bíblia, o básico de uma formação religiosa, mas, de uma forma intensa, fui me aprofundando nesse universo. Conheci muitos intelectuais católicos, filósofos e teólogos do mundo inteiro, pois fazia 180

parte de uma congregação muito engajada, tendo como trabalho os meios de comunicação, editora, radiodifusão e etc. Nesse tempo fiz o curso de comunicação social e filosofia, tendo formações paralelas da Instituição. Quando estava na filosofia tive uma crise vocacional e pedi para sair, o que foi um choque para mim, os meus superiores na congregação e meus pais. Voltei para Itapetinga, formado em jornalismo e com uma bagagem muito boa de estudos clássicos e religiosos. Pensei que a crise fosse apenas vocacional e comecei a atuar na comunidade religiosa católica, mas, não consegui. Fui trabalhar como repórter em um jornal local, ao mesmo tempo que estudava pós-graduação. Foi uma experiência interessante e pedante. Me afastei do catolicismo, das práticas religiosas cristãs e aquilo ficou indiferente para mim, inclusive as outras formas cristãs. Por mais que eu não quisesse, aquilo perdeu o sentido. Apesar de carregar uma bagagem de estudos nessa área, para mim, foi como uma perda de tempo. Inclusive virei uma espécie de agnosticismo crítico para com tudo. Até mesmo busquei fundamentos para poder criticar o cristianismo. Como repórter, tive a oportunidade de escrever matérias enquanto via o poder simbólico das religiões na comunidade. Me aproximei do pensamento que via essas religiões cristãs como um atraso de vida, uma espécie de ópio, anestesia. Foram momentos muito difíceis de superar. Momentos de interrogações e lacunas muito intensas para um jovem. Achava que religião era um mal na humanidade. Na cidade de Itapetinga, principalmente, nos arcabouços do protestantismo. Essa era uma cidade inegavelmente protestante. A revolta que tinha na época era intensa, muito louco, mas fez parte de meu crescimento humano, minha libertação. Não é fácil libertar-se de certas amarras religiosas fundamentais, impregnadas por um catolicismo tão presente na cultura brasileira, somado a isso a convivência dentro de uma cidade protestante. Assim que ingressei como professor na UESB e, depois, UNEB, essa angústia diminuiu porque pensava em algo bom que estava fazendo. Esqueci um pouco dessas coisas, mas, a crise existencial persistia, disso ficou um vazio. O mesmo vazio que achava que Itapetinga tinha com aquela imensa Igreja no centro da cidade, me lembrava a hipocrisia moral da cidade, do Brasil, das pessoas. Mas, como profissional da Educação Superior, tinha que ter mais brio e sofisticação no pensar sobre a religião ou as religiões. A primeira questão que me surgiu foi como um pai de santo poderia se estabelecer em Itapetinga, dizem que aqui tem alguns, mas, eu não conheço. Fico imaginando uma pessoa praticando uma religião de matriz africana em uma a cidade como esta, predominantemente protestante. As pessoas aqui, mesmo aquelas que, por ventura, frequentem a um candomblé ou a uma umbanda, não vão assumir publicamente. Hoje é um estigma, infelizmente. Agora tem algumas questões interessantes nesta cidade. Porque uma cidade fundada por protestantes tem um monumento aos Orixás? Nem toda cidade baiana tem. Contam que este monumento foi erigido por Espinheira que era do candomblé. Não sei se isso é verdade. O Cine Teatro Fênix, com afrescos de Mario 181

Cravo136, foi vendido para Igreja Universal; tinha como dono o Camilo que, antes de morrer, havia sido pai de santo, mas, depois cedeu e se converteu ao protestantismo. Como era permitido essas situações? Hoje as questões estão mais declaradas, não avançamos, pelo contrário, se tem mais preconceito, até porque o sucesso do mercado simbólico das religiões neopentecostais tem deixado a mitologia bíblica de lado, passando a explorar o universo afro-brasileiro. Tudo é demoníaco, tudo é satanismo. Existe um sincretismo que os neopentecostais fazem sobre a mitologia das divindades africanas que tem sido pouco explorado e criticado. Ao meu ver, Itapetinga é o que é por conta disso, dessa história macabra que junta o Brasil católico, protestante e pentecostalismo local. Para mim, reforçado pelo combo do subdesenvolvimento. A moral, os preconceitos, os ódios, tudo emaranhado na cultura fornecida por Igrejas e religiosos extremamente frustrados, frustrantes e recalcados. Desculpe-me a sinceridade: saudade da teologia da libertação. Certa feita fui trabalhar na escola batista da cidade, convidado por um colega da Universidade. A minha esperança se transformou em frustração. A mesma hipocrisia social de Itapetinga se encontrava no universo micro da escola. No banheiro dos professores o escrito: “o Salvador do mundo está olhando para você”. Essa foi demais.... Contam-me que Itapetinga foi fundada ou afundada por um grupo protestante; os católicos vieram por ousadia hegemônica. A cidade tem uma Praça da Bíblia, muitas igrejas, Marcha para Cristo, Jesus Vida Verão e marcações que sempre lembram seu protestantismo. E, só para contrariar, uma Praça dos Orixás. Em Itapetinga, onde viveu um dos mais famosos pais de santo da região, o Nerisvaldo, o seu nome sequer é lembrado, como também não é lembrada a história dos negros, pois, a religião dos descendentes dos africanos fica escondida por trás das banalidades, como “coisas do diabo”. A cidade cresce e as igrejas se multiplicam, também, como no Brasil, as relações econômicas da fé se solidificam em busca de poder. Cada vez mais os protestantes se inserem no poder político local com seus currais eleitorais. O que foi a história dos protestantes de Itapetinga, toda configuração de uma Paróquia requer ter um Padre permanentemente instalado na cidade, que possa ser encarregado de encaminhar suas ovelhas para a salvação, Itatinga foi privada desse bem, vou esclarecer melhor a minha ideia ou memória. Para existir uma paróquia a cidade deve ser emancipada e este não era o caso do povoado. Além disso, Itapetinga, mesmo tendo a sua capela construída, tinha uma grande dificuldade de trazer os padres; naquela época o transporte era feito no lombo de cavalo, ficava, então, pela própria

136 Mario Cravo Junior: escultor, pintor e desenhista, nasceu em 13 de abril de 1923 em Salvador/BA. Ele é considerado como integrante da primeira geração de artistas plásticos modernistas da Bahia.

182

distância de Itambé que tinha o poder territorial e religioso, à espera de um condutor de ovelhas, já que este só vinha à localidade quando tinha condições para se dirigir ao arraial. Todos esses fatores foram agravados pelo sistema hierárquico que até hoje existe na Igreja Católica: todas as suas decisões passam pelo poder central conferida na pessoa do Papa no Vaticano, seguido pelo domínio das Arquidioceses e, posteriormente, pelo comando das Dioceses até chegar às Paróquias. Dessa forma, a população da cidade que desejava ter uma edificação religiosa organizada, vivia submetida às ocorrências que são preponderantes dessa hierarquia romana, portanto, refém submetida a uma religiosidade periódica. Itapetinga não podia viver assim, aquele pequeno vilarejo recebeu os batistas, ou melhor, eles vieram no início, junto com outros fazendeiros. Portanto, o status foi consolidado nas amarras da religião com o poder sobre a posse da terra. Na prática, a incorporação das representações mundanas e não mundanas ficam apenas nos discursos, ou será que para visitar a Deus precisamos sair dos muros da invisibilidade e passar aos muros do luxo? Se estamos pensando em uma influência, com certeza, em Itapetinga esse foi o seu resultado.

4.2.4 Sérgio

Nasci no dia 31 de março de 1968 na cidade de Itiruçu-BA. Minha mãe é a Senhora Maria Reealita Queiroz Gomes Carvalho e o meu pai, o Senhor José Agapito Carvalho, ambos da região de Itiruçu-BA. Eles eram católicos e hoje são evangélicos. Cheguei à Itapetinga com cinco (5) anos, razão pela qual me considero um filho da cidade. Da minha infância, recordo o tempo da minha escolarização, o qual foi todo realizado na cidade de Itapetinga. Éramos de origem humilde, minha família muito honesta, procurou fazer de tudo para ofertar uma boa educação aos filhos. E foi ali, ainda no tempo inicial do Ensino Fundamental, o qual era realizado na Escola Augusto de Carvalho, onde a minha veia artística começou a brotar – gostava de desenhar e pintar –, chamando logo a atenção dos meus mestres. Quando frequentava o ginásio, ou melhor dizendo, os anos escolares finais do Ensino Fundamental, que era efetuado na Escola Polivalente de Itapetinga, exatamente naquele espaço de tempo que ocorreu de 1980 a 1984, conheci a professora Leniza Souza Santos, minha professora de Educação Artística e quem me incentivou a desenvolver aquilo que já trazia na alma, o encantamento pelas artes plásticas. Antes mesmo de entrar em contato com a Professora Leniza, quando tinha uns nove (9) anos de idade, já fazia pinturas a óleo sobre tela, mas, reconhecidamente, foi a intervenção da professora Leniza, tanto naquele período na qual fui seu aluno como atualmente, a figura que sempre incentivou a minha produção artística. Aos poucos fui aprendendo a fazer esculturas em madeira, argila, fibra, gesso e cimento armado. Aos 16 anos foi a vez de me envolver com a arte dramática; participei, naquela época, do 183

Grupo Teatral Pôr do Sol. Fiquei nesse grupo por cinco (5) anos; fiz de tudo um pouco, isto foi muito, pois, além de ser ator, atuei como cenógrafo e vice-diretor. Esse grupo teatral tinha como diretor o escritor e teatrólogo Manoel Rodrigues Rocha que, por sua vez, fez um trabalho itinerante na região com peças temáticas, voltadas para a crítica social e política. A veia artística também me levou para a área musical, pois, fiz parte de alguns corais regidos pela professora Leniza, assim, acabei em 1983, como um dos fundadores do Grupo Musical Azerutan. A finalidade do grupo Azerutan era interpretar músicas populares em defesa à preservação do meio ambiente, daí o nome Azerutan que é um anagrama, pois, se lido de trás para frente significa natureza. O Azeruntan durou apenas dois (2) anos, mas a veia musical não me abandonou; entre os anos de 1995 e 1996 acabei como contrabaixista do conjunto musical Yeros korban, que tinha a intenção de trazer o significado hebraico do "Sagrado Sacrifício", levando a mensagem de Cristo através da música gospel. O início do meu trabalho cinematográfico ocorreu em 1998 na Escola Noralice Gusmão, ali trabalhava como professor de Arte. Foi assim que iniciei um projeto onde os alunos, a partir de uma análise crítica da produção cinematográfica brasileira, tinham que produzir um texto apresentando a cronologia do filme, a composição de cena, a cenografia e trilha sonora. Após essa etapa, produziam curtas-metragens com os profissionais de filmagem e edição da época. O trabalho como educador despertou o meu interesse em cinema, o que me levou a começar a produzir curtas metragens. Dentre os trabalhos com cinema, o mais direto e efetivo se deu a partir dos primeiros festivais de curta- metragem do município de Itapetinga, cujo objetivo é despertar os talentos que, muitas vezes, ficam escondidos por não ter a oportunidade de se manifestar. Foi com essa atividade que, como diretor, participei do III Festival de Curta Metragem, na qual obtive o 1º lugar na categoria local com o filme: “Invisíveis”. O filme abordava a invisibilidade social como elemento de discriminação. Além do filme “Invisíveis”, também fui diretor, produtor e editor do curta-metragem “Quando tudo muda”. Este filme concorreu no IV Festival de Curta- metragem realizado através do Departamento de Cultura que é ligado à Secretaria Municipal de Educação. O enredo do filme, chama a atenção para as adversidades da vida que podem nos tomar de assalto de modo surpreendente, o que exige a nossa preparação para transformarmos as ditas fatalidades negativas em experiências passíveis de serem positivas. Com esse filme, obtive o 1º lugar em todas as categorias do festival: melhor filme em nível nacional, melhor filme em nível local, prêmio de melhor atriz para a minha filha Denise Carvalho, prêmio de melhor ator para Geraldo Francisco. A classificação foi um recorde, pois, é a primeira vez que um filme local ganha o prêmio em categoria nacional, concorrendo com filmes de São Paulo, Salvador e de outras localidades. Nos dias atuais, sou um dos artistas da cidade de Itapetinga que conquistou significativas premiações, por essa razão, tive a minha biografia produzida e publicada pelo Dimensão, um dos jornais mais conceituados da cidade. 184

Nessa reportagem, atribuíram-me dois conceitos que enaltecem a alma de qualquer artista, conferiram o título de “um dos artistas mais completos de Itapetinga” e colocaram que sou um “artista multifacetado”. Vou lhe dizer a mesma coisa que citei na época que fui entrevistado pelo Jornal Dimensão: “A arte requer duas coisas básicas: humildade e perseverança”. A minha experiência com o mundo artístico tem quase quarenta anos, nesse tempo produzi pinturas que estão espalhadas por diversas cidades e até no exterior. As minhas esculturas estão nas praças e rótulas de Itapetinga, dentre elas, quatro podem ser citadas: o novo monumento alusivo aos Dez Mandamentos, o busto de Bernardino Francisco de Souza, o monumento aos índios Camacã e o busto de Augusto de Carvalho que fica na praça que homenageia ao seu nome. A minha atividade artística não impediu que continuasse a estudar, assim fiz a graduação em Pedagogia na UESB e duas pós-graduações: Arte em Educação e Direitos Humanos e Democracia. Essa preparação acadêmica auxiliou muito o exercício profissional que desenvolvi na área educacional, pois, antes mesmo de fazer a graduação já atuava como professor de Arte nas instituições de Itapetinga. Fui professor da APAE [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais], da IPAM [Instituto de Previdência e Assistência Municipal], da Escola Noralice Gusmão, da Fundação Movimento de Corais e Canto das Artes e do Colégio Batista Albert Schweitzer. Além de Itapetinga, também exerci o magistério na cidade de Camaçari, onde trabalhei de 1988 a 1991, nos colégios Luís Rogério de Souza, Centro Educacional João Paulo II e no Colégio Anísio Teixeira. Atualmente, além das minhas atividades pedagógicas, estou à frente do trabalho como restaurador do MACI, como também sou presidente da Associação dos Amigos do Museu. Mas, nada disso que relatei sobre a minha vida teria sido possível se não fosse a minha ligação e fé com Deus. [Aproveito o momento e questiono: qual é a sua relação com Deus e com a religião? ] Como já disse, a minha família era da religião católica, mas, hoje pertence a Jesus e segue apenas uma autoridade: a Escritura Sagrada. No meu caso, fui católico até 1987. Me converti ao movimento batista em 1998, na cidade de Camaçari, onde morei por três anos, claro, que a minha conversão mesmo tendo acontecido ali, já levava muito da minha educação recebida na cidade de Itapetinga. Quando regressei, fui membro da Segunda Igreja Batista de 1992 até 1995. Em 1995 conheci a Mensagem do Profeta William Marriom Branham [origem Estados Unidos – 1909-1965] e fiquei encantado, porque tudo que ele ensinou se opõe a quase tudo que eu tinha aprendido no catolicismo e no movimento evangélico, possui uma base bíblica e um ministério que traz os sinais do sobrenatural. Sou adepto e pregador dessa mensagem desde 1996 e atuo como coo-pastor de uma pequena comunidade cristã, cujo local de reunião se denomina por Tabernáculo Branham. No entanto, a minha mudança religiosa ocorreu primeiro dentro da Igreja Evangélica, pois, foi naquele período, que a minha desilusão com o catolicismo veio à tona. Tudo começou quando comecei a pintar e restaurar 185

obras para a igreja e presenciei as pessoas usando as imagens como mediação de fé, aquilo não era o ideal de uma religião, me senti mal com isso e passei a refletir sobre o que era fé e o que era alienação. Ainda sou um niilista negativo, mas bem melhor que antes. Sobre a questão da influência da PIBI na cultura religiosa de Itapetinga, essa é uma cidade que difere de muitas outras cidades do Brasil; ao que me consta, todas começam o trabalho religioso com os católicos, aqui este trabalho principiou com uma Igreja Batista, só essa história já é um diferencial. Tenho uma foto do primeiro grupo dos batistas de Itapetinga que deu origem à Primeira Igreja Batista. Foi a partir da PIBI que muitas outras Igrejas evangélicas surgiram, tendo como linha de frente, grupos que são conhecidos como “renovados". Estes grupos começaram a experimentar das experiências com os dons espirituais de origem “pentecostal" que veio para o Brasil no início do século XX. Sendo que a Primeira Igreja, 'tradicional" em sua liturgia, não aceitou a renovação de suas filiadas, que se tornaram independentes. Um desses grupos deu origem à Segunda Igreja Batista, da qual fiz parte. A Primeira Igreja Batista é a sementeira do movimento evangélico não só em Itapetinga, mas também, em cidades circunvizinhas, isto posso afirmar sem sombra de dúvidas, basta analisar, que o Pastor Samuel é muito respeitado entre os evangélicos e entre as pessoas que não professam nenhum tipo de religião. Lembrei de uma coisa, tem no MACI uma pesquisa sobre as Igrejas de Itapetinga; nesse material tem um arquivo que destaca a história da PIBI como, também, possui uma cópia da carta de Aquilino Brito que conta a história do templo ali na praça Augusto de Carvalho. Além disso, tem muito material em pintura e fotografia que conta a história de Itapetinga desde o tempo da pré- história e da história da cidade e, neste último aspecto, a presença dos crentes batistas foi inegável.

4.2.5 Aline A Oya era como a minha mãe, Eurides Soares Carvalho, era conhecida no Candomblé, Centro que ela dirigiu até falecer aos cinquenta e três (53) anos de idade, no dia nove (9) de dezembro de 2013; estava, naquele dia, celebrando a festa de Iansã. A história desse Centro começou com Camilo Antônio Nascimento que faleceu em quatro (4) de agosto de 2011, aos setenta (70) anos de idade. Ele foi aquele que ganhou um prêmio na loteria e comprou os sete (7) cinemas em algumas cidades da região, incluindo o Cine Teatro Fênix de Itapetinga, mas, depois vendeu todos eles para a Igreja Universal do Reino de Deus. Ele foi um pai de santo muito conhecido, mas, quando morreu, graças a Deus já havia sido convertido em evangélico. Voltando à história da minha mãe, ela quando morreu deixou quatro (4) filhos, sendo dois (2) homens e duas (2) mulheres. Dos quatro filhos, dois são evangélicos, o que me inclui. Sou nascida em Itapetinga e filha com muita honra da minha mãe Eurides. Sempre fui sua assistente nos preparativos das festas e do caruru que ofertava todos os anos, aproximadamente no dia quatro de dezembro, que é o dia de homenagear a Iansã, ou como os católicos chamam, a Santa Bárbara. Após 186

a morte da minha mãe passei a visitar uma Igreja Evangélica; os crentes são muito acolhedores, isso me fez tomar um novo rumo religioso na minha vida, hoje sou uma crente em Jesus Atualmente, o Candomblé da minha mãe está fechado, eu não tenho estrutura psicológica para manter, não tenho o dom e para ter um Candomblé requer muito amor, muita dedicação, essa missão não é para mim. Além disso, cansei, pois sempre sentia muita tristeza, pela forte opressão vinda dos preconceitos das pessoas aqui de Itapetinga. [De que tipo de preconceito está falando? ] Desde que era pequena fosse na escola, fosse na rua, sempre havia comentários e risinhos, muitas vezes, sendo até apontada por ser ligada ao candomblé. Esses preconceitos acontecem de muitas formas; acreditam que o candomblé é coisa do diabo, o que não era, ao meu ver, uma verdade. Somente entendi o que significava isso quando também me tornei crente, converti e me batizei. Hoje percebo que só tem um Deus que é Jesus. Tudo ainda é muito recente, estou estudando o Evangelho para compreender melhor os desígnios de Deus. Depois da morte da minha mãe, foi na Igreja evangélica onde fui amparada; ali encontrei a união, o amor e a fraternidade, lá todos ajudam o Pastor a fazer a obra de Deus, não existe preconceito em dizer sou evangélica, pelo contrário é honrado e tem aceitação. No Candomblé não é desse jeito, tem muito preconceito, muito gasto, a manutenção do espaço requer muito dinheiro, ninguém entra em um centro de candomblé com o interesse de ajudar a conservar ou a mantê-lo economicamente. Querem os trabalhos, mas, não percebem que tudo é muito caro. Com a morte da minha mãe, os seus filhos de santo se afastaram do centro e me deixaram sozinha. Foram esses os motivos para não continuar com a obra da minha mãe; o espaço continua aí, mas, somente serve de dormitório. [Aline muito emocionada, começou a deixar rolar pela face algumas lágrimas, o que nos fez encerrar as recordações].

4.3. Lembranças dos Pastores

4.3.1. Pastor Samuel137 (in memoriam: 1926-2015)

Quando cheguei a Itapetinga já existia a Igreja na Praça Augusto de Carvalho, contudo, o prédio, como você conhece, somente foi inaugurado em 1960. A história oficial da Igreja começou em 31 de julho de 1938. Toda igreja começa com uma reunião de crentes que desejam cultuar sua fé e pregar a mensagem do Evangelho. Então, crentes batistas chegaram à região da ainda Itatinga na década de 20; desde essa época, aqueles primeiros crentes já traziam no coração a semente do Evangelho. Inicialmente, não vieram como missionários, mas, como aventureiros.

137 No transcorrer da recordação do Pastor Samuel Oliveira Santos, aparecem alguns dados históricos que foram complementados com datas ou leis, os documentos que permitiram tal ampliação se encontram nas fontes documentais desta Tese. 187

Itapetinga foi “achada” em 1912, menos de uma década depois chegaram os batistas, a maioria deles era do próprio Sudoeste do Estado, oriundos das cidades de Itambé e de Vitória da Conquista (VCA). Foi a partir do trabalho evangelizador de Salvador que começou o trabalho missionário pela região Sul e Sudoeste da Bahia. Uma das Igrejas que se fortaleceu financeiramente no Sul foi a Igreja de Canavieiras, tanto que mesmo sendo pequena em número de fiéis, ajudava com verbas a manutenção da Igreja Batista de VCA que, por sinal, é a mais antiga em existência na região. A Primeira Igreja Batista de VCA começou em 1900 [no dia quatro de fevereiro], sendo a ancestral da Região Sudoeste. Ela foi inicialmente organizada em uma Fazenda que se chamava “Felícia”; o seu proprietário era o Tertuliano da Silva Gusmão, forte comerciante de gado da região. Ele foi convertido em um encontro casual com um evangélico, depois, daquela pequenina Igreja, o Templo foi reformado em 1905 e, depois, passou por mais duas reformas. O lugar atual do templo fica dentro da área urbana de VCA. Tertuliano já convertido ao Senhor Jesus Cristo convenceu aos seus familiares, dentre eles, havia o seu genro Antônio Teófilo de Queiroz. Foi ele que começou a batizar as pessoas da fazenda antes mesmo de se tornar pastor. Assim, quando ouviu falar do missionário Zachary C. Taylor, que se encontrava na cidade de Salvador, Queiroz foi para a capital e ali, depois de encontrar o missionário, foi batizado, doutrinado e consagrado como o primeiro pastor protestante de Vitória da Conquista. Ao voltar para a região, começou a evangelizar e batizar muitos irmãos. [Consta no Cartório de Títulos e Documentos da Comarca da Vitória da Conquista, o registro de Nº 04, do Livro 03, de 11 de março de 1917, nas páginas 01 e 02, a fundação da “Igreja Evangélica Batista Independente”. Léonard (1981. p. 92) também se refere à criação da Igreja Batista de VCA, datado o ano de “1900”]. Já na década de vinte (2), a Igreja de Conquista aumentou os seus congregados, tanto no local como em toda a região. Foi Antônio quem batizou muitas pessoas da região, inclusive foi a partir dele que se originou a Igreja em Itambé, local de onde saíram os primeiros crentes da cidade de Itapetinga. Dentre eles se encontravam Nezinho Ribeiro e Maricas Ribeiro. A diferença foi que os irmãos da Primeira Igreja Batista de Vitória da Conquista enfrentaram muitos problemas e desentendimentos com os católicos, tanto que Antônio, uma época, teve que fugir de VCA. Bem diferente do que foi aqui em Itapetinga, pois, sempre convivemos com muita paz. Aqui nunca houve divergência entre católicos e batistas. Sei disso, pois, um dos pastores da Primeira Igreja Batista de Vitória da Conquista, o Saturnino José Pereira, que também foi Pastor da PIBI em sua fase inicial, narrava essa história que foi passando pelas memórias dos irmãos mais antigos. Além da família Ribeiro e da família Campos que vieram de Sapucaia, que se chama, atualmente, Cassilândia [conhecido também por Catolezinho - distrito de Itambé], outro grupo batista que chegou bem pertinho de Itapetinga foi o da Primeira Igreja Batista de Itororó, naquela época, chamada por Itapuí. Ali residia o Pastor Arlindo Rodrigues, o que de certa forma possibilitou o seu 188

deslocamento até Itapetinga. [Itororó começou como uma aldeia sendo iniciado entre os anos de 1922 e 1923. Principiou como distrito de Itabuna até 1954, quando passou a fazer parte da área territorial de Palestina, atual cidade de Ibicaraí. Em 1958, o governador da Bahia, Antônio Balbino de Carvalho, sancionou a Lei Estadual nº 1.045 que criou o município de Itororó. Como consta na Ata nº 01 da sua Igreja: “no dia 25 de janeiro de 1931 foi organizada no arraial de Itapuí a 1ª Igreja Batista, com a denominação de 1ª Igreja Evangelista Batista de Itapuí”; trazia como objetivo a disseminação e doutrinação do Evangelho de Cristo. O primeiro pastor foi Saturnino Pereira]. Como pode ver, os Batistas quando começaram a sua Igreja na cidade de Conquista, recorreu ao Missionário Batista Zachary C. Taylor, para batizar Antônio Teófilo de Queiroz. Portanto, tudo começou com a família americana que chegou a Salvador. Ou seja, o trabalho missionário dos batistas no Brasil nasceu dos missionários e imigrantes norte-americanos que chegaram em Salvador. Antes do trabalho missionário na terra baiana houve, na cidade de Santa Bárbara do d’Oeste que fica localizada no Estado de São Paulo, os missionários Pr. Richard Ratcliff e o Pr. Robert Porter Thomas; ali os dois organizaram em 10 de setembro de 1871 uma Igreja Batista, todavia, os cultos eram realizados em inglês, assim, atendia apenas aos estrangeiros. Foi Willian Buck Bagby e sua esposa Anne Luther Bagby, que chegaram uma década depois [02 de março de 1881] de ter sido instalada a Igreja Batista no Estado de São Paulo, que procuraram aprender o Português, o que foi feito no Colégio Presbiteriano de Campinas [SP]. O professor do casal foi um ex-padre que se chamava Antônio Teixeira de Albuquerque, por sinal, ele que era padre abandonou o ofício e se converteu ao Senhor Jesus Cristo, sendo batizado pelo irmão Robert Porter Thomas. Já convertido, o irmão Antônio foi convocado para fazer a obra do Senhor, consagrando- se pastor batista. O primeiro culto em português ocorreu ainda em São Paulo no mesmo ano [1881] da chegada dos Bagby. No ano seguinte [23 de fevereiro de 1882] chegou ao Brasil, Zachary Clay Taylor e sua esposa Kate S. Taylor. Foram os dois casais e o irmão Antônio que vieram para Salvador e ali fundaram a Primeira Igreja Batista do Brasil [15 de outubro de 1882]. Depois disso, começaram a viajar pelo interior baiano num belíssimo trabalho de missão. Os irmãos batistas americanos tinham a sua sustentação material através da Junta de Richmond. Assim, a partir da fundação da Primeira Igreja Batista do Brasil, essa graça Divina, as organizações batistas americanas começaram a investir, mandando novos missionários que traziam, para o território brasileiro, o modelo da estrutura eclesiástica americana. O que quero dizer com isso é que a Primeira Igreja Batista do Brasil manteve dos norte- americanos os mesmos princípios do modelo congregacional, isto significa que prezamos pela conservação da forma de governo que deve ser caracterizado pelos princípios da aceitação das Escrituras Sagradas como única regra de fé e conduta. A igreja como sendo uma comunidade local democrática e autônoma, deve ser formada de pessoas regeneradas e biblicamente batizadas. Isto 189

exige que se mantenha a total separação entre Igreja e Estado, que preserve a absoluta liberdade de consciência, reconhecendo que se existe uma responsabilidade perante Deus, essa é sempre de ordem individual. [Estes são princípios Batistas que constam no “Pacto e Comunhão” da CBB (2010, p.12)]. De tudo o que falei, um dos princípios que mais é conservado pelo povo Batista é a total autonomia da Igreja local; essa é a marca da nossa identificação que você está procurando entender, pois, é essa a influência que melhor podemos deixar como herança para as novas gerações. O que estou querendo dizer é que cada Igreja, rege-se pela Palavra de Deus em todas as questões espirituais, doutrinárias e éticas. É sob a orientação do Espírito Santo que aceitamos a Jesus Cristo como único Salvador. A igreja é um corpo em Cristo, é andar sempre unidos no amor cristão, é crescer no conhecimento da Palavra, é crescer na santidade. Os nossos cultos, nossas doutrinas, nossas ordenanças e nossa disciplina é o que melhor temos e podemos doar. [O Senhor citou alguns princípios que constam nos documentos da CBB; poderia falar um pouco sobre o que é uma Convenção Batista e qual convenção a PIBI pertence? ] A PIBI, cooperativamente, participa nacionalmente da CBB e, em nível Estadual, da Convenção Batista Baiana (CBBA) que tem por missão cooperar com as Igrejas Batistas do Estado da Bahia para a expansão do Reino de Deus, manter nossa identidade Batista de acordo com as doutrinas e princípios que também são estabelecidos pela CBB [fundada no dia 22 de junho 1907]. Neste ano [2014] vai acontecer uma reunião da CBBA para efetuar algumas reformas no nosso Estatuto. A CBBA começou em 1909 com o nome de União das Igrejas Batistas, quando as igrejas começaram a se agrupar, em 1923, passou a ser denominada pelo nome atual [Convenção Batista Baiana].. Voltando à história de Itapetinga, tudo começou com a família Ribeiro e Campos. Mariano Campos, que foi um representante político de Itapetinga e que, com a glória de Deus, batizei quando aqui cheguei. Depois da família dos Campos-Ribeiro surgiu, quase que concomitante, Aquilino de Souza Brito, Oséias Pio, João Mauricio da Roça, Agenor dos Santos e vários outros fazendeiros. Foram eles os membros fundadores da Primeira Igreja Batista de Itatinga. Em 1938, Itapetinga era uma pequena vila, não era cidade, logo, não tinha um padre; quem começou o trabalho evangelizador foram os batistas. Nos primeiros quinze (15) anos da existência oficial da Igreja em Itapetinga, ela teve como pastores: [primeiro] Arlindo Rodrigues de Oliveira, [segundo] José Jacinto da Silva, [terceiro] Saturnino José Pereira, [quarto] João o Moreira e depois a minha pessoa [quinto - Samuel de Oliveira Santos]. Dos pastores que relacionei, Saturnino José Pereira foi vereador e muito contribuiu para a emancipação do município de Itapetinga, José Jacinto da Silva junto com o missionário James Elmer Lingerfelt, organizou diversas outras Igrejas na Bahia, inclusive uma que é bem próxima de Itapetinga, pois, em 1943, formaram a Primeira Igreja Batista de Maiquinique. Acredito que foi nessa época que J. E. Lingerfelt foi apresentado a João Moreira, se não me engano, quem fez as apresentações foi o Pastor José Jacinto. 190

Bem no início, os crentes se reuniam, primeiro, em um espaço que se situava no centro de Itatinga; ali oravam ao Senhor juntamente com bares, comércio, enfim, a vida cultural do local do Ser do mundo [significa viver fora das doutrinas pregadas pelo grupo religioso batista]. Tudo era muito próximo. Como a trajetória daquela pequena comunidade foi modificando os comportamentos das pessoas, muitos seguiram os passos do arrependimento dos pecados, passando pela conversão, pelo doutrinamento, pelo teste de fé e, finalmente, pelo batismo [a ordem dos dados relatados pelo Pastor coadunam com a Confissão de Fé ou Declaração Doutrinaria da CBB (2010) ]. Com a ordenança [o batismo], estabelece a relação não apenas como um membro da Denominação Batista, mas também, como um servo de Cristo, [nessa exposição a ideia da Salvação é quando o convertido passa a viver sob a autoridade das Sagradas Escrituras, aguardando o esperado e garantido encontro com o Senhor]. Crescia a cidade, crescia a Igreja, foi assim que, ainda como uma pequena Igreja, os batistas tiveram a condição de adquirir aquela área ali na Praça Augusto de Carvalho. Dizem que a primeira oportunidade foi dada aos católicos, até porque na mentalidade das pessoas, o espaço ali era ideal e estava reservado para a construção do templo católico. Todavia, os católicos se recusaram a comprar o terreno por causa do valor. Isso acabou chegando aos ouvidos dos batistas e, dentre eles, o de maior porte financeiro era o senhor Aquilino Brito que, disposto a trabalhar para levantar o recurso, como ele mesmo contava, não pensou duas vezes e comprou o terreno. Deus faz certas coisas que o homem não entende, mas, é para o bem de todos. [Faz uma pequena parada em seguida afirma]: É preciso agir pela fé para entendermos a ação de Deus. Aqueles batistas, ainda antes de oficializarem a sua Igreja, compraram um terreno que, mais tarde, os católicos lutaram para readquirir, porém, sem sucesso. Naquele período, existiam as Santas Missões na região que cuidavam dos índios. Teria vindo de uma delas um padre que, chegando a Itatinga, tentou negociar a compra do terreno que já era dos batistas. Quando cheguei aqui, os membros mais antigos da Igreja relatavam que o Padre, ao chegar na vila, fazia as reuniões com os católicos bem na praça, no local onde fica aquela loja de eletrodomésticos. [Não continua a fornecer os detalhes. ] O que interessa é aquilo que foi registrado pela memória de quem ouviu e que chegou ao nosso conhecimento. Dizem que o padre reclamou: “Como deixaram os protestantes tomar o principal espaço da praça”? Assim, antes de finalizar a década de quarenta, naquele local foi construído um pequeno templo, sendo quase todo demolido para dar lugar a um segundo templo, que foi todo reformado para se transformar naquele que, atualmente, se encontra ali. Este último começou a ser construído a partir de 1954, sendo inaugurado em 1960. Sobre a arquitetura da reforma que substituiu o primeiro templo para dar lugar ao nosso belo edifício, tudo começou na época do pastor João Moreira. Como já havia falado, na década de quarenta (40), ele conheceu o missionário americano J. E. Lingerfelt que estava em Maiquinique para ser o presidente do Concílio para a formação da Igreja. Lingerfelt era formado 191

em arquitetura; foi ele quem fez a planta do templo a pedido do pastor João, talvez por isso, ela tenha o estilo arquitetônico meio gótico, com o estilo de portas, janelas e torre que é diferenciado. Parece muito com as Igrejas daquela época, do Sul dos Estados Unidos, de onde vieram os missionários durante a guerra americana. Quando cheguei, em 1957, havia um relato que o Pastor João possuía um documento que era do próprio Lingerfelt, contendo todas as indicações a fim de proceder com a construção do Templo Batista. Essa planta ficou com o irmão Elias de Carvalho que foi responsável por executar a obra. Ele era um respeitado mestre de obras que muito contribuiu para a história da cidade, mas, que ainda não teve o devido reconhecimento. Ao conhecer as descrições que se encontram no texto elaborado por Lingerfelt, [missionário e arquiteto norte americano, que no território baiano era o responsável por projetar as reformas e construções dos templos batistas], reconhece o modelo da Igreja de Itapetinga em toda a sua arquitetura externa e interna, desde o estilo arquitetônico até as suas janelas, que tem um bom número, além de ser bastante altas. Era um estilo de Lingerfelt criar ambientes que deveriam ser ventilados, com muito espaço para os féis se sentirem bem no encontro com o Senhor. Uma Igreja Batista não tem somente o trabalho com os cultos, existem atividades diárias, assim, Lingerfelt, aconselhava que, além da sala de culto ser ampla e boa, deveria ter muito bem estabelecido os espaços do púlpito, do local para o coral e do batistério, também, deveria ter uma variedade de salas para os estudos bíblicos dos mais velhos e das crianças, salas para os trabalhos dos ministros, sala para a assistência social e para a secretaria, sala para formar uma biblioteca, espaços reservados para os banheiros e para a cozinha. O estilo tradicional da nossa Igreja já confundiu muita gente, isto posso falar com certeza, pois, já testemunhei em cultos, aos domingos à noite, católicos que passavam por Itapetinga ao cruzar na frente da igreja se benzer pensando ser uma igreja católica. Até padres e freiras eu presenciei entrarem lá, pensando ser uma igreja católica, foram muitas vezes que vi, pois, fiquei como pastor daquela Igreja por cinquenta anos. [A voz do Pastor Samuel fica um pouco trêmula revelando uma forte emoção ao se lembrar da dedicação à Igreja]. Quanto à sua questão, o que posso dizer é que houve sim, muita Influência da PIBI em Itapetinga, ela está na política, na educação e na saúde: Talvez não haja nenhuma outra cidade aqui na Bahia ou no Brasil, na qual o trabalho batista tenha surgido nas circunstâncias que foram aqui em Itapetinga porque, como já disse, tudo foi fruto da ação daqueles homens que vieram com a finalidade de desmatar terras, plantar capim e abrir fazendas e, tudo isso, para enriquecer e ganhar dinheiro. Mas, junto com este ideal, trouxeram a semente do Evangelho. Também, como já falei, não houve, inicialmente, uma Igreja Batista e, dela, o surgimento de uma Congregação, não houve, inicialmente, uma Igreja Batista que patrocinasse o surgimento do trabalho evangelizador em Itapetinga. Tudo foi originado de um trabalho local, de um grupo de 192

crentes que muito simples, culturalmente e socialmente, cresceram e se desenvolveram junto com a cidade. Aqueles primeiros crentes traziam a fé, de modo que a localização da Igreja naquele lugar, foi reflexo deste trabalho. Mas, sem nenhuma dúvida, o desenvolvimento, crescimento, expansão e a influência da PIBI em toda a vida política, social e religiosa de toda a cidade se revela pela devoção que vemos nos moradores da cidade sobre o evangelho. Até os católicos daqui carregam e discutem os textos bíblicos, como se faz em uma Igreja evangélica. Não podemos, também, esquecer um outro fator, os pastores que lideraram o trabalho no início da Igreja eram homens de ação social e política, por exemplo, o Pastor Saturnino José Pereira, que foi o terceiro Pastor da Igreja Batista, era um homem muito integrado à vida política. Por isso, teve um papel importante na época da emancipação municipal, basta analisar que ele era vereador do Município de Itambé representando Itatinga, para perceber que ele atuou e muito, para trazer a liberdade da vila. Foram homens como Saturnino, que teve ações decisivas para a questão do desenvolvimento social da cidade, que a Igreja trouxe para Itatinga; isso a meu ver, criou a integração e o estilo de vida dos moradores de Itapetinga. Além de Saturnino José Pereira e de Elias de carvalho, outros irmãos batistas também merecem destaque, são eles: Ismael Cruz Lima, que foi professor do Colégio Alfredo Dutra, Enemias Nogueira Coutinho, que faleceu a pouco tempo, mas como dentista e vereador, prestava serviços à comunidade Itatinguense. Estes são nomes que merecem ser lembrados, pois, lutaram muito para construir a história do pequeno povoado e estiveram presentes nas esferas da vida política e social da vila até a sua emancipação em 1952. Esses homens e muitos outros batistas conhecidos como os “fazendeiros”, influenciaram e muito, não só as lutas políticas, mas, também, as lutas sociais, pois, estiveram presentes dentro da Associação Cultural de Itapetinga. Fizeram parte da luta pela criação do Colégio Alfredo Dutra, influenciaram na criação da própria Congregação Batista. Muitas vezes olho a história narrada sobre o município e não vejo nenhuma referência a essas pessoas; nesse aspecto, os historiadores de Itapetinga têm sido negligentes. Existe dentro da obra batista, a busca por um resultado dentro da educação, que sempre fez parte do ministério batista. As Igrejas Batistas quando chegaram ao Brasil, traziam, a mensagem da salvação, mas, junto com ela, é inegável que, também, havia a preocupação com a educação dos filhos dos crentes e da comunidade onde se situavam. No Brasil do final do século XIX e início do século XX, era muito alto o índice de analfabetismo, o que se constituía um empecilho à evangelização. Surgiu assim, a figura da “Escola Anexa” que era uma escola primária instalada pela igreja ao lado dos templos. Em Itapetinga, também, não foi diferente. Tanto no tempo da vila, como já na cidade constituída, o nível cultural da população era muito baixo. Houve durante muito tempo, dentro da PIBI, um paralelismo do ministério com incentivo à produção da educação. Com o nascer da 193

Igreja Batista, em 1938, nascia o ideal de uma escola para a vila. Infelizmente, a escola anexa não chegou a ser concretizada em Itapetinga, porém, a primeira escola particular de Itapetinga foi criada por uma família batista, em uma fazenda que pertencia a Mariano Campos, depois foi organizado o Instituto Batista de Educação, o embrião para realizarmos a criação do Colégio Batista Albert Schweitzer. A mesma atenção que tivemos com a educação, tivemos também com a saúde, já em 1957, havia um médico batista na cidade, o Doutor Isaac Quadros. Chamado por todos como o “médico dos pobres”, cuidava das pessoas mais carentes da cidade, sem olhar o credo religioso de ninguém, claro, que isso não o impedia de também fazer um trabalho missionário. Pela sua dedicação e como membro da Igreja, realizou grandes obras sociais, dentre elas podemos falar da criação de um ambulatório médico e odontológico para o atendimento da comunidade. Este foi o primeiro ambulatório de Itapetinga, fora o que já existia no hospital Santa Maria. Desse embrião, criamos o Centro Batista de Ação Social que fica localizado na Rua J.J. , perto da casa pastoral da Igreja Batista. Na questão religiosa, a PIBI teve influência, pois, foi a partir dela que se organizou a Segunda Igreja Batista de Itapetinga. Como já disse no início da nossa conversa, o trabalho do surgimento de uma Igreja começa sempre por uma reunião de crentes. Quando Gerson de Oliveira loteou o que hoje se chama de Bairro Nova Itapetinga, comecaram a surgir as primeiras casas; ali moravam muitos irmãos, comecaram a se fazer reuniões, pregações, cultos, até que se formalizou uma Congregação. Os membros da PIBI que moravam naquele novo Bairro passaram a frequentar a Congregação. Ali converteram outras pessoas; foi dessa Congregação da PIBI que se originou a Segunda Igreja Batista. Atualmente, nós temos duas Congregações e está nascendo a terceira; elas estão situadas, no Bairro Nova Itapetinga, no Bairro Américo Nogueira e na URBIS. Além disso, a PIBI organizou outras Igrejas e Congregações no entorno de Itapetinga. Vou citar algumas delas: a Igreja Batista de Itarantim, a Igreja Batista de Macarani, a Igreja Batista de Firmino Alves, veja que a influência religiosa da PIBI ultrapassa o território da cidade. Claro que todas essas Congregações quando galgam as denominações de Igreja, ficam desvinculadas administrativamente da PIBI. Todas as Igrejas Batistas são autônomas, são livres, não temos um órgão superior a nos reger, apenas, temos um ponto de cooperação que chamamos de Convenção Batista Brasileira. Quanto à questão política, já citei os membros da Igreja que estiveram envolvidos, direta ou indiretamente dentro da história da cidade. Uma coisa deve ficar clara, Igreja é Igreja, Estado é Estado, um deve ser independente do outro, mas, isso não quer dizer que membros batistas não possam ser envolvidos nas atividades políticas, somente, não devemos misturar as coisas; a Igreja respeita o Estado, mas, a nossa autoridade maior é Jesus Cristo.

194

4.3.2. O Pastor Nelson

Vou contar a minha história, pois, acredito que indiretamente, a Primeira Igreja Batista influenciou muito a minha vida. [Porque o Senhor usou a expressão: “indiretamente”? ] Bem, a Elzinha, minha companheira fiel era da Primeira Igreja Batista, para ser mais exato, ela era do coral da Igreja. Enquanto ela fazia parte do grupo de intermediários e levava a palavra do Senhor a cada casa de Itapetinga, eu ao contrário, gostava de cantar no candomblé, andava pelos bares, pelas fazendas, dançava nos carnavais, não tinha muita aproximação com o povo evangélico. [Já que o Senhor falou sobre a religião de origem africana, como vê essa questão em Itapetinga? ] Em Itapetinga não tem muito trabalho de candomblé, no passado até houve a tentativa, mas, graças a Deus, atualmente, podemos dizer que foi quase extinto. Se não me engano, ainda tem uns dois, mas bem afastados da cidade. Um centro sei que fica no Bairro Clodoaldo Costa e um outro parece que está no Bairro Nova Itapetinga, acho que esse é o mais velho da cidade. Na realidade, hoje essa questão é diferente em Itapetinga, é muito restrito, bem diferente da região costeira, ali existe muita influência do Candomblé. Quando trabalhei na cidade de , em uma rua haviam três candomblés. Eu que era de um lar muito católico, acabei chegando ao Candomblé, onde tive a oportunidade até de bater tambores, dançava para o demônio e usava o corpo de sua experiência. Só que o plano de Deus era bem diferente para mim. Tudo modificou em 1958, após ter me casado, coisa que aconteceu por quase três vezes, na quarta vez que a aliança foi usada casei-me com a Elza, que era filha do irmão Elias José de Carvalho, pessoa de muito destaque em Itapetinga e membro da Primeira Igreja Batista. Foi a partir daí que tudo mudou na minha vida. Em Itapetinga você não vê esse tipo de religião [Candomblé]; acredito que isto se deve, sem dúvida alguma, ao processo evangelizador da Primeira Igreja Batista, isto ninguém pode negar. Atualmente esse trabalho está muito difundido, deve ter, sei lá quantas igrejas e congregações. Mas, no início, a influência foi da Primeira Igreja, essa história eu entendo muito bem, ela está presente na Igreja Batista Boas Novas, na Igreja Batista do Calvário, na Segunda Igreja Batista de Itapetinga, na Igreja Batista do Sião, na Igreja Batista Nacional Shekinah. Basta analisar que a Segunda Igreja Batista é filha da Primeira Igreja Batista. A Igreja Sião e a Igreja Batista do Calvário são filhas da Segunda Igreja Batista, a Igreja Batista Nacional Shekinah é filha da Igreja Batista do Calvário. Onde foi a origem de tudo? A primeira Igreja Batista de Itapetinga. Voltando à minha história, nasci de sete meses no ano de 1934, vou fazer 80 anos em 27 de novembro de 2014. Cheguei ao mundo em um lugar chamado Capim Branco, localizado no Município de Jequié. Meu pai, Lúcio José dos Santos e minha mãe, Maria Augusta dos Santos tinham uma pequena área de terra. Junto com eles, desde os sete anos de idade, comecei a trabalhar na roça, até que um dia fui picado por uma cobra Patrona nas duas pernas. Quase morri, por quatro 195

(4) anos derramei sangue, meus poros estouraram por muito tempo, era muito sangue, isto me levou a desgostar da fazenda. Foi nesse período de quatro anos que cheguei pela primeira vez à Itapetinga, isto ocorreu se não me engano em 21 de outubro de 1951, ficava indo e voltando para a minha cidade, pois, continuava com uma fazenda naquela região de Ibicuí. Depois, vendi a terra e vim definitivamente para Itapetinga, em 1955. Foi em Itapetinga que aprendi a profissão de marceneiro, trabalhei por 25 anos; quando fiquei noivo da Elza, já trabalhava por conta própria. Quando cheguei em Itapetinga a família da Elza já residia aqui, o centro da cidade já era naquela época bem definido, só não tinha a Igreja reformada pelo Mestre Elias, mas, ela já tinha o seu embrião naquele lugar. O resto era mato ou lama, aqui na Concha tudo era mato. Foi Guilherme Dias quem conseguiu uma verba federal ou estadual e comprou essa área na década de quarenta começando, assim, a construção do Bairro Camacã. O cemitério era perto de onde hoje fica localizado o correio, exatamente, no final da praça do boi [Praça Dairy Valley]. Na medida em que a cidade foi crescendo o cemitério foi mudando de lugar. Se fizer um mapa central da cidade de Itapetinga, vai encontrar vários pontos que um dia serviu de cemitério. [Os cemitérios de algumas cidades não serviam para enterrar os mortos dos protestantes, em Itapetinga também teve essa prática? ] De maneira nenhuma, até já teve vários cemitérios, mas nunca houve um espaço diferente para enterrar pessoas dessa ou daquela religião. Conheci a Elza Souza Carvalho em 1958 e casamos no mesmo ano. Quando começamos a namorar, os pais aceitaram o namoro, até porque interessado como estava na moça, comecei a frequentar a Primeira Igreja Batista pelo menos durante o tempo do namoro. Talvez tenha sido por isso que nunca pedi para ela deixar a sua crença, porém, naquele período não acreditava muito nesse negócio de ser crente. Também, não queria que os pais dela ficassem desgostosos comigo, por tentar impedir que continuasse a sua fé, nunca impedi que ela fosse a um culto. Logo, começaram a aparecer alguns jovens da igreja tentando me evangelizar, deles ganhei uma Bíblia que, aos poucos, foi me permitindo conhecer a palavra de Deus. Teve dias que critiquei muito a religião da Elza, não a proibia, mas, gostava de fazer piadinhas. Fiz até mesmo ela chorar, isto aconteceu no dia em que fui ver um batismo; os batistas costumam batizar somente pessoas adultas, achei aquilo estranho, falei muita besteira. Foi o pai de Elza, o mestre Elias, que era licenciado como construtor de obra, quem construiu a 1ª Igreja Batista. Quando casei com Elza, naquela época, ela morava em uma casa bem grande, na Rua , que havia sido construída pelo Mestre Elias. Como temos um escritório em casa, ele também tinha um espaço separado que servia para o seu trabalho. Talvez, o Mestre Elias tenha sido inspirado por outras construções de Igrejas Batistas, todavia, aquela construção da Igreja tem muito da sua própria ideia do que seria uma casa de oração. O mestre Elias, quando morreu em 1994, tinha quase uns oitenta (80) anos e a minha sogra quando morreu devia estar com uns sessenta (60) anos. 196

Quando o Mestre Elias começou a fazer a reforma da Igreja, ele já fazia parte da política de Itapetinga, já havia sido eleito como vereador, desde a época da vila. Não sei o que aconteceu direito, mas, quando Itapetinga se emancipou, o primeiro prefeito foi Juvino Oliveira, até aí tudo estava indo muito bem, no entanto, quando o segundo prefeito, o José Vaz Espinheira foi eleito, tudo se modificou. Esse rapaz era de fora, vindo de Salvador (BA), não conhecia muito bem as pessoas do lugar. Como era muito rico e dono de duas grandes fazendas [o fato refere-se à fazenda Astrolina e a fazenda Arrebol que havia sido de Augusto de Carvalho], cresceu muito politicamente; assim que ganhou as eleições para Prefeito, as coisas ficaram difíceis para o mestre Elias. Espinheira não gostava muito de meu sogro, acredito que o motivo era devido a ele, como engenheiro, não aceitar um mestre de obras que fazia as suas próprias plantas e era muito cotado na cidade. Além disso, ambos eram adversário políticos. Na eleição seguinte, quando o Mestre Elias perdeu a política, ficou desgostoso, pegou a sua casa e vendeu baratinho indo, em seguida, embora para a cidade de Belo Horizonte, lugar onde morreu. O mestre Elias sabia ler e escrever bem, o que fazia dele um bom pregador da palavra de Deus; gostava de organizar a sua casa e ver a família bem vestida e bem calçada. Quando ia para a PIBI dia de domingo pela manhã, levava a penca de meninos atrás; eram tantos, que chamavam a atenção por onde passavam. Foi assim que vi a Elzinha pela primeira vez. O primeiro contato que tive com a Elza foi através de um bilhete que mandei por uma amiga dela, já fui direto no ponto e a pedir para namorar, ela não aceitou imediatamente. Um dia, quando ela estava passando perto do meu trabalho, peguei uma aliança e pedi para um conhecido colocar a aliança no dedo dela, se servisse iríamos nos casar. Foi assim que, dez meses depois, nos casamos. Mesmo que a minha pessoa nunca tenha se batizado na 1ª Igreja Batista, havia lá muitos fazendeiros e comerciantes, eles influenciaram e influenciam até hoje a cidade. Na Primeira Igreja tinha médico, professor, dentista, olhasse para onde fosse em Itapetinga tinha um membro da Igreja trabalhando pela cidade. Havia alguns sem recursos financeiros, mas, a maioria era capitalizada, tinha muito dinheiro. Muito do que ocorreu aqui se deve à Primeira Igreja; falta o povo admitir, mas, a cidade deve à Primeira Igreja a qualidade econômica, cultural, intelectual e administrativa. Foi um membro da Segunda Igreja, Evandro Andrade, que antes havia sido congregação da 1ª Igreja, que foi eleito a prefeito da cidade, derrotando o “grande Espinheira”. Lembro até hoje a quantidade de votos; ganhou com 512 votos de diferença. Então, politicamente, a meu ver, a Primeira Igreja influenciou a história de Itapetinga. Isto não foi somente no passado, basta analisar que o atual vice- prefeito, Alécio Chaves é membro da Segunda Igreja de Itapetinga, o que possibilitou, com o voto dos evangélicos, eleger um Governo do PT, coisa inédita na cidade. Basta analisar esse ponto para perceber que a influência da PIBI ainda está muito presente nesta cidade. Quando comecei a namorar a Elza, já havia a mão Deus nessa história, pois, foi por causa dela que tive o primeiro contato com a palavra de Deus, isto acontece ali dentro da Primeira Igreja 197

Batista, mas, naquele momento não tive a compreensão desse fato. Felizmente, os pais da Elza aceitaram o nosso noivado e, com dez meses, nos casamos dentro da casa do irmão Elias, isto ocorreu exatamente no dia 29 de novembro de 1958. Três meses depois que casamos fomos embora para a cidade de Potiraguá. Foi também com três meses de casado que aceitei Jesus como meu Salvador e Senhor de minha vida; o melhor seria eu dizer que Ele me aceitou para tomar parte do Seu reino. Isso aconteceu no dia 01 de fevereiro de 1959. Havia uns trinta dias que tinha feito a Elza chorar e, ali, estava totalmente convencido que queria seguir a Cristo. Foi assim, que comecei a estudar e fiz até a oitava série. Quando entrei na Igreja fui logo recebendo um cargo como tesoureiro, depois ministro da Bíblia, foi nessa época que recebi o chamado ao ministério pastoral. Nessa questão senti um ardente desejo de Deus para que enfrentasse novos estudos; voltei para Itapetinga para fazer o curso de contabilidade no Colégio Alfredo Dutra. Foi já trabalhando com a contabilidade da Igreja em Potiraguá que nasceu o desejo da minha consagração como Pastor. O exato momento da minha entrega a Cristo nunca vai sair das minhas lembranças, era onze horas da manhã, estava trabalhando com nosso irmão Arlindo, quando senti o chamado de Deus. Aquele momento Deus me incomodou de tal maneira que eu e meu irmão de fé, o Arlindo, chorávamos abraçados, Elza estava na cozinha fazendo mugunzá, veio correndo e entrou na grande festa. Depois de convertido, o que começamos devagar se transformou em uma grande oficina de marcenaria. Em uma noite anterior, havia ido com a Elza a uma Igreja Batista de Potiraguá. Durante o culto houve o canto de um hino, a partir daquele momento o Espirito Santo não me deixou dormir, fiquei a noite toda com aquela melodia na cabeça quando, na manhã seguinte, comecei a trabalhar; não precisou nem mesmo ir a outro culto, ali mesmo tomei o meu propósito de caminhar junto com Deus. Para trabalhar com a obra de Deus, passei por algumas duras etapas. Em 1966, com os meus filhos para estudar, enfrentei sérios problemas, não tinha nenhum seminário em nossa região, conseguir entrar em contato com um instituto que ficava em que, em resposta a nossa carta, informou que somente no Recife tinha um seminário que poderia ofertar tal formação. Escrevi para o seminário, infelizmente, a resposta foi a seguinte: primeiro era preciso fazer o segundo grau, depois era para dividir a família, pois, precisava ir morar no Recife. Foi por essa razão que voltei para Itapetinga e comecei a cursar a contabilidade. Naquela época, passei a ser membro da Segunda Igreja Batista, ficando no local por treze (13) anos. Como era marceneiro, essa profissão na qual trabalhei por vinte e cinco anos tinha, às vezes, boas circunstâncias, às vezes também passava por privações, contudo, agradeço muito a Deus, pois, foi com esse oficio, ao lado dessa minha fiel esposa, que criamos e educamos os nossos dez filhos formados por seis homens e quatro mulheres. Deus estava operando, antes mesmo de fazer a Teologia prestei um exame em um Concílio que aconteceu na cidade de Porções; passei nas provas sendo consagrado como pastor no dia 3 de 198

julho de 1966. A partir daí comecei a fazer a obra do Senhor sendo nomeado como Pastor da Igreja Batista do Calvário em Itapetinga, local onde fiquei por três anos. Em 06 de agosto também de 1966, assumi a Primeira Igreja Batista de Potiraguá. Fiquei por mais três anos como Pastor das duas Igrejas. Após esse período, fui ser Pastor em Cassilândia e, em 1988, voltei para Potiraguá reassumindo o ministério da Igreja Batista, agora já com o curso de Teologia. Fiquei ali por mais três anos e três meses e batizei 300 pessoas. É do meu tempo, em Cassilândia, que tenho uma ideia de onde se originou a Primeira Igreja Batista de Itapetinga. A meu ver, ela veio do Arraial de Sapucaia, sei disso, pois, quando pastoreei por sete anos a Primeira Igreja Batista de Cassilândia [Distrito de Itambé], muito da história da Primeira Igreja Batista de Itapetinga era relatada pelas memórias dos irmãos daquela Igreja. Nos livros de atas, parte da história se perdeu e parte da história veio da época que se chamava arraial de Sapucaia. Por essa razão, considero que a Igreja de Cassilândia é a mãe da Primeira Igreja Batista de Itapetinga, afinal, o primeiro crente que aqui chegou, o Nezinho Ribeiro, foi batizado na igreja de Sapucaia que hoje é um local referenciado como Cassilândia ou Catolezinho. Naquela época, Sapucaia era um pequeno povoado como Itatinga, só que bem mais desenvolvido, tinha um bom comércio, mercado e armazém. Sapucaia perdeu o desenvolvimento e acabou extinto por causa das riquezas conquistadas pelos fazendeiros de Itapetinga que foram promovendo a infraestrutura necessária para a formação de uma cidade. Quem me contava essa história com todos os detalhes era um irmão de Igreja que se chamava Felipe Santos, ele morreu com quase cem anos. Muitas vezes ele repetia a história da Igreja de Cassilândia, gostava de contar que os primeiros crentes que chegaram a Cassilândia vieram da região de Conquista, havia um Pastor Antônio que visitava sempre a Igreja, como também, tinha os irmãos espalhados por todo o Sul e Sudoeste da Bahia, o que contribuiu para ampliação do trabalho missionário na região. Se o maior registro de crentes no passado foi de Conquista, tem que lembrar que Itambé era distrito desta cidade até a década de vinte. Seguindo essa rota histórica, foram os crentes de Cassilândia, ou antiga Sapucaia, que batizaram muitas pessoas de Itapetinga que, por sua vez, nessa época era distrito de Itambé. Depois de Elzinha em minha vida, comecei a conhecer a palavra de Deus, comecei a conhecer o Evangelho, ficava lendo horas e horas buscando compreender a Palavra. Amanhecia o dia sentado lendo a Bíblia. Então, como não reconhecer que a Primeira Igreja Batista influenciou a minha vida? Foi a partir dela e através do conhecimento que tive com a Elzinha, que comecei a seguir o Evangelho. Hoje reconheço que a melhor coisa foi ter criado os nossos dez filhos sob os olhos de Deus; todos meus filhos são batistas, tem um que é pastor batista de uma Igreja de Belo Horizonte. Quando aposentei voltei a morar em Itapetinga, hoje somos da Segunda Igreja Batista, ela pertence a Convenção Batista Nacional (CBN), a Primeira Igreja Batista, continua a ser da Convenção Batista Brasileira, (CBB). As diferenças entre as convenções se encontram no processo 199

de mudanças dos cultos. Quando surgiu a renovação batista no Brasil, graças a Deus, não falo por orgulho, mas fui uma das primeiras pessoas que aceitou a renovação na Bahia. Doutrinariamente existe diferença, mas, não existe incompatibilidade entre os filiados das convecções. A questão da ruptura, vamos nominar dessa forma, mesmo que essa palavra “ruptura” não retrate fielmente a realidade, apenas estou usando esta palavra para poder definir melhor o que aconteceu, o que quero dizer é que uns mantiveram fiéis às tradições, outros foram buscar novas formas de falar com o Espirito Santo. Essa é a nossa única diferença, porque somos todos cristãos.

4.3.3 Pastor Odinei

Nasci em 03 de setembro de 1968, venho de uma família de de um lar rigorosamente católico. A minha infância foi no meio rural, minha primeira educação foi multisseriada [vários anos escolares em uma única turma], nem por isso deixávamos de continuar a estudar. Morar na área rural não me impediu de sonhar como, também, não me impedia de estar inserido dentro da Igreja Católica, participando de todos os rituais, onde quer que fosse possível me fazer presente. Quando era criança tinha um grande sonho em ser bancário. Isso mesmo, meu sonho era trabalhar em um banco, tanto que, anos depois, acabei, de fato, trabalhando em dois bancos: o antigo BANEB [Banco do Estado da Bahia vendido para o Bradesco] e o Banco do Brasil. Antes disso, acabei saindo do meio rural que ficava na região de Jacobina e fui morar na cidade. A minha chegada a um centro urbano impôs a ideia que precisava aprender todos os ofícios ou, pelo menos, todos os que fossem possíveis, para me preparar para o campo de trabalho. Nessa jornada, acabei sendo tipógrafo [este trabalho requer o uso de procedimentos artísticos e técnicos que abrangem as diversas etapas da produção gráfica, sendo atualmente, fadado ao desaparecimento por causa do computador]. Sim, infelizmente, o computador, por um lado, tirou a beleza do trabalho, bem deixa isso quieto [risos]. Mas, mesmo trabalhando com a produção gráfica, continuava aquele sonho de trabalhar em um banco, esse era o meu desejo. Apareceu, então, a oportunidade no Banco do Brasil, era o ano de 1988, não era ainda um concurso definitivo, o que ocorreu anos depois, mas, era um estágio. Foi assim que tive a minha primeira experiência com Deus. Naquela época o banco não era informatizado, sendo preciso fazer o teste de datilografia. Um dos testes mais temidos era exatamente o de datilografia, iria concorrer com os popularmente chamados “filhinhos de papai”, meninos que vinham da escola particular que, além de bem preparados, tinham conhecimentos com os ricos da cidade, eu não tinha nada disso. Como poderia passar se havia concluindo o meu curso de datilografia em 1984? Foi aí que lembrei, tinha aprendido a desenvolver uma prática que era rezar o Pai Nosso e fazer um pedido. Quando parei para fazer o Pai Nosso, comecei a refletir, como se ouvisse uma voz, como se o Senhor me dissesse: “o que você sabe sobre mim? Veja o tanto que eu tenho feito por você, mas, 200

e você, o que tem feito por mim? Foi passando na minha frente os flashes da minha vida, todas as vezes que eu pedia ao Senhor, Ele me atendia, porém, depois, o que eu fazia por Ele? Foi com essa reflexão que saí daquele teste, no qual fui aprovado, o que valeu o meu trabalho no banco do Brasil. Todavia, a minha reflexão na hora do teste não me abandonou, o que me levou a procurar um crente que morava próximo à casa do meu pai em Jacobina, dizendo a este, que se possível queria estudar a Bíblia com ele. Imediatamente fui abraçado, sendo levado a frequentar a sua Igreja. Porém, quando fui estudar a Bíblia, solicitei ao Senhor Jesus Cristo que não deixasse qualquer tipo de religião fazer minha cabeça, até porque naquela década de 80, ainda não havia uma unidade, nem mesmo entre os evangélicos. Havia uma grande disputa de espiritualidade entre as igrejas no sentido de pensar a Salvação, uns diziam que estavam salvos, outro diziam que os salvos eram eles, isso não me interessava, não era assim que eu via a figura de Deus. Por exemplo, o cristão da linha pentecostal via a si mesmo, como se fosse mais cristão que os outros. Como eu tinha essa visão, não queria me transformar em um religioso, mesmo hoje, fazendo parte de uma denominação religiosa, não sou um alienado religioso. Voltando àquela época, a Igreja onde fiz os meus primeiros estudos tinha muita coisa que eu não concordava, com isso quero dizer que se alguém busca a Deus e espera encontrar o Espírito Santo, deve ouvir seu coração, até porque a fé também passa pela razão, sendo preciso também, conceber e acreditá-la dentro dos princípios da racionalidade. A fé não é um salto para o escuro, nem o homem é um duplo que se divide em uma ordem perfeita o coração e a razão. Naquela Igreja, tentava me convencer de algumas questões, como por exemplo: é errado ou não doar o sangue? Mesmo que naquele momento não fosse um conhecedor da Bíblia, certas coisas vividas não me convenciam, procurei então visitar outras igrejas, chegando a um espaço onde foi possível encontrar uma coerência com as Escrituras Sagradas: a Primeira Igreja Batista de Jacobina. Isto não significa que aquela Igreja fosse perfeita, pois, como qualquer outra instituição, tem os seus problemas. Não é assim com a família? A igreja é o espaço onde se pode buscar a Deus em oração. Nesse sentido, torna-se um espaço de reunião e união das pessoas com Deus. Ainda mais se for pensado que o homem, como ser do pecado, precisa buscar a Cristo, essa procura pode estar no campo da idealização. A Igreja é um lugar de servir a Deus, procuramos, nessa servidão, nos tornar seres humanos mais perfeitos. A perfeição é o ideal a ser atingido, mas, sabendo que somos seres pecadores, essa perfeição não existe na nossa realidade cotidiana, somente sendo conquistada pela entrega total a Cristo. É através dele, que podemos nos tornar seres humanos melhores. Foi dentro dessa perspectiva que se deu a minha conversão ao cristianismo, qual foi a melhor linha na minha concepção, onde consegui me aproximar mais da ideia que tinha dessa entrega a Cristo? Uma Igreja evangélica. Com isso, saí da Igreja Católica, até porque ali não era um lugar do estudo da Bíblia, o lugar de fazer a obra de Cristo, o que eu procurava. Mesmo quando ia às 201

cerimônias religiosas da Igreja Católica, elas sempre ocupavam um segundo lugar na minha vida. Servir a Deus não é isso, Ele tem que ser central e principal. Lembro-me de uma coisa, nunca havia comprado uma roupa nova para ir à igreja, comprava para ir às festas, então, Deus não era a coisa mais importante da minha vida. Não estou falando, com isso, que todos os católicos sejam assim, porém, era essa a minha ação como católico. Quando me converti, em meu ministério já sentia no coração um chamado, não me sentia mais em paz no banco, olha que aquele era meu grande sonho de infância, porém, o vocacionado só se sente bem, quando está fazendo a obra do Senhor. Foi assim que acabei renunciando ao cargo que ocupava no banco e fui estudar Teologia. Ainda trabalhando no banco, construí uma gráfica e editora em Jacobina; essa empresa me auxiliava financeiramente, tanto nas questões econômicas relacionadas ao meu próprio sustento, como servia também, para ajudar as pessoas mais carentes. Depois que terminei o meu curso de Teologia, fui pastor em uma Igreja Batista em Jacobina durante sete anos e seis meses. Nesse período, constituímos um centro de estudo teológico. O seminário do Instituto de Estudo Teológico formou duas turmas em bacharelado em Teologia, além disso, formamos várias igrejas na região. [Como nasce uma nova Igreja Batista? ] Primeiro, começa com os membros que, geralmente, moram mais distantes da Igreja – vamos nesse momento chamar de matriz –, que começam a fazer orações em uma casa mais próxima de suas residências, ali com o tempo vira ponto de oração. Na medida em que amadurece espiritualmente, forma uma congregação. A partir da formação desta congregação, que mantém ainda uma ligação direta com a Igreja matriz, no processo de seu crescimento, cresce a obra do Senhor, assim com o tempo essa congregação passa a ter um Pastor. Mesmo que de início o Pastor possa pertencer àquela Igreja de onde saiu a congregação, com o tempo, ele pode ou não, ser independente da matriz. A congregação, inicialmente, também é regida pelo estatuto da matriz, mas, a depender do desenvolvimento, cria o seu próprio estatuto; tal grau de independência leva ao nascimento de uma nova Igreja. O importante é saber que cada Igreja formada é autônoma e soberana em suas decisões, portanto, não está subordinada a qualquer outra Igreja ou entidade religiosa, reconhecendo apenas a autoridade de Jesus Cristo e a sua vontade expressa nas Sagradas Escrituras. O sistema de governo de uma igreja batista é congregacional, isto significa que todas as questões administrativas passam por decisões de seus membros. Cada Igreja Batista, por ser autônoma, cria seu próprio estatuto, é ele que vai normatizar a forma de administração que pode ser composta por diretoria, conselho ou assembleia. Logo, o modelo da Igreja Batista é democrático, ela tem uma forma de governo participativa, onde os seus membros reunidos decidem o que melhor lhes convém. Um dos casos que passa pela assembleia, diretoria ou conselho (a depender do modelo adotado estatutariamente) é a admissão ou demissão de um Pastor. 202

Todas essas questões somente são vinculadas as decisões dos membros, sobre o destino que deve ser tomado que melhor os interessa, pois, quando são questões ligadas as doutrinas, a Igreja Batista rege-se pela Bíblia Sagrada. [Pela Bíblia Sagrada? Então porque as convenções são diferenciadas? ] A Igreja batista adota a Declaração Doutrinária que pode ter ligação com a Convenção Batista Brasileira (CBB), com a Convenção Batista Nacional (CBN), com a Convenção das Igrejas Batistas Independentes (CIBI) ou a Convenção Batista Renovada (CBR). Cada Convenção também tem encontros em nível estadual, pegando o exemplo aqui de Itapetinga, a Segunda Igreja Batista de Itapetinga, a Igreja Batista Calvário, a Igreja Batista Shekinah, a Igreja Batista Sião e a Igreja Batista Nova Aliança, todas elas e as suas respectivas Congregações adotam os princípios doutrinários da CBN do Estado da Bahia. Já a Primeira Igreja Batista de Itapetinga é da CBBA. Mesmo que se caracterizam as declarações doutrinárias dos batistas pela intensa e ativa cooperação entre suas Igrejas, elas permanecem autônomas em suas decisões, tendo apenas Jesus Cristo como liderança. [O que caracteriza a diferença entre as convenções? ] A convenção é apenas uma associação de Batistas, pois, as Igrejas continuam a manter sua independência local. Basicamente, a diferença entre a Nacional e a Brasileira é que a Convenção Nacional foi formada por brasileiros batistas, enquanto a Convenção Brasileira teve a sua origem nos estrangeiros batistas que chegaram ao Brasil no século XIX. Por exemplo: a convenção nacional surgiu na década de 70, especificamente, entre as décadas de 50 e de 60, proveniente de um avivamento que surgiu no seio de algumas Igrejas Batistas que atualmente, pertencem à CBB. Foi no seio da Convenção Batista Brasileira, que surgiram tendências menos tradicionais que quiseram experimentar uma renovação dos dons do Espírito Santo. Este foi um movimento que trouxe um maior comprometimento com o fervor de viver a fé intensamente. A partir daí, começaram a surgir Igrejas com esse avivamento, assim, por volta da década de 70 houve, em uma assembleia no Rio de Janeiro, a exclusão dessas igrejas da Convenção Batista Brasileira. Excluídas essas Igrejas formaram a Convenção Batista Nacional, mas, ambas são convenções históricas. O movimento que gerou conferências conhecidas como avivalistas, resumindo as convenções mais renovadas ou independentes, são Igrejas que se identificam como um culto mais avivado, menos tradicional. Nelas os membros participam com louvores seguidos de palmas, expressões corporais, etc. Enquanto o modelo mais tradicional prima ainda por um culto onde o pastor direciona o trabalho e, ali, no máximo se tem é o canto sendo entoado entre os membros. Eu destacaria duas características básicas para diferenciar as convenções batistas: a doutrina e a liturgia. A doutrina, nos dois casos, o centro da fé é Jesus Cristo e em ambos os casos está ligada a defesa da fé, porém, enquanto os batistas mais tradicionais mantêm a ideia que a Salvação ocorre por intermédio de Jesus e possui uma visão mais literal das Escrituras Sagradas, os renovados defendem 203

que a Salvação ocorre por intermédio de Jesus, o que depende da fé perseverante de cada um. Ou seja, o fiel renovado não pode desviar do caminho do Senhor, correndo o risco de perder a Salvação. Com isso, para o renovado a responsabilidade é sempre de ordem individual. Quanto à liturgia, está ligada a forma de cultuar. Os batistas tradicionais cultuam a Deus sem as palmas e instrumentos modernos, como bateria e guitarra. Já os renovados ou pentecostais, ao contrário, utilizam estes instrumentos em suas Igrejas. Portanto, as Igrejas Batistas, chamadas de pentecostais ou renovadas, foram frutos de divisões ocorridas dentro das Igrejas Batistas tradicionais. Agora, é importante registrar que todas as Igrejas Batistas têm um ponto em comum: elas são fiéis as Sagradas Escrituras. Voltando à minha escolha, contudo, de antemão, sentia que a minha missão com a obra do Senhor não se concluiria naquela cidade de Jacobina. Mesmo que a minha vida toda, até aquele momento, tenha sido desenvolvida ali, entretanto, quando nos convertemos ao Senhor, a nossa vida deixa de nos pertencer e passa a ser d’Ele. O Senhor, então, ordenou que era tempo de mudar de espaço. Deus pode deixar o Pastor em uma única Igreja por toda uma vida ou, dentro de dois (2), três (3), ou quatro (4) anos, convocá-lo para ir servir em uma outra igreja. Portanto, entre os batistas não existe uma predeterminação de um prazo para que esse ou aquele Pastor fique em uma específica Igreja. A minha transferência da Igreja Jacobina para outra Igreja, a princípio era totalmente incerto, mas assim mesmo, deveria começar a procurar outra igreja. Dessa maneira, após reunir com os meus irmãos, os membros da igreja de Jacobina, comuniquei que o meu tempo entre eles havia acabado, foi fixado que o limite final seria o mês de dezembro de 2006. Nessa época já era casado; tinha, desde 1994, como companheira, uma esposa que também era convertida, aliás, quando cheguei a 1ª Igreja Batista de Jacobina, ela já fazia parte dos irmãos. Quem tem esposa e filhos, como era o meu caso, tem que pensar na família, mas, o vocacionado não pode ficar refém desse fato, Deus está em primeiro lugar, portanto, não interessa se o local para o qual vamos, tem ou não estrutura para receber a nossa família, apenas sabemos que temos de ir. Lógico que a família sempre conta com a nossa preocupação, seria uma inverdade não reconhecer esse fato, assim, quando saí de Jacobina, recebi várias propostas, sendo convidado para , Salvador, Feira de Santana, todos esses locais tinham Igrejas que estavam precisando de um Pastor. Quando surgiu o convite dessas cidades, fui orar para tomar a melhor decisão. Em minhas orações não havia sequer uma sinalização de Deus por nenhum desses locais, foi nesse meio tempo que surgiu o convite de Itapetinga. Quase que imediatamente decidi vir fazer a conferência em Itapetinga. [O que é uma conferência? ] Uma Igreja está sem Pastor e ela decide contratar um, para que isso ocorra, primeiro a Igreja fica em oração, depois ela observa aqueles pastores que estão disponíveis, sendo avaliada a lista desses pastores, a Igreja decide, em Assembleia, quantos pastores serão convidados para ser ouvidos em uma conferência. Naquele momento fomos três os escolhidos, após, fechar uma agenda de pregações, cada um destes pastores passou um final de semana pregando. Novamente a Igreja 204

entrou em oração e, em assembleia, decidiu, através do voto, pela minha pessoa. Necessariamente, a escolha, também, poderia não ter sido por nenhum dos três que ali estavam se apresentando. No caso da Segunda Igreja Batista de Itapetinga as decisões passam por assembleias, pois, essa é a forma regida estatuariamente. Quando recebi o comunicado que havia sido o escolhido pela assembleia, antes de tomar a minha decisão final, preferi, primeiro, reunir com a igreja de Itapetinga, fora daquele ato de pregação que havia acontecido. Nessa reunião, falei das minhas propostas de liderança e de conduta, colocando aquilo que acreditava ser o melhor como processo de administração pastoral, o que inclui a ênfase ministerial e teológica. Ali, também, mesmo se tratando de uma Igreja Batista, me permitia conhecer melhor aquela específica Igreja, seus membros e posições. Nesse momento estava envolvida a própria questão cultural da cidade; isso tudo era muito importante para que eu pudesse tomar minha decisão final. Enfim, naquela reunião, além de esclarecer aquilo que desejava, também, serviu para mostrar quem era diante daquela comunidade. Foi dessa forma que reafirmamos (os irmãos da 2ª Igreja Batista) o nosso interesse de estarmos juntos. Quando cheguei à Igreja, estava passando por uma situação delicada, o Pastor anterior, tinha realizado um ótimo trabalho, mas, acometido de uma doença, acabou tendo que se aposentar, o que levou a Igreja a complementar o seu salário. Havia um ano que a Igreja estava sem Pastor, alguns membros haviam saído, as finanças estavam no limite. Assim, compreendi qual tinha sido o chamado de Deus. Todo o processo anterior estava se revelando no grande trabalho que teríamos pela frente. Com isso, como cheguei aqui em 2007, tem sete (7) anos e seis meses que estou pastoreando a Segunda Igreja Batista de Itapetinga, nesse exato momento que me pede para falar sobre as minhas memórias, tem o mesmo tempo que fiquei em Jacobina. Na medida em que fomos trabalhando, muitos membros que haviam saído, voltaram à Igreja, muitas outras conversões foram feitas, ainda estão conosco, dois pastores aposentados, um deles é o Senhor Nelson, esposo da Irmã Elza, filha do Mestre Elias, aquele que construiu e reformou a 1ª Igreja Batista. Atualmente, temos um trabalho que, por obra da Igreja ou através de convênios, com o próprio governo municipal e estadual, representa, para essa comunidade, do Bairro Nova Itapetinga, um importante processo social. Seja na área de emprego, seja na constituição de novos conhecimentos e etc. Itapetinga, tomada as proporções populacionais, é uma cidade que tem um grande número de suicídios. Mas, lembre-se, quando assinalo que aqui existe um alto índice de suicídios, isto não se deve a essa ou aquela religião, isto ainda é hipotético, mas acredito que está vinculado a questão econômica. A essa cultura vinculada ainda à ideia das riquezas produzidas pela pecuária que, atualmente, já não faz mais parte da história de Itapetinga. A concentração de renda aqui ainda está vinculada com base no Alqueire e Hectare de terra, essa é a medida, ou seja, por aí já alimenta a ideia que a posse da terra é em proporções enormes. Jacobina não, lá se chama a divisão de terra por 205

Tarefa, uma medida de terra bem pequena, o que beneficia uma grande maioria da população, isto diversifica muito a economia. Em Itapetinga, ninguém sabe o que é Tarefa, as pessoas que tem fazendas aqui, também, possuem fazendas no exterior. As férias são passadas no exterior, nas fazendas tem aeroportos, que entra e sai os aviões, do outro lado se tem o pobre e muito pobre, que acredita que pode fazer o mesmo. Enfim, aí está o motivo, mesmo que aparente, que poderia ser o princípio dos próprios suicídios. Estamos agora fazendo um trabalho com esta questão, inclusive vamos terminar esse projeto colocando outdoor pela cidade, abordando o tema. Temos feito esse trabalho, o que tem evitado algumas mortes, posso citar alguns casos (...), [cita algumas conversões de pessoas à Segunda Igreja Batista, que estavam à beira do suicídio e que através do trabalho pastoral, pode ter evitado as mortes, os nomes e as situações das pessoas, por opção do recordador foram retiradas da narrativa]. Voltando à sua questão sobre a influência da Primeira Igreja Batista na cultura religiosa de Itapetinga, o que posso falar é que, se agora a 2ª Igreja Batista de Itapetinga faz parte da Convenção Batista Nacional, mas, quando nasceu, surgiu de uma Congregação da 1ª Igreja Batista, portanto a Segunda Igreja é filha da PIBI. No início foi um trabalho da Primeira Igreja Batista, foi ponto de pregação e oração, na medida em que foi crescendo, ainda com a administração do Pastor Samuel e a sua equipe de Evangelistas e Diáconos, transformou-se em uma Congregação. Na medida em que foi amadurecendo espiritualmente, a Congregação se transformou em uma Igreja, comemorando agora em vinte e quatro (24) de julho de 2014, os 46 anos de sua existência. Eu te diria que direta ou indiretamente a maioria das Igrejas batistas da cidade nasceram da 1ª Igreja Batista. Quando cheguei em Itapetinga, logo percebi uma diferença de espiritualidade, se for tomando como parâmetro a cidade de Jacobina, da qual eu vim. No catolicismo daqui se percebe um horizonte muito diferente, muito mais aberto ao movimento evangélico. Aqui tem uma cultura evangélica muito grande, basta analisar que os dois movimentos religiosos e públicos da cidade são evangélicos, a “Marcha Itapetinga para Cristo” que acontece no dia doze (12) de dezembro, dia da emancipação política de Itapetinga e “O Jesus Vida Verão”, que é um congregacionalísmo a céu aberto que ocorre durante três dias entre os meses do verão. Este é um encontro das famílias em Cristo que acontece, todo ano, no Parque Poliesportivo de Itapetinga, envolvendo a cidade e as verbas municipais, mas, são organizados pelos evangélicos. Itapetinga tem duas Paróquias Católicas, [São Jose e Nossa Senhora das Graças], a primeira mais tradicional que a segunda, que é bem mais avivada. Diria que até o catolicismo aqui parece que é mais fervoroso que em outros locais, não é raro encontrar grupos católicos fazendo o estudo da Bíblia. Assim, posso não precisar até onde se tem a influência da 1ª Igreja Batista nestas tendências católicas, mas, poderia dizer que o catolicismo aqui é bem diferente daquele que eu vivia em Jacobina. A ação da 1ª Igreja Batista, ali simbolicamente instalada no centro da cidade, condiz com a sua posição dentro do social desta cidade. Essa posição não é somente física, ela acabou 206

contribuindo por fortalecer um movimento histórico que, aqui em Itapetinga, se traduziu pela fé cristã. Existe um fortalecimento religioso evangélico muito próximo entre as pessoas dessa cidade, eu diria que essa influência chega até aos muros da Universidade. Quando fazia um curso superior em Jacobina, o espaço era muito secular, muito longe da fé e da crença. Quando cheguei a Itapetinga, fui fazer um curso superior na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), pensei que chegando ali encontraria um espaço onde teria que batalhar para mostrar a palavra de Deus. Estava intencionado a mostrar a minha experiência com Deus. Afinal, quando havia estudado na Universidade Estadual da Bahia (UNEB), havia tanta crítica contra a religião que tive vontade de fazer uma pesquisa que partisse da ideia, como havia uma invasão da fé pela crença da ciência. Era a minha vontade descobrir porque as pessoas, quando chegavam à universidade, rompiam com as suas formas de crenças cristãs. Totalmente diferente era aqui no Campus da UESB, isto se for comparado com o Campus da UNEB em Jacobina, posso te falar isto com toda a certeza, pois, pisei nos dois solos. Só para citar o exemplo, na minha sala de aula tinha mais de 90% de evangélicos. Bem ao contrário do que havia vivido na UNEB; quando cheguei à UESB me senti em um céu. A cultura da fé era inabalável, ali naquele espaço a ciência perdia para a religião. Não que eu negue a ciência; religião e ciência, cada uma deve caminhar com os seus ideais, mas, existe sim, o conflito bem acirrado entre a ciência e a religião só que, nesse aspecto, acredito que o ser humano do século XXI, precisa assumir a ideia que não existe verdade absoluta em nenhuma questão. A ciência precisa ver a fé de outra maneira. Essa maneira eu encontrei aqui por isso, para mim, a 1ª Igreja Batista influenciou e influencia esta cidade, seja culturalmente, socialmente ou moralmente. Aqui existe uma solidariedade, muito grande, isto pode ser visto até mesmo nos programas de rádio, claro que a cidade cresceu bastante por causa do comércio e indústria calçadista, muita gente de fora, mas, naquilo que é próprio da cidade ainda não morreu isto se deve ao papel que a 1ª Igreja desempenhou e ainda desempenha. Atualmente não só ela, mas, como havia dito, este é um trabalho de todas as igrejas evangélicas batistas, que por sinal, teve em sua maioria, ligação direta com a 1ª Igreja Batista de Itapetinga.

4.4 Memórias Públicas

4.4.1 O Livro Homenagem138

Nasci em 20 de setembro de 1910, na cidade de Maracás – Bahia, filha de Henrique Nascimento Santiago e Sancha Maria do Nascimento, casada com Alfredo Bispo dos Santos. Pela graça e misericórdia de Deus, crente evangélica, fui batizada em 17 de fevereiro de 1955, pelo Pastor

138 Os dados do livro homenagem constam nas fontes documentais desta tese; 207

João Moreira, Pastor, na época, da Primeira Igreja Batista de Itapetinga, da qual sou membro até hoje. [Continua, com o depoimento o Senhor José Bispo dos Santos, que é filho da homenageada Dona Tercília]: Deste casamento nasceram-lhe nove filhos, Benice (in memoriam), Senhorinha (In memoriam), Egídio, Antônio, José Bispo, Jairo (in memoriam) e Almira, que foram nascidos no município de Jaguaquara, Maria e Elizabeth nasceram aqui em Itapetinga. Onde morávamos existia um cidadão chamado Florentino, conhecido como ´Milozinho´, um homem crente que, além da sua profissão de vendedor de medicamentos da homeopatia, dedicava parte de sua vida como evangelista. A mesma Igreja que fazia parte, me lembro, todos os domingos, meu pai e minha mãe, andavam várias léguas para assistir à Escola Bíblica Dominical. Este cidadão, no ano de 1950, veio à Itapetinga participar de um encontro de evangélicos na Primeira Igreja Batista. Conheceu, aqui na Igreja, um pecuarista chamado Aquilino de Souza Brito e começaram a conversar sobre fazendas, terras, bovinos e, aproveitando a oportunidade, falou sobre a habilidade que meu pai tinha em lidar como trabalhador de fazendas, usando até um termo, para o Sr. Aquilino, que meu pai era um leão como trabalhador braçal. Logo o Sr. Aquilino Brito se interessou em tê-lo como empregado em sua fazenda. Ao retornar para Jaguaquara, o Sr. Milozinho comentou o fato para meu pai, demonstrando ele grande interesse em vir para Itapetinga. Meu pai, em Jaguaquara, não trabalhava de empregado, tinha a sua roça própria de onde tirava o sustento da família. Naquela época, tinha um contrato com um proprietário de uma fazenda chamado Everaldo de Souza Santos, um dos tios do Dr. Settímio Orrico, que foi um famoso médico e pecuarista em Itapetinga, com quem trabalhava na colheita de café, cabendo a participação com 50% para cada um. Meu pai vendeu a sua roça, vendeu um cavalo e um jumento que possuía; desse negócio apurou a quantia de Cr$3.800 (três mil e oitocentos cruzeiros), ficando assim decidido a transferência de imediato para a cidade de Itapetinga. Meu pai alugou um caminhão. A este dava-se o nome de ´pau-de-arara´ e, juntamente com quatro famílias, inclusive a do Sr. Milozinho, viemos para Itapetinga. No dia 03 de novembro de 1950, desembarcamos na Praça Guilherme Dias, praça esta onde se encontra construída a Concha Acústica; não sei precisamente a que horas, sei que era noite, ficamos ali por três dias em uma casa cedida por um cidadão chamado Manoel Francisco de Almeida, o popular Manoel Quiabo. Passado este período, fomos surpreendidos por um cidadão com vários animais arriados, dali fomos levados para uma fazenda às margens do Rio Pardo, de propriedade de um fazendeiro Aquilino de Souza Brito. Naquela fazenda passamos cerca de nove meses, mas o desejo de meu pai era sempre levar sua família para um lugar mais próximo da cidade, nas suas palavras - onde esses meninos poderiam estudar. Foi quando ele procurou o Sr. Aquilino Brito para falar da sua intenção. Após meu pai fazer o comentário sobre o seu desejo com o Sr. Aquilino Brito, ele respondeu o seguinte: “– O senhor não 208

vai sair daqui para a fazenda de qualquer um não, vou lhe indicar um fazendeiro amigo nosso, um lugar mais próximo da cidade, com apenas oito quilômetros de distância da cidade”. Dali fomos transferidos para Pirangaba, fazenda de propriedade de um cidadão chamado Oséias Pio, lugar mais próximo da cidade [Vila de Itapetinga]. Este cidadão era um homem crente e nos ensinou os primeiros passos a respeito da vida com Jesus Cristo. Lembro-me dos cuidados que aquele fazendeiro tinha para com nossa família. Sempre reunia com sua numerosa família, em número de dez pessoas, juntamente com a nossa, cujo número também era dez, para fazermos o chamado culto doméstico; me lembro de um rádio existente na sua fazenda, alimentado por uma bateria de automóvel que, todas as sextas, éramos convocados a nos reunir à sua volta para assistir um programa evangélico, a mensagem de um pastor do Rio de Janeiro. Ali passamos mais ou menos um período de dois anos e meio. Foi quando o Sr. Oséias Pio, foi convidado para assumir a gerência da Empresa Garoto de propriedade da família do Dr. Roberto Santos, na região de Potiraguá. Vendendo aquela propriedade para um cidadão chamado Aureliano Coelho, o Sr. Oséias Pio, chamou o novo proprietário daquela fazenda e disse: “ – Tem esta família muito numerosa; eles têm uma área de terra plantada e é desta área de terra que eles tiram o sustento para se manter. Como a roça não estava ainda na época da colheita, o Sr. Oséias Pio, sugeriu àquele novo proprietário da fazenda que meu pai permanecesse ali por algum tempo até que fosse terminado toda a colheita. A reação daquele cidadão foi imediata, dizendo que só receberia aquelas terras por ele adquiridas, se fossem retirados todos os moradores anteriores à sua família. Porém, propôs ao meu pai indenizar todo aquele plantio feito naquelas terras. Depois de ter feito os acertos e pago o valor combinado, meu pai, de imediato veio à Itapetinga, comprou uma meia água na rua Brumado [casa composta por sala, quarto, cozinha e banheiro]. Ampliou esta meia água e nós passamos a residir em Itapetinga, local este onde minha mãe reside até a data de hoje. Meu pai era um homem honesto, um pai exemplar, sério, de palavra firme, era um tipo de cidadão que se fizesse um acerto com qualquer pessoa e descobrisse alguma falha por parte dele, dizia para aquele cidadão: “– Olhe, o nosso acerto será desfeito aqui, eu gosto de honrar a minha palavra, porém, o senhor não honrou a sua”. Era assim, um homem correto em todas as suas transações, amava os filhos e os defendia em todas as circunstâncias. Analfabeto, porém, desafiava qualquer cidadão que pegava em um lápis para fazer qualquer tipo de conta e, mesmo, em relação a qualquer cálculo de terras, ele já tinha em sua mente aquele resultado. Nós descobrimos que nosso pai quando optou para vir à Itapetinga, era única e exclusivamente para: “– Ver estes meninos em uma sala de aula”. Nada queria em benefício dele; meu pai lá em Jaguaquara, como disse anteriormente, não trabalhava de empregado, tinha a sua roça própria, de onde tirava o sustento da família. Aquele novo proprietário que adquiriu a fazenda do Senhor Oséias Pio, apesar de ter indenizado a roça a meu pai, não tinha nenhum interesse nas plantações, tanto, que ele chamou meu 209

pai e autorizou a fazer a colheita. Lembro-me que, tanto eu quanto meus irmãos, por diversas vezes, voltamos ali para fazer a colheita daqueles alimentos. Com meu pai era o tipo de pessoa que trabalhava debaixo de sol e da chuva, muitas vezes, a própria roupa enxugava no próprio corpo, isso veio causar-lhe uma gripe muito forte, consequentemente, foi acometido de uma tuberculose que, na época, era uma doença que não existia tratamento em Itapetinga. O Senhor Aquilino Brito, juntamente com o senhor Oséias Pio, transferiram meu pai para a cidade de Belo Horizonte, onde existia o tratamento mais avançado para aquela doença. Meu pai ficou ali aos cuidados de um dos irmãos do Senhor Aquilino Brito, o Pastor Elias Brito. Era ele quem dava as notícias da saúde e do estado do meu pai. Era ele quem mandava notícias através de cartas. Lembro da primeira carta escrita por ele, dizia assim: “– O irmão Alfredo chegou bem, está aguardando a sua vaga para ser internado”. A segunda carta veio dizendo que meu pai havia sido internado, estava passando bem; me recordo de todas as cartas recebidas e que eram lidas pela Professora Julita Brito. Na época havia um envelope com bordas pretas, chamado envelope de luto, quando alguém o recebia indicava que um membro daquela família havia falecido. Nós não tínhamos conhecimento desse fato, mas, a professora Julita ao receber já sabia. Foi assim, a sua leitura: “– Minha querida e amada irmã Tercília, que a paz esteja na sua casa. O irmão foi operado e perdeu muito sangue, não resistiu à operação e veio a falecer. O seu sepultamento aconteceu há uma semana atrás”. A professora depois de consolar minha mãe lhe disse: “–Agora a senhora vai para casa para dar notícia [...]”. Minha mãe, ao retornar para casa, reuniu todos os filhos e falou que o nosso pai havia falecido. Meu irmão, ainda pequeno, disse assim para minha mãe: “E agora, minha mãe, o que faço sem as minhas bolachas? ” Ela com toda sua sabedoria disse para António: “As bolachas não vão faltar meu filho, eu jamais vou permitir que isso aconteça”. Minha mãe ficou viúva com quarenta anos de idade, oito filhos pequenos, todos menores de idade, eu me recordo que todos nós procurávamos desenvolver algumas atividades de acordo com a faixa de idade. Egídio, o filho mais velho, começou a vender leite de porta em porta, montado em um jumento, para o fazendeiro Mariano Campos. As duas filhas mais velhas Senhorinha e Almira, iniciaram suas atividades apreendendo a profissão de doméstica; eu e o Antônio, ele com onze anos e eu com dez, fizemos com as nossas próprias mãos, dois carrinhos de mão, todos os dias descíamos para o mercado municipal, fazendo uma espécie de frete no carregamento de feiras para vários moradores desta cidade. Aquele dinheiro arrecadado no final da tarde era entregue, todo, para nossa mãe para ser usado na compra de alimentos. Minha mãe começou a lavar roupa para diversas famílias de Itapetinga, principalmente, as famílias da Primeira Igreja Batista. Posso citar aqui algumas delas, como a família de dona Hermínia Brito, Adair Costa, Maria Coutinho, dona Edla que é a esposa do Pastor Samuel, a família do Sr. Francisco Vital. Vou narrar um fato acontecido, dona Edla quando chegou aqui em Itapetinga 210

procurou Dona viva, queria informações sobre lavanderias na cidade. Dona Viva respondeu que a lavanderia da Igreja era da irmã Tercília. Dona Edla procurou minha mãe e falou da sua intenção de lavar a roupa do casal. Depois de fazer o contrato, trouxe a roupa para minha mãe lavar, relatando que, dentre a roupa, tinha um terno que o Pastor Samuel iria usar para o culto do domingo. Recordo que o terno era de linho branco, lavado, passado e engomado como se fosse a última vez, estava pronto para ser entregue, porém eu e minha irmã com a simplicidade de adolescentes, brincando com um candeeiro a querosene, chegamos a botar fogo no terno. Passamos por momentos terríveis, minha mãe ficou apavorada com esse fato e disse: “ – Logo a roupa do Pastor Samuel, que estou lavando pela primeira vez”! Eu pensei comigo: “– Poxa, vida, se o Pastor Samuel, em sua mensagem no domingo pela manhã, narrar o acontecido, minha mãe vai deixar de lavar as roupas de todas as famílias da Igreja. É claro que depois que tomamos um bom corretivo, minha mãe procurou a família do Pastor Samuel para narrar o acontecido. Aquela família agiu com o coração e minha mãe lavou a roupa de casal por um longo período. Qual foi a participação da Primeira Igreja Batista em relação a essa família? A Bíblia diz que devemos cuidar os órfãos e da viúva. Será que a Primeira Igreja Batista de Itapetinga cumpriu essa ordenança para com esta família? Cumpriu sim, vou citar alguns fatos em relação a isto. Tivemos, nesta Igreja, alguns membros que sempre procuraram nos ajudar, a exemplo do Irmão Francisco Vital. Este Senhor era quem encaminhava a nós, meninos ainda, para área de trabalho de acordo com a capacidade da faixa de idade de cada um. Tivemos ainda a ajuda da família de Dona Adair Costa, da família do Pastor Samuel, da família da senhora Belarmina Pio, Hermínia Brito, Florentino Souza e a família da Senhora Laura Carvalho. Me lembro de um membro da 1ª Igreja chamado Artur Nunes de Carvalho, ainda na época em que o meu pai estava doente em cima de uma cama, este senhor tinha um cuidado especial para com essa família. Todos os dias ele fazia o papel de enfermeiro; vinha à nossa casa para cuidar do meu pai e aplicar-lhe os medicamentos. Recordo-me que, um dia, ele precisou se ausentar da cidade por uma semana para ficar na sua fazenda. Mas, antes de ir, disse ao meu pai que estava muito preocupado com o seu horário de tomar os medicamentos. Feito isto, tirou do bolso um relógio e o entregou ao meu pai para que este conferisse os horários. Como meu pai não sabia olhar as horas, ele pacientemente o ensinou. Nós, não tínhamos ainda o conhecimento da gravidade da doença do meu pai, não sabíamos que era muito contagiosa. Foi o Senhor Artur Nunes de Carvalho que nos ensinou sobre a doença e pediu a minha mãe para separar os utensílios domésticos que eram utilizados pelo meu pai. Foi o Senhor Artur Nunes de Carvalho que também perguntou: “ – E esses meninos, irmãos Alfredo, quanto estão estudando”? Meu pai respondeu dizendo que nenhum deles ainda estava na sala de aula. Para nossa surpresa, no dia seguinte quando ele chegou em casa, já estava com as nossas matrículas prontas, além de trazer todo o material escolar. 211

[Além das citações acima descritas do Senhor José Brito, o livro contém ainda os depoimentos de amigos, colegas de profissão e familiares da Senhora Tercília Bispo dos Santos, revelando através das memórias, a luta dessa Senhora que, em suas palavras: “com coragem, fé e contribuição da PIBI” construiu a história da sua família na cidade de Itapetinga. Dentre esses depoimentos existe um, que é do Pastor Samuel, no qual ele narra toda a força da senhora Tercília]. Como pastor, cheguei a Itapetinga em 1957, encontrei a jovem viúva com 43 anos de idade, como membro da Primeira Igreja. Batizara-se dois anos antes, - em 1955 pelo Pastor João Moreira. Acompanhei a sua luta pela construção da família, como brava guerreira, sou testemunha da sua luta pela sobrevivência, mas sobretudo, pela construção social e espiritual da família. Ao que parece, já naquela época, morava onde ainda mora hoje, na Rua Brumado no Bairro Camacã. Era uma inspiração vê-la chegar à igreja dominicalmente com aquela fileira de crianças para escola bíblica e culto. [...] seus filhos se levantam e chamam-na “Bem-Aventurada”. Agora comemorando seus 102 anos é admirável sua lucidez. As energias físicas descressem, mas, as espirituais se renovam como águia. Confessa que se sente cansada de viver e deseja partir para estar com o Salvador. Perguntei- lhe numa das minhas visitas, qual era o seu sonho hoje. A resposta pronta veio espontaneamente: “Morrer está com meu Deus”. Mas, o senhor considera que é melhor que viva por mais algum tempo entre nós e vai lhe acrescentando os dias, mesmo enfrentando o dilema de Paulo, como nos revela Filipenses 1: 23-26. O céu esperará um pouco mais e nós aqui na terra ganharemos com aspiração que seu viver é para todos nós (SANTOS, p. 2012, p.18).

4.4.2 O Discurso Público139

Excelentíssimo Prefeito de Itapetinga, Sr. José Carlos Moura, Sra. Cida Moura, Primeira Dama, Srs. Secretários, Vereadores, Autoridades, Senhoras e Senhores presentes: Em nome da família de Augusto de Carvalho, venho em público, agradecer pela homenagem prestada ao nosso querido patriarca que muito fez e amou a nossa Itapetinga Antes de fazer uma síntese sobre a vida de Augusto de Carvalho, gostaria de ressaltar o empenho de muitos queridos amigos que batalharam para que fosse concretizada esta obra de grande relevância para a cultura da nossa terra. Posso destacar aqui, a figura do escritor e Chefe do Departamento de Cultura Maurício Gomes, do escultor Sergio Carvalho Gomes, do ex-Secretário de Meio Ambiente Carlos Leôncio Souza Costa, da Secretária de Educação Sibele Moura Nery, que contaram com o apoio e aprovação do Prefeito José Carlos Moura. Augusto Andrade de Carvalho nasceu em Vitória da Conquista, em 23 de maio de 1892. Estudou apenas o curso primário. Começou a trabalhar muito jovem como balconista e, a pedido do seu patrão, começou a mascatear. E, em uma dessas viagens conheceu e casou-se com Doraliza de Andrade Coimbra, que era filha do Coronel. Antônio de Andrade Coimbra, comerciante e fazendeiro

139 Os dados constam nas fontes orais desta Tese. 212

em Campinas (Cachimbo), Município de Vitória da Conquista. Após o casamento ela passou a chamar-se Doraliza Andrade de Carvalho. Tiveram 15 filhos: 07 nasceram em Campinas, 07 na fazenda Astrolina e 01 em Itatinga. Residiram 10 anos em Campinas (Cachimbo). Tornou-se comerciante, possuía uma casa de tecidos e ferragens, etc. A sua grande pretensão era ser pecuarista, adquiriu sua primeira propriedade rural às margens direita do Rio Pardo (Riacho d’Água) Município de Macarani. Em 1914, a convite do seu amigo Bernardino Francisco de Souza, veio conhecer as terras do Catolé Grande, onde fez grandes medições. As fazendas Astrolina, Arrebol e Altamira. Veio fixar residência na Fazenda Astrolina, em 1924. Propriedade comprada em 1914 de Bernardino Francisco de Souza por dois contos e quatrocentos mil réis. Já proprietário das terras da região, em setembro do corrente ano, separou na chapada dentro da mata virgem, uma área de 10 hectares e declarou que ali seria construído um núcleo de povoamento, que teria o nome de ITATINGA, devido à grande quantidade de pedras brancas existentes na região. Em dezembro de 1924, deram início à construção das cinco primeiras casas. Sendo três na Praça Castro Alves e duas na Rua da Cancela. Com um ano de fundação, existiam no arraial onze casinhas feitas de taipa e cobertas de telhas. Sendo que Augusto de Carvalho residia na Fazenda Astrolina, só vindo residir em Itatinga em 1937. A primeira missa celebrada em Itatinga foi em setembro de 1926, pelo Padre Ranulfo Sena, em um salão construído por Augusto, que também servia de escola. A primeira obra pública foi inaugurada em 30 de maio de 1934, O BARRACÃO, que ficava nesta praça, servia de abrigo aos tropeiros, viajantes e ferreiros que transitavam por aqui. Augusto de Carvalho denominou está Praça de Castro Alves e as demais ruas do centro de Itatinga. Barão do Rio Branco, Dois de Julho, Marechal Deodoro, D. Pedro II, João Pessoa, José Bonifácio, J.J. Seabra, etc.…Fundou em Itambé sob sua responsabilidade o jornal A VOZ DO POVO, em 15 de outubro de 1935. Foi vereador pelo município de Encruzilhada (1922). Augusto de Carvalho, Sr. Juvino Oliveira e o Sr. Mariano Campos foram os primeiros representantes de Itatinga na Câmara Municipal de Itambé, na qual foi Presidente (janeiro de 1936). Integrante da UDN (União Democrática Nacional) seguia a liderança política do ex-governador da Bahia, Juracy Magalhães e do deputado Manoel Novais. Com o apoio do Deputado Manoel Novais (1936) trouxe para Itatinga a primeira Escola Pública, a nomeação da primeira professora estadual Celina Braga dos Santos e a primeira Agência dos Correios, que teve como agente postal a senhorita Maria de Lourdes Pereira. Foi aclamado primeiro Presidente da Associação Cultural Itatinguense – ACI, em 14 de novembro de 1936. Em 03 de dezembro de 1938, o Diário Oficial (DO) do Estado da Bahia publicou o decreto- lei nº 11.089, de 03.11.1938, onde Itatinga aparecia como VILA. Entrou em vigor em 01.10.1939. Devido a alguns desentendimentos políticos e pessoais com o Prefeito de Itambé, o Dr. Aparício do 213

Couto Moreira, Augusto de Carvalho entregou a administração da Vila, em 1939. Mudou-se para Salvador em 19.11.1939 com o objetivo de dar uma educação de melhor qualidade para os seus filhos. Em 1933, havia vendido parte de suas terras ao seu compadre e amigo Sr. Juvino Oliveira, onde desmembrou 25 alqueires da Fazenda União da Bela Vista. Em 1939, vendeu ao Sr. Pompílio Espinheira as Fazendas Astrolina e Arrebol. Em 1944, vendeu ao Sr. João Martins a Fazenda Umburana. Em 1946, vendeu ao Sr. Augesziro Moura a Fazenda Altamira. Ao adquirir suas propriedades no extremo sul da Bahia, continuou atuando como líder político. Lá no extremo sul, foi vítima de uma picada de cobra e após este episódio, a sua saúde ficou bastante debilitada, sofreu um derrame e veio a falecer aos 64 anos incompletos, no dia 05.02.1956, na capital do Estado. Foi sepultado no Cemitério do Campo Santo, no bairro da Federação em Salvador. No dia 07 de janeiro de 1938, houve a cerimônia do casamento de Lenita Andrade de Carvalho e Orlando Oliveira Luz. Ela, filha de Augusto de Carvalho e ele, do Sr. José Galdino Luz. Vieram à Itatinga para o casamento, o Sr. Rogério Soares Gusmão (Prefeito de Itambé), Dr. Jorge Hene e o Sr. Astério Araújo. No dia seguinte ao casamento, resolveram homenagear o amigo Augusto, colocando uma placa de madeira, oval, com o nome Praça Augusto de Carvalho. Após a sua morte, o Sr. Juvino Oliveira, Prefeito Municipal de Itapetinga, fez uma justa homenagem ao seu amigo, através do Decreto Nº 45, de 06.02.1956. Também na gestão do Prefeito Juvino Oliveira foi sancionada a Lei Nº 15, de 19.04.1956, denominando de Praça Augusto de Carvalho a antiga Praça Castro Alves. Ainda adolescente Augusto de Carvalho, recebeu de presente as imagens da Sagrada Família (Jesus, Maria e José), de um parente que se tornou protestante. Estas imagens serviram de base para que, mais tarde (1924), ao fundar o arraial que denominou Itatinga, escolhesse São José seu padroeiro, por ser devoto desde jovem. Estas imagens se encontravam na Igreja que foi demolida na gestão do Prefeito Evandro Andrade para ampliação da Praça Dairy Valley e não se sabe o destino que foi dado às mesmas, eram relíquias da comunidade Itapetinguense.

[12 de dezembro de 2014, sexagésimo segundo aniversário de emancipação política e administrativa de Itapetinga-BA].

Maria Augusta de Carvalho

214

4.4.3 A Carta 140

Início do trabalho batista em Itapetinga

No início do trabalho evangélico em Itapetinga, quando inúmeras eram as dificuldades e obstáculos, um pequeno grupo de visão muito grande, plantou a semente da hoje frondosa Primeira Igreja Batista de Itapetinga. Aquele grupo se reunia em casas particulares, pois, não dispunha de condições para arcar com as despesas com a construção de um pequeno salão para os cultos. Em julho de 1939, recebi uma carta do irmão Laudelino José dos Santos me consultando sobre a compra de um lote na praça principal da Vila de Itapetinga, naquela época, por um conto de réis, dizendo o mesmo, que era um preço bastante caro, ao que respondi ao irmão: “– Compre este terreno, pois que sendo o mesmo situado em local principal da praça, deveria mesmo ser mais caro”. Há cerca de três anos, falei ao Sr. Juvino Oliveira como adquirimos este terreno tão bem localizado para a Igreja e ele me falou que na verdade quando estava à venda o mesmo terreno, procurou quatro fazendeiros para com ele comprarem a posse para construção de uma Igreja Católica, cada um entrando com duzentos mil réis, e recebeu a recusa de todos, dizendo que era muito caro. O terreno acima citado é onde está hoje construído o Templo da Primeira Igreja Batista de Itapetinga. Comprado o terreno, iniciamos os preparativos para a construção do templo. O irmão Agenor Sena foi o pedreiro encarregado da construção na época, sob a orientação do falecido Pastor Arlindo Rodrigues de Oliveira, sendo a sua inauguração em 6 de outubro de 1943. Formamos, naquela época, um pequeno Coral, sob a regência do irmão Agenor Sena. Eu e Jonas Magno cantávamos tenor, Isaias Freitas e João Maurílio cantavam o baixo e outros irmãos cantavam outras vozes. Vale ressaltar que muitos dos irmãos viajavam de duas até cinco léguas (cerca de 30 KM) a cavalo, para tomar parte dos ensaios do coral e nos trabalhos dos domingos. Assim os trabalhos da pequenina Igreja iam tomando vulto, pois, a têmpera dos pioneiros era do melhor quilate e a fé ajudava-nos a remover os obstáculos que, a todo instante, apareciam à nossa frente. Oh! Que saudade daqueles hinos cantados por aquele órfão composto de homens de cabelos brancos que transmitiam, através da música, a alegria que invadia o ser quando levavam, aos corações, a mensagem santa, salvadora e transformadora. Registramos com pesar o que vemos nos nossos dias. O Coral daquela pequena, hoje grande Primeira Igreja Batista de Itapetinga com todos os meios e recursos humanos, por vezes o Coral não se apresenta por falta de ensaios ou falta de cooperação dos seus componentes. Como admitir tamanha falta de interesse pela música, numa igreja com mais de 1.000 membros? Sendo necessário que o Pastor da Igreja fique solicitando do púlpito que os coristas compareçam aos ensaios.

140 Os dados constam nas fontes documentais desta Tese. 215

Aquele pequeno grupo fundador da Primeira Igreja, quando aqui se reunia, como não havia hospedagem para todos, os homens dormiam nos bancos do salão de cultos. Grande foi o esforço do casal Sr. Mariano Campos e sua esposa, a irmã D. Etelvina Campos, ela membro fundadora da Igreja. Este casal, em dias de reuniões na Congregação e mais tarde na Igreja, eles vinham da fazenda e hospedavam em sua casa os irmãos que também vinham de fazendas para os cultos. Lembro que uma certa época quando se realizava uma E.P.B. (Escola Popular Batista) na Igreja, aquele casal veio de sua fazenda e hospedou em sua casa vários irmãos. Vale ressaltar o grande esforço da irmã Etelvina naqueles dias de início de vida da Igreja. A Primeira Igreja Batista de Itapetinga, nos seus primórdios, contou com a valiosíssima cooperação e dedicação do irmão Manoel Ferreira Ribeiro (Nezinho Ribeiro), homem fiel a toda prova, mais tarde consagrado a diácono da Igreja, hoje lembramos com orgulho o seu nome, como homem que semeou a concórdia, a paciência entre outras virtudes de que era possuidor, nos legou o exemplo do trabalho. Não poderíamos deixar de registrar outros companheiros, cujos nomes lembramos no momento, que já tombaram nesta difícil caminhada de expandir o Evangelho em nossa cidade, no nosso Estado e por todo o Brasil, como Elvira da Cruz Prates, João Francisco de Oliveira Magno, Arquiminia Magno (Zizinha), Oséias Pio, Manoel Pio, Júlia de Souza Freitas e muitos que, somando forças, conseguimos transpor as quase intransponíveis barreiras que, naquela época, estavam a nos desafiar. Entre os fundadores, com a graça de Deus, ainda se encontram entre nós e membros da Igreja, os irmãos: João Maurício da Rocha, Aurora Rocha, Belarmina Rocha, Maria de Oliveira Ribeiro (irmã Maricas), Leonízio Moreira Santana, Gregório da Mota, Hermínia Freire Brito e eu, Aquilino de Souza Brito. O que fizemos foi por amor a Deus, jamais esperamos recompensas ou lauréis, pois, a nossa coroa está no céu. Oh! Lembranças atuais da Igreja, sabemos que a metodologia moderna, o avanço da Ciência, a Matemática e a Física, mudaram todo o rumo da História. Talvez, para vocês, sejamos quadrados e ultrapassados, mas saibam que hoje sobem ao pódio da vitória e se ufanam das florias que com sacrifícios, suor e lágrimas nós lhes legamos, e de que nós, pequeno grupo dos idosos de 1937, nos sentimos recompensados. Esse trabalho é dedicado a todos os irmãos que conosco batalharam desde os primeiros dias de vida da Primeira Igreja Batista de Itapetinga e aos que hoje levam frente esta obra que é do Senhor

Itapetinga, 28 de outubro de 1980

Aquilino de Souza Brito

216

4.4.4 O Vídeo141

Quando era bem jovem, morava na Rua e, quando escapulia, ia para a Praça, que hoje é a Praça Augusto de Carvalho, ali na esquina tinha uma lanchonete que se chamava Maringá. Eu fui surpreendido, um dia, com algo inusitado; naquele momento, a rua não tinha muitos moradores, não tinha muita gente, até porque estamos falando de um lugar que era muito pequeno, foi quando me deparei com dois garotos amarrados a um pedaço de madeira que parecia um poste, com vestimentas estranhas e gritando sem parar. Perguntei do que se tratava e a pessoa respondeu: “– Isto é índio”! Porque eles tinham que amarrar aqueles dois garotos bem no meio da praça, mas, aquilo era algo comum por aqui. Fiquei observando e acredito que quem estava na rua, também, observava aquilo, sabendo que eram adolescentes. Ficou marcado em minha memória, me impressionou a fisionomia deles, era de espanto e de medo. Aquilo me marcou tão profundamente que nunca tive coragem de perguntar para minha mãe, pouquíssimas vezes ventilei este fato. Hoje, pergunto, o que fizeram com os índios daqui? Não conheço na história de Itapetinga um Índio que tenha sido domesticado. Alguém disse, certa vez, que aqueles índios não habitavam nesta região, que apenas passavam por ela. Eu não acredito nisso, eles habitavam aqui sim, tanto, que aquelas crianças amarradas não estavam aqui de passagem. E estavam ali amarrados na praça para ser visto pelo povo. Mas isso era comum, ninguém sabia quem fazia? Todo mundo sabia que eram as autoridades, que era a polícia.... Essa é uma das coisas que mais me impressionou e impressiona, até hoje, emociono-me toda vez que me lembro daqueles garotos amarrados. A primeira casa do vô (Bernardino), ainda na minha infância, era em frente a Concha Acústica. [Referência à Praça Guilherme Dias onde fica localizada a Concha Acústica e a Biblioteca Municipal de Itapetinga. A concha é usada pelos moradores como ponto de referência para quem mora perto ou vai a essa localidade]. De baixo para cima [Rua com uma ladeira] ela é a terceira casa, está quase como era a original, posteriormente, mudou-se para a esquina de baixo, foi nessa casa que tive muitas conversas com ele. Lembro de uma destas conversas que tive com o vô Bernardino. Ele sabendo que todos da família, éramos evangélicos e como, particularmente, tinha restrições quanto a isso, bem, mas passado o tempo ele foi se acostumando com a ideia e um dia me citou uma história: “ – Ô menino, você sabe que as religiões são com as estradas e Deus é a cidade, todas as religiões vão para Deus, assim, como as estradas vão para as cidades”. Aquilo ficou marcado em minha memória, meu Deus! Meu avô falou isso para mim, nós não tínhamos o costume de recriminá-lo ou contrapô-lo, quando ele falou aquilo fiquei muito entusiasmado, muito satisfeito, porque ele falou comigo sobre um assunto que lhe era muito reservado.

141 Os dados constam nas fontes orais desta tese. 217

4.4.5 Uma Noite de Glória: 01 de agosto de 2013142

Fonte: Câmara Municipal de Itapetinga (2013)

Ao iniciar o trabalho do segundo semestre de 2013, a Câmara Municipal de Itapetinga realizou uma sessão especial em homenagem à Primeira Igreja Batista (PIBI), que naquele período (31/07/2013), completava 75 anos de história dentro da cidade. Participaram da mesa, como representantes da Igreja o pastor Samuel de Oliveira Santos (emérito), o pastor Adelson Augusto Brandão Santa Cruz (titular), o ministro de música Claudio Cerqueira Mendes e os membros da diretoria administrativa: Oniel Brandão e Adalmar Inácio da Silva. A abertura do trabalho se iniciou com a participação especial do Coral da Igreja. A presidente da Casa, vereadora Nidia Oliveira (PDT), abriu a Sessão citando as palavras do Pastor Samuel, ao lembrar que “a história da Primeira Igreja Batista de Itapetinga se confunde com a própria história da cidade”, ressalta assim, o importante papel social da igreja que, na prática, é consolidado por meio do incentivo à construção de relacionamentos conjugais (através dos encontros de casais que promovem na cidade). Segue a vereadora relatando que a Igreja foi a responsável por encorajar toda uma geração, que não tem como negar que foram esses a determinar o futuro dos cidadãos que atualmente se encontram nesta sociedade, em suas palavras: “são 75 anos proclamando e pregando a palavra de Deus. São inúmeras as evidências de um trabalho cristão realizado com afinco e amor, conduzindo a família Itapetinguense sempre ao triunfo”. A vereadora ainda salientou que, ela própria, tem em sua história de vida uma proximidade muito forte com a Igreja, pois, já havia participado desta comunidade, guardando seus valores e ensinamentos. O ponto alto de seu discurso foi proclamar que não tem como ficar longe da 1ª Igreja Batista de Itapetinga, já que, muitos dos seus amigos e de seus familiares fazem parte ativamente da igreja. A solicitação para se efetuar essa Sessão Especial Comemorativa foi de autoria do vereador Amaral Júnior (PRP) que, na abertura do seu discurso, destacou a contribuição da 1ª Igreja Batista

142 Os dados constam nas fontes orais desta Tese. 218

no desenvolvimento político, social e educacional do município. Relembrou, em seguida, que se não fosse o empenho dos primeiros crentes batistas que chegaram ao arraial batizado de Itatinga e deram início ao trabalho de evangelismo nessa terra que viria a ser Itapetinga, os pioneiros não teriam a paz espiritual para prosseguir com a tarefa iniciada, para ele, “homenagear a Primeira Igreja Batista de Itapetinga é homenagear pessoas, ações, momentos e conquistas que marcaram as últimas sete décadas e contribuíram efetiva e eficazmente para o progresso desta terra”. Como parte de seu discurso, o vereador Amaral Júnior, falou da importante colaboração da 1ª Igreja Batista dentro do setor educacional, com o destaque para o Colégio Batista Albert Schweitzer que tem contribuído para a formação dos Itapetinguenses. Ainda, na fala do vereador, aparece a importante influência das obras sociais desenvolvidas por meio do Centro Batista de Ação Social e a garra de seus líderes espirituais, especialmente, do pastor Samuel de Oliveira, na proclamação do Evangelho de Jesus Cristo. Além de Nidia Oliveira e Amaral Júnior, outros vereadores também reconheceram a credibilidade, a seriedade, o compromisso social e cultural da 1ª Igreja Batista em Itapetinga, destacando o tanto que foi importante a presença do pastor Samuel de Oliveira que por 50 anos esteve à frente dos trabalhos da 1ª Igreja Batista de Itapetinga. Quando a palavra foi passada aos membros da Igreja, O Pastor Adelson Augusto Brandão Santa Cruz (que chegou a Itapetinga em 2010), agradeceu e disse o tanto que para ele era uma honra estar à frente de uma Igreja que era reconhecida pela cidade não somente pelas obras educacionais e sociais, mas, acima de tudo, pela seriedade dos trabalhos nas formações de vidas dos itapetinguenses. O Pastor Samuel Oliveira Santos, quando falou, repetiu o que sempre acreditou: “Falar da Primeira Igreja Batista é falar de Itapetinga. Falar de Itapetinga é falar da Primeira Igreja Batista, ambas nasceram muito antes da história oficial”. Para explicar o que estava falando o Pastor destacou, que se Itatinga começou em 1924, assim também foi com a organização religiosa batista que se originou na década de 20, um tempo depois, em suas palavras: “exatamente em 1938, surgiu a Igreja, que tem sido presença nesta cidade e trouxe a mensagem salvadora de Jesus, mensagem que continua a transmitir com a mesma vivacidade, com o mesmo fervor, com o mesmo espírito, com a mesma fidelidade à palavra de Deus”. Foi esse fervor do início que serviu, segundo o Pastor Samuel, para marcar e definir as duas histórias (cidade e Igreja) em uma única. O momento de glória e reconhecimento veio através da Presidente da Câmara quando entregou o Jubileu de Diamante a 1ª Igreja Batista de Itapetinga, dizendo ser justo o reconhecimento do Poder Legislativo Municipal sobre o importante trabalho desenvolvido pela Igreja ao longo de 75 anos de sua existência na cidade.

219

CAPÍTULO V A POSSE DA TERRA E O PODER RELIGIOSO

Então, subiu Moisés das campinas de Moabe ao monte Nebo, ao cimo de Pisga, que está defronte de Jericó; e o SENHOR lhe mostrou toda a terra de Gileade até Dã; e todo Naftali, e a terra de Efraim, e Manassés; e toda a terra de Judá até ao mar ocidental; e o Neguebe e a campina do vale de Jericó, a cidade das Palmeiras, até Zoar. Disse-lhe o SENHOR: Esta é a terra que, sob juramento, prometi a Abraão, a Isaque e a Jacó, dizendo: à tua descendência a darei; eu te faço vê-la com os próprios olhos; porém não irás para lá (DEUTERONÔMIO 34:1-4). Da narrativa bíblica o que nos interessa não é o princípio teológico, mas o “poder”, este que fez surgir o “poder simbólico” que trama a realidade social. Bourdieu (2007b, p. 15) o caracteriza “como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo”. Isto, no desenrolar da vida do Itapetinguense, em virtude, principalmente, da cidade estar situada em uma área de produção pecuarista, já demonstra que o “poder”, como recordou Moisés, “estava no status consolidado nas amarras da religião com o “poder” sobre a posse da terra”. Aqui em Itapetinga sempre existiu uma disputa entre os espaços para se firmar as suas duas ramificações cristãs dominantes. Por um lado, o catolicismo que, de um modo geral, tem a sua força dentro da humanidade sendo, por isso, considerado histórico. Mas, por outro lado, o que se manifestou mesmo foi o protestantismo. Talvez seja porque a Igreja Batista é quase que fundadora da cidade, pois, os batistas foram os pioneiros para a construção de Itapetinga. E foi nesse território, acoplado por uma estrutura onde 2% era formada pelos grandes produtores pecuaristas, universo do gado e de monocultura, que estabeleceu a sua população (ADALMAR INÁCIO SILVA, 2016)143

Em termos muito gerais, os depoimentos trazem um “sentido” que pode ser revelador das condições sociais de Itapetinga, pois, esta cidade nasceu ligada à posse da “terra”, esse símbolo do poder. Além disso, ainda foi herdeira de duas ramificações do cristianismo que sempre disputaram, entre si, a autoridade sobre o seu campo religioso. Isto revela um prestígio sobre o credo religioso que assume, dentro da estrutura social, um caráter dominante. Por essa razão, cabe verificar como foi a construção desse campo religioso que na memória do itapetinguense é permeado pela ideia de que “o que se manifestou mesmo, foi o protestantismo”.

143 Entrevistas realizadas pela pesquisadora entre junho de 2013 e junho de 2016, os dados constam nas fontes orais. 220

5. 1 Terra Prometida

Como diz Ecléa Bosi (2010, p. 406), “quando relatamos nossas mais distantes lembranças nos referimos em geral, a fatos que nos foram evocados muitas vezes pelas suas testemunhas” que podem ser, aqui, tomados como as “memórias dos que viveram a história”, pois, é através das vozes desses paisagistas de Itapetinga que cabe voltar aos sentimentos, às dualidades que construíram os seus documentos ou monumentos, como diria Le Goff (1990), guardando a conservação e a demarcação das suas interpretações sobre uma época que não aparece em sua história oficial. Ao mesmo tempo, são memórias e personagens que viveram a história, mas são também suas testemunhas, no sentido indicado por Bosi (2010), pois, em suas próprias memórias já se encontra o olhar do outro. Logo, a memória é sonho e pesadelo, passado e presente, lembrança e esquecimento e, como nos disse Moisés, a memória “ressignifica o passado e revela o presente. É o não esquecer (Aleteia) contra o esquecimento (Léthe). Há coisas que queria esquecer, mas, sou obrigado a lembrar e quando faço isso, eu faço de forma dolorosa, porque não posso mudar”. São essas “coisas” que não podem ser mudadas que fomos buscar nas memórias daqueles que viveram a história de Itapetinga. Foi assim que encontramos o discurso de Maria Augusta de Carvalho, neta de Augusto Andrade de Carvalho que, ao trazer as lembranças do seu avô, como qualquer outro itapetinguense faria, atribui-lhe o nome de “o pioneiro”. Isto porque foi ele que, ao adquirir as fazendas Astrolina, Arrebol e Altamira, fixou residência na região e, em 1924, abriu uma clareira em sua fazenda Astrolina para construir um barracão que serviria de apoio aos viajantes que, a pé ou cavalo, cruzavam a Estrada Real (uma passagem dentro da mata) que ligava a cidade de Vitória da Conquista ao litoral de Ilhéus. Com fidelidade de quem não quer perder um único detalhe, Augusta testemunha que o seu avô ainda ara adolescente quando recebeu de presente as imagens da Sagrada Família (Jesus, Maria e José) de um parente que havia se tornado protestante. Mas, onde foi parar essa imagem? Pergunta, Augusta, incrédula por ter perdido o “São José”, aquele a quem o seu avô havia doado a terra de Itapetinga, tornando-o padroeiro da cidade. O praticante e devoto de São José não perdeu tempo para pedir a benção ao povoado nascente; foi buscar o Padre Ranulfo Sena, da Paróquia de Conquista (atual cidade de Vitória da Conquista) que estava na região por causa do trabalho missionário indígena para realizar 221

a primeira missa, sendo esta celebrada em setembro de 1926. Assim, Augusto selou o compromisso e a promessa que aquela terra seria uma cidade católica; continuaria, assim, a manter a tradição que desde o período da colonização já havia sido firmado, inserindo o sertão baiano “no movimento planetário das monarquias católicas ((IVO, 2009, p. 29). Só que a vontade de Augusto não se realizou imediatamente, pois, ainda passariam muitas décadas até Itapetinga chegar a uma condição onde pudesse receber uma Paróquia, como veremos mais à frente. Cabe, aqui, lembrar que estamos falando das décadas de vinte e trinta do século XX, muito próximo da investigação feita por Léonard (1981) que aponta algumas características da Igreja Católica nos primeiros 50 anos do século XIX, dentre as quais, duas demandas sociológicas foram, por ele, consideradas como fatores para possibilitar a aceitação da população, sobretudo, a dos intelectuais brasileiros, sobre a expansão dos trabalhos missionários do protestantismo estrangeiro, são elas: a) A Influência do “Jansenismo em Piedade”, corrente herdada da teologia agostiniana, baseada na ideia de que Cristo não morreu por todos, sendo assim, a graça é concedida a uns e não a outros, vindo da concepção “de um Deus cioso, demasiadamente puro para ver o mal, e um homem que sentia profundamente seu pecado e o abismo (LÉONARD, 1981, p. 27). b) O segundo motivo que prejudicava, especialmente, a religiosidade do interior do país, estava relacionada à escassez de padres, o que produzia uma “ insuficiência numérica do clero brasileiro que se fez acompanhar de um enfraquecimento da sua vida espiritual” (LÉONARD, 1981, p. 30).

Além disso, ainda existem outros fatores que foram, para Léonard (1981), responsáveis pela difusão do protestantismo, dentre eles cabe destacar ausência da estrutura teológica católica no interior do país. Essa situação não era tão longe, mesmo diante do longo tempo, diferente em Itapetinga. Isso é revelado quando o Senhor Júlio, meio que zangado, confessou “antes, no local onde está a instalação da Igreja dos batistas, era um terreno destinado a fazer a Igreja Católica; os católicos dormiram no ponto, os crentes, mais ativos, pegaram aquela Praça”. Partindo dessa análise podemos comprovar que, ao contrário do anseio de Augusto de Carvalho, a “Igreja” em toda a sua condição de instituição hierocrática que mantem a legitimidade e o monopólio do poder em troca do serviço de “bens salvíficos” (WEBER, (2010)144, ou seja, os próprios sacramentos não estavam presentes na terra prometida por

144 Weber (2010, p. 105) entende por “associação hierocrática uma associação de dominação quando, e na medida em que se aplica, para garantia dos seus ordenamentos, a coação psíquica mediante a distribuição ou a recusa de bens salvíficos (coação hierocrática)”. 222

Augusto a São José. Por muito tempo os seus moradores continuavam reféns das missas periódicas, dos batismos e casamentos encomendados pelos fazendeiros católicos, o que acontecia, apenas, nas grandes fazendas. Isto é confirmado pela declaração de Dona Terezinha que recorda de um tempo, ainda quando era menina, e o que ficou em sua memória era que “as pessoas saíam do povoado para ir conversar com o padre, parecia uma procissão”. Como era um campo aberto, não havia, pelo menos naquele momento, “a competição pelo monopólio da gestão dos bens de salvação”. (BOURDIEU (2007c, p. 57). Embora escrito numa linguagem às vezes obscura e com uma reflexão teórica inacabada, podemos estimar uma passagem vista em Carroll (2007), quando avalia que há muito tempo os bispos começaram a usar de uma autoridade que não lhes fora dada pelo Novo Testamento. Esse “poder” foi a semente para as divisões das diferentes Ordens no ministério católico. Nesse aspecto, podemos dialogar com Moisés quando diz que “existe um sistema hierárquico dentro da Igreja Católica, onde todas as decisões passam pelo poder central que é conferido à pessoa do Papa no Vaticano, seguido pelo domínio das Arquidioceses, posteriormente, pelo comando das Dioceses até chegar às Paróquias e as Capelas”. Ou seja, a Igreja Católica Apostólica Romana possui uma estrutura de subdivisões onde cada uma delas tem determinadas funções, até chegar àquelas que são confiadas a um presbítero (padre) que exerce, em nome do Papa, a coordenação de todas as atividades dentro de um espaço urbano. Ao retratar essa “di-(visão)” eclesiástica católica, a grosso modo, podemos afirmar que a Arquidiocese abrange todas as Dioceses de uma região. Cada Arquidiocese possui uma Catedral local onde se encontra a cátedra ou cadeira do Arcebispo. Quanto à Diocese, também, chamada de bispado, tem o seu sistema de governo presidido por um Bispo. Sobre esse aspecto, o Código do Direito Canônico, na Parte II, quando fala da constituição hierárquica da Igreja, afirma que “a diocese é a porção do povo de Deus que é confiada ao Bispo para ser apascentada com a cooperação do presbitério, de tal modo que, aderindo ao seu pastor é por este, congregada no Espírito Santo” (Can. Nº 369, 1983, p. 67). Existe, dentro dessa cadeia hierárquica, o Vicariato Apostólico ou a Prefeitura Apostólica, espaços que não foram ainda constituídos em Dioceses. Esta organização tem à sua frente um Vigário Apostólico ou Prefeito Apostólico que a governa em nome do Sumo Pontífice. Cada Diocese, de acordo com o Código Canônico (1983), pode ter mais de um Vicariato que, por sua vez, cobre uma grande área geográfica. 223

Ainda pode, dentro de cada Vicariato, ter uma área menor chamada de territorial, que é dividida em espaços pastorais designados pelo Código de Direito Canônico (1983), como as Forâneas. O vigário episcopal, diretamente ligado ao bispo e nomeado pelo arcebispo, formará a coordenação do Vicariato com os representantes das Forâneas, “a fim de favorecer a cura pastoral, mediante uma ação comum, podem várias paróquias vizinhas, unir-se em agrupamentos peculiares, tais como as Vigarias Forâneas” (Can. Nº 374; § 1, 1983, p. 67). Quando tem uma Vigaria Forânea, a sua origem ocorre pelo agrupamento das paróquias; ela somente pode ser constituída mediante a autorização da Diocese. Da mesma maneira, ocorre com a formação da Paróquia que, por sua vez, fica sob os cuidados pastorais e administrativos de um presbítero que recebe o título de Pároco. Muitas vezes esse padre é auxiliado por um vigário que, também, foi nomeado pelo bispo diocesano. Além dos padres (párocos e vigários), uma Paróquia possui o diácono que é escolhido dentre os membros da Igreja. Uma paróquia, como consta no Direito Canônico (1983), como regra, tem sempre um território e uma Igreja Paroquial, mas, isso não impede que tenham outras Igrejas que, por serem menores, são chamadas de Capelas. No entanto, como bem lembrou Moisés Viana, para existir a autorização da Diocese e compor uma Paróquia, a cidade deve ser emancipada. Como este não era o caso do pequeno povoado de Itatinga, que sequer era reconhecido como distrito, sendo constituído como tal, apenas em 1933. Isto deixava os seus moradores abandonados pela religiosidade. Para Moisés, foi essa a motivação que permitiu a expansão do movimento batista em Itapetinga. Tal ideia adquire sustentação na pesquisa do historiador Campos (2006) que, a partir dos seus estudos sobre o Código do Direito Canônico, analisou que a criação de uma Paróquia está atrelada à condição da emancipação municipal. Campos (2006) assegura, ainda, que, em 1924, quando o Arraial de Itatinga foi iniciado, os domínios religiosos estavam sob a jurisdição da Paróquia de Nossa Senhora da Vitória, localizada na cidade de Conquista. Após, quando Itatinga foi constituída como Vila e passou para o domínio político e territorial de Itambé, também passou a pertencer à sua Paróquia de São Sebastião. Esse fato não mudou a situação religiosa da Vila de Itatinga, afinal, a distância dificultava, e muito, o transporte de um padre e, como disse Jabur (1998), Itapetinga era, ainda, uma região cercada por matas fechadas, por animais selvagens e grandes passagens por dentro da água e da lama, tanto que a viagem145 de Itapuí (cidade de

145 A distância que separa Itororó de Itapetinga é de 25 Km. 224

Itororó) à Itatinga demorava três dias, exigindo que o viajante pernoitasse pelas fazendas. Assim, a religião que é a própria “manipulação legítima do sagrado” (BOURDIEU, 2007c, p,44), não possuía representantes instalados dentro do povoado para atender aqueles que estavam interessados em seus serviços. Mediante essa condição, o que falar do transporte de Itambé ou de Vitória da Conquista que têm uma distância bem maior146 de Itapetinga? Assim, o que aconteceu está registrado nas memórias de seu Júlio: “os protestantes que chegavam à Itapetinga para comprar terra e criar boi, vinham da região de Conquista e de Itambé. Como tinham muito dinheiro, não houve reação da Igreja Católica. Meu primo, que pertencia à família dos Ribeiro, era um desses crentes que tinha condições financeiras, na bem verdade, todos eles possuíam fazendas com grandes rebanhos de boi”. Dentro dessa condição, foi a partir de 1939 que alguns cidadãos católicos de Itatinga começaram a construção da Capela de São José, ou seja, [..] somente depois da igreja Batista, que foi construída a primeira Capela de Itatinga, em um local, onde estavam enterrados os filhos de Augusto de Carvalho e o filho de Bernardinho Francisco de Souza. As imagens de Nossa Senhora e de São José que foram colocadas nessa Capela, haviam sido esculpidas por um amigo de Augusto de Carvalho que morava em Itambé (JABUR, 1998, p. 44).

Constituída a capela, periodicamente vinha um Vigário de Itambé ou um Padre de Vitória da Conquista para fazer os “batizados ou casamentos. Um dia, José Ferreira Gomes disse que percorreu toda essa região como coroinha do padre Exupério de Souza Gomes, que era de Conquista, inclusive ajudando-o a realizar missas em Itatinga” (CAMPOS, 2006, p. 192). Anos mais tarde, a Igrejinha foi transformada em sede do Centro Social Pio XII sendo, de acordo com Jabur (1998), desapropriada e demolida no governo de Evandro Andrade, único batista que governou a cidade, para ampliar a Praça Dairy Valley (ou praça cívica). Fica próximo a essa praça, a Prefeitura Municipal de Itapetinga, a Loja Maçônica Amor e União Itapetiguense, a Academia de Letras e o maior hotel da cidade. Como nos contou Wilson Ribeiro, De forma contrária e injustificada tem demonstrado estranho testemunho de incivilidade e de falta de patriotismo ao se omitir, por seus poderes constituídos, em conferir aos logradouros públicos municipais, os nomes de vultos pátrios históricos do passado e do presente, para outorgar, em troca essas honrarias, as pessoas vivas e as cidades estrangeiras, como

146 Itapetinga fica a 58 Km de Itambé e a 100 Km de Vitória da Conquista. 225

aconteceu ao haver ter sido dado o nome de Dairy Valley à praça que ostentava o nome de Castro Alves”. A história da praça cívica teve a sua fase final na Gestão do Prefeito de Itapetinga Evandro Andrade. Todavia, ela começou na primeira gestão do prefeito José Vaz Espinheira que, ao construir o prédio da Prefeitura Municipal de Itapetinga (PMI), contratou o escultor Manoel do Bomfim para que fizesse um boi no qual foi gravado, a ferro, as iniciais JVE. O boi representava o símbolo da força da pecuária no espírito do município de Itapetinga; para tal, foi colocado em uma área que havia sido aterrada e que ficava próxima a Prefeitura Municipal de Itapetinga (PMI). Quanto ao nome dessa praça, ele foi resultado de uma ação recíproca entre Itapetinga e Cerritos, cidade localizada no Estado da Califórnia (EUA) que, por sua vez, também deu o nome de Itapetinga a uma de suas ruas. Campos (2006) relata que, naquela época, havia uma parceria sociocultural que era conhecida popularmente por “cidades irmãs”, sendo Itapetinga adotada pela cidade de Dairy Valley (atualmente Cerritos). O seu prefeito veio à região e, no processo, acabou participando da inauguração do espaço onde ficava “o boi" e que, até aquele momento, chamava Castro Alves. Mas, na inauguração, o Prefeito Espinheira, entusiasmado com a presença da autoridade americana, na hora do discurso chamou-a de Praça Dairy Valley. A tradução do nome pode significar “região leiteira” ou “vale leiteiro”, o que já caracteriza a cadeia produtiva do município. Anos após, já durante o mandato de Michel José Hagge Filho, foi produzida a vaca e o bezerro completando o trio que, atualmente, se encontra na praça cívica. Como um pequeno lembrete, existe na vaca as iniciais de JF gravadas a ferro. Portanto, como mostram as fotografias abaixo, quem chega à Itapetinga encontra, na praça o boi, o bezerro e a vaca que, respectivamente, representam a terra, mas, também os seus políticos.

Foto nº 8: A Vaca, o Bezerro e o Boi - Praça Dairy Valley

Fonte: Acervo Particular da Pesquisadora (15/12/2014).

226

Assim, Itapetinga, por duas vezes, preteriu o nome de Castro Alves; primeiro, trocando o nome da Praça Castro Alves para Praça Augusto de Carvalho – estava, assim, firmado a sua praça religiosa, cuja representação simbólica é a de uma Igreja Batista. Criaram a outra praça, agora, para atender aos requisitos cívicos e, mais uma vez, o nome Castro Alves foi substituído por Dairy Valley. Talvez tenha sido essa a razão para o Senhor Júlio chamar a nossa atenção quando disse que os católicos “para arranjar outra praça, foi preciso esperar por muito tempo”. Quanto à história dos católicos de Itapetinga, Jabur (1998) narra que os padres, quando se dirigiam à região, não eram para atender às necessidades espirituais do pequeno povoado, mas, sim, para fazer o trabalho missionário realizado com os índios, em Itaju do Colônia que, em linha reta, fica situado cerca de 58.44 km da cidade. Além disso, naquele tempo, toda a região, incluindo a cidade de Vitória da Conquista, permanecia sobre a jurisdição da Diocese de Amargosa, localizada na mesorregião do Centro-Sul Baiano. Apenas, “em vinte e sete de julho de 1957 que foi criada a Diocese de Vitória da Conquista através Bula Christus Dominus do Papa Pio XII. Sendo instalada em quinze de agosto de 1958, teve como primeiro titular o Bispo Dom Jackson Berenguer Prado” (CAMPOS, 2006, p. 192). Foi dentro dessa condição que, em 1945, foi iniciada a construção da atual Matriz de São José, mas, como pode ser percebido pela fotografia abaixo, ela fica em um espaço muito acidentado, por essa razão, o Senhor Júlio Pereira recorda que a sua inauguração somente ocorreu dois anos após a emancipação da cidade.

Foto nº 9: Paróquia de São José - Itapetinga/BA

Fonte: Acervo Particular da Pesquisadora (22/12/2013). 227

Segundo Campos (2006), foi o Bispo Diocesano de Amargosa, Dom Florêncio Sizinio Vieira que, no dia dois de fevereiro de 1954, autorizou e oficializou a primeira Paróquia de São José nomeando como Vigário, o Padre João Félix Neto, que permaneceu por dezoito anos à sua frente, até se aposentar e ser substituído, em 1972, pelo Padre Bruno Baldacci. O Senhor Júlio (cf. cap. IV), além de reafirmar a história relatada por Campos (2006), ainda traz novos dados contando que, oito (8) anos depois da criação da Paróquia de São José, no dia cinco de maio de 1962, foi inaugurada a Paróquia Nossa Senhora das Graças. No início era bem pequena. Com o tempo, os católicos, como foi o exemplo do irmão do Senhor Júlio, foram doando os terrenos para a sua ampliação. Ainda conta o Senhor Júlio que o primeiro condutor nomeado para paróquia foi o Padre Altamirando Ribeiro dos Santos que, de 1971 a 1973, foi prefeito de Itapetinga. A Igreja Paroquial de Nossa Senhora das Graças, como mostra a fotografia número dez (10), está localizada na Praça Guilherme Dias (nome em homenagem ao primeiro administrador de Itatinga e, também, primeiro deputado estadual).

Foto nº 10: Paróquia Nossa Senhora das Graças - Itapetinga/BA

Fonte: Acervo Particular da Pesquisadora (05/10/2014).

De acordo com o Código do Direito Canônico (1983), o espaço de uma Igreja é sagrado, sendo o lugar destinado ao culto divino no qual os fiéis têm o direito de acesso para exercerem, sobretudo, publicamente o culto divino. Afinal, como nos mostrou Bourdieu (2007c), a religião e todo sistema simbólico que representa, tem como função a distinção legitima da manipulação do sagrado, enquanto que a magia recairia na manipulação do sagrado pelos leigos que, dentro de uma hierarquia 228

religiosa, são sempre os dominados. A magia, nesse caso, poderia ser um protesto contra o poder dominante da religião. Mas, a palavra ‘distinção’ pode ser tomada, a partir do pressuposto bourdieusiano, como uma proposta que reforça ideologicamente a autoridade da religiosidade que fica nas mãos daqueles que detêm o poder. Um lugar que começou em 1924 e somente teve oficializado uma Paróquia em 1954, deixou um espaço aberto e sem o uso deste “poder” para conduzir a família itapetinguense à formação religiosa. Portanto, a origem dos batistas na cidade de Itapetinga, só foi possível porque existia um espaço aberto deixado pela Igreja Católica. Resta, agora, entender como os batistas conseguiram estabilizar-se no território itapetinguense.

5. 2 A Origem e a Estabilização Batista em Itapetinga

Tomando como ponto de partida as observações produzidas por Bourdieu (2007c), quando fala que a dispersão espacial da população rural dificultava as trocas econômicas e simbólicas e, em consequência, a tomada de consciência dos interesses coletivos, podemos fazer essa leitura, através das memórias de quem já viveu a história no povoado de Itatinga, mas, também das memórias integeracionais, pois afinal foram estes que receberam a herança cultural e religiosa da cidade. Além do que não poderemos deixar de fora as memórias dos estabilizados, pois, nelas se encontram os elementos necessários para compreender como foi que a religião cristã batista dominou, pelo menos na década de 30, o território itapetinguense. Assim, entre o passado e o presente, tão próprio da memória, ainda adotando o que vimos a partir da leitura em Bourdieu (2007c), pode ser observada a vida da cidade de Itapetinga da seguinte maneira: o local era muito isolado de outros locais urbanos; às pessoas, por serem reféns de uma enorme dispersão espacial, cabia-lhes as dificuldades nas relações de negócios (trocas econômicas), mas, os possuidores de terras (os fazendeiros), queriam ampliar as condições para vender e comprar o gado. Como detinham maior poder do capital econômico que os moradores de sua sede (Itambé) – não que estivessem preocupados em romper com essa situação política e administrativa –, mas, não aceitavam a condição de dominados e nem o isolamento no qual viviam, pois, no lugar faltava até mesmo um padre (especialista) que pudesse conduzir as “ovelhas” (leigos) ao caminho da Salvação. Além disso, se ainda for relacionado que em “O Protestantismo Brasileiro”, já havia sido apresentado que “insuficiência numérica do clero brasileiro se fez acompanhar de um enfraquecimento da sua vida espiritual” (LÉONARD, 1981, p. 30), podemos afirmar que 229

esse foi o caminho possibilitador para a instituição da religião cristã batista dentro do pequeno povoado de Itatinga, não rompendo com a promessa da terra abençoada pelos católicos, mas se adequando a ela. Foi assim que o arraial, no seu quarto ano de existência, recebeu os primeiros batistas. Isto aconteceu entre os anos de 1927 e 1928, como recorda o Pastor Samuel Oliveira Santos: “Aqueles primeiros crentes batistas que chegaram à região ainda na década de 20, não vieram como missionários, mas, como aventureiros”. Com o tempo, alugaram um espaço para os cultos, inicialmente chamado, apenas, por Igreja Batista. Continua narrando o Pastor Samuel, que aqueles “crentes não nasceram de uma Congregação como sempre acontece com a formação de uma nova Igreja Batista”. Geralmente, as igrejas batistas podem adquirir mais de um espaço para os seus cultos, são locais escolhidos para serem mais acessíveis aos seus membros. Esse lugar passa a categoria de congregação, segundo o Pastor Odinei, quando amadurece espiritualmente (significa crescer a obra do Senhor). Assim, com o tempo, a congregação pode requerer ter um pastor permanente, mesmo que continue legalmente sendo aparada pelo Estatuto da Igreja da qual saiu até formar a sua própria igreja, que por sua vez, repetirá o processo dando a continuidade à novas Igrejas. Inicialmente, em Itapetinga não foi esse o processo, pois segundo o Pastor Samuel, não havia uma Igreja Batista para patrocinar o surgimento do trabalho evangelizador. “Tudo foi originado de um trabalho local, de um grupo de crentes que muito simples, cultura/socialmente, cresceram e se desenvolveram junto com a cidade”. Os seus precursores eram de uma mesma família – os fazendeiros Campos-Ribeiro. Reuniam-se aos domingos, pois, este era o dia feira147. Algumas vezes eram acompanhados pelo Pastor Abílio Pereira Gomes, conhecido no Sul e Sudoeste da Bahia como o “plantador de igrejas”. Existem, nos textos dos historiadores Jabur (1998) e Campos (2006), fatos que comprovam a referência que foi o “plantador de Igrejas”, o primeiro Pastor protestante a entrar em Itapetinga, mas que necessariamente, não foi ele a instituir a Igreja.

147 - A feira livre em Itapetinga, passou por três fases. Primeiro, foi montada em um barracão que funcionava próximo à Praça Augusto de Carvalho, local que teve curta existência, pois, a condição para as trocas (compras de mercadoria) era dificultada pela distância. A feira livre, quando voltou a funcionar, foi em um local que, na época, ficava na encosta da cidade. Pouco tempo depois virou um espaço comercial. “Coberta em 1992, a feira livre localiza entre a Central 1 e Central 2 de Abastecimento, no bairro São Francisco, próximo ao centro da cidade, ao lado o rio Catulé, que corta o espaço físico da comunidade” (VIANA, PINTO, MOREIRA, 2010, p. 93). 230

Ou seja, é o reconhecimento público que os primeiros batistas originaram da família de Manuel Ferreira Ribeiro (conhecido no povoado como Nezinho Ribeiro). O Pastor Nelson lembra que Nezinho Ribeiro foi batizado no arraial de Sapucaia. Deste povoado, por ter sido extinto, pouco restou da documentação da sua Igreja Batista; os seus membros passaram a pertencer ao distrito de Cassilândia que fica localizado no Município de Itambé. Segundo o Pastor Nelson, por ter pastoreado a Igreja de Cassilândia, ele só é uma testemunha daquilo que ouviu do fazendeiro Filipe Santos (membro da Primeira Igreja de Cassilândia – distrito de Itambé). O Senhor Filipe gostava de contar a origem dos batistas de Sapucaia (que por muito tempo tiveram como líder espiritual o português João Alexandrino Ribeiro, genitor de Nezinho Ribeiro). Sobre esse aspecto, relembra o Pastor Samuel que Antônio Teófilo de Queiroz foi quem começou a batizar as pessoas da fazenda, antes mesmo de se tornar pastor. Assim, quando ouviu falar do missionário Zachary C. Taylor, que se encontrava na cidade de Salvador, foi para a capital e, ali, depois de encontrar o missionário, foi batizado, doutrinado e consagrado como o primeiro pastor protestante de Vitória da Conquista.

Portanto, a origem dos Batistas de Itapetinga começou a partir da cidade Vitória da Conquista que possui uma das Igrejas mais antigas da região. Émile Léonard (1981, p. 90- 92), registra que a data da Fundação da “Primeira Igreja Batista Bíblica de Conquista foi em 1900”. Quanto a Itapetinga, Campos (2006) e Jabur (1998) referenciam que Nezinho Ribeiro, que ficou “conhecido como o homem da Bíblia Sagrada”, era quem divulgava o Evangelho entre os itatinguenses. Sobre isso, como foi visto no capítulo II, os batistas utilizavam, como meio de propagação da fé, a Bíblia; essa era uma forma de aproximar-se dos brasileiros católicos. Essa proposição amplamente, discutida por Teixeira, mostra que na Bahia a [...] Bíblia foi o primeiro tipo de literatura religiosa utilizada [...] os fundamentos doutrinários da denominação, que tem a Bíblia como única regra de fé e ordem. Examinando uma das principais fontes para o estudo dos primeiros vinte anos da presença batista na Bahia - os livros de Atas da Primeira Igreja -, vemos claramente a preocupação dos seus líderes em espalhar o maior número possível de livros religiosos [...]. O primeiro colportor eleito da Primeira Igreja Batista da Bahia foi um Borges de Barros em 1884, embora outros evangelistas incluíssem essa tarefa entre as suas atividades. Tito W. Baptista, por exemplo, embora não esteja indicado nem como pastor, nem colportor, acompanha o missionário Taylor em suas viagens pelo interior da Bahia e apresenta nos anos de 1884 e 1885 relatórios frequentes do seu trabalho (TEIXEIRA. M, 1975, p. 59).

231

Essa prática foi assimilada pelos batistas de Itapetinga que, antes do final da década de 20, além da doutrina ser estendida dentro das relações de parentesco, ou melhor dizendo, dentro do núcleo familiar Campos/Ribeiro, ainda foi realizado um trabalho missionário pelo líder do grupo, Nezinho Ribeiro, que, através das suas pregações, “cresceu o rebanho de homens e mulheres batistas que se apossaram de glebas diferentes e distantes, pelo que, para se encontrarem e compartilhar a fé que cultivavam, viajavam léguas às casas uns dos outros” (CAMPOS, 2006, p. 120). Desde o movimento protestante alemão foram instituídas as três doutrinas: “a justificação pela fé, o sacerdócio universal e a infalibilidade apenas da Bíblia”. Segundo Delumeau (1989, p. 59), isso provocou a representação do sentimento da participação do indivíduo na construção da própria identificação espiritual tendo, na valorização da vocação do leigo, a oportunidade de conhecer e divulgar a Bíblia que, supostamente, estava colocada ao alcance de cada homem e mulher. Foi com esse propósito que os batistas de Itapetinga, mesmo leigos, “acreditaram”, cultivaram o capim, mas, também, semearam o Evangelho. Essa foi a causa que levou o Pastor Samuel Oliveira Santos afirmar que A história da Primeira Igreja Batista e da cidade de Itapetinga se confunde. Não se pode pensar no nascimento de uma independentemente do nascimento da outra. Quando os desbravadores da região, pioneiros da cidade, chegaram derrubando matas, abrindo fazendas, semeando capim e dando início ao arraial batizado de Itatinga, chegaram com eles alguns crentes batistas de diferentes regiões do Estado, notadamente do sertão de Conquista, que buscavam matas mais ao sul da Bahia para possuir a terra. Vinham no propósito de derrubar florestas, abrir clareiras, plantar capim, criar gado e levar o evangelho a todas as criaturas. Aqueles batistas traziam, sem sombra de dúvida, além do propósito de progredir, também a decisão de, ao lado da semeadura do capim, semear o que traziam no coração e na alma, a semente do evangelho. (CAMPOS, 2006, p. 119). No entanto, inicialmente, o núcleo familiar Ribeiro/Campos não continuou com as suas atividades religiosas no pequeno povoado, pelo menos, não naquele primeiro momento. A impossibilidade de prosseguir com as reuniões que eram feitas dentro do povoado de Itatinga não foi por imposição da Igreja Católica, como ocorreu em outros locais do Brasil, conforme aponta Paixão (2013), ao falar sobre as dificuldades que os batistas tiveram para desenvolver as suas crenças religiosas na cidade de Campo Maior (Piauí) ou, então, pelo estudo de Marli Geralda Teixeira sobre os batistas da Bahia, quando mostra o seguinte:

Tomemos por exemplo as afirmativas de Salomão Ginsburg - missionário que trabalhou para a missão batista da Bahia desde a segunda década da sua organização - quanto aos traços característicos do povo brasileiro. Segundo ele, o brasileiro é essencialmente inteligente, corajoso, cortês e 232

pronto ao sacrifício. Essa é também a impressão que aparece na extensa correspondência mantida por Z.C. Taylor com "O Jornal Batista". Quando ocorriam conflitos de perseguição e intolerância, geralmente esses pregadores os atribuíam às tentações de Satanás, à intransigência dos padres e à ignorância do povo, esse, mero instrumento daquelas forças (TEIXEIRA, 1975, p. 84). Naquele princípio de século XX, segundo Marli Geralda (1975), existia, uma conjuntura sócio-político-econômica, principalmente no interior do Estado, que possibilitava um distanciamento entre os poderes constituídos (civis e políticos) e a situação de miséria das populações interioranas. Nesse contexto, havia uma influência da função do “padre e do delegado, e [...] reações igualmente fanáticas contra o novo credo anunciado, a exemplo da ameaça enfrentada por Salomão Ginsburg em Queimadas, em 1892” (TEIXEIRA, 1975, p. 85). Apesar da grande maioria da população de Itatinga estar dentro da probabilidade de “miséria” que foi apontada por Teixeira (1975), pois, se de um lado, havia os poucos “considerados” ricos fazendeiros da época e, por outro, aqueles que eram diretamente ligados em suas práticas laborais às fazendas. Não podemos tomar como totalmente oposta essa situação, pelo menos não inicialmente, a vida em Itapetinga não era separada entre relações opressores e oprimidos, não conseguimos encontrar nenhum dado que apontasse tal distinção. Mas, isto também significa que a não existência desses polos extremos tenha rompido com a hierarquia e a legitimidade que foram definindo as relações itatinguenses. Tal análise pode ser comprovada dentro da pesquisa de Oliveira (2003) que faz um mapa de como foi se formando a pecuária e a urbanização de Itapetinga. Nesse processo, comprova que devido aos hábitos simples e o nível cultural limitado do pecuarista Itapetinguense, que teve origem semelhante à maioria dos trabalhadores, as diferenças entre os grupos sociais não eram evidentes. Foi assim que essa “ilusória” semelhança cultural e social conseguiu dissimular os conflitos, proporcionando uma relação de total cooperação dos trabalhadores em relação ao produtor rural, (a relação chegava a ter um tom paternal), o que propiciou uma velocidade maior da concentração do capital econômico do pecuarista, fazendo com que as diferenças entre dominados e dominantes se manifestassem de maneira mais evidente no decorrer do processo histórico da cidade. Isto fica comprovado quando Dona Elza traz o seguinte depoimento: A história da construção da Igreja Batista, ou melhor da Igreja igual a de hoje, foi assim: entre uma obra e outra no povoado, a fama de meu pai como bom mestre de obra começou a se espalhar, todos o queriam como 233

responsável pelas construções de suas casas, era fazendeiro o tempo todo chamando, haviam muitos fazendeiros batistas, com isso foi formando uma amizade entre eles e meu pai, até que um dia ele foi convidado para fazer a planta ou a construção da Igreja. Logo, a relação entre patrão e empregado era percebida como amizade, não era vista como uma imposição, antes como algo natural, com isso, houve a aceitação dos próprios dominados de sua situação. Abaixo está uma fotografia que foi tirada de uma maquete que fica no Museu de Arte e Ciências de Itapetinga (MACI) que reflete muito bem como era a vida dentro da cidade nascente, pois, revela a “casa grande e a senzala”, traduzida na linguagem itapetinguense pela casa do vaqueiro e a casa do senhor.

Foto nº 11: Representação da Casa da Sede da Fazenda Vista da Casa do Vaqueiro

Fonte: Acervo do Museu de Arte e Ciências de Itapetinga. (Moreira, J. 20/12/2015)

A relação entre os “ricos” e os pobres foi mantida, também, em relação aos próprios detentores do poder em Itapetinga, isto quer dizer que nem Augusto de Carvalho ou Juvino Oliveira que eram, declaradamente, católicos e líderes políticos foram para o embate, pelo menos no campo da força física, contra os “poderosos” fazendeiros batistas do núcleo familiar Campos/Ribeiro. Por conseguinte, já podemos afirmar que os batistas inicialmente conseguiram aproximar dos moradores, porque eles, também, junto com os fazendeiros católicos, representavam o poder do capital econômico da cidade. Igualmente se for atribuído a esse universo social, o que Mendonça (2008) demonstra, quando diz que os fazendeiros do Brasil do início do século XX, não estavam interessados em nenhum tipo de mudança, fosse ela no campo religioso ou no campo 234

político; já fica claro, que em Itapetinga não havia o interesse de enfrentamento entre os fazendeiros católicos e os fazendeiros batistas, até porque, no cenário político, eles não representavam qualquer tipo de oposição ao líder político Juvino Oliveira, pelo contrário, Mariano Campos era seu coligado. Assim, a conexão ao que se formou entre os fazendeiros (batistas e católicos) em relação a maioria da população, foi “marcada pela marginalidade política quase absoluta que relegaram os estratos pobres da população” (BOSI, 2010, p.454). Desse modo, o que encontramos dentro das memórias (cf. cap. IV) foi uma espécie de “devoção aos fazendeiros” que entre os moradores retrata como se fosse dupla a aceitação católica/batista: no campo político: “Juvino Oliveira, que era vereador e, depois, da cidade emancipada foi prefeito, ambicionou comprar o terreno para fazer uma igreja católica, mas, era muito caro e os fazendeiros católicos não quiseram colaborar” (Senhor Euredes). Quem acabou comprando foi um Batista, mas, não tem no relato, pelos menos, no cenário interno da cidade qualquer divergência sobre a situação. Isto reflete nas memórias intergeracionais como fosse uma coisa comum, afinal, “muitos dos nomes ilustres da cidade, pertencem ou pertenciam a Primeira Igreja Batista, foram eles, quem construíram a história dessa cidade” (Maurício). No entanto, quando o mesmo faz referência aos políticos que estiveram à frente da construção da cidade, não aparece o nome de nenhum batista, como é referenciado a um católico devoto, ao dizer que entre os nomes que marcaram o passado da cidade, vinculado a política, “tinha o grupo do Juvino Oliveira, chamado de humanista” (Maurício). Já quando tratam do campo da religiosidade, os discursos mudam e assim relatam: “Itapetinga não podia viver [sem uma Igreja], aquele pequeno vilarejo recebeu os batistas, ou melhor eles vieram no início junto com outros fazendeiros [católicos]” (Moisés); Logo, naquela época, existiam grupos que eram chamados de intermediários, esses crentes (o que me incluía), saiam por essas ruas ainda em formação, indo de casinha em casinha, pregando a palavra, orando, cantando hinos, quando saiamos das casas, muitos daqueles que ouviam levantavam as mãos aceitando ao Senhor”(Dona Elza); Assim, “existe uma influência da PIBI na cultura religiosa de Itapetinga, essa é uma cidade que se difere de muitas outras cidades do Brasil, ao que me consta todas começam o trabalho religioso com os católicos, aqui este trabalho principiou com uma Igreja Batista, só essa história já é um diferencial (Sergio). No entanto, não havia essa separação entre a política e a religião, como podemos analisar a partir do relato abaixo: 235

[...] tudo começou com a família de Nezinho Ribeiro, que na época era muito conhecida por causa de Mariano Campos, que foi um representante político de Itapetinga [...] Depois da família dos Campos-Ribeiro, surgiu quase que concomitante, Aquilino de Souza Brito, Oséias Pio, Joao Mauricio da Roça, Agenor dos Santos e vários outros fazendeiros. Foram eles os membros fundadores da Primeira Igreja Batista de Itatinga. Estes crentes ficavam nas suas respectivas fazendas localizadas, principalmente, entre a cidade de Itapetinga e Macarani. Eles costumavam se reunir na casa de um ou de outro, para estudar a Bíblia e desenvolver a sua comunhão e a sua fé, isto estou falando ainda década de 20 (Pastor Samuel).

Portanto, nas próprias palavras do Pastor Samuel, “Esses homens e muitos outros batistas conhecidos como os “fazendeiros”, influenciaram e muito, não só as lutas políticas, mas também, as lutas sociais”. Com isto justificamos que Mendonça (2008) tinha inteira razão quando disse que se o protestantismo no território brasileiro teve a sua ocupação inicial nos centros urbanos, como Rio de Janeiro e a cidade de São Paulo, ela se inseriu, sobretudo, entre as populações pobres da roça, como foi o caso de Itapetinga. Neste contexto, podemos afirmar que ela assumiu o poder de nortear as ações sociais que direcionaram as mudanças produzidas nas condutas individuais, fornecendo para sua população o “sentido” de suas histórias. Ou seja, na história dos batistas de Itapetinga já pode ser assinalado dois aspectos: primeiro, eram os batistas os detentores do capital econômico e, depois, foram eles, os detentores do capital político. Assim, mesmo indo contra os princípios dos batistas que pregam a total separação da Igreja e do Estado, podemos parafrasear o Pastor Samuel e afirmar que história dos membros da Igreja Batista e a história da Política em Itapetinga se confundem – exatamente assim, no presente da vida da cidade, como veremos mais adiante. E tudo iniciou como Mariano Campos ainda na década de 20, prosseguindo até a década de cinquenta, pois, foram os vereadores: Pastor Saturnino José Pereira148 e Elias José

148 O Pastor Saturnino José Pereira, foi o terceiro pastor da Primeira Igreja de Itapetinga, entre 1950 1955, nesse período como membro integrante da ACI, estava em todas as reuniões que decidiam o futuro da cidade. Foi ele quem sugeriu que fosse dado o nome de Alfredo Dutra a primeira escola laica da cidade, como consta na ata do projeto de criação do Ginásio Alfredo Dutra, elaborada em 14 de julho de 1951. Essa ata foi parte do acervo deixado pela primeira biblioteca da cidade de Itapetinga, a Biblioteca Dr. Orlando Bahia, que foi criada em 1937, através da Associação Cultural Itapetinguense (ACI). Como está em fragmentos, não é permitido a sua manipulação. Sobre Saturnino, o Pastor Samuel relata que ele “ ações decisivas para a questão do desenvolvimento social da cidade, que a Igreja trouxe para Itatinga, isso [...] criou a integração e o estilo de vida dos moradores de Itapetinga” (Pastor Samuel, cf. cap. IV). 236

de Carvalho149 (pai de Dona Elza e que era batista), que junto com outros católicos estavam à frente da emancipação municipal. Nesse sentido, [...] mesmo que a minha pessoa nunca tenha se batizado na Primeira Igreja Batista, havia lá muitos fazendeiros e comerciantes, eles influenciaram e influenciam até hoje a cidade. Na Primeira Igreja tinha médico, professor, dentista, olhasse para onde fosse em Itapetinga tinha um membro da Igreja trabalhando pela cidade. Havia alguns sem recursos financeiros, mas, a maioria era capitalizada, tinha muito dinheiro. Muito do que ocorreu aqui se deve à Primeira Igreja; falta o povo admitir, mas, a cidade deve à Primeira Igreja a qualidade econômica, cultural, intelectual e administrativa. Foi um membro da Segunda Igreja, Evandro Andrade, que antes congregava na 1ª Igreja, que foi eleito a prefeito da cidade, derrotando o “grande Espinheira”. Lembro até hoje a quantidade de votos; ganhou com 512 votos de diferença. Então, politicamente, a meu ver, a Primeira Igreja influenciou a história de Itapetinga. Isto não foi somente no passado, basta analisar que o atual vice-prefeito, Alécio Chaves é membro da Segunda Igreja de Itapetinga, o que possibilitou, com o voto dos evangélicos, eleger um Governo do PT, coisa inédita na cidade. Basta analisar esse ponto para perceber que a influência da PIBI ainda está muito presente nesta cidade.

No entanto, quando se trata do campo religioso, o que se encontra na realidade da cidade é, exatamente, o que depoimento da Dona Adotiva denuncia:

Não vejo o Candomblé como uma religião, vejo como uma seita. Pode até ser religião para uns, mas, para outros não é, por isso, quando me pergunta sobre a minha religião, respondo sempre que sou católica. Meu filho Jorge também fala que é católico; fomos batizados na Igreja Católica, essa é a minha religião [...] Além disso, aqui em Itapetinga é muito difícil, a cidade tem sempre perdido parte de sua história quando o assunto são as nossas crenças [afrodescendentes], pois, não tem incentivo nem dos políticos e nem da população. Para manter esse espaço, como um ponto da história da própria cidade, tudo é feito com nossos recursos. Isto significa que, se não houve retaliação contra os batistas, o mesmo não pode ser conferido quando se trata de outras religiões. Portanto, cabe afirmar que os batistas não sofreram nenhuma afronta, porque eles eram a representação da elite da cidade. Por exemplo, pode ser citado que, em muitos locais que se organizavam as congregações protestantes, independentemente de suas denominações religiosas, eles eram obrigados a construir espaços para enterrar os seus mortos que, popularmente, ficavam conhecidos como os “Cemitério dos Crentes”.

149 Elias José de Carvalho, pai de Dona Elza (cf. cap. IV), como ela relata chegou em Itapetinga em meados do século XX, com o envolvimento dentro da Igreja Batista, acabou sendo referência na construção civil, assim, foi, maçom, político e dono da primeira empresa de construção civil da cidade. 237

A questão do “Cemitério dos Crentes” é narrada por Paixão (2013) em Campo Maior (Piauí), por Marli Geralda (1975) na Bahia e por Mendonça (2008) em São Paulo. Todos eles chamam a atenção para esse aspecto, para demonstrar a que ponto chegava a intransigência religiosa da Igreja Católica, ao não permitir, nem mesmo, enterrar os mortos em solo “sagrado”, isto por ter sido abençoado por um padre. Sobre esse aspecto, Mendonça (2008, 147-184) fala que havia um absolutismo católico no território brasileiro e ele chegava a tal ponto que a Igreja Católica gozava de favores especiais e de exclusividade quanto às manifestações religiosas, o que significa que até a época da sua pesquisa realizada em 1982, (quando mostrou que foram as questões religiosos, sociais e políticas do Brasil católico, o que possibilitou a inserção do protestantismo na sociedade brasileira), ainda existia em algumas cidades paulistas, Igrejas protestantes que não possuíam os seus imóveis e, por isso, tinham que pagar o laudêmio150 às respectivas dioceses. Já, para Paixão (2013), a soberania católica chegava a tal ponto que, logo após a passagem do americano Zachary Taylor pela Bahia, em 1882, ele se dirigiu para outras partes do nordeste brasileiro. Em uma de suas viagens, quase caiu na cilada de um grupo de fiéis católicos que foi armado para tirar a vida do missionário. O mentor havia sido o padre da paróquia de Barra do Rio Grande, Município do Estado da Bahia que fica localizado no encontro do Rio Grande com o Rio São Francisco, no Médio São Francisco. O assassinato, de acordo com Paixão (2013), foi impedido pelo deputado federal do Piauí, Joaquim Nogueira Paranaguá que, na época, era de formação católica e, depois, converteu-se em batista, mas, o caso não foi adiante e nem mesmo foi julgado. Em Itapetinga nada disso aconteceu, pelo contrário, os batistas, como demostraram as memórias dos itapetinguenses (cf. cap. IV), estavam envolvidos em todas as atividades da cidade, fossem elas religiosas, políticas, culturais ou educacionais. Desde a década de 20, do século XX, ainda com o apoio da Igreja Batista de Sapucaia, muitas conversões ao cristianismo aconteceram. Na medida em que o trabalho junto ao rebanho de Itatinga cresceu, acoplado com ele desenvolveu-se o próprio prédio da PIBI, agora já instalado no centro da cidade. Através das lembranças dos recordadores, “parece” que havia uma união entre as duas ramificações do cristianismo em Itapetinga. Todavia, reconhece-se pelas palavras de

150 Taxa de imposto criada no tempo do Império brasileiro que ainda vigora na atualidade. Tem como beneficiário a União, a Igreja Católica e, até mesmo, os herdeiros da monarquia. 238

Dona Adotiva que, se para a religião de origem cristã batista não houve nenhum tipo de proibição, já para outros credos religiosos, o mesmo não ocorreu na cidade. Nesse sentido, cabe afirmar que a religião assume uma representação ideológica e prática, interferindo na vida social até mesmo de outros campos como, por exemplo, movimenta o próprio campo da política, da cultura e da economia. Ou seja, a religião como uma força material, “permite a legitimação de todas as propriedades características que formam os estilos de vidas” (BOURDIEU, 2007c, p. 35). E esse estilo de vida foi marcado dentro da economia de subsistência pecuarista, mas, também, dentro da política de Itapetinga. Por conseguinte, o que levou à ruptura “aparente” do pequeno grupo de batista ainda na década de 20 foram as dificuldades geográficas e naturais da época; era muito difícil a locomoção entre os espaços povoados. Foi essa a causa que, segundo Jabur (1998), levou o Pastor Abílio Pereira Gomes a solicitar aos fiéis batistas que desfizessem a Igreja e fossem congregar em Itapuí (atual cidade de Itororó) ou, então, na Igreja de Sapucaia. De acordo com Campos (2006, p.115), a pequena Igreja se desfez, mas, o grupo continuou “fazendo orações em uma ou em outra casa dos evangélicos”. Destarte, aquele embrião batista, ainda, continuava desejoso de ter um lugar definitivo para suas orações em Itatinga, fato que ocorreu em 1936, quando os protestantes alugaram uma casa na “Rua Santos Dumont, e ali fundaram oficialmente uma Congregação, essa situação perdurou por dois anos” (JABUR, 1998, p. 71), chegando ao fim em 1938, quando foi inaugurada definitivamente a Primeira Igreja Batista na Praça principal da cidade. Ou seja, podemos lembrar que O mundo está destinado a servir autoglorificação de Deus; O cristão [eleito] existe para isto [e apenas para isto]: para fazer crescer no mundo a glória de Deus, cumprindo de sua parte, os mandamentos Dele. Mas Deus quer do cristão uma obra social porque quer que a conformação social da vida se faça conforme seus mandamentos e seja endireitada de forma a corresponder a esse fim (WEBER, 2013b, p. 98).

A partir dessas palavras efetuadas por Weber (2013) em sua leitura sobre o que foi desencadeado a partir dos princípios calvinistas para o mundo moderno, ao mesmo tempo tendo como propósito retratar a realidade empírica da cidade de Itapetinga no que diz respeito ao seu campo religioso, historicamente construído a partir dos batistas, é que cabe também, trazer o depoimento de Pastor Odinei: Aqui tem uma cultura evangélica muito grande, basta analisar que os dois movimentos festivos religiosos da cidade são evangélicos, a “Marcha Itapetinga para Cristo” que acontece no dia 12 de dezembro, dia da emancipação política de Itapetinga e “O Jesus Vida Verão”, que é um 239

congregacionalíssimo a céu aberto [...] Itapetinga tem duas Paróquias Católicas, a primeira mais tradicional que a segunda, que é bem mais avivada. Diria que até o catolicismo aqui parece que é mais fervoroso que em outros locais, não é raro encontrar grupos católicos fazendo o estudo da Bíblia. Assim, posso não precisar até onde se tem a influência da 1ª Igreja Batista nestas tendências católicas, mas, poderia dizer que o catolicismo aqui é bem diferente daquele que eu vivia em Jacobina.

Sob a ótica de Bourdieu (2007c) existem indivíduos em posições dominantes que elaboram táticas para a manutenção do seu status quo, mas, toda regra pode ser quebrada. Por essa razão, a população de Itapetinga, como qualquer outra, deve ser vista como um conjunto de campos, cuja movimentação estará sempre designada por uma relação de jogos e forças. E dentro desse jogo o estado do campo, vislumbra as formas incorporadas, que correspondem em atitudes, tanto para a manutenção como para o combate das representações. É possível afirmar que a Itapetinga vista pelo Pastor Odinei, está mais dentro das perspectivas das representações individuais, do que, realmente voltada para a realidade de práticas católicas sendo efetivadas a partir das práticas batistas, pois desde a fase inicial, da cidade emancipada, já havia um enunciado que a relação entre batistas e católicos era acirrada. Tal afirmativa vem das recordações do Senhor Júlio, ao revelar que a história da construção da Paróquia Nossa Senhora da Graças – ao qual o Pastor Odinei chamou de mais avivada –, não foi fácil; construída sobre um terreno que antes pertencia à Primeira Igreja Batista, a sua aquisição foi uma jogada, pois, como diz o Senhor Júlio “os batistas não queriam vendê-lo, principalmente para os católicos, então, um amigo do Pe. João comprou o terreno em seu nome e passou para a Igreja”. Mas, se já havia essa exasperação entre batistas e católicos, porque o próprio Senhor Júlio foi quem chamou a atenção, ao declarar que, “aqui em Itapetinga, a convivência entre os batistas e os católicos nunca foi acirrada. [...] sempre convivemos com muita paz. Aqui nunca houve divergência entre católicos e batistas”. O primeiro critério, ao nosso ver, é reconhecer que fazer alguém falar de si mesmo como se isso fosse possível, contar a própria vida e expor todas as ideias como se fossem a mais tenra verdade não é algo fácil, mas, com o decorrer do processo de pesquisa, na medida em que a memória vai se desvelando, conseguimos apreender o que está por trás das nossas amarras, tanto, que se forem avaliados os dois destaques dados pela voz do Senhor Júlio, veremos que entre, a primeira posição e a segunda, tudo se concretiza, principalmente na interrogação, que é precedida pela palavra “paz”. 240

A “paz” ao qual se refere é aquela que está presa as suas memórias de vaqueiro, que ainda estão presentes na sua atualidade. Assim, se inicialmente acreditávamos que a religião cristã batista havia influenciado a cidade de Itapetinga, a partir da posição do senhor Júlio podemos conferir que o fator decisivo para as perspectivas de aceitação, concorrência e competição, que simbolicamente foram instituídas dentro da cidade, ocorreu através do poder da dominação da cultura pecuarista, foi essa que orientou as ações práticas representadas, nas relações sociais, culturais, econômicas e políticas, cujo efeito recaiu na própria constituição do campo religioso representado pelos fazendeiros batistas da cidade. Mediante a essa constatação, cabe algumas considerações sobre os agentes pessoais que marcaram essa relação batista/religião/pecuária na história de Itapetinga. Mas, de antemão, já sabemos que se trata, apenas, de designar o campo das representações que foram construídas a partir das posições sociais desses sujeitos.

5.3 O Novo Céu e a Nova Terra

Para compor o quadro dos agentes pessoais que aparece aqui como a memória dos estabilizados, que pode ser visto nos depoimentos citados, tomando como os “estranhos” que chegaram e trouxeram a promessa de um novo céu e uma nova terra; um que já foi apresentado dentro do quadro das memórias, mas, quem traremos, em primeiro, lugar é a biografia do Pastor Samuel Oliveira dos Santos, isto porque ele foi citado dez vezes em meio a dezoito memórias que formam o conjunto dos nossos recordadores. Dentre esses, cabe destacar as seguintes lembranças: o Senhor José Bispo dos Santos, quando recorda do seu “terno de linho branco [...] que foi queimado em uma brincadeira de adolescentes”; os vereadores Nidia Oliveira e Amaral Júnior, que reconhecem a sua “importante presença” por cinquenta 50 anos à frente da Primeira Igreja Batista de Itapetinga; Dona Terezinha quando diz, emocionada, que foi batizada por ele e o considera “como se fosse o Pastor fundador” da Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI); o Senhor Euredes e a Sandra ao indicarem a sua “importância e contribuição” para a pesquisa em curso; ou ainda, Maurício, ao reconhecer que “o Pastor Samuel, junto à PIBI, fez muito pela história de Itapetinga, eles tiveram um papel fundamental no processo educacional, na saúde e na própria política, mesmo não estando diretamente envolvidos dentro dela, a não ser na época do Prefeito Evandro Andrade (1973-1977)”. 241

Cabe ainda informar que além do próprio Pastor Samuel Oliveira dos Santos ter nos relatado a sua história no mês de fevereiro de 2014, ainda serviu de direcionamento para o que vai ser exposto; alguns dados que foram retirados de leis e moções do Poder Legislativo Municipal, Estadual e Federal. O Pastor Samuel ou líder carismático, como é chamado por todos os moradores da cidade de Itapetinga, independente do credo religioso, nasceu no dia 10 de junho de 1926 na pequena Vila de Tatuamunha, Município de Porto de Pedras no Estado de Alagoas. Filho de Felix Francisco dos Santos e Elisa de Oliveira Santos. O pai era um sitiante, pois, possuía uma área composta por um belo coqueiral. Foi ali que viveu até a idade de quinze anos e, como consta em suas palavras: “da minha mãe guardo uma pequenina memória, ela se foi quando tinha seis anos de vida. Guardo pouco, muito pouco da sua lembrança”. Era o filho caçula, exatamente, o sétimo dos filhos de uma família de três homens e quatro mulheres. Como ele narrou, nasceu em uma família cristã batista, sendo criado dentro destes princípios. Sobre esse aspecto, esclarece: “desde muito cedo aceitei a Jesus Cristo como nosso único Senhor e Salvador. Havia uma pequenina igreja, como até hoje ainda existe – Igreja Batista de Tatuamunha – de onde guardo lembranças; ali vivi a minha infância e a minha adolescência”. Aos quinze anos, deixou o sítio, a cidade Tatuamunha e o Estado das Alagoas e passou a residir na cidade do Recife (PE). Ali viveu outros “quase” quinze anos e foi neste local, na Igreja Batista Imperial do Recife onde, finalmente, em 1942, foi batizado pelo Pastor Batista Hermes da Cunha Silva. Como consta na Declaração Doutrinária Batista (2010), o Pastor Samuel somente se batizou quando adquiriu a convicção do caminho que desejava seguir. Sobre essa questão ele nos alertou que: Mesmo sendo de família batista tem que ter a aceitação, a conversão a Cristo não pode ser imposta, portanto, não poderia ter me batizado antes, mesmo que em meu coração nada abalasse a minha crença em Jesus Cristo, que era e é tão forte e havia sido ensinada por meu pai”.

Assim, foi batizado aos 16 anos de idade, exatamente a mesma data na qual começou a estudar no Colégio Americano Batista do Recife. Ali fez os cursos básicos escolares, incluindo o científico. O seu desejo era seguir para o curso de medicina, mas, abandonou a ideia quando foi convocado pelo “chamado de Deus” para exercer o Ministério. Para tal, ingressou no Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil que é um dos três seminários oficiais da Conversão Batista Brasileira onde finalizou, em novembro de 1954, o bacharelado em teologia. Além dessa formação escolar, após começar o exercício ministerial 242

em 1955 e já morando em Itapetinga, fez o curso de licenciatura em filosofia que foi concluído em 1973, através da Universidade Católica de Pernambuco, que fica localizado na cidade de Recife. O pastor Samuel ainda relembra que, além do ministério, outro importante fato em sua vida foi o seu casamento com a professora pernambucana, vinda da cidade de Garanhuns, Edla de Barros Santos. Ele narra que a conheceu em 1952 quando houve, no Recife, um encontro das Igrejas. Em suas palavras: “esse foi um encontro maravilhoso, pois, além das questões teológicas ainda proporcionou o nosso conhecimento, naquela época, ela era de origem religiosa presbiteriana”. O que não impediu que no dia 31 de janeiro de 1956, fosse celebrada a união entre o Batista e a Presbiteriana. O casamento foi convencionado duplamente, primeiro foi celebrado na Igreja Presbiteriana de Garanhuns e, segundo, ganhou a sua convenção batista através da benção de Deus, proferida pelas palavras do Pastor Hermes da Cunha Silva. Da união nasceram três filhas: Sandla Wilma de Barros Santos que é assistente social em Salvador e funcionária pública; Suely Emília de Barros Santos que é psicóloga, fazendo Doutorado no Recife; e, Eneida de Barros Santos que é odontóloga, pela Federal de Pernambuco com Doutorado em Campinas. E como o pastor Samuel fez questão em abordar “a terceira geração da família é composta por três lindas netas: Camilla, Luísa e Marina. Como vê, fui um homem muito honrado por Jesus, pois, colocou na minha vida sete lindas mulheres”. E foi a história iniciada em 16 de março de 1955, por meio do Ministério Pastoral na denominação Batista, que possibilitou a sua ligação com Itapetinga. Antes disso, primeiro havia assumido, em abril, a Igreja Batista da cidade de que fica situada próxima do município de Santo Antônio de Jesus, conhecida como a capital do Recôncavo Baiano. Ficou nesse local por dois anos, porém, no dia 13 de junho de 1957 recebeu o convite para conhecer a Pedra Branca, na época com cinco anos de emancipação político-administrativa. Como ele relatou “era a vontade de Deus”, pois, três dias após, em 16 de junho, foi empossado como pastor da Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI). Segundo o Pastor Samuel, a história dos batistas em Itapetinga começou, oficialmente, em 31 de julho de 1938. Mas, desde a década de 20 do século XX, quando não havia ainda nenhum povoado formado, que a família dos fazendeiros Nezinho Ribeiro e Mariano Campos já havia iniciado a evangelização. Depois da família dos Campos-Ribeiro surgiu, quase que concomitante, Aquilino de Souza Brito, Oséias Pio, João Mauricio da 243

Roça, Agenor dos Santos e vários outros fazendeiros. Ou seja, foram estes os membros fundadores da Primeira Igreja Batista de Itapetinga. Dentre esses fazendeiros houve um que somente foi batizado depois que o Pastor Samuel chegou em Itapetinga. Como ele mesmo disse “foi com a glória de Deus que batizei o Mariano Campos quando aqui cheguei na década de 50”. Assim, tomando emprestado o termo de Nora (1993), antes de tal “acontecimento espetáculo” os batistas como ponderou o Pastor Samuel, ficavam em suas respectivas fazendas, que eram localizadas entre as atuais cidades de Itapetinga e de Macarani, habituando a reunir na casa de um ou de outro, [...] para estudar a Bíblia e desenvolver a sua comunhão e a sua fé. Foi neste período que Augusto de Carvalho começou o arraial de Itatinga, exatamente ali onde fica a praça Augusto de Carvalho. Naquela época, foi construído uma espécie de Barracão que serviu como o primeiro lugar para aqueles crentes se reunirem e muitos registros ficaram apenas nas memórias. Por essa razão, se tivesse que estabelecer um tempo, para falar sobre a efetivação de uma Igreja Batista em Itapetinga, diria que a sua raiz foi entre os anos de 1920 a 1930. No começo, eles se reuniam no sábado e no domingo, o Pastor que os acompanhavam era Abílio Pereira Gomes, que naquele tempo era conhecido no Sul e Sudoeste da Bahia como o “plantador de igrejas”. Devido às dificuldades próprias de um mundo ainda não “civilizado”, não havia a facilidade para a locomoção, o que dificultava a presença do Pastor Abílio no pequeno povoado de Itatinga. Dessa maneira, o pequeno grupo foi desfeito para que pudessem frequentar outras Igrejas na Região de Itambé e de Itororó. Mas, segundo o Pastor Samuel, “eles não ficaram felizes com essa decisão, mantiveram a ideia firme de formar uma Igreja”. Tendo esse objetivo como meta, algum tempo depois, aqueles primeiros crentes alugaram uma casa na Rua Santos Dummont; foi ali o pontapé inicial para começar, oficialmente, a existência do povo batista na Região de Itapetinga. Mesmo diante da dificuldade, o grupo persistiu, tanto que, segundo o Pastor Samuel Na história das Igrejas batistas que conheço, além da Igreja edificada na Fazenda Felícia [VCA] que mesmo assim teve contato com os missionários estrangeiros, foi aqui em Itapetinga a única igreja a ser formada que não nasceu de outra Igreja. Ou seja, ela não veio de uma congregação instituída por outra igreja batista; desde o seu início o que prevaleceu foi o desejo de cristãos locais que buscavam a Salvação, foram eles que com muita fé e união, conseguiram estabelecer a Congregação Batista de Itatinga que sob, essa forma, existiu até 1938. Foi nesse ano que se organizou oficialmente a igreja, sendo fundada com quarenta (40) membros da Congregação local e onze (11) comissionados, o que Incluía como Presidente o Pastor Arlindo Rodrigues de Oliveira, que morava em Itapuí [atual cidade de Itororó]. 244

De tal modo, quando o Pastor Samuel chegou, em 1957, à Itapetinga, a Primeira Igreja Batista já havia se consolidado na praça principal da cidade, com o tempo, foi apenas modificando a sua forma arquitetônica. Mas, até mesmo antes da sua fundação existia, entre os pioneiros batistas, a preocupação com a educação local. Era preciso educar para a leitura do Evangelho. Foi com essa meta que instalaram uma primeira escola na fazenda de Mariano Campos. Após a organização da igreja, os batistas logo criaram, na cidade, a primeira escola batista que, de acordo com o Pastor Samuel tinha por objetivo educar os filhos dos crentes. Com o passar do tempo, a escola ampliou para o Instituto Batista de Educação, organizado sob a legislação de escolarização nacional, cujo funcionamento foi até 1955. Ao ser extinto, as lembranças desse patrimônio material, deixaram uma herança cultural que foram significativas para a história de Itapetinga, pois, serviu para o Pastor Samuel projetar a ideia da [...] criação do Colégio Batista Albert Schweitzer que está completando quarenta e cinco anos, em 2014, de história educacional em Itapetinga. O seu embrião nasceu em 1967, quando convoquei para uma reunião um grupo de irmãos da igreja. Naquele dia, expus o meu sonho de criar uma instituição de ensino que ofertasse uma educação completa, ou seja, que fosse do infantil ao Ginasial. Imediatamente, abraçamos a ideia. O primeiro passo para a concretização daquele sonho foi criar a Sociedade que daria existência jurídica e suporte financeiro para a implementação da obra. Criamos a Sociedade Moriah de Educação, Moriah, por conta do monte onde Abraão ofereceu Isaac em sacrifício a Deus. Este é o monte mais destacado na história bíblica, bom, enfim, a “sociedade” atualmente, é a “Associação Moriah de Educação”. Mudamos o nome de sociedade para associação, por conta da reforma do código civil do período militar. Oficialmente, a associação foi criada em 1968, teve como primeiro presidente o senhor Evandro de Oliveira Andrade que, mais tarde, foi prefeito de Itapetinga. A entidade educacional recebeu o nome Albert Schweitzer, então este foi um novo capítulo na história batista dentro de Itapetinga. O meu sentimento é que os batistas precisavam continuar marcando presença na educação da juventude da cidade, que havia sido perdido em 1955. Assim nós desvinculamos o colégio da administração da Igreja; a partir de então, o colégio ficou vinculado à Igreja apenas em seus propósitos, finalidades e objetivos. Mas, a igreja não tem nenhuma participação administrativa econômica sobre o colégio. Existe apenas um critério que liga o colégio a Igreja, somente pode ser membro da associação se for membro da Igreja Batista.

Os recursos para a construção do colégio, segundo o Pastor Samuel, foram provenientes de arrecadações da Primeira Igreja Batista, mas, também, adquiridos através de doações patrocinadas pelos “irmãos batistas” fazendeiros. Com as transformações do cenário urbano de Itapetinga, o Colégio Batista Albert Schweitzer acabou por ficar localizado em um bairro residencial de elite. Quando ainda estava no âmbito do projeto, foi 245

adquirido através da Sociedade Moriah de Educação uma área de 10.000 m², iniciando a obra em 1968. O primeiro pavilhão construído e formado por cinco (5) salas de aulas, possibilitou, em 09 de março de 1969, receber as crianças para a etapa inicial da educação infantil. Esse Colégio Batista recebeu o nome de Albert Schweitzer, por uma opção do Pastor Samuel, em suas palavras: Sou um admirador incondicional de Albert Schweitzer, nascido em 1875 e falecido em 1965. ssa foi uma singela homenagem que resolvemos fazer a este grande homem, alemão, filósofo e teólogo luterano que tornou-se médico e, junto com a sua esposa Hélène Bresslau, que era uma enfermeira, começou a fazer o trabalho missionário na África Equatorial. Quando ele morreu deixou um livro, que, ao meu ver, é uma boa leitura, chama-se: "A Questão do Cristo Histórico”. Foi este livro, publicado no inicio do século XX e que traz as visões escatológicas, que fez dele uma figura conhecida mundialmente, pois, ali anuncia a vinda de Jesus e o fim iminente do mundo. Além disso, em 1952, por seu trabalho na Africa, merecidanente, recebeu o Prêmio Nobel da Paz, reconhecimento aos seus esforços pela "Irmandade das Nações". Portanto, chegamos à segunda atuação do Pastor Samuel dentro da história da cidade de Itapetinga, pois, além de Pastor, atuou como diretor do Colégio Batista Albert Schweitzer por um período de vinte e nove (29) anos. Com a aposentadoria, em 2002, começou o exercício da vice direção e ainda foi professor em algumas disciplinas. O Colégio Batista Albert Schweitzer, em 2014, possuía trezentos e trinta e sete (337) alunos nos cursos: infantil, fundamental e médio, somado a isto, o Pastor Samuel fechou um convênio com a UNOPAR (Universidade Norte do Paraná), o que autorizou ao Colégio Batista ofertar o ensino superior – modalidade a distância – para mil e sete (1.007) alunos em dezesseis (16) diferentes cursos. Isto, de forma direta, impactou a economia, através do recrutamento, seleção e formação de monitores e professores da cidade e, de forma indireta, acabou envolvendo outros setores educacionais de Itapetinga. Outra atuação do Pastor Samuel que impactou as questões sociais de Itapetinga, foi ter criado, dentro da Primeira Igreja Batista, o departamento de beneficência que, independente do credo, era voltado para atender às necessidades básicas das pessoas carentes economicamente. Com o tempo, para ampliar a ação beneficente, o departamento foi transformado na Fundação Evangélica de Assistência Social. Esse foi o embrião para o atual Centro Batista de Ação Social (CBAS), que fica localizado na Rua J.J. Seabra, centro de Itapetinga, tendo como referência de localização. a casa pastoral da Igreja Batista. Todas as ações do CBAS ocorrem sob a orientação da Igreja, portanto, estatutariamente subordinado a ela. Atualmente, no Centro se encontra o atendimento 246

médico, odontológico e exercício profissional de um assistente social. Além disso, ainda continua com a distribuição de cestas básicas e medicamentos. Ainda, durante o ministério do Pastor Samuel, foi construído na década de noventa, um aglomerado de pequenas casas no Bairro Nova Itapetinga que ficou conhecido como “Vila Batista”. Estas casas servem como residência temporária para as famílias (batistas) que estão com problemas financeiros; ali moram gratuitamente e recebem, periodicamente, uma cesta básica. No transcurso do Ministério Pastoral Samuel Oliveira Santos foi: presidente da Associação Batista Itapetinguense, Secretário Executivo da Associação Batista Itapetinguense durante 25 anos; presidente da Convenção Batista Baiana (CBBA); Orador Oficial da CBBA (1969-1972-1980-2006); presidente da Comissão Local (Bahia) do Centenário dos Batistas Brasileiros em 1982; presidente da Junta Executiva da Convenção Batista Baiana, presidente da Junta Administrativa do Seminário Teológico Batista do Norte; membro da Junta de Missões Nacionais; membro da Junta de Missões Nacionais; membro da Junta de Missões Mundiais (CBB); membro do Conselho de Coordenação da Convenção Batista Baiana desde sua criação em 1996, membro da Ordem dos Pastores Batistas (Secção Bahia). Organizou seis (06) Igrejas Batistas, tanto em Itapetinga como em seu entorno, são elas: a Igreja Batista Betel, a Igreja Batista Vila Isabel, a Igreja Batista Boas Novas, a Segunda Igreja Batista, a Igreja Batista de Firmino Alves e a Igreja Batista de Macarani. E batizou cerca de 2.354 pessoas, conforme conferimos nas atas da Primeira Igreja Batista de Itapetinga entre agosto de 1957 a julho de 2007. Recebeu as seguintes homenagens: Título de Cidadão de Itapetinga, ofertado pela Câmara Municipal de Itapetinga em 16 de junho de 1988; Título de Presidente Emérito da Convenção Batista Baiana em 2006; Título de Pastor Emérito da Primeira Igreja Batista de Itapetinga em 2007; Moção de Louvor da Câmara de Vereadores de Itapetinga em 16 de junho de 2007; Moção de Congratulações pelos 50 anos de Ministério Pastoral nº 9027, da Assembleia Legislativa da Bahia (art. 141, § 1º do Regimento Interno) que foi elaborada em 19 de Junho de 2007 através do gabinete da Deputada Estadual Virgínia Hagge (PMDB/BA); Moção de Louvor do Senado Federal (Requeiro nos termos do artigo 218, do Regimento Interno do Senado Federal), que foi elaborado em 18 de dezembro de 2007, pelo Gabinete do Senador Magno Malta, eleito pelo (PR-ES); Câmara Municipal de Itapetinga, a inserção em Ata do Voto de Aplauso pelo Jubileu de Ouro do Ministério Pastoral em 2008; e no dia 30 de julho de 2013, a mudança do nome Rua 2 de Julho para Rua Pastor Samuel 247

de Oliveira Santos [Projeto de Lei nº 049/04, da Câmara Municipal de Itapetinga]. Ainda, foi no dia 1º de agosto de 2013, no dia da comemoração do Jubileu de Diamante da Primeira Igreja Batista, homenageado com mérito. Em 2007, o Pastor Samuel foi homenageado pelo Senador Magno Malta do PR do Espirito Santo (Jornal do Senado). Ao subir à Tribuna fez o seguinte depoimento: “Esse homem foi, por cinquenta anos, pastor da mesma igreja em Itapetinga. Cinquenta anos de idoneidade, dignidade e comportamento honrado” (MALTA, 2007, online). Ao final do discurso, o Senador defendeu a concessão do título de cidadão baiano ao pastor, observando que, embora ele fosse nascido no Estado de Alagoas, dedicou toda sua missão religiosa a Itapetinga. Em parte, o senador César Borges (PR-BA) defendeu a sugestão do colega, lembrando que o nome do pastor Samuel “engrandece o povo baiano. Espero que a Bahia corrija uma injustiça, por meio de uma homenagem realmente merecida” Dos textos da Bíblia, havia um que era o preferido e que o Pastor Samuel sempre recitava “Dou graças ao que me tem confortado, a Cristo Jesus nosso Senhor que me considerou fiel, designando-me para o ministério” ( I Timóteo 1:12). E, como narramos, inicialmente, foi o seu Ministério que o aproximou da cidade de Itapetinga. Infelizmente, ainda no transcorrer desta pesquisa, um capítulo da história dos Batistas de Itapetinga foi encerrado, pois, no dia sete de agosto (07) de agosto de 2015 o Pastor Samuel faleceu aos 89 anos. E foi o próprio pastor Samuel quem chamou a nossa atenção para três nomes de fazendeiros que fizeram parte da história da formação da cidade de Itapetinga e, também, contribuíram para a formação do campo religioso da cidade. São eles: Mariano Campos, Nezinho Ribeiro e Aquilino Brito. Seguindo a ordem, começaremos a contar a história da Família Campos. A história de vida de Mariano Soares de Oliveira Campos151, um dos pioneiros de Itapetinga, começou com a vinda do seu pai, o sertanista Cassiano Soares de Oliveira Campos e a sua mãe Antônia Campos, para a região onde, mais tarde, formaria o Município de Itambé. Ali comprou uma boa quantidade de terras e criou os filhos: Emanuel Campos, Mariano Campos, José Campos, Joaquim Campos Maria (Chamada por “Maricas”) Campos, Ana Campos e Hermelina Campos. Em 1931, Cassiano comprou uma fazenda na Vila de

151 A biografia de Mariano Campos foi retirada dos Livros de história de Campos (2006) e Jabur (1998), dos livros de Poesia de Ribeiro (2008, 2014) e, ainda, tem uma pequena parte que nasceu das entrevistas que realizamos com Wilson Oliveira Ribeiro, no dia 16 de junho de 2016. 248

Itatinga, passando a residir com a familia na sede da fazenda (atualmente essa área é onde fica localizado o Banco do Brasil). Dentre os filhos, Mariano Campos, nascido em Veredinha (município de Conquista) no dia 13 de março, saiu da fazenda do seu pai aos 25 anos de idade e resolveu fixar residência em um povoado recém formado, conheciodo por Itatinga. Era o ano de 1926; naquela época, comprou de Elgino Pereira a Fazenda Oriente, situada a 5 Km de Itatinga. Transcorrido o tempo, a Pedra Branca se desenvovia e Mariano atendia às suas necessidades, pois, em 1934 foi o seu Juiz de Paz e, em 1936, foi eleito vereador, representando a Vila de Itatinga dentro da Câmara Municipal de Itambé. Para participar das sessões que ocorriam uma vez por semana e sem qualquer tipo de remuneração que se saiba, viajava em lombo de burro por entre as matas fechadas, enfrentando os perigos, a lama, a chuva e o calor. Em 1937, com a instalação do Estado Novo, teve o seu mandato de vereador cassado, mas, todos que relatam sobre a sua não, diz que ele não gostava de política, talvez devido às suas crenças religiosas. No entanto, ele foi o primeiro presidente do diretório municipal do PSD de Itapetinga, cargo que ocupou até chegar o período militar. Ainda no ano de 1952, Mariano Campos fez parte da comissão designada pela Associação Cultural Itapetinguense (ACI)152 para construir o ginásio Alfredo Dutra. O empreendimento teve sucesso, já que no ano ano seguinte, em 1953, começou a funcionar, o que provocou uma mudança no campo educacional de Itapetinga, pois, até então, as familias que tinham posses mandavam os filhos estudar fora da cidade, isto conforme nos relatou o Senhor Júlio, quando disse que até “ mesmo quem não fosse batista, mandava os filhos e as filhas, para o Colégio Batista Taylor-Egídio que fica na cidade de Jaguaquara- BA”.. Mediante o exposto, cabe falar sobre diferenças educacionais; para tal, como a matriz metodológica deste trabalho perpassa pela memória, traremos para essa pesquisa a nossa própria memória, pois, também fazemos parte do grupo estabilizado da cidade. Assim alguns dados foram retirados de nossa pesquisa de 2009 para apresentar que a religião cristã batista, em Itapetinga, somente avançou e criou raiz entre as suas gerações porque, inicialmente na cidade, além de não haver diferenças sociais entre os seus moradores, também não havia oposições culturais.

152 Sobre esse aspecto ver nota de Rodapé nº 148. 249

Como consta em nossa pesquisa de 2009, foi por intermédio da ACI que ocorreu a criação do Ginásio Alfredo Dutra, sendo inaugurado no dia 14 de julho de 1951. Isso significa que, até essa época, somente era enviado para estudar em outras cidades os filhos do capitalizados. Nesse sentido, trazemos uma entrevista da Senhora Athenée Ribeiro de Oliveira Cruz – filha de Nezinho Ribeiro – e um relato, que foi recolhido na época da nossa pesquisa em 2009 e que aqui, iremos nominar como a católica. Cabe esclarecer que esse diálogo nunca existiu na realidade, apenas está servindo de modelo para apresentar, nesta situação imaginária, o que foi se desenhando no início e no desenvolvimento da história de Itapetinga, quando se tratou do campo educacional

A. Início e Desenrolar das Práticas Educativas em Itapetinga

“- Nasci depressa, sem esperar pela parteira. Na sede da fazenda dos meus avós maternos. Minha mãe doente, motivo para cuidar dos meus irmãos e sobre os grandes lajedos, lavava as suas roupinhas. Aos (9) nove anos já lia e escrevia orientada por minha mãe. O curso primário foi realizado em regime de internato no Colégio Marcelino Mendes, em Conquista, o curso ginasial no Colégio Taylor-Egydio, em Jaguaquara” (ATHENÉE CRUZ153, 2014).

“- Nasci na roça, pela mão de uma parteira, quando pequena meu pai, trabalhava nessa área rural de Itapetinga, roçando, plantando capim e, minha mãe lavava roupa de ganho. Eu tinha seis (6) irmãos, todos menores do que eu, E veja eu era bem pequena, mas mesmo assim, cuidava de todos os afazeres da casa. Havia uma grande dificuldade em ir à escola.... Eu não estudei... Aqui não tinha escola. Além do que, meus pais eram muito pobres, não sabiam ler nem escrever, não dava muito valor para essas coisas, o importante era aprender a lavar bem, passar bem, saber cozinhar, enfim ser uma boa dona de casa” (CATÓLICA, 2008).

B. O Término das Práticas Educativas

“ Para cursar a Universidade, fui levada ao Rio de Janeiro, sendo graduada em Nutrição pelo Instituto de Nutrição da Guanabara, em (1952). Acredito ter sido a primeira pessoa residente em Itapetinga, juntamente com a prima Eneclydes Campos, depois Wilson Ribeiro, a sair da cidade e concluir um curso universitário. Depois de formada, passei a residir no Recife em razão do casamento (1953). Sendo, Nutricionista na cidade do Recife e professora da Universidade Federal de Pernambuco até a aposentadoria” (ATHENÉE CRUZ, 2002).

“-Eu era analfabeta. Éramos então, preparadas para casar bem cedo. Com 15 anos me casei. Ele também, não sabia ler nem escrever. Morei na zona urbana uns tempos. Aí meu marido foi trabalhar na roça, e por isso, acabamos morando um bom tempo em uma fazenda. Pouco depois de ter tido o meu filho caçula, me separei. Eles eram pequenos, fiquei sozinha, deve ter uns 20 anos que não sei onde ele está. Assim que voltei para a cidade, tinha que sustentar a casa e criar os filhos. Como lavava muito bem, me transformei em lavadeira de roupa” (CATÓLICA, 2008).

C. O Resultado das Práticas Educativas.

“- Atualmente retornei à Universidade para revisão do meu livro Técnicas de Per Capita em Preparações, com previsão de ser editado em 2003. Para diversificar minhas atividades, tornei-me artista plástica, dedicando-me à pintura de porcelana, vidro, tela e tecido. As horas vagas, completo com a leitura de bons livros, principalmente de poesias, que gosto de declamar. Sou casada há 49 anos. Mãe de um doutor em Física teórica

153 - A entrevista contendo a história de vida da Sra. Athenée Ribeiro de Oliveira Cruz foi publicado in: RIBEIRO, Wilson. Assim vi Itapetinga. In: ATHENÉE,. São Paulo, Scortecci, 2014, p. 7-8. 250

pela Universidade de Oxford-Inglaterra, e professor de uma Universidade e, de uma nutricionista e psicóloga, que exerce a profissão no Ministério da Saúde, em Salvador” (ATHENÉE CRUZ, 2002).

“-Atualmente sou aposentada como lavadeira, e foi assim que criei os meus filhos naturais e mais os adotados. Mas diante da minha vida, eu falei com as minhas filhas, que elas tinham obrigação em estudar, porque eu sou para elas o maior espelho. Acredito que todo esforço que tive, valeu à pena, porque minhas filhas hoje estão formadas. Uma fez o curso de Pedagogia e, as outras fizeram o curso médio. Passo meu tempo nas atividades nas escolas dando depoimento para ver se esses jovens se interessam por estudar e nas minhas horas de folga adoro ver televisão” (CATÓLICA, 2008).).

Como expõe a Sra. Athenée Cruz (2014), os moradores de Itapetinga em seus primórdios, não tinham nenhuma percepção das diferenças culturais, sociais ou educacionais, todos tinha uma escolaridade mais ou menos parecida, questão que aos poucos vai se transformando. Mas, este é apenas um elemento que possibilita a identificação de novos elementos se entrecruzando com outros, já instalados, motivo que nos leva a refletir que as representações que permearam o processo de formação de Itapetinga de maneira nenhuma, podem ser analisadas, fora dos conflitos dos jogos sociais, ou seja,

As representações dos agentes variam segundo sua posição (e os interesses que estão associados a ela) e segundo seu habitus como sistema de esquemas de percepção e apreciação, como estruturas cognitivas e avaliatórias que eles adquirem através da experiência durável de uma posição do mundo social. O habitus é ao mesmo tempo um sistema de esquemas de produção de práticas e um sistema de esquemas de percepção e apreciação das práticas. E, nos dois casos, suas operações exprimem a posição social em que foi construído (BOURDIEU, 2004b, p. 158).

Sendo assim, torna-se possível, distinguir dois estilos de vida que foram formados em Itapetinga, de um lado os herdeiros dos pecuaristas, o que incluía os batistas, por outro lado, os herdeiros dos trabalhadores rurais. Foi nesse contexto que a Igreja Batista cresceu e prosperou sendo comumente chamada por “Igreja da Elite”. Assim, reforça a nossa proposição que havia “naquela época uma divisão entre as famílias ricas, uma parte era católica e outra pertencia a Primeira Igreja Batista; muitos que ali frequentavam, também, faziam parte da maçonaria” (Mauricio). Portanto, a participação de Mariano Campos na história da formação da cidade de Itapetinga também está relacionada, por ele ter sido um dos sócios fundadores em 1956, com os políticos e fazendeiros Osvaldo Brito, Ademar Requião, João Antônio de Souza Filho, Michel Hagge Filho e Elzevir Dutra, da fundação da Loja Maçônica Amor e União Itapetinguense; além de várias de outras entidades, a saber: ACI, Coopardo, Cooleite, Coopecrita, Hotel Goitacaz e,: Posteriormente, Mariano foi um dos colaboradores para a construção do atual prédio da maçonaria que teve a sua edificação efetuada pelo batista 251

Elias de Carvalho, como nos relatou a Senhora Elza (cf. cap. IV), o mesmo mestre de obras responsável pela construção do templo da atual Primeira Igreja Batista de Itapetinga. Mariano Campos casou-se três vezes; primeiro foi com Etelvina Ribeiro em 1920. E se foi com ela que começou a sua vida de homem político e de negócios, também, foi por causa dessa união que ele se inseriu na vida religiosa batista. Antes de submergir por esse assunto, vamos continuar narrando a sua vida matrimonial. Com Etelvina, teve oito filhos, ao ficar viúvo, veio o segundo casamento com Amélia Lopes Ferraz, com quem teve outros quatro filhos. Da terceira união com Lindaura Cerqueira Rodrigues, mais quatro filhos. Quando faleceu em 1991, Mariano, deixou como herdeiros, a sua esposa, seus dezesseis filhos e mais sete enteados trazidos por suas duas últimas relações, além deles, trinta e nove netos e onze bisnetos. A história de Manuel Ferreira Ribeiro154 ou Nezinho Ribeiro, como era conhecido em Itapetinga, que nasceu em 24 de dezembro de 1900 e morreu em 15 de março de 1973, começou em uma terra distante, pois, ele era descendente de um português que imigrou para o Brasil no meado do século XIX. João Alexandrino Ribeiro ao chegar ao Brasil estabeleceu na área rural de Barra do Furado, do antigo Distrito Administrativo de dos Ferraz, pertencente ao município de Conquista (atual Cidade Vitória da Conquista- BA). Ali conheceu Cassiano e Antonia Campos, mas, naquele momento, não podiam adivinhar que os destinos das suas familias marcariam a história religiosa de Itapetinga. No início do século XX, João Alexandrino Ribeiro mudou-se para a área rural de Zé Jacinto, situada no município de Itambé. Já casado com Maria Madalena Ferreira, comprou algumas fazendas, indo morar na que tinha o nome de Manga de Dentro (berço do povoado de Sapucaia e parte da área central de Itambé ). Ali constituiu uma numerosa família, a começar pelos dezessete filhos do casal, são eles: Bibi Ribeiro, Nezinho Ribeiro, Joãozinho Ribeiro, Tião Ribeiro, Sinfrônio Ribeiro, Tintin Ribeiro, Zó Ribeiro, Miguel Ribeiro, Cícero Ribeiro, Ducha Ribeiro, Petronillia Ribeiro, Florinda Ribeiro, Maria Ribeiro, Silvina Ribeiro, Etelvina Ribeiro, Rosalina Ribeiro e Rosina Ribeiro. Como João Alexandrino se converteu ainda jovem, criou a família dentro dos princípios Batistas, ficou conhecido como o "Coronel", pois, fez grande fortuna em terra, gado e basas na cidade de Itambé, virrando o seu líder político e guia espiritual.

154 A biografia de Nezinho Ribeiro foi obtida através dos livros de Poesia de Ribeiro (2008, 2014) e das entrevistas que realizamos com Wilson Oliveira Ribeiro no dia 16 de junho de 2016.

252

João Ribeiro quando chegou à cidade de Itambé, encontrou ali um grande amigo que, como ele, se chamava João, o ferreiro, mas, este era um católico ferveroso que tinha fama de valente e de matador. Por esse motivo era chamado de João Quati. Apesar do apelido ser conhecido por todos, ninguém ousava falar. Um dia chegaram para o João, o ferreiro e disseram que na Igreja Batista do seu amigo João Ribeiro, o seu nome era sempre zombado, pois, todos ouviam os batistas chamando o “quati" . João Ferreiro de arma na mão (punhal) se dirigiu à Igreja para conferir a história. Ao chegar, João Ribeiro estava no púlpito e recitava junto com a Igreja um hino em louvor a Deus, o qual dizia "Junto a Ti, Junto a Ti, eu quero estar...". João Ferreiro, quando ouviu que era o nome de Deus que estava sendo glorificado resolveu abraçar o Evangelho e, a partir daquele dia, começou a viajar e a espalhar a doutrina cristã batista pela região. Foram histórias como essa que Nezinho Ribeiro, quando casou com Maria Campos e comprou uma fazenda de trinta e três (33) alqueires em mata virgem que ficava situada no distrito de Itapetinga, denominada-a por Fazenda Nova Olinda, contava como exemplo para os seus conterrâneos, quando estava divulgando o evangelho e dizia que para “Deus nada é impossível”. Talvez por esse motivo a história oficial da cidade resolveu promover o nome de Nezinho Ribeiro como o primeiro batista na terra da Pedra Branca. Mas, antes Nezinho Ribeiro casou-se Maria (Maricas) Campos, adquiriu uma fazenda de 33 alqueires em matas virgens, situada no distrito de Itatinga e denominada por Fazenda Nova Olinda. Ali somente existia meio alqueire de abertura em roçados e pastagens. Mediante o árduo e incessante trabalho, realizados por dois décenios, transformaram a mataria em uma excelente fazenda de criação de gado bovino. Mariano Campos e Nezinho Ribeiro eram duplamente cunhados, pois, aquele era casado com Etelvina Ribeiro, irmã de Nezinho e este, por sua vez, era casado com Maricas, irmã de Mariano. A vida do duplo casal foi sempre ligada ao campo e a pecuária. Assim, foi Nezinho Ribeiro quem começou, na região, a fazer a produção de leite desnatado e farinha de mandioca em larga escala, pois, atendia não só à vila de Itatinga, mas, também, naquele momento, à cidade de Itambé e o desenvolvido distrito de Sapucai. Nezinho Ribeiro nunca foi envolvido diretamente com política, não acreditava como “bom batista que era” que deveria ter qualquer ligação de dependência com o Estado, deixava isso para o seu cunhado, Mariano Campos, mas, junto com alguns de seus irmãos consaguínios, que depois vieram para Itapetinga, acabaram por ter muita influência na cadeia produtiva da cidade. Nesse caso, destacamos Sinfrônio Ribeiro que foi o primeiro a 253

promover as feiras livres que aconteceram no povoado de Itatinga. E era na feira, realizada no Barracão que atuamente fica à praça Augusto de Carvalho, onde no mesmo dia domingo, realizavam as compras e semeavam o Evangelho. A casa sede da Fazenda Nova Olinda (atualmente Fazenda Cana Brava, espaço de criatório de animais da raça Nelore), foi a moradia da família Ribeiro, como o é até os dias atuais, pois, pertence a Wilson Ribeiro155 que é filho Nezinho. Foram os filhos de Nezinho Ribeiro, Athenée Ribeiro de Oliveira Cruz, graduada em Nutrição e Wilson Ribeiro, graduado em Direiro, os primeiros residentes de Itapetinga a concluir um curso universitário. Além deles, na mesma época, a prima Eneclydes Campos, filha de Mariano Campos. O Dr Wilson ainda relata que Nezinho e Maricas não haviam estudado, mas, ele nunca ouviu ouviu uma só palavra ou sintaxe que fosse utilizado por seus pais de forma indevida. Isto, para Wilson, era reflexo das leituras bíblicas que era uma prática constate na residência Ribeiro. Essa familia pioneira não somente construiu a vida política, econômica e social da cidade, mas, tambem, foram os responsáveis por instituir, dentro de Itapetinga, a organização de uma instituição religiosa de denominação batista. Foi a familia Campos-Ribeiro que abriu o caminho para o trabalho de evangelização batista. Tanto que o primeiro batizado na cidade de Itapetinga foi de Joaquim Campos, irmão de Mariano Campos. Não podemos falar da organização religiosa que foi sendo estabelicida em Itapetinga, se deixarmos de fora os acontecimentos econômicos, afinal, a produção e o desenvolvimento produtivo leteiro foi o responsável por trazer outras familias para o local, assim começaram a chegar os Brito e os Pio que, repetindo a história dos Campos- Ribeiro acabaram, também, por estabelecer o núcleo Familia Pio-Brito. Dentre essa familia a escolha do agente pessoal recaiu sobre a figura de Aquilino Souza Brito, por ele ter sido o responsável pela aquisição do terreno para construir o templo da Primeira Igreja Batista de Itapetinga, na praça central da cidade. A história de Aquilino Brito156começou com a senhora Elvira da Cruz Prates, que viveu por cento e sete (107) anos. Um dia, que as irmãs Brito não sabem dizer qual foi, do anos de 1912, exatamente quando Bernadino Francisco de Souza chegava à região de

155 Wilson Ribeiro, que nasceu em 1931, assim, como os seus irmãos e todos os filhos dos fazendeiros capitalizados da Itapetinga nascente, eram enviados para estudar em outras cidades. 156Na tarde de 08 de junho de 2016, entrevistamos as irmãs Brito, especificamente, Sônia Brito Silva e Adinita Brito Pio. O encontro ocorreu na residência da Senhora Adinita e foi regado a café com deliciosos quitutes e boas lembranças que, aos poucos, traziam a história de vida do sr. Aquilino Brito ou como era, carinhosamente, chamado por Wilson Ribeiro “tiquilino”.

254

Itapetinga, a senhora Elvira Prates ouviu a pregação do Evangelho pelo presbiteriano Henrique Mácol. Quase que imediatamente relata Adinita Pio, “aceitou a mensagem salvadora de Cristo no seu coração”. Assim, em 1913, quando precisou ir à Conquista para visitar a sua filha Julinda de Souza Brito (mãe de Aquilino Brito), que se encontrava enferma, ao se despedir do pastor, este achando que ela segundo Sonia Brito, ele exclamou: “ah essa não continuaria no evangelho! "Ah essa viagem a conquista”! No entanto, ao contrário do que acreditava o pastor, Elvira, após o falecimento da filha, permaneceu em uma fazenda que ficava a quatro (4) Km da cidade de Vitória da Conquista, o que não la impediu que fosse mensalmente a Igreja daquele local. Quando na década de 20 do século XX mudou-se para Itapetinga com a familia da filha continuou, ainda por um bom tempo, fazendo o trajeto a pé de Itatinga até a cidade de Conquista para poder ir a Igreja. Itapetinga ainda não tinha uma Igreja, mas, com o tempo e a aproximação com a família Campos-Ribeiro, Elvira foi para a denominação batista. Em 1983, a última pesquisa realizada por Aquilino Brito acerca da árvore genealógica desta senhora, foi conferido que a sua descendência já havia atingido mil pessoas. No mesmo ano ainda estavam vivos dois filhos e o genro. Eram eles: Aurora Prates (93 anos), membro da Primeira Igreja Batista de Itapetinga; Alitio Prates (100 anos), membro da Igreja Batista de Maiquinique-BA e João Maurício da Rocha (97 anos), membro da Primeira Igreja Batista ( homenageado, em 1982, por não ter faltado um único domingo no ano). Algumas Igrejas Batistas no Brasil foram construídas com a ajuda dos seus descendentes e, entre os seus netos, dois são pastores. Portanto, Aquilino Brito, desde a tenra infância, aprendeu com a sua avó, a respeitar o Evangelho. Sonia Brito e Adinita Brito nos relatou que a força na vida da familia vinha da avó, assim, quando Aquilino chegou à Itapetinga, ele ainda não era um homem que possuísse bens materiais, como pensa muitos itapetinguense, como exemplo pode ser citado o relato de Mauricio quando fala sobre o que acredita ser a diferença que existe em Itapetinga [...], a Igreja Católica ficou recuada e a Igreja Batista se instalou no coração da cidade. Este é um ponto que todos os historiadores da cidade concordam, Itapetinga é uma das raríssimas cidades brasileiras que teve o seu desenvolvimento urbano em torno de uma Igreja protestante. Até porque Aquilino Brito que era um dos grandes pecuaristas e latifundiários da região, era protestante, foi ele quem comprou aquelas terras e deu o ponta pé inicial para a construção da Igreja

255

O complemento dessa história vem do Senhor Adalmar Inácio Silva157, quando relatou que conheceu Aquilino na década de quarenta (40); as lembranças que guardou eram a de um homem muito resevado que não gostava de se expor, mas, acreditava na força da palavra. Foi com essa natureza que construiu uma grande fortuna. Possuía uma pontualidade britânica, sendo capaz de despedir um funcionário se atrazasse por cinco minutos, mas, o mesmo rigor que possuía, também, fazia dele um homem de caráter. Foi assim que começou a construir a sua história de pecuarista e fazendeiro. Naquela epoca, os empréstimos eram feitos na mão de particulares. Aquilino ainda jovem, quando estava para casar, precisou de um dinheiro, o qual pediu ao um coronel da região. No dia do pagamento, Aquilino que tinha apenas dois alqueires de terra, foi ao coronel e solicitou se poderia atrasar o pagamento. O coronel respondeu que de manera nenhuma; se não tinha o valor, comprariana sua terra. Aquilino, sem falar nada saiu, vendeu o único cavalo que possuía, voltou com o valor e pagou ao coronel. Quatro (04) anos depois, comprou a fazenda do coronel que tinha trinta e cinco (35) alqueires de terra. A outra história foi relatada pelas irmãs Brito; elas se lembram que um dia estavam na Igreja Batista quando chegou uma carta da missão dos batistas na África agradecendo a contribuição financeira que havia sido enviada pelo Sr Aquilino Brito. As irmãs se comoveram, pois, ele já era falecido e nunca havia comentado com ninguém sobre o valor que havia sido doado, nas palvras exatas de Sônia Brito “o valor doado para fazer a obra de Deus”. Foi a partir dessa lembrança que Adinita Pio relebrou que toda a familia de Aquilino é batista, o que inclui “a familia Pio/ Mororó, já que esta familia também entrou na constituição da formação de nossa igreja e de nossa história”. Quanto a essas memórias, disse Michael Pollak (1992, p.200), “é óbvio que o que [foi recolhido foram] memórias individuais”, mas, mesmo que seja de caráter pessoal, [...] são os acontecimentos que eu chamaria de "vividos por tabela", ou seja, acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente pertencer. São acontecimentos dos quais a pessoa nem sempre participou, mas que, no imaginário, tomaram tamanho relevo que, no fim das contas, é quase impossível que ela consiga saber se participou ou não. Se formos mais longe, a esses acontecimentos vividos por tabela vêm se juntar todos os eventos que não se situam dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou de um grupo. É perfeitamente possível que, por meio da socialização política, ou da socialização histórica, ocorra um fenômeno de projeção ou de identificação com determinado passado, tão forte que podemos falar numa memória quase que herdada (Idem, p. 202).

157 O Senhor Adalmar Inácio Silva é advogado, assim além de trabalhar com a Advocacia Tributária na cidade, ainda é administrador da Primeira Igreja Batista de Itapetinga. Por essa razão durante o decorrer dessa pesquisa mantivemos contato direto com o Senhor Adalmar. 256

Sendo por “tabela”, algumas pistas foram apresentadas, pois, foi a partir dos núcleos Campos/Ribeiro, Brito/Pio e Pio/Mororó que, no decorrer do tempo, transformou os batistas em líderes da cidade. Esse foi o motivo que conduziu ao Dr. Adalmar Inácio Silva apresentar que, entre as duas ramificações do cristianismo, foram os protestantes que marcaram a tradição de Itapetinga, mas, sempre entendido, para o Adalmar, que isso ocorreu em meio a uma disputa, entre os católicos e os batistas. Portanto, isto nos conduz a avaliar que a ideia que aparece como uma verdade, que entre os batistas e os católicos sempre houve uma harmonia, na realidade do mundo religioso de Itapetinga serviu como justificativa para que grupos sociais dominantes (fazendeiros) conservassem uma hegemonia que, além de ter sido recebida e legitimada pelos dominados (vaqueiros), ainda perdurou pela memória da cidade. Assim, a disputa dentro do campo religioso de Itapetinga, escondida por traz “da convivência pacífica, é desvelada pelas palavras de Mauricio quando reconhece que “a religião está sendo confundida com desejo e poder, isto eu não entendo, por isso não gosto de falar que tenho uma religião no sentido de Igreja física, não gosto e não quero rótulos quando o assunto é religião”. No entanto, um tempo depois admite, mas, “quando quero entrar em oração e comungar essa oração com outras pessoas vou a Igreja Batista Nova Aliança”. Outros dois exemplos que podem ser tomados dentro dessa disputa pelo campo religioso parte dos depoimentos primeiro de Moisés, quando afirma que os “protestantes, era por mim visto como gente estranha. Eu pensava assim. Não havia uma ideia da guerra pelo mercado religioso cristão, mas uma indiferença. Para mim foi sempre gente esquisita”. Entretanto, para Moisés, de origem humilde e católico, essa era a representação de religião que conhecia, isto o conduz a buscar a carreira sacerdotal, com a desistência veio a descoberta do candomblé; contudo, como, Moisés nasceu e passou toda a infância e adolescência em Itapetinga, reconhece que a cidade tem uma “ Praça da Bíblia, muitas igrejas, Marcha para Jesus, Jesus Vida Verão e marcações que sempre lembram seu protestantismo. E só para contrariar: uma praça dos orixás”. Mediante a tal comprovação, afirma que tem “saudades da teologia da libertação”. Por essa razão, vamos deixar na sua própria voz a análise quando diz, Ao meu ver Itapetinga é o que é por conta disso, dessa história macabra que junta o Brasil católico, protestante e pentecostalismo local. Para mim, reforçado pelo combo do subdesenvolvimento. A moral, os preconceitos, 257

os ódios tudo emaranhado na cultura fornecida por igrejas e religiosos extremamente frustrados, frustrantes e recalcados (Moisés).

O outro depoimento que pode ser tomado como sinal da herança de permanente disputa pelo campo religioso em Itapetinga, encontra nos seguintes trechos, A minha mãe Eurides Soares Carvalho era conhecida no Candomblé, [...] , Sou filha com muita honra da minha mãe [...] Após a morte da minha mãe, passei a visitar uma Igreja Evangélica, pois os crentes são muito acolhedores, isso me fez tomar um novo rumo religioso na minha vida, hoje sou uma crente em Jesus. Atualmente, o Candomblé da minha mãe está fechado [...] Além disso, cansei, pois sempre sentia muita tristeza, pela forte opressão vinda dos preconceitos das pessoas aqui de Itapetinga (Aline).

Como a tradição religiosa de Itapetinga era relegado ao poder dos fazendeiros batistas ou católicas, não houve a aceitação de qualquer tipo de outra religião, ainda mais quando ela é relacionada como “coisas do diabo” como disse Aline, Pastor Nelson e Moisés. Nesse cenário, evidentemente, ocorreu o exemplo trazido por Maurício, quando diz que: Foi Espinheira quem fez a Rótula dos Orixás em Itapetinga, uma cidade com tanto cristão e possui uma Rótula chamada de Orixás. Mas, essa não foi uma obra pacífica, [...] o ponto do conflito, foi ele ter mandado colocar no centro da praça um monumento, que foi feito pelo escultor Manoel Bonfim, em homenagem aos orixás das religiões africanas. [,,,] foram muitas as discussões religiosas que se ouvia para a não aceitação do povo, aquilo não era coisa de Deus (Maurício).

0u seja, o campo religioso, a partir de uma realidade que por ser dinâmica e plural, encontrou em Itapetinga um terreno fértil, pois, além da pobreza e do analfabetismo que assolava a grande maioria da população, composta por uma mão de obra sem especialização, logo, refém dos produtores ruralistas, ainda era necessário que as modificações passassem pelos interesses dos agentes que eram detentores do poder. Portanto, a melhor análise que podemos fazer desse processo investigativo, reside nos elementos encontrados nas memórias, pois, foi através destas que ficou claro, o quanto que os indivíduos de um determinado grupo pensam a respeito de seu universo social e, sobre a importância de regras de conduta e sua funcionalidade, cuja convenção de limites, está voltada para estabelecer a própria convivência social. Essas comprovações possibilitaram que essa pesquisa pudesse nos demonstrar o tanto que nessa cidade, marcada por suas idiossincrasias, ao ter nascido o embrião religioso, com ele surgiu, as origens das “mobilizações” culturais, políticas e econômicas. A Igreja passou então, a ser representada como veículo de transformação, mas, também, como detentora de 258

poder. Essa caminhada da Primeira Igreja Batista não foi rápida, portanto, a sua ascensão teve que esperar por vinte anos para finalmente se deslanchar no território Itapetinguense, questão muito bem retratada por todos os depoimentos e pela história documental. Sobre a trajetória da Primeira Igreja Batista de Itapetinga (PIBI), no desenrolar de suas práticas religiosas em Itapetinga, podemos retratar em um breve resumo analítico, começando pela seguinte reflexão: porque a PIBI, não sofreu nenhuma retaliação, como por exemplo sofre as religiões de matrizes africanas. A quem serve? Obviamente, aos fazendeiros, isto ficou evidente. Afinal, o quadro dos grandes fazendeiros em Itapetinga, segundo o depoimento do Senhor Adalmar Inácio, era composto de “2% da população”, sendo assim, a maior parte da comunidade Itapetinguense não tinha nenhuma representação dentro da instituição, mas no transcorrer do tempo, ela foi se convertendo em uma representação de “esperança”, por essa razão, encerramos esse bloco trazendo as palavras de Sandra: “ à relação entre a PIBI e a cidade, o importante é saber que toda a minha formação religiosa foi na PIBI, foi nesta igreja que formei os meus conceitos, isto a gente leva para a vida, isto repassamos para as pessoas de nossa convivência”. A mesma herança que recebi da PIBI também está em muitos corações e lugares da cidade; se vai para o Bairro Nova Itapetinga, ali encontra a Segunda Igreja Batista, que mesmo tendo uma linha religiosa sob uma perspectiva mais aberta, menos tradicional e pertencer à Congregação Batista Nacional, a semente dela veio da PIBI; se vai para a Vila Isabel, ali se encontra uma Igreja batista que foi originada pela PIBI; se vai para o Bairro Clodoaldo Costa, encontra a Igreja Batista Betel que é filha da PIBI, somente aí já se tem um mapa da cidade, portanto, acredito que existe muita influência religiosa da Primeira Igreja Batista pelos espaços da cidade.

259

Considerações Finais

De antemão, cabe afirmar que foi temeroso, inicialmente, a escolha dos conceitos de poder e de dominação, para se analisar uma realidade social, cujo objetivo que estava em jogo, era trazer à cena, a origem da Primeira Igreja Batista de Itapetinga, a partir das memórias dos itapetinguenses, caminho este, por nós escolhido para alcançar o acesso religioso da cidade de Itapetinga, em um tempo passado sem, necessariamente, perder a sua atualidade. Mas, ao falar de poder e domínio exercido através do campo religioso, pudemos até mesmo recorrer ao conceito de Bourdieu quando traz a definição Histórica, inconscientemente universalizada que só é adequada para o estágio histórico do campo, a definição do tipo weberiano, que sustentou de modo mais ou menos obscuro a maior parte das interrogações, caracteriza o clérigo , cuja Encarnação ideal- típica é o Padre católico, como mandatário de um corpo sacerdotal que enquanto tal, é detentor do monopólio da manipulação legítima dos bens de salvação e que delega aos seus membros, tenham eles o carisma ou não, o direito digerir o sagrado (2004b, p. 120).

No entanto, como o próprio Bourdieu questiona, como falar dos novos clérigos que aqui substituímos por pastores, que no campo religioso de Itapetinga tiveram suas competências delimitadas para além do espaço da Igreja, vinculados às questões sociais, culturais e políticas da cidade? E ainda que houvesse condição de se comparar os pastores com os padres, no caso especialmente de Itapetinga, eles foram políticos, vereadores e prefeitos e ainda, exerceram dentro da Igreja a cura espiritual. Como por exemplo, por mais que o Pastor Samuel seja visto como um líder carismático dentro de Itapetinga, aquele que viveu em razão da sua missão, ou em suas palavras, para “fazer a obra do Senhor; ouvir o chamado”, nunca foi envolvido com política partidária, mas em todas as vozes dos recordadores e dos entrevistados, ele será sempre lembrado como um grande líder e referência na história da cidade; tanto que depois do seu falecimento, ele passou a ser reverenciado com a sua frase celebre : “a história de Itapetinga, da Primeira Igreja Batista e do Pastor Samuel se confundem, não podemos pensar em uma se não fizer referência a outra”. Nesse aspecto podemos perceber que existem práticas dentro da Primeira Igreja Batista de Itapetinga que passam por um duplo processo, internamente entre seus pares, na definição daquilo que é importante ou não, que vai desde a escolha de um Pastor até aquilo que é decidido quando a Igreja resolve ampliar os seus domínios criando uma nova 260

Congregação. Ao mesmo tempo, implicitamente, parece que dentro da cidade existe um desenrolar de uma luta, no sentido da busca por uma definição daquilo que é considerado como o verdadeiro cristão. Assim, podemos afirmar que no campo religioso itapetinguense no período analisado, se houve uma formação religiosa, ali estava a capitanear a Primeira Igreja Batista. Foi quem chegou primeiro e tomou a praça central da cidade; por essa razão, ela ganha destaque nas vozes dos historiadores que conferem a sua construção desde o tempo que era ainda um embrião. Por conseguinte, o primeiro movimento batista na cidade aconteceu, ainda, no tempo em que era um pequeno arraial conhecido por Itatinga, pois, desde “1928 existiu e [mesmo que essa Igreja] tenha durado pouco, em 1936” (JABUR, 1998, p. 71), ganhou lugar definitivo na praça e na história da cidade. O seu segundo templo “abrigou a Igreja até 1954, quando foi demolido para dar lugar ao atual, que inaugurado em 1960 ainda hoje é um dos mais imponentes edifícios da cidade” (CAMPOS, 2006, p. 121), basta verificar que ele atualmente é considerado como “um dos nossos cartões postais” (GOMES, 2020, p. 58). No início havia uma praça, local onde a população se reunia para trocar mercadorias; depois serviu como ponto para os alojamentos dos mascates, tropeiros e futuros moradores, mas, foi no desenvolvimento da cidade que a Igreja chegou à Praça e, ao se concretizar como parte do desenvolvimento urbano de Itapetinga, foi transformado em símbolo de manutenção do poder religioso no núcleo social da cidade. A história da Igreja avançou para os quatro lugares de Itapetinga e, além de ultrapassar os seus limites, atraiu pessoas de outros segmentos religiosos, mas, se o marco da sua história foi não ter sido originada de outra congregação, sociologicamente ela foi criada por homens e mulheres que desejavam encontrar o caminho da “Salvação”. Ao percorrer sua história vê-se, logo, que a sua legitimação foi alcançada através da cultura pecuarista da cidade. No entanto, é preciso observar que por trás de toda pesquisa, sempre ficam questões que não foram apreendidas pelo olhar do investigador. Sendo assim, sempre fica aberto um novo campo de investigação. Aqui tomamos como inconclusos, dois indicativos que despontaram. O primeiro deles está relacionado à formação dos núcleos familiares que estavam presentes na construção da Igreja Batista; além disso, tem sempre a história que é marginalizada, pois, há o indício que, por trás dela, das conversões dos homens estava subtendido a força da mulher, foi assim com Mariano Campo e com Aquilino Brito. 261

Assim, pudemos concluir essa pesquisa, a partir de um ponto de investigação que, independentemente das questões religiosas, aponta que o território itapetinguense, que era domínio regionalmente da Igreja Católica, só foi possível institucionalmente pertencer aos batistas porque eles eram a representação do poder da terra, que na cidade se traduz por capital econômico e cultural. Tanto que no decorrer do tempo, o campo religioso de Itapetinga se estendeu. Nesse sentindo, a luta pelo monopólio da autoridade religiosa, tem se desdobrado para além do subcampo católico e batista, isto pode ser observado ao tomar o índice apresentado por Ricardo Mariano (2013), que traz em três décadas o declínio dos católicos do Brasil [...] para 64,6% pontos percentuais, sempre tomada as proporções gerais, se for considerado a atualidade, isto fica em torno de 11% a maior que o número registrado em Itapetinga. O diagnóstico levantando pelo sociólogo Ricardo Mariano (2013), foi elaborado sobre os dados apresentados pelo IBGE em 2010, comparando-os com o censo de 1980, assim, chegou à conclusão que “entre 1980 e 2010, os católicos declinaram de 89,2% para 64,6% da população, queda de 24,6% pontos percentuais e os evangélicos saltaram de 6,6% para 22,2%, acréscimo de 15,6% pontos percentuais” (MARIANO, 2013, p. 119). Para Mariano (2013), essa alteração numérica significa que houve, não somente um crescente declínio, mas também, uma destradicionalização religiosa, que por mais de quatrocentos anos pertenceu a Igreja católica, sendo aos poucos, substituída por uma diversificação das religiões (principalmente espíritas e afro brasileiros), pelos não religiosos e pelas tendências religiosas evangélicas. A afirmação do professor Mariano (2013), leva a reflexão que o território brasileiro pode estar vivendo nesse momento, um movimento cultural religioso, que relembra o próprio movimento reformista ocorrido no século XVI e XVII no seio da Igreja Católica Romana, que foi responsável por modificar totalmente, o reino político e econômico da Europa Moderna. Ou será, que o movimento brasileiro está mais perto de uma crise religiosa do que propriamente, de uma mudança estrutural do reino cristão? Sem querer entrar neste mérito, vamos esperar pela história, somente ela poderá no futuro responder a tal inquietação. Por ora o que interessa é que: 25,4 milhões de pentecostais (13,3%) e 9,2 milhões de evangélicos não determinados (4,8%). Os evangélicos de missão cresceram 10,8%, bem menos do que a cifra de 58,1% que obtiveram na década anterior. Os pentecostais crescerem apenas 44%, expansão que não chega nem à metade das obtidas nos dois decênios anteriores, dado que passaram para 8,8 milhões em 1991 (aumento de 111,7%) e para 17,7 milhões em 2000 (115,4%). Indício de fortes crises ou de que o 262

avanço do pentecostalismo começa a arrefecer e a bater no teto? No momento, parecem-me precoces e arriscadas quaisquer conjecturas desse tipo (MARIANO, 2013, p. 24). Na realidade de Itapetinga, isto significa que a população evangélica representa mais da metade da população católica, ainda sendo 8,32% maior que o encontrado em outras religiões, abarcado também, aqueles que foram declarados como sem religião. Portanto, se o maior crescimento no Brasil, registrado pelo IBGE foi dos evangélicos, cabe assim, definir o perfil daquilo que foi chamado pelo IBGE (2010) e Ricardo Mariano (2013) de “Religiões Evangélicas”, que no quadro de Itapetinga apareceu com o número exato de 18.601 pessoas em um universo de 68.273 habitantes. Além disso, atualmente, essa diversificação tem a sua marca na OMEI [Organização de Ministros Evangélicos de Itapetinga] que possui trinta igrejas evangélicas filiadas incluindo, aquelas que um dia já foram congregação da Primeira Igreja Batista. Atualmente a OMEI tem sido responsável por dois grandes eventos que acontecem na cidade, o Projeto: O Jesus Vida Verão que nasceu de um movimento que foi organizado pela Igreja Batista do Calvário, e a Marcha Itapetinga para Cristo. Ainda, da herança católica, tem a festa de São João, mas é considerada como um movimento turístico. O santo padroeiro continua sendo o legado deixado pelo pioneiro Augusto de Carvalho, mas a comemoração do São José fica restrita dentro da Paróquia de São José. Portanto, no natal os sinos que tocam na cidade anunciando o nascimento cristão, não vêm da igreja, católica, mas sim de uma Igreja, Batista.

263

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Óthon Ávila. BARBOSA, Celso Aloísio Santos. O livro de ouro da CBB: epopéia de fé, lutas e vitórias. Rio de Janeiro: JUERP, 2007. ARON, Raymond. Max Weber. In: As etapas do pensamento sociológico. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.p. p. 447-503 BERNARDO, Teresinha. Memória em branco e negro: olhares sobre São Paulo. 1ª Reimpressão. São Paulo, EDUC / FAPESP, 2007. ______. Memória: suas possibilidades nas Ciências Sociais. Aurora, nº 11: São Paulo, PUC/SP, 2011, p 100-102. Disponível em www.pucsp.br/revistaaurora. Acessado em18 de abril de 2014. BONNEWITZ Patrice. Primeiras Lições: sobre a Sociologia de P. Bourdieu. Tradução Lucy de Magalhães. 2ª Edição. Petrópolis: Vozes, 2003. BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade. Lembranças de Velhos. São Paulo, 16ª Edição. CIA das LETRAS, 2010.

BUNYAN, John. O peregrino. Traduzido por Eduardo Pereira e Ferreira. São Paulo. Mundo Cristão. 1999.

BOURDIEU, Pierre. Uma Ciência Que Perturba. In: Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 2003a, pp.16-29.

______A Arte de Resistir as Palavras. In: Questões de Sociologia. Tradução Miguel Serras Pereira. Edições Sociedade Unipessoal LTDA, Lisboa, 2003a, p. 24-48..

______. Gostos de Classes e Estilos de Vida. In: A sociologia de Pierre Bourdieu. (org.) Renato Ortiz. São Paulo: Olho D’ Água, 2003b, p. 73-111.

BOURDIEU______A construção do objeto. In: BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, Jean-Claude. Ofício de sociólogo: Metodologia da pesquisa na sociologia. Petrópolis: Ed. Vozes, 2004a, p.45-72.

______. A dissolução do religioso In: Coisas Ditas. Tradução Cássia R da Silveira e Denise Moreno Pegorim; Revisão técnica Paula Montero. São Paulo: Editora Brasiliense S. A, 2004b, p. 119-125.

______. O Interesse do sociólogo. In: Coisas Ditas. Tradução Cássia R da Silveira e Denise Moreno Pegorim; revisão técnica Paula Montero. São Paulo: Editora Brasiliense S. A, 2004b, p. 126-133.

264

______. Espaço Social e Poder simbólico In: Coisas Ditas. Tradução Cássia R da Silveira e Denise Moreno Pegorim; revisão técnica Paula Montero. São Paulo: Editora Brasiliense S. A, 2004b, pp.149-168.

______. Espaço Social e Espaço Simbólico In: Razões Práticas: Sobre a Teoria da Ação. Tradução. Mariza Correa. 8ª. ed. São Paulo. 2007a. p. 13-27.

______. Sobre o Poder Simbólico. In: O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. 10ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007b, p.7-16.

______. A gênese do conceito de habitus e campo. In: O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. 10ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007b, p. 59-74. ______. Espaço social e gênese das “classes”. In: O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. 10ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007b, p.133 161.

______. Gênese e Estrutura do Campo Religioso. In: A Economia das Trocas Simbólicas. Introdução, Organização e Seleção: Sergio Miceli. São Paulo: Perspectiva, 2007c, p. 27-98.

CAMPOS, E. R. Itapetinga: a persistente busca pela sua história. Salvador/BA: Secretaria da cultura e Turismo, 2006. CARROLL, J.M. O Rastro de Sangue: acompanhando os cristãos através dos séculos... A história das Igrejas Batistas, desde o tempo de Cristo, seu fundador, até os nossos dias. Introdução: Clarence Walker. 1ª Publicação original em 1931 pela Associação Batista Americana. Tradução: Imprensa Palavra Prudente. São Paulo: Publicação Palavra Prudente, 2007. ______. As Possibilidades Analíticas da Noção de Campo Social. Revista Educação e Sociedade, Campinas, SP: CEDES, v. 32, jan. /mar. Nº 114, 2011, p. 189-202. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br. Acessado em 25 de fevereiro de 2013. CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa Em Ciências Humanas e Sociais. SP: Cortez, 1991. ______. A. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Petrópolis- RJ: Vozes, 2006. CRABTREE, A. R. História dos Baptistas do Brasil: até o anno de 1906. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista do Rio de Janeiro,1937. CIPRIANI, Roberto. As Religiões Universais de Weber (1864-1920). In: Manual de sociologia da religião. Tradução Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus. 2007, p. 105-120. 265

CRUZ, Mônica Cidele da; COROZOMAE, Marcio Monzilar. O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA NA ESCOLA INDÍGENA JULÁPARÉ. ISSN: 1806-0331 (Impressa). Revista Ecos, vol.18, Ano XII, n° 01 (2015), p. 317-332. DELUMEAU, Jean. Nascimento e Afirmação da Reforma. (Ed. original francesa de 1965). Tradução: João Pedro Mendes. São Paulo: Editora Pioneira, 1989. ______. A Civilização Do Renascimento. (Ed. original francesa de 1964) - Volume I. Tradução: Manuel Ruas. Lisboa: Estampa, 1994. GAARDER, Jostein. Et All. O Livro das Religiões. Tradução Isa Mara Lando. Revisão Técnica: Antônio Flávio Pierucci, 2° Reimpressão. São Paulo: CIA das Letras, 2005. GOMES, Mauricio. Itapetinga: Quero Te Conhecer. Itapetinga-BA: Gráfica Moderna, 2002. ______. Espinheira o Mito. Itapetinga-BA: Gráfica Eureka. 2006. ______. AIRAM e o herdeiro de Lúcifer. Editora Garcia. BH. MG, 2013. GONZÁLEZ, Justo L. Historia del Cristianismo: Desde la era de la reforma hasta la era inconclusa, vol. Edição revisada em 2 tomos. Miami, Fl. U.S.A: Editorial Unilit, 1994. HALBWACHS, M. A memória coletiva. Tradução: Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006. HERVIEU-LÉGER, Danièle. WILLAIME Jean-Paul. Max Weber (1864-1920). In: Sociologia e Religião: Abordagens clássicas. Tradução: Ivo Stomiolo. São Paulo: Ideias e Letras, 2009, p. 71-124. HERVIEU-LÉGER, Danièle. Hervieu-Léger, A religião despedaçada: Reflexões prévias sobre a modernidade religiosa. In: O peregrino e o convertido: a religião em movimento. Tradução de João Batista Kreuch. — Petrópolis, RJ : Vozes, 2008. HUMBOLDT, Wilhelm Von. Sobre a Organização Interna e Externa das Instituições Científicas Superiores em Berlim. In: Um Mundo sem Universidades. CASPER, Gerhard. Organização e tradução. Johannes Kretschmer e João Cezar de Castro Rocha. 2ª Edição (Coleção Universidade). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003, p 79-99. IVO. Isnara Pereira. Homens de Caminho: Trânsitos, Comércio e Cores nos Sertões da América Portuguesa - Século XVIII. Doutorado em História da Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. 2009, p. 391. Orientador: Prof. Dr. Eduardo França Paiva. ______. A conquista do sertão da Bahia no Século XVIII: Mediação cultural e aventura de um preto forro no Império Português. Trabalho Apresentado ANPUH – XXIII 266

SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005, p. 1-11. Disponível em http://anais.anpuh.org/pdf/ANPUH.S23.1278.pdf. Acessado em 23 de outubro de 2012. JABUR, Judith de Moura. Histórias e Causos de Itapetinga. Vitória da Conquista: Edições UESB, 1998. KOURY, Mauro Guilherme (0rg) Introdução. In: Imagem e Memória: Ensaios em Antropologia. Visual. de Janeiro. Gramond, 2001 – p. 7-18. LARAIA, R. B. Cultura: um Conceito antropológico. 20ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. LE GOFF, Jacques (1924) História e memória. Tradução: Bernardo Leitão [et al.] – Campinas/SP: Editora da UNICAMP, 1990. LÉONARD, Émile-G., O Protestantismo Brasileiro: Estudo de Eclesiologia e História Social, 2ª ed. Rio de Janeiro e São Paulo: JUERP/ASTE, 1981. MAGNANI, José Guilherme C. Religião e Metrópole. In: Religiões e Cidades - Rio de Janeiro e São Paulo - MAFRA, Clara e ALMEIDA, Ronaldo de (org.). São Paulo: Editora: Terceiro Nome, 2010, p. 21-27. MAINKA, P. J. Huldrych Zwingli (1484 - 1531). O reformador de Zurique - um esboço biográfico. Acta Scientiarum (UEM), Maringá/PR, 2001. V. 23, p. 141-147. MARIANO, R. Mudanças no campo religioso brasileiro censo 2010. In: Declínio católico: destradicionalização e diversificação religiosa. Debates do NER, Porto Alegre, ano 14, nº. 24, jul./dez. 2013, p. 119-137. MARX, Murillo. Olhando por Cima e a Frente, In: Revista USP, São Paulo, (30): junho/agosto de 1996, p. 170-181. ______. Nosso chão: do sagrado ao profano. 2º. Edição. São Paulo: Edusp, 2003. MENDONÇA, Antônio Gouvêa e VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao Protestantismo no Brasil. 2ª Edição. São Paulo: Loyola, 2002. MENDONÇA, Antônio Gouvêa. O protestantismo no Brasil e suas encruzilhadas Revista USP, São Paulo, nº .67, publicação: setembro/novembro, 2005, p. 48-67. ______,. O Celeste Porvir: A inserção do protestantismo no Brasil. Originalmente apresentada como tese do autor (doutorado-Universidade de São Paulo). 3º ed. São Paulo: EDUSP, 2008. ______. Protestantismo brasileiro: uma breve interpretação histórica. In: SOUZA, Beatriz Muniz de; MARTINO, Luís Mauro Sá (Orgs.). Sociologia da religião e mudança social. São Paulo: Paulus, 2004, p. 49-79. 267

MICELI Sergio. A Emoção Raciocinada. In: Esboço de Auto-análise. Tradução Sérgio Miceli. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. I-LXI. ______. A Força do Sentido. In: A Economia das Trocas Simbólicas. Introdução, Organização e Seleção: Sergio Miceli. São Paulo: Perspectiva, 2007c, p. 07-20. MONLEVADE, João. Educação pública no Brasil: contos e descontos. Distrito Federal: Idea Editora, 2ª Edição. 2001. MOREIRA, Jussara. Representação dos Moradores da Cidade de Itapetinga Sobre a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB: A Construção de Um Olhar. Mestrado em Ciências Sociais. Área de concentração: Sociologia do Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais da Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. 2009, p. 1-173. Orientadora Prof.ª. Dr. Marisa do Espírito Santo Borin. ______. Memória e Representação Cultural de Itapetinga. In: Polifonias da Cidade: Memória, Arte e cidade. Organização: Yvone Dias Avelino e Marcelo Flório. São Paulo: D Escrever Editora, 2009, p. 129-151. ______. Representação dos Moradores da Cidade de Itapetinga Sobre a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia: A Construção de Um Olhar. In: Ciências Sociais em Perspectiva de Diálogo. Organização Carlos Alberto Maciel [et al]. Vitória da Conquista: Edições UESB. 2013, p. 45-60. NERY. Antônio da silva. Juvino Oliveira: Vida e Obra. Itapetinga-BA: Gráfica Dimensão, 1995. NERY, Maria Goreth e Silva O PÓLO CALÇADISTA DE ITAPETINGA (BA): Um Estudo das Relações Produtivas e dos Aspectos Políticos do Espaço Industrial. Mestrado em Geografia– Área de Concentração em Organização do Espaço do Programa de Pós- Graduação da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Geociências e Ciências Exatas (UEP-IGCE). Rio Claro- SP. 2003, p.1-233. Orientador: Prof. Dr. Auro Aparecido Mendes (2003). NEVINS, W.M. O Batismo Estranho e os Batistas. Publicado originalmente: Little Rock, AR, EUA, Challenge Press. Tradução do E. W. Kerr. Editado pela: Primeira Igreja Batista do Jardim das Oliveiras Fortaleza, Ceará. São Paulo: Publicação Imprensa Palavra Prudente. 1981. NORA, Pierre. Entre a Memória e a História: a problemática dos lugares. Publicado originalmente em 1984. Projeto História, PUC/SP, nº 10 p.7-28, dez.1993. 268

OLIVEIRA, Betty Antunes de. CENTELHA EM RESTOLHO SECO: Uma contribuição para a história dos primórdios do trabalho batista no Brasil. São Paulo: Editora Vida Nova, 2005. OLIVEIRA, Nelma Gusmão. DE “CAPITAL DA PECUÁRIA” AO “SONHO DE PÓLO CALÇADISTA”: A Constituição da Estrutura Urbana de Itapetinga BA. Dissertação de Mestrado Em Arquitetura e Urbanismo. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal da Bahia. Salvador: 2003, p. 1-236. Orientador: Prof. Dr. Antônio Heliodório Lima Sampaio. ORTIZ, A Polaridade das Fronteiras nas Ciências Sociais. In: A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Olho D’ Água, 2003, p.07-31. PAIVA, Kelen Benfenatti. Histórias de vida e amizade: as cartas de Mário, Drummond e Cecília para Henriqueta Lisboa. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Letras: Universidade Federal de Minas Gerais, 2006. PAIXÃO, Marcus Vinicius Costa. História dos Batistas: Uma História De Campo Maior, [ livro: Versão iPad Kindle]. Retirado de http://www.amazon.com/. Remo Publicações, Campo Maior, PI, 2013. PEIXOTO, Afrânio. CARTAS JESUÍTICAS II: CARTAS AVULSAS. 1550 a 1568. Nª 7 e 8, dezembro. Imprensa Nacional: Rio de Janeiro, 1933, p. 05-38. PEREIRA, J. Reis. Breve História dos Batistas. Edição da Junta de Educação Religiosa e Publicações da Convenção Batista Brasileira. 2ª edição. Casa Publicadora Batista. Rio de Janeiro, 1979. PIERUCCI, A.F. O Desencantamento do Mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo: Ed. 34, 2003. ______. Secularização segundo Max Weber. In: SOUZA. Jessé. (Org.). A atualidade de Max Weber. Brasília: UNB. 2000, p. 105-162. POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol 5, n. 10, 1992, p 200-212 TEIXEIRA, Manuel A. C. O Património Urbano e Arquitetônico dos Países de Língua Portuguesa. Raízes e manifestações de um património comum. CEURBAN - Centro de Estudos Urbanos (CEURBAN). Anais do IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo, Rio de janeiro. Programa de Pós-Graduação em Urbanismo FAU/UFRJ Faculdade de Arquitectura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro,1997. 269

TEIXEIRA, Marli G. Os Batistas na Bahia 1822-1925. Um estudo da História Social. Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia. Salvador: 1975, p. 1-317. Orientador: Luiz Henrique Dias Tavares. TRAGTENBERG, M. Max Weber (Capítulo IV). In: Burocracia e Ideologia. São Paulo: Ática, 1977. VANDEMAN, George. O que eu gosto nos: Luteranos, Batistas, Metodistas, Carismáticos, Católicos, Judeus, Adventistas”. Série de TV “Está Escrito”. Tradução: Domingos da Silva Junior. Londrina, Paraná: Editora Líder, 1993. 39/40, p. 188-196. VIANA, Moisés dos Santos; Odilon Pinto de Mesquita Filho; MOREIRA, Jussara. Fala aí, freguês! Estratégias de Comunicação na Feira Livre de Itapetinga-Bahia. Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas (UFSC). V11, p. 93-99, 2010. VOLDMAN, Daniele. A Invenção do Depoimento Oral. In: Usos e Abusos da História ORAL. (Orgs): FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO Janaina. Trad. Luiz Alberto Monjardim, Maria Lúcia Leão Velloso de Magalhães, Gloria Rodriguez e Maria Carlota C. Gomes. 5º Edição. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 247-265 WEBER, M. Conceitos Sociológicos fundamentais. In: Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Volume 1. Tradução de Regis Barbosa e Karine. Barbosa, Revisão Técnica: Gabriel Cohn. 4º edição, 3º reimpressão. Brasília, DF: Editora UNB, 2012, p.3-34. ______.O nascimento da religião. In: Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Volume 1. Tradução de Regis Barbosa e Karine. Barbosa, Revisão Técnica: Gabriel Cohn. 4º edição, 3º reimpressão. Brasília, DF: Editora UNB, 2012, p. 279- 293. .______.Os tipos de dominação. In: Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Volume 1. Tradução de Regis Barbosa e Karine. Barbosa, Revisão Técnica: Gabriel Cohn. 4º edição, 3º reimpressão. Brasília, DF: Editora UNB, 2012, p. 139- 198. ______.A "Objetividade" do Conhecimento na Ciência Social e na Ciência. Política. In: Metodologia das Ciências Sociais. Tradução de Augustin Wernet; Introdução a edição brasileira de Mauricio Tragtenberg 2º ed. Campinas, Cortez, 1986, p. 88 -154. ______, A Ética Protestante e Espirito do Capitalismo. Tradução: José Marcos Mariani de Macedo. Revisão Técnica, Apresentação e Edição do Texto Antônio Flávio Pierucci. 12ª reimpressão. São Paulo: CIA das Letras, 2013b. 270

______O sentido da ‘neutralidade axiológica’ nas ciências sociais e econômicas, In, Metodologia Das Ciências Sociais (parte 2), Tradução de Augustin Wernet. Introdução a versão brasileira de Mauricio Tragtenberg. São Paulo, Cortez, 1973, p. 361 – 398. WIELD-NEWIED, Maximiliano. "Viagens ao Brasil: nos anos de 1815 a 1817". 1ª Ed. Tradutor: Edgard Süssekind de Mendonça e Flávio Poppe de Figueiredo. Organizador: Olivério Mário de Oliveira Pinto. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1942. YAMABUCHI. Alberto Kenji. O DEBATE SOBRE A HISTÓRIA DAS ORIGENS DO TRABALHO BATISTA NO BRASIL: Uma análise das relações e dos conflitos de gênero e poder na Convenção Batista Brasileira dos anos 1960-1980. Doutoramento do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo 2009, p 1- 387. Orientador: Professor Doutor James Reaves Farris. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

271

FONTES DOCUMENTAIS

ATA 1-7, Livro I (julho a dezembro de 1938) – Direção: Pastor Arlindo Rodrigues. PIBI: Formação da 1ª Congregação Batista em Itapetinga; Locação de imóvel para os cultos e reuniões; Formação oficial da Igreja na cidade. Fonte: 1ª Igreja Batista de Itapetinga, Estudo realizado em 2014/2015.

ATA 8-9, Livro I (fevereiro e março de 1939). Direção: Pastor Arlindo Rodrigues. – PIBI: Compra do terreno na Praça Castro Alves (Augusto de Carvalho) para a construção da Igreja. Pontapé inicial para a construção do Templo Batista. Fonte: 1ª Igreja Batista de Itapetinga, Estudo realizado em 2014/2015.

ATA 214-219 do Livro II (setembro e outubro de 1954). Direção do Pastor João Moreira. PIBI: Reforma e Construção da 1ª Igreja Batista de Itapetinga na Praça Augusto de Carvalho. Fonte: 1ª Igreja Batista de Itapetinga, Estudo realizado em 2015/2015.

ATA 1 do Livro I (janeiro de 1931) Direção: Pastor Saturnino Pereira. Organização da 1ª Igreja Evangelista Batista de Itapuí, Itororó- BA. Fonte: 1ª Igreja Batista de Itororó. Estudo realizado em setembro 2015.

ATLAS Brasil 2013. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano. Disponível em http://www.atlasbrasil.org.br/2013/. Acessado em 22 de junho de 2014.

AZPILCUETA. N. João. (Publicação Original 1887), Carta Nº 90: In: Cartas Avulsas dos Jesuítas: escritas de 1550 a 1568. Rio De Janeiro, Nª 7 e 8. Dezembro. Imprensa Nacional. 1933. p. 146-150.

BÍBLIA SAGRADA. Velho e Novo Testamento: Tradução de Padre Antônio Pereira de Figueiredo. Rio de Janeiro: Enciclopédia Britânica, Edição Ecumênica, 1980.

BRASIL. Constituição 1988: República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal. Centro Gráfico, 1998.

BRITO. Aquilino: Início do trabalho Batista EM ITAPETINGA: Carta De Acervo Particular (jun. 1980). Cópia cedida gentilmente por: Sónia Brito. A carta, também foi publicada por: Jornal Dimensão: Edição Nº 1.495 - Notícias da Cidade (Publicado em homenagem ao casal de pioneiros da 1ª Igreja Batista, Aquilino e Hermínia Brito, in- memoriam). -, Itapetinga-BA. 02 de agosto de 2008 272

CAMARGO, João. A ESCOLA BÍBLICA, in: O Jornal Batista. Rio de Janeiro, ano 80, nº. 34, 08 de agosto de 1980, p. 2.

CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS: Comarca da Vitória da Conquista. Registro Nº 04, Livro 03, de 11 de março de 1917, páginas 01 e 02, título: “fundação da Igreja Evangélica Batista Independente”. Vitória da Conquista - BA, 1917.

CLARK, Myron A. Associação Cristã de Moços no Rio, in: O Jornal Baptista. Redator e Gerente ENTZMINGER, W. E); BRAZIL. Rio de Janeiro, anno I, n. 1, 10 de janeiro de 1901, p. 1.

CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO. II Parte: da Hierarquia. Promulgado por: S.S. O PAPA JOÃO PAULO. II. Versão Portuguesa: António Leite, S.J. Revista por: D. Serafim Ferreira E Silva; Samuel S. Rodrigues; V. Melícias Lopes; e, Manuel Luís Marques (O.F.M). 4ª Edição. Conferência Episcopal Portuguesa – Lisboa. Editorial Apostolado da Oração – Braga, 1983, P 58-105.

CONFISSÃO DE FÉ DE NEW HAMPSHIRE. BAPTIST CONFESSION (1833). John Newton Brown. Disponível em: http://www.luz.eti.br/do_declaracaobatista1833.html. Acessado em: 20 de setembro de 2013.

CONFISSÃO DE FÉ BATISTA DE 1689. Um Catecismo Puritano. Compilado por: C. H. Spurgeon. Originais em Inglês The Baptist Confession of Faith of 1689. Tradução e Revisão: William Teixeira e Camila Almeida. 6ª Edição: versão Almeida Corrigida Fiel ACF Copyright © 1994, 1995, 2007, 2011 Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil. Setembro de 2015.

DIARIO OFICIAL DO ESTADO DA BAHIA: Decreto Estadual: Lei Número 11.089 de 30 de novembro de 1938. Salvador, DOE de 03/12/1938.

______: Decreto Estadual: Lei Número 1.045 de 22-08-1958. Cria o município de Itororó. Salvador, 25/08/1958. ______: Decreto Estadual: Lei Número 141, de 31- 12-1943, retificado pelo decreto estadual nº 12978 de 01-06-1944, o distrito de Itapuí passou a denominar-se distrito de Itororó. Salvador, 04/06/1958 273

______: Decreto Estadual Lei nº 628, de 30-12- 1953, o distrito de Itororó foi transferido do município de Itabuna para constituir o novo Munícipio de Ibicaraí. Salvador, 03/01/1954.

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Estimativas da população residente: data de referência 1o de julho de 2014. Brasília, Publicada no em 28/08/2014.

DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2015. Dicionário [2015-10-01 03:55:18]. Disponível na Internet: http://www.pt/dicionarios/lingua-portuguesa. Acessado 22 de setembro de 2015.

CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA. (DOCUMENTOS BATISTAS): Anais, 1970, p. 72- 335.; Anais, 1973, p. 44-60,. Anais, 1978, p. 23-24. Anais, 1979, p. 31-32. Anais, 1980, p. 314-315. ______Culto e adoração. Organização de Tânia Maria Krammer. Editora Convicção: Rio de Janeiro, 2011.

______Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira. CBB. RJ. 2010.. ______Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira. 2ª edição. Rio de Janeiro: JUERP, 1987. ______Exame e consagração ao ministério diaconal. Organização de Damares Beatriz Luna Rodrigues. Editora Convicção: Rio de Janeiro, 2011.

______: Organização de igrejas. Organização de Sócrates Oliveira de Souza. Editora Convicção: Rio de Janeiro, 2010.

______: Pacto e comunhão: (Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira (CBB) e Filosofia da CBB). Organização de Sócrates Oliveira de Souza. Editora Convicção: Rio de Janeiro, 2010.

ENTZMINGER, W. E. Echos da Campanha, in: O Jornal Baptista. Redator e Gerente ENTZMINGER, W. E; Rio de Janeiro, anno I, nº 2, 21 de janeiro de 1901a, p. 4. ______. Echos da Campanha, in: O Jornal Baptista. Redator e Gerente ENTZMINGER, W. E; BRAZIL. Rio de Janeiro, anno 1, nº 3. 31 de janeiro de 1901b, p. 4. ______. Perguntas e Respostas, in: O Jornal Baptista. BRAZIL. Secção: ENTZMINGER, W. E. Rio de Janeiro, anno XVI, nº 11, 16 de março de 1916, p 2. 274

ESTATUTO da 1ª Igreja Batista: Dos Títulos: julho de 1938/ maio de 1960 e julho de 2013. Fonte: 1ª Igreja Batista de Itapetinga, Estudo realizado em 2014/2015.

GOUVEIA, José. O BEM-ESTAR DOS BAPTISTAS DA BAHIA, in: O Jornal Baptista. Redator e Gerente ENTZMINGER, W. E); BRAZIL. Rio de Janeiro, anno XXXVIII, n. 36, 08 de setembro de 1938, p. 13-14.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. XXV. Rio de Janeiro: 1959, p. 322-325. ______. Divisão Territorial do Brasil: Divisão Territorial do Brasil e Limites Territoriais (2008). Disponível em: http://www.ibge.gov.br. Acessado em 11 de outubro de 2013. ______. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais (2010). Disponível em: http://www.ibge.gov.br. Acessado em 18 de outubro de 2015. ______. Bahia »Itapetinga» Censo Demográfico 2010: resultados da amostra – religião. Disponível em: http://www.ibge.gov.br. Acessado em 16 de janeiro de 2013. ______. Cidade: Bahia/Itapetinga. Censo Demográfico 2010: resultado amostra da população. Disponível em: http://cidades.ibge.gov. Acessado em 16 de outubro de 2012. ______. Bahia » Itapetinga » Infográficos: evolução populacional e pirâmide etária 2000-2010. Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br. Acessado em 25 de março de 2012. ______. População Residente: Por Sexo e Situação do Domicílio, População Residente de 10 Anos [...] (2010). Disponível em: www.cidades.ibge.gov.br. Acessado em 25 de março de 2012. JORNAL A Tarde. “Prefeito americano Visita Itapetinga” publicado, em 14/12/64 Salvador. BA, 1964, p. 1

JORNAL DIMENSÃO. Revista de Comemoração do Cinquentenário de Itapetinga Texto de Flávio Scaldaferri. Fotografias: Joalves Lima / Schultz Neto. Edição Especial. Itapetinga, Jornal Dimensão, 2002. p. 1-3. 275

______. Dimensão 34 anos - Escrevendo a nossa história. Texto de Danilo Scaldaferri. Itapetinga.BA. Jornal Dimensão. Dimensão Gráfica e Editora. Edição: Nº 1.346 de 29/07/2005. ______, Destaques: Primeiras Incursões em Território de Itapetinga. Texto de Ruy Hermann. Medeiros. [s/n]. Itapetinga. Dez, 1999. ______. Notícias: Igreja Batista De Itapetinga: 74 Anos em 31 de julho de 2012. Edição (s/n). Itapetinga. Disponível em: http:www.dimensaojornal.com.br. Acessado em 20 de novembro de 2012.

LEI ORGÂNICA: Município Itapetinga. Itapetinga/BA: PMI, 1990.

LINGERFELT, James Elmer. Vamos construir templos melhores. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, (publicação original 194?). 2 e., 1970. 59 p.

MOREIRA, Victorino: Visão Moribunda, in: O Jornal Baptista. Redator e Gerente ENTZMINGER, W. E); BRAZIL. Rio de Janeiro, anno XXXVIII, n. 32, 11 de agosto de 1938, p. 4 -5.

PEREIRA, José dos Reis. Importância da Igreja Local, in: O Jornal Batista, Rio de Janeiro, ano 80, n. 34, 08 de agosto de 1980a. Editorial, p. 3.

______. A ilusão dos cristãos-marxistas. O Jornal Batista, Rio de Janeiro, ano 80, nº 36, 07 setembro 1980b. Editorial, p. 3. PREFEITURA MUNICIPAL DE ITAPETINGA. ITAPETINGA: Os quatro anos da Administração José Marcos Gusmão. Itapetinga: PMI, [s.n.; s. d.].

SANTOS, Tercília Bispo & SANTOS José Bispo dos. LIVRO HOMENAGEM: Depoimentos A “Tercília Bispo: Um exemplo de fé e de Coragem” Itapetinga-BA. Impresso Dimensão. 20 de setembro de 2012, p. 1-20.

SOUZA, Manoel Avelino de. Noticiário, in: O Jornal Baptista. Redator e Gerente ENTZMINGER, W. E); BRAZIL. Rio de Janeiro, anno XXXVIII, n. 30, 28 de julho de 1938, p.16.

276

FONTES ORAIS

CÂMARA MUNICIPAL DE ITAPETINGA. “Homenagem: Jubileu de Diamante da PIBI (75 anos). Sessão em Reconhecimento: Realizações e Serviços Prestados pela Igreja a Cidade. Local e Data: Itapetinga BA em 1° de agosto de 2013. (Gravado e Transcrito pela pesquisadora).

CARVALHO, Elza Souza Santos: Memória: concedida a pesquisadora - (26 de dezembro de 2014 a 20 de fevereiro de 2015. Totalizando 160m de gravação).

CARVALHO, Júlio Pereira de. Memória: concedida a pesquisadora (13 de maio de 2014; a 25 de janeiro de 2015) 220m de gravação).

CARVALHO, Sérgio Gomes de Memória: concedida a pesquisadora (20 de setembro a 16 de janeiro de 2014. Totalizando 100m de gravação)

CHAVE, Adotiva Almeida – Memória: concedida a pesquisadora– (18 de junho de 2014 a 25 de agosto de 2014. Totalizando 120m de gravação).

EVANGELISTA, Aline Carvalho. Memória: concedida a pesquisadora - (19 de junho de 2014. Totalizando 80m de gravação).

GOMES Maurício, Memória: concedida a pesquisadora (17 de dezembro de 2014 a 25 de junho de 2015. Totalizando 360m de gravação).

História de Vida. Entrevistador: In MOREIRA. Jussara (2009a). Itapetinga-BA. Arquivo mp3 (60 min). (Como consta na ação metodológica da pesquisadora, todos os registros foram efetuados através das letras do alfabeto, isto, para garantir aos entrevistados o anonimato, como previamente havia sido acordado. Os dados deste trabalho estão nas referências bibliográficas.

OLIVEIRA, Euredes Domingos de. Memória: concedida a pesquisadora (13 de fevereiro de 2014. Totalizando 100m de gravação).

OLIVEIRA, Odinei Ferreira de. Memória: concedida a pesquisadora (30 de junho de 2014 a 26 de fevereiro de 2015. Totalizando 200m de gravação).

OLIVEIRA, Ribeiro Terezinha. Memória: concedida a pesquisadora (12 de fevereiro de 2013 a 27 de fevereiro de 2014. Totalizando 100m de gravação). 277

OLIVEIRA, Sandra Memória: concedida a pesquisadora (27 de fevereiro de 2014. Totalizando 100m de gravação).

PAIM, Maria Augusta Carvalho: Discurso Proferido: Inauguração do Busto de Augusto Andrade de Carvalho. / Parte da comemoração pelos 62 anos de emancipação política de Itapetinga. Local e Data: Praça Augusto de Carvalho, Itapetinga/BA, 12 de dezembro de 2014. (Gravado e Transcrito pela pesquisadora).

PIO, Adinita Brito. Entrevista concedida a pesquisadora (12 a 20 de junho de 2016. Totalizando 45m de gravação).

RIBEIRO, Wilson. Entrevista concedida a pesquisadora (12 a 20 de junho de 2016. Totalizando 45m de gravação).

SANTOS, Jovino Francisco: (1937). Vídeo: Lembranças do Povo Camacã: In: Lembranças do meu Avô: Bernardino Francisco de Souza. Modalidade: Vídeo [gravado em 13 de dezembro de 2010 por Sergio Gomes ARTS – curta metragem. A cópia do Vídeo foi cedida gentilmente por: Sérgio Gomes de Carvalho em 20 de outubro de 2015, autorizando a transcrição e publicação 30m de filmagem.

SANTOS, Moisés Viana dos Memória: concedida a pesquisadora (25 de maio de 2015. Totalizando 120m de gravação)

SANTOS, Nelson Memória: concedida a pesquisadora (26 de dezembro de 2014 a 17 de fevereiro de 2015. Totalizando 160m de gravação).

SANTOS, Samuel Oliveira. Memória: concedida a pesquisadora (13 de março de 2014 a 29 de junho de 2014. Totalizando 360m de gravação).

SILVA, Adalmar Inácio. Entrevista concedida a pesquisadora (12 do 06 de 2013 a 20 de junho de 2016).

SILVA, Sonia Brito. Entrevista concedida a pesquisadora (12 a 20 de junho de 2016. Totalizando 45m de gravação).

278

ANEXOS

Anexo nº 1: Etapas da Pesquisa Empírica. (Esclarecimento: o demonstrativo abaixo, traz os critérios que foram utilizados no percurso dos recolhimentos das Memórias dos Itapetinguenses).

QUADRO Nº 05: Etapas, Regras Definidas e Material Utilizado/ o Trabalho de Campo

Questões Levantadas Etapa Inicial Fase I Relatar a Memória. Fases de vida. Relação do entrevistado com a cidade. Os fatos históricos importantes para as suas vidas dentro da cidade. Fase II Fase III

Conhecimento sobre a 1ª Igreja Batista. Representação da 1ª Igreja Batista na cidade. Práticas culturais decorrentes da 1ª Igreja Batista de Itapetinga. Influências e identificações originadas pela 1ª Igreja Batista de Itapetinga para os moradores da cidade. Regras Definidas Etapa inicial Transcorrer do Possesso

Definir datas, horários e local para as Transcrições e devolução por escrito das recolher as memórias. Memórias. Solicitar a Liberação para a Gravação Documento por escrito com a devida das Memórias. autorização do uso das lembranças e Acordo oral para o uso da lembrança e identificação do recordador. identificação dos Recordadores.

Material Utilizado Etapas Transcorrer do Recolhimento das Memórias Uso do Gravador. As entrevistas, por medida preventiva foram Gravações das entrevistas. gravadas e, depois – individualmente Diário de Bordo. copiadas para um pen drive e devolvidas as Pen drive cópias para o recordador.

279

Anexo nº 2: Modelo Documental. (Esclarecimento: consulta encaminhada a Primeira Igreja Batista de Itapetinga, a Prefeitura Municipal de Itapetinga, a Câmara de Vereadores de Itapetinga e ao Museu de Arte e Ciências de Itapetinga).

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais Orientadora: Dra. Marisa, do Espírito Santo Borin. Fone: 3670-8517

Sol (faz)

Ilmo. (a). Senhor (a)

Sou aluna do Doutorado em Ciências Sociais da PUC/SP, com o nº de matrícula RA00013255, estou desenvolvendo uma pesquisa cujo título é: A IGREJA E A PRAÇA: Os Batistas da Cidade de Itapetinga-Bahia (1938-2013). Como o próprio nome indica, o estudo tem por objetivo: analisar entre os anos de 1938 a 2013, a origem dos batistas na constituição do desenvolvimento urbano de Itapetinga e compreender, como ocorreu esse processo de estabilização religiosa na cidade.

Para atingir tal pleito, pretendemos verificar documentos, tais como: Atas, Estatutos, Livros de Ofícios, Cartografias, Relatórios, ou quaisquer outros tipos de registros produzidos por essa Instituição, que retrate a presença da Primeira Igreja Batista de Itapetinga na Região. Desta forma, gostaria de saber sobre a sua disponibilidade em ceder cópias ou permitir em lócus, o estudo dos documentos solicitados. Além disso, agradecemos qualquer informação sobre outros locais onde possam ser encontrados tais documentos.

Espero contar com sua valiosa colaboração. Se desejar maiores informações, por favor, entre em contato comigo ou com minha orientadora através dos telefones ou e-mail informados. Agradeço desde já sua atenção. Atenciosamente,

Itapetinga – BA____/______/______.

Jussara Tânia Silva Moreira (Aluna do Doutorado da PUC-SP) E-Mail [email protected] ou [email protected] Fone – UESB – (77) 32618600

280

Anexo nº 3: Modelo Documental. (Esclarecimento: Esta foi a autorização recebida dos recordadores para a publicação das suas lembranças e utilização de suas identificações).

D E C L A R A Ç Ã O

______, declaro pelo presente instrumento, as condições para utilização do conteúdo da minha recordação, para a pesquisa que tem por título: A IGREJA E A PRAÇA: Os Batistas da Cidade de Itapetinga-Bahia (1938-2013), concedida a Jussara Tânia Silva Moreira, aluna do Doutorado em Ciências Sociais, nº de matrícula RA 00013255, curso que que faz parte do Programa de Ciências Sociais da PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP. Assim, I. Concordo que os meus relatos sejam exclusivamente utilizados, com os fins acadêmicos. II. Autorizo que, ao fazer referências às minhas lembranças nesta pesquisa, seja utilizado o meu nome. Portanto, declaro que tenho consciência do relato concedido através da minha Memória, ciente, que somente deverá ser utilizado para os fins mencionados.

Itapetinga-BA_____/_____/_____

281

Anexo nº 4: ATAS da PIBI. (Esclarecimento: o Primeiro Livro Atas da PIBI foi registrado a partir de 31 de julho de 1938. As Atas de 01 a 07 do Livro 1 trata-se da formação da Congregação e da Igreja. As Atas 08 e 09 trata-se da aquisição do terreno na Praça Castro Alves para a construção da Igreja. As Atas 214 e 219 aborda o processo inicial para a Construção da Igreja. Como não foi permitido a retirada dos documentos do local, foram efetuadas as Fotos abaixo em dezembro de 2014, que foram tiradas e publicadas por essa pesquisadora, com a devida autorização).

282

283

284

285

286

287

288

289

290

291

292

293

294

295

Anexo nº 5: Carta Jesuítica nº 90. (A carta foi redigida em Porto Seguro, no dia 24 de junho do ano de 1555, pelo Padre João de Azpilcueta).

Parte XVIII das Cartas [sic]

De Porto Seguro, dia de S. João, anno de 1555.

“Viagem ao sertão com 12 Portuguezes. - Perifos da jornada. - Feiticeiros e feitiçarias. - Tapuyas. - Cabeceiras do Jequitinhonha. - A nação dos Cathiguça. – O. S. Francisco. - Descripção do sertão”.

A graça e o amor de Nosso Senhor Jesus Christo sejam sempre em nossas almas. Caríssimos irmãos, passa de anno e meio que, por mandado do nosso padre Manoel da Nobrega, ando em companhia de doze homens Christãos, que, por mandado do Capitão, entraram pela terra dentro a descobrir si havia alguma nação de mais qualidade, ou si havia na terra cousa por que viessem mais Christãos a povoa-la, o que summamente importa para a conversão destes Gentios. Esta não é sinão para lhes dar conta como depois do tempo que disse voltei com todos os doze companheiros, pela graça do Senhor, salvos e em paz, que era o para que o Padre me enviava com dar-lhes conta do caminho em particular, seria nunca acabar; mas como sei que com isso lhes vou dar consolação, direi em geral alguma cousa do que passamos e vimos. Saberão, Irmãos caríssimos, que entrámos pô-la terra dentro 350 léguas, sempre por caminhos pouco descobertos, por serras mui fragosas que não tem conto, e tantos rios que em partes, no espaço de quatro ou cinco léguas, passamos cincoenta vezes contadas por água, e muitas vezes, si me não soccorreram, me houvera afogado. Mais de três mezes fomos por terras mui humidas e frias por causa dos muitos arvoredos e das arvores, mui grossas e altas, de folha que sempre está verde. Chovia muitas vezes; e muitas noites dormimos molhados, especialmente em lugares despovoados e assim todos, em cuja companhia eu ia, estiveram quasi a morte de enfermidades, uns nas aldêas, outros em despovoados, e sem ter outra medicina que sangrar- se de pé, forçando a necessidade a caminhar; e sem ter outro mantimento ás mais das vezes que farinha e água não perigou nem um, porque nos soccorreu Nosso Senhor com sua misericórdia, livrando-nos também de muitos perigos de índios contrários, que algumas vezes determinavam matar-nos; principalmente em uma aldêa grande onde estavam seus feiticeiros fazendo feitiçarias, aos quaes, porque andam de uma parte para outra, fazem os 296

índios grandes recebimentos, concertando os caminhos por onde hão de vir e fazendo grandes festas de comer e beber. Estava, pois, nesta aldêa muita gente de outras aldêas que era vinda ás festas dos feiticeiros: logo que nós chegamos, houve entre elles algum alboroto; mas um índio principal que ia comnosco, mui bom homem, começou a fazer-lhes, uma pratica a seu modo, com que socegaram. Apezar disso, não quizemos ahi demorar-nos mais que aquella noite, que foi para mim mui triste e mui comprida, porque vi cousas de que fiquei espantado. No meio de uma praça tinham feito uma casa grande, e nella outra mui pequena, na qual tinham uma cabaça figurada como cabeça humana, mui ataviada a seu modo, e diziam que era o seu santo e lhe chamavam "Amabozaray", que quer dizer pessoa que dansa e folga, que tinha virtude de fazer que os velhos se tornassem moços. Os índios andavam pintados com tintas, ainda nos rostos, e implumados de pennas de diversas cores, bailando e fazendo muitos gestos, torcendo as boccas e dando uivos como perros: cada um trazia na mão uma cabaça pintada, dizendo que aquelles eram os seus santos, os quaes mandavam aos índios que não trabalhassem porque os mantimentos nasceriam por si, e que as freehas iriam ao campo matar a caça: estas e outras muitas cousas, que eram para chorar muitas lagrimas, vi. No outro dia nos fomos e passamos muitos despovoados, especialmente um de vinte e três jornadas por entre uns índios que chamam Tapuzas, que é uma geração de índios bestial e feroz; porque andam pelos bosques como manadas de veados, nús, com os cabellos compridos como mulheres: a sua falia é mui barbara e elles mui carniceiros e trazem frechas ervadas e dão cabo \e um homem n'um momento. Para passar por entre elles, juntamos muitos dos que estão em paz comnosco, e passamos com espias adiante, com grande perigo. Um índio que vinha comnosco e era para muito, passou adiante um tiro de besta dos Brancos, e de súbito veiu uma manada dos Tapuzas, que, despedaçando-o, o levaram em quartos: e com este receio-, nem os Brancos, nem os índios ousaram, de então por diante, apartar-se do caminho, pelo qual soffreram muita necessidade até de água. Os dias aqui eram calorosos e as noites frias, as quaes passávamos sem mais cobertura que a do céo. Neste ermo passamos uma serra mui grande, que corre do Norte para o meio-dia, e nella achamos rochas mui altas de pedra mármore. Desta serra nascem muitos rios caudaes: dous delles passamos que vão sahir ao mar entre Porto Seguro e os Ilheos: chama-se um rio Grande, e o outro rio das Ourinas. Daqui fomos dar com uma nação de gentios que se chama Cathiguzú. Dahi partimos e fomos até um rio mui caudal, por nome Pará, que, segundo os índios nos informaram, é o rio S. 297

Francisco e é mui largo. Da parte donde estávamos são os índios que deixei; da outra se chamam Tamoyas, inimigos destes; e por todas as outras partes Tapuzas. Vendo-nos, pois, neste aperto, pareceu a todos que ordenássemos barcos em que fossemos pelo rio; e assim começou cada a fazer o que entendia, porque não tínhamos carpinteiros; e assim nos assentamos em uma aldêa junto da qual passa um rio por nome Monayl, que vai dar no outro, e isto por não sermos sentidos dos contrários, que estariam dahi três léguas. Fizemos logo uma cruz grande e a puzemos na entrada da aldêa, e junto delia fizemos uma ermida onde fazia praticas de Nosso Senhor aos companheiros, e com licença de todos comecei de ir pelas aldêas, e logo na terceira onde fui, achei as suas miseráveis festas, pois tinham na praça uma menina pequena atada com umas cordas para a matar, ao que se havia juntado muita gente das outras aldêas: cheguei-me a ella, fallei-lhe na lingua dos nossos indios, mas não me entendeu, por que era filha de Tapuzas, que são os selvagens de que atraz disse. Aqui vi cerimonias que nunca tinha vistas neste acto de matar. Daqui fui bastante triste para outras aldêas, onde também lhes disse cousa de Nosso Senhor; e folgaram de as ouvir, mas logo as esqueciam, mudando o sentido em seus vinhos e guerras. Tornei-me aos Christãos, baptisando alguns meninos que acertaram de morrer. Em uma aldêa destas achei uma cousa como pez, que cahe de umas arvores que estão nos campos, e estilando assim pela arvore como pelas folhas, faz uma pasta dura na terra; levei uma porção para os barcos e, quando cheguei, achei dois quasi acabados; e os companheiros enviaram por mais pez para calafetar estes dois barcos que estavam quasi feitos: corremos mui grande perigo, porque os índios, que estão na outra banda do rio, souberam de nós, e passaram a nos impedir a viagem, e foi o perigo tão grande que me metti na ermida, e me puz diante de um Crucifixo, que levava comigo. Foi Nosso Senhor servido que ainda que alguns foram maltratados, nenhum perigou, e eu os curava com mel silvestre e os índios foram maltratados; pelo qual nos embarcamos com muito cuidado, e fomos pelo rio abaixo: mas não podemos continuar a navegação e assim foi necessário tomar conselho de novo acerca do nosso caminho, por ser toda a terra povoada em derredor de diversissimas gerações de índios mui bárbaros e cruéis. As terras que cercam este rio em 30 léguas ou mais são mui planas e formosas: parece-me que nascerá nellas bem tudo quanto lhes plantarem ou semearem, porque do mantimento que usam os índios e de diversas fructas ha grandíssima cópia; o pescado não tem conto, assim neste rio como em outros mais pequenos e em lagoas. 298

Quando os índios têm delle necessidade, juntam-se uma aldêa ou duas e vão embebedá-lo, e assi tomam tanto que vem depois a feder-lhes em casa: e desta maneira têm pouca necessidade de anzoes, e principalmente no rio Grande nunca pescam com elles, si não são de ferro e grande cadêas de um palmo ou dois, porque ha um peixe que se chama Piray, que corta um anzol com os dentes como com uma navalha, o que vi com os meus olhos, pois, de outra maneira, apenas o crera. Sahidos do rio fizemos nosso caminho por terra volvendo-nos. Achamos na terra que andamos que comummente não têm superior, o que é causa de todos os males: têm tal lei entre si que, recebendo o menor delles uma injuria dos Christãos, se juntam todos a vingá-la. São pobrissimos; nem têm cousa própria, nem particular, antes comem em comum o que cada dia pescam e caçam. Si mostram algum amor aos Christãos, é por cobiça que têm das suas cousas, e é tanta que, quando lhes não vêm outra cousa, lhes tiram os vestidos e depois lhes dão de comer com a condição de que arranquem as pestanas e barbas como elles, e vão caçar e pescar juntos. Os tempos são mui temperados, fora de alguns annos seccos. Ha muita caça, assim de animaes como de aves: ha uns animaes que se chamam antas, pouco menores que mulas, e parecem-se com ellas, sinão que têm os pés como de boi. Também ha muitos porcos montezes e outros animaes que têm uma capa por cima á maneira de cavado armado; ha raposas, lebres e coelhos, como nessa terra. Ha muitas castas de macacos, entre os quaes uns pardos com barba como homens; ha veados, gatos montezes, onças, tigres e muitas cobras, entre as quaes ha umas que têm no rabo uma cousa á maneira de cascavel, e também sôa, e quando topam alguma pessoa bolem e fazem soido com elle, e si acerta de se não apartar, mordem-na e poucos escapam dos mordidos que não morriam. Ha umas aves que são como perdizes; outras como faisões, com outras muitas diversidades: também vi em poder de índios dois abestruzes. O fructo solido desta terra parece que será quando se for povoando de Christãos. Deus Nosso Senhor por sua misericórdia saque estes miseráveis das abominações em que estão, e a nós outros dê sua graça, para que sempre façamos sua santa vontade.

299

Anexo nº 6: Membros Fundadores da PIBI. (A relação traz os nomes das pessoas que eram residentes em Itatinga em 1938 e que foram os membros fundadores da Primeira Igreja Batista de Itapetinga)

1- Laudelino José dos Santos 21- Raquel de Souza Brito

2- Etelvina Ferreira Ribeiro 22 - João Francisco Magno

3-Faraildes Souza Santos 23-Arquimias de Oliveira Magno

4- Maria Arcanjo Santos 24 -Neomisia Souza Santos

5-Maria Araújo Lopes dos Santos 25 - Alzira Araújo Lopes

6-Adalzira Rocha 26- Gregório Carlos da Mota

7-Júlia Lopes de Araújo 27- Juvenal Araújo Lopes

8-Gedeon Santos 28 - Porcino Félix de Góes

9- Elvira da Cruz 29- Benjamin Porfírio dos Santos

10-Aquelino de Souza Brito 30- Maria Lopes Marinho e Prates

11-Elias Brito Sobrinho 31- Hermínia Brito Freire

12- Joao Maurício da Rocha 32-Agenor dos Santos Gigante

13- Leonízio Moreira de Santana 33-Isaías de Oliveira Freitas

14- Aurora de Souza Rocha 34-Oséias Pio

15- Belarmina da Rocha Pio 35-Vitória Moreira da Silva

16- Manuel Ferreira Ribeiro 36 - Ananias de Souza Freire

17-Arlindo de Souza Freire 37- Deoclides da Silva Moreira

18- Jovelino Coqueiro Leão 38 -Jeracina Coqueiro Leão

19- Júlia Coqueiro Leão 39 - Maria dos Santos Coqueiro

20- Maria Campos Ribeiro 40- Juvenal de Souza Braga

Fonte: ATA Nª 1, PIBI, 31 de julho de 1938 300

Anexo nº 7. Álbum de Fotografia da PIBI (Todas as fotografias do Acervo da PIBI, foram retiradas deste Álbum. A maior parte das fotografias foram doadas para a Igreja por seus membros e grande parte, pertencia ao Pastor Samuel Oliveira Santos).