12 Universidade Estadual de Campinas – 16 a 22 de agosto de 2004 Em mestrado no IA, escritor apresenta o primeiro estudo completo sobre cinema infantil brasileiro

Foto: Reprodução LUIZ SUGIMOTO AO escritortela acrescenta que, em angelical [email protected] cima da tese de Philippe Ariès, o a- mericano Neil Postman, estudio- uxa e os Trapalhões vêm lo- so das ciências da comunicação, vi- tando as salas de exibição nas ria a dizer que a criança começou duasX últimas décadas, sem que nin- a se separar do mundo adulto por guém se preocupasse em refletir causa da invenção da imprensa e sobre o cinema que está sendo fei- da conseqüente imposição de có- to para as crianças brasileiras. A tela digos para se acessar o conheci- angelical: infância e cinema infantil, dis- mento e a informação; até que a- sertação de mestrado defendida prendesse os códigos, a criança pelo escritor e jornalista João Batista ficava enclausurada no universo Melo no Instituto de Artes (IA) da dos pequenos. Foi a televisão, ain- Unicamp, sob orientação da profes- da de acordo com Postman, que sora Sheila Schvarzman, é o primei- promoveu a reaproximação entre ro registro completo de história do os dois mundos, dispensando co- cinema infantil brasileiro, segundo nhecimentos específicos para que apurou o próprio autor. “Quando todos recebessem as informações tratamos de crianças, acho funda- por ela veiculadas. “Esta teoria, mental analisar o que se faz para embora polêmica, serviu para elas, como e por quê. O cinema in- embasar a pesquisa, já que eu bus- fantil sempre foi visto como algo cava justamente as junções entre culturalmente marginal, pouco sé- literatura, televisão e cinema”, ob- rio. Escrever ou fil- serva João Batista. Foto: Reprodução Primeiras mar uma obra infan- Um autor til significa envol- Leitura imposta – produções ver-se num patamar Na avaliação do escri- premiado datam de menor de arte, pois o tor, o governo militar Foto: Antoninho Perri 1956 público seria de se- foi responsável por um res imperfeitos, ain- período profícuo e de boa da não evoluídos. Se qualidade da literatura in- meu trabalho possui algum méri- fantil brasileira, mas a dis- to, é o de procurar mostrar que esse seminação se deu por mei- gênero merece a mesma atenção o de processo extrema- dada ao Cinema Novo, às chan- mente burocrático e impo- chadas, ao underground ou à no- sitivo que tornou a leitura o- velle vague”, afirma. brigatória nas escolas. “Isso aca- Relacionado entre os principais bou criando uma distância entre Acima, cena de contistas surgidos no país duran- criança e literatura”, observa. Ao “A Dança dos te os anos 1990, João Batista Melo mesmo tempo, a ditadura incenti- Bonecos”: do guarda vários prêmios nacionais vou o fortalecimento da televisão universo interiorano à importantes por seus livros e, para como agente de divulgação da i- metrópole; ao desenvolver a dissertação, somou deologia militar e da unificação lado, a figura do a experiência como crítico de cine- nacional. Inevitavelmente, a tele- Saci, que Os escritor e jornalista João ma e diretor de curtas-metragens. visão se encarregaria de reprodu- inspirou uma Batista Melo: “O cinema infantil Ele informa que, desde 1908 até zir e transmitir também as ideolo- das primeiras nasceu como um descendente da produções 2002, foram produzidos 3.415 lon- gias do mercado econômico. “Os cinematográficas literatura infantil” gas-metragens brasileiros, mas a- filmes ligados à tevê sempre tra- penas 2% (cerca de 70 filmes) des- zem, explícita ou implicitamente, Premiado por coletâneas de tinaram-se ao público infantil. As a mensagem de venda de um pro- contos como O inventor de estrelas, duas primeiras produções para duto”, acrescenta. As baleias do Saguenay e Um pouco crianças são de 1956: O Saci, de Outro aspecto abordado por Jo- mais de swing, João Batista Melo Rodolfo Nani, inspirada na obra ão Batista é o cinema enquanto escreveu um romance intitulado de Monteiro Lobato, e Sinfonia A- produto de uma indústria cultural Patagônia, baseado na passagem da dupla Butch Cassidy e Sundance mazônica, nosso primeiro desenho que acaba substituindo a cultura Kid como fazendeiros na Argentina, animado, que traz muitas influên- infantil tradicional, até então gera- o que exigiu do autor seis viagens cias de Walt Disney. da em ambiente lúdico. “Antes, a aos territórios chileno e argentino, “No plano mundial, o cinema in- criança criava e reproduzia sua percorrendo mais de 10 mil fantil nasceu como um descenden- própria cultura. A partir do mo- quilômetros. Seu conto te da literatura infantil, que por sua mento em que a criança foi tirada Colecionador de sombras foi vez foi derivada das narrativas o- das ruas, deixou de ser produtora incluído na antologia Geração 90, organizada pelo escritor Nelson de rais e dos contos de fadas. Antes do para ser consumidora de produtos Oliveira, que escolheu os mais cinema e, mesmo depois do seu culturais”, compara. Por isso, sua importantes contistas surgidos nos surgimento, o mundo infantil teve concordância com a definição feita anos 1990. Outro conto, Após o laços importantes com os livros de pelos pesquisadores ingleses Sta- crepúsculo, integra a antologia Des aventura e fantasia, as histórias em ples e Bazalgette, segundo os quais nouvelle du Brésil, lançado no Salão quadrinhos, as narrativas de pro- o filme infantil é aquele que traz do Livro de Paris, entre autores fessores, pais e avós”, observa João um olhar infantil. “Esta é uma ca- como Lygia Fagundes Telles e Batista. Segundo ele, a literatura racterística das produções nacio- Clarice Lispector. João Batista Melo colabora com infantil também foi a grande refe- nais não ligadas à televisão, em críticas de cinema e literatura para rência dos primeiros filmes naci- que a criança toma as decisões e jornais mineiros e também dirigiu o onais, mas nas últimas décadas define seu destino, ao passo que o curta-metragem A quem possa esta ligação deixou de existir e o es- adulto é um agente passivo, mui- interessar, sobre o preconceito paço acabou dominado por atores tas vezes tratado como incompe- contra idosos no mercado de e personagens da televisão. “Da- tente. Já em filmes como e os trabalho, filme selecionado para o queles setenta filmes, a metade é duendes, o adulto permanece no Festival Internacional de Bilbao. Atualmente, está finalizando o dos Trapalhões”, constata. centro da narrativa, e a criança tem curta-metragem infantil Tampinha, Diante da total ausência de bibli- um papel mais passivo, de subor- baseado no livro homônimo da ografia específica – mesmo no ex- dinação ao adulto, por exemplo, escritora Ângela Lago, como parte terior, os livros abordando o cine- quando a menina chora no ombro de um projeto da TVE e do ma para crianças não passam de da protagonista porque o pai ven- Ministério da Cultura para incentivar meia dúzia –, João Batista Melo deu sua casa”, compara. a produção de telefilmes infantis. utilizou como ponto de partida os O escritor afirma que o ambiente teóricos da literatura infantil. “Eu rural e interiorano é um traço pre- precisava conhecer melhor o des- dominante de filmes como O Saci, de comunicação. E, em contrapon- de ajudarem a formar um especta- samento entre as duas artes. “No tinatário desta produção cultural: O Cavalinho Azul, Meu Pé de Laranja to, Xuxa e os duendes e O Noviço dor para o cinema nacional, num Brasil, filmes baseados nas obras quem é a criança, o que é ser infan- Lima e Picapau Amarelo, mas que as Trapalhão, onde se vê na essência trabalho isolado e persistente. “Tal- de Monteiro Lobato, José Mauro til”, explica. Mencionando Phi- produções mais recentes já travam um compromisso com o lucro e a vez, essas crianças sejam os adul- de Vasconcelos e Maria Clara Ma- lippe Ariès, considerado o grande um diálogo inevitável com o meio lógica do mercado, como industri- tos que hoje vêem Carandiru, Cen- chado são honrosas exceções. Ape- historiador das atitudes, o escritor urbano, desenrolando-se nas gran- ais que aparecem como heróis ou tral do Brasil e Cidade de Deus”, pre- sar da força da literatura infanto- conta que na Idade Média a criança des cidades. Ele cita A Dança dos amigos dos heróis. vê. Insiste, porém, que o cinema in- juvenil no mercado editorial, o ci- era vista como “um adulto em mi- Bonecos, em que a heroína parte do fantil poderia retomar o vínculo nema vem desprezando autores niatura”, não havendo separação universo interiorano para recupe- Desprezados – João Batista Me- com a literatura, a exemplo de Eu- como Ana Maria Machado, Lygia entre infância e maturidade. “A rar seus brinquedos e percorre a lo reconhece em produtores como ropa e Estados Unidos com Harry Bojunga, Ângela Lago, Tatiana Be- criança compartilhava os mesmos metrópole capitalista para conhe- Xuxa e os Trapalhões, assim como Potter e O Senhor dos Anéis, apenas linky, Lúcia Machado de Almeida conhecimentos do adulto”, ilustra. cer a frieza do mercado e dos meios em Mazzaropi, o mérito inegável os fenômenos mais recentes do ca- e Ruth Rocha”, finaliza.