O HUMOR E REPRESENTAÇÃO DE HAGAR, O HORRÍVEL NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO (1973-1974)

FABIO ANTONIO COSTA ∗

O autor de Hagar é Dik Browne. Quadrinhista nascido no bairro do Bronx em Nova Iorque (Estados Unidos) em 1917 e falecido de câncer em 1989. Ele estudou na Cooper Union Art School , localizada em Nova Iorque, não concluindo o curso. Ex- seminarista e preocupado com as minorias (MOYA, 2003: 100), tentou a carreira de repórter, mas não obteve sucesso; seu primeiro emprego foi no jornal American , sendo rapidamente transferido para o departamento de arte do mesmo jornal. Na década de 1940 ele trabalhou como ilustrador na revista Newsweek , periódico nova-iorquino de grande circulação, desenhando mapas e gráficos. Quase na mesma época foi para uma divisão de cartógrafos na Segunda Guerra Mundial na Alemanha, onde fazia um trabalho parecido. Em 1942 se casou com Joan Kelly e juntos tiveram três filhos (Bob, Chris e Sally). Nessa época criou seu primeiro quadrinho Ginny Jeep , baseado no Corpo de Exército de Mulheres ( WAC ) e distribuído entre os soldados. Depois da guerra foi trabalhar com publicidade, em empresas como Johnson & Cushing , criando logotipos bem conhecidos, como Banana Chiquita , The Birdseye e uma versão atualizada de Campbell Soup Kids . Na década de 1950 criou outro quadrinho chamado The Tracy Twins que chamou a atenção de Sylvan Beck, editor do syndicate King Features . Em 1954 foi convidado a desenhar junto de a famosa série 1 que lhe trouxe muito sucesso. Nos fins de 1972 no porão de sua casa começou a desenhar o personagem Hagar. Joan faleceu em 1986 e Dik se aposentou dos quadrinhos em 1988, um ano depois ele falece, aos 71 anos de idade. A partir dessa data, seu filho Chris Browne assume o quadrinho até atualmente.

Hagar é o pai da família e assim como disse Dik, ele “é um guerreiro viking em um mundo que não criou ”. Seu visual, que inicialmente era de um guerreiro rude e de maus modos (tendo seu visual posteriormente suavizado) também é entendido

∗ Mestrando em História pela PUC-SP, bolsista do programa CAPES. 1 No Brasil essa série teve o nome traduzido para A Turma do Zezé , Zezé e Cia e Li e Lu no Jornal Folha de São Paulo . Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 2

com uma das várias dimensões do seu ser, pois se nos quadrinhos suas aventuras mostram um destemido viking à procura de fortunas, o que acontece é que nessas batalhas ele nem sempre consegue seu objetivo, recuando em muitas vezes, sempre prevalece à opinião de Helga sobre ele, nisso entendido o efeito de humor. Ele é o comandante de seu atrapalhado exército que vive fazendo excursões pela Europa e que nem sempre alcança seu objetivo, qual seja vencer os inimigos e fazer seus saques. Hagar foi criado, sendo o próprio Dik Browne atestava em brincadeiras cotidianas que ele tinha com seus filhos 2, das lendas nórdicas que ele ouvia de sua tia sueca e da própria representação que ele fazia de estereótipos de pessoas próximas a ele, como seus familiares, esposa, filhos, médico da família etc. Helga é a esposa de Hagar e mãe de Honi e Hamlet. Ela é representada como dona de casa, sendo muitas vezes vista nos quadrinhos cuidando dos afazeres do lar, como lavando roupas, limpando a casa ou fazendo comida. Seu visual se assemelha muito com os figurinos usados na representação das Valquírias, como na peça O Anel de Nibelungo , de Richard Wagner. Segundo Jair Alcindo Lobo de Melo, sobre Helga Nas tiras humorísticas de Hagar, o horrível, a sempre presente esposa Helga, a despeito de sua inteligência, sensatez e força física, é submissa às funções domésticas e ao marido (embora por solicitude, nunca por obrigação). Hagar é um hábil guerreiro que só perde batalhas para sua esposa. É ela que o mantém na linha e o controla. Hagar sempre acaba fazendo tudo com a orientação dela. O humor da tira vem de sua convivência com a irmandade viking e com sua família. Embora respeitado profissionalmente (um dos maiores saqueadores e assassinos da Escandinávia) Hagar leva uma vida pessoal frustrada. Está sempre discutindo com a esposa Helga, que não está satisfeita com o padrão de vida que a família leva. O melhor amigo de Hagar, ao contrário do imaginário popular que toma os vikings como guerreiros musculosos, é um magrelo ou magricela covarde chamado Eddie Sortudo; Contracena ainda com sua família: a esposa Helga, o filho Hamlet, a filha Honi, a pata Kvack e seu cachorro Snert (MELO, 2008: 78-79).

Melo em sua dissertação salientou como o tipo de relação construída entre Helga e Hagar explica muito de como são construídas as histórias desse quadrinho. Helga é normalmente representada como a dona do lar, sua posição nos quadrinhos de Dik Browne é de dona de casa, que cuida tanto da casa como de sua família; seu

2 Segundo Dik Browne: ” Meus três filhos me acordavam e eu costumava fingir que estava furioso e saía correndo atrás deles. O mais novo sempre fugia aterrorizado, gritando: corram, corram, aí vem Hagar, o terrível ” (MELO, 2008: 70). Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 3

caráter está nesse sentido mais vinculado ao privado, enquanto Hagar está mais no público, mais isto não é levado ao pé da letra. Em 1973 o quadrinho de Hagar já gozava de muito sucesso, tanto que sua primeira tira foi originalmente distribuída para mais de 100 jornais nos Estados Unidos em quatro de fevereiro de 1973 e no mesmo ano para mais de 100 jornais nos países escandinavos. O quadrinho de Hagar estreia efetivamente no Jornal Folha de São Paulo em uma terça-feira, no dia 8 de maio de 1973. Junto dele, também eram comumente publicados os quadrinhos nacionais O Pato (da desenhista Ciça), Cebolinha , Bidu e Raposão (ambos de Maurício de Souza) e os quadrinhos estrangeiros Prof. Tantan (de Bill Yates), Pafuncio (de Bill Kavanagh e Hall Camp) e Dick o Artilheiro (dos argentinos Jose Luiz Salinas e Alfredo Grassi) ambos licenciados do King Features . Nessa conjuntura, a Folha de São Paulo era o jornal líder de vendas no Brasil e o que mais investia em modernizar seu parque editorial e projeto gráfico. A ironia em relação aos saques são um constante em Hagar. Podem por um lado, refletir a visão que o autor, Dik Browne, possuía da sociedade, mas também, sendo um reflexo, até certo ponto dela. Não se pode perder de vista que Dik era um homem que estava a par das minorias e a seu modo, queria fazê-los presentes em seus quadrinhos. No quadrinho abaixo, que foi a segunda tira publicada nos Estados Unidos pode ser observada algumas possibilidades;

Figura 1: Hagar o Horrível Fonte: Jornal Folha de São Paulo 16.6.1973

1º quadro: Não, aqui é o nº 35... Esse castelo fica lá embaixo...

O autor utiliza-se de vários signos plásticos para identificar a cena; Hagar está à frente de seu exército, representado por vários guerreiros armados com lanças, espadas, escudos, aríete e machados, além de uma catapulta e também com instrumentos que produzem fogo, prontos a invadir um castelo, mas recebem a informação do que provável morador (acompanhado de um pequeno cachorro), falando que o castelo que eles procuram não é aquele, mas sim outro. Observa-se, por exemplo, que uma das dimensões disso possa ser que se divididos em dois

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pólos, o exército e o morador do castelo sendo que com uma simples informação, neutraliza a atuação do exército. O foco de atuação do exército, assim como ele pode ter imaginado não corresponde a somente esse planejamento; a própria década de 70 mostra como grupos que atuam na reivindicação tiveram que muitas vezes mudarem o foco, não, portanto, difícil imaginar que a direção do grupo, que o direciona, muitas vezes tem que mudar o foco. Um personagem muito simbólico em Hagar é o irmão Olavo, representante do catolicismo, conselheiro de “boas normas” de Hagar, além de ser um escritor “oficial” da história dos vikings. Em sua primeira aparição nas tiras de Hagar, lhe trouxe algo:

Figura 3: Hagar o Horrível Fonte: Jornal Folha de São Paulo 18.7.1973

1º quadro: Sou Olavo... Vim para trazer-lhes a civilização! 2º quadro: Ótimo! Pode colocar aqui!

Essa tira desenvolve-se em várias dimensões. Os dois personagens, Hagar e Olavo podem ser entendidos como representantes de duas civilizações (ou culturas); Hagar do mundo dos vikings mostrado ao lado de riquezas e armas (não à toa na tira ele está amolando sua espada) e do outro lado Olavo um representante do mundo cristão e que veio trazer a cultura ao mundo bárbaro. O efeito de humor acontece mais aparentemente no segundo quadro, como Hagar pedindo a Olavo para colocar a civilização junto de seus pertences, ironicamente colocada como um objeto que pode ser conquistado ou adquirido. Essa dimensão da civilização é valorizada pelo mundo cristão, pois se Olavo mostra uma expressão de satisfação para Hagar no primeiro quadro da tira, na segunda ele se mostra mais preocupado, possivelmente pelo fato da novidade da “civilização” dele não ser reconhecida como tal. Uma dimensão disso por ser sentida, no fato que foram os cristãos da época medieval que fizeram alguns dos primeiros escritos sobre os vikings, a partir de uma visão degenerativa deles e que Dik Browne, um ex-seminarista, brilhantemente explora nessa tira. O ser bárbaro, aquele que na tira acima é o oposto a ideia de civilização é também um ser que é de certa maneira, criticamente mostrado. Em suas questões, Hamlet, pensa sobre o mundo que habita,

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Figura 4: Hagar o Horrível Fonte: Jornal Folha de São Paulo 4.8.1973

1º quadro: Não é justo. Sensível como sou nascer nessa época! 2º quadro: Só se ouve guerras, mortes, crimes. 3º quadro: Não existe mais segurança dentro de casa! 4º quadro: Porque não nasci daqui há mil anos?

Sua fala, pensando-se que Hagar é uma tira em quadrinhos que retrata o mundo viking, poderia fazer referência a esse período, época de muitas mudanças no fim da era medieval, mas a ligação não se limita a somente isso. A década de 1960 e também de 1970 nos Estados Unidos foram uma época de muitas mudanças e fortes críticas a guerras, como a Crise dos Mísseis ou a Guerra do Vietnã. Hamlet olha para o leitor, como se quisesse interagir com ele, sendo o leitor convidado a participar de sua angustia, que é tanta que no terceiro quadro da tira ele fala que “não existe segurança nem dentro de casa ”, restando no quarto quadro um desabafo; “porque não nasci daqui há mil anos?” Nesse quadro o efeito de humor se dá pelo fato que pelos cálculos sugeridos a partir da data que se atribui o período viking – em torno dos séculos oito, nove e dez – seria por volta do período próximo à época da publicação das tiras, em torno do século 20. O humor pode ser entendido como se o leitor pudesse falar a ele que mesmo passado 10 séculos ou mais, alguns dos valores negativos apontados por Hamlet; guerras, mortes, crimes e falta de segurança, mesmo no âmbito familiar, em suma não foram eliminados e sem poder fazer uma justa comparação, pois a fronteira temporal e espacial é muito diversa, em vez de poder se pensar em melhores ou piores condições de vida em relação a épocas passadas, o que se pode apontar aqui é que sobre épocas diferentes, os medos e reclamações como apontadas pela voz de Hamlet, são diferentes de época e lugar. Destaca-se um exemplo de cultura apontada por Mikhail Bakhtin. Na Idade Média, que apresenta restrições às culturas populares, certas manifestações, como as festas públicas carnavalescas, os ritos e cultos cômicos especiais, os bufões e tolos, gigantes, anões e monstros, palhaços de diversos estilos e categorias, a

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literatura paródica, vasta e uniforme, são apontados como a cultura carnavalesca, uma parcela, portanto, da cultura popular do período medieval,

Ofereciam uma visão do mundo do homem e das relações humanas totalmente diferente, deliberadamente não-oficial, exterior à Igreja e ao Estado; pareciam ter construído, ao lado do mundo oficial, um segundo mundo e uma segunda vida aos quais os homens da Idade Média pertenciam em maior ou menor proporção, e nos quais eles viviam em ocasiões determinadas. Isso criava uma espécie de dualidade do mundo e cremos, que sem levá-la em consideração, não se poderia compreender nem a consciência cultural da Idade Média nem a civilização renascentista. Ignorar ou subestimar o riso popular na Idade Média deforma também o quadro evolutivo histórico da cultura européia nos séculos seguintes (BAKHTIN, 1987: 3-4).

Compreender esse mundo, chamado de “segundo mundo” ou “segunda vida”, como indicado por Bakhtin, possui um grau de importância tão alto que segundo ele é essencial compreender isso para entender a cultura européia. Muitos são os temas que aparecem em Hagar como a referência a áreas do pensamento humano, como a história:

Figura 6: Hagar o Horrível Fonte: Jornal Folha de São Paulo 17.1.1974

1º quadro: Parem de reclamar! Avante! 2º quadro: Se conseguirmos, entraremos na história!!!

No primeiro quadro, observa-se Hagar entusiasmado gritando para que seu exército “deixarem de reclamar e seguir avante ”, se destaca também as expressões faciais dos personagens desse exército (sinais plásticos de suor, dentes trincados, olhar a frente) denotando esforço, no próximo quadro da tira, utilizando-se de outro ponto de vista e outro ângulo, Dik Browne mostra o exército composto de mais soldados puxando com cordas um castelo apoiado sobre uma base de roletes. Hagar, entusiasmado, grita; “Se conseguirmos, entraremos na história !” Esse quadrinho possui muitas dimensões, destacando-se o teor crítico, como na ideia metafórica que é necessário mover castelos para se ter um lugar na história, pode também, imaginar o papel que a história possui, como na historiografia mais tradicional em que costumeiramente destacam-se os acontecimentos dignos de nota

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assim como os “grandes” personagens, como acontece na tira, pois só com grandes eventos (como mover castelos) que se pode participar da história, que ironicamente a tira apresenta. A história, obviamente passou por várias mudanças como pode ser percebido nas várias correntes historiográficas que inclusive, tiveram um papel importante a ela. Dik Browne em uma entrevista de 1985 apresenta o que lhe mais convêm retratar em Hagar, Um grande historiador certa vez disse que a história é como um impetuoso rio de sangue traçando a sua rota através dos séculos. Mas, nas margens, famílias fazem coisas corriqueiras – criam filhos, pagam contas, fazem amor, jogam dados, enfim... É algo parecido que sinto em relação ao Hagar o Horrível. Ele é um viking e Deus sabe que ele é um bárbaro, mas é também um homem caseiro, um marido amoroso e um pai devotado. E é também um homem de negócios... acontece que os seus negócios são saque e pilhagem – e outra coisa... ele se esforça. Vejam sua aparência – que algumas pessoas dizem que ele tirou de mim. Ele era um patife mal- encarado quando eu o desenhei pela primeira vez. Hoje tem uma aparência muito mais agradável, apesar de não ter sido fácil torná-lo assim. [...]. Eu me pergunto por que ele é chamado “O Horrível”. Quando nos encontramos pela primeira vez, doze anos atrás, no porão da minha casa em Wilton , eu não esperava tanto de Hagar. Eu ainda estou surpreendido com seu sucesso. Deve ter por aí muito mais vikings do que eu suspeitava. Recebo montes de correspondências de mulheres que tem um Hagar como pai, marido ou namorado... a elas eu envio o meu profundo respeito e minhas condolências. Enfim, ele é um homem comum fazendo o melhor que pode num mundo que não criou. Eu espero que você goste do meu amigo Hagar... ele tem sido incrivelmente bom para mim (BROWNE, 2010: 5-6).

Hagar não é um retrato da sociedade viking, assim como também não se fixa apenas a uma representação da sociedade em que viveu Dik Browne, como também não se limita a uma visão que o autor teve de tal sociedade, ou seja, a alta Idade Média escandinava. Pode-se pensar que seu trabalho mais famoso foi um limiar entre essas possibilidades apresentadas e nas outras possibilidades como esse estudo pretende trazer, e que ganha na arte de Dik Browne representação, não apenas de uma ou outra das possibilidades ou mundos, mas de vários. A luz dessas categorizações pode-se imaginar que Hagar não representa a sociedade viking, mas em vez disso, pode-se imaginar como um eco dessa sociedade, pois Dik Browne em sua arte representa, ao seu modo essa ela, com as

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peculiaridades como o humor, tão característico dos quadrinhos e não uma preocupação de uma representação histórica, como defendido pelas primeiras premissas dos leitores de Hagar. Não havia, portanto, em Dik Browne a representação exata da sociedade viking, embora como ressaltado por Dik, dele ter tido contato com livros especializados, enviados inclusive por seus fãs. O autor deve ser compreendido dentro de seu tempo e lugar, pois sua obra não foge integralmente a essa especificidade. Serge Moscovici nos idos do fim da década de 1960 nos fornece muitos apontamentos e observações sobre as representações. Elas podem ter funções especificas (MOSCOVICI, 2000: 3-4) como convencionalizar os objetos, pessoas ou acontecimentos que encontram, ganhando uma determinada forma, [...] a luz da história e da antropologia, podemos afirmar que essas representações são entidades sociais, com uma vida própria, comunicando-se entre elas, opondo-se mutuamente e mudando em harmonia com o curso da vida; esvaindo-se, apenas para emergir novamente sob novas aparências. Geralmente, em civilizações tão divididas e mutáveis como a nossa, elas coexistem e circulam através de várias esferas de atividade, onde uma delas terá precedência, como resposta a nossa necessidade de certa coerência, quando nos referimos a pessoas e coisas [...] (MOSCOVICI, 2000: 38).

Pode-se apontar que Dik Browne bebeu da fonte muito difundida do estereótipo que representava os vikings como seres bárbaros, com roupas de pele de animal, rudes e com capacetes com chifre de boi, [...] O romantismo oitocentista, apesar de glorificar seus feitos, criou do mesmo modo uma concepção fantasiosa, cujo maior resultado foi à popularização de estereótipos que até hoje proliferam nos meios de comunicação, de uma transformação de bárbaros destruidores da ordem civilizacional a gloriosos heróis perdidos nas brumas do tempo.(LANGER, 2009: 36)

Walter Benjamim, em seu texto A obra de arte na era de sua reprodutividade técnica , afirma que a obra de arte, em sua essência, é reprodutível, Em sua essência, a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os homens faziam sempre podia ser imitado por outros homens. Essa imitação era praticada por discípulos, em seus exercícios, pelos mestres, para a difusão das obras, e finalmente por terceiros, meramente interessados no lucro (BENJAMIM, 1985: 166).

O King Features é possivelmente o maior syndicate dos Estados Unidos (e também do mundo), foi criado em 1914 e antes se chamava Hearts International Feature Service (CYRNE, 1970: 48) . Esse e outros syndicates foram responsáveis Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 9

pela normatização, padronização, direitos e distribuição das tiras nos Estados Unidos e em grande parte do mundo, possuindo um papel de destaque nas primeiras décadas do século 20 no mundo dos quadrinhos (SILVA, 2007). Não existe um similar no Brasil relativo ao syndicate dos Estados Unidos, e sua forma em muito pouco lembra os sindicatos brasileiros. Os syndicates além de deterem os direitos sobre as tiras em quadrinhos e a distribuição tanto internamente como para outros países, ainda são responsáveis por um código de ética: [...] as histórias não devem ofender nenhum leitor; não devem conter palavrões explícitos, que poderão ser substituídos por sinais convencionais; não devem conter sugestões de imoralidade; devem evitar controvérsias quanto à religião, raça ou política; devem evitar cenas de violência com mulheres, crianças e animais; não devem incentivar o crime, que será sempre punido (FURLAN, 1984: 27).

Uma forma alternativa para os syndicates pode ser agência, como na ideia de uma empresa distribuidora, que atualmente atua em mais frentes, como aspectos mercadológicos e proteção dos direitos autorais (MARQUES, 2011: 99). No Jornal Folha da Manhã (que futuramente iria compor o grupo jornalístico do Jornal Folha de São Paulo ) na década de 1930 estão impressos algumas das primeiras tiras do King Features no Brasil, comprovando ser de longa data a associação entre esses dois grupos.

Em suma, o quadrinho Hagar é um documento acerca de uma época de muitas transformações na conjuntura estadunidense das décadas de 1960 e 1970, em que seu criador, Dik Browne, a partir de sua expressiva e longa carreira e da representação seus de personagens em sua arte, por uma via crítica e ao seu modo, apresentou os valores, ideias e formas de organização da sociedade que viveu e observou.

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