II Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional Mestrado e Doutorado , RS – Brasil - 28 setembro a 01 de outubro.

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA REGIÃO DE VACARIA

Glória Silvina Lia Fernández Molina. 1

RESUMO

Esta pesquisa visa abordar a questão do desenvolvimento sustentável da região de Vacaria. O desenvolvimento regional é concebido, aqui, como um processo articulado e aberto para fora ( para o global) e para dentro ( para o local). Este trabalho tem como objetivo elaborar um diagnóstico econômico para o Município de Vacaria, a partir da estrutura produtiva interna e do estoque de Recursos, bem como estabelecer estratégias de ação para a formulação de um plano de desenvolvimento local. A metodologia utilizada por nós é o estudo de caso. Analisaremos as condições vigentes no município de Vacaria para o cultivo e a exportação da maçã. Até agora os resultados conseguidos, através da pesquisa, são os seguintes: A economia do Município de Vacaria é uma das mais importantes do norte do Estado. Sem dúvida o maior responsável pela importância econômica é sua participação na produção da maçã. A pecuária tr adicional ocupa a maior parte das terras sendo o rebanho bovino o que mais contribui com a economia do Município. Na área de educação destaca-se a presença da Universidade de Caxias como um pólo de progresso e desenvolvimento. No município de Vacaria convi vem a indústria local junto a indústrias multinacionais. Nos últimos anos esse município de Vacaria se transformou em um pólo de atração regional, já que durante a safra muitos trabalhadores se deslocam de diversas partes do país para efetuar a colheita da maçã. As particularidades do desenvolvimento da Região de Vacaria responderiam aos seguintes fatores: a influência da imigração italiana nos campos de Vacaria, a atividade econômica desenvolvida na região com base agropecuária, a localização e importância do Município no .

1 Mestre em Desenvolvimento Regional. Professora da Universidade de ..e-mail: [email protected]

ABSTRACT

This work approaches the sustainable regional development in the region of Vacaria. The regional development is considered here as an articulated process that is open both to the outside (to the global) and to the inside (to the local). This work elaborates an economic diagnosis for the region of Vacaria starting from the internal productive structure and the stock of resources available. We also establish a strategy of action for the formulation of a local development plan. The methodology used in this work is the case study. We analyze the conditions to the growing and exportation of apples. Up to this moment we have obtained the following results: the economy of Vacaria is one of the most important in the north of Rio Grande do Sul, with no doubt its economic importance comes from Vacaria’s participation in the apple production. Traditional cattle breeding occupies the largest portion of land, and the bovine herd is the one which most contributes to the municipality’s economy. In the area of education, the University of Caxias stands as a center of progress and development. In Vacaria there are local industries and multinational companies. In the last years Vacaria became a regionally important center, since many workers from different parts of the country travel to this place to help in the apple harvest. The development of this region was due to the presence of the Italian immigration; the economy based on the agriculture and cattle breeding, and the strategic place where the region is located in the state of Rio Grande do Sul.

INTRODUÇÃO

Duas grandes tendências complementares e, aparentemente, contraditórias, podem ser observadas no mundo contemporâneo. Por um lado observa-se uma crescente transnacionalização dos espaços econômicos. De outro lado, constata-se a decorrente regionalização dos espaços sociais. Temos assim um processo de desenvolvimento conformado pelo denominado processo de globalização econômica (produtiva e financeira) direcionado pelas grandes empresas transnacionais. Neste processo encontramos a primazia do econômico, sendo os outros aspectos da vida humana considerados como um meio para a obtenção do máximo lucro. Como conseqüência da globalização os Estados nacionais acabam impotentes, não conseguindo executar sua própria política monetária, pressionados pelas gigantescas dimensões dos mercados

financeiros privados cujo poder especulativo torna ineficientes grande parte dos instrumentos da política econômica tradicional.

Com o avanço da informática, apareceu um fenômeno conhecido como globalização, definindo-se tal termo como a expansão global dos mercados. A mundialização do capital trouxe como conseqüência a ampliação das fronteiras e a produção em escala. O avanço da tecnologia ajudou a produzir mais e atingir maiores ganâncias. Os países do primeiro mundo avançam em direção aos países do terceiro mundo em busca de seus recursos naturais para explorá-los e usar sua energia. Os governos se sentem em muitos casos enfraquecidos devido a excessiva dependência dos países centrais. Com a presença das multinacionais e ante as promessas de oferecimento de empregos para favorecer o desenvolvimento da região, as regiões se transformam em nós de uma extensa rede, sentindo -se muitas vezes impossibilitadas de reagir contra ações depredatórias da natureza.

Por outro lado, reaparece todo um processo de regionalização sócio-cultural que se caracteriza: primeiro, pela defesa dos recursos ambientais (naturais) e culturais; e segundo, pela busca de alternativas para sobreviver ao processo de globalização. Num primeiro momento, as iniciativas se caracterizam pela resistência, pela defesa, conformando estratégias defensivas. Num segundo momento, poderá ou não ocorrer a adoção de ações ativas e cooperadas que poderão configurar estratégias baseadas nos “recursos” naturais e culturais de cada espaço (localidade, municipalidade, região, estado, nação, outros).

Nesse contexto aparece a questão do desenvolvimento sustentável . Sustentabilidade como reconhecimento de diversidades, tanto no que respeita ao caráter ambiental, quanto cultural. Sustentabilidade compreendida como o conjunto de alternativas múltiplas que uma região dada tem, a partir de suas diferenças culturais e ambientais, de se inserir no processo de globalização, potencializando seus recursos. Assim, a sustentabilidade, caracteriza-se primeiro, pela defesa dos recursos ambientais (naturais) e culturais; e, segundo, pela busca de alternativas para sobreviver ao processo de globalização.

A noção de sustentabilidade está ligada à formação de um novo paradigma desenvolvimentista. Este novo paradigma surge de um lado, a partir do esgotamento do paradigma científico cartesiano-newtoniano, que presidiu o surgimento da ciência moderna no século XVII. O que caracteriza o paradigma cartesiano-newtoniano é a concepção atomista da realidade e da ciência, o mecanicismo, e a matematização do mundo natural (LENOBLE, R. 1990). Esse paradigma levou a conceber a natureza como uma fonte inesgotável de recursos para ser explorados, e a separar o homem da Natureza.

Por outro lado, a percepção de vários fatores que tornam a civilização contemporânea claramente insustentável (BECKER, D. 1996, (A)) levou também a considerar a necessidade de um novo padrão de desenvolvimento. Entre estes fatores destacamos:

- crescimento populacional humano de forma desordenada - depauperamento da base de recursos naturais - sistemas produtivos que utilizam tecnologias que poluem o ambiente e possuem baixa eficácia energética. - valorização da expansão ilimitada do consumo material - destruição dos sistemas de sustentação da vida - a aposta constante nos resultados da tecnociência para minimizar os efeitos causados pelo crescimento econômico continuado e a qualquer custo.

Desenvolvimento sustentável aparece ligado a qualquer intento de estabelecer qualquer política de desenvolvimento neste fim de século. Principalmente é preciso apresentar a definição de desenvolvimento sustentável para poder estabelecer uma discussão: “O desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de que as gerações futuras atendam suas próprias necessidades”. (Comissão mundial sobre o meio ambiente e desenvolvimento, 1991).

É imprescindível atender as necessidades básicas não satisfeitas dos países em desenvolvimento. Vivemos num mundo onde a brecha entre ricos e pobres é cada vez mais aberta. Prolifera a injustiça social e a quantidade de pessoas mal alimentadas e sem

vivendas adequadas cresce cada vez mais. Para que exista desenvolvimento sustentável é preciso atender e satisfazer as necessidades básicas dessas pessoas.

Também é necessária uma mudança dos padrões do consumo dentro dos padrões ecológicos aos quais todos possamos aspirar. Para que exista desenvolvimento sustentável é condição necessária, mas não suficiente, a existência de crescimento econômico. “O verdadeiro desenvolvimento é um crescimento econômico que se traduz em melhoras nos níveis social e ambiental” (Sachs, I., 2004).

Podemos observar muitos países que apresentam indicadores econômicos altos e ao mesmo tempo essa riqueza está concentrada na mão de poucos. É necessário que as sociedades atendam as necessidades humanas aumentando o potencial de produção e oferecendo a todos as mesmas oportunidades.

Porém, não basta aumentar a produção sem ter em conta os recursos naturais. É preciso olhar para o futuro empregando uma tecnologia adequada que permita o uso desses recursos mas sem depredar à própria natureza. Nos países em desenvolvimento e em países desenvolvidos aparecem os problemas da excessiva utilização dos recursos naturais provocando poluição ambiental, resíduos industriais altamente poluentes, manipulação genética, devastação das florestas. Para que exista um desenvolvimento sustentável é necessário reduzir os efeitos negativos sobre a qualidade do ar, da água e dos outros elementos naturais para manter a harmonia do ecossistema global.

Nesse sentido Bertha Becker (1988) (c) estabelece três princípios básicos na busca da sustentabilidade: primeiro, o princípio de eficácia no uso de recursos através da utilização da informação e de novas tecnologias em atividades e produtos capazes de consumir menos matérias primas, energia em menos tempo e que são passíveis de reutilização. Segundo, o princípio da diferença professa a necessária inovação contínua pela diversidade de mercados e recursos, bem como por condições sociais e políticas que potencializam, de modo diverso, os recursos locais, gerando a valorização máxima e seletiva das potencialidades autóctones em recursos naturais e o capital humano. Terceiro, o princípio de descentralização, implicando não apenas a distribuição territorial da decisão, mas, sobretudo, em uma nova forma de planejamento e governo. (Becker, B., 1988) (c)).

Como conseqüência dessas observações, a gestão do território está baseada na parceria entre todos os atores do desenvolvimento através da discussão direta, as normas e ações são estabelecidas e responsabilidades e competências são definidas. Portanto, a região cumpre um papel fundamental neste processo de estimular o desenvolvimento sustentável.

O desenvolvimento sustentável exige uma mudança na forma de crescimento, que deveria ser menos intensivo na utilização de matérias primas e energia e mais eqüitativo no seu impacto. As mudanças precisam acontecer em todos os países por meio de uma série de medidas a serem implantadas para manter a reserva do capital ecológico.

Para que exista sustentabilidade, a satisfação das necessidades do ser humano e o aumento da qualidade de vida devem ser prioritários. Também é necessário proteger os grupos menos favorecidos que vivem em áreas ecológicas vulneráveis. Na hora de realizar um projeto é necessário medir as conseqüências futuras.

Dai advém a necessidade e a possibilidade de se conceber as estratégias de desenvolvimento das regiões do Rio Grande do Sul, como um projeto fundado na cultura, na natureza e nos valores ético-ideológicos das regiões. E, por isso, pode e deve ser um projeto diferenciador e alternativo (BECKER, D, 1999, p.100) (b) Neste processo as universidades comunitárias gaúchas, por seu caráter regional, têm um papel de primeira ordem.

No entanto, uma região, para que exista de fato, tem que ser construída socialmente a partir de laços comuns, de traços de identidade que se expressam no âmbito do cultural, do econômico e do político, que permitam vislumbrar desafios comuns à comunidade envolvida. Construir socialmente uma região significa potencializar sua capacidade de auto-organização, transformando uma sociedade inanimada, segmentada por interesses setoriais, pouco perceptiva de sua identidade territorial e definitivamente passiva em outra, organizada, coesa, consciente de sua identidade, capaz de se mobilizar em torno de projetos políticos comuns, ou seja, capaz de transformar-se em sujeito do seu próprio desenvolvimento. (Etges, V., 1998).

1. A região de Vacaria sob um olhar diferente

Regiões que apresentam altos índices de crescimento econômico não apresentam necessariamente índices sociais altamente positivos. Justamente pela brecha existente entre regiões prósperas e regiões estancadas, e pelas grandes desigualdades sociais existentes devemos estudar cada região como um todo, analisando cada parte para poder obter interessantes conclusões.

O caráter abstrato e teoricista, de algumas concepções das teorias de desenvolvimento, acaba por deixar de lado o que deveria ser o objeto da teoria: a explicação das diferenças específicas dos processos de desenvolvimento, essenciais para descobrir as distintas dinâmicas dos processos de desenvolvimento. (Oliveira,C., 1985).

É nesse sentido que esta pesquisa se desenvolve, buscando as características próprias de cada local, de cada região, de cada espaço. Por esta razão, vale destacar as palavras de um pesquisador preocupado nesta questão.

São as especificidades locais e regionais que possibilitam um desenvolvimento diferenciado e diferenciador. Se isso pode ser tomado como verdade, como pressuposto, cada local e cada região procuraria potencializar suas especificidades. Isso quer dizer que cada espaço (local, regional, nacional) passaria a considerar a cultura, a natureza, o humano como um valor. Enquanto valor (o humano, a natureza, a cultura) deveria ser valorizado. Isso implicaria considerar a natureza, o humano como sujeitos. Enquanto sujeitos a relação entre ambos acabaria em transformações não só quantitativas mas, principalmente, qualitativas (Becker, D., 1996, p.57) (a).

Nesse sentido é relevante analisar a questão das diferenças dentro da região de Vacaria estudando as diferentes possibilidades e potencialidades que a região oferece. São abundantes os estudos realizados para detectar os elementos determinantes de um processo de desenvolvimento, porque se verificam disparidades dos níveis de bem-estar social existentes no mundo dividido entre nações ricas e pobres. Estas mesmas diferenças são detectadas no âmbito das economias nacionais e as economias regionais. (Tambara, E., 1983).

Conforme Ribeiro, C., (1988), o conceito de desenvolvimento está associado a uma nova opção como uma nova via estratégica e uma nova ideologia. Este conceito envolve no só o crescimento econômico como também as dimensões ambientais, sócio- culturais e as políticas institucionais do processo de desenvolvimento.

O conceito de local e de global, em economia espacial, pode ser chamado regional ou internacional. Não é apenas uma oposição entre o objeto de estudo, mas uma oposição de métodos (BENKO, G., 1999). O “meio local” possui características físicas e humanas próprias, ele é caracterizado por uma “personalidade regional”, que se expressa em instituições e em uma atmosfera peculiar. Na base dessa personalidade, uma região acha-se em relação com outras regiões.

Semelhante tipo de abordagem centra-se na estrutura interna de um espaço e explica suas relações com outros espaços. Ao contrário, a abordagem global define as regiões por suas posições numa estrutura mais vasta. A região aparece aqui como o produto do inter-regionalismo. Esta abordagem global exprime-se freqüentemente por meio dos conceitos “centro” e “periferia”.

No entanto, a abordagem local a uma região pressupõe, como condição necessária, porém não suficiente, uma representação das relações da região estudada com outras regiões. E essa interpretação não pode ser feita fora de uma leitura socioeconômica do que está acontecendo hoje na economia global.

Há consenso unânime de que estamos assistindo ao esgotamento do chamado modo de desenvolvimento fordista. Esse padrão de desenvolvimento estava caracterizado, entre outras coisas, pela produção em série, por relações trabalhistas rígidas e pela presencia do welfare state (estado providência). A crise do fordismo favoreceu certa renovação de interesse pelas teorias que haviam conhecido seu período de glória durante a primeira metade do século e que com posterioridade foram eclipsadas devido ao domínio das concepções keynesianas. Muitos economistas que se situam em perspectivas teóricas diversas foram buscar nessas teorias elementos de explicação para a crise atual. São elas que servem de referência aos ciclos econômicos . A primeira grande síntese sobre os ciclos econômicos foi apresentada pelo economista russo N.D. Kondratieff. Baseando-se numa análise dos movimentos dos preços de

atacado em vários países industrializados, ele propôs uma cronologia das flutuações longas que caracterizaram a evolução dessas economias desde a Revolução Industrial. Os trabalhos de Schumpeter deram conteúdo explicativo às teorias de Kondratieff. Schumpeter, Joseph (1985) destaca o papel central desempenhado pela inovação tecnológica na dinâmica do sistema econômico. Schumpeter, J.,( 1985) propõe um modelo original no qual explica que, a partir da difusão completa das inovações anteriores, o lucro líquido é nulo. No nível desse estado de equilíbrio, os empresários são estimulados a inovar. Se essa pressão é geral, daí podem resultar conjuntos de inovações que organizam complementariedades entre produtos, processos de produção e espaços geográficos.

Estas interpretações não deixam de ter seu mérito, em particular no contexto atual de crise de modo de produção fordista. Elas fazem da inovação, assim como de seu financiamento pelo recurso ao crédito, o motor do desenvolvimento econômico. Em sua ausência prevaleceria a simples reprodução tal como a teorizavam Karl Marx (1985) e León Walras. Contrariamente ao que sugerem as teorias keynesianas, não seria oportuno para os poderes públicos, freiar a destruição dos setores, produtos e regiões que não acompanham o processo de inovação, pois isso seria entravar a “destruição criadora” que àcondição de um novo surto de desenvolvimento.

As idéias de Schumpeter, J., (1985) permitem explicar a crise do fordismo como o resultado do esgotamento de uma onda de inovação tecnológica nas áreas de indústria automobilística, siderurgia, indústria aeroespacial, petroquímica e setor nuclear. Das crises do fordismo está emergindo um novo paradigma econômico: o modo de acumulação flexível (LIPIETZ,ª, 1986 e 1988). Esse novo modo de produção é caracterizado pela organização flexível da produção, das relações trabalhistas, e dos fluxos financeiros e comerciais.

Neste final de século de aceleração e de condensação do tempo histórico, os imperativos das abrangentes e profundas transformações no sistema capitalista em escala mundial acarretam novas interdependências setoriais e territoriais, redefinindo circuitos produtivos regionais, atualizando e desatualizando fluxos de mercadorias e redes de poder ( Brandão, C., 1996).

As profundas transformações verificadas no quadro mundial da atualidade e o conseqüente redesenho da geografia econômica mundial colocam uma agenda de importantes questões que devem fazer parte do debate acerca do papel das nações e principalmente das regiões.

A crescente importância da escala planetária na organização da economia, das finanças, das redes de poder tem, paradoxalmente, reforçado a importância das decisões nas escalas regionais e locais. O recrudescimento dos nacionalismos, regionalismos e localismos, obriga-nos a encarar novos problemas e novos aparatos conceituais para a pesquisa regional (Castro,I., 1994, p.158 ).

A partir desta representação do que está acontecendo hoje, podemos abordar a questão do desenvolvimento regional, no caso específico, do desenvolvimento da região de Vacaria, tentando identificar oportunidades e propondo estratégias de desenvolvimento.

2. A região de Vacaria e sua história

A fixação do elemento humano na região que deu origem à atual cidade de Vacaria decorreu de um plano de expansão portuguesa para o sul facilitado pelos caminhos criados para o comércio de gado. Em 1740 já existiam moradores espalhados pelos Campos de Vacaria, estabelecidos como posseiros, sem títulos de formalidades legais de posse de terra. No ano de 1800, a Freguesia aparece nos mapas cartográficos do Rio Grande do Sul, ligada a Santo Antônio da Patrulha. No que se refere a sua população nas serras de 1847 ela possuía 2.012 habitantes livres, sendo 1.064 mulheres e 1.036 homens. No ano de 1850, a freguesia se converte em Vila. Já no ano de 1890, ela aparece nos mapas desmembrada de Santo Antonio da Patrulha. (Borges, M., 2001).

O caráter inicial da formação e da evolução de Vacaria é dado pela grande quantidade de gado existente em sua extensão. A estância tem caráter decisivo na formação social, política, econômica e urbana de Vacaria, pois garantiu a predominância da propriedade latifundiária e deu um aspecto urbano grotesco, a princípio, para a cidade. Ela funcionava apenas como centro abastecedor e domicílio para dias de festas para seu habitante principal: o estancieiro (Borges, M., 2001).

Cabe destacar que Vacaria constitui uma região dentro de Rio Grande do Sul que sempre se caracterizou como fornecedor de produtos primários para o centro do país. A

base da economia de Vacaria sempre foi a pecuária. Então vai sofrer também com os ciclos da economia do estado e do país. A economia também tem reflexo na cultura e na organização social de uma região. Os fazendeiros de origem lusa, no Rio Grande do Sul eram latifundiários e criadores de gado.Na província sulina, no século XIX, constituíram uma classe. Das suas fileiras saíram os governantes provinciais, sendo também detentores do poder dominante de do poder hegemônico. A utilização da mão de obra escrava marcou não só a base da produção colonial como a provincial. (SLOMP, L., 2001).

Quando os italianos vieram para Vacaria houve importantes mudanças. Os imigrantes tinham outra mentalidade, outra atividade econômica. As pequenas propriedades das colônias foram compradas e nelas adotaram a policultura e a mão de obra familiar como base de produção. Porém, foram os imigrantes que se submeteram à cultura gaúcha. Foram eles que mudaram, ao se mudar para as fazendas dos campos de Vacaria. (SLOMP, L., 2001).

Nesse sentido, os italianos imprimiram seu selo a Vacaria. Vacaria recebeu no início do século XX imigrantes italianos. Eles se instalam com hotéis, casas de pasto, casas de secos e molhados e ainda são mão-de-obra que vai impulsionar o desenvolvimento e a expansão urbana da cidade.

Outra característica particular dos novos habitantes da região foi a ocupação de pequenas propriedades voltadas em especial à agricultura. Conforme a Rottini Giselda (2001), em Vacaria existem pouquíssimos minifúndios, ela caracteriza-se pelo latifúndio. Os italianos não contribuíram para fazer desaparecer essa tendência.

No inicio do século XX, Vacaria ainda é chamada de Vila, já que se transforma em cidade em 1936. A partir de 1940, instalaram-se no Município de Vacaria mais de uma centena de serrarias que iniciaram a exploração de Madeira acontecendo o primeiro marco da atividade industrial. Todos estes fatores trazem à Vacaria um grande impulso de crescimento econômico, possibilitando sua expansão urbana.

Os italianos contribuíram para o surgimento da indústria. Mas devemos levantar uma questão importante em relação ao desenvolvimento sustentável. A industrialização

da madeira trouxe consigo desenvolvimento econômico, mas também destruição da mata de pinhais. “A ação predadora das serrarias às vezes trazia um certo progresso econômico a uma determinada região. Eram construídas casas, galpões, escolas e pensões. Enquanto eram mortas as matas, tudo parecia viver. Terminado o corte, a serraria mudava de lugar e com ela a vida econômica”.(SLOMP, L. 2001). Isto quer dizer que qualquer alternativa econômica de progresso por melhor que seja não vai substituir os danos provocados no meio ambiente. A história acaba demonstrando que o crescimento econômico tem que ser acompanhado por respeito à natureza. O homem tem que conviver em uma relação harmônica com o meio que o circunda.

No final dos anos 60 as serrarias começam a fechar e a cidade entra em depressão. Esta depressão também está aliada à conjuntura. Vacaria precisou buscar alternativas e surge o incentivo à produção agrícola em especial ao cultivo da maçã que merece um capítulo especial.

3. O cultivo da maçã como alternativa de desenvolvimento sustentável

O município de Vacaria, com 4.741 Km quadrados de área, situa-se a 241 km de . Limita com Antonio Prado, Bom Jesus, Caxias do Sul, Esmeralda, Lagoa Vermelha, , São Francisco de Paula, São Marcos e Santa Catarina. A estimativa da população residente por situação de domicílio para o ano de 2003 é de uma população total de 59.035 habitantes. O produto bruto interno para o ano de 2001 é de R$ 401.926.611 e a renda per capita é de R$ 6.942. Outro dado relevante que ocupa o sétimo lugar no IDESE total do estado (Índice de Desenvolvimento Socioeconômico).

O IDESE é um índice sintético que abrange um conjunto amplo de indicadores socioeconômicos com o objetivo de mensurar o grau de desenvolvimento dos municípios do Estado, adotando-se o mesmo critério aplicado pela ONU em seu índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Desta forma são considerados os índices nos blocos de Saúde, Educação, Renda e Saneamento.

A Tabela 1 apresenta os resultados para os 10 melhores municípios em 2001. Segundo o Idese total, a maior parte da renda desses municípios é gerada na indústria ou

no setor serviços. Com exceção de Sarandi (019,86%) e Vacaria (29,24%), nos demais municípios a participação da agropecuária é inferior a 5%. Dos 497 municípios do Estado, são considerados como de alto desenvolvimento: Caxias do Sul, , , , Porto Alegre, Bento Gonçalves e Vacaria.

Tabela 1. Os dez primeiros municípios segundo o IDESE total no Rio Grande do Sul.

Municípios Índice Ordem População PIB (1000) Ordem Caxias do Sul 0,830 1 367.185 5.088.903 3 Canoas 0,820 2 309.788 6.576.353 2 Campo Bom 0,813 3 54.643 1.135.890 13 Esteio 0,812 4 80.930 948.393 17 Porto Alegre 0,806 5 1.371.082 10.164.445 1 Bento 0,806 6 90.564 1.220.002 11 Gonçalves Vacaria 0,803 7 57.896 401.927 46 0,796 8 89.215 777.964 21 0,793 9 15.814 323.507 57 Sarandi 0,788 10 18.310 161.013 99 RS 0,751 Fonte: FEE, 2001.

Do ponto de vista econômico a região se apresenta como tendo um desenvolvimento razoável, mas na questão da distribuição da renda ainda tem muito para melhorar.

Vacaria tem hoje uma economia equilibrada merecendo destaque a agricultura e a indústria com vários investimentos na área agrícola. Na área de educação destaca-se a presença da Universidade de Caxias do Sul como um pólo de progresso e desenvolvimento. O Campus de Vacaria atrai não só alunos da cidade como de regiões próximas e de cidades de outros estados como o caso de Lajes. A presença da Universidade representa uma peça importante na questão do desenvolvimento já que a educação se vê fortalecida e a própria vida universitária também movimenta vários setores da economia da região.

Nos últimos anos a produção de maçã tem se tornado uma das melhores alternativas para o minifúndio ou para pequenas propriedades porque num quadro comparativo com demais culturas, a maçã demonstra uma rentabilidade por área bem maior. Como os pequenos agricultores geralmente não ocupam as melhores áreas cultiváveis, eles têm que optar por um produto que possa ser produzido em terras menos férteis. Mesmo assim, uma opção de cultivo para estes pequenos agricultores nos últimos anos foi a implantação de pomares de macieiras(SOARES, F.,1996).

Os anos 70 testemunharam um declínio acentuado na importância da pequena produção e uma redução das taxas de crescimento da produção, pois a expulsão das culturas produtoras de alimentos simples para terras menos férteis, foi acompanhada pela expulsão de seus respectivos produtores, os quais foram para as cidades. Foram para os centros urbanos, pois, como pequenos agricultores não tinham acesso ao crédito rural subsidiado. Por estas razões a década de 70 presenciou um aumento da importância da pequena produção, pois neste período a oferta de alimentos básicos tornou-se mais dependente das possibilidades efetivas da pequena produção (RECH, L., 1986).

A partir desse momento, incrementou-se o crédito rural principalmente outorgado pelo Banco do Brasil favorecendo assim o pequeno produtor e desta forma evitando o êxodo rural.

A implantação da cultura da maçã na Região Nordeste do Rio Grande do Sul e em especial na região de Vacaria começou no inicio da década de 70, mas foi por volta de 1979 que começou a existir uma produção mais significativa, e hoje, a cultura da maçã atingiu um estágio tal que as safras atuais permitem abastecer 90% do consumo nacional.

Verificou-se uma expansão da área cultivada da maçã. Essa expansão deve-se à intensificação na plantação de macieiras, tanto por parte de agricultores, que introduziram a cultura da maçã como alternativa na diversificação ou substituição da produção, como pelas industrias que passaram a cultivar maçã devido aos incentivos do governo.

Também houve um crescimento da área plantada e um aumento do número de produtores. Assim também houve um aumento da produtividade já que os produtores e indústrias trabalham com técnicas avançadas e mudas selecionadas. A seguir vamos analisar dados correspondentes ao valor de produção da maçã em relação aos outros produtos.

Tabela 2. Agropecuária : Quantidade Produzida e área colhida. Produto Área colhida Quantidade Rendimento Valor da (t) MÉDIO Produção (kg/há) Uva 80 1080 13.500 6.480 Maçã 4.000 480.000 120.000 1.584.000 Milho 6.000 15.000 2.500 180.000 Soja 13.000 27.300 2.100 204.750 Trigo 3.000 8.700 2.900 82.650. Fonte; Anuário Estatístico do Rio Grande do Sul. F.E.E. Ano de 1995

A produção original de subsistência tem sido a uva, a maçã, o milho, a soja e o trigo. Sem dúvida o maior responsável pela importância econômica é a maçã. Esse dado é confirmado pelo valor de sua produção e pela extensão da área recolhida e plantada em relação aos outros cultivos.

Também se confirma a importância da maçã no setor industrial já que a indústria de produtos alimentares participa significativamente no número de estabelecimentos industriais e com o número de empregados segundo os dados a seguir na tabela 3.

Tabela 3. Número de estabelecimentos e empregados na indústria de transformação em Vacaria. Gênero Nro. Estabelecimentos Empregados. Minerais não metálicos 12 44 Metalúrgica 20 405 Mecânica 1 2 Matérias. Elétricos 3 3 Materiais Transporte 8 231 Madeira 42 576 Mobiliário 12 12 Papel e Papelão 2 1 Materiais Plásticos 1 2 Vestuário 35 162 Produtos alimentares 31 447 Fonte: Anuário Estatístico de Rio Grande do Sul,1995. F.E.E.

Um dado significativo através de entrevistas com a população local é que a maioria da renda está concentrada nas mãos de poucos. Um problema que se estende a todo Brasil. Comparativamente, os salários são significativamente mais baixos que na região de Caxias. Dado que fica demonstrado nas estatísticas porque na renda per capita ocupa o lugar 354 na lista de municípios.

CONCLUSÃO.

A pesar de ser uma região estagnada, Vacaria buscou alternativas para conseguir um desenvolvimento sustentável. A história de Vacaria nasce com a pecuária e com a classe social típica que caracteriza essa atividade econômica. Pelas características da região era um lugar destinado para funcionar como economia de subsistência providenciando matérias primas para o resto do Estado. Más ante a falta de oportunidades a região começou a diversificar sua economia em outros sentidos. Em uma primeira tentativa foram aproveitados os recursos disponíveis. Desta forma começaram a funcionar serrarias: uma atividade que em primeira instância beneficiou à região, mas com o tempo provocou danos ao meio ambiente. Ou seja, num primeiro momento Vacaria não respeitou o meio ambiente e a região sofreu com as

conseqüências da exploração indiscriminada de madeira. Posteriormente, ante a crise econômica que vivia a cidade, surgiu uma mudança e uma alternativa para o desenvolvimento sustentável. O cultivo da maçã mudou a estrutura e o contexto da região. Podemos afirmar que existe um crescimento econômico sustentável quando aquele não provoca danos sociais nem ambientais. Em certo sentido a região de Vacaria cumpre com o desenvolvimento sustentável porque mesmo não estando situada nas primeiras posições do Estado em relação ao crescimento econômico, apresenta índices muito bons referentes ao desenvolvimento socioeconômico.

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12 - LENOBLE,R. História da idéia de Natureza . Lisboa: Edições 70, 1990

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21- ROTTINI, G., CARNEIRO, I., RECH, Z. A vinda dos Italianos para Vacaria.Vacaria, 2001.( Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Caxias do Sul)

22- SACHS, Ignacy. Economia e meio ambiente . Isto é, São Paulo, 25 de junho.2004. Número 1811.

23- SCHUMPETER, J. Teoria do desenvolvimento econômico . São Paulo: Abril Cultural, 1985.

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26- TAMBARA, Elomar. O desenvolvimento regional desigual (um estudo de caso). Porto Alegre: UFRGS, 1983 (a) (Tese de conclusão de curso de Pós-graduação em Economia rural e Sociologia rural)

27- TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.