Cadernos de Estudos Africanos

26 | 2013 Em torno das Práticas Desportivas em África

Nuno Domingos e Augusto Nascimento (dir.)

Edição electrónica URL: http://journals.openedition.org/cea/1105 DOI: 10.4000/cea.1105 ISSN: 2182-7400

Editora Centro de Estudos Internacionais

Edição impressa Data de publição: 5 dezembro 2013 ISSN: 1645-3794

Refêrencia eletrónica Nuno Domingos e Augusto Nascimento (dir.), Cadernos de Estudos Africanos, 26 | 2013, « Em torno das Práticas Desportivas em África » [Online], posto online no dia 02 dezembro 2013, consultado o 24 setembro 2020. URL : http://journals.openedition.org/cea/1105 ; DOI : https://doi.org/10.4000/cea. 1105

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Este número dos Cadernos de Estudos Africanos debruça-se sobre o desporto em África, olhando a sua história e as suas dinâmicas contemporâneas. Reflete, pois, o curso das investigações sobre um fenómeno presente no contexto das práticas do lazer e da evolução da cultura popular no continente. O interesse por este tema, até há pouco considerado marginal, traduz o reconhecimento da sua importância, não apenas enquanto objeto autónomo e merecedor de um olhar específico, mas também como instrumento para aceder a outras esferas do conhecimento sobre a história da África colonial e pós-colonial. Este volume dos Cadernos de Estudos Africanos pretende, desde modo, não apenas acrescentar conhecimento sobre realidades até aqui pouco exploradas, mas igualmente sugerir a discussão dos processos constitutivos da história de diversos países e regiões. Os vários artigos dialogam com temas que pautam o incremento dos estudos sobre África. A história colonial será talvez o mais significativo. O estudo do desporto é um meio privilegiado para examinar as relações entre colonizadores e colonizados, as formas de poder, a formação de grupos sociais, os processos de exclusão e incorporação social, também traduzidos nos mecanismos de acesso ou de interdição do lazer. Pelo enfoque no desporto acede-se às vivências de grupos sociais menos estudados. Relativamente ao contexto pós-colonial, abordam-se questões como a segregação racial, a construção de sociabilidades juvenis, a transição para a vida adulta e, ainda, o poder de construção identitária revelado pelo desporto. Hoje, no continente africano, as práticas e os consumos desportivos constituem-se como linguagens por intermédio das quais se expressam projetos e aspirações.

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SUMÁRIO

Nota Editorial

Em torno das Práticas Desportivas em África Nuno Domingos e Augusto Nascimento

Artigos

Following the ball: African soccer players, labor strategies and emigration across the Portuguese colonial empire, 1949-1975 Todd Cleveland

Etnia e raça no desporto beirense da época colonial. O caso dos “sino-moçambicanos” Eduardo Medeiros

Tourisme sportif et identités : Les pratiquants de canoë en Zambie Antoine Marsac

‘Meta-societies’ and ‘play communities’. The function of play to Liberian youth football players Holly Collison

As corridas de cavalos na colônia alemã do sudoeste africano (1884-1914) Sílvio Marcus de Souza Correa

Managing racial diversity: Positional segregation in South African in the post- apartheid era Bernard Cros

Das bancas de matraquilhos ao “campo dos caranguejos”, dos estádios aos terreiros: campos de jogos num espaço microinsular do tempo colonial ao pós-independência Augusto Nascimento

Entrevista

“Dos Subúrbios da Lourenço Marques Colonial aos Campos de Futebol da Metrópole”, uma Entrevista com Hilário Rosário da Conceição Nuno Domingos

Recensões

Augusto Nascimento, Marcelo Bittencourt, Nuno Domingos, Victor Andrade de Melo. Esporte e Lazer na África: Novos Olhares Todd Cleveland

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Nota Editorial

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Em torno das Práticas Desportivas em África

Nuno Domingos e Augusto Nascimento

1 Os artigos presentes neste número dos Cadernos de Estudos Africanos sobre as práticas desportivas em África resultam de comunicações apresentadas na II Conferência Internacional O desporto e o lazer no continente africano: Práticas e identidades, organizada pelo CEA do ISCTE-IUL, e de uma chamada para contribuições lançada a 8 de Agosto e encerrada a 15 de Novembro de 2012.

2 Na esteira do trabalho que, desde há anos, investigadores de diversas nacionalidades vêm dedicando ao desporto em África, a organização de um número dos Cadernos de Estudos Africanos devotado a esta temática, tanto à sua história quanto às suas dinâmicas contemporâneas, revela a evolução das investigações sobre um dos fenómenos mais presentes no contexto das práticas do lazer e da evolução da cultura popular no continente africano. O interesse por temas até há pouco tempo considerados marginais reflete o reconhecimento da sua importância, não apenas enquanto objetos autónomos e merecedores de um olhar específico, mas também como instrumentos que facultam ao investigador um acesso singular a outras esferas do conhecimento, oferecendo perspetivas novas sobre debates que há muito acompanham as pesquisas sobre a história da África colonial e pós-colonial. Este volume dos Cadernos de Estudos Africanos pretende, deste modo, não apenas acrescentar conhecimento sobre um conjunto de realidades até aqui pouco exploradas, mas igualmente discutir, a partir destes estudos, processos constitutivos da história de diversos países e regiões. Desta forma, apresenta- se também como um convite a novos estudos.

3 Os artigos aqui presentes dialogam com alguns dos temas que têm vindo a pautar o incremento dos estudos sobre África. A história colonial do continente africano será talvez o mais significativo. O estudo do desporto é um meio privilegiado para examinar as sociedades coloniais, as relações entre colonizadores e colonizados, as formas de poder, a formação de grupos sociais, os processos de exclusão e incorporação social, também traduzidos nas formas de acesso ou nos mecanismos de interdição ao lazer. O enfoque no desporto permite também aceder às vivências de grupos sociais menos estudados, acerca dos quais há menos fontes e informação disponível. Parte dos artigos

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aqui publicados fala de experiências sociais em colónias portuguesas, concretamente Moçambique e São Tomé e Príncipe. Estes artigos acrescentam algo a trabalhos desenvolvidos recentemente sobre a história do desporto nos vários contextos do colonialismo português, como se disse, durante anos um tema largamente negligenciado1.

4 Parte da evolução do desporto na segunda maior cidade de Moçambique, a Beira, é explorada por Eduardo Medeiros. O autor mostra-nos como o desporto foi uma prática importante da comunidade de ascendência chinesa radicada na Beira. Com escassas possibilidades de protagonismo local, encontravam no desporto formas de consolidação dos laços no seio do seu grupo e de afirmação social numa cidade que pretendiam tomar como terra de acolhimento. De alguma forma, um claro vínculo étnico ou cultural perpassou as práticas desportivas dos descendentes dos chineses na Beira, revelando, por um lado, apetências decorrentes do lastro cultural que transportavam consigo e, por outro, abertura ao mundo, amiúde maior do que a dos colonos. Ocasionalmente, os moldes de inserção na terra, a capacidade de interiorização do cosmopolitismo e o desempenho desportivo suscitaram velados debates sobre a autenticidade da sua representação de uma terra que os colonos insistiam em querer só para si e sua, dela excluindo quer os africanos, quer descendentes de imigrantes chineses cujo enraizamento se desdobrava em desempenhos simbólicos como os desportivos.

5 No seu texto, Todd Cleveland estende ao mundo do desporto os seus interesses de investigação sobre o universo laboral no contexto colonial português. As trajetórias dos jogadores de futebol moçambicanos entre os seus locais de origem e os clubes de futebol na metrópole possibilitam interrogar o modo como eles encontraram nas possibilidades concedidas pelo campo desportivo um meio de mobilidade social. Este percurso laboral, que levou à metrópole alguns dos talentosos jogadores de futebol que representaram a seleção nacional portuguesa, apresenta características únicas no quadro colonial português, já que foram poucos os trabalhadores africanos que conseguiram um percurso equivalente a estes desportistas. Todd Cleveland procura perceber não apenas os percursos destes homens até saírem de Moçambique, e como se relacionam com os dispositivos de controlo colonial, mas também todo o seu processo de adaptação à realidade urbana e desportiva da metrópole. Este texto, para além de oferecer uma análise do sistema de relações coloniais em Moçambique, nomeadamente nas suas principais cidades em mutação apesar da aparência de imobilismo devida ao colonialismo, permite também interrogar a sociedade metropolitana que acolheu estes atletas.

6 Ainda a propósito de Moçambique, Nuno Domingos entrevista um dos jogadores moçambicanos que mais se destacou no futebol português. Hilário Rosário da Conceição nasceu no bairro da Mafalala em 1939. A sua aprendizagem do futebol nos terrenos vazios do subúrbio de Lourenço Marques vincou-lhe o talento necessário para que, aproveitando o contexto de semiprofissionalização do futebol em Lourenço Marques, suficientemente forte para desafiar o bloqueio racial que caracterizava a organização do campo desportivo, Hilário viesse a jogar no campeonato da “baixa” da cidade e, depois, a transferir-se para o Sporting Clube de , de Lisboa. A partir da sua condição de “mulato de segunda”, como se autodenominou, iniciou um percurso raro de mobilidade profissional. Hilário relatou todo um conjunto de experiências pessoais que são importantes para interpretar não apenas as lógicas dominantes no processo de

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formação de práticas e consumos desportivos, em Moçambique como na metrópole, mas também os significados de uma época política e social.

7 No caso de São Tomé e Príncipe, elegem-se os campos de futebol como objeto original para interrogar na história das ilhas, desde o período colonial até à actualidade. A partir das narrativas proporcionadas pelas estórias de diversos campos de futebol, construídos em momentos diferentes e usados por pessoas e grupos distintos, conseguimos aceder a um conjunto de dinâmicas históricas e sociais por que passou São Tomé e Príncipe nos últimos cem anos. Neste trabalho sobre o arquipélago, o percurso histórico e a análise social são acompanhadas por um extenso acervo fotográfico, que permite oferecer à interpretação novas camadas de significados, como que desafiando a ver como as diversas morfologias dos campos de futebol indiciam diferentes movimentações e mudanças sociais.

8 Ainda sobre o período colonial, mas já fora dos territórios portugueses, Sílvio Correa analisa os usos e funções das associações desportivas que promoviam corridas de cavalos na colónia alemã do sudoeste africano (atual Namíbia). As corridas de cavalos, argumenta o autor, vincavam a reprodução das diferenças políticas e sociais no mundo colonial. O colonialismo alemão perseguia uma inequívoca separação racial, na circunstância, materializada numa das mais elitistas manifestações desportivas. Mas não haveria fissuras nesta quase intocada separação de europeus e africanos? Se as corridas de mulas serviam para rebaixar os africanos, a verdade é que acabaram por ser admitidos jóqueis africanos nas corridas de cavalos, porventura por o desejo de ganhar se sobrepor ao da separação racial. Isto sucedeu no sudoeste africano alemão como em muitas outras regiões africanas, onde o desporto tomou muitas vezes a vanguarda no processo de rompimento de barreiras raciais.

9 O contexto pós-colonial, já presente no texto de Augusto Nascimento e na entrevista a Hilário da Conceição, ocupa os restantes textos. Questões como a segregação racial, a construção de sociabilidades juvenis e a transição para a vida adulta e, ainda, o poder de construção identitária revelado pelo desporto são abordadas noutros artigos. Hoje, no continente africano, como noutros contextos, as práticas e os consumos desportivos constituem-se como linguagens por intermédio das quais se expressam projetos e aspirações.

10 Antoine Marsac analisa os usos sociais da canoa na Zâmbia. Para o fazer reconstrói a história da canoagem e, fundamentalmente, do seu significado durante o período colonial. Este trabalho inicial serve-lhe para interrogar os usos contemporâneos e o modo como se relacionam com a negociação da identidade nacional. Em torno das práticas da canoagem, ecos de visões passadistas – ligadas, concretamente, a arquétipos coloniais – conflituam com a visão emancipada dos locais, ainda assim sujeitos à mudança dos seus modos de vida e dos seus valores em função das pressões comerciais ancoradas na prática desportiva. A lembrar a oportunidade de abordagens interdisciplinares – implicando, por exemplo, uma etnografia dos canoístas e a sociologia das práticas desportivas –, o autor aborda a diferenciação social, a heterogeneidade cultural, as clivagens entre indivíduos e grupos de alguma forma envolvidos no que, sendo uma prática desportiva para uns, é, para outros, uma reminiscência das agressões e da sobranceria do colonialismo. A este propósito, a globalização seria uma continuidade do colonialismo e as disciplinas desportivas veios de insinuação da ideologia liberal e de uma transformação social forçada.

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11 Bernard Cros apresenta um artigo sobre o râguebi na África do Sul. Mais concretamente, o autor procura analisar a continuidade de lógicas de segregação racial nesta prática desportiva mesmo após o fim do regime racista do apartheid. O râguebi, como explica Cros, foi desde sempre o desporto conotado com o nacionalismo boer, e nomeadamente com as políticas de apartheid. Em contraste o críquete afirmou-se fundamentalmente como o desporto vinculado à herança colonial britânica e o futebol à grande maioria negra. Após o fim do apartheid, a vitória sul-africana no Mundial de râguebi de 1995, que organizou, foi considerada uma forma de negociar o lugar deste jogo de brancos na nova África do Sul. Cros argumenta, no entanto, que o fim de uma discriminação formal, que afastava os jogadores não brancos dos campos e das bancadas, permanece sob outras modalidades. Neste seu texto, o autor centra-se na análise da distribuição dos jogadores pelas várias posições do jogo. Este exame permite- lhe considerar que existe na África do Sul uma “segregação posicional” que afasta os jogadores negros dos lugares considerados mais relevantes para a decisão do jogo, remetendo-os a posições periféricas. Esta descoberta, baseada numa completa análise das equipas que atuam em diversas ligas sul-africanas, permite-lhe afirmar que as lógicas de segregação racial se continuam a reproduzir. Perguntar-se-á, por quanto tempo resistirá esta inércia às mudanças na sociedade sul-africana e aos ditames da competição desportiva?

12 O artigo da antropóloga Holly Collison resulta do trabalho de campo realizado na Libéria. A análise é relevante para a compreensão da centralidade do futebol nas práticas de lazer em inúmeras cidades africanas. O seu foco é a importância da prática do futebol para a juventude masculina liberiana no contexto posterior à guerra civil. O futebol, sugere a autora, é o meio mais evidente da participação dos rapazes e homens numa sociedade urbana e massificada. Ao acompanhar uma equipa de futebol jovem de um centro comunitário em Matadi, nos subúrbios da capital Monróvia, a autora apercebeu-se das funções do jogo no quadro da transição destes jovens para a vida adulta. Segundo Collison, o jogo de futebol proporciona a criação de uma meta- sociedade e de uma “comunidade de jogo” onde os jovens atletas encontram uma arena de negociação desse processo de transição. Afastados de lugares de decisão e estatutariamente marginais, estes jovens criam uma “sociedade do campo de futebol” onde definem papéis e recompensas, onde podem, beneficiando das funções permitidas pelo jogo, reconfigurar por alguns momentos o seu lugar social.

13 Este conjunto de textos evidencia a pluralidade de significados culturais, sociais, económicos e políticos associados às práticas desportivas em África. Indicia igualmente as possibilidades de investigação acerca das eventuais implicações das práticas desportivas na recomposição social que, sob várias formas, está em curso no continente africano. Marzano, A., & Nascimento, A. (2013). O esporte nos países africanos de língua portuguesa: Um campo a desbravar. Tempo, 17 (34), 53-68. In http://www.historia.uff.br/tempo/site/wp-content/ uploads/2013/06/v17n34a06.pdf (acedido em 31 de outubro de 2013).

Nascimento, A. (2013). Desporto em vez de política no São Tomé e Príncipe colonial. Rio de Janeiro: 7Letras.

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NOTAS

1. Veja-se uma resenha de vários trabalhos sobre o desporto nas ex-colónias portuguesas em Marzano & Nascimento (2013). Sobre São Tomé e Príncipe, ver também Nascimento (2013).

AUTORES

NUNO DOMINGOS Instituto de Ciências Sociais - Universidade de Lisboa, 1600-189 Lisboa, Portugal [email protected]

AUGUSTO NASCIMENTO Instituto de Investigação Científica Tropical, Centro de História, 1349-007 Lisboa, Portugal [email protected]

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Artigos

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Following the ball: African soccer players, labor strategies and emigration across the Portuguese colonial empire, 1949-1975 Seguindo a bola: Jogadores africanos de futebol, estratégias de mão de obra e emigração através do império colonial português, 1949-1975

Todd Cleveland

EDITOR'S NOTE

Recebido 7 de novembro de 2012; Aceite 24 de julho de 2013

1 When superstar soccer player Eusébio left the field following Portugal’s 2-1 defeat to England in the 1966 World Cup semifinals, he was awash in tears, fiercely clutching his red and green jersey – the national colors of Portugal (Figure 1). Yet, Eusébio was neither born nor grew up in the Iberian nation; instead, a Mozambican, he was one of the many Africans who made their way from Portugal’s colonial territories to the metropole to ply their athletic skills from the late 1940s to the end of the colonial era in 1975.1 Like Eusébio, many of these African players performed spectacularly on the field, significantly elevating the play of their respective club teams and vaulting the Portuguese national team to unprecedented levels.

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Figure 1: Eusébio leaving the pitch following the loss to England

2 While both Eusébio and Portuguese everywhere grieved following the squad’s exit from the 1966 World Cup, known as “Game of Tears,” the country was simultaneously engaged in far graver matters. Since the early 1960s, Portugal had been actively attempting to suppress armed insurgencies in three of its five African colonies: Angola (1961), Guiné (1963) and Mozambique (1964); the other two, Cape Verde and São Tomé, were relatively quiet. Unlike other European colonizing nations, Portugal’s dictatorial regime intransigently resisted international pressure to decolonize, locking itself in a struggle to retain its African possessions. The government’s insistence on the territorial – and, thus, racial – integration of the metropole and Portugal’s African colonies was central to its public relations campaign intended to legitimize, and thereby maintain, the empire. As such, the inclusion of African players, such as Eusébio, on Portugal’s national soccer team afforded the regime an opportunity to highlight the supposed unity of the metropole and the colonies, the opportunities for social mobility that its African colonial subjects allegedly enjoyed, and the attendant racial harmony that this integration purportedly fostered.

3 Drawing upon colonial archival sources, popular media, and interviews with former players and coaches, this article examines the experiences of these African athletes as they relocated to Portugal from 1949 to the end of the colonial era in 1975, attempted to negotiate this politically-charged environment and strove to consolidate their post- soccer futures.2 Through an historical reconstruction of this process, I highlight the host of social challenges and legal restrictions that these players were forced to negotiate upon arrival in Europe. In response to these metropolitan trials, I contend that despite the otherwise extraordinary nature of these individuals’ lives, their (re)actions suggest strong continuities with, and affinities to, well-established African labor strategies, including seeking occupational advice from more senior employees (i.e. fellow players) and engaging in secondary migration in order to improve working and living conditions. The article also argues that the multi-faceted process of cultural assimilation that helped players adjust to their new surroundings commenced in the urban, “colonized spaces” of Africa and, thus, well before they ever set foot in Portugal. Most players’ overt, unflinching apoliticism – a corollary of their long-term social

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improvement objectives – suggests that they actively and strategically sought to assimilate and, thus, integrate socially, or at least to cultivate this perception.

4 Scholars have increasingly been engaging with topics related to soccer and Africa, generating a nascent, yet growing, body of literature – a process that the recently- concluded World Cup in South Africa has accelerated. This trend is also evident in the Lusophone context, with this article poised to make an important contribution to this emerging corpus.3 Although the on-the-field accomplishments of African players who migrated to Portugal during the colonial era have previously appeared in a number of homages – virtual hagiographies – this study is the first to consider these athletes’ daily experiences beyond the stadium walls, far from the droves of cheering spectators and laudatory biographers.4 In fact, this article constitutes the initial academic engagement with this otherwise renowned stream of migrant athletes.5 This belated endeavor stands in sharp contrast to the considerable scholarly attention that Africans who played in during the colonial period and, in particular, their radical political activity, have heretofore received.6 While my study is informed by this scholarship, it carves out novel analytical space by linking these (generally apolitical) migrants’ destination and place(s) of origin not through revolutionary politics, but via durable labor strategies and the extended process of cultural assimilation. Ultimately, I am to utilize these players’ experiences to illuminate the largely cosmetic and limited nature of Portugal’s labor and social reforms – even as they were applied to, arguably, the nation’s highest-profile wage-earners – and also some of the ways that Africans could creatively exploit opportunities generated by shifts in the social, occupational and political landscapes in the waning decades of the Portuguese empire.

The origins of soccer in Portugal’s colonial empire in Africa

5 As in other imperial settings, soccer was introduced into Portugal’s African empire by the “standard agents” of colonialism: missionaries, administrators, merchants, corporate officials, soldiers and settlers. The game spread from port cities, such as Luanda, in Angola, and Lourenço Marques (Maputo), in Mozambique, to the hinterlands, often along roads and railway lines, but also through missionary schools. Africans throughout the empire embraced the game, though it remains unclear whether Portugal’s colonial regime deliberately intended soccer to “civilize” the indigenous populations. However, the sport did – inadvertently or otherwise – at various moments subdue, discipline, inculcate and even demean local populations. As Stoddart (1988) has argued, the games themselves were “instruments of socialization, infusing discipline… respect for hierarchies and rituals” (p. 480). As such, soccer came to play an important role in Portugal’s campaign of cultural imperialism, a key pillar in the broader process of empire. If Europeans colonized Africa, as the maxim goes, with a gun in one hand and a bible in the other, perhaps they were also kicking along a soccer ball, a third hegemonic tool.

The introduction and embracement of soccer in the colonies

6 Soccer appears to have initially been introduced into Portugal’s African colonies at the end of the 19th century. By the early 20 th century, the sport had gained significant

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traction. In Mozambique, for example, by 1904 games were already being organized, while local groups were apparently challenging the crews of ships docked at Lourenço Marques, the colonial capital (Domingos, 2007, p. 41). From these promising beginnings, leagues were formed and increasing numbers of Africans were exposed to and subsequently embraced the sport. It was in these rudimentary leagues and in a variety of less formal, or even impromptu, matches that the African players who would one day showcase their skills in the metropole first learned the game.

The growing allure of metropolitan soccer

7 While the distance between the dusty pitches in Africa and the manicured fields in the metropole was both literally and figuratively immense, radio and newspapers brought Portuguese soccer to the continent. Initially, these accounts were primarily consumed by the European settlers. However, after African players began relocating to the metropole, news about Portugal’s Primeira Divisão was of increasing interest to all. Via this process, African players and fans developed allegiances to the major metropolitan clubs, including Sporting, Benfica and Belenenses. Over time, affiliate clubs bearing the same, or very similar, names and virtually identical uniforms were established in the colonies, providing African players and fans a tangible means of connecting with their more famous parent teams.

8 In order to further increase the popularity of metropolitan football, Portuguese clubs began touring the colonies, playing exhibition matches during the off-season against local squads to large, adoring audiences. Lanfranchi and Taylor have referred to these trips as “propaganda tours,” while Darby has interpreted them as “having resonance beyond football… as part of the broader drive to promote colonial hegemony” (Lanfranchi & Taylor, 2001, p. 178; Darby, 2007, p. 502). Yet, the metropolitan clubs occasionally failed to play their part, as the supposedly culturally and athletically inferior teams from the colonies periodically won, at times by wide margins. Regardless of the final scores, these tours both enhanced the Portuguese clubs’ popularity in the colonies and provided African hopefuls an opportunity to showcase their skills in the hopes of making a lasting impression on a prospective employer.

No accident: the discovery of African talent

9 If matches between African and metropolitan clubs constituted one way that players could hope to be “discovered,” or to “get fished” (the local idiom), the limited number of these competitions militated against this method of ascension. Instead, an alternative system evolved in which metropolitan clubs established informal, and then formal, scouting networks in the colonies to identify future stars. Even the top-tier colonial clubs began searching for African talent, hoping to sign and then sell these players to Portuguese squads. Players hoped to attract the attention of these observers by excelling at the local level, working their way up the hierarchy of domestic leagues and, thereby, increasing their exposure. Thanks to the keen eyes of these scouts and, more importantly, the formidable skills of the players they were tracking, Africans increasingly featured – and succeeded – at the very highest levels of both the Portuguese and international soccer world.

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The revised rules and strategies of an established game

10 For all of the latent talent in Portugal’s colonies, it took a particular set of historical factors, circumstances and events to prompt African players’ relocations to the metropole. One of these contributing factors was, as outlined above, the embarrassment that Portuguese clubs experienced when they lost to local squads during their tours to the continent. Meanwhile, between May of 1949 and May of 1955, the Portuguese national team, or selecção, won only three times in twenty matches and, moreover, failed to win a single game in the seven matches it played from June 1957 to 1959. In the wake of these humiliations, individuals within Portuguese soccer circles began to consider the utilization of skilled Africans as a means to boost not only the prospects of metropolitan clubs, but also the national team. Yet, for all of the concerns about competitiveness on the pitch, global political pressures were to prove even more influential in prompting the Portuguese government to alter both labor and migration policy as it related to these talented Africans.

11 By the 1950s, the “winds of change” had begun to blow across the continent, with England granting its Gold Coast colony (Ghana) independence in 1957. By the 1960s, these breezes had turned to gusts, with a succession of colonies transitioning to independent states. Yet, while the British, French and Belgians all abandoned their colonial projects, the Portuguese regime clung ever tighter to its empire. In a bid to stress the indivisibility of the colonies and the metropole, in 1951 the regime recast these possessions as “overseas provinces,” suggesting that they were as integral to Portugal as were areas of the metropole. This obstinacy and artifice did not, however, come without political cost. With much of the globe entering the post-colonial era, Portugal’s stance was becoming increasingly anachronistic. Moreover, the global left, led by the Soviet Union, and, by the 1960s, inclusive of the large number of newly independent, left-leaning African states, was openly condemning Portugal’s perpetuation of empire and, more specifically, the racist policies in its colonies. Even staunch allies, such as the United States, were privately imploring Lisbon to relax statutory controls in the empire. This mounting pressure, and attendant growing international isolation, ultimately impacted the regime’s regulatory ethos, especially after the outbreak of wars of independence in Angola, Mozambique and Guiné in the early 1960s.

12 From 1949, and then more earnestly in the 1950s and 60s, Portugal began to disregard the existing travel restrictions that applied to indigenous populations in order to facilitate the employment and relocation of African soccer players to the metropole.7 These racially integrative adjustments dovetailed with its broader efforts to mollify international critics of all ideological persuasions, as well as Portugal’s increasingly discontented colonial subjects. Yet, while the regime incessantly stressed unity with the “overseas provinces,” it never loosened its grip on the empire. Regardless, via these measures, Portugal could now showcase a national soccer squad that allegedly evinced a genuinely multi-racial nation, or at least racial tolerance and acceptance, replicating France’s earlier efforts to racially integrate its club and national teams. The alleged “benefits of colonialism” were now fully on display. Irrespective of the specific motivations for Portugal’s shift in policy, African players were newly able to pursue remunerative opportunities that would have previously been unimaginable due to the

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institutionalized racism that characterized Portugal’s colonial project. This shifting attitude towards African labor was manifested in the high levels of responsibility that these individuals assumed for both club and national teams (Figure 2). Indeed, many African-born players captained these squads well before the end of the Portuguese colonial era – a belated acknowledgement that nationality could be defined by culture rather than race or provenance.

Figure 2: Portugal’s starting eleven at the 1966 World Cup, which featured four African players: Hilário and Vicente Lucas (standing, 4th and 5th from the left) and Eusébio and Coluna (kneeling, 3rd and 4th from the left)

Geographic and social mobility?

13 By relaxing this aspect of its colonial policy, the regime was now positioned to trumpet “rags to riches” narratives in which Africans rose to the highest levels of Portuguese society via their athletic acumen. However, the social mobility that Eusébio and other players embodied is somewhat misleading. In practice, many of the emigrating soccer players were members of an extremely small, semi-privileged minority in Portugal’s colonies, known as assimilados, or “assimilated.” Until 1961, when the regime abandoned this classification, individuals who were deemed sufficiently Portuguese in regards to language, culture, religion, etc. could apply for this designation, which, in turn, afforded them a special, intermediate legal status. These individuals typically benefited from otherwise rare educational opportunities and were, often times, the offspring of Portuguese fathers and African mothers, known as mestiços. In 1950, although less than one percent of Africans in Portugal’s empire were officially “assimilated,” almost ninety percent of mestiços were (Bender, 1978, p. 151). It’s no coincidence that many of the players who relocated to Portugal derived from the mixed race population.8

14 Given these players’ social backgrounds, many of them aspired not for athletic glory, but for careers as engineers, doctors, or other “respected” professions. From a young age, these players’ parents, many of whom were employed as functionaries in the

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colonial government or in private business, had stressed education as the route to success. And, simply put: soccer threatened to derail these ambitions. The case of Miguel Arcanjo, who was born in Angola in 1932 to an Indian father and African mother, is illustrative of this scenario. His father worked as a civil servant in the treasury department and even as the family moved around the colony, Arcanjo was continually enrolled in school, hoping to one day become an engineer. Even as soccer steadily seduced the young Miguel, his father refused to sanction this career path, though he was, himself, an ardent Benfica fan. Only after the director of the treasury department, who also happened to be the president of Sporting, intervened, did Arcanjo’s father finally relent. In 1950, Arcanjo joined FC Porto, the club for which he would go on to be a star. The experience of Mário Torres, who was also born in Angola, resembles Arcanjo’s. Having a Portuguese father and Angolan mother enabled this future Académica de Coimbra legend to hone his soccer skills in a series of schools in the colony. Testimony from Torres underscores his elevated social status in colonial Angola: Most didn’t live through the colonial period in Angola like I did. It was a different world… There were restrictions, but those restrictions disappeared if you had money, status, and a house, but if you didn’t have any of these it was a bad situation. I was blessed to have a father who never let me miss out on anything. I had access to schooling and other great things; however there were a lot of people that were in terrible situations. Going to secondary school wasn’t something common; it was uncommon to be able to even start high school. At that time there were only two places in Angola one could go for secondary school (M. Torres, individual statement, June 23, 2011).

15 Domingos’ work (2007) confirms that many of the Mozambican players who made it to Portugal had similar social origins and he has compellingly argued that “The ones who benefited most from the opportunities granted by (local) football clubs… were the ones who already had some resources, namely in terms of education, to give them access to the European world” (p. 239). Testimony from Hilário, a former player originally from Mozambique, confirmed that many players enjoyed a (relatively) privileged social status, even if he, himself, had very humble origins. “There were many players who lived well in Lourenço Marques and only came to Portugal because they wanted to play for a club ‘that mattered’ and for the recognition” (Hilário, individual statement, October 19, 2010).

16 If many of these players didn’t lack financial resources, many other practitioners who weren’t as fortunate missed out on the opportunity to realize their athletic dreams. Often times, the inability to afford shorts, socks and shoes, mandatory accessories when playing in the elite colonial leagues, blocked talented players’ ascensions. Moreover, in 1956, a colonial law newly required minimum schooling for players to participate in advanced leagues, which severely prejudiced individuals from less privileged backgrounds (though the law was flouted when the talent on display was sufficiently prodigious). Given these restrictions, many potential soccer greats never had the chance to showcase their skills at the highest levels. While not all players came from relatively privileged backgrounds, nor did being an assimilado or mestiço in the colonies preclude significant social and economic challenges, many African players’ migration to Portugal constituted a form of geographical, rather than social, mobility, as they were moving from one advantaged environment to another.

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From the colonies to the metropole: arrival and life in Portugal

17 Irrespective of an individual player’s socio-economic background, these athletic migrants all faced a uniform challenge: the journey to the far-removed metropole. Most players traveled via boat, which took weeks, causing many of them to languish during this extended trip, fretting about what lay ahead, seasick, or simply bored/restless. Upon arrival, players received a variety of welcomes. For highly-touted signings, Portuguese media were typically on hand to chronicle the proceedings and quiz the prospective star; in other cases, players arrived without any fanfare whatsoever. The sponsoring clubs assumed the role of surrogate parents for these new arrivals, making all of the necessary arrangements for their African signings in order to help mitigate the transition. Most players settled in well, focusing on improving their soccer skills, even if many had to wait before they broke into the first team, often initially spending time with their clubs’ reserve teams. Other players, however, struggled due to injuries, homesickness, inadequate skills, or some combination thereof. In every case, though, the players remained grateful and gracious and sought companionship with their new teammates as they negotiated life in Portugal.

18 In order to safeguard their investments, the various metropolitan clubs that facilitated these players’ migration to Portugal strove to reduce opportunities for conflict, confrontation and culturally-based confusion. Upon arrival, often following small press conferences, club officials typically whisked players away to “team houses,” at which the athletes would reside during their tenure with the club. As Eusébio explained: When I arrived in Portugal in 1960, Benfica already had a house called the “Benfica House.” If you played for Benfica and were single, you went there. When I arrived at the airport, I went straight to the Benfica house and I had my own room there, and there was always someone who took care of the domestic work. We had television and other games, and it felt like our home. If we had a game on Sunday, we would all stay in the house, married players too, starting on Friday, so we would all be together… The close contact with all of your teammates created a sense of union. Everyone knew each other, talked to each other every day, went to practice together every day, went to the movies together, had dinner together and then watched some television. At 11:00 p.m., someone would turn off the lights and we would all go to bed (Eusébio, individual statement, October 28, 2010).

19 The situation for Hilário, who played for Sporting, was much the same, although his club didn’t initially have a facility similar to the one that Benfica provided. I left Mozambique in 1958… and when I arrived in Portugal there were vacant rooms for us in the homes of old ladies (presumably widows) for any unmarried players, so Sporting would pay for us to stay in those rooms and those old ladies would also cook and clean for us. Later, Sporting built a Sport Center, and then all the single players would stay and eat there, while the married players would come on Thursdays to sleep during the “concentration time” leading up to the games (Hilário, individual statement, October 19, 2010).

20 Once the players settled in to their respective accommodations, they found life off the pitch to be alternately rewarding and trying. Their salaries afforded them pleasant lifestyles and the very best of them, including Eusébio and , among others, achieved legitimate celebrity status. Most of the players embraced recreational activities such as going to the cinema or the theater, reading or going to the beach. Listing his “likes” and “dislikes” in 1960, Benfica star Santana, for example, appreciated

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Ava Gardner, blondes and dressing well, but didn’t care for Elvis Presley, films that made him cry and fado, a traditional Portuguese music genre (Santana, 1960)9. Similarly, Matateu cited his love for the cinema and, in particular, film stars Fred Astaire and Elizabeth Taylor, though he also professed admiration for Amália Rodrigues, the most celebrated fado singer in history (Matateu, 1961).

21 But, life away from the pitch was not all movies and music. Most players missed home and generally disliked the weather, which was comparatively quite cold during the winter. José Maria, who arrived in December of 1962 from Luanda to play for Vitória de Setúbal underscored this climatic challenge: It was cold in Lisbon! Of course, I knew it was going to be colder here, but I never imagined it would be this much colder. I was clenching my jaw like someone who was facing an armed man. That negatively affected my career when I first got here. I wanted to run the field but I couldn’t because I could feel the cold wind touching my skin like razor blades… Little by little, I began to acclimate, but in December of ‘62 I thought I was going to die (José Maria, 1969).

22 Even more than tropical climates, players missed their friends and families. For most of these athletes, travel home was really only feasible when their new clubs toured the African colonies. As such, longings for home colored these players’ lives in the metropole. For example, when asked during a 1968 interview what the happiest moment of his life was, Calado, who starred for Benfica, responded “To return to Lourenço Marques, after four years away. Four years that seemed like centuries. The hugs of my parents and friends made me cry” (Calado, 1968).

23 African players generally meshed well with their Portuguese teammates, but primarily relied on each other for day-to-day camaraderie. Outings took them to cinemas, theaters, the beach, or out for coffee or a meal. Eusébio explained that, in Lisbon, I had Hilário, Mascarenhas, Pérides, Matateu and Vicente (Matateu’s brother). We used to get together in a café, and people began calling it the “players’ café.” We used to meet there to talk, have a coffee… and then went to see a movie. It was one of our pastimes (Eusébio, individual statement, October 28, 2010).

24 Although these players all hailed from Africa, it is important to note that they played for different teams in and around the city, suggesting that they considered it important to seek each other out to socialize, despite their diverse club affiliations. Testimony from Mário Torres, who played in the city of Coimbra, in central Portugal, indicates that this phenomenon was neither exclusive to Lisbon nor limited to soccer players. We all helped each other, if I left my place I knew I could go grab coffee at Montanha with the other Africans… At that coffee shop, all of us from Africa would get together either to just have lunch, or if anyone needed anything or needed to solve any problems that’s where you would go (M. Torres, individual statement, June 23, 2011).

25 In Coimbra, as in Lisbon, a handful of African students who had been permitted to come to the metropole for higher education were also present and, when time permitted, the athletes openly mixed with their fellow countrymen.

26 Although players predictably missed their relatives and other facets of their now distant homelands, the combination of: their comfortable living and working arrangements; the paucity of Africans residing in Portugal during this period; and their appreciation of the material benefits that their scenarios offered them and, by extension, their families, often engendered a genuine adoption of their new

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environment. In fact, many players married Portuguese women and, after their playing days concluded, opted to remain in Portugal.

Pre-adjustment: cultural assimilation in colonized spaces

27 While Portuguese wives/girlfriends, teammates and club officials helped African players adjust to their new surroundings, this process of cultural acculturation and assimilation had actually begun prior to their arrival in the metropole. Virtually all of the African clubs with which these players had been affiliated featured Portuguese coaches, and were also all invariably located in urban areas, the loci of European colonization. Consequently, every one of these future migrants – irrespective of their individual social backgrounds – spent time in “colonized spaces” and were, therefore, exposed to Portuguese customs and values prior to leaving the continent. For mestiço players with a Portuguese father present, the process of assimilation had begun even earlier and was inherently deeper. Testimony from Mário Wilson, a mestiço soccer star- cum-coach from Mozambique, highlights how his upbringing aided his transition. “I didn’t have any difficulty with the weather or food, I sort of already belonged here, having the father I had and everything” (M. Wilson, individual statement, October 29, 2010). Regardless of how, or how early, players’ familiarity with Portuguese culture commenced, this exposure helped them in the transition upon reaching the metropole and, thereby, continue the process of assimilation.10

28 The game itself also contributed to this process. With Portuguese coaches increasingly serving as the teachers/transmitters, it is easy to understand how Portuguese conventions, protocols, values and beliefs were transmitted through the sport. As Magode (2005) has contended, within the soccer clubs and associations in colonial Lourenço Marques, “Command of Portuguese… (and) the adoption of a European lifestyle… were valued qualities” (p. 119). As African players ascended the ladder of colonial clubs, their entrance into the core of colonial space required reverence, patience and, to a certain extent, humility – traits that had not been as essential in their previous athletic experiences.

29 The Portuguese coaches also demanded that players become more tactical, more calculated and, thus, less spontaneous and creative on the pitch. They also demanded a more professional approach to the game, in general, stressing practice, fitness, game plans and strategies, and preparatory routines. Some observers lamented these developments, averring that it stifled the creativity that Africans had brought to the game. However, testimony from former players suggests that they appreciated the benefits of this athletic regime. According to Hilário, On almost all of the teams the coaches were Portuguese… we had a good “school” system for soccer. When I left Mozambique at the age of 19, I was already able to play for Sporting and the (Portuguese) national team… In the colonial time, the soccer formation was better, the Portuguese coaches maximized our skills. When we got to Portugal, we could play for Porto, Benfica, Sporting, and now if the best player from Mozambique comes here he would have to play in the second or third division (Hilário, individual statement, October 19, 2010).

30 The athletic discipline that these players experienced in the colonies was vital, as soccer was to become even more demanding upon reaching the metropole. As Jacinto

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João expressed, and many other players echoed: “In Portugal, practice was every day and very hard… there’s no doubt that professionalism is not a joke” (Jacinto João, 1969). Notwithstanding the arguable suppression of a uniquely African playing style, the new approach to the game served the players well when they arrived in the metropole. The new stress on discipline and professionalism fed the process of occupational and cultural acculturation that commenced prior to their departure and, thereby, helped facilitate their athletic and social success in Portugal.

Metropolitan limits and challenges

31 Although these African players could proceed to the highest levels of the Portuguese soccer universe, this universe was, in practice, highly circumscribed. For example, although the Portuguese government had condoned the signing and relocation of African players, these athletes were, almost always, not permitted to seek subsequent employment beyond Portugal’s borders. In other instances, African players received lower salaries than they merited, suggesting an element of racism or, at the very least, exploitation, within Portuguese soccerdom. Finally, as in France, Portuguese clubs, coaches and fans widely perceived African players to be “instinctive” and “reactionary,” and thus ill-suited to play positions that required careful, strategic thought and calculation – a supposed preserve of white players (Lanfranchi & Taylor, 2001, p. 176). Only with time and African players’ demonstration of their positional versatility, did these racially derived notions dissipate. Although most African players reported an absence of overt racial discrimination in colonial-era Portugal, racially based challenges, such as those listed above, profoundly shaped the experiences of these emigrants. In practice, although the intra-empire upward labor mobility that the Portuguese regime was touting featured a very high or, arguably, no ceiling, its metaphorical walls were rather narrow and, in practice, strictly delimited.

32 Having secured the services of players who were taking their new clubs and the Portuguese national team to new heights, both the regime and these clubs were determined to keep them in the country. Perhaps no case illustrates this resolve better than that of Eusébio. As a result of his success at the 1966 World Cup, he had attracted suitors from across Europe, only to discover that, António Salazar, the Portuguese dictator, had classified him as a “national treasure,” which precluded employment abroad. When other African players flirted with foreign clubs, they often found themselves under surveillance by the PIDE, Portugal’s vaunted secret police force, promptly assigned to military duty, or otherwise constrained. Often times, the Portuguese clubs themselves simply refused to let players transfer or requested astronomical fees to dissuade interested foreign teams, though it’s unclear how much pressure the regime may have applied to encourage this type of obstruction.

33 Salaries also appear to have favored white, Portuguese players rather than their African teammates, even if exceptions existed. For example, although Eusébio’s transfer fee was the highest ever for an African player at the time, in 1961 he was Benfica’s least expensive player (Dias & Pinhão, 1990, p. 19). A decade later, Eusébio had become the club’s highest-paid player, though during an ugly, public contract dispute in 1969 – after he had established himself as one of the greatest players in the history of the game – he continued to be outearned by some of his white teammates. Less

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sensationally, former Sporting player António Joaquim Dinis, who hailed from Luanda, revealed the hidden, racial compensation bias that existed within Portuguese soccer: The majority of the Angolan players who emigrated to Portugal never felt a sense of satisfaction. Not because they lacked the public’s acceptance, but because of the attitudes and actions of the patrons of Portuguese football. Angolans and Mozambicans have continually suffered shameful exploitation on the part of the “big clubs.” I signed a very inexpensive contract with Sporting. I won the National Championship and the Portuguese Cup; I am a member of the Portuguese national team and, in spite of all this, I had wages that were inferior to the team’s reservists… First, these clubs make promises… that are never fulfilled. And once you sign, you are “a prisoner.” You have to choose between unemployment and a shameful return trip home (Coelho & Pinheiro, 2002, p. 516).

34 Of course, in the political environment of the time, with the colonial wars raging, sentiments of this nature were not openly utterable, forcing African players to accept these unfavorable conditions. To be sure, not all African players felt as exploited as Dinis, or even at all. Regardless, players with remuneration grievances could only safely invoke race as an explanation after the Portuguese dictatorship fell in 1974. In the meantime, club officials were well aware that the terms on offer in the metropole were far superior to those available from African clubs, leaving these players little room to maneuver.

New environment, familiar labor strategies

35 Although the space in which players operated may have been confining, they still managed to pursue a range of occupational strategies to improve their lives and, by extension, those of their family members. If African players largely adapted culturally and integrated socially with only minor difficulties, a series of familiar labor strategies helped them capitalize, to the fullest extent possible, on their new opportunities. In some ways, the superstar status that many of these players enjoyed helps to obscure their reliance on strategies reminiscent of those that Africans in Portugal’s colonies had been employing for decades, if not longer. For example, prior to leaving Africa, many soccer prospects sought advice from players who had already migrated to Portugal, typically inquiring about what wages they should seek and which clubs offered the best working and living conditions. Armed with this information, many followed in the footsteps of athletes who had preceded them, analogous to Africans, e.g. Mozambicans and Angolans, informing themselves and then targeting and traveling to specific mines in South Africa to seek employment. Once established in the metropole, players also sought advice from more experienced teammates when it came time to re- negotiate their contracts. Many players also engaged in secondary migration, subsequently affiliating with a series of different Portuguese clubs, just as migrant mineworkers might switch employers in an effort to improve their lives. Thus, even as these players navigated this drastically different terrain, they fell back on well- established tactics. Despite the drastically different contexts, indigenous laborers throughout Portugal’s African empire would not find these soccer players’ basic occupational or migratory strategies wholly unfamiliar.

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Seeking occupational advice

36 As African players began to attract attention in the colonies, they consulted with friends, family members and, whenever possible, athletes who had already made the journey to Portugal. Established players offered these prospective recruits advice on which clubs offered the best conditions, what salaries to seek and insights into metropolitan life. At times, this type of guidance even crossed racial lines. Courted by Sporting, the club with which he would eventually sign, Armando António Manhiça initially sought advice from Octávio de Sá, a (white) goalkeeper who had previously starred for Sporting before returning to Lourenço Marques. According to a 1964 account, Armando first approached Octávio de Sá for advice, since he already knew football in the big city (Lisbon) so well. He then spoke to his parents. They thought for some minutes, and there was no doubt that separation from their son would be a huge blow, but it was certain that he would begin a better life, which naturally excited them (Armando, 1967).

37 If players were already affiliated with clubs in the colonies that had a parent team in Portugal, they often signed with the metropolitan team. However, this was not always the case. As Eusébio, who played for Sporting de Lourenço Marques, but who signed, somewhat scandalously, with rival Benfica, explained, A player will go to the club that pays more and offers a better contract; it has nothing to do with tradition. For example… Coluna played for Desportivo Mozambique and came to Benfica… It all depended on the terms and conditions offered by the clubs in Portugal (Armstrong, 2004, p. 257).

38 Once in the metropole, African players continued to rely on co-workers (teammates) to help them navigate the new environment and improve their living and working conditions. Although in Eusébio’s case, these interactions went on at the highest levels, his case is illustrative of the support that African teammates could provide: Coluna and I would speak in dialect (when meeting with Salazar, the Portuguese dictator) so he wouldn’t understand us. I would say: “I don’t know him. He is not my father or family.” And, Coluna would tell me not to say anything, so I didn’t, and waited until we returned home… When we arrived there, Coluna explained to me that Salazar was the boss of everything (Eusébio, individual statement, October 28, 2010).

39 In less weighty situations, African players regularly talked with each other, sharing advice about salaries and learning about the conditions at their countrymen’s clubs in order to better understand the relative nature of their own arrangements and, perhaps, to change jerseys.

Strategy in the metropole: soccer and studies

40 Just as African laborers throughout the colonial period strategically relocated, and subsequently engaged in secondary migration to improve their lives, so too did many of these soccer players. In practice, however, the secondary migration paths that these athletes traversed did not always mean simply swapping one team for another. Instead, many parlayed their ability to travel to Portugal to continue their studies in the hopes of receiving an education that would, in turn, serve them well long after their athleticism faded. The pursuit of a degree in higher education was primarily accomplished by playing for Académica, in the city of Coimbra. The club was associated

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with the Universidade de Coimbra, the country’s premier university, and during the colonial era the squad was comprised solely of matriculating students.

41 While Coimbra rarely recruited in Africa, leaving this somewhat expensive endeavor to the major Portuguese clubs: Benfica, Sporting, Porto and Belenenses, Académica became a target for many African soccer players after they arrived in the metropole. In order to reach Coimbra, they requested transfers or loans (common practices in soccer) to Académica from their original clubs. Although the clubs who lost players to Coimbra in this manner understandably disdained this practice, the enrollment of Africans at Portugal’s best university constituted valuable propaganda material for the embattled state and therefore it almost always sanctioned these players’ requests. In fact, it was the regime’s Minister of Education, Pires Lima, a former Académica student-athlete, who first created this provision for players wishing to relocate to Coimbra to pursue a degree (M. Wilson, individual statement, October 29, 2010).

42 One of the first African players to benefit from this new policy was Mário Wilson, who initially signed with Sporting in 1949, but who, by 1951, had transferred to Académica. According to Wilson, Sporting didn’t want me leaving the club, so only after the Minister of Education created the law was I able to leave Sporting to go to Coimbra... With just soccer, you could live well for 5-6 years and then fall off the map… It was a huge risk. Therefore, many players would choose Académica so they could achieve more in their life (M. Wilson, individual statement, October 29, 2010).

43 Although Coimbra offered lower remuneration, paying out “subsidies” rather than salaries, many other Africans relocated to Coimbra pursue their educational dreams, while never abandoning their passion for soccer. Augusto Araújo, for example, an Angolan who first arrived in Portugal in 1956 to play for Benfica, made his way to Académica just two seasons later, loaned out by the Lisbon club. In a 1960 interview, he explained his motivations. Benfica is a great club. And, I am its player… but Académica offers me more possibilities to rise socially, and by studying, a secure future. My ambition has always been to become an engineer. I came to Lisbon with this intention, ready to fight for it and I haven’t relented. I know that through this achievement I will give my parents and brother great happiness (Araújo, 1960).

44 Much less commonly, players came directly from the colonies to Académica. Mário Torres, for example, had attended a high school in Angola at which Coimbra graduates predominated among the faculty. Lacking the type of scouting networks that the “big” clubs had cultivated, Académica was forced to rely on alumni in the colonies to promote their club, namely to athletes who were equally as concerned with their studies. According to Torres: I was playing for the Student Youth team of Villa (high school), which had ties with Académica. It was practically… “Académica in Africa.” The club had the support of the teachers… and they prioritized the academic side… they all used to talk about how great Académica was, and Académica “this and that.” So we… used to hear about Académica as much as people who lived in Coimbra. The dean used to keep telling me that I was going to play for Académica… There was no formal affiliation between the school in Angola and Académica; the only connection between the two institutions was the teachers, because most of them graduated from Académica and they used to tell all of the talented kids that they should play for Académica (M. Torres, individual statement, June 23, 2011).

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45 By heeding the advice of his teachers and administrators and opting to play for, and study at, Coimbra, Torres, and the other African players who similarly made their way to Académica, strategically strove to safeguard their futures well beyond the end of their playing days (Figure 3). In Torres’ case, he enjoyed both a brilliant career on the pitch and, afterwards, a long and successful career as a medical doctor.

Figure 3: Académica’s starting eleven in 1956, which featured three African players: Mário Wilson (far left, standing), Mário Torres (third from left, standing) and Pérides (second from right, kneeling). Both Torres and Pérides came directly from Angola to Académica, in 1949 and 1953, respectively11

Strategy in the metropole: soccer and employment

46 Other African players sought post-soccer security by securing long-term employment, rather than diplomas. This strategy had a long history in the colonies, as local soccer clubs often attracted talented players by offering them salaried jobs, or otherwise helping to arrange employment. Elsewhere, migrant players from Anglophone and Francophone Africa often traveled to England and France, respectively, only after being offered remunerated employment to complement their soccer endeavors. In Portugal, this route took players to Grupo Desportivo da C.U.F. (Companhia União Fabril), an industrial conglomerate located near Lisbon, which required the players on the team that it sponsored to be company employees, and also guaranteed them jobs following their playing days. Unlike Académica, C.U.F. paid salaries that were comparable to those on offer from other teams in Portugal’s top league and was slightly more competitive on the pitch than was the “Team of the Students.” Testimony from Manuel de Oliveira, a Portuguese who both played for and coached C.U.F., explains the appeal of the club/company: (In 1957), I had to find a job (new team) because at that time the (soccer) salaries were small. So I ended up… at C.U.F. and to my understanding it was the fourth strongest club in the country and they employed around 10,000 people. I played until 1962… and I was the captain… Players did like coming to C.U.F. because of the job they were offered also. The job and opportunity to play soccer was a good combination (Manuel de Oliveira, individual statement, October 26, 2010).

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47 Consequently, a number of African players made their way to C.U.F., including Angolan midfielder Ferreira Pinto. After joining Sporting in 1957, he took classes in his spare time, still aspiring to become an engineer following the end of his playing days. Conscious of his long-term future, at one point he considered Académica, but Sporting, although willing to part ways with the discontented player, steered him instead to C.U.F. Pinto excelled at his new club, propelling them to a third place finish in the league in 1964-65, and concomitantly earning a place on the Portuguese national team. While playing for C.U.F. he worked as an office employee and was even offered a contract to assume a management position within the soccer club following his playing days, though he ultimately declined, confident that he now possessed the necessary skills to succeed in the private sector.

48 Although many African players attempted to secure their post-soccer futures by earning as much as possible with their Portuguese clubs, this strategy was risky owing to the relatively small salaries on offer during the colonial period – wages that pale in comparison to the money available today for soccer stars. Many players acknowledged this reality, and consequently sought post-soccer security in classrooms or corporate offices. Although neither Académica nor C.U.F. were consistently competitive on the field, the secondary migration strategies that players employed in order to secure academic and employment opportunities represented foresighted thinking that sacrificed (potential) short-term athletic glory in exchange for long-term financial security.

Negotiating politically-charged environments

49 Just as African players strategically exploited educational and remunerative opportunities in Portugal, they also deftly navigated the politically-charged environments in both the metropole and the colonies that the wars for independence were fueling. Consequently, these athletes were viewed neither as subversives by the Portuguese population nor as political stooges or collaborators by their African brothers who were fighting – and dying – for independence. African players were even able to maintain an air of impartiality despite the fact that many of them donned both Portuguese national team jerseys and military uniforms. Although often internally conflicted, these athletes’ professionalism and determination to improve their lives and the lives of their families underpinned their conspicuous apoliticism throughout this contentious period. There were exceptions, with some players returning to Africa to fight for independence, as was the case in the better-known Francophone context. However, these athletes-cum-freedom fighters were few in number. Instead, even if many players harbored sympathies for the African independence movements, they remained outwardly detached. As Eusébio once famously declared, “I don’t get involved in politics. I don’t like politics. My only politics is football” (Armstrong, 2004, p. 262). As such, despite these players’ allure as potential nationalist symbols for both the Portuguese regime and the various African independence movements, the vast majority of them failed to serve either the insurgencies or counterinsurgency well, while remaining widely respected and admired in both the metropole and the colonies.

50 As soon as these athletes arrived in the metropole, their public statements suggested a disengagement from the continent and a commitment to soccer and family, nothing else. These comments disarmed potentially suspicious Portuguese and also endeared

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the players to the supporters of their new clubs. Opening remarks made by Matateu, who arrived from Mozambique to play for Belenenses in 1951, were typical: “I want to say with much pleasure that in spite of having come from African lands, I feel very ‘belenense’ and that I will do for ‘Os Belenenses’ the best that I can and know how to do” (Rosa, 1961, p. 565). Open admiration for their new country continued as they settled in, often heavily flavored with gratitude, respect, even obsequiousness. For example, three years after arriving to play for Académica, Torres effusively declared in an interview: I was blessed at that time (1956) when destiny wrote in my life’s book the beautiful chapter that I have been living in the beautiful city of the Mondego (Coimbra). Here, I have lived the most beautiful moments of my existence; here I encountered a future, glory, and happiness (Torres, 1959).

51 Apparent sincerity aside, the Portuguese regime could hardly have crafted a more rapturous statement for Torres to recite.

52 Although the regime stopped short of putting words into the players’ mouths, it never missed an opportunity to emphasize the “Portugueseness” of these African athletes. This rhetoric was primarily intended for international consumption, as the regime utilized these players to tailor its image abroad. For example, following the return of Portugal’s squad from the 1966 World Cup, the team was given a parade and honored for their achievements, with each member receiving the silver medal of the Order of the Infante Dom Henrique, a state bestowment designed to distinguish those who bring honor to the name of Portugal abroad. On the occasion, the President of the Portuguese Federation declared, “The World Championship passes, but your effort and sportsmanship endure, making men speak of Portugal in the highest terms during those days when you were able to honor the country” (Ferreira, 1967, p. 158). Meanwhile, the regime had long cast soccer (football) as one of the three pillars of the Portuguese nation, alongside fado and Fátima (Catholicism) – the three “f’s.” (Santos, 2004, p. 93).12 To this end, state propaganda linked Amália Rodrigues with Eusébio: the greatest Portuguese singer with the greatest “Portuguese” soccer player.

53 Yet, not all of these African athletes played their assigned roles. For example, Mário Wilson, the Académica legend, indicated that he regularly discussed African independence with teammates, classmates and others, including Agostinho Neto, Angola’s first president. We (Neto and I) used to meet (in Lisbon, where Neto was studying)… we came many times… to send correspondence to Angola and Mozambique. I began to perceive things that I previously had not, coming to see Mozambique with a new set of eyes (Wilson, 2011, p. 512).

54 In fact, once the colonial wars commenced, Coimbra increasingly became a site for oppositional politics, which certain African players fueled, and no one could completely avoid. Among the dissident athletes at Académica were Daniel Chipenda, Augusto Araújo and França, all of whom would eventually flee Coimbra to return to their native Angola in order to serve in different capacities with the MPLA nationalist movement (Figure 4).

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Figure 4: Street scene in Coimbra, 1958, with Araújo in front, Wilson on the right and Chipenda next to him, in the middle13

55 If Chipenda, Araújo and França abandoned their academic and sporting careers in favor of armed struggle, the vast majority of African players focused on their trade and even completed their mandatory military service without incident. This professional approach, however, should not be understood as complicity with the regime. Rather, these players remained committed to their primary life objectives, which revolved around personal and familial security and well-being, rather than emerging notions of nationhood on the now-distant continent. A passage by Alegi (2004) in reference to a soccer league in apartheid South Africa offers an additional explanation for these players’ focus on soccer, rather than politics. “For many participants… the human desire to compete at the highest level trumped political considerations… Personal development and professional success were immediate motivations” (p. 122). Despite their alluring political utility, Eusébio’s declaration that “I have nothing to do with politics. I am football,” characterized many African players’ approach during the late colonial period (Armstrong, 2004, p. 253).

Conclusion

56 By shifting the focus away from the “exploitative colonial or neo-colonial state,” or “predatory soccer clubs” – recurrent themes in recent African soccer scholarship – to the players themselves, this article has attempted to dispel notions of these athletes as victims. By listening to their motivations and objectives, by considering their social origins and by examining their actions it is clear that they not only reflected, but also actively shaped colonial relationships and policies. Their relationship with the regime was functional for both entities, rather than purely exploitative for either, while even

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its political dimension remained largely undeveloped. By considering these players as laborers, strategically offering their services to employers that provided the most favorable working conditions, both in the colonies and, subsequently, upon arriving in the metropole, these athletes exhibited both highly pragmatic and calculated behavior. As Eusébio’s mother candidly proclaimed after being asked why her son chose Benfica, over other clubs: “Benfica gave ‘big money’.” Thus, studies that sound the alarm regarding the exodus of African soccer players risk ignoring these migrants’ aspirations to compete against the best and, more importantly, to improve their lives and, by extension, those of family members, just as millions of Africans did throughout the colonial era, and continue to do so today.

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NOTES

1. Unfortunately, I have been unable to determine exactly how many players made this journey, though I would estimate that the figure is somewhere in the vicinity of 200. 2. This article focuses on those players who remained in Portugal following the conclusion of their athletic careers, though consideration of those Africans who returned to the continent is also included. Further research will determine whether these two groups of players had analytically divergent experiences as they relate to the article’s central arguments. White players who were born and raised in the colonies, but who similarly came to the metropole to play, also remain outside of the scope of this article. Although they, too, faced challenges in migrating to Portugal to showcase their skills, the absence of racism in their experiences renders them analytically distinct. 3. For example, see works by Nuno Domingos, Nina Clara Tiesler and Marcelo Bettencourt. Conversations I had in Portugal with Lisbon-based scholars Rahul Kumar and Augusto Nascimento also inform this study. 4. For complementary accounts of these players’ sporting accomplishments, see, for example: Aguiar (1968); Silva (1992); Correia (2006).

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5. Two shorter pieces consider African players in Portugal’s colonial empire, however Domingos’ article focuses on the Mozambican appropriation of the game, while Darby is more concerned about the underdevelopment of African soccer as a result of players’ migrations to Europe. See: Domingos (2007) and Darby (2007). 6. See, for example: Lanfranchi & Wahl (1996). 7. Guilherme Espírito Santo, of Angolan descent, played for Benfica from 1936-1944 and again from 1943-1950, but remains outside the scope of this study because he was born in Lisbon and, thus, had a significantly different experience than did the subjects of this article. Documents currently housed at the Ministry of Education in Lisbon capture the regime’s gradual willingness to permit players to emigrate from the African colonies to the metropole. 8. Based upon team photos and my interviews with former players, I would estimate that as many as half of the players were mestiço, though that figure may be somewhat high. 9. None of the ĺdolos do Desporto pamphlets are paginated. 10. For an analogous, though rare, case in which the process of assimilation similarly commenced prior to immigration, see: Choy (2000). 11. Photograph courtesy of the Imagoteca Municipal de Coimbra. 12. Fátima is the site in central Portugal in which, in 1917, apparitions allegedly sent from the heavens appeared. Afterwards, a sanctuary was constructed to commemorate the events and Fátima remains a popular pilgrammage destination and, thus, was used by the regime as a symbol for the country’s religious devotion. For further reading about the “three f’s”, see, for example: Coelho & Pinheiro, 2002, p. 482-483. 13. Photograph courtesy of the Imagoteca Municipal de Coimbra.

ABSTRACTS

This article examines the experiences of African soccer players who relocated to Portugal from 1949 to the end of the colonial era in 1975, attempted to negotiate this politically-charged environment and strove to consolidate their post-athletic futures. I argue that despite the otherwise extraordinary nature of these individuals’ lives, their experiences suggest strong continuities with, and affinities to, well-established African labor strategies, including seeking occupational advice from more senior employees (i.e., fellow players) and engaging in secondary migration in order to improve working and living conditions. The article also contends that the process of cultural assimilation that helped players adjust to their new surroundings commenced in the urban, “colonized spaces” of Africa and, thus, well before they arrived in Portugal.

Este artigo examina as experiências, negociações e a consolidação de carreiras desportivas de jogadores africanos de futebol que se transferiram entre 1949 a 1975 para uma metrópole sitiada politicamente. Apesar das vivências particulares e de certa forma extraordinárias destes indivíduos, uma análise detalhada às suas carreiras indicia a existência de continuidades e similaridades com as estratégias laborais africanas clássicas. Nomeadamente constatou-se o recurso ao aconselhamento profissional de colegas mais experientes (i.e., outros jogadores) e o facto de estas migrações secundárias terem como objetivo a procura de melhores condições de

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vida e de trabalho. Neste artigo demostra-se ainda que o processo de assimilação cultural se iniciava nos “espaços coloniais” urbanos africanos, e que tal contribuiu para minorar o processo de adaptação em Portugal.

INDEX

Palavras-chave: Futebol, Desporto, Imigração, Portugal, Angola, Moçambique Keywords: soccer, sport, immigration, Portugal, Angola, Mozambique

AUTHOR

TODD CLEVELAND Augustana College, Department of History, 61201-2296 Rock Island, Illinois, United States of America [email protected]

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Etnia e raça no desporto beirense da época colonial. O caso dos “sino- moçambicanos”1 Ethnicity and race in colonial-era Beira sport. The case of ”Sino-Mozambican”

Eduardo Medeiros

NOTA DO EDITOR

Recebido 15 de novembro de 2012; Aceite para publicação 14 de outubro de 2013

À memória de Chin Hung Chong (Chonguito)

1 O texto deste artigo é essencialmente uma narrativa sobre a participação desportiva de pouco mais de uma centena de rapazes e de raparigas “sino-moçambicanos”2 dos anos 50 em diante. É a versão simplificada do capítulo relativo ao desporto num livro a publicar sobre este sector da população colonial3.

2 Embora algumas modalidades desportivas, sobretudo o ténis de mesa e o futebol, fossem praticadas no seio da comunidade desde anos mais recuados4, a documentação e os testemunhos orais recolhidos revelam o entusiástico envolvimento desses jovens no desporto federado beirense desde o final dos anos 40.

3 De facto, foi depois da II Guerra Mundial que “sino-asiáticos” e “afro-chineses” começaram a participar nas actividades desportivas federadas5 da população “civilizada”6 da Beira. Com pouquíssimas excepções, os “indígenas” continuaram afastados do convívio do desporto dos colonos até aos anos 70.

4 Dos 2 098 “amarelos” recenseados em Moçambique em 1960, 1 136 eram homens e 962 mulheres. Do total na colónia, 1 027 indivíduos (548 H) habitavam no distrito de Manica e Sofala, dos quais 968 no concelho da Beira.

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5 A tardia entrada de jovens “sino-asiáticos”7 na roda das competições federadas deveu- se aos seguintes factores: a sua população juvenil só à época passou a ser numericamente significativa; as sociabilidades e os espaços urbanos dilataram-se; o apartheid étnico a nível desportivo no seio da “população colona”, sobretudo com a saída dos britânicos, começou a atenuar-se por causa do crescimento populacional da urbe e das mudanças políticas a partir de 19518. Mas também das próprias modificações nas condições de vida dos membros da comunidade “sino-moçambicana”9, e de um novo associativismo entre eles10. Não obstante, um ou outro “sino-moçambicano”, em particular “afro-chinês”, praticou e competiu antes de 1945 em clubes fundados por colonos portugueses, mistos ou indo-portugueses.

6 A influência dos territórios vizinhos sob domínio britânico e da comunidade anglo- saxónica radicada na Beira e em Lourenço Marques promoveu consideravelmente a prática desportiva entre os jovens da população “civilizada” e dos próprios “indígenas”. Desenvolveu-se, deste modo, na colónia um verdadeiro movimento associativo de cultura desportiva. Esse movimento, de várias modalidades desportivas, teve uma dimensão e impacto consideráveis, muito maiores do que noutras colónias portuguesas.

7 Para além das artes (qualquer que fosse o seu domínio: literatura, jornalismo, teatro ou cinema), relevantes para a pequena população letrada11 de colonos e de alguns assimilados12, a actividade desportiva foi uma ampla escola de socialização e de cidadania, e a fundação de clubes étnicos, alguns dos quais sem qualquer ligação aos clubes portugueses, foi o processo da produção e reprodução das suas identidades culturais, e da representação social local, embrionária de “fervores” pela terra.

8 Para situar correctamente este envolvimento, anotemos o surgimento de clubes moçambicanos na capital e na cidade da foz do rio Pungué.

9 Para Lourenço Marques, citemos o Desportivo Lourenço Marques13, fundado com dedinhos maçónicos, e de quem José Craveirinha foi um fervoroso associado e dirigente; o Clube Ferroviário, dos trabalhadores dos portos e dos caminhos-de-ferro de Moçambique14; o Atlético Clube de Lourenço Marques15, assim descrito por Honwana: oposto à Associação Africana havia o Atlético, clube de mulatos, mas dos chamados mulatos de primeira; constituído pelas poucas famílias de mulatos com aspirações a aristocracia e nobreza, os mulatos da Polana, os mulatos doutores e directores, na generalidade, pessoas que não se identificavam com os outros mulatos. No Atlético havia casos de mulatos que desprezavam a mãe negra, que nos chamavam abertamente “pretos”, e que, tal como o colono, diziam que as nossas línguas africanas eram línguas de cão. Eles constituíam também baluartes da discriminação racial, ver um preto num baile do Atlético era impensável (Honwana, 1989, pp. 118-119).

10 Também em Lourenço Marques, o Clube do Alto Maé; do Munhanense “Azar”; o Mahafil Isslamo (ou Mahafil Issilamo); o Clube Vasco da Gama16; o Clube de Futebol João Albasini17; o Atlético Maometano, de mestiços muçulmanos; o Beira-Mar, no Chamanculo; o Clube Desportivo Indo-Português, na Malhangalene; o Operários Goeses, no Bairro da Central e o Nova Aliança, entre outros.

11 Para a Beira, historiemos um pouco mais o surgimento de clubes e das modalidades desportivas: em 1893, o número de ingleses na cidade perfazia 60 pessoas, número relativamente elevado para a época se compararmos com a restante população “civilizada”. A grande maioria dos britânicos era composta por homens, por isso, muito naturalmente, começaram a jogar cricket18 e outros desportos do seu gosto, chegando a

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competir entre si (colonial born versus home born) e com compatriotas da Rodésia e da África do Sul. Segundo John Bale, “a Inglaterra foi o local que deu o desporto ao mundo” (Bale, 1989, p. 50, apud Nolasco, 2004, p. 31), ou seja, por pressão do processo de industrialização e sob a lógica do capitalismo, dos polimorfos jogos populares emergiu o desporto moderno, altamente sistematizado e burocratizado (ibid., p. 31), que se expandiu pelas suas diásporas.

12 Em consequência, por volta de 1896 os britânicos fundaram o primeiro clube de que há memória na cidade, o Beira Sports Club, para a prática do cricket, do ténis, do pugilismo e do football association, com campos de jogos no local onde, no final da época colonial, seria construído o prédio Vasco da Gama, no bairro do Maquinino. Anos mais tarde, o Beira Sports Club passou a chamar-se Beira Amateur Sports Club, que tinha como sede um belo edifício junto desses campos.

13 Numa data posterior à criação do Beira Sports Club, os súbditos de sua majestade britânica fundaram o Beira Yatch Club, que introduziu o desporto náutico, enquanto a criação do Beira Racing Club trouxe o hipismo. O golf só apareceu mais tarde, com o Beira Golf Club. Estas modalidades eram praticadas pelos ingleses. A iniciativa da construção do campo de golfe foi de um grande entusiasta deste jogo, o coronel Alfred James Arnold, inspector da Companhia de Moçambique. Aliás, o campo foi construído a expensas suas, mas grandemente apoiado pela companhia. Para além de ter sido uma excelente obra de saneamento, o campo deu à cidade bom-nome do ponto de vista turístico, pois passou a ser considerado um dos melhores na África meridional. Dispunha apenas de 9 buracos. Nos anos 50, o campo passará a ter 18. A inauguração oficial foi feita pelo príncipe D. Luiz Filipe, de Portugal, em 1907, embora já nele se jogasse havia algum tempo.

14 Pouco sabemos do envolvimento da restante população “civilizada” nas práticas e competições desportivas até ao final da Primeira Guerra. Podemos imaginar que a elite colonial portuguesa fora admitida nos clubes britânicos, praticando com estes o hipismo, a vela, o golfe e o ténis. Não o cricket, demasiado british, pelo que só os hindustanos – indo-portugueses e hindus – terão constituído equipa para confrontos entre si, com “compatriotas” das colónias vizinhas e, raríssimas vezes, com os anglo- saxões, à maneira da Índia, de acordo com o que Arjun Appadurai chamou indianização desta modalidade. Appadurai analisou o papel do cricket para o nacionalismo indiano, e, sobretudo, para as identidades comunitárias das populações da Índia. O antropólogo afirmou que o cricket se desenvolveu como instrumento oficioso da política cultural do poder colonial inglês. Segundo ele, o cricket comunicou à população indiana valores de elite britânica vitoriana, a saber, desportivismo, sentido de jogo justo e controlo pleno da expressão de sentimentos. Este desporto entrou num processo de indigenização e contribuiu para o processo de descolonização (Appadurai, 2005). Mutatis mutandis, outras modalidades teriam os mesmos efeitos no tardo colonialismo em Moçambique.

15 Foi por volta de 1912 que se ensaiaram as primeiras jogadas de futebol na Beira, sendo utilizados pelos entusiastas os terrenos na margem direita do estuário do Chiveve, onde surgiu mais tarde a Praça Henriques Nogueira.

16 O football association começou a ser praticado na África meridional britânica na segunda metade do século XIX por britânicos e por boers. Como na Inglaterra, onde o futebol era prática desportiva das classes trabalhadoras e o rugby das elites, também aqui o futebol se tornou rapidamente o desporto dos negros e o rugby das elites brancas. Foram os missionários protestantes que introduziram esta modalidade

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desportiva entre os kholwas (negros cristãos) na região de Durban e entre os mineiros do Rand. Em 1899, uma equipa de negros viajou para o Reino Unido para disputar uma série de partidas. “Foram tratados como atracção circense e humilhados em campo”19. Durante décadas, na África do Sul existiram federações desportivas separadas para brancos, negros e mestiços. Em 1892, foi fundada a primeira federação sul-africana de futebol dos brancos. Anos mais tarde, foi criada uma federação de futebol das equipas dos negros.

Figura 1: Equipa do Club Internacional de Foot-ball da Beira, anos 20 do século XX

17 Foi em torno do futebol que nasceu na Beira a ideia da fundação de uma agremiação desportiva puramente portuguesa. Surgiu deste modo, em 1916, o primeiro clube de futebol de colonos lusos que, naturalmente, teve grande apoio de outros residentes; tratava-se do Sport Lisboa e Beira, que se filiou no Sport Lisboa e Benfica. O Esselbê, como passou a ser designada a agremiação na Beira, construiu um pavilhão de cimento, todo envidraçado, na fronteira do bairro do Maquino com o bairro do Esturro, com campos de jogos anexos, paredes-meias com o futuro aeródromo Pais Ramos.

18 Entretanto, foram surgindo novas modalidades como o atletismo e o hóquei-em-campo. Disputavam-se campeonatos, torneios, competições com equipas vindas de fora, não só de futebol, mas também de cricket20, e um campeonato rodesiano de golfe teve lugar no campo do Beira Golf Club, pois era considerado em toda a região um dos melhores na época. O ténis era uma modalidade desportiva muito popular entre os colonos. A natação continuou a ser praticada a título de diversão. O hóquei-em-campo surgiu na Beira por volta de 1932 e o automobilismo apareceu com as suas gincanas antes da II Guerra, mas desenvolveu-se particularmente nos anos 60 com a delegação local do Automóvel Clube de Moçambique.

19 Como resultado de um desentendimento entre sócios do Sport Lisboa e Beira, criou-se um novo clube, o Atlético da Beira. Deste clube pouco se sabe. Segundo Al Pereira21, a cisão no SLB deveu-se ao facto de alguns não concordarem que o clube se chamasse Sport

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Lisboa e Beira em vez de Sport Beira e Benfica e que o emblema não tivesse a roda da bicicleta, também símbolo do clube encarnado lisboeta. Terão sido alguns destes dissidentes que fundaram mais tarde o Sporting local. Um destes fundadores foi Joaquim Picardo, chefe de estação dos caminhos-de-ferro.

20 Pouco tempo antes, formara-se o Beira Railway Athletic Club, que seria mais tarde chamado Clube Ferro-Viário e depois Clube Ferroviário da Beira. Outras agremiações desportivas foram sendo criadas, como o Centro Recreativo Indo-Português, dos letrados funcionários públicos, empregados por conta própria, de profissões liberais, todos das castas hindus mais elevadas, em particular da xátria (kwshatria, mais propriamente). O Sporting da Beira em 1929. Neste mesmo ano foi fundado o Clube Desportivo dos Operários Goanos22, das castas menos elevadas dos sudras, que se extinguiu pouco depois, reaparecendo volvidos alguns anos, estando em actividade em 1957.

21 Esta euforia do desporto beirense prolongou-se por mais de uma dezena de anos. Outros clubes foram surgindo a partir desta época, considerada de franca recuperação do desporto local. Foram eles o Clube Helénico da Beira, o Clube Desportivo da Beira23, o Tung Hua Athletic24 Club (vulgarmente conhecido por Atlético Chinês nos anos 50), o Centro Africano de Manica e Sofala, dos mestiços, o Clube Náutico da Beira, o Clube Desportivo da Lusalite, o Clube Recreativo do Búzi, o Centro Hípico da Beira, o Clube Oriental, o Clube Ferroviário da Manga (depois de 1963) e o Clube Nova Maceira25.

Figura 2: Equipa feminina do Clube Helénico. Todas as atletas eram gregas

22 Antes dos anos 50, também os “indígenas” começaram a fundar os seus clubes de futebol. Clube Desportivo Rebenta Fogo, Clube Nova Aliança, Clube Alto Búzi, Clube Luso Africano, Clube Boavista, Clube 1º de Maio, Clube Unidos, Clube Trovoada, Clube Sá da Bandeira, Clube Belenenses, Clube Sporting da Zambézia, Clube Inhambanense e Futebol Clube estavam todos em actividade em 1959. A seguir desapareceram alguns e surgiram outros, como o Clube Desportivo de Matacuane.

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23 Assinale-se a marca regional e étnica de todas as colectividades desportivas beirenses. Desde logo, os clubes britânicos, depois os vários clubes dos outros colonos “brancos”26. Saliente-se, ainda, o clube desportivo dos “sino-asiáticos” de 1947 (formado por jovens nascidos em Moçambique na sua grande maioria), o Oriental dos “sino-asiáticos” e “afro-asiáticos”, dos anos 60, o Centro Recreativo Indo-Português, o Goanos, de raízes indianas e, por fim, o Helénico, dos gregos.

24 A partir dos anos 50, os clubes dos colonos começaram a integrar jogadores indianos, chineses e mestiços de cruzamentos biológicos diversos.

25 Desde essa altura, surgiram os clubes “indígenas” no bairro suburbano da Chipangara, e, depois, na Missão de São Benedito na Manga27. Aqui, organizaram-se competições no âmbito de uma associação própria, a Associação Africana.

26 No espaço suburbano de matope28 seco, na Chipangara, jogava-se aos sábados à tarde e aos domingos com bolas fabricadas pelos jogadores. Era aquele futebol descalço e cada clube tinha o seu campo. Toda a área estava dividida em campos de futebol. Por cada jogo, a equipa dona do campo recebia 150 escudos. A polícia aparecia também porque havia muitos confrontos. Quando uma equipa começava a perder, começava a barafunda. Mais tarde, nos anos 60, os jogos começaram a realizar-se nos campos da cidade. Cada espectador pagava 2$50 para o aluguer do campo e financiar o clube. E também para convidar equipas forasteiras, incluindo da Rodésia29.

27 O Diário de Moçambique chamou a este futebol africano, a 2ª divisão do futebol beirense30. A designação era louvável. Mas para que houvesse uma 2ª divisão subentendia-se uma 1ª e a passagem de uma à outra, por descida dos últimos da 1ª e subida dos primeiros da 2ª. Ora isso não sucedia. A Associação de Futebol da Beira, dos “civilizados”, e a Associação Africana, dos “indígenas”, eram realidades distintas. O campo de futebol da Missão de S. Benedito tinha uma capacidade para 7 000 pessoas sentadas e serviu durante vários anos a Associação Desportiva de S. Benedito, composta de 29 clubes (Sousa, 1991, p. 161), alguns deles nascidos nos campos da Chipangara.

28 Como a população “civilizada” era pouco numerosa para tanto desporto, era frequente ver o mesmo atleta praticar mais que uma modalidade no mesmo clube ou em clubes distintos, o que embaraçava as respectivas associações criadas entretanto para a organização das competições.

29 A saída da maioria dos residentes britânicos da Beira nos anos 50, devido à nacionalização do porto (1948) e do caminho-de-ferro (1949), marcou o fim da rivalidade desportiva que existia entre a comunidade inglesa e outras comunidades de “civilizados”. Consequentemente, o nível competitivo baixou nos primeiros tempos, tendo algumas modalidades desaparecido como práticas desportivas regulares, casos do atletismo e do ciclismo. Em 1957, só o Centro Recreativo Indo-Português continuou a praticar o hóquei-em-campo e o cricket.

30 Assim, o desporto beirense foi vivendo momentos altos e baixos nesses anos pós-II Guerra. Foi graças à boa vontade de alguns entusiastas que certas modalidades e clubes se mantiveram. Alguns reestruturaram-se e fundiram-se (como se referiu para o aparecimento do Clube Desportivo). Entre modalidades introduzidas ou que se desenvolveram, são de destacar o basquetebol, o tiro, os desportos náuticos, o hóquei patins, o hipismo, o pugilismo e a luta-livre, as duas últimas graças ao italiano Marino Beneditto, ao grego Campanis e, mais tarde, ao português Al Pereira. Os desportos

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motorizados só se desenvolveram a partir de meados de 50 com a criação da delegação local do Automóvel Clube de Moçambique (ATCM) (Couto, 1971, p. 25).

31 A partir dos anos 50 a população “civilizada” cresceu substancialmente. O número de jovens das diferentes origens que compunha esta categoria colonial (brancos, asiáticos, negros assimilados e mestiços de cruzamentos diversos) já era importante e povoava os estabelecimentos de ensino médio: liceu Pêro de Anaia, escola técnica Freire de Andrade, colégios e internatos particulares, incluindo a escola chinesa. Para 1950, é indicado para Manica e Sofala um total de 760 “amarelos”, dos quais 479 do sexo masculino. O número de “afro-chineses” de primeira e segunda gerações não foi contabilizado, estes integravam a categoria dos mestiços31. A população da Beira, incluindo a área suburbana, era de 42 539 indivíduos. Neste ano, os “sino-asiáticos” de nacionalidade portuguesa começaram a superar os “sino-asiáticos” estrangeiros32. Em todo o caso, o número de “sino-moçambicanos” que, nos anos 50 e 60, praticava desporto não ultrapassava os cem. Eram jovens que tinham passado ou ainda frequentavam as escolas portuguesas, sendo alguns deles católicos. Em número significativo, trabalhavam em empresas não portuguesas, na função pública, em ateliers de engenheiros e arquitectos portugueses, dando apoio nos estabelecimentos e negócios familiares33.

32 Para ilustrar o que ficou dito sobre a representação étnica e racial no desporto na Beira, vejamos no quadro seguinte os valores demográficos da sua composição para os anos 1940-1960.

Tipos somáticos da população da Beira, 1940-1960

Fonte: Rodrigues, 1968, p. 83

33 Muitos dos jovens estudantes dedicavam-se às práticas desportivas nos clubes de preferência ou de vizinhança, ou nos estabelecimentos de ensino, praticando aqui modalidades que os clubes não fomentavam, como a ginástica, a esgrima e o andebol. Alguns dedicavam-se a vários desportos em simultâneo, na escola e no clube.

34 Foi neste contexto que, desde o início dos anos 50, com algumas excepções anteriores, rapazes e raparigas “sino-asiáticos” e, sobretudo, os “afro-chineses” passaram a participar com grande entusiasmo na actividade desportiva local, quer nas escolas, quer no desporto federado.

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35 No caso dos “sino-asiáticos”, à semelhança dos gregos e dos indo-portugueses, para que um maior número de jovens pudesse participar nas competições oficiais foi criada uma equipa desportiva em 1947 e outra no início dos anos 60. Ambas foram da iniciativa de jovens amantes do desporto, embora dignitários das irmandades estivessem presentes no projecto da criação dos dois clubes.

36 Vejamos a formação dos dois clubes, criados, sobretudo, para a prática do basquetebol, e acrescentemos a participação de jovens “sino-moçambicanos” noutras colectividades beirenses para a prática do basquetebol e de outras modalidades.

37 O Atlético Chinês e o Clube Oriental

38 A 12 de Julho de 1947 foi pedida à administração colonial na Beira por um pequeno grupo de amigos a autorização para fundar um clube desportivo, sendo dados a conhecer os estatutos, a sede social e o “campo de treinos”. O artigo 1º referia que Tunghua Athletic Clube34 (aliás, Tung Hua Athletic Club) seria a denominação da agremiação que teria como objectivos o desenvolvimento intelectual e a prática de todos os desportos atléticos. Os estatutos acrescentavam, num parágrafo único, que, para o desenvolvimento intelectual, o clube criaria uma biblioteca e procederia à representação de peças teatrais. No art.º 3º estipulava-se que as cores representativas do clube nos diversos ramos do desporto teriam por base o branco, o azul e o vermelho (as cores do Kwomintang, nota minha)35. Segundo o art.º 40º, os proponentes fundadores já eram nascidos na Beira de pais da primeira geração de imigrantes.

39 O pedido foi indeferido com a seguinte argumentação: São já muitos (sete)36 os clubes de desportos existentes nesta cidade, pelo que deverá ser difícil garantir uma vida desafogada a outros que se formem. Mas há outra razão: a colónia chinesa já possui há muitos anos um “clube” denominado Chee Kung Tong Club (Clube Chinês) 37 que tem como sócios a quase totalidade da população chinesa da Beira e em condições de poder tê-lo. Dos seus estatutos consta que os mesmos se podem dedicar à prática de jogos desportivos promovendo também o desenvolvimento intelectual dos sócios e mantendo escolas e bibliotecas. A meu ver, não deve conceder-se a autorização solicitada tanto mais que já há anos se criou na Beira outra agremiação que se denominou Chon Sun Tong38 a que foi retirado o alvará há cerca de sete anos, certamente por não satisfazer aos fins a que se destinou39.

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Figuras 3 e 4: Duas das primeiras equipas de basquetebol do Tung Hua, uma sénior, à esquerda, e a de juniores, à direita. Nesta, o primeiro jogador que se vê na fotografia é Chin Chong40

40 Apesar da proibição administrativa, criaram o clube. A irmandade Chee Kung Tong era tudo menos uma agremiação desportiva, como referi, e as novas gerações já não se identificavam com ela. À semelhança de outros clubes desportivos étnicos, queriam ter o seu espaço para actuarem a nível federado. Mas a esse desejo dos jovens associou-se a também o interesse político de delegados locais do Kwomintang de Chiang-Kai-shek 41, que passaram a actuar através da Associação de Beneficência, criada em 1946 (por conseguinte, distinta do Clube Chinês, Chee Kung Tong, de 1922, e comandada por uma outra tríade secreta).

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41 O clube desportivo foi inscrito nas estruturas associativas do desporto beirense com a designação Tung Hua (ou Wá) Athletic Club, chegando a jogar com equipamento onde figuravam as iniciais: THAC. Só anos volvidos passou a designar-se Atlético da Beira, designação não aceite pelas federações desportivas porque já existia um clube com este nome. Foi com o nome Atlético nas camisolas (e Atlético Chinês para a população beirense) que competiram nos campeonatos distritais e provinciais e participaram nos torneios da África Austral organizados pela representação diplomática de Taiwan na África do Sul, por ocasião das férias da Páscoa, geralmente através da Overseas Chinese School, também conhecida como Johanesburg Chinese School.

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Figura 5: Emblema “moçambicano” do Tunghua Athletic Club. Fonte: Cópia digitalizada de uma fotografia original do espólio de Chin Tung Chong (de agora em diante, “Espólio de Chonguito”)

Figuras 6 e 7: Equipa de juniores (rapazes) e equipa das raparigas do Oriental. Fonte: Espólio de Chonguito. Tanto numa como na outra das equipas há jogadores que não são “sino-moçambicanos”

42 No início dos anos sessenta foi fundado o Clube Oriental (Clube Nam Wá). Este clube foi criado por alguns dissidentes do Tung Hua Athletic Club. As motivações dos descontentes não tiveram uma causa política, nem a pertença a um local particular de origem na China, embora Tung Wá (“oriente da China”) e Nam Wá (“sul da China”) pudessem querer significar isso. Estiveram presentes questões de ordem pessoal e familiar e, também, o elevado número de atletas inscritos no Atlético sem oportunidade de jogar. A

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ideia de criar este clube terá começado a germinar num colégio na Rodésia entre estudantes chineses beirenses. Mas os principais promotores do Oriental foram um ex- professor da escola chinesa e alguns destacados comerciantes de apelido Yee. O clube foi oficializado como uma secção do Chee Kung Tong Club e com a mesma sede e estatutos, como o tinha sido o Atlético. Mas, na verdade, era um clube desportivo autónomo do velho “Clube Chinês”. O Oriental tinha um equipamento preto por oposição ao branco e azul do Atlético. O clube participou em torneios e campeonatos da Beira.

43 O Oriental não tinha um campo de jogos. Por isso começou a treinar num terreno desocupado no bairro do Esturro junto à cantina de um dos Matacopanjas42, e, depois, no pátio da escola chinesa. A cantina dos irmãos Fung era a sede e a sala de exposição das taças do clube.

A participação nas várias modalidades desportivas

44 O basquetebol foi a modalidade desportiva mais em evidência para os colonos de todas as praticadas pelos “sino-moçambicanos”, quer em competições oficiais quer em jogos amistosos. Em todas as categorias: seniores, femininos e juniores. Tanto o Tung Hua Athletic Club (Atlético Chinês) como o Clube Oriental foram essencialmente clubes de basquetebol. Alguns “sino-moçambicanos” também praticavam esta modalidade noutros clubes. Em 1959, na equipa feminina do Sporting da Beira jogavam três “sino- moçambicanas”, as três irmãs de Sui Lan, ex-jogadoras do Atlético43.

45 O basquetebol é um desporto de equipas que foi inventado no final do século XIX e se tornou desporto olímpico em 1936. Curiosamente, não era muito praticado nas colónias vizinhas. Mas em Moçambique teve uma expansão enorme desde os anos 40, tornando- se a modalidade mais praticada em todo o espaço português. Terá surgido na colónia como prática de mini-basquete nas escolas (associado à educação física) e nos bairros, onde era compatível para o lazer dos jovens nos pequenos espaços. Ambas as situações foram aproveitadas pelos jovens “sino-moçambicanos”, nas escolas que frequentavam e nos espaços sociais onde viviam.

46 A primeira equipa de jogadores “sino-moçambicanos” que participou em competições oficiais de basquetebol na Beira no início dos anos 50, jogou em Janeiro de 1951 no Torneio de Abertura de Basquetebol da cidade com o Clube Helénico, Clube Ferroviário, Sport Lisboa e Beira, Desportivo e Sporting44. Apresentaram-se com um equipamento onde estavam marcadas em diagonal na camisola branca as iniciais do Tung Hua Athletic Club: THAC. Só mais tarde foi gravada nas camisolas a palavra Atlético, em vez de THAC. O Atlético tinha também uma equipa de reservas, uma equipa de juniores e uma equipa feminina. Os treinos realizavam-se no pátio do Clube Chinês (Chee Kung Tong)45. Deste modo, a preparação das três equipas tornava-se muito difícil, sendo sempre dada a preferência ao núcleo central da equipa de seniores, o que, acrescentado ao facto de participarem nos treinos muitos jogadores, veio a causar conflitos que originaram a formação do Clube Oriental.

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Figura 8: Equipa de juniores do THAC, 1950. No campo do Sporting. Fonte: Espólio de Chonguito

47 Nas épocas de 1951/52, 1952/53 e 1953/54, a primeira geração de basquetebolistas “sino-moçambicanos” federados distinguiu-se, tanto nos masculinos seniores, como nos femininos e nos juniores. O Diário de Moçambique assinalava isso com frequência, enaltecendo os seus principais actores, como John Ping, da equipa principal masculina, e a capitã Sui Lan da equipa feminina.

48 A segunda geração de basquetebolistas masculinos e femininos data dos anos sessenta. Esta geração já era composta por jovens que tinham feito a escola primária portuguesa e ingressado na escola secundária. Alguns deles tinham-se convertido ao catolicismo.

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Figura 9: As quatro equipas de basquetebol do Tung Hua no início dos anos 50. Fonte: Espólio de Chonguito

Figura 10: Equipa de juniores do Atlético na época 1964/65. Fotografia tirada no pavilhão do Clube da Beira (usado pela Mocidade Portuguesa). Fonte: Espólio de Chonguito

49 Tanto a primeira como a segunda geração de jogadores obtiveram importantes êxitos nas várias competições oficiais e amigáveis: torneios de abertura, campeonatos da cidade, torneios de encerramento e torneios comemorativos. Para além disto, jogadores e jogadoras integraram as selecções (ou mistos) da Beira para competir com equipas da capital, assim como com equipas da Rodésia, da África do Sul e da metrópole46. Em 1951, pelo menos dois dos jogadores seniores, Fone Guine e Fon Lin, foram inscritos pelo Tung Hua Athletic Club para candidatos a árbitros de basquetebol47.

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Figura 11: O misto chinês da Beira que jogou em Bulawayo no dia 9 de Abril de 1969. Fonte: Arquivo de Victor Azevedo

50 O basquetebol era uma modalidade muito popular na Beira nos anos 50 e 60. Os treinos e os jogos realizavam-se durante a estação quente e húmida, de Novembro a Março, ao passo que o futebol se jogava na estação seca. Por isso, muitos jogadores de basquetebol eram, simultaneamente, jogadores de futebol. Os jogos de basquetebol realizavam-se no campo do Ferroviário (que nos anos 50 ainda era um campo a céu aberto, só na década seguinte passou a existir um pavilhão coberto); no primitivo campo do Sport Lisboa e Beira, com bancadas de madeira, e, depois, no novo campo de cimento, a céu aberto; no campo do Clube da Beira (ex-clube dos funcionários da Companhia de Moçambique), de cimento e coberto, que desde o final dos anos 50 foi o Pavilhão da Mocidade Portuguesa; no campo do Clube Desportivo, a céu aberto e bancadas de cimento e madeira; e no campo do Sporting, nas Palmeiras. O Atlético, o Oriental, e o Helénico não tinham campo de jogos para a prática do basquetebol federado.

51 Geralmente, realizava-se uma sessão dupla: um jogo de juniores ou de femininos antecedia o jogo dos seniores masculinos. De registar que a assistência era essencialmente composta por colonos brancos, mestiços e indo-portugueses, sendo quase nula a presença de negros. A grande maioria era constituída por funcionários dos caminhos-de-ferro e da administração, empregados comerciais e trabalhadores por conta própria. Curiosamente, muito poucos “sino-asiáticos” assistiam. Raramente estavam presentes mulheres chinesas. Os asiáticos das primitivas gerações de imigrantes, todos vindos da província de Cantão, preferiam jogar o Mah Jong e fumar o cachimbo de ópio48 no Clube Chinês.

52 O Diário de Moçambique e o Notícias da Beira davam muito destaque à actividade desportiva beirense. Podia ler-se o seguinte sobre a ausência da equipa feminina do Atlético Chinês no torneio de abertura de Janeiro de 1951:

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Quanto às jovens filhas do Celeste Império, a sua ausência desta prova, a verificar- se, impedir-nos-á de apreciarmos uma boa técnica, que sem dúvida são capazes de proporcionar-nos, pois é do domínio comum a propensão natural da sua raça para actividades desta natureza, como tem vindo a verificar-se pelas boas contas que de si tem dado o agrupamento masculino, hoje sem dúvida um dos melhores apetrechados para a disputa das provas. Consta-nos que por este lado não será uma questão de preconceito o que impedirá a apresentação das equipas femininas do Atlético Chinês; a dificuldade aqui é maior, ou por outra, de resolução menos acessível, pois ela se prende com um campo onde os indispensáveis treinos se possam realizar. Aqui deixamos, portanto, o nosso apelo aos restantes clubes para que facilitem, se puderem, a utilização dos seus campos de modo a que o campeonato feminino de basquetebol não fique prejudicado pela ausência de um agrupamento que lhe pode dar um indiscutível brilho49.

53 Cerca de três semanas após a publicação desta notícia, lia-se no Diário de Moçambique o seguinte comentário a propósito do jogo entre as equipas femininas do Sport Lisboa e Beira e do Atlético: Seguido com grande entusiasmo este jogo proporcionou oportunidade de se verificar como o elemento feminino da colónia chinesa se está a interessar pela modalidade. Sendo a segunda vez que joga, o grupo já ontem apresentou elementos perfeitamente equilibrados, combativos e com fácil domínio de bola. O capitão do grupo, Sui Lan, mostra-se jogadora de futuro50.

54 Mas a imprensa não só noticiava a actividade desportiva e os factos sociais que a acompanhavam. Em certas ocasiões, empenhava-se em debater assuntos relacionados com essa actividade. Daí, as por vezes acesas discussões entre o jornal Diário de Moçambique, de Dom Sebastião Soares de Resende, bispo da Beira, e o jornal Notícias da Beira, do empresário Victor Gomes51.

55 Foi o que sucedeu aquando da visita à Beira da equipa de basquetebol da Académica de Coimbra, a campeã portuguesa na época de 1950/1951. O jogo realizou-se a 29 de Março de 1951. A equipa de Coimbra venceu o Atlético Chinês por 71 a 23, o que espelhava bem o desnível das duas equipas. A propósito, um articulista do Notícias da Beira escreveu: também não compreendemos porque se defendia tão acerrimamente a equipa do Atlético Chinês por parte de algum público, pois, é certo que a equipa é da Beira, mas não é menos verdade e julgamos o principal motivo, que é uma equipa estrangeira52.

56 O Diário de Moçambique respondeu: é pena [o Notícias da Beira] estar tão mal informado, pois que os componentes da equipa do Atlético Chinês são todos naturais da Beira, com excepção de Wing Fon e, por isso, tão portugueses e beirenses como muitos dos portugueses que defendiam esta equipa ontem no campo do Macúti. O que interessa que esse público estivesse a defender o Atlético Chinês se o estava fazendo correcta e desportivamente? Se defendia o Atlético defendia o mesmo Atlético que nos tem proporcionado jogos emocionantes de Basquetebol com as equipas locais e consequentemente defendia o desporto beirense53.

57 Para além da posição da União Nacional no Notícias da Beira e do anti-racismo do Diário de Moçambique, havia já nalguma população branca, mestiça e assimilada com “sentimentos moçambicanos” e “fervores pela terra” manifestados no desporto, de que o movimento nacionalista se iria alimentar e que também Jorge Jardim tentou recuperar no início dos anos 70, pelo que patrocinou a ida da equipa feminina do Atlético ao campeonato português em Angola e envolveu algumas raparigas “sino- moçambicanas” nos seus “concursos de beleza”.

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58 Por volta de 1958 começou a ser exercida sobre as comunidades “sino-asiáticas” da Beira e de Lourenço Marques alguma influência da China Nacionalista por intermédio do consulado-geral da Formosa em Pretória, na África do Sul, e do consulado na Suazilândia. No campo desportivo, foi a partir dessa data que começaram a ser organizados torneios destas comunidades na África Austral (África do Sul, Rodésia e Moçambique). A da Beira participava com uma poderosa equipa de basquetebol e com uma equipa ad hoc de futebol. No primeiro torneio da Páscoa, por ocasião do aniversário do generalíssimo Chiang Kai-shek, o Clube Oriental da Beira participou no evento. Mas no segundo, estiveram as duas equipas beirenses, o Atlético e o Oriental. No terceiro, foram selecções dos dois clubes, uma masculina e outra feminina. Ganharam quase sempre.

Figura 12: Homenagem na Beira a atletas chineses (“sino-asiáticos”) pelo cônsul da Formosa. Repare- se que para a ocasião, para além de Tunghua Atlético Clube foi retomado o nome Tunghua Athletic Club. Fonte: Espólio de Chonguito

59 Os dignitários da comunidade procuraram habitualmente um bom entendimento com as autoridades coloniais. Por sua vez, estas, a partir dos anos cinquenta, por causa dos ventos do emergente nacionalismo africano, quiseram alargar a sua base de apoio. Mas também a China Nacionalista pretendia estabelecer a sua influência nas comunidades de além-mar. A Guerra Fria e o anticomunismo do mundo ocidental foi um óptimo terreno para a Formosa. Mas Moçambique era-o menos por causa das relações de Portugal com as “duas” Chinas. Mesmo assim, a partir da África do Sul, os políticos de Taiwan procuravam marcar a sua presença. Só que bastantes “sino-asiáticos” moçambicanos mantinham relações com a China continental através de Macau e de Hong Kong.

60 Para os jovens jogadores participantes nesses torneios nos territórios vizinhos, o interesse estava no passeio e no convívio. A colagem a uma identidade chinesa nacionalista, procurada pela Formosa através dos seus consulados na África do Sul e Suazilândia, dos filmes de Hong Kong e Taiwan, da influência na Escola Chinesa e da literatura (jornais, revistas e folhetos de Taiwan e Hong Kong), era marginal, interessando sobretudo a alguns dignitários das tríades. Os jovens “sino- moçambicanos” viviam com desprendimento, alguns com curiosidade, o que se passava na China continental. E foi por causa desta curiosidade, longe das querelas entre os pró-

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Pekin, de Mao, e os pró-Chiang Kai-shek, de Taipé, que se manifestaram ruidosamente numa dessas viagens quando ouviram estupefactos que a China tinha levado a cabo com sucesso o seu primeiro ensaio nuclear. Esta espontaneidade causou perplexidade nos mais velhos e embaraço nos organizadores do torneio. Foi a partir desta manifestação que a PIDE se tornou mais presente entre os “sino-moçambicanos”. Por isso, e pela obrigatoriedade do serviço militar, alguns jovens começaram a emigrar para Nova Iorque, Londres e Hong Kong.

Figura 13: Equipa feminina do Atlético que participou em Angola no campeonato nacional português da modalidade. Antes da partida apresentou cumprimentos ao presidente da Câmara, Comandante João Alberto Costa Soares Perdigão. Po Quin, logo atrás dele, e Voi You, à esquerda, dignitários da comunidade. Fonte: Espólio de Chonguito. Foi o Eng.º Jorge Jardim quem custeou grande parte da viagem da delegação desportiva a Angola

61 Como se referiu, jogadores “sino-moçambicanos” passaram a praticar desporto noutros clubes beirenses. Nas estruturas da Associação de Basquetebol da Beira participavam alguns como cronometristas e árbitros. Em 1965, realizou-se na capital de Manica e Sofala o campeonato nacional português de basquetebol feminino. Participaram no evento as equipas do Centro Desportivo Universitário da Universidade do Porto (CDUP), do Lubango e Benfica, de Angola, do Desportivo da Beira e do Atlético Chinês da Beira. Pelo Desportivo e pelo Atlético participaram jogadoras “sino-moçambicanas” como Siu Wah, Sui Mei, Chan, Teresa Kwan, Branca Pack, entre outras.

62 Ao invés do basquetebol, o voleibol, embora também federado e modalidade considerada bastante completa e atraente, não merecia muita simpatia e entusiasmo do público beirense. Era sobretudo uma modalidade de praia54, das escolas e dos quintais. Nas competições oficiais, a assistência aos jogos resumia-se aos participantes e a meia dúzia de pessoas55. Mesmo assim, em 1952, realizou-se um campeonato da cidade56, em que participaram as equipas do Atlético Chinês, Centro Africano, Centro Recreativo Indo- Português, Desportivo, Ferroviário, Muçulmanos57, Sport Lisboa e Beira e Sporting. Como o voleibol se praticava durante a mesma época do ano que o futebol, na estação seca, diferente da do basquetebol, que era jogado durante o defeso do futebol, na estação das

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chuvas, os clubes que não praticavam o futebol federado, como o Atlético Chinês e os Muçulmanos, apresentavam no voleibol quase os mesmos jogadores do basquetebol. Os outros clubes só inscreviam atletas que, embora pudessem ser basquetebolistas na devida época, não jogassem futebol, para evitar a prática simultânea de voleibol e de futebol pelos mesmos atletas. Poo Quin também foi árbitro desta modalidade58.

63 Os campos de jogos para as competições de ginásio, como o basquetebol, voleibol, hóquei patins e ginástica, eram os dos clubes já referidos: Ferroviário, Sport Lisboa e Beira, Sporting, Desportivo e Pavilhão da Mocidade Portuguesa, que tinha sido o clube dos funcionários da Companhia de Moçambique. Os outros clubes tinham apenas precários espaços de treino, usando também para treino os ginásios do liceu ou da escola técnica e o salão da escola chinesa.

64 O pingue-pongue, nome popular para o ténis de mesa, foi a mais desenvolvida das modalidades desportivas praticadas pelos “sino-moçambicanos” da Beira e de Lourenço Marques. Onde existisse uma mesa, os jovens rapazes usavam-na para jogar (já as raparigas não praticavam este desporto). Jogava-se no liceu, na escola técnica, nas garagens de um ou outro afortunado, nas sedes dos clubes. Organizavam-se campeonatos ad hoc. John Ping, esquerdino, foi campeão da Beira nos anos 50. No Torneio de Aniversário do Sport Lisboa e Beira, o Atlético Chinês venceu 14 partidas e apenas perdeu uma59.

65 O badmington era pouco praticado. Mesmo assim, chegaram a organizar-se alguns torneios com a participação de clubes, do liceu e da escola técnica. O Atlético Chinês notabilizou-se com alguma facilidade.

Figura 14: Jogadores de badmington que eram também jogadores de basquetebol e de voleibol. Fonte: Espólio de Chonguito

66 Como já foi referido, tanto na Beira como em Lourenço Marques não havia entre os “sino-moçambicanos” equipas federadas de futebol que estivessem envolvidas nas

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competições locais, como, por exemplo, tinham os indo-portugueses do Centro Recreativo Indo-Português ou a equipa de Operários Goanos. Só nos anos sessenta é que a comunidade da Beira participou com uma equipa ad hoc nos jogos de futebol do campeonato corporativo e, também, com uma selecção de futebolistas contra uma congénere laurentina.

Figura 15: Um “misto” da Beira e um “misto” de Lourenço Marques num encontro em 18.08.1957 na Beira. Fonte: Espólio de Chonguito

67 Os “sino-moçambicanos” amantes do futebol jogavam nas equipas dos clubes da cidade como o Centro Recreativo Indo-Português, Ferroviário, Sport Lisboa e Beira, Sporting e Desportivo. Ping Song foi o primeiro jogador “sino-asiático” de futebol na Beira. Jogou pelo Sporting em 1947-1948. Seguiram-se-lhe outros nos vários clubes, principalmente nas equipas de juniores. Raramente houve jogadores “sino-asiáticos” nas equipas de seniores. Só alguns “afro-chineses” se afirmariam na categoria principal, como Shéu, que se tornou famoso no Benfica de Lisboa60, e os irmãos Manacas, que foram jogadores do Sporting da Beira e de clubes em Portugal.

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Figura 16: Equipa de juniores de futebol do Ferroviário 1960/1961. Fonte: Espólio de Eduardo Medeiros (de pé, o segundo à esquerda)

Figura 17: Fotografia de 23.07.1961. Fonte: Espólio de Chonguito

68 No tempo da Companhia de Moçambique e do domínio britânico no desporto beirense, o ciclismo parece ter tido alguma actividade regular. Mas depois da II Grande Guerra passou a ser uma actividade ocasional, em datas comemorativas e festivas ou por ocasião da ida à Beira de corredores metropolitanos, caso da visita de Alves Barbosa e seus companheiros. Mesmo assim, havia em 1952 uma Associação de Ciclismo de Manica e Sofala. Em 1956 foi criada uma Comissão Organizadora de Provas de Ciclismo que, em 1957-1958, levou a efeito algumas competições. Mas foi entusiasmo de pouca duração61.

69 O pugilismo foi uma modalidade muito apreciada no tempo da Companhia de Moçambique. Segundo Al Pereira, o primeiro combate de boxe realizado na Beira opôs um maquinista do caminho-de-ferro da Rodésia – que mais tarde chegaria a governador nobilitado pela coroa inglesa com o título de Sir Roi Walensky – e um pugilista português, Joaquim Alves62. A modalidade reapareceu na Beira nos anos 40 com pugilistas italianos que abandonaram a África do Sul, onde estavam como prisioneiros de guerra. Dentre eles, Marino Beneditto fez alguns combates contra rodesianos no

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campo de basquetebol do Sporting da Beira, onde Al Pereira também combateu, em 1947 ou 1948. O mesmo sucedeu em Lourenço Marques com o pugilista Ludo Huguetto.

70 A semente lançada por Beneditto – que nunca abandonou o Sporting – germinou. Neste contexto, um jovem de origem grega chamado Campanis, apesar de nunca ter combatido na cidade, montou um ginásio no Sport Lisboa e Beira para a prática do boxe e da halterofilia. Neste ginásio surgiram bons pugilistas amadores, como Luís Furtado, Miguel Guerra, Wing Wá63, Bingre, Santana, Freitas, Luís Chin64, entre outros.

Figura 18: Wing Wá num combate na Rodésia. Fonte: Espólio Al Pereira

71 Wing Wá foi o mais célebre pugilista “sino-moçambicano” da Beira. Da categoria dos meio-pesados, combateu com frequência na cidade e na Rodésia no início dos anos 50. Nesta colónia britânica, quando combatia com um pugilista branco, usava sempre um nome português de ocasião. Wing Wá tinha um poderoso hook esquerdo, a sua arma mais temível. Tinha intuição, era duro e valente, merecendo os elogios da crítica e dos técnicos65. Era fogoso e contava com grande popularidade na Beira entre as comunidades “sino-moçambicana” e europeia e entre a população negra, na qual era conhecido por Machado, o “rachador”. Em meados dos anos 50 deixou de combater. A falta de incentivos, de uma alimentação cuidada e deslocações de um lado para outro em trabalho, para subsistir, tornaram-lhe a existência difícil, o que impediu uma carreira desportiva66.

72 O pugilismo e a luta livre passaram a ser organizados na Beira no final dos anos 50 pelo ex-pugilista Al Pereira, entretanto radicado na cidade67. Dirigiu o ginásio do Sport Lisboa e Beira onde continuou a escola de Campanis, na qual se inscreveram jovens brancos, negros e mestiços, entre eles Wing Chew. Este Wing Chew era filho de um mestiço pescador e foi um bom pugilista amador, ganhando todos os combates que realizou68.

73 Em Lourenço Marques, o mais célebre pugilista de origem “sino-moçambicana” foi Jorge Tafoi, que era um pintor de cartazes de cinema no Scala. Por essa altura, o mais famoso boxeur na capital moçambicana era um judeu chamado Beni Levi, que andava pelo mundo e que se demorou na cidade para trabalhar como capataz na estiva. Ainda podia ser visto a correr na praia da Costa do Sol nos anos 70. Outros boxeurs na capital foram Luís Eugénio, mais conhecido por “Xangai” e Manuel Matos, um “afro-chinês”.

74 Rivalizando com o basquetebol, o hóquei em patins69 foi a modalidade que mais amantes do desporto atraía aos campos de jogos da cidade nos anos 50 e 60. O clubismo era nesta modalidade muito exacerbado, desde logo por os clubes disporem de jogadores carismáticos, que se tinham distinguido nas competições internacionais,

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como Velasco e Candeias, ou por serem clubes de empresas e de localidades que mobilizavam os seus membros e residentes, como o Clube da Lusalite, do Dondo, e o Clube Recreativo do Búzi, dos empregados da Companhia Açucareira e de residentes da localidade do Búzi.

Figura 19: Wing Chew e Al Pereira. Fonte: Espólio Al Pereira

75 Foi o hóquei patins que, entre 1957 e 1967, mais “bairrismo” provocou em Moçambique face ao mundo lusófono e à cultura anglo-saxónica vizinha, com jogadores de nível internacional como Moreira, Carrelo, Adrião, Velasco, Boucós, Candeias e alguns mais.

76 Os “sino-moçambicanos” pouco estiveram envolvidos neste desporto, só Poo Men foi jogador de hóquei patins no Sport Lisboa e Beira. Mesmo assim, vibravam por igual com as vitórias moçambicanas no hóquei. A euforia moçambicana foi enorme nesses jogos. Sai do âmbito deste artigo a análise deste fenómeno “nacionalista”.

77 Como também não será aprofundada a questão dos “sino-moçambicanos” praticarem mais os desportos de ginásio que os outros desportos. Avancemos apenas que isso esteve relacionado, para os “sino-asiáticos”, com os lentos caminhos da integração colonial, através da escolarização em português depois da II Guerra, e com a participação em modalidades onde podiam actuar como grupo, e em actividades e espaços mais resguardados do grande público, do futebol, por exemplo70.

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Figura 20: Mah Gew está sentado, ao centro. Fonte: Espólio de Emídio Medeiros

78 Em 1957-1958 surgiu no liceu da Beira um licenciado em Educação Física e Desportos, Loriente Pereira. Até então a actividade desportiva no liceu (como na escola técnica) era leccionada por um militar graduado ou por qualquer desportista disponível71. O professor Loriente começou pacientemente a formar uma classe especial de ginástica olímpica, que, passados alguns anos, apresentou ao público beirense numa das datas comemorativas em que as escolas participavam, a saber, 28 de Maio, 10 de Junho, 1 de Dezembro. Na primeira classe, chamada de “estilo sueco” implementado por Loriente – formação em xadrez com exercícios coordenados e em ritmo de sequência com comandos verbais de sons pouco audíveis –, participou Chin Peng Leon. Anos mais tarde, Mah Cock Quib e Ma Gew participaram numa outra.

79 Uma destas classes de ginástica, com “sino-moçambicanos”, deveria ter participado nos festejos comemorativos dos duzentos anos da cidade de Joanesburgo a convite de um colégio local. Só que em torno desta participação registou-se uma segregação a que foram sujeitos os atletas não-brancos do grupo sem a mais elementar reacção cívica e política por parte das autoridades administrativas e desportivas portuguesas.

80 A classe partiu da Beira para Lourenço Marques, ficando os atletas instalados no Parque José Cabral (hoje, Parque dos Continuadores). Na noite anterior à partida para Joanesburgo, apareceu no acampamento um grupo de responsáveis escolares de Lourenço Marques acompanhados por elementos da PIDE para comunicar os nomes dos atletas que seguiriam viagem, e com “palavras de orientação política” para os eleitos. Todos os “mistos” e “chineses” ficaram para trás, vítimas do racismo sul-africano e do racismo lusitano. O incidente causou mal-estar entre os ginastas brancos da comitiva, tanto mais que alguns conviviam com as “forças progressistas” da cidade.

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81 Este incidente voltou a lembrar o ocorrido em 1958, e que permaneceu muito vivo em Moçambique: a vitória da selecção inter-racial de futebol do Brasil no campeonato mundial na Suécia. Também o incidente de 1959, quando a equipa brasileira da Portuguesa de Santos fez uma escala na cidade do Cabo, na África do Sul. Como a equipa local era formada exclusivamente por brancos, as autoridades sul-africanas exigiram que a equipa brasileira jogasse apenas com jogadores de pele clara. Porém, os militantes nacionalistas negros actuaram e manifestaram a sua indignação junto da embaixada brasileira. A imposição dos sul-africanos fez que o então presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira, determinasse de imediato o cancelamento do encontro!

82 O ocorrido teve uma repercussão estrondosa entre a população mestiça e negra de Lourenço Marques e da Beira, com uma discreta repercussão na imprensa moçambicana do sector europeu. Só a revista brasileira O Cruzeiro, lida em Moçambique, fez um enorme eco do acontecimento (como o tinha feito por ocasião da vitória no Mundial). O semanário O Brado Africano aproveitou o incidente para elogiar a coerência dos brasileiros, sem, contudo, fazer qualquer alusão à subserviência das autoridades coloniais em Moçambique. Sempre que uma equipa desportiva moçambicana se deslocava ao país vizinho, os jogadores de cor eram expurgados do conjunto (Polanah, 2001, p. 14). Como foi o caso com a classe especial de ginástica. Isto não era comentado pela imprensa branca. De outra classe especial faziam parte Ling John e outros atletas não-brancos. Esta participou em Madrid nalgumas competições.

83 O atletismo foi uma modalidade muito praticada pelos anglo-saxões na Beira antes da Segunda Guerra Mundial. Depois da saída dos britânicos só ocasionalmente se realizaram torneios e campeonatos inter-clubes. Ling Pó, representando o Centro Recreativo Indo-Português foi 3º numa eliminatória dos 400 metros, de um torneio organizado pelo Clube Ferroviário em Dezembro de 195272.

Figura 21: Atletas do Karate-Do. Kop Pon (ou Pou) membro fundador da escola; Ian Harris (mestre, cinturão negro), Ping Leong (membro fundador da escola e instrutor principal). Os quatro caracteres no topo do palco, ladeados pelos dragões, significam, em português, no seu conjunto, “Todo o Mundo Imparcial”. O primeiro carácter significa Céu; o segundo Terra. Os dois dragões foram executados em madeira por Wing Wá, conhecido pugilista. Fotografia de 1 de Maio de 1972, no Salão da escola chinesa da Beira. Fonte: Espólio de Eduardo Ping

84 A tradição da ginástica e das artes marciais do Oriente teve sempre entusiastas no seio dos “sino-moçambicanos”. Nas décadas de 40 e 50, alguns praticavam variantes de Kun

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Fu (Chuan de Shaoloin). Nos anos 60, existia um mestre de Tai Chi Chuan [Supremo Punho Final] à frente de uma classe de cerca de quarenta pessoas de todas as idades. Nos últimos anos de 1960, alguns jovens “sino-asiáticos” criaram uma secção local do Kyokushinkai-Kan, uma variante do Karaté, vulgarmente conhecida por Karate-Do. Esta escola de artes marciais surgiu do contacto com uma escola afim existente em Salisbúria, na Rodésia, de onde vinha periodicamente Ian Harris, que tinha a categoria de cinturão negro e de mestre graduado73.

85 Nos primeiros tempos de actividade na Beira, o núcleo era apenas composto por “sino- asiáticos” que treinavam semanalmente no salão de festas da escola chinesa. Entre eles, o cantonês era a língua veicular, mas o inglês e os termos japoneses do Kyokushinkai-Kan também estavam presentes. A partir de 197274, esta escola de Karate-Do foi aberta a atletas provenientes de outras etnias e fenótipos, principalmente de brancos e mestiços. Não havia negros no Karaté. Estes participavam, sobretudo, nas competições de boxe. A escola chegou a ter mais de 50 atletas inscritos.

Figura 22: Eduardo Ping numa demonstração de Karate-Do. Fonte: Espólio de Eduardo Ping

86 Por essa mesma época existia no Sport Lisboa e Beira uma outra escola de Karaté, cuja variante era o Shotokai. Esta escola era dirigida pelo mestre Romano.

87 Ficaram famosos os combates de apresentação das duas escolas, a solo ou em confrontos com escolas rodesianas e sul-africanas. Realizavam-se perante imenso público no Clube da Beira (Pavilhão da Mocidade Portuguesa).

88 A propósito de um torneio internacional de Karate-Do realizado na Rodésia, a equipa beirense, em representação do estilo em Moçambique, excedeu todas as expectativas e embora ficando em último lugar na classificação por equipas, obteve seis medalhas individuais: Eduardo Sujaque Ping (quatro medalhas – dois primeiros lugares e dois segundos), Julieta Lee King75 (uma medalha relativa a um segundo lugar), e Chin Seu Wing (uma outra, também de segundo classificado)76. Coube ao presidente do Centro de “Karate-Do” da Beira, Chin San Tieng, fazer a entrega dos troféus conquistados pelas equipas participantes. O intercâmbio

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internacional foi particularmente profícuo para os beirenses que deste modo adquiriram mais conhecimento77.

Figura 23: Chin Hung Chong, primeiro plano à esquerda, com amigos. Fonte: Espólio de Chonguito

89 Só a partir dos anos 40 é que membros da comunidade “sino-moçambicana” da Beira se dedicaram à caça grossa78 como actividade desportiva. Caçavam nos tandos do Tica, Pungué, Muda, Vila Machado e nas proximidades da Gorongosa. Por razões de afinidades familiares e de amizade, havia dois grupos principais de caçadores desportivos, o grupo de Chin Jó e o grupo de Wing Fá.

90 Eram quase os mesmos indivíduos que se dedicavam à pesca desportiva na baía da Beira ou na praia do Sengo. Alguns, a certo momento das suas vidas, passaram a dedicar-se à pesca comercial para o mercado no Inhassoro e Vilanculo, também nas praias do Inhangau e do Régulo Luís na região da Beira. Pescavam, sobretudo, peixe pequeno que, seco, se destinava ao comércio indígena79.

Comentários finais

91 Até final dos anos 50, as actividades desportivas na Beira estiveram assinaladas por uma forte carga étnica e racial. Os clubes desportivos que foram nascendo eram étnicos ou fomentaram identidades regionais ou clubistas particulares. Havia desporto dos e para os anglo-saxões, como o cricket (sendo que os indo-portugueses praticavam também esta modalidade) e o golfe, bem como desporto para a elite dos outros brancos, como o hipismo, modalidades náuticas e ténis. O desporto tornava-se, assim, uma construção cultural de um tempo e de uma formação social colonial específica. E essa construção local tornou-se produtora de identidades socioculturais de expressão territorial, que iria marcar toda a história desportiva beirense. Todos os desportos praticados na Beira eram já uma prática globalizada, na medida em que estavam estritamente regidos por

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regras internacionais e pelas emoções que eles provocavam de modo semelhante ao de qualquer parte do globo.

92 Os imigrantes “sino-asiáticos” da primeira vaga, “coolies”, artesãos e horticultores viveram à margem dessas práticas. Mas os “sino-asiáticos” e os “afro-chineses” nascidos na colónia, embora não participando num primeiro tempo nas actividades desportivas organizadas pelos brancos, passaram a dedicar-se ao desporto nas escolas e entre grupos de amigos e vizinhos. Estas práticas tiveram uma importante influência nos processos de socialização de rapazes e raparigas, com repercussões na comunidade “sino-moçambicana” que respondeu com uma maior abertura das famílias, na produção de um campo de lazer e na libertação das tensões individuais e de grupo. Contribuiu, por último, para as mudanças dos comportamentos sociais.

93 Com a criação do Atlético Chinês em 1947 e do Oriental, no começo dos anos 60, e com a progressiva abertura dos clubes dos colonos a mistos e asiáticos, os “sino- moçambicanos” envolveram-se activamente no desporto beirense. As práticas desportivas transformaram-se em momentos de convívio e de inclusão social. O desporto transformou-se num lugar privilegiado de aproximação interétnica, de integração social e de espectáculo de emoções. No caso dos “sino-moçambicanos”, o desporto contribuiu também para a afirmação de uma identidade própria, beirense e moçambicana.

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NOTAS

1. O essencial das pesquisas sobre os “sino-moçambicanos” foi feito no âmbito de um projecto no Núcleo de Estudos Sobre África (NESA), do Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades, da Universidade de Évora, CIDEHUS-UÉ, c. 1990-1998. 2. Uso a expressão para designar os “sino-asiáticos”, “sino-europeus”, “sino-indianos” e “mestiços” de vários cruzamentos nas gerações seguintes (Medeiros, 2007a). 3. Agradeço a Augusto Nascimento o saber e a paciência com que me ajudou na transformação do capítulo para o artigo nesta revista. 4. Antes da II Guerra uma equipa de basquetebol representando a Associação Pagode Chinês da capital da colónia participou nalgumas competições. 5. As actividades desportivas dos clubes estavam enquadradas em associações da modalidade. Associação de Futebol de Lourenço Marques, Associação de Futebol da Beira, Associação de Basquetebol, Associação de Hóquei, etc. Eram associações dos colonos. Paralelamente, à maneira dos sul-africanos, houve associações de futebol dos “indígenas”. 6. Antes de 1930 já havia essa distinção do “nós” e dos “outros”, mas foi o Acto Colonial de 1930 que mais clara e definitivamente, até 1951, registou na lei a clivagem entre “civilizados” e “indígenas”. 7. Ressalvo que alguns mestiços com uma qualquer ascendência chinesa já participavam nas competições desportivas.

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8. Neste ano foi revista a Constituição de 1933 e revogado o Acto Colonial de 1930, e nos anos seguintes foi promulgada uma série de legislação, entre a qual, a que instituiu os Conselhos Provinciais de Educação Física (1957). 9. As actividades económicas não eram exactamente as mesmas da geração precedente, que foi a dos “coolies” e dos artesãos (Medeiros, 2006a). 10. Num outro texto analisarei o nascimento de novas associações depois da II Guerra, de acordo com o que passava na China e no novo contexto colonial. 11. Segundo o Anuário Estatístico do Ultramar, de 1958, dos 5 739 911 habitantes na colónia, 5 615 053 eram analfabetos, isto é, 97,86%. 12. Nos termos da portaria provincial n.º 317 de 1917, os africanos para pretenderem ser assimilados tinham que mostrar ter abandonado inteiramente os “usos e costumes, incluindo a poligamia, falar e ler português, ganhar o suficiente para si e para a família”, ou seja, mostrar que viviam segundo padrões portugueses. 13. Segundo informação que me forneceu José Luís Cabaço em Setembro de 2011, o nome do Desportivo era Desportivo Lourenço Marques e não Desportivo de Lourenço Marques. Paulino dos Santos Gil era maçon e esteve na fundação do clube. 14. O Ferroviário da Beira foi sucedâneo do Beira Railway Athletic Club dos ingleses; o Clube Desportivo Ferroviário, de Lourenço Marques, nasceu no dia 13 de Outubro de 1924. 15. Antes: Atlético Nacional Clube de Lourenço Marques, com equipamento semelhante ao São Paulo Futebol Clube, do Brasil, e no qual jogaram em 1944 José Craveirinha e Mário Wilson (Craveirinha, 2002, p. 76). 16. Fundado por gente oriunda de Quelimane, com campo perto da actual Escola Estrela Vermelha, na Av. Guerra Popular. 17. Quase uma secção da Associação Africana, e com sede numa casa situada entre a avenida de Angola e a avenida Irmãos Robby. 18. Há o aportuguesado “críquete” para a língua portuguesa. Mas como a modalidade permaneceu muito inglesa mantive o vocábulo original. 19. Lloyd Hill, professor da Universidade de Joanesburgo, apud Fontenelle (2010). 20. A primeira vez que vi os ingleses da Majestática jogar críquete no Beira Amateur Club fiquei pasmado com aqueles homens vestidos a rigor, um a lançar uma pequena bola e outro a tentar bater nela com uma espécie de prancha de madeira, não regular, para que a dita não batesse nuns pauzinhos espetados na vertical, e outros, à volta, espalhados pelo relvado, a tentar agarrá-la, quando o tal da pá conseguia bater nela! E ficaram nisto toda a tarde de sábado. E eu, criança, especada na bancada de madeira, a tentar perceber alguma coisa daquilo (In Eduardo Medeiros, MZ 1958 - 1964, contextos para memórias de infância e da adolescência. Inédito). 21. Comunicação pessoal, carta de 11 de Novembro de 2003. 22. De acordo com o folheto publicado na Beira em 1964 pelo “Souvenir dos Festejos do 35º Aniversário”, o Clube foi fundado em 1929. 23. O Clube Desportivo da Beira resultou da fusão do Futebol Clube da Manga (filial do Futebol Clube do Porto) e de Os Belenenses da Beira. O grande impulsionador do Desportivo foi o advogado Domingos Allen. O Clube Desportivo caracterizava-se nos anos 60 por ser um clube da terra, com uma inter-racialidade no tocante a atletas e associados. 24. A influência inglesa até aos anos 50 foi enorme e, por isso, o nome dos clubes aparecia frequentemente com termos ingleses. 25. Clube criado pelos empregados e funcionários da Fábrica de Cimento da Nova Maceira. A modalidade principal era o hóquei patins (Informação de Manuel A. S. Costa, e-mail de 27 de Junho de 2003).

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26. Uso o termo “branco” para indicar, no sentido biológico, a população colonizadora de pele clara, nascida ou não na colónia e, nalguns casos, os mestiços mais claros. No sentido cultural, “branco” era todo aquele que tinha adoptado o modo de vida europeu. 27. A propósito destes bairros, é de assinalar que nunca houve uma Chinatown na Beira. Os “sino-moçambicanos” foram sempre ocupando espaços na rota dos compounds dos trabalhadores negros nos bairros urbanos e suburbanos que foram nascendo. 28. Matope é a designação de barro, lodo ou terra barrenta, muito comum nas margens beirenses do Chiveve, um braço de mar. 29. Entrevista de Francisco Zonjo a Alexandrino José (José, 1989). 30. Diário de Moçambique, 1 de Agosto de 1959. 31. Salvo naqueles raros casos dos rapazes que eram integrados nas respectivas famílias “sino-asiáticas” de origem. 32. Em 1950, viviam na colónia 1 613 “amarelos”, 997 H e 616 M, sendo 861 nacionais e 752 estrangeiros, achando-se assim distribuídos por distrito: Lourenço Marques, 734 (421 H); Gaza, 37 (33 H); Inhambane, 61 (43 H). 33. As famílias sino-asiáticas tinham em média muitos filhos, rapazes e raparigas, que, pelas regras da exogamia clânica não encontravam soluções matrimoniais no seio da comunidade local. Também por isso começaram os casamentos inter-étnicos nos anos 50. Por causa do número elevado de filhos, a integração de todos nas cantinas da família era problemática. Ou abriam novos negócios ou integravam-se noutras actividades da economia colonial. 34. Arquivo Histórico de Moçambique (AHM, Maputo), 1947-50, Cx. 23, Pasta 27, Capilha 5. 35. Houve a ligação de alguns dignitários locais ao Kwomintang de Chiang Kai-shek e, depois de 1949, ao governo da Formosa através dos seus cônsules na África Austral. 36. Centro Recreativo Indo-Português, Clube Desportivo da Beira, Clube dos Operários Goanos, Clube Helénico, Clube Ferroviário, Sport Lisboa e Beira e Sporting da Beira. 37. A administração colonial considerava o Clube Chinês-Chee Kung Tong uma agremiação (também) desportiva, no que estava equivocada. O Chee Kung Tong era uma confraria secreta (com lojas de carácter maçónico pelo menos até 1949), que actuava em todas as comunidades chinesas de além-mar, pretendendo controlá-las através de “Grémios ou Clubes ou Associações locais”. Outras tríades procuraram fazer o mesmo, antes e depois de 1949. Vide Medeiros, 1998a, 1998b, 2007b. 38. Ainda não encontrei referências escritas a esta associação. Mas pelos testemunhos orais que recolhi, a sua formação teve a ver com posicionamentos políticos dentro da comunidade face à nova situação na China e também sobre o novo rumo das tríades no além-mar chinês. A comunidade dos “sino-asiáticos” não era homogénea do ponto de vista étnico e de classe (muito menos a dos “sino-moçambicanos”). Nem eram todos “bons portugueses”! Mas a grande maioria estava interessada em permanecer em Moçambique como moçambicanos, desde que não fossem os negros a governar. 39. AHM, 1947-50, Cx. 23, Pasta 27, Capilha 5. 40. Chin Chong, aliás, Chin Tung Chong – Chonguito, para além de jogador de basquete no Atlético, foi jogador de futebol no Sporting Clube da Beira, 1958-1959, treinador, árbitro, dirigente desportivo. Morreu praticamente esquecido em Massamá, na região de Lisboa, em 2006. 41. Em 1947, Chiang-Kai-shek tornara-se o senhor absoluto do Kwomintang e apelava aos membros das tríades e aos compatriotas de além-mar para o combate contra os comunistas que estavam prestes a conquistar o poder e a expulsá-lo para Taiwan.

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42. Apodo de uma família “sino-moçambicana” da Beira. 43. Ver fotografia sem nome dos atletas publicada no Diário de Moçambique de 24 de Setembro de 1959. 44. Diário de Moçambique, 5 de Janeiro de 1951 e 11 de Janeiro de 1951. 45. Só em Setembro de 1959 é que o pavimento do campo de treinos passou a ser em cimento (Diário de Moçambique, 24 de Setembro de 1959). 46. Por exemplo, em Abril de 1951, foram seleccionados do Atlético os jogadores Voi You, Fone Guine e John Ping (Diário de Moçambique, 27 de Abril de 1951). 47. Diário de Moçambique, 12 de Janeiro de 1951. 48. O uso do ópio pelos chineses mais idosos no Clube Chinês não deve ser julgado com os critérios hodiernos do uso das drogas (Medeiros, 2006b). Os jovens dessa altura riam- se dessas práticas dos anciãos. Para eles, a droga era o desporto. O uso de drogas, sobretudo da suruma, só se expandiu entre muitos jovens em Moçambique no contexto da guerra de libertação e das revoltas estudantis mundiais no final dos anos 60 e nos anos 70. Já há alguns testemunhos na literatura ficcionada sobre este fenómeno em Moçambique (Vide Gil, 2005). 49. Diário de Moçambique, 18 de Janeiro de 1951. 50. Diário de Moçambique, 9 de Fevereiro de 1951. 51. O Notícias da Beira sucedeu ao The Beira News em 1951. Propriedade de uma SARL chefiada por Victor Gomes, era semanário. Só a 20 de Agosto de 1966, após a criação de uma sociedade anónima apoiada pelo BNU e dirigida de facto pelo Eng.º Jorge Jardim, é que o Notícias da Beira passou a diário, assim se mantendo até 17 de Setembro de 1981. 52. Notícias da Beira, 30 de Março de 1951. 53. Diário de Moçambique, 31 de Março de 1951. 54. No torneio popular de voleibol na praia do Pavilhão Oceânia, participaram as seguintes equipas: Andorinhas, Os Beras, Vagabundos, 4 Aleijados + 1 à Rasca, Anofeles, República do Pachá, 1 Rás e 5 que Parta, Beiramar, Lusalite, D.D.T. (Notícias da Beira, n.º 3851, de 31 de Julho de 1952, e n.º 3882, de 4 de Setembro de 1952). 55. Notícias da Beira, n.º 3844, de 15 de Julho de 1952. 56. Notícias da Beira, n.º 3840, de 5 de Julho de 1952. 57. É a única equipa desportiva conhecida da comunidade muçulmana, na sua maioria paquistanesa. 58. Notícias da Beira, n.º 3852, de 1 de Agosto de 1952. 59. Notícias da Beira, n.º 3860, de 26 de Agosto de 1952. 60. Segundo Al Pereira (26 de Outubro de 2003), a contratação de Shéu pelo Benfica passou-se em 1973 depois de o olheiro do clube lisboeta, o ex-jogador Francisco Calado, ter sido alertado que havia um miúdo com muito interesse na equipa dos juniores do Sport Lisboa e Beira. Mas o Calado ao ver o Shéu pela primeira vez sorriu e disse: “O rapaz precisa é de comer e não de jogar à bola!”, tão franzino que ele era. Porém, ao vê-lo no campo, durante um encontro de juniores, imediatamente se interessou pelo jogador, que seguiu para Lisboa à experiência, onde agradou. O contrato foi de 100 contos e um jogo de futebol a efectuar pelo Benfica na Beira, que nunca se realizou. 61. Da documentação consultada, apenas registamos a participação de Fone Wah na corrida de bicicletas Beira-Dondo, em Fevereiro de 1951 (Moçambique Ilustrado, Ano II, n.º 17, de 15 de Maio de 1956, p. 23. Diário de Moçambique, 12 de Fevereiro de 1951). 62. Futuro empresário em Vilanculo e Ilha de Santa Carolina. 63. De apelido Yee, filho de Yee Ah Su, que foi trabalhador da Sena Sugar, em Marromeu. 64. Filho de Chin Leong Hó, do Esturro.

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65. Diário de Moçambique de 26 de Abril de 1951. 66. Comunicação de Al Pereira, 6 de Outubro de 2003, e de Luís Chin, 16 de Novembro de 2003. 67. Para uma bibliografia desportiva de Al Pereira ver Notícias da Beira, n.º 3894, de 29 de Novembro de 1952. 68. Comunicação de Al Pereira, 6 de Outubro de 2003. 69. Sobre esta modalidade em Moçambique na época colonial, consultar na Internet o excelente sitio do ex-jogador e treinador Francisco Velasco, http://www.francisco- velasco.com/ 70. Seria interessante, a este respeito, recolher as “narrativas” do “grande público” respeitante aos jogos do C.R.I.P., e dos Goanos. 71. De assinalar que, em Lourenço Marques, no Ginásio Clube e na Associação Africana de Moçambique já se praticava a ginástica educativa e olímpica (Moçambique Ilustrado, n.º 24, de 1 de Setembro de 1960). 72. Notícias da Beira, n.º 3905, de 11 de Dezembro de 1952. 73. Ian Harris era de origem irlandesa, tendo vivido no Japão muitos anos, onde se tornou cinturão negro e mestre antes de emigrar para a Rodésia. 74. No ano de 1970 existiam na Beira para cima de duzentos estabelecimentos comerciais de proprietários chineses (Bandeira, 1970, pp. 5 e 21). 75. Filha única do dono da Foto-Beira. Carta de Eduardo Ping, 7 de Abril de 2003. 76. Diário de Moçambique, 26 de Novembro de 1974. 77. Ibid. 78. Para além da actividade cinegética dita desportiva, uns raros tentaram-se pela caça profissional. Yum Whá, da Casa Ho Ling, em Lourenço Marques, foi um caçador profissional. 79. Sobre estas e outras actividades económicas ver Medeiros, 2006a.

RESUMOS

No início da segunda metade do século XX o desporto passou a ter uma dimensão considerável em Moçambique. A influência dos territórios vizinhos sob domínio britânico, os contactos internacionais que tanto a Beira como Lourenço Marques desfrutavam, e a maior facilidade com que se passou a acompanhar o desporto na metrópole colonial promoveram consideravelmente a prática desportiva entre os jovens da população dita civilizada, na qual se integravam os chineses. Desenvolveu-se deste modo um verdadeiro movimento associativo da cultura desportiva. Começarei por mostrar neste artigo a história da prática desportiva e a evolução das instituições do desporto na sociedade colonial da cidade da foz do rio Pungué, mostrando em seguida o envolvimento da comunidade chinesa no desporto federado e amador.

From the beginning of the second half of the Twentieth century, sport started to develop as a significant form of recreation in Mozambique. The influence of neighbouring territories under British rule, the international contacts that residents of Beira and Lourenço Marques enjoyed, and the great facility with which sports were followed in the colonial capital led to a considerable rise in the practice of sports by the younger members of the so-called ”civilized population”,

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which included the Chinese. Thus, a veritable movement for the promotion of a sports culture developed, evidenced by the formation of clubs and associations. This paper begins by describing the history of the practice of sports and the evolution of sports institutions in the colonial society of Beira City, and goes on to describe the involvement of the Chinese community in federated and amateur sport.

ÍNDICE

Keywords: Mozambique, colonial history, sport, clubs, associations Palavras-chave: Moçambique, Desporto, Clubes, Associações, História colonial

AUTOR

EDUARDO MEDEIROS [email protected]

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Tourisme sportif et identités : Les pratiquants de canoë en Zambie Turismo desportivo e identidades: Os praticantes de canoagem na Zâmbia

Antoine Marsac

NOTE DE L’ÉDITEUR

Recebido 15 de novembro de 2012; Aceite 8 de outubro de 2013

1 En Afrique australe, le sport et le tourisme tendent à devenir des secteurs d’activités prospères comme en témoignent la création d’entreprises dans ce secteur. Ces activités récréatives correspondent à de véritables besoins des populations. Les professionnels spécialisés dans ce domaine cherchent à « capter » les fractions aisées des occidentaux par des activités de loisirs (safaris, sports d’aventure…). Il ne s’agit plus seulement d’allier vacances et dépaysement. Il faut que le séjour devienne un moment d’émotions partagées et vécu sur un mode intense, au prisme de la différence culturelle. L’exploration en canoë1 s’inscrirait dans cette recherche de communion avec l’Autre, où le contact avec la nature, les populations locales et la découverte de paysages des pays du Sud transcenderaient le voyage. A la fois sport, loisir sportif et moyen de déplacement utilitaire dans les zones défavorisées des pays du Sud, le canoë est désormais une pratique présente sur tous les continents. Quels sont les enjeux culturels du développement du canoë ? Comment cette forme de loisir s’est-elle diffusée en Occident et quelle est son retentissement au niveau des identités locales ? Comment des liens sociaux se créent-ils dans ce sport entre les pays du Nord et ceux du Sud ?

2 L’enquête ethnographique2 menée s’est déroulée en avril 2006 dans la vallée du Zambèze, à la hauteur des chutes Victoria. Des infrastructures y ont été aménagées pour accueillir les touristes étrangers qui contemplent les chutes Victoria, en leur proposant des descentes du cours d’eau. Le lieu d’enquête, Livingstone, représente la capitale économique du pays, située à cinq kilomètres des chutes Victoria. En période touristique, cette localité double sa population.

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3 L’enquête a consisté à observer les guides de tourisme sportif et leurs clients en Afrique australe en avril 2006 dans la vallée du Zambèze. Ce haut-lieu jouit d’une renommée mondiale3 dans le secteur du tourisme sportif car ce cours d’eau est le quatrième fleuve africain. Il sépare le Zimbabwe de la Zambie. Le second cité est un État d’Afrique australe enclavé peuplé d’un peu moins de dix millions d’habitants. Il est composé de groupes Bantous divisés en chefferies jusqu’à l’arrivée des Européens au XIXe siècle. Puis, le pays est colonisé par les Britanniques de 1924 à 1964 sous le nom de Rhodésie du Nord et devient un lieu de villégiature pour la bourgeoisie sud-africaine. S’il s’urbanise depuis les années 1930 (Hannertz, 1983, p. 56), son économie est aujourd’hui tournée principalement vers l’agriculture et l’extraction de minerais. Depuis trente ans, le tourisme se développe également dans les villes (à Lusaka, la capitale). Des infrastructures hôtelières y ont été aménagées par les Britanniques pour accueillir les touristes étrangers et leur proposer des descentes en canoë en amont des chutes Victoria, l’un des sites les plus visités au monde.

4 Nous sommes partis de ce questionnement : qu’est-ce qui caractérise l’identité dans le domaine du tourisme sportif en Zambie ? L’objectif de cet article est de caractériser les relations sociales liées aux activités auxquelles s’adonnent les touristes encadrés par des guides locaux. Nous définissons la notion d’identité comme la connaissance de soi en rapport avec ce qui caractérise le lien avec l’Autre. À partir de cette perspective, on interroge la diffusion du canoë de rivière par la mise en tourisme des territoires et les relations entre acteurs (Eichberg, 1998, p. 7). Dans quelle conjoncture cette activité s’est-elle diffusée en Afrique ? Comment l’identité des pratiquants de canoë se construit-elle ?

5 Cette étude conduit à opérer un retour sur l’émergence des relations entre touristes et populations locales. Nous avons choisi de nous focaliser sur le tourisme sportif en canoë plutôt que sur les pratiques communément plébiscitées par les pratiquants occidentaux (safari, rafting…) car la tradition du trip, séjour touristique, renvoie à l’exploration du territoire (Knafou, 1998). Il s’agit surtout de s’appuyer sur une démarche ethnographique pour saisir l’émergence de la relation à l’Autre (Winkin, 1998), c’est-à-dire à celui qui se distingue, à ces périodes et dans ces contextes, de l’homme occidental dans le cadre des descentes en canoë. Nous adoptons ici la définition du tourisme développée par Violier qui considère ce phénomène, non plus uniquement comme le produit d’institutions le règlementant, mais comme une interaction constante entre les touristes et les lieux visités (Violier, 2011).

6 En considérant les changements induits par les apports de la commercialisation de ce loisir en Zambie depuis la décolonisation, on s’aperçoit qu’une enquête ethnographique s’avère nécessaire pour saisir les relations entre les pratiquants des activités dites de « découverte du milieu naturel » et les Tonga, groupe dont sont issus les guides. Un retour par une analyse socio-historique pose ici des jalons pour comprendre l’évolution du loisir dans les rivières depuis leur introduction en Zambie jusqu’à leur développement dans ce pays.

Cadre d’analyse

7 Comprendre l’imbrication du processus identitaire implique de situer notre étude à la fois dans une ethnographie des canoéistes mais aussi une sociologie des pratiques. Il existe un enjeu heuristique à investiguer empiriquement les relations entre guides

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africains et européens car cette analyse est le fruit d’une étude articulant les concepts de ces deux disciplines des sciences sociales. Les présupposés théoriques et méthodologiques se focalisent sur des questions propres aux approches comparatives (Chabloz, 2010). Ce recours à deux disciplines pose des problèmes épistémologiques (du fait des exigences méthodologiques que ces approches requièrent) car anthropologues et sociologues ne partagent pas tous les mêmes critères de scientificité ni les mêmes modes d’administration de la preuve. Il faut donc préciser que l’articulation entre ces disciplines interroge un même objet à des niveaux de réalité différents. L’historicité se combine à l’étude in situ de groupes s’adonnant au tourisme. L’identité est ici interrogée grâce à cette perspective de voyage et d’écriture (Toffin, 2008).

8 La première démarche consiste à s’appuyer sur une définition théorique de l’identité car plusieurs acceptions de ce terme coexistent. L’identité renvoie nécessairement aux relations avec les Autres que nous bornons ici aux guides africains, en adoptant une posture de décentrement et d’empathie, caractéristiques de la discipline; il convient de rappeler que l’étranger et l’identité ne sont que des fictions normatives (Agier, 2011). Elles correspondent à des niveaux du réel qu’il convient de saisir en considérant tous les aspects de leur complexité. Le travail procède, en complément des archives, d’une analyse de données menée par entretiens répétés, réalisés avec des acteurs ayant structuré le champ du canoë en Zambie. Interrogés sur leur manière d’appréhender l’étranger, des guides ont répondu aux questions que nous leur avons posées lors d’entretiens. Nous avons délimitée l’identité, au sens où celle-ci repose sur des éléments subjectifs (imaginaires, symboliques). Les discours des touristes interrogés représentent des sources complémentaires à l’analyse centrée sur l’écrit. Les entretiens semi-directifs consistent à recueillir directement ces discours d’acteurs par des questions préalablement formulées. Un dialogue s’établit entre le chercheur et son informateur. Le premier pose des questions précises au second, à partir d’un dispositif nommé guide d’entretien. En fonction des réponses, chacun ajoute des éléments significatifs. Il s’agit ici d’interroger les guides zambiens sur leurs relations entretenues avec les touristes occidentaux et sur leur « cohabitation » au sein du territoire. L’étude des facteurs culturels et des normes sociales s’opère par le traitement des données réalisé via une analyse thématique qui repose sur un modèle explicatif des actions et des représentations. Le matériau recueilli nous permet de présenter des résultats traduisant les dynamiques identitaires des pratiquants.

9 Lors de l’enquête ethnographique menée auprès des participants aux expéditions, le chercheur se trouve forcément impliqué dans des « dynamiques de groupes restreints ». Dans ce contexte, la démarche ethnographique accorde une place centrale au point de vue des acteurs observés. S’intéresser à ce qui fait sens aux yeux des touristes est une possibilité heuristique pour tenter d’éclairer l’origine des contradictions qui caractérisent aujourd’hui les pratiques touristiques. La recherche toujours plus poussée d’évasion hors du quotidien pousse les citadins à organiser des expéditions, mues par un ethos de conquête et la recherche de prestige social par le voyage. Dès lors, des luttes s’engagent pour l’accès aux différents lieux. L’observateur demeure pris dans une confrontation avec les règles ordinaires du quotidien et les convictions des acteurs. En effet, la recherche d’une méthodologie propre aux expéditions se heurte à l’installation de routines, ensemble d’habitudes propres aux acteurs... Son implication est alors soumise à la lecture du monde qui est le produit

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d’expériences vécues. Cette implication pose le problème du réglage de la proximité avec les acteurs (Gold, 2002).

10 Cette recherche s’inscrit dans le domaine des études touristiques car elle s’attache à montrer l’origine des interactions et des clivages de représentations des populations. Dans le sillage des travaux sociologiques, de nombreuses analyses ont retracé la genèse des imaginaires des acteurs. Ces études ont introduit la question des rapports du citadin à l’espace et sa relation aux autres. Une liberté nouvelle au XXe siècle s’exprime à travers les sensibilités des citadins à la nature. Pour rendre compte des interactions entre touristes et guides, il convient d’appréhender les influences du traitement de l’identité sociale. De fait, la littérature spécifique insiste sur un système de normes appréhendé à travers des usages de l’espace et les retentissements lors des périodes coloniales en Afrique. En ce sens, il faut revenir à l’histoire de la Zambie pour comprendre comment le canoë s’est établi par le code de l’indigénat et l’exploration des espaces naturels (Decraene & Châtel, 1995, p. 77) car des excursionnistes ont préfiguré l’avènement d’usages des territoires qui fournissent aux « indigènes » les modèles et référents identitaires.

Les débuts du tourisme en canoë : l’apanage de notables

11 Il s’agit, dès à présent, d’exposer les enjeux contextuels sur lesquels les premiers pratiquants ont établi leur domination. Depuis les grandes conquêtes coloniales, le canoë repose sur les préceptes du « grand partage » anthropologique entre les sociétés dites « modernes » et les autres. Cette dichotomie aurait profondément marqué la structuration de l’activité dans ses dimensions culturelles. Pour ce faire, nous devons d’abord décrire la diffusion des normes sur lesquelles reposent les sensibilités à la nature en fonction des périodes d’exploration du Canoë Club dans la première moitié du XXe siècle en Europe puis en Rhodésie du Nord pour comprendre les pratiques contemporaines des guides de tourisme à l’origine des relations avec les touristes occidentaux.

12 Le canoë a longtemps été considéré par les nobles comme une forme de revitalisme d’une pratique ancienne révélée à la faveur de la société victorienne et de l’Empire. Une élite britannique va investir des territoires inconnus grâce à son temps libéré. A la fin du XIXe siècle, l’Ecossais McGregor, venu en Europe en 1867 pour naviguer en « autonomie » sur les fleuves annonçait les prémices de la rencontre avec les riverains. Rétablis dans des dimensions diachroniques, ces faits entrent dans la problématique de la construction de l’identité en canoë. On y retrouve les normes de « l’excursionnisme cultivé », terme recouvrant l’exercice du pratiquant et décrivant les qualités du canoéiste dans cette citation : mystérieux à souhait, il a ce regard lointain que donne l’examen des problèmes ardus et l’habitude des responsabilités, il connaît les cartes et les rivières par cœur. Conquérant des eaux vierges, il fend avec son étrave la vigueur des torrents inconnus. Une mission sacrée l’appelle vers des pays creusés de canyons sans soleil où vivent des indigènes datant de l’enfance du monde 4.

13 Cet extrait démontre que, dans le rituel d’écriture auquel s’adonnent les membres du Canoë Club, l’identité occupe une place centrale lors des périodes coloniales.

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14 L’intrusion dans l’espace de la littérature de sensibilités liées à l’exploration et à la domination des citadins sur les populations rurales rappelle que nous nous situons en période coloniale. Le terme « indigène », utilisé pour désigner les habitants, est devenu une catégorie de perception de l’Autre. Il apparaît dès les premières années du Canoë Club dans ces « contrés inconnues peuplées d’indigènes »5. Les auteurs visent ceux qui ne possèdent pas les modes de mobilité dont jouissent les canoéistes, en majorité citadins. Le vocable « Indigènes » lié à la domination urbaine se généralise dans les récits de croisière. Bien que la terminologie permettant de qualifier les populations locales ait évolué au fil du temps, il s’agit d’une extension du terme signifiant ici « habitants des vallées ». Jusqu’aux années 1940, les discours des promoteurs de l’excursion restent marqués par un certain paternalisme envers les populations rencontrées. Le marquage social de l’excursionnisme s’enracine dans une sensibilité à la différence de l’Autre. Il subsiste dans les récits une partition entre « eux » et « nous ». Cette désignation des populations constitue un marqueur de l’appartenance sociale et est, par conséquent, l’élément à prendre en compte dans l’identité. Les archives de la revue La Rivière décrivent des populations rurales rencontrées au gré des descentes de cours d’eau. Le canoë constitue en cela un révélateur des lignes de fractures entre les promoteurs d’une exploration des espaces « vierges » et la pratique des compétiteurs qui apparaît au XXe siècle. Deux raisons expliquent ce clivage. D’abord, le récit des « Premières », sur le modèle de l’alpinisme, met en avant une nature « immaculée » peuplée « d’Indigènes » (extrait de récit).

15 Ensuite, la mission « civilisatrice » des excursionnistes dans les provinces françaises préfigure les expéditions lointaines. Les sensibilités des membres du club se diffusent dans des publications portant sur le tourisme : imaginaire du retour à la terre, conquête du pays et liens avec l’Autre. En effet, l’excursionnisme repose sur un besoin d’évasion, des visées pédagogistes et fonde un imaginaire des grands espaces hérité de la culture anglaise, des épopées canadienne et des explorations de sociétés savantes. Les représentations qu’ont les guides de la naturalité incluent les représentations de ces territoires ruraux. Ce groupe met en œuvre une rationalisation de l’exploration des sites. Le développement de la pratique repose ainsi sur une construction précise de l’identité. Pour les auteurs des récits du Canoë Club, « l’Indigène » fait partie intégrante de la nature. Ce contexte influence les visées exploratrices des anciens administrateurs coloniaux créant de nouveaux besoins.

L’identité en miroir : Canoéistes vs. « Indigènes »

16 Pour les peuples colonisés, les notables explorant leur territoire sont des figures identificatoires. Le jeu perpétuel de tensions entre colons et colonisés se rejoue constamment. Les Zambiens sont contraints d’évoluer avec les mœurs dominantes, notamment avec la présence de diverses générations auxquelles le mode d’organisation et de fonctionnement doit s’ajuster. La présence d’adolescents, par exemple, atteste de cette volonté d’évoluer avec la société. En étudiant spécifiquement la période coloniale, le tourisme en canoë cherche à se distinguer des autres sociétés nautiques (en voile ou aviron) en prônant la découverte de l’Autre dans un torrent perçue comme « vierge » sans se limiter aux voies navigables (fleuves, canaux). Ses membres fondent une éthique liée à la lenteur du séjour touristique qui se démarque de la sensibilité de l’époque exprimée par une recherche toujours accrue de vitesse.

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17 La représentation des torrents comme espace de jeu semble être communément partagée. Les canoéistes attachés à l’exploration des « sauvages » dans la nature, bénéficient ici d’une légitimité parmi les cercles mondains de la capitale. Ce terme « sauvage » est issu d’un ensemble de représentations autour du mythe des rivières « sauvages » et du wilderness. La figure de « l’Indigène » est revivifiée par les nécessités commerciales du tourisme sportif. Cet emploi sémantique traduit l’ethnocentrisme qui pose la question du recrutement social des adeptes de tourisme sportif. Le renvoi à l’ailleurs perdure dans la modernité réflexive des citadins adeptes du trip en Zambie (Martin, 2005, p. 175). La figure de « l’Indigène » y occupe une place centrale car elle est immortalisée par les récits. Dans ces descriptions, l’aventure est synonyme de découverte de nouveaux paysages, de rencontres avec les « Indigènes ». Le terme « Indigènes » est ici usité au pluriel car il indique autant un rapport au voyage, au territoire exploré, effectué loin de la civilisation et au contact d’inconnus, qu’un rapport aux populations qu’il s’agit de questionner dans le but de les renseigner : « il y a eu de nombreux interviews que nous dûmes avoir nous-mêmes avec les Indigènes, interviews souvent contradictoires… et parfois dangereux » (récit de croisière). Ces « Indigènes » communiquent aux auteurs des informations « utiles » sur la région touristique dans laquelle coule le cours d’eau, la superficie de son bassin versant, la longueur parcourue de sa source au confluent et son débit. Cette sensibilité à la nature liée à la domination des Parisiens sur ces populations rurales rappelle que les élites jouissent d’une mobilité et possèdent une culture héritée des sociétés coloniales. Ainsi, le terme « Indigènes », usité pour désigner les riverains qui contribuent, grâce à leur aide, à l’exploration, au déroulement de l’excursion, se généralise.

18 Si des formes plurielles de sensibilités à la nature ont pu éclore c’est qu’il y a des tensions à propos de la définition de la pratique entre le tourisme et la compétition. Il y a cette propension des élites à rechercher une nature peu peuplée pour la modeler en cherchant à développer les pratiques entre sport, opportunités et idéologie de l’escapisme6. A la « pureté de la nature » s’opposerait « la dégénérescence de la vie urbaine »7 qui est associée à celle de la compétition à laquelle s’opposent les membres du club jusqu’à la Seconde Guerre mondiale.

19 A partir de la moitié du XXe siècle, la descente touristique des torrents associée à la « vie sauvage »8 est relayée par la propagande du tourisme par le Canoë Club. Dès lors, l’activité renvoie aux représentations des espaces dits « vierges ». En répondant à la question posée par le rapport des pratiquants au milieu naturel, on avancera que l’exploration des rivières s’est transformée par l’influence de mécanismes sociaux de perception de l’espace dit « sauvage » à partir de l’héritage des excursionnistes. La pratique du canoë dans les torrents renvoie à un imaginaire des grands espaces inscrits dans l’histoire du continent américain et des grandes épopées. Cet espace de représentations pousse des occidentaux à entreprendre des périples de plusieurs mois dans des pays aux « antipodes de la vieille Europe » (Nil, Zambèze). En fait, les expéditions lointaines ont succédé aux croisières en Outre-Mer. Une frange de pratiquants refusant les aménagements des rives se tourne vers les voyages lointains comme les descentes du Zambèze. Le contexte des années 1950 est à la libre circulation sur ces cours d’eau fondée sur un imaginaire de la nature, sur le modèle du canoeing et des épopées. L’ethos de « conquête » des membres du Canoë Club se déploie à travers cette opération de fuite vers la nature. Son fondement puise sa légitimité dans la détestation de ce que ses membres, pour la plupart notables, nomment « la civilisation

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des villes »9. Ces derniers instaurent une norme de mobilité rendue possible grâce au progrès des modes de déplacement en train et à la villégiature. Il s’agit d’explorer la nature par le voyage et d’écrire un récit des descentes réalisées en autonomie sur plusieurs jours. Cependant, cet engouement des membres du Canoë Club dure jusqu’à l’après-guerre. La plasticité des besoins identifiée par Halbwachs (1970) peut être rapprochée de la situation contemporaine. Cette frontière exotisme/urbanité pousse les citadins à réappréhender ce qu’ils perçoivent comme « moderne ». Nous montrerons, dans la partie suivante, comment cette incursion dans les torrents lointains a prolongé l’exploration de la Zambie en canoë.

Le fleuve africain comme territoire d’explorations

20 Ce n’est donc pas seulement une simple logique d’affichage qui conditionnerait le dépaysement mais un processus d’appropriation des lieux dans une région identifiée par les tour-opérateurs spécialisés dans le canoë comme étant à « vocation touristique ».

21 L’exploration des territoires à des fins touristiques conduit à analyser les conditions de pratique des premiers guides travaillant dans le canoë. En effet, ces professionnels du secteur touristique « captent » les fractions aisées des occidentaux (Cousin & Réau, 2009, p. 36).

22 À partir de la fin des années 1950, les explorateurs promeuvent l’itinérance au long cours dans des torrents africains. Cette démarche renforcée par l’allongement de la durée des congés, constitue une alternative aux croisières dans les cours d’eau les plus touchés par la sécheresse. Pour comprendre l’engagement vers des voyages en Rhodésie du Nord, il paraît indispensable d’en connaître la structure et les changements à travers son histoire. Les membres du Canoë Club partent en Afrique australe, sur le Zambèze en 1950, à la hauteur des chutes Victoria. Le Zambèze, dans ce pôle d’attractivité touristique, fait partie de ces haut-lieux qui jouissent également d’une renommée mondiale. Dès son indépendance en 1964, l’État zambien manifeste son intérêt pour l’activité physique, d’abord en fonction de priorités sanitaires puis dans le cadre du développement touristique. Cette jeune nation présente des régions à fort contraste de développement10. La Province du Sud où sont situées Livingstone et les chutes Victoria est l’une des moins pauvres avec Lusaka, capitale administrative, plus prospère. L’activité canoë y est particulièrement développée. Des infrastructures y ont été aménagées pour accueillir les touristes qui contemplent les chutes Victoria en leur proposant des descentes dans les eaux plus calmes du fleuve. Pour le voyageur pressé, il s’agit d’une activité essentiellement dévolue aux occidentaux permettant d’agrémenter leur séjour. Mais dans la mesure où l’activité est organisée par des guides locaux11, des interactions plus poussées peuvent se créer entre canoéistes et Zambiens. Lorsque ce territoire correspondait à l’ancienne Rhodésie du Nord, des guides organisant le séjour y ont été formés par les Anglais pour accueillir les touristes. Madoré, ancien directeur de la Fédération Française de Canoë-Kayak revient sur cette exploitation des torrents comme une tradition relayée par une propagande au travers des films réalisés ; une « tradition de plein air ». Pour lui, les canoéistes promeuvent une forme d’exotisme dans l’activité à travers la découverte de nouveaux territoires comme le Zambèze : Les pratiques d’Après-guerre à l’époque du C.C.F., c’était les classes dominantes qui se sont regroupées dans les années 50-60 au Grand-Rex avec des photos, des

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premières. Ils s’étaient regroupés en sociétés savantes et fédéraient les loisirs d’eau vive en canoë. Ils ont utilisé le chemin de fer. Cette tradition de plein air s’est interrompue dans les années 7012.

23 Ces guides ont développé l’organisation d’expéditions, perfectionnent les techniques d’approche du cours d’eau et font évoluer le matériel de canoë.

24 Le marché de l’outdoor, terme couvrant ces activités en milieu naturel est particulièrement représenté dans le secteur du tourisme sportif. Cette catégorie d’usage est usitée par des tour-opérateurs détenteurs d’une licence voyage qui s’appuient sur l’attractivité locale dans le secteur du tourisme. Au-delà des formules de courts séjours, les sociétés proposent des trips durant lesquels les clients issus des pays occidentaux d’Europe – Anglais, Français – d’Amérique du Nord ou d’Afrique du Sud s’adonnent au canoë (Mounet & Chifflet, 1996, p. 245) guidés par des Zambiens. Les destinations des pays du Sud sont aussi recherchées comme alternative à la surfréquentation des vallées française (Ardèche). Sur le Zambèze, la découverte des cultures locales (celles de l’ethnie Tonga, vivant près de la frontière entre Zambie et Zimbabwe au nord des chutes Victoria) est aujourd’hui la première raison qui pousse les jeunes pratiquants à voyager. La composition de la population canoéiste constitue un indicateur précis dans la manière d’appréhender l’identité. Le caractère élitiste de ces pratiquants et leur hégémonie sur les riverains du Zambèze marquent ces séjours.

25 Les deux groupes se retrouvent propulsés dans des interactions qui favorisent des débats sur les façons d’organiser l’activité, les manières de naviguer, l’utilisation du matériel. Cette destination revient à de très nombreuses reprises dans les entretiens comme la référence en matière de trips pour les canoéistes occidentaux au même titre que l’Everest pour les alpinistes. Pour les touristes se rendant en Zambie, il ne s’agit plus d’allier vacances et dépaysement. Dans leurs discours, le séjour occupe une place centrale. Dans cette perspective, le voyage devient un moment d’émotions partagées et vécu avec les populations locales, les Tonga, sur un mode intense, au prisme de la différence culturelle (Wieviorka & Ohana, 2001, p. 9).

26 La description du cas zambien soulève des questions quant aux modes de relation des individus des pays du Nord avec les individus des pays du Sud. Quelle est la forme d’identité marquée dans le cas du tourisme sportif ? Quels sont les enjeux sociaux sous- tendus lors des descentes du Zambèze en canoë ? En Afrique, les canoéistes trouvent des lieux propices à l’exploration de la nature au contact des populations du Zambèze : « Une sorte de retour aux origines de l’activité, dans lequel chacun redécouvre les joies et la rusticité de la rivière : l’angoisse qui saisit le canoë au moment d’embarquer, la reconnaissance des difficultés aux abords des passages délicats avec les locaux ». La quête d’une villégiature de qualité (camps au bord de l’eau, ambiance des berges, liens avec les riverains) et la recherche d’un entre-soi sont parmi les raisons pour lesquelles ces canoéistes parcourent des milliers de kilomètres pour explorer le torrent. A l’instar des travaux traitant de l’attractivité des sites touristiques (Gagnon, 2007, p. 9), étudions aussi les nouvelles explorations aventureuses en identifiant la ressource sur laquelle se réalisent ces pratiques liées aux représentations de l’espace local.

La quête de l’ailleurs dans le territoire zambien

27 Il s’agit maintenant de décrire les modes de diffusion de l’offre en analysant l’organisation de l’aventure en Zambie. Pour les guides locaux, ils encadrent les

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touristes dans les eaux tumultueuses de « leur » fleuve. La circulation et l’expérience des migrations pendulaires des travailleurs de ce secteur attestent de la précarité de leur situation. Ce contexte fragile demeure accentué depuis la crise qui sévit au Zimbabwe (le Président Robert Mugabe est à la tête du pays depuis l’Indépendance). Si la réforme agraire a condamné les gérants de compagnies à l’exil, des guides zimbabwéens continuent de franchir le Pont des Chutes Victoria afin d’assurer, tous les jours, la sécurité des touristes embarqués sur le Zambèze. Si les Africains, dans leur majorité, se caractérisent par une faible mobilité, les travailleurs du secteur du tourisme sont fortement mobiles (Stock, 2005) et se déplacent entre 2 à 5 fois par semaine hors du Zimbabwe. L’aspect économique apparaît dès lors comme une variable déterminante de la mobilité des guides créant des inégalités dans le secteur touristique.

28 Or pour les clients, la pratique est choisie et non utilitaire car son déroulement s’inscrit dans une temporalité calquée sur le modèle libéral de la prestation de service. Ces canoéistes consomment un trip d’une semaine sur le Zambèze. Le malentendu avec les guides zambiens est à ce titre éloquent. Les clients qui s’adonnent aux activités d’eau vive en dehors des circuits des tour-opérateurs restent dans une faible proportion. Ces pagayeurs naviguent depuis plus de vingt ans sur le fleuve. Mais dans la majorité des cas, il s’agit d’un circuit spécialement conçu, « sur mesure ».

29 Les guides travaillant sur ce territoire pointent même une désaffectation des sites locaux au profit des destinations étrangères. À ce titre, le Zambèze est devenu un « haut-lieu » du tourisme sportif comme en témoignent les produits proposés par les tour-opérateurs dans lesquels l’exotisme domine. La figure du guide perçu comme nonchalant et désinvolte est une réminiscence de la condition de « l’indigène » dans le secteur du tourisme. Dans les brochures, les Africains sont montrés dans une posture accueillante, confinés dans leur communauté. L’exploration en canoë s’inscrirait dans cette recherche de communion avec l’Autre. Le contact entre populations et la découverte de paysages des sites visités transcenderaient le voyage. La réciprocité du lien est ici soulignée : « Ce contact avec les touristes, ça a ouvert l’esprit des guides locaux » (entretien avec un touriste français, 45 ans).

30 Toute interaction entre guide et ethnotouriste possède des résonances post- colonialistes car l’identité s’apparente aux idéologies de la conquête du monde (Denis & Pociello, 2000, p. 14). Cette activité perçue comme vertueuse par ses promoteurs comporte une teneur utilitariste en arrière-plan. Le canoë autorise ce rappel des symboles du colon. La navigation sur les rivières rejoue en quelque sorte, l’expansionnisme des empires coloniaux. Elle s’est constituée autour des pratiques et dans l’imaginaire collectif de l’aventure. Des sites sont aménagés dans les lodges pour les groupes. Cet élargissement des lieux de tourisme demeure inséparable des transformations de l’espace conditionné par la mise en place d’un réseau d’acteurs (guides, agences de voyage) qui diffusent des produits d’aventure. Alors qu’une partie des jeunes du pays s’occidentalise, leur rapport au fleuve demeure dicté par des préceptes religieux (communion avec les esprits). Les Tonga organisent des cérémonies en faveur des esprits du fleuve, rite perpétué sur les rives du Zambèze. Dans le même temps, le cours d’eau perd les fonctions séculières qui lui étaient assignées (transports, lavages des hommes et des animaux) au profit de la production électrique13 et de l’essor des produits d’aventure. Or le tourisme sportif s’enracine dans le processus de différenciation des groupes en Zambie. Ces mutations laissent supposer que le pays a connu une évolution par une autonomie symbolique (Bayart, 2006, p. 7). Dans ce

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contexte, le tourisme perturberait la culture Tonga de tradition orale. Le retour de formes d’ethnotourisme, sous des modes éclatés et réinventés interroge la validité d’un tel modèle pour penser le tourisme sportif dans les pays d’Afrique où le sport génère des inégalités. Au-delà des difficultés que rencontrent les sociologues lorsqu’il s’agit d’en proposer une définition, force est de constater que nombreux sont les éléments constitutifs de ce pan de l’histoire encore ignorés à ce jour.

Le rôle de la globalisation culturelle dans la construction identitaire

31 Dans ce souci d’appropriation de l’ailleurs, ou plutôt des nombreux ailleurs possibles, il s’agit de considérer l’aventure comme un ensemble de transformations sous l’influence de la culture occidentale du canoë. D’une part, la vocation de ces descentes de fleuve passe de l’excursionnisme à l’ethnotourisme et au sport dit « extrême ». De nouveaux loisirs sportifs (4x4, saut à l’élastique, safaris) s’enracinent dans le défi lancé à l’hédonisme. D’autre part, l’émergence de nouvelles territorialités induit une adaptation des touristes aux courants du monde entier. On peut émettre l’hypothèse que ce changement est dû à la globalisation des produits touristiques et à la mobilité des occidentaux (Stock, 2005) qui induit des inégalités.

32 Les guides africains seraient enclins à vendre d’autres prestations pour se distinguer de l’offre locale. De fait, les habitants des vallées traversées exercent une méfiance face à tout ce qui pourrait évoquer ou reproduire le processus de domination coloniale. Cette ambivalence dans la perception que les populations locales ont des activités importées par les citadins a été rappelée à l’égard du tourisme et de la production d’une certaine forme de « colonisation » de la région induite par l’émergence et l’essor du secteur du loisir au tournant du XXIe siècle. Ce problème se situe à mi-chemin entre une vision du loisir sur laquelle des projections coloniales peuvent être opérées et un imaginaire dans lequel s’agrègent des représentations et des jugements négatifs à l’égard de la valeur économique du fleuve. En témoignent les descentes du Zambèze en rafting et les safaris, pratiques réinscrites dans l’offre des tour-opérateurs. Mais le dégoût suscité par le tourisme chez une partie des Zambiens se manifeste voire se théâtralise lors de manifestations comme la promotion des produits d’aventure par les tour-opérateurs. Les guides entrent en conflit avec les riverains à cause de la mise en scène des coutumes Tonga. Ces tensions révèlent les clivages avec les acteurs locaux. La commercialisation des produits de canoë distingue les guides qui maîtrisent l’usage technique et les enjeux économiques, des Tonga qui entretiennent d’autres rapports à la nature. En Zambie, le tourisme s’articule autour de deux pôles : la visite des parcs naturels et le tourisme sportif promu par des citadins. Dans le prolongement des missions colonisatrices dans les pratiques touristiques, les marques culturelles laissées par les traditions anglo-saxonnes (coutumes, appropriations des sports) se perpétuent. Le développement des sports anglais peut dès lors être considéré comme une forme d’impérialisme dans les aires culturelles considérées. La diffusion des activités devient un révélateur des fractures des sociétés (apartheid, ségrégations ethniques, inégalités…). Dans ce contexte, chaque discipline sportive devient un vecteur de diffusion d’idéologies impérialistes. L’un des guides zambiens décrit les touristes anglais comme des « nostalgiques de la Rhodésie qui se croient encore chez eux ». Il ajoute que « lors des passages aux frontières, ils payent cher leur visa, signe qu’il ne

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sont pas toujours les bienvenues chez nous ». A contrario, un guide français pense que le « canoë et sa commercialisation sur le Zambèze a peu enrichi les populations Tonga » qu’il juge « pauvres sur tous les plans ». En effet, si les guides sont locaux, les gérants sont tous étrangers. De ce fait, ce rapport de subordination renforce de fait les inégalités sociales.

33 Ce rapport ambivalent à l’ordre local peut être questionné par les catégories de la globalisation culturelle (Bayart, 2006, p. 11). La globalisation désigne ici les caractéristiques de la période qui succède à la décolonisation. Elle est un facteur d’internalisation sur la scène de relations interpersonnelles qui est le domaine d’exercice de toute investigation ethnologique. Cela renvoie tant aux différentes pratiques qu’aux comportements s’y afférant tels que les manières d’accoster, de se parler dans l’accès au site d’embarquement, l’engagement dans une pratique risquée14. L’adoption de modes de se tenir se répercute sur la construction de l’identité dans le mesure où le global imprime sa marque sur la conception légitime des pratiques de ces étrangers. Lors des trips, on retrouve la même relation de condescendance de la part des guides européens qui jugent leur manière de pratiquer l’activité comme étant la seule légitime15. Les touristes, se rendant en Zambie, se munissent de cartes géographiques de la région traversée. Car l’effort pour un Zambien de s’inscrire comme acteur est constant et les clivages que nous avons pu mettre en évidence à travers le développement des descentes commerciales de canoë ne sont pas nouveaux mais leur perpétuation au sein de la population constitue une forme de ségrégation.

34 L’ethnographie se déplaçant dans les communautés zambiennes, l’observation in situ permet d’analyser les interactions entre touristes et locaux. Pour ces derniers, l’assujettissement à des choix qui ne sont pas personnels est lourdement connoté négativement. Ces Zambiens reprochent aux touristes de polluer les sites, de détériorer les rives ou encore d’exclure les pêcheurs et de favoriser la spéculation immobilière. Le canoë, à travers le tourisme dans les parcs naturels, se réalise dans le cadre d’activités liées à des situations de grande permissivité. Les canoéistes sont considérés par les Tonga comme des symboles du colon du fait de la pauvreté des populations exclues des profits générés par le tourisme16. Une dimension des pratiques occidentales attribue aux caractéristiques des ethnotouristes des composantes leur permettant de distinguer les guides des locaux. La construction de l’identité devient une dimension classante pour les clients des trips. Pour l’interpréter, analysons les catégories d’identité comme un facteur central du développement du tourisme liées aux effets de la globalisation.

L’identité : une composante centrale des acteurs du tourisme sportif

35 La situation contemporaine peut être maintenant réappréhendée à partir d’une lecture par le conflit. Le recours au concept de globalisation pour interpréter les problèmes persistants d’identité qui se traduisent par des conflits nous conduit à analyser cette relation complexe entre le rapport à l’Autre et au territoire hôte. Partant de ce contexte, on peut se demander dans quelles mesures la globalisation culturelle impacte-t-elle le secteur du tourisme sportif ?

36 D’un côté, les réactions des groupes locaux au processus de globalisation s’inscrivent dans un système de relations sociales et d’interdépendances où la contrainte collective

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fait que toute conduite hérétique contraire aux normes dominantes du tourisme sportif est disqualifiée. Mais la majorité de la population zambienne demeure spectatrice de la commercialisation de cette activité à laquelle les touristes s’adonnent. Depuis la décolonisation, la communauté cède la place à la société, la tradition à la rationalité stratégique déterminée par les contraintes d’un système libéral. Ce développement profite donc partiellement à la population zambienne.

37 D’un autre côté, que ce soit dans le tourisme sportif ou dans le secteur minier, l’expérience du travail des Tonga, au lieu d’enrichir, consacre la discrimination ethnique. Ce qui aujourd’hui fonde le « désir d’ailleurs » se pose dans les interactions déséquilibrées entre touristes et guides locaux car c’est toujours la culture occidentale qui domine dans la relation à l’Autre (Latouche, 1989, p. 67). C’est elle qui fixe ses normes, y compris lorsque les locaux s’approprient la pratique. Le canoë demeure une activité marquée par les normes occidentales. Certes, elle renvoie à l’imaginaire des grands espaces mais l’activité provient de la naissance du besoin de s’évader des villes par l’exotisme et de découvrir une population aujourd’hui dominée par l’économie libérale et survivant près des rives du fleuve.

38 En assurant la promotion des safaris, le vocabulaire utilisé par les tour-opérateurs en Zambie présente des similitudes avec la rhétorique des anciens administrateurs coloniaux. La mise en scène des coutumes locales serait vécue comme un moment charnier dans les liens tissés entre Zambiens et occidentaux. Les Tonga jusque-là rétifs à l’emploi de pseudonymes se sont convertis à cette manière de se nommer sous l’effet du tourisme. En Zambie, le partage d’un ordre global avec les guides locaux se heurte à des réticences dans la mesure où les règles du canoë sont celles de quelques guides promoteurs qui appartiennent aux classes dominantes. Comme les premiers guides de rivière sont des occidentaux, les infrastructures du tourisme sportif zambien liées aux tour-opérateurs reproduisent les fonctions de diffusion de ces sports initiés par les Britanniques. Mais la relation d’identité demeure confinée dans un déséquilibre social et culturel entre populations, à cause notamment des inégalités en termes de richesse. L’opposition utilité/inutilité du canoë structure les discours autour de l’hégémonie occidentale caractérisée par les formes de capacité à être mobile. A la mobilité subie s’opposerait la mobilité choisie. C’est dans cette dernière que s’inscrit la séquence des touristes en partance pour un trip en Zambie. Ses conditions présentent les capacités des touristes à s’affranchir d’une existence qu’ils perçoivent comme « aseptisée ». Dans le cas de l’aventure, le client compose avec la dimension du dépaysement opposé au localisme de sorte que l’identité s’entremêle dans l’expérience globale des guides.

39 De plus, Marc Boyer pointe le déséquilibre de la relation entre l’ethnotourisme et les populations locales à travers le fantasme du « sauvage » et sa survivance. Il décrit ce qu’il nomme « le contact avec les groupes humains sauvages ». Il montre que les « ethnotouristes veulent voir ces peuples dont l’allure, les coutumes, les pratiques sont objet à la fois d’attirance et de répulsion » (Boyer, 1996, p. 25). Les jeunes pour qui c’est le premier voyage en Afrique, accolent ce terme « sauvage » issu d’un ensemble de représentations autour du mythe des rivières « sauvage » et du wilderness aux populations Tonga. La figure de « l’indigène » est revivifiée par les nécessités commerciales de l’ethnotourisme et de l’aventure. Ce modèle de tourisme légitime une culture touristique dans le sport. Le tourisme apparaît paternaliste et dominateur (Chamborédon, 1985, p. 124) car il émane des conceptions de la bourgeoisie cultivée et d’une idéologie du développement des vallées par des canoéistes explorateurs. Les

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fractions de classes aisées des canoéistes iront jusqu’à parler, à l’instar des exploits des alpinistes, de « conquête du torrent » en qualifiant le fleuve et sa population riveraine. Parmi ces citadins, nombre d’entre eux s’exilent vers une vie en contact avec les Zambiens et le milieu naturel puis deviennent guides à leur tour. Leur démarche consiste à créer des liens avec d’autres guides fréquentés dans les vallées et les villes. Cet apprentissage de l’identité des guides en raison de leur expérience, tout en étant dominé socialement, permet aujourd’hui d’apprendre à situer des positions sociales dont les fondements se retrouveraient dans les rapports à la vie citadine antérieure. De tels rapports d’acculturation postcoloniale et leur extension dans des sociétés locales posent le problème de la cohabitation de groupes avec les valeurs dominantes. Ce sont de telles dynamiques qui se dégagent de la mise en scène des rapports entre guides et clients. Ce mouvement n’existe qu’en relation avec l’expérience des inégalités et la profonde domination qu’exerce le tourisme sportif dans une démarche consumériste. Le statut d’un touriste le conduit nécessairement à endosser des rôles variés faisant émerger cette multiplicité des matrices identitaires. Le tourisme sportif favorise des formes d’agrégations sociales autour d’une pluralité observée des processus d’identifications à l’Autre, au groupe et à l’activité. La fonction identitaire assignée au territoire renvoie à l’appartenance des ethnotouristes à une « communauté éphémère ». Le voyage s’inscrit dans une dimension identitaire du groupe liée à ces effets de la globalisation car l’opposition entre clients et locaux ne fait plus sens dans la connaissance de la vallée. Les citadins occidentaux passent du temps avec les « safety kayakers ».

Conclusion

40 Si l’origine du canoë en Afrique est liée aux conquêtes coloniales, le développement de cette activité a parti lié avec les besoins occidentaux de retour à la nature « sauvage ». Cette démarche correspond également à un besoin d’affirmation identitaire des notables. D’anciens administrateurs coloniaux ont agi en promoteurs là où les Zambiens n’ont fait qu’imiter leur pratique. En devenant de véritables figures identificatoires, ils ont introduit les premières formes de croisières sur le fleuve Zambèze. Les populations zambiennes ont pu attribuer à leur tour l’étiquette d’explorateur aux canoéistes. Ils ne font que poursuivre un mouvement amorcé au cours des grandes expéditions coloniales du XIXe siècle par ces renvois aux cultures occidentales. L’affranchissement de la visée civilisatrice des descentes en canoë ne s’est produit qu’avec le nouveau rapport au territoire zambien marqué par l’hédonisme dès l’Indépendance du pays en 1964 et toujours en vigueur aujourd’hui. Libérés du joug du colon britannique, les pratiquants ont pu se construire une identité forgée par les interactions avec les touristes étrangers venus visiter les chutes Victoria.

41 Le canoë peut désormais être perçu à la lueur d’une offre d’activités récréatives plus large (sports d’aventure…). Ainsi les loisirs en Zambie se sont considérablement diversifiés et recouvrent aujourd’hui des usages normés. Des conflits, des adaptations, des rénovations ont traversé leur pratique légitime. Puis, le rafting et le safari bien qu’assez anciens sont apparus il y a trente ans dans ce pays à la faveur de l’utilisation d’engins de loisir par les occidentaux. Nous validons donc l’hypothèse de l’impact de la globalisation sur les relations touristiques, valorisant l’exploration des territoires sur lesquels s’organise le tourisme sportif. L’activité est liée aux représentations de l’espace

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global. Mais les processus identitaires s’entremêlent. Les relations sociales qu’instaurent les acteurs locaux déterminent l’éclosion de conflits avec de jeunes occidentaux car les riverains se sentent dépossédés de leur territoire.

42 Ainsi, se confirme la place de la négociation identitaire par les pratiquants. La déterritorialisation des codes du tourisme sportif s’impose aujourd’hui comme l’une des caractéristiques du monde occidental contemporain. Elle est aussi l’une des principales forces de cet univers mondialisé car elle permet, dans le cas de populations déplacées, de susciter une distance face à la culture d’origine. Néanmoins, la globalisation culturelle nourrit l’idéologie libérale qui consiste à mettre en scène une partie de la population zambienne tout en l’exploitant. Aussi, le séjour présente les caractéristiques de l’utopie : il s’agit d’un instant vécu dans un espace où vit l’Autre par l’exploration d’une nature urbanisée. Animée par l’idéal de commercialiser des produits d’aventure, les guides traduisent un réenchantement du monde dans le sens où ils éloignent les touristes des conflits et de la relation déséquilibrée qui s’instaure entre les tour-opérateurs et les locaux. Le partage avec les Européens pourrait être perçu comme un moment de convivialité. Or, au final, la démarche des touristes repose sur un « ethos de conquête » fondé sur des rapports d’identité qui s’enracinent dans ce phénomène global d’industrie touristique en Afrique et qui tendent à exclure les plus pauvres.

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NOTES

1. Le terme canoë est utilisé ici dans son sens générique, c’est-à-dire qu’il désigne les loisirs sportifs pratiqués en rivière. Le but est la découverte des cours d’eau. Le canoë se distingue des autres sports d’eau vive (rafting et nage en eau vive) en ce qu’il recouvre traditionnellement une dimension d’exploration des territoires rivulaires. Il recouvre la pirogue ou le canoë canadien utilisé en rivière sur tous les continents. 2. Les données sont issues d’une thèse de doctorat soutenue le 8 décembre 2008 à l’Université de Paris intitulée « Canoë-kayak, des torrents au Stade d’eau vive, sociologie des pratiques et ethnographie des apprentissages ». 3. L’un des sites les plus visités du monde avec un million de touristes par an. 4. La Rivière, numéro spécial de 1943 en hommage à A. Glandaz, p. 5. 5. Bulletin Mensuel du Canoë Club, 1910, n° 51 (rubrique carnet du canoéiste, « sur le Loir »).

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6. Mouvement de rejet de la ville. 7. Extrait de récit de croisière, 1935. 8. La Rivière, numéro spécial de 1954, p. 66. 9. Extrait d’un récit de croisière, 1935. 10. Une enquête de l’Agence française de développement (2012) montre un faible revenu du pays en dépit d’une aide publique au développement assez conséquente utilisée notamment pour investir dans le secteur touristique. 11. Ce terme est employé en référence aux notions usitées par les acteurs. Il signifie ici « populations locales ». 12. Entretien avec Hervé Madoré, Inspecteur principal de la Jeunesse et des Sports, Paris, 15 février 2005. 13. Située dans la région de la Copperbelt, principal site économique du pays. 14. Le canoë zambien enregistre une accidentologie nulle par rapport aux accidents de saut à l’élastique et de rafting recensés en 2012 par la Direction du Tourisme de Zambie (Bureaux de Lusaka et de Livingstone). 15. Ayant suivi quatre kayakistes et les safety kayakers (chargés de la sécurité) ayant participé à un trip sur le Zambèze, nous nous sommes imprégnés de la mise en scène touristique de la pratique au contact des guides. 16. Le revenu médian par personne majeure (15 ans et plus) est de 50 000 kwachas soit à peine 20 $US par jour.

RÉSUMÉS

Cet article repose sur une enquête sur les usages sociaux du canoë en Zambie. Il a pour objectif de décrire les caractéristiques des relations sociales qui se nouent entre étrangers et « populations locales ». Si l’organisation de l’activité recouvre une visée touristique pour nombre de pays africains, touristes et habitants entrent peu en interaction en dehors de la pratique des loisirs. Pour étudier l’identité, il s’agit de caractériser la genèse du tour en canoë afin de saisir l’émergence de modes d’appréhension de l’Autre dans le cadre du loisir en Zambie. La singularité des relations sociales entre populations occidentales et africaines pose la question de la différence culturelle, au moment où la globalisation introduit à la fois une homogénéisation des pratiques et une fragmentation dans les modes de vie. L’article proposera une réflexion critique car les modes de structuration du canoë constituent un révélateur des rapports toujours ambivalents entre pays occidentaux et africains.

Este artigo é baseado em uma pesquisa sobre os usos sociais da canoagem na Zâmbia. Tem como objectivo descrever as características das relações sociais estabelecidas entre os estrangeiros e as “populações locais”. Se a organização da actividade integra uma estratégia turística presente em numerosos países africanos, turistas e habitantes interagem pouco fora das práticas de lazer. De forma a estudar a identidade desta actividade necessitamos caracterizar a génese dos passeios de canoa e apreender o surgimento dos modos de apreensão do Outro nas actividades de lazer na Zâmbia. A singularidade das relações sociais entre as populações ocidentais e africanas levanta a questão da diferença cultural, em que a globalização introduziu uma padronização de práticas e uma fragmentação nos estilos de vida. O artigo irá fornecer uma reflexão crítica pois os métodos

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de estruturação da canoagem são reveladores das ambivalências sempre presentes nas relações entre os países ocidentais e os países africanos.

INDEX

Mots-clés : tourisme sportif, interactions, guides, identité, canoë, Zambie Palavras-chave : Turismo desportivo, Interacções, Guias, Identidade, Canoa, Zâmbia

AUTEUR

ANTOINE MARSAC Université de Bourgogne, Faculté des Sciences du Sport, Laboratoire Socio-psychologie et Management du sport, Campus Universitaire de Montmuzard, 21 078 Dijon, France [email protected]

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‘Meta-societies’ and ‘play communities’. The function of play to Liberian youth football players “Meta-sociedades” e ”comunidades de jogos”. A função do jogo para jovens futebolistas liberianos

Holly Collison

EDITOR'S NOTE

Recebido 14 de novembro de 2012; Aceite 31 de julho de 2013

1 Liberia has a unique history; it was founded in the mid-19th century by freed American and Caribbean slaves originally taken from Central and West Africa1. This West African country became fittingly known as Liberia or “Land of the Free” and was initially imagined as a haven for “free people of colour” (Moran, 2006, p. 2). The returning Americo-Liberians also referred to as ‘Congos’ or ‘Settlers’ became the Liberian elite. Co-existing with the settlers was a population of between two and three million indigenous peoples that comprised sixteen ethno-linguistic groups. In 1838 a constitution based on the American model was drawn up by a Harvard Professor and Professors from Cornell codified its laws in the 1950’s (Dalton, 1965, p. 572). Despite the vision of freedom and security that Liberia was conceived upon, its early history was based on inequality, one party rule and the centralisation of power. Liberia’s recent history is perhaps a consequence of its unique and turbulent conception.

2 Liberia is now in a post-conflict state after suffering from a fourteen year civil war (1989-2003). Approximately 250,000 people lost their lives, leaving a legacy of a country in turmoil that was over-armed, without infrastructure and harbouring an entire generation of children and young people that had experienced war or actively participated with or without any education, skills training or guidance. Many were orphaned or shunned from community living due to their participation in the conflict.

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It is important for one to understand the complexities of a situation like Liberia’s and the position of the young and older people without power and status in a society and all its intricate elements. First it has to be determined what is meant by the term ‘youth’ and secondly what are the fundamental principles of belonging to such a group. Ultimately the question must be what is it that can bring meaning, empowerment and belonging to Liberian male youth? The data presented predominantly refer to male youths not only because of its meaning in the local context but because this group have been identified as particularly problematic in Liberian society. An attempt at gaining such an understanding and answers has been sought during extensive ethnographic research.

3 What was made very clear from the beginning of such an investigation was the overwhelming participation of young males and the mass population’s passion for football. Makeshift playing fields and goals epitomize the ‘jumpers for goals concept’. Football in Liberia is without question the principle activity for male participation and is observed by the masses. Football fields represent the heart of every community; makeshift wooden goals fill any available open spaces. Games throughout the day between community members, schools or against other community teams occupy the space until the sun goes down. Children of all ages play on the sand pitches with homemade footballs, usually mango stones or bundled plastic bags. As many children do not go to school, they play in between doing chores. Older males (from the age of 15) form community teams and enter local competitions and practice together on community pitches; ‘old timers’ will form their own groups and practice on Saturday and Sunday mornings as part of their weekly exercise and predominately use this time as a social activity. Girls also form teams and practice when the male footballers do not use the space; however, some girls spend their free time watching the boys and using football as an opportunity to meet potential love interests. Football is the ultimate passion of the Liberian masses, easily accessible, affordable and inherently part of their culture.

Matadi and the Don Bosco Youth Centre

4 Matadi is situated in the suburbs of Monrovia and has emerged as a large residential community due to migration from the interior during the war. The Sean Devereux Don Bosco Youth Centre (SDDBYC) is the largest communal facility in Matadi, centrally located and multifaceted. Within the high walled grounds stands the Catholic Parish of Holy Innocents Church, Mary Hope of Christians School, a housing block for the priests, a stage and performance area, a basketball court, a volleyball court, a playground with swings and a slide, a music room, a large sand football pitch and a smaller football pitch for the smaller children. The Youth Centre is open for play between 4-6pm every week day and Saturday mornings until noon; an estimated 350 children and youths access the facilities every day. The youth centre was founded in 1991. Its purpose was to help children and youth recover and rehabilitate from the effects of war. The youth centre was active during the war and witnessed many stages of conflict and peace-keeping. Rebel forces resided in Matadi as an ideal location to occupy before travelling to the central Monrovia to fight. Soldiers would steal from the youth centre and use their water pump, militia leaders even tried to recruit child soldiers from the community. At this time many children and young people went into hiding in the swamp areas and

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returned to their homes in the evening for food. ECOMOG2 peace-keepers came to protect the site in 1997 and the children and youth were able to play once more although this was regularly interrupted during heavy periods of fighting. Many of the young people who used the youth centre during times of conflict now form the youth centre football team called ‘Zatti’.

5 Matadi is very fortunate to have such a site; no other community observed has such facilities or organisation residing in their home. Although football pitches do act as focal points for most communities, houses usually surround football pitches with the play area acting not only as an area for football, but social, religious and political gatherings, parties, wakes and community meetings. Football is the activity that tends to engage the majority of that community’s population, male youths, female youth for kickball, adult male coaches, referees, and spectators. When lost or trying to describe a community the name or location of the football pitch is the first point of reference.

6 In 2010, I began spending time at the youth centre, and was attracted to the activities on the main football field. It was the focus point of the site and attracted the majority of participants and spectators. Players were always noisy, making jokes; play fighting and their favourite pastime seemed to be arguing or ‘palava’ as is the local term. Generally the disputes were directed towards the referee’s decisions but there was no lack of ‘palava’ between players of the same team, opposing teams or with the coach. It was like watching a pantomime; quickly I was able to identify the main antagonists, the peace makers and the jokers. Children and adults of all ages came to watch the spectacle as the youth centre team Zatti would play against other community teams or the ‘outsiders’3. The gathered crowd played their role well as a participating audience, celebrations of goals, heckles for mistakes, the most common being ”that player is dam fisci” – meaning terrible.

7 This seemed a perfect platform to identify ‘youth’ as well as their culture, characters and idiosyncrasies. As I established myself within the community I adopted the role of coach for the Zatti team. I became part of their play world and had my own function. The youth footballers practiced every day except Sundays and from observations and talking to the players it seemed their daily routines were scheduled around their training and preparing for matches inside and outside of the youth centre. Immediately it became obvious that football was their passion and the youth centre facilitated such play by providing a pitch, spectator seating area, footballs and a coach. Ultimately the priests of the youth centre see sport as a way of character building, escapism from the realities of being young in Liberia and an opportunity to give moral, ethical and spiritual guidance. Encouraging sport and especially football for them is encouraging participation and contact with the young people in their community. Without football within their walls the youth centre would be much quieter and virtually unused.

8 Playing football is an important part of people’s lives in Matadi not only for the players but for the Don Bosco organisation and the wider community that observe their play and as later discussed facilitate young people’s participation. What is being considered here centres around two themes, firstly the term ‘youth’ as a local category and an analytical construct, and secondly football as a practice of ‘youth’ in Matadi.

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The identity of Liberian ‘youth’

9 The term ‘youth’ is freely used by governments, aid agencies, and society and in the case of Matadi by communities and its population. Officially the United Nations defines youth as anyone between the ages of 15-24. The Liberian government consider youth as those between the ages of 15-35: “The governments rationale behind such a broad definition of youth is that 14 years of warfare have left ‘over-age youth’ ill equipped to cope in a post-conflict society” (USAID, 2009, p. 5). When observing the ways in which the term is applied a pattern begins to emerge, for example the European Youth Forum provides information regarding youth NGOs and key words are used throughout ”disadvantaged, marginalised, challenged, deprived, exclusion, disengaged, homeless, poverty, unemployed” to name but a few (n.d., pp. 3-15). The term ‘youth’ is not unproblematic and provides assumptions about the population it is describing. The ‘youth’ label is neither scientific nor bound by direct criteria, it is not naming someone but describing their affiliation to a group. There is a clear stereotype of ‘youth’ which carries many expectations or in most cases lacks expectation. In such a population not being a child nor an adult can pose an awkward position in any society.

10 Some have attributed such labelling to Africa’s history with European colonisation: “The means by which local elites and national governments alike portray and interact with those they term their ‘children’ or ‘youths’ today are strongly influenced by the social history of people classified as ‘young’ in precolonial societies” (Argenti, 2007, p. 7). Europe’s presence in Western Africa and their use of its people gave precedence to a misconception regarding the roles, functions and status of its populations. Although colonised by America, Liberia did not escape such practices and influence. Additionally ruling elites and chiefdoms have always led their community structures and this has not been reformed in an official nor at a traditional or practical level since Liberia’s conception. As Argenti states: “The term ‘youth’ has thus gained its notorious connotations not only because it was a negatively defined category but because of the failure of colonial and postcolonial governments to offer any alternative to the traditional eldership” (ibid., p. 10). Here is an example of a Matadi ‘youth’ football player.

11 Richard, known by his team mates as ‘Nation’4, is the captain of the Zatti football team. At the age of ten he and his mother migrated to Matadi in the suburbs of Monrovia from Bong County to escape the war that was escalating in the interior. He was faced with many challenges; for the first time he witnessed life outside of a remote village. The car that transported him to Matadi was the first he had ever seen; he could only speak his indigenous language Kpelle. He had to adapt to a new form of wartime community. This way of living included residing amongst people of varying indigenous groups, languages, religions and traditional beliefs whilst having access to hand pumps, buying food rather than living off the land, listening to imported American music and seeing different forms of housing. He was to learn English quickly with the aid of young boys in the community and adapted to his new situation. During the war, he regularly had to hide in the swamp areas to prevent recruitment from rebels who would occupy Matadi from time to time. He reminisces happily of the times when the war would ‘relax’ in stages and the boys in Matadi would play and go to the youth centre. Schools were mainly closed during the war so his education suffered. During wartime he was regularly at the youth centre playing football especially during the times that ECOMOG

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came to protect the site and in 2004 the then named ‘Don Bosco Dream’ team entered the National League fourth division and became a competitive outfit. 2004 would also be the year that Richard returned to school and entered into the 3rd grade at the age of 19. Richard describes his routines with great pride: In the morning hour I wake up very early get water from the pump and bathe, eat and go to school, no one pays my way so I have to walk to school. By 1 or 2 in the afternoon hour I come home and do work for my ma, then by 3.30 I go to the youth centre and play. Practice finishes by 6 then I go home eat and study.

12 This was to be his routine throughout his school career. There were interruptions of schooling due to financial problems within his family and Richard had to find ‘small’ work in the community to get ‘small’ money usually fetching water for people, doing washing and cleaning.

13 In 2011 at the age of 26 Richard passed his final exams and was awarded his high school diploma. But what to do now? He was unable to find formal employment and couldn’t afford university fees so he enrolled on a carpentry course in a vocational training centre within Matadi. He will not finish the course until he is 28 years of age. He is still living with his mother and father in a small house made from wood and corrugated aluminium next to Matadi’s swamp area. He has no form of employment and uses his free-time after school to play football with his peers at the youth centre. His plan is to finish this course and either re-register to do a plumbing course or enrol at university to study social work, either way he will continue to live with his parents without employment for the potentially lengthy future.

14 For large numbers of people, prolonged adolescence – and more recently ‘youth’ – now takes up much, if not all, of what in earlier society would have been ‘adulthood’ … it appears that an increasing number of people are not ‘growing up’ in the traditional sense of the word (Cote, 2000, p. 1).

15 Cruise O’Brien claims: “Becoming somebody can no longer be taken for granted” for young Africans, “the common denominator for these different youth situations is that young people are without employment in the formal sector, and are not in a position to set up an independent household” (1996, pp. 57-58). In the eyes of his parents, neighbours, community elders, wider society and the Government, Richard is a ‘youth’ and will be until he obtains the necessary wealth and social worth to be considered otherwise. Elders or people not considered youth with a higher social status will call him ‘Pikeen’ or ‘boy’ and he is expected to be highly respectful of such people and obey any requests they may make. As he is unable to support himself he is unable to obtain housing and support a wife so he remains a bachelor until the day that employment, independence and adulthood arrive. O’Brien would describe this process as “indefinitely prolonged” and one would agree due to Liberia’s lack of socio-economic development, opportunity and hierarchical society (O’Brien, 1996, p. 58).

16 The majority of young and older males in Matadi are labelled ‘youth’ and yet from analysis of academic literature and from extensive fieldwork one can conclude that this is not an innocent term to describe young people. This is a label for those who find themselves unable to climb the ladder and acquire status and who, one might argue, are victims of living in a hierarchical society that elders, the Government, and in the case of Liberia aid agencies fail. From within, age has no significant relationship to perception and status and therefore labelling and identity, any male and to some extent females can be ‘classified as children’ if they do not possess the necessary finery

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associated with adulthood (Argenti, 2007, p. 7). Henrik Vigh believes that “The predicament of not being able to gain the status and responsibility of adulthood is a social position that people seek to escape as it is characterised by marginality, stagnation and a truncation of social being” (2006, p. 37). Matts Utas considered the Liberian situation extensively and claimed: “As the category of youth is constructed upon notions of social age, social markers such as marriage, or at least a stable relationship with a woman, are requirements for moving out of the youth category and into adulthood” (Utas, 2005, p. 141). He further explains that older men during the war were classified as ‘youth’ in social terms, “they were mature men lacking the wealth and power required to cross the border between youth and adulthood” (ibid.). Although in Utas’s view the war was seen as a means of social mobility in the quest for respect and status, this was only short-lived: “once war is over marginal souls are once again deported to the margins” (ibid.). In the local context, it must also be established that the term ‘youth’ has specific masculine connotations and is predominantly used to describe males and not females.

Football and play everyday

17 The day the priests at the Don Bosco Youth Centre in Matadi and senior players on the team asked me to help coach Zatti, I knew I had found my role within the community. I was already familiar with most of players as they all lived in the community, but I didn’t want to rush into my position. I asked if I could have a few days to further observe and prepare, and they happily agreed. The next day, I positioned myself under a tree next to the football field; I was early but was enjoying the cool breeze. Richard was one of the first to arrive; he dressed into his practice clothes away from my eye line and went to the main building to collect the ball, bibs and cones. He was the only one allowed to collect these things as the priests trusted him and it was part of his responsibility as captain. The players arrived in a very casual manner usually one by one or in pairs; they were allowed into the compound from 3.30pm, thirty minutes before anyone else. They are the most senior team in terms of the ages of participants, competition and duration of being active at the youth centre. Dressing and talking or ‘lecturing’ as they call it amongst themselves took at least 20 minutes before Richard would call all the players into the centre of the pitch for devotion; this consisted of a religious song followed by the holding of hands and praying. The younger players especially enjoyed singing and took the lead dancing, clapping and singing loudly.

18 There would be a mixed reaction within the group thereafter. Some would begin playing with the ball and performing elaborate skills, others and generally more senior players would turn to the coach for the next instruction. Coach Juday, an assertive character, was in charge. He had been a commander for one of Charles Taylor’s rebel factions during the war. He would never talk softly, always shouting in a husky deep voice. He was the ultimate authority figure over these boys during their practice. He stood and told them their orders; sitting down near him were suspended players that still chose to come to the youth centre to watch their friends and join in with the performance with banter, advice and support. Approximately fifty supporters had turned up during the practice to observe training and the games. Many were players from other teams or unrelated adults who had returned from work.

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19 Practice was quite limited as in excess of thirty players had to share one ball so the ability to perform ball drills, technique and strategy was virtually impossible; instead they would do a little physical training, for example running laps, press ups, sit ups and sprints. Complaining was the main focus during these periods of physical training as well as finding ways to cheat and make exercises easier. For example, a player known as ‘Pele’ would perform press ups from his knees instead of full body ones like the others were attempting. All the players had an eye on the coach to see if he was looking; if ever he was distracted or engaged in conversation, the players would rest. On this particular day, I noticed that a young player by the name of Morrison was absent and this was unusual, so I asked after him; a player who lived near-by him replied “he’s washing for his Ma”.

20 Zatti trained every week day and played against either ‘outsiders’ who were community members that played competitively for different teams or another third division team who were based nearby. On this particular day, the Zatti players were to practice against the ‘outsiders’. Coach Juday selected a team of eight players (the pitch was not full sized) whilst the youngest players filled a gallon tub with water from the hand pump for the squad to drink. A referee was selected from the crowd of spectators and the game eventually began after much joking around, physical playing between them, water drinking and emptying their boots of sand and re-tying them. The game was competitive and at some points overly competitive, with the sand encouraging rash slide tackles, and arms and upper body strength being used to over-power one’s opponent. This, at times, caused arguments between players on opposing teams, which in turn led to Coach Juday scolding his player involved which resulted in ‘palava’ between coach and player. Players usually touched hands after such altercations as a sign that there’s no bad feeling between them.

21 A lot of pride was at stake in these games; even though they occurred daily, discussions of the game, player’s performances and incidents would continue well into the night. Bernardo was a key figure for the Zatti team. Tall, muscular and outspoken, he was the unofficial leader, joker, antagonist, protector and spokesperson for the team. On this day he was unhappy that they were losing 1-0 by a mistake made in the midfield. He cursed the players at fault, but took offense to an opposing player who was heckling the Zatti team. He called to him ‘You’ with a clenched right fist with the index finger pointing towards the air5; the player turned and at the sight of Bernardo’s gesture withdrew. That would usually be enough to satisfy a player’s dominance and distaste for certain behaviour but not Bernardo; when the opposing player in question made a run with the ball towards goal, he jumped into a tackle leaving stud marks on the player’s ankle. Players ran from all sides to remove Bernardo from the field. Some were aggressively having palava between themselves. Others were trying to calm the situation down. The referee was helplessly blowing his whistle in the middle of the field whilst Coach Juday was scolding Bernardo and told him to sit alongside the suspended players. Calm was eventually restored, and the game continued without the participation of Bernardo.

22 At 6pm, the referee blew the final whistle and the Zatti players walked towards the concrete seating area at the far corner of the youth centre compound next to the football field; this was an unofficial home bench for the team. Players were discussing the game, mostly Bernardo’s sending off. Some were defending his behaviour as they thought that the opposing player was being rude. Others believed that Bernardo was

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rude and that ‘he was not correct’. Either way, it was accepted that such behaviour was possible from him as he was known to be troublesome and seemed to enjoy the reputation it brought. He would not face suspension, but the senior players ‘lectured’ him at length. The younger players collected the bibs, ball, cones and whistle and walked it over to the main building to be put away whilst the others continued ‘lecturing’, wiping the sand from their sweating bodies and changing. Until Coach Juday arrived and they became silent he began shouting at them in his usual aggressive manner, claiming that their discipline was not correct and that they will bring embarrassment to the youth centre when they begin their league games if their behaviour does not improve. It was evident that most players were not fond of Coach Juday; they didn’t like being talked to in such ways and believed that in many cases he provoked palava by shouting at them, yet they respected him and, other than Bernardo, they never challenged him. The ‘lecturing’ finished at 6.30pm with a selected player saying a prayer for the group. The relationship between coach and player highlighted the typical interactions between adult and youth.

All play means something

23 The work of Huizinga will be used to analyse the concept and relevance of play in culture. Although his work may have been completed some sixty years ago, he is still considered a pioneer in his field and continues to be referred to extensively with regards to the theme of play. Huizinga claimed: “In play there is something ‘at play’ which transcends the immediate needs of life and imparts meaning to the action. All play means something” (1950, p. 1). Whether considered instinctive, ritualistic, the need to satisfy the need for relaxation or an activity used to prepare one for future life, one assumes that play has a higher more significant purpose than simply playing. Huizinga’s extensive consideration of the concept of play has formed the basis for most analysis into the play element. His concern of other theories is the lack of consideration towards the “profoundly aesthetic and primordial quality” of play (ibid., p. 2). Whilst many have turned to science and quantitative research methods, this has arguably ostracised the fun element that characterises play, the beauty of its spontaneity and the freedom it can provide. Thus, this particular investigation has used ethnography as the principle research method as non-invasive technique to gain rich qualitative results. One must remember that all play is a voluntary act; if regimented or forced it no longer constitutes play. The instinct to play as a child and the enjoyment it produces lays the foundation for its quality of freedom. The endless characteristics of play encourage a multi-dimensional outlook. Play can be serious or non-serious, can evoke a number of different emotions, and each act of play is different from the other, therefore an exact definition would be misleading and ultimately inaccurate.

24 The social context of play and its natural quality to remove one from ‘ordinary life’ is what places play within a social context and this social construction is what makes play significant to cultural environments. It adorns life, amplifies it and is to that extent a necessity both for the individual – as a life function – and for society by reason of the meaning it contains, its significance, its expressive value, its spiritual and social associations, in short, as a cultural function (Huizinga, 1950, p. 9).

25 Huizinga states that “play and culture are interwoven” and that genuine, pure play is one of the main bases of civilisation (ibid., p. 5). Caillois would argue that play is a

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reflection of society and mirrors its nature, environment and culture. Caillois here provides support for Huizinga’s theory of play but developed the analysis with a further analysis of the classification and diversified forms of play (Caillois, 1961, p. ix). In the case of youth and adult play, the act becomes something which is optional, it is not a necessity, “play is superfluous” (Huizinga, 1950, p. 8). It would be performed at leisure when free time allows and is free from obligation and duty. Caillois formulated his own definition of play and placed types of play into categories: “one plays football (agon), roulette (alea), pirates (mimicry), dizziness and disorder (ilinx). Each form of play takes into consideration the role of competition, chance, simulation or vertigo” (Caillois, 1961, p. 12). Within this categorisation, agon will be under consideration although some crossovers will occur. Agon is defined as “competitive like a combat in which equality of chances is artificially created… is a cultural phenomena among homo sapiens as the spirit of the game is centred on equality of rules and environment” (ibid., pp. 14-15). For the Zatti players in Matadi, playing football is a voluntary activity they chose to do in their free time. For these young men, this is a significant amount of time due to their lack of working or other scheduled tasks. Obligation or duty are not elements in their decision to play. Most take it seriously, playing to win and compete, but the fun element is always there to see with their wit and humour. Huizinga believes that the act of play and stepping out of ‘ordinary life’ and entering a temporary sphere of activity with a disposition of its own is important when characterising play and culture. This is a key element to the overall argument. Many Zatti players like Richard as previously described are unemployed still being schooled at an older age and living with parents. Their playing provides a platform to take the lead in their lives and step away from their lack of social worth within the community. In the youth centre, they become the most important, respected and seen demographic all the while displaying their inherent characters, having fun, and playing by the rules that they set.

26 The theme of tension is an important aspect in both Huizinga’s and Erving Goffman’s work. Actual physiological tension is part of the appeal of all games; play it creates drama, performance and atmosphere among all involved. Yet for Goffman, the tension experienced during games identified a player’s perception of discrepancy between the world that one embraces spontaneously and the “world one is obliged to dwell in” (Goffman, as cited in Henricks, 2006, p. 154); quite simply, the tension reflects social alienation. The fact that the Zatti players have to create a world away from their community to feel free, equal and important further highlights their position and role in Matadi. Although football for them is an escape, it is also the activity in their lives that further re-enforces their position as youth and the stigma that brings. As already examined in the case of Richard, opportunities are limited to achieve status and social worth, so the options are thus, play in the community team and be further associated with the label of ‘youth’ or leave and face the realities of being a ‘youth’ alone trying to achieve the impossible.

27 The question posed here is by no means rhetorical; I propose that football has become the answer for many of these young Liberians. If you are marginalised in one community and have no opportunities to escape, then create your own society. Football then has taken on a whole new meaning, function and purpose at the community and grassroots level. No longer is it just a game but it has become an outlet that provides social worth and status within a specific milieu. Along with recognition from adults who come to spectate, it creates a society from which they are not alienated but

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manage themselves, which forms stronger cohesion amongst its members. Players take on roles to organise, support, perform and encapsulate all whilst gaining acknowledgement from outsiders and community members. Football then provides the stage for young males to be heard and seen; even their use of nicknaming players creates characters. Erving Goffman’s sociological perspectives on human expression considered not the act of play in itself but the social situation that surrounds the game and “that interpersonal life is always, inevitably, a form of play” (Henricks, 2006, p. 148). Believing games as a fundamentally relevant form of human encounter and an apt metaphor for social life, he describes the act of play and games as: A matrix of possible events and a cast of roles through whose enactment the events occur constitute together a field for fateful dramatic action, a plane of being, an engine of meaning, a world in itself, different from all other worlds except the ones generated when the same game is played at other times (Goffman, as cited in Henricks, 2006, p. 151).

28 Within his theory, rules were devised, for example the ‘Rules of Irrelevance’. This states that the social status of players is of no pertinence once the game has begun. As previously examined, status is a major barrier to gaining adult recognition and respect. If this aspect of human interaction is eradicated through play, then surely this can be identified as a significant aspect towards its participation and attraction for the players. As Goffman advocated, “Gaming encounters provide us with fine examples of how mutual activity can utterly engross its participants, transforming them into worthy antagonists in spite of the triviality of the game, great differences in social status, and the patent claims of their realities” (ibid., p. 153). Goffman agreed with Huizinga and the correlation between established groups, in this case teams, forming their own cultures and this generally concurs with established cultural patterns. So, therefore, the Zatti team have found an activity that, most importantly, they enjoy and are skilled at, but also breaks down the barriers associated with status in their community. In their Zatti football community, they are the most important members and therefore provide themselves with status and importance. It is my belief, however, that their football community is more reflective than that and more extensively organised. Find here an example of a youth event in Nigeria that sees youth playing roles of elders and different community members as an example of this theory.

Create a new community?

29 Harold Olofson’s interpretation of a Hausa youth festival in Zaria, Nigeria provides alternative and supporting explanations on the social role of play. This particular youth festival takes place at night during the dry season and is named ‘wasan misisi’ or ‘the play of the misses’. Young people play the leading roles imitating elite hierarchical social structures. Olofson describes the complex role play that illustrates the Hausa elite roles that have been replaced by post-colonial political roles. Positions include the governor and his orderly, the queen, the prison warden, policemen, a treasurer, judge, secretary and medical staff (Olofson, 1977, p. 169). The tale of the story is not to educate the audience about the colonial government or the original emirate but to set the stage for flirtation and interaction for young boys and girls. Olofson states, “The possibility arises that the play-kingdom is a meta-society, ‘a society about society’ and the elements in it so combined as to provide subtle teaching on the wider context” (ibid., p. 172). Within the festival, a ‘play frame’ is created in which rivalry and competition

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manifests, yet this is no different to that witnessed in ‘ordinary life’ in the frame created by the nation-state, but the festival provides a stage. Mimicking the roles of elites gives these young actors a chance to play the part of important or ‘big men’, something which for many will remain a part in a play far from reality, “at the crux is a meta-society which leads people to awareness at some level of ascribed status which prefigures life chances” (ibid., p. 173).

30 Within the Zatti football team they create their own play frame in which competition and at times rivalry and tension is displayed. I would strongly argue they have created their own meta-society playing leading roles on the community football field every day in front of an audience. Even their organisation mimics that of ‘real life’; their coach has ultimate power, but due to his involvement in the war as a rebel commander, is he playing a character in a position of authority to recreate his status during the war or to show the audience he has a responsible position leading the community youth? The captain and vice-captain, although still classed as ‘youth’, are over the age of 25, so in their play society they act as elders leading the players, giving advice and policing them when needed. They organise themselves internally by unwritten rules, aware of who has been in the team longest and who is older and younger. This dictates how much respect each player receives by the team, i.e. the youngest players will be sent to fill the water bottles at the hand pump whilst the older boys will sit and rest during play breaks. The older boys will instruct the younger ones on and off the field imparting knowledge of how to become a better player. As Caillois claims, Games reflect forms which, while doubtless remaining in the domain of play, evolve a bureaucracy, a complex apparatus and a specialized hierarchical personality… They sustain permanent and refined structures, institutions of an official, private, marginal, and sometimes clandestine character whose status seems nonetheless remarkably assured and durable (1961, pp. 40-41).

31 This system is almost a mirror image of the ordinary life society in which they live, but in their own play society they can act the leading roles and progress with time, unlike their journey and quest for adulthood which at times seems unachievable and stagnant. The meta-society created protects and provides opportunities to be seen by adults. Football provides a rare opportunity for inter-generational contact, but this is only seen within a specific time and space. This has little impact once the game is finished. Acquiring formal employment is the most significant barrier to gaining status and being a football player only establishes the status of youth. Youths typically pursue informal employment known as ‘hustling’6 and tread the fine line between legal and illegal money making.

Playing by the rules

32 Although deep rooted in spontaneity and removal of one’s self from ‘ordinary life’, play requires participants playing by the rules. Any deviation from the unwritten or written rules of play spoils the game and de-values its worth to the other players; the following of such rules is paramount to the game’s sustainability and are the fundamental principles holding this temporary state together. The notion of play and tension is important and apt in the case of youth football in Matadi. The uncertainty of play and the reliance of co-operating players build tension amongst these unpredictable youths. As Huizinga states,

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Though play as such is outside the range of good and bad, the element of tension imparts to it a certain ethical value in so far as it means a testing of the player’s prowess: his courage, tenacity, resources and, last but not least, his spiritual powers – his ‘fairness’; because, despite his ardent desire to win, he must stick to the rules of the game (1950, p. 11).

33 The indiscipline observed by many of the Zatti players constantly led to the game being disrupted or ending early. At times, outside authority figures would have to intervene, ‘lecture’ and punish, thus propelling the players from a state of escapism in the world of play back into ordinary life. Their indiscipline, freedom to express and the empowerment of asserting authority within tested the rules and the manner in which they were expected to play. The players’ behaviour dictated how long they could engage in their ‘play community’; deviation from rules caused the game to break down or adults to once more assert their authority. The level of freedom given during these times often led to other forms of mirroring social norms outside of play. For example, authority figures would often ‘flog’ youths when they displayed inappropriate behaviour and this was performed during training times if any players began misbehaving.

34 Different players make up a ‘play community’ which many would identify as the formation of a team. Spoil-sports, cheats and fake players all contribute to the dysfunctional players who threaten the play act and highlight the fragile nature of play and the illusion of a world away from normality (ibid, p. 12). The Zatti team openly label ‘bad boys’ or troublesome individuals as part of their ‘play community’. Huizinga believes that such individuals are usually ejected, more so than cheats or deviants to codified rules. However, in the case of Matadi youths, such players are expected to be punished or warned by authority figures, but remain part of their ‘play community’ in and outside of the act of play. Very few are permanently dismissed or ousted by the group. Simarily suspended players will often continue to attend training even if it’s in a non-practical sense they still want to belong to their ‘play community’. Their bond and awareness of the importance of the play act allows for misbehaviour and deviance. This may further highlight post-conflict cultural norms displayed by adults7.

35 Goffman applied another set of norms to that of Huizinga’s analysis of play called ‘transformation rules’. In his view, games are not clearly separated from other portions of life. Although play and specifically football in Matadi is away from the marginalisation and the harshness of ‘ordinary life’, certain impediments may disrupt the course of play, i.e. injuries, arguments, phone calls or weather. In many cases in Liberia players were called for by family members to help with chores, as previously described with the player Morrison who missed training due to washing his mother’s clothes. During rainy season, play was abandoned altogether. Importantly, for the youth of Matadi, play is something that sheds them of their low social status and for the first time puts them on an even playing field. However, their escape from ordinary life is fragile; the demands placed by hierarchical structures outside the youth centre are a constant threat to their play experience (Henricks, 2006, p. 151). However much football acts as an activity away from ordinary life, it must be acknowledged that without the support of the priests of Don Bosco and the acceptance of parents or guardians allowing them to take the time to participate, the community’s youth would not be able to establish a strong play ethic and facilitate a regular outlet for these young boys and men. The elders still dictate the success and running of their play world whilst posing as the most significant potential barriers to participation.

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36 Huizinga claims that the ‘play community’ tends to maintain, even after play has finished, the bond of ‘togetherness’. “In an exceptional situation, of sharing something important, of mutually withdrawing from the rest of the world and rejecting the usual norms, retains its magic beyond the duration of the individual game” (p. 12). The players unite when playing football, strength in numbers gives their youth status more significance and bonds them as their own community or meta-society, with their own rules, order and fun. Within their group, they have their own way of performing and organising, and this provides the element of secrecy and prestige. They are able to represent themselves and display their play world to an audience, performing something ‘out of the ordinary’ which at times creates status and admiration. Play to Matadi footballers is a very powerful element that they incorporate into their lives on a daily basis.

37 The spectators of such daily performances in Liberia also play a role in this act away from ordinary life. Their participation and gesturing enters its own phase of play, laughing, mocking, having fun and observing an act in the world of play. Observers are voluntarily placed at the edge of the performance and have their own rules to follow in order to continue their role. This act away from home forms another ‘play community’; their reaction to the performance can influence the stages of play and its course over a period of time. Play without willing spectators creates a whole new, less dramatic environment.

38 Playing football acts as a ‘cosmic’ state for Zatti players, a means of escapism from marginalisation, lack of opportunity and ultimately being dominated by elders. Football removes them from the realities of their environment and unites them. Their role in a ‘play community’ provides another world and an importance within. They are able to display their performances in front of the wider community and for once have the leading role. The importance of rules and order to sustain this world of play is of paramount importance, players who deviate are punished and the game can quickly end. In the case of Liberia, it can be argued that deviating from the rules, causing tension or breaking the spirit of play is part of the performance and conflict within is all part of the act. Uniquely, such players are never fully removed from this ‘play community’, highlighting the importance of play, the acceptance of deviants and tension as part of their play performance and the realisation that even the most rule abiding players don’t want to see members of their youth group banished from such an important part of their culture. On and off the football field, the group’s togetherness is evident and youth continue to enjoy the dynamics of being part of their own community. Yet is the participation of playing football a factor in keeping them in the youth category? Is it preventing them from aging in the eyes of the wider community and society?

39 I would argue that, in the case of Liberia, it does, as Caillois states: “What is expressed in play is no different from what is expressed in culture” (1961, p. 64), the act of play “affects their preferences, prolong their customs, and reflects their beliefs” (ibid., p. 82). Belonging to the Zatti football meta-society and forming a play community allows them to play a part in their world away from ordinary life of marginalisation, being powerless and dominated by those who are seen as elders and adults. Their acceptance in this act is reflective of the society around them but more forgiving and ultimately more fun. Giving them the opportunity to progress to higher roles, show their skills and perform n front of an audience who would ordinarily shun them as being just boys.

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Yet whilst they belong to this meta-society, they are still known as ‘football players’ and youths; they are not working in a responsible job, owning their own home or providing for a family. More importantly, they cannot be part of play community and have a respected role in the wider hierarchical traditional community structure. The social effect for players is therefore observed in its own cultural context rather than looking at the act of football as part of a trajectory towards adulthood.

Reinforcement or freedom: the consequences of being a youth footballer in Liberia

40 During fieldwork, a priest based at the youth centre claimed, “this is the only place I know where a thirty-five year old man can still be a fifteen year old boy”. Discovering the meaning of the ‘youth’ label and its ramifications for young people has been a primary focus for this work. What has been considered fundamentally relevant is Liberia’s community structures and its traditions. The interruption of formal rites of passage, access to education and the reduced opportunities to gain employment has increased due to the conflict but also due to Liberia’s cultural and historical make-up. The interaction between West Africa and its colonisers over centuries has specifically encouraged colonial and post-colonial hierarchy structures, roles and functions of its populations which have survived generations. This has led to on-going and more recently (given Liberia’s social and economic decline in the last 20 years) over- and mis- use of the term ‘youth’, leading to the largest segment of Liberia’s population being misrepresented and being forced into misconceptions which, it should be added, are heavily endorsed by international governments and NGOs. It should be proposed that ‘youth’ represent culture and society, and therefore their lack of opportunity and ability to gain employment, independence, housing, sustained and committed relationships is simply a reflection of the failings by those who label and judge.

41 There is a realistic fear for Liberian young people, Government, NGOs and development organisations, such as the Don Bosco Youth Centre, who target ‘youth’ and draw people into this category. They provide platforms for engaging young people, training, informal education and recreational activity, which provide feelings of importance, meaning and opportunity mostly for their future social mobility. Yet just like the ending of the war saw ‘youth’ removed from positions of status, to what end will such interventions provide? The opportunity may be there for engagement, yet the cultural environment does not facilitate young people to age until they can provide tangible evidence to support a rise in social status. One can argue that such organisations label young people, empower from within and then young people are left mostly without any meaningful change in their lives and remain at the margins of society. As with the case of Matadi footballers, they are empowered and recognised for two hours a day but return to an outside community where their voice is not heard and their social worth is immediately eradicated. Additionally, the use of football grants access and engagement to this group, but it doesn’t produce any sustainable impact for employment or livelihoods.

42 The need to be accepted, acknowledged and respected is an on-going aspiration for many young footballers whilst all the while understanding its lengthy and almost impossible process. The Matadi youth footballers have thus created their own society to provide all the above stated elements. They each have roles, duties and expectations

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placed on them from within, which mirror those of the outside community, but this time they have the status through football and are able to progress within hierarchy over time. It is organised so the younger players fetch water and collect the equipment after training, senior players are looked upon for policing and guiding the squad, but all the while they are able to show their characters and skill without prejudice. The bond between members of this football society is stronger than stated to date in previous academic literature; even the most deviant of players will not be permanently excluded from the group and they are encouraged to continue to attend sessions. Thus one can conclude that in this case playing football provides many opportunities for social cohesion, mobility within and acknowledgement from the outside. The scenes on the football field highlight their personalities and natural will to perform and revel in the sporting arena where they are the main players on the centre stage. Yet it must not be forgotten that although football is what provides status and belonging, it is the association with this group that can enforce wider social prejudices against youth. Ultimately the elders and adults of the wider community still pose as the largest threat to the game and the most significant barrier to accessing it.

BIBLIOGRAPHY

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NOTES

1. The American Colonization Society (ACS), founded in 1816, was the predominant force striving to resettle ex-slaves. Between 1821 and 1867 the ACS resettled some 10,000 African-Americans from interdicted slave ships. 2. The Economic Community of West African States Monitoring Group (ECOMOG) was established in 1990 for the purpose of peace-keeping and peace enforcement in Liberia. 3. A combination of players who competed for different teams but lived in Matadi and wanted to play. These included players from premiership teams to 3rd division and some retired players. 4. The majority of football players in Matadi are known by nicknames. Most are given names of famous footballers, for example, Pele, Ronaldo, Tevez, Gerrard. Other names are given due to physical features, i.e. a player in Matadi was known as ‘eyeball’ due to his large eyes. Richard was called ‘Nation’ as this is what was chanted during a penalty shoot when he was a teenager just as he saved a penalty and led his team to victory. 5. This gesture is known to be a challenge in a scolding manner, a person who accepts this challenge will approach the person and force the finger down indicating ‘you are not bigger than me’ and this will usually initiate a physical fight. If the person does not want to enter into such a challenge they can walk away in defeat of the threat. 6. Hustling can range from selling mobile phone scratch cards, gambling or seeking manual labour. Hustling can involve petty crime and stealing. It is an exclusively youth pursuit to gain money. Its chaotic nature adds to the youth identity of being immature, irresponsible and impulsive. 7. In 2005 the Truth and Reconciliation Commission for Liberia was formed. This was a parliamentary organisation designed to promote peace, identify key players during the war and bring some form of truth and justice to their victims. Frankly speaking, many former rebel faction leaders and infamous fighters were brought before this commission; they were able to describe their crimes against humanity, apologise and be pardoned. This has created a culture whereby saying ‘sorry’ relieves one of many an indiscretion.

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ABSTRACTS

This inquiry considers three distinct areas, firstly the Liberian definition of ‘youth’ and their post-conflict identity, secondly the tradition of community and the post conflict living arrangements, and thirdly the theme of this investigation, the use and participation of football and play amongst the ‘youth’ male population; its structure, rules, function, role, frequency, meaning and relationship to the wider society and status.

Esta investigação centra-se em três aspetos distintos, em primeiro lugar, a definição liberiana de “juventude” e a identidade liberiana pós-conflito, em segundo lugar a tradição da comunidade e as condições de vida pós-conflito e, em terceiro lugar, e tema central desta pesquisa, o uso do futebol e a participação da ”juventude” masculina em jogos de futebol. A análise foca as estruturas, as regras, as funções, os papéis, a frequência e o significado do futebol em termos das relações estabelecidas com a sociedade em geral e ao nível do status.

INDEX

Palavras-chave: Comunidade, Juventude, Futebol, Jogo, Cultura, Status Keywords: community, youth, football, play, culture, status

AUTHOR

HOLLY COLLISON Brunel University, Department of Anthropology and Sports Science, UB8 3PH, Uxbridge, United Kingdom [email protected]

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As corridas de cavalos na colônia alemã do sudoeste africano (1884-1914) The horse racing in South West Africa’s German colony (1884-1914)

Sílvio Marcus de Souza Correa

NOTA DO EDITOR

Recebido 9 de novembro de 2012; Aceite 25 de julho de 2013

1 As corridas de cavalos foram os maiores eventos desportivos e de maior popularidade na colônia alemã do sudoeste africano (atual Namíbia). Desde o final do século XIX, alguns criadores buscaram melhorar as raças equinas no sudoeste africano por meio de “métodos científicos”, dos quais fizeram parte as corridas1. Para isso, contou-se com o auxílio da ciência veterinária e importou-se, inclusive, reprodutores “puro sangue”, notadamente da Europa e África do Sul.

2 No início do século XX, a colônia alemã do sudoeste africano já tinha a maior concentração de população branca entre as colônias alemãs na África2. Chegava o número a quase 15.000 pessoas, entre alemães, na sua maioria, bôeres e outros de origem europeia (Wesseling, 2004, p. 364). As sociedades de corrida (Rennvereine) foram fundadas em localidades como Swakopmund, Windhoek, Lüderitzbucht e Keetmanshoop. Essas sociedades passaram a organizar corridas durante feriados religiosos (Páscoa, Pentecostes, Natal), feiras ou exposições agropecuárias e mesmo por ocasião de comemorações cívicas como, por exemplo, em homenagem ao aniversário do Kaiser. Tal calendário de corridas forjou um novo tempo para o incipiente campo desportivo da colônia alemã do sudoeste africano e também estruturou o calendário social das comunidades locais.

3 Por meio de uma história do desporto e do lazer e com base em fontes hemerográficas como Windhoeker Anzeiger, de Winduk, Deutsch-Südwestafrikanische Zeitung, de

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Swakopmund, e Lüderitzbuchter Zeitung, da Baía de Lüderitz, busca-se neste artigo atentar para aspectos pouco tratados pela historiografia no que tange ao período colonial na Namíbia. Assim, as corridas de cavalos servem também ao historiador como claves interpretativas das relações étnicas, sociais e políticas, pois as formas restritivas de participação dos africanos nas corridas e nas festas de premiação permitem inferir uma transposição da hierarquia do campo social e político para o campo do desporto e do lazer. Em termos inter-culturais, a história do desporto permite inferir a influência sul-africana ou inglesa no colonialismo alemão, notadamente no sudoeste africano. A história do desporto e do lazer em contexto africano sugere ainda novas abordagens sobre a dominação colonial e a circulação de modalidades desportivas pelas fronteiras dos impérios coloniais.

A criação de cavalos no sudoeste africano

4 Desde 1884, o sudoeste africano foi incorporado ao domínio colonial do II Reich. Mas os contatos pré-coloniais, principalmente com comerciantes holandeses e ingleses, missionários dinamarqueses e alemães e fazendeiros bôeres, foram responsáveis pela introdução de animais domésticos, muitos dos quais foram adotados pelos grupos de pastores Herero e Nama, entre outros. Alguns animais foram imprescindíveis para certas práticas da cultura colonial como, por exemplo, os cães para a caça e o cavalo para montaria e para as corridas.

5 Desde o final do século XIX, os primeiros criadores de cavalos no sudoeste africano sob domínio alemão vislumbraram as potencialidades do mercado interno, pois fazendeiros, comerciantes e soldados necessitavam de cavalos para diversas lidas. Em anúncios de venda ou compra de cavalos, pode-se perceber a formação de um incipiente mercado e para o qual se destacou a fazenda Voigtland, que chegou a disponibilizar 100 cavalos para venda em 1898 (Windhoeker Anzeiger, 27.10.1899). Cabe ressaltar que o seu proprietário foi responsável pela importação de gado vacum da Argentina. Também houve importação de cavalos da Argentina durante a guerra colonial (1904-1908), quando milhares de soldados foram enviados da Alemanha para combater no deserto. Escusado lembrar que a cavalaria foi extremamente importante no contexto bélico do sudoeste africano.

6 A importação de cavalos para fins militares foi uma necessidade excepcional, pois havia uma previsão de que a criação de cavalos na colônia poderia abastecer o mercado interno em poucos anos. Em matéria publicada no Windhoeker Anzeiger, os leitores foram informados sobre feiras de cavalos que se realizariam em cada distrito da colônia, similarmente às que ocorriam na Alemanha. Uma comissão governamental seria responsável pela compra de cavalos para a cavalaria da Schutztruppe. Os criadores de cavalos de cada distrito poderiam agendar as visitas da comissão governamental, sobretudo quando o plantel para venda fosse expressivo (Windhoeker Anzeiger, 30.03.1899).

7 Em 1899, uma série de matérias sobre a criação de cavalos informava sobre o plantel de equinos na colônia, originariamente composto da raça nativa e de híbridos devido à importação de alguns reprodutores (Windhoeker Anzeiger, 03.08. 1899). Mas esses cavalos não eram para corridas. Aliás, uma das matérias insistiu na necessidade de um cavalo de montaria, um cavalo para soldados. Para isso, o cruzamento deveria ter por objetivo a criação de cavalos com características para certas funções, mormente para o exército,

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cavalos de que poderia eventualmente haver um déficit na colônia. Garanhões de origem prussiana, húngara ou inglesa “meio puros” (Halbblut), assim como árabes e ingleses “puro sangue” seriam ideais. Em outro artigo, o autor ressaltou a importância de uma associação dos criadores de cavalos (Windhoeker Anzeiger, 23.11.1899). Nota-se, portanto, a incipiente organização de uma atividade econômica com interface à emergência de atividades desportivas e de lazer, como as corridas e as cavalgadas.

8 Marco importante para a organização de uma sociedade composta por criadores de cavalos e demais interessados por atividades equestres foi a primeira exposição agropecuária de Windhoek, em 1899, onde foram expostos 43 cavalos de 7 proprietários. Estava excluída a participação de expositores africanos3. Em anúncio do jornal local era informado que, além de brancos (ingleses, bôeres e alemães), os criadores “bastardos” poderiam também expor seus animais. Mas os animais dos “bastardos” deveriam ser expostos sob a responsabilidade de um branco (Windhoeker Anzeiger, 11.05.1899).

9 Os alemães designavam por “bastardos“ um grupo de várias gerações de origem mestiça, geralmente com ascendência materna africana e paterna bóer ou alemã. Na localidade de Rehoboth, por exemplo, havia uma importante comunidade de “bastardos” já desde o final do século XIX. Essa comunidade tinha em torno de 2.500 pessoas na primeira década do século XX4.

10 Impossível saber o quanto essas restrições impediram a participação de criadores africanos Nama ou Herero ou de mestiços, notadamente os “bastardos” de Rehoboth. No entanto, apesar das restrições para participar da exposição, um garanhão e uma égua do criador “bastardo” Dirk van Wijk ganharam o primeiro prêmio em suas respectivas categorias (Windhoeker Anzeiger, 08.06.1899).

11 Na exposição rural do sudoeste africano, realizada em Windhoek entre 29 e 31 de maio de 1909, apresentou-se um bom número de equinos (cavalos, éguas, potros, asnos) com diferentes proveniências. Boa parte tinha origem africana, éguas em maior parte. Entre os animais exibidos, um garanhão e duas éguas eram propriedade do “bastardo” N. Olivier. Outro “bastardo”, Karolus Zwart, era também expositor. Além de ser proprietário de um touro, duas vacas, e dois terneiros da mesma raça, ele era dono de um potro que, inclusive, foi premiado na exposição de 1909 (Führer durch die Südwestafrikanischen Landes-Ausstellung zu Windhoek, 1909, pp. 13-16).

12 Os africanos podiam visitar a exposição. Sua visitação foi restrita, todavia, ao segundo dia da exposição, das 9 às 12 horas (ibid., p. 12). Para eles, a entrada custava um marco, sendo que a tarifa normal custava o dobro. As censuras e restrições à participação de negros e mestiços em exposições também encontram paralelo nas corridas de cavalos. Nas primeiras corridas de cavalos de Windhoek houve apenas uma modalidade na qual os cavalos eram propriedade de Hereros. Em Keetmanshoop realizou-se outra corrida cujos cavalos eram propriedade de africanos. Conforme a programação das corridas na imprensa local da Baía de Lüderitz, os africanos só podiam participar como jóqueis ou na modalidade de corridas de mulas. Essas particularidades locais podem ser indícios de uma si-tuação ainda muito incipiente do campo desportivo. A tendência apontava para a uniformização do mesmo, inclusive com o reforço da segregação racial. Todavia, as fontes hemerográficas se mostraram insuficientes para uma análise de filigrana sobre o processo de exclusão de negros e mestiços das corridas de cavalos.

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As corridas de cavalos em contexto colonial

13 Na África austral do final do século XIX, as corridas de cavalos já eram muito difundidas entre a população branca, notadamente composta por bôeres, ingleses e alemães. A popularidade das corridas era tanta que o malogrado plano de Starr Jameson para sua incursão militar no Transvaal teve de esperar que as corridas de cavalos se realizassem. Os próprios líderes dos “uitlanders” avisaram Jameson que o raid deveria ficar para depois das corridas de cavalos do período natalino de 1895 (Wesseling, 1991, p. 577).

14 Apesar da presença de cavalos no sudoeste africano durante o período pré-colonial, a formalização das corridas, inclusive com um calendário anual, ocorreu durante o colonialismo, quando os alemães fundaram suas associações, construindo um campo institucional de sociabilidades tanto em termos desportivos quanto de lazer.

15 Na imprensa de língua alemã da colônia, uma das primeiras referências às corridas de cavalos foi a notícia publicada no semanário de Swakopmund, em 17 de julho de 1902. O evento desportivo foi realizado em Keetmanshoop, promissor “local de corrida do futuro” na colônia, segundo o jornal local (Deutsch-Südwestafrikanische Zeitung, 17.07.1902). A projeção feita pelo jornal acusa uma atividade ainda incipiente, mas com potencial econômico, isto é, a criação de cavalos para corridas.

16 Para o referido evento, o comitê de organização era composto pelo magistrado Tecklenburg, o barão von Schönau e o comerciante Adolf Busch. Deste último, foram roubados dois cavalos de corrida às vésperas da competição. O ladrão (um branco) conseguiu passar a fronteira. Favoritos nas competições, os dois cavalos já estavam em baias no local do evento havia duas semanas, provavelmente em treinamento (ibid.). Aliás, instalações adequadas para os cavalos, abastecimento de aveia e outros cuidados com os animais às vésperas e durante as corridas seriam itens importantes na organização das corridas.

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17 As diferentes modalidades de corrida de cavalos foram realizadas numa única tarde. Também participaram africanos, mas numa categoria exclusiva: corrida de asnos (Esel- Rennen). Para as corridas, houve uma grande e entusiasmada assistência, sendo a tribuna montada insuficiente para tanta gente. Ao evento desportivo, sucedeu-se a entrega de prêmios na Casa da Firma Seidel & Busch, onde Tecklenburg fez um discurso, no qual ressaltou a importância das corridas de cavalos para a colônia e, em particular, para a criação de equinos.

18 Para as corridas do ano seguinte, aventou-se a possibilidade de realizá-las em dois dias. Também aventou-se a possibilidade de dobrar o valor dos prêmios. O maior prêmio poderia assim chegar a um valor entre 500 e 600 marcos. A duração das corridas de cavalos, o valor dos prêmios, o grande público, a participação de africanos e os trabalhos do comitê local para o evento realizado em Keetmanshoop em meados de 1902 permitem inferir uma organização já formalizada, mesmo que nenhuma associação tenha sido mencionada na matéria do jornal. A organização coube a criadores e proprietários de cavalos e outros amadores do desporto.

19 Tanto na exposição agropecuária quanto nas corridas de cavalos, a hierarquia étnica e social do colonialismo se expressava em pequenos detalhes como os anúncios ou notícias sobre os resultados dos páreos, premiações, etc. Nos jornais, quando proprietário, expositor ou cavaleiro era branco, usava-se o pronome de tratamento “senhor” antes do nome e sobrenome. Quando se aludia a mestiços, apareciam apenas nome e sobrenome. Em caso de jóqueis africanos surgiam somente os nomes.

20 A tabela abaixo apresenta a estrutura e a organização das corridas efectuadas em 2 de junho de 1903 em Keetmanshoop. De modo geral, as corridas na colônia

21 seguiam um mesmo padrão de evento, isto é, cinco ou seis modalidades, com distâncias entre 1500 a 3000 metros (rasos ou com barreiras), para participantes sócios ou não- sócios (desde que brancos) e com prêmios variados conforme as modalidades.

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22 O anúncio informava ainda sobre as modalidades (com exceção da última, os cavalos deveriam ser montados somente por brancos) e condições (a corrida seria realizada com o mínimo de 3 cavalos inscritos). Informava ainda que os prêmios para a última modalidade (corrida para africanos) seriam anunciados no dia da corrida (Deutsche- Südwestafrikanische Zeitung, 17.04.1903).

23 Durante as feiras ocorriam, eventualmente, corridas de cavalos, como se deu em Karibib em 1903. No anúncio do jornal de Swakopmund informava-se ainda que o comando das tropas compraria 17 cavalos, 13 bois de canga, 8 bois para tração, 5 bois de montaria e 20 mulas (Deutsche-Südwestafrikanische Zeitung, 28.07.1903).

24 Após as guerras coloniais (1904-1908), as corridas de cavalos se tornaram mais frequentes. O surgimento de associações de corridas em Keetmanshoop, Swakopmund, Lüderitzbucht e Windhoek foi decisivo para isso. A importância da cavalaria da Schutztruppe para a defesa da colônia também pode ter influencia do

Tropas britânicas e sul-africanas em Windhoek. (Fonte: Schmidt & Wolcke-Renk, 2001, p. 138. © Stadt- und Universitätsbibliothek Frankfurt a. M.)

25 as corridas5. Aliás, oficiais e soldados da Schutztruppe também participavam de corridas em suas horas de folga. Mas tal participação era, geralmente, em modalidades sem prêmios em dinheiro.

26 A realização das corridas era uma forma de celebração do colonialismo. O hasteamento de bandeiras do império alemão, a presença de oficiais e soldados e de representantes civis da administração colonial, bem como de mulheres e crianças alemãs faziam parte da pompa e circunstância do evento desportivo. Apesar da participação de oficiais com seus uniformes, os trajes desportivos coloridos para melhor identificação dos jóqueis e, por conseguinte, dos cavalos de um páreo foram se tornando mais frequentes na década de 1910.

27 Durante o colonialismo alemão, as corridas de cavalos se tornaram o principal desporto no sudoeste africano. Conforme um jornal local, “nenhum desporto tem tanta preferência na colônia quanto as corridas de cavalos” (Lüderitzbuchter Zeitung,

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17.04.1909). Vale lembrar que desporto e turfe eram quase sinônimos na Europa fin de siècle (Weber, 1988, p. 264; Vigarello, 1995, p. 194). Na maioria da imprensa europeia a rubrica desportiva se resumia ao turfe (Weber, 1988, p. 264). Ademais, o interesse jornalístico pelas corridas de cavalos não deixa de ser um indicativo da popularização de uma antiga prática aristocrática, de um recreio que se tornou desporto. Mas se as corridas se popularizavam, os cavalos de corrida continuavam a ser objetos de luxo. Mais que uma mercadoria valiosa, o cavalo de corrida estava associado a certo prestígio. A propósito, numa notícia do jornal local chegou-se a pleitear uma taxação para certos objetos de luxo, como os cavalos de corrida (Lüderitzbuchter Zeitung, 09.10.1909).

28 Mas a matéria não deixa claro se os mais visados pela taxação seriam os cavalos “puro sangue” e “meio puro sangue” (Halbblut). Em geral, esses cavalos teriam proprietários brancos. Mesmo que fossem para corridas, os cavalos nativos de proprietários africanos ou mestiços, provavelmente, não tinham o mesmo valor de um “puro sangue” ou de um “meio puro sangue” da Prússia ou da África do Sul. Embora os alemães não tenham monopolizado a criação de cavalos, ela foi se tornando cada vez mais um negócio de brancos, notadamente dos cavalos para corridas.

29 O elevado valor de certos cavalos podia fazer parte do capital econômico e simbólico de seus proprietários, mas também do seu capital social. Um exemplo disso foi a doação feita pelo comerciante Hermann da metade do valor da venda de seu cavalo para a associação de corridas da Baía de Lüderitz. O dinheiro seria destinado para melhoria da pista de corrida. O senhor Hermann retornava para a Alemanha para tratar da saúde, depois de seis anos na Baía de Lüderitz (1904) (Lüderitzbuchter Zeitung, 24.12.1910).

30 Além de donativos, os reparos ou melhoramentos eram feitos também com recursos obtidos através de loteria. A associação de corridas da Baía de Lüderitz, por exemplo, conseguiu um benefício de 2.800 marcos em loteria realizada em 1910. O lucro foi destinado para reparo da pista de corridas. Uma outra loteria estava ainda prevista para aquele ano, segundo o jornal local (Lüderitzbuchter Zeitung, 19.03.1910).

31 A participação da população nas atividades organizadas pelas associações locais (reuniões, bailes, jantares, loterias, cavalgadas, corridas) era variada. Algumas atividades eram exclusivas para os sócios ou para sócios e familiares, outras já eram abertas a convidados e a maioria delas era exclusiva para brancos.

32 O campo desportivo tinha também relação com o campo político. Mesmo na Europa, ambos (desporto e política) foram inicialmente apanágio de uma elite (Weber, 1988, p. 278). No sudoeste africano sob domínio alemão, as corridas de cavalos serviam também para demarcar o lugar e o espaço subalterno dos africanos tanto em termos desportivos quanto políticos. As corridas de cavalos tinham ainda um apelo aristocrático. Criadores e proprietários de cavalos valorizavam a genealogia dos cavalos. Não raro, importava-se um garanhão “puro sangue”.

33 Na medida que as corridas no sudoeste africano favoreciam a celebração de determinadas raças, outras eram desvalorizadas, como os cavalos nativos. Construía-se assim uma hierarquia das raças de cavalos que encontrava correspondência com a diferenciação social de europeus e africanos na ordem colonial.

34 Apesar de uma hierarquização das raças de cavalos com base em pressupostos científicos da veterinária em voga à época, as corridas no sudoeste africano não fizeram distinção entre garanhões, éguas e cavalos castrados para os páreos. Cavalos “puro

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sangue” eram excluídos de algumas modalidades, pois acreditava-se que a pureza racial era determinante para a superioridade do animal. Já o gênero do animal (macho ou fêmea) não determinava a sua performance.

35 A participação de cavalos “puro sangue”, o número de corridas, as diferentes modalidades, com ou sem jóqueis africanos ou mesmo com cavalos de proprietários africanos, e o valor dos prêmios variaram de um lugar para outro, de ano para ano. Conforme o anúncio das corridas em Keetmanshoop, realizadas dias 8 e 9 de maio de 1909, pode-se perceber algumas mudanças na estrutura e organização.

36 O horário das corridas e as diferentes distâncias das modalidades demonstram a valorização da métrica do tempo. Embora os comentários das corridas na rubrica desportiva dos jornais locais não mencionassem o tempo percorrido em cada páreo, a medida do tempo foi algo inovador no campo desportivo, notadamente no turfe6.

37 O valor de inscrição para as corridas número 1, 2, 3, 4 e 5 do sábado (8 de maio) e para as corridas número 1 e 2 de domingo (9 de maio) era de 20 marcos para sócios e 30 marcos para não sócios. Para as corridas de número 3 e 4 de domingo, respectivamente 5 e 10 marcos. Com exceção da última corrida de domingo, as corridas seriam exclusivamente para cavaleiros brancos.

38 A entrada ao público custava 2 marcos e a tribuna 3 marcos. Na véspera da corrida, houve um encontro dos membros da associação de corridas de Keetmanshoop na Schützenhause. Depois da corrida, no domingo à noite, teve lugar a entrega de prêmios e um baile no mesmo local, eventos apenas para os participantes brancos. Os africanos vencedores em sua modalidade, geralmente, recebiam seus prêmios no local.

39 Assim como nas corridas de Keetmanshoop nos dias 8 e 9 de maio de 1909, a primeira corrida organizada pela Rennverein da Baía de Lüderitz, em meados do mesmo ano, contou com a presença de africanos. Conforme matéria do complemento do jornal local,

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“atrás da tribuna, havia uma multidão reunida para assistir as corridas”. Entre os curiosos que não tinham acesso à privilegiada tribuna, pode-se imaginar um composto multiétnico. Já na tribuna estava representada a elite local, “la crème de la crème” da Baía de Lüderitz, como noticiou o jornal (Lüderitzbuchter Zeitung, 05.06.1909). Digno de nota foi a presença de mulheres em seus elegantes vestidos de domingo. O jornal informou ainda que “toda a cidade” afluiu para o Campo dos Bôeres, local onde eram realizadas as corridas na Baía de Lüderitz. Cabe lembrar que a primeira corrida organizada pela Lüderitzbuchter Rennverein fez parte de um processo de formalização de práticas desportivas e de sociabilidades locais, inclusive com a “institucionalização” de um espaço local de corridas.

40 Na Baía de Lüderitz, as corridas de cavalos ocorriam, geralmente, no chamado Campo dos Bôeres (Burenkamp), local de outras práticas desportivas, bem como de festas para um grande público. No entanto, em meados de 1909, foi noticiada no jornal local a previsão de fazer passar os trilhos do trem pelo campo desportivo. O assunto foi um dos temas de discussão na reunião mensal de outra associação (Bürgerverein) (Lüderitzbuchter Zeitung, 19.06.1909).

41 Apesar da polêmica, corridas de cavalos continuaram a ser realizadas no Campo dos Bôeres até o final do ano (Lüderitzbuchter Zeitung, 16.10.1909). Em janeiro de 1910, as corridas de cavalos já ocorreram em outro lugar (Lüderitzbuchter Zeitung, 15.01.1910).

42 Com base na imprensa local, pode-se inferir o quanto as corridas de cavalos eram ocasiões especiais para a vida social, inclusive das mulheres brancas. A participação feminina pareceu ser uma constante durante as corridas de cavalos. Com certa constância, as matérias se referiam à presença do público feminino, que, geralmente, exibia sua beleza “como nunca se vê nas ruas da Baía de Lüderitz” (Lüderitzbuchter Zeitung, 31.07.1909). A tribuna das corridas de cavalos era como uma vitrine, onde se podia ver “o que há de novo e chique na moda feminina” (Lüderitzbuchter Zeitung, 19.11.1910). Pode-se perceber o quanto as roupas e acessórios das damas confirmavam a importância daquelas reuniões sociais em torno das corridas de cavalos.

Na tribuna, destaca-se a expressiva presença feminina durante uma corrida de cavalos em Windhoek. Koloniales Bildarchiv der Universitätsbibliothek Frankfurt, Nr. 080-2996-153

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43 Além da presença feminina, os artigos faziam também referência à maior ou menor participação do público em geral. A presença, ou não, de um grande público dependia, entre outros fatores, das condições do tempo. Em termos meteorológicos, de abril a agosto era o melhor período para as corridas de cavalos. Às vezes, no entanto, o público não atendia as expectativas, ainda mais quando havia bom tempo. No jornal local, lavrou-se uma reclamação contra a baixa participação popular nas corridas em pleno mês de julho (Lüderitzbuchter Zeitung, 16.07.1910). Como os meses de dezembro, janeiro e fevereiro eram muito ventosos, as corridas ficavam dependendo sempre do clima.

44 Em algumas matérias, pode-se observar a relação entre intempéries (vento forte) e um baixo número de público ou mesmo a anulação das corridas. Para ficar em dois exemplos, o Lüderitzbuchter Zeitung, de 20 de novembro de 1909, informava que não era fácil “ficar na tribuna do Campo dos Bôeres com o vento sudoeste soprando”; o mesmo jornal, de 26 de março de 1910, comunicava que a corrida, prevista para o domingo de páscoa, seria protelada para segunda-feira “por causa do vento do sudoeste”.

45 Além disso, as corridas eram um desporto caro e se as associações não aumentassem o número de participantes ou não angariassem fundos suficientes para organizar as corridas, os prêmios também se reduziriam. Assim, os proprietários também não comprariam novos cavalos. Para as corridas, o número de cavalos ficaria, então, reduzido. Aumentaria assim o favoritismo de um ou de outro cavalo e as corridas perderiam o interesse do público. Por isso, o jornal pedia a “adesão popular” porque a apatia do público poderia comprometer o turfe na colônia. Evidentemente, o público- alvo, cuja participação se conclamava, era a população branca. As práticas desportivas, como o turfe ou a ginástica, não foram fatores de integração social e multiétnica durante o colonialismo alemão.

46 As condições meteorológicas mais favoráveis a partir do mês de abril explicam, portanto, porque é que o calendário desportivo se ajustou aos feriados religiosos da Páscoa e de Pentecostes. Embora houvesse corridas no final de ano, o feriado natalino nunca foi tão importante no calendário das corridas de cavalos quanto os feriados religiosos de abril e maio. Ao menos durante o colonialismo alemão, o tempo profano do desporto não constituiu um calendário próprio de eventos. Além de ficar, em parte, atrelado ao calendário religioso, o turfe não logrou constituir um campeonato integrando as associações locais numa federação desportiva, como foi o caso em vários países da Europa desde o final do século XIX, quando as associações desportivas regionais lograram organizar os primeiros campeonatos nacionais.

47 Se o tempo profano do desporto não era algo totalmente separado do tempo religioso no sudoeste africano, ao menos, ele favoreceu uma nova perspectiva em relação ao tempo de outrora. Como na Europa, o desporto introduziu um tempo separado da vida cotidiana, com ritmo (quase) autônomo e manifestações próprias; um tempo de ruptura com o mundo do trabalho; e um tempo de atividades intensas, geralmente, concentradas num dia ou dois (Vigarello, 1995, p. 215).

48 Ao novo tempo introduzido pelas corridas se orientavam não apenas os proprietários de cavalos, mas também as pessoas que assistiam as corridas cada vez mais como espetáculos. Afinal, as corridas eram inicialmente realizadas pelos oficiais da Schutztruppe e pelos soldados da cavalaria, além de um ou outro civil possuidor de um cavalo. Mas o prazer do desporto, inicialmente compartilhado apenas entre os donos de

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cavalos de corrida, passou a ser também uma experiência pública, inclusive feminina, de esposas e filhas dos participantes7.

49 Como as corridas não faziam parte da vida cotidiana, elas eram da ordem do extraordinário, como não faziam parte também do mundo do trabalho, elas se inscreviam no mundo do entretenimento, e como demandavam preparativos e se estendiam por mais de um turno, geralmente seguidas por baile à noite, as corridas de cavalos eram ocasiões excepcionais para muitos homens, adultos ou jovens, casados ou solteiros. Para muitas mulheres, as corridas de cavalos eram, igualmente, ocasiões únicas para sair da rotina, parar por um tempo com as lidas domésticas e viver intensamente um ou dois dias.

50 Se corridas de cavalos e jogos desportivos eram realizados durante os feriados religiosos, como Páscoa e Natal, ou durante as comemorações como o aniversário do Kaiser, cabe ressaltar que outros eventos desportivos ocorriam durante o ano. Lutas de boxe eram realizadas no Kapps Hotel e jogos de futebol e de cricket eram organizados pelo Clube Desportivo (Lüderitzbuchter Zeitung, 19.03.1910, p. 9, e 26.03.1910, p. 4). Também o tênis começava a ser praticado na colônia alemã do sudoeste africano. Contava-se ainda com várias sociedades de ginástica, algumas delas fundadas no final do século XIX (Correa, 2012). Cada modalidade desportiva e o seu calendário de competições contribuíram para a diversificação do campo desportivo. Alguns desportos, como o futebol, o basebol e o rúgbi iriam se desenvolver na Namíbia, sobretudo a partir das primeiras décadas do século XX. Mas o domínio branco (primeiramente alemão, depois sul-africano) também prevaleceu no campo desportivo.

51 Embora outras modalidades desportivas pudessem também despertar o interesse de certos grupos (mulheres, jovens, africanos...), as corridas de cavalos lograram – antes de qualquer outra modalidade – a preferência de um grupo de amadores com capacidade e recursos para fundar associações, organizar eventos e um calendário. Uma vez consolidado o calendário anual das corridas, criadores de cavalos e amadores do desporto poderiam se programar para participar de várias delas. Aliás, as corridas de cavalos em outras localidades como Keetmanshoop ou Swakopmund também eram anunciadas no jornal da Baía de Lüderitz8. Nas festividades de Pentecostes em Keetmanshoop, por exemplo, participaram dezenas de senhores e damas da Baía de Lüderitz (Lüderitzbuchter Zeitung, 21.05.1910), sendo as corridas de cavalos muito apreciadas. As corridas contaram com quatro cavalos de Lüderitzbucht, de nome Bani, Susie White, Bube, Bluelight. Com exceção de Bani, os três outros foram vencedores em suas categorias. Dois anos depois, o mesmo jornal informou que Bluelight ganhou o primeiro prêmio na corrida de Windhoek (Lüderitzbuchter Zeitung, 06.07.1912).

52 A análise da imprensa colonial permite inferir que um número pequeno de cavalos e de proprietários participava das corridas, notadamente da Baía de Lüderitz e Keetmanshoop. Em alguns casos, tem-se a informação sobre eventuais compras e vendas. Comprava-se cavalos e éguas de criadores locais, mas também de criadores da África do Sul. Numa ocasião, o prefeito e membro da associação de corridas da Baía de Lüderitz comprou duas éguas (Lüderitzbuchter Zeitung, 21.05.1910). Uma delas, Gala Girl, ganhara o grande prêmio da primeira corrida do ano naquela localidade (Lüderitzbuchter Zeitung, 07.01.1910).

53 Pode-se supor que a compra de novos cavalos aumentasse o interesse popular pelas corridas. A presença de novos animais garantia o inusitado, desfazia o favoritismo de animais já conhecidos do público, notadamente dos apostadores. Aliás, público

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numeroso acorreu às corridas do início do ano de 1910 na Baía de Lüderitz. Segundo o jornal local, isso se deu pela “qualidade do material” que “não deixa nada a desejar em relação as corridas de Johannesburg ou da Cidade do Cabo” (Lüderitzbuchter Zeitung, 19.02.1910).

54 Se alguns membros da associação de corridas de Lüderitzbucht compravam novos cavalos, outros parecem ter comprado mulas. Nas corridas do final de 1913, quatro mulas, montadas por africanos, eram dos seguintes proprietários alemães: Dr. Lübbert, Laupenmühlen e Vollhabers. Os prêmios foram de 25 marcos para o primeiro lugar, 15 marcos para o segundo e 10 marcos para o terceiro (Lüderitzbuchter Zeitung, 09.01.1914).

55 Por um lado, o valor dos prêmios para a corrida de mulas permite supor uma desvalorização da modalidade. Por outro, o predomínio de cavalos de corrida de origem europeia ou sul-africana tornava cada vez mais difícil a participação de cavalos nativos e, por conseguinte, de eventuais proprietários africanos. Afinal, os cavalos de corrida eram caros e a criação de cavalos uma atividade bastante onerosa.

56 Mas o interesse popular pelas corridas, os investimentos dos criadores (mormente na renovação do plantel) e as atividades das associações de corridas nem sempre correspondiam às expectativas. Como mencionado anteriormente, encontram-se nos jornais algumas queixas em relação à presença diminuta de público durante algumas corridas. Se a presença de um público menor do que o esperado era, às vezes, devida às condições meteorológicas, outras notícias permitem supor uma relação entre a pequena assistência na tribuna e o favoritismo de um ou outro cavalo. Por exemplo, uma matéria do jornal local da Baía de Lüderitz sugeriu que novos cavalos nas corridas poderiam atrair um maior público (Lüderitzbuchter Zeitung, 02.04.1910).

57 Provavelmente, o número reduzido de cavalos, criadores, cavaleiros e jóqueis tornava o resultado de certas corridas bastante previsível. Uma vez conhecido do público local, um cavalo poderia ser favorito, ou não, em comparação aos demais concorrentes de um páreo. Essa previsibilidade tinha, provavelmente, impacto tanto nas apostas quanto na participação popular às corridas.

58 Sobre as corridas no feriado de páscoa de 1911, o jornal da Baía de Lüderitz, por exemplo, informou que, com exceção do resultado da segunda modalidade, os demais já eram esperados (Lüderitzbuchter Zeitung, 22.04.1911). O favoritismo de um ou outro animal deve ter sido uma constante em muitas modalidades, como sucedeu nas corridas de meados de 1911. Na corrida de pôneis, por exemplo, o favorito era Bluelight, do proprietário Bodenstein, e isso se confirmou desde a largada até o final (Lüderitzbuchter Zeitung, 10.06.1911).

59 A despeito do favoritismo em relação a um animal ou outro, havia um forte apelo na imprensa para a participação popular nas corridas de cavalos. Para ficar num exemplo, vale atentar para a matéria publicada no Lüderitzbuchter Zeitung em 5 de novembro de 1911. O articulista anônimo destacou que as corridas eram mais que um desporte. As corridas eram importantes para a economia colonial. Afinal, as provas de velocidade permitiam avaliar o desempenho de cada cavalo, por vezes associado à sua aparência física e à sua origem. Por isso, as corridas eram consideradas como formas de ajudar o melhoramento das raças equestres. Aliás, na Europa, o Jockey Club e agremiações similares eram instituições fundadas com o intuito de concorrer para a melhoria das raças de cavalos9. No entanto, alguns discordavam disso e acreditavam que esses clubes eram simplesmente formas de recreio aristocrático ou de lazer burguês (Agulhon, 2009, p. 131). No sudoeste africano alemão, buscava-se uma criação de gado muar e cavalar

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não apenas para atender demandas locais de transporte, carga e tração. Também se visava abastecer a cavalaria da Schutztruppe com bom material equestre. Por último, mas não menos importante, andar a cavalo fazia parte de um habitus colonial entre os alemães10.

60 Ao comentar sobre a presença constante de pessoas a cavalo nas ruas de Windhoek, Clara Brockmann (1912, p. 121) fez uma referência ao sentimento de superioridade que se tem ao montar um cavalo11. Sob tom irônico, informou que alguns consideravam “chique” passar o dia inteiro de botas de montaria e com o chicote na mão. Geralmente, eram os novatos na colônia que se comportavam assim, “querendo mostrar desse modo que já tinham nascido sobre uma sela”. Apesar disso, depois de anos em África, havia muita gente que sabia montar. Mas aqueles que realmente sabiam montar bem eram raros, segundo as memórias de Brockmann. Ela também comentou sobre um certo exibicionismo aliado à falta de domínio da arte de cavalgar dos iniciados que galopavam ao invés de andar a cavalo corretamente. Tal prática dos “cavaleiros de domingo” era mal vista pelos mais velhos de Windhoek, inclusive porque galopar significava, depois, gastar mais com aveia (ibid., p. 123).

61 No campo desportivo, as corridas reproduziam também hábitos culturais que transpassavam as fronteiras dos impérios coloniais. Como se aludiu, a influência inglesa ou sul-africana era marcante no que tange às corridas de cavalos. Era comum a imprensa local se referir à vizinha África do Sul quando se tratava de elogiar a qualidade do material em uma ou outra corrida, tal a réplica das rivalidades nacionalistas num contexto colonial e a propósito de uma atividade particular. Em 1909, por exemplo, participaram alguns cavalos nas corridas da Baía de Lüderitz “cuja qualidade é difícil se encontrar mesmo na África do Sul” (Lüderitzbuchter Zeitung, 20.11.1909).

62 Também o nome dos cavalos de corrida acusa uma identificação com o turfe de origem inglesa. Entre outros nomes em inglês, podem ser citados Little Billy, Mark Time, Seaman, Blackie, Slowly. Alguns nomes dos jóqueis (Johnny, James...) eram igualmente ingleses e certas modalidades de corrida também (Keetmanshooper Steeple Chase) (Lüderitzbuchter Zeitung, 02.04.1910).

63 As corridas de cavalos possibilitavam a reprodução parcial de um modo de vida europeu. As associações de corridas organizavam outras atividades, como as cavalgadas. Em 1909, a associação da Baía de Lüderitz realizou sua segunda corrida de caça à raposa, uma forma de entretenimento desportivo (Lüderitzbuchter Zeitung, 04.09.1909). Entre os participantes, destaque para a participação feminina, notadamente da senhorita Kranz e das duas senhoritas Wecke. Pela boa presença do público no local, essa atividade tinha um futuro promissor, sentenciava o jornal (Lüderitzbuchter Zeitung, 18.09.1909).

64 Além das corridas, passeios a cavalo eram também organizados pelas associações. A título de exemplo, um dos pontos da pauta da reunião da Lüderitzbuchter Rennverein no Hotel Rösemann era a preparação de um passeio a cavalo para o dia 19 de novembro de 1911 (Lüderitzbuchter Zeitung, 11.11.1911). Isso indicia o quanto as corridas e as cavalgadas favoreceram as sociabilidades tanto no campo do desporto quanto do lazer na colônia. Afinal, as corridas de cavalos se inserem num conjunto de práticas de sociabilidades, às quais os alemães já estavam acostumados em sua pátria (Correa, 2013).

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65 Participar de associações desportivas ou recreativas já era um habitus burguês na Alemanha Guilhermina. Embora o próprio Kaiser não fosse um fã inveterado do turfe, a imprensa no sudoeste africano noticiou o fato de o imperador ser o patrono do primeiro Rennklub alemão (Deutsche Südwestafrikanische Zeitung, 20.07.1910).

66 Essas práticas de sociabilidades aproximavam os alemães, lhes emprestavam uma identidade social e mesmo estreitavam seus laços sociais. As sociabilidades tinham suas particularidades em contexto colonial. Ideologicamente, os alemães se viam como uma “raça de senhores” (Herrenrasse) na África colonial. Isso não significou o esmaecimento das origens sociais ou mesmo do status previsivelmente diferente de um comissário imperial ou de um colono alemão. Por isso, as sociabilidades acusam ao mesmo tempo aproximações e distanciamentos sócio-culturais tanto em relação aos membros do in- group quanto àqueles do out-group. Mesmo que as sociabilidades tenham permitido “baixar a barreira social” entre alguns – fosse por força da atividade desportiva, fosse pela transposição desta para um contexto colonial –, elas aumentaram ou reforçaram as barreiras (social, étnica, cultural, sexual) face a outros, notadamente em relação aos africanos.

67 No campo desportivo havia aproximações e distanciamentos de acordo com as configurações possíveis entre classe, gênero e raça. É difícil saber, por exemplo, como alemães proprietários ou criadores de cavalos de corrida se relacionavam com africanos empregados para limpar as baias e tratar dos cavalos e como se relacionavam os africanos com a assistência, notadamente com as poucas mulheres brancas que, com seus vestidos domingueiros e chapéus com penas de avestruz, ocupavam a tribuna das corridas. Proprietários e criadores, jóqueis, empregados e amadores do turfe participavam do mesmo campo desportivo. Resta saber se uma ideia de cooperação inerente ao ideal desportivo moderno aflorou entre diferentes protagonistas do “quadrilátero geográfico” das corridas de cavalos na então colônia alemã.

68 Em termos desportivos, as relações inter-étnicas entre alemães e africanos não se enquadraram nos moldes das sociabilidades imanentes às corridas, pois as sociabilidades pressupõem uma “espontaneidade”, uma vontade de querer estar com os outros. Em suma, uma predisposição para a convivência. Ora, os espaços públicos e privados reservados aos africanos na sociedade colonial demonstram o quanto as relações étnicas entre alemães e africanos nada tinham de espontâ-neas e o quanto faltava a vontade de conviver uns com os outros12.

69 Durante o feriado pascoalino de 1909, na Baía de Lüderitz ocorreram corridas de cavalos e uma festa popular desportiva (allgemeines Volkssportfest), respectivamente nos dias 11 e 12 de abril. A entrega dos prêmios foi no hotel Kapps (Lüderitzbuchter Zeitung, 03.04.1909). No anúncio do programa das corridas de cavalos, informava-se sobre certas regras e modalidades das provas e valores dos prêmios, que podiam chegar a 500 marcos. Para a corrida de mulas, o primeiro prêmio era no valor de 100 marcos (Lüderitzbuchter Zeitung, 13.03.1909). Nas corridas de cavalos de meados de novembro de 1909, de início de janeiro e meados de julho de 1910, entre outros exemplos, algumas modalidades contaram com jóqueis africanos (Lüderitzbuchter Zeitung, 16.11.1909, p. 7; 08.01.1910, p. 5; 16.07.1910, p. 12). As fontes hemerográficas não permitem, no entanto, aventar qualquer hipótese sobre o aumento ou diminuição das barreiras étnicas no campo das corridas.

70 Às vésperas da corrida, o jornal informava ainda da participação de amazonas (Lüderitzbuchter Zeitung, 10.04.1909). Uma semana depois, o jornal local publicou

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matéria sobre o evento, salientando a presença feminina e de autoridades oficiais, além da performance da banda musical dos marinheiros do navio imperial Sperber, que animou o público durante o intervalo das corridas. Informou ainda que as próximas corridas seriam no feriado de Pentecostes (Lüderitzbuchter Zeitung, 17.04.1909).

71 As corridas do feriado de Pentecostes ocorreram na tarde de 31 de maio (Lüderitzbuchter Zeitung, 22.05.1909). No complemento do jornal foi publicada matéria sobre as corridas de Pentecostes. Dessa vez, a animação musical ficou por conta da banda do navio imperial Panther. O encerramento do evento foi um jantar festivo no Kapps Hotel (Beilage zur Lüderitzbuchter Zeitung, 05.06.1909). Também aí decorreu a entrega dos prêmios das corridas de cavalos de 25 de julho de 190913. Porém, a entrada foi restrita aos associados e convidados (Lüderitzbuchter Zeitung, 24.07.1909, p. 3). Em setembro houve nova entrega de prêmios das corridas promovidas pela associação local, seguida de um baile no Kapps Hotel14. A grande corrida de cavalos realizada no final de 1910 também teve seu encerramento festivo no dito Kapps Hotel, inclusive com sorteio de prêmios (loteria) (Lüderitzbuchter Zeitung, 24.12.1910).

72 As centenas de anúncios e artigos sobre corridas de cavalos nos jornais de Windhoek, Swakopmund e da Baía de Lüderitz entre 1898 e 1918 permitem inferir o quanto as corridas de cavalos eram muito apreciadas na colônia alemã. Em termos de circuito social da informação, cabe ressaltar que os jornais locais noticiavam sobre o turfe porque os seus leitores eram também os amadores das corridas. Além disso, muitos desses leitores e amadores do turfe eram também representantes das “forças vivas” de uma localidade. O prefeito da Baía de Lüderitz, Emil Kreplin, era assíduo leitor do Lüderitzbuchter Zeitung, mas também era presidente da Sociedade de Corrida de Cavalos (Lüderitzbuchter Rennverein), além de proprietário de cavalos. Outro exemplo era o comerciante alemão Louis Wirth, que tinha empório na Baía de Lüderitz e também era proprietário de cavalos e membro do conselho administrativo da sociedade de corrida local.

73 Em 1910, o calendário desportivo já estava consolidado no que tange às corridas de cavalos, principalmente na Baía de Lüderitz e em Keetmanshoop. Nesses locais, havia mais corridas de cavalos do que em Swakopmund e Windhoek. Isso se dava, provavelmente, porque a criação de cavalos era maior no sul da colônia.

74 Entre 1909 e 1914, a Baía de Lüderitz foi o local de maior frequência de corridas de cavalos. Entre outros fatores, cabe ressaltar a importância da associação local. Além disso, a economia local em torno dos diamantes habilitou um grupo de pessoas a comprar cavalos de corrida e a investir no desporto. Essa elite local tinha diferentes motivações para participar das corridas de cavalos, ainda mais sendo elas uma ocasião extraordinária para o exercício das sociabilidades naquela localidade portuária em pleno deserto do sudoeste africano.

75 Afinal, a tribuna do Campo dos Bôeres foi um espaço de sociabilidades para homens e mulheres, adultos e crianças. Evidentemente, dela estavam excluídos os africanos, assim como dos salões dos hotéis, da praia balneária e de tantos outros espaços de sociabilidade. As exceções eram raras. Em geral, os africanos tinham uma participação marginal na vida social da pequena cidade portuária da Baía de Lüderitz. No Campo dos Bôeres, as práticas desportivas como turfe, tênis ou atletismo reservavam aos africanos o lugar de jóqueis, gandulas e carregadores, além de espectadores distantes, detrás dos alambrados.

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76 Essa situação étnico-social entre alemães e africanos foi pouco alterada com a ocupação sul-africana durante a Primeira Guerra Mundial. Houve, no entanto, uma série de mudanças nas corridas de cavalos a partir de 1914. A participação de oficiais e soldados da cavalaria das tropas britânicas e sul-africanas, a diversificação dos animais com o aumento expressivo do número de cavalos da África do Sul, a inovação das modalidades e a introdução de outras regras trazidas pelos ocupantes sul-africanos, inclusive a adoção da língua inglesa, foram algumas mudanças de grande impacto no campo desportivo da ex-colônia alemã do sudoeste africano.15

Três cenas de corridas de cavalos na Baía de Lüderitz das primeiras décadas do século xx. National Archive of Namibia (Windhoek), Nr. 02462/00332/05906

77 Algumas associações desportivas dos alemães tiveram certas dificuldades em se manter no período post bellum. Houve, inclusive, uma fusão de algumas delas para melhor organizarem suas atividades como a ginástica e as corridas. Porém, os novos protagonistas do campo desportivo tinham outras preferências. O domínio sul-africano favoreceu um maior número de desportos no sudoeste africano. Isso não significou um abandono do turfe. Aliás, em 1920, houve a fundação do “Lüderitzbucht Sporting and Gymkhana Club”. O presidente do clube era o alemão Kreplin, aficionado por cavalos. O novo clube teria como uma das principais metas promover as corridas (Lüderitzbuchter Zeitung, 28.01.1920).

Considerações finais

78 Em tempos de guerra e de paz, a figura equina se revestiu de um poder simbólico ímpar na colônia alemã do sudoeste africano. Decisivo para a vitória das tropas volantes pelo deserto, o cavalo se tornou um emblema do poder colonial. Além disso, o cavalo foi um animal imprescindível para deslocações de curta e média distância.

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79 Desde os primeiros anos da colônia, serviu o animal equestre também para momentos de desporto e lazer. A criação de cavalos na colônia e a importação de novas raças foram o suporte necessário para as corridas de cavalos, tão populares entre os alemães. Uma vez abastecidos de cavalos da Prússia, Hungria, Inglaterra, África do Sul e Argentina, os colonizadores passaram a dispensar os cavalos criados localmente, não apenas para diversas lidas, mas, principalmente, para suas corridas.

80 Nota-se que a reprodução de hábitos culturais favorecia a coesão social do grupo dos colonos. Além disso, a realização de tais práticas desportivas e de lazer também indiciava a consolidação do projeto colonial. Poder realizar corridas de cavalos era uma forma de germanizar a colônia, fazer dela uma “pequena Alemanha”, como foi referido algumas vezes na imprensa colonial. Na literatura colonial fez-se também referência a esse processo de uma tentada germanização. Para Clara Brockmann (1912, pp. 131-132), as corridas de cavalos na colônia alemã do sudoeste africano faziam lembrar as da Alemanha, notadamente pela pompa dos uniformes dos oficiais que se perfilavam na tribuna e pela elegância de roupas e dos chapéus com penas de avestruz. Tudo daria a impressão de se estar na Alemanha, “se não fosse a paisagem agreste em seu entorno e na qual predominam as acácias”.

81 Além da paisagem, havia uma série de contrastes e mesmo contradições entre a realidade metropolitana e a colonial. Em termos políticos, apesar da supremacia prussiana, a Alemanha passava por um processo de democratização. Tal processo se manifestou, igualmente, no campo desportivo e ganharia um novo ímpeto durante a República de Weimar. Ainda na Alemanha do II Reich, a participação e o gosto por corridas de cavalos se prestavam à distinção social. Na colônia alemã do sudoeste africano, os alemães reforçavam seus laços sociais e sua identidade nacional por meio de atividades desportivas como as corridas de cavalos. Ao mesmo tempo, elas os diferenciavam dos demais, ou seja, dos africanos.

82 A valorização das raças equinas da Europa correspondeu a uma desvalorização dos cavalos nativos ou de proprietários africanos. No plano ideológico, tal desvalorização era uma forma de reforçar o valor supostamente inferior dos próprios africanos. Tal estratégia de dupla desvalorização valeu também para restringir o espaço dos africanos nas corridas. Além da modalidade exclusiva para os africanos, isto é, as corridas de burros ou mulas, a função de jóquei era uma das poucas consentidas aos africanos nas corridas de cavalos.

83 Através de práticas como as corridas de cavalos, a história do desporto e do lazer permite compreender a formação e a consolidação de um campo desportivo e de sociabilidades na colônia alemã do sudoeste africano e, por conseguinte, algumas formas de reprodução de estruturas coloniais. Além disso, pode-se estudar algumas mudanças sociais, econômicas e políticas em sua correlação com as mudanças no campo desportivo, pois a presença inglesa e sul-africana no sudoeste africano após 1915 teve desdobramentos importantes na Namíbia do post bellum, quando outros desportes, como o basebol, o golfe e o rúgbi, diversificaram o campo desportivo. Estas novas modalidades desportivas, inexistentes ou marginais durante o domínio colonial alemão, acabariam por reconfigurar o campo desportivo na Namíbia a partir da década de 1920, inclusive com novos protagonistas brancos (bôeres e britânicos).

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SZ Swakopmunder Zeitung - Swakopmund (1911-1912) African Newspapers Database (documento digital)

WA Windhoeker Anzeiger - Windhuk (1898-1901) African Newspapers Database (documento digital)

NOTAS

1. Desde a primeira metade do século XIX foi difundida no meio acadêmico alemão a importância das corridas para o melhoramento das raças de cavalos. Ver, por exemplo, Hazzi (1826). 2. Atualmente, a população branca na Namíbia perfaz quase 7% da população total. A metade da população é de origem Ovambo. Entre outras minorias, Herero e Namas, respectivamente 7% e 5%, tiveram maior expressão demográfica até o início do século XX, quando a população de ambos os grupos foi dizimada durante a guerra colonial (Wallace, 2012, pp. 177-182; Correa, 2011, pp. 85-103; Zimmerer, 2004, pp. 45-63). 3. O termo “africanos” não era usado pela imprensa durante o colonialismo alemão. Optou-se pelo uso da palavra “africanos” para referir-se genericamente aos Nama, Herero e demais grupos étnicos em contato com os alemães na outrora colônia alemã do sudoeste africano (atual Namíbia). Doravante, o termo “africanos” designa um grupo denominado como nativos (Eingeborenen) nas fontes consultadas. 4. Sobre os “bastardos” da então colônia alemã do sudoeste africano, ver por exemplo: Bayer (1984); Britz, Lang e Limpricht (1999). 5. Sobre a cavalaria durante a guerra colonial, ver as memórias de um cavaleiro da Schutztruppe, Dincklage-Campe (1908). 6. Além do turfe, o cálculo do tempo foi igualmente importante para o remo e o ciclismo nos primórdios do desporto. Cf. Vigarello (1995). 7. Na Baía de Lüderitz, as corridas de cavalos do mês de novembro de 1911 atraíram grande público, inclusive feminino, permitindo a todos se maravilhar com a moda chique e as novidades da toilette das damas que ocupavam a tribuna (Lüderitzbuchter Zeitung, 19.11.1910, pp. 1-2). Já as corridas de cavalos do Ano Novo tiveram um público aquém do esperado (Lüderitzbuchter Zeitung, 07.01.1911, p. 11). 8. Ver, por ex.: Lüderitzbuchter Zeitung, 20.03.1909, p. 4; 03.04.1909, p. 8; 12.06.1909, p. 2; 11.12.1909, p. 9. 9. O nome oficial do Jockey Club de Paris era “Círculo de Fomento para o melhoramento das raças de cavalos em França”, cf. Agulhon, 2009, p. 114; Vigarello, 1995, p. 195. 10. O termo habitus é um conceito-chave na sociologia de Norbert Elias e Pierre Bourdieu. Pode ser entendido grosso modo como a forma comum de agir, pensar e sentir entre membros de um grupo social. O habitus se expressa no estilo de vida, na linguagem, no gosto dos indivíduos. 11. Natural de Lübeck, Clara Brockmann (1885-1959) viveu alguns anos na colônia alemã do sudoeste africano. Seus relatos de viagem e suas memórias e novelas fazem parte de uma literatura colonial em língua alemã, cuja autoria feminina foi muito expressiva. 12. Sobre a sociabilidade, o historiador francês Maurice Agulhon ressaltou a importância dessa “aptidão do indivíduo de frequentar agradavelmente seus semelhantes” (l’aptitude de l’individu à fréquenter agréablement ses semblables). Ver prefácio da reedição do seu livro Pénitents et franc-maçons dans l’ancienne Provence (1968).

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13. Sobre as corridas de 25 de julho, ver Lüderitzbuchter Zeitung, 31.07.1909, pp. 5-6. 14. Lüderitzbuchter Zeitung, 18.09.1909, p. 10. Para detalhes sobre as corridas de 19 de setembro ver matéria do Lüderitzbuchter Zeitung, 25.09.1909, pp. 5-6. 15. No Arquivo Nacional da Namíbia, dois programas oficiais do Windhoek Military Gymkhana Club, respectivamente de um evento realizado em 20.11.1915 e de outro de 30.09 a 02.10.1916, contêm várias informações sobre os novos participantes (na maioria oficiais e soldados das tropas sul-africanas), as novas modalidades de corridas e as premiações.

RESUMOS

Para a formação do campo desportivo na colônia alemã do sudoeste africano (atual Namíbia) tiveram papel importante várias associações desportivas. Entre elas, pode-se mencionar as sociedades de corrida de cavalos (Rennvereine), especialmente as de Swakopmund, Windhoek, Keetmanshoop e da Baía de Lüderitz. As corridas de cavalos constituíram parte da cultura desportiva na Alemanha do Segundo Império. Essas socie-dades desportivas serviram para o treinamento da população masculina (militar e civil) num contexto colonial, ou seja, num contexto beligerante. Com base em jornais, o presente artigo examina o protagonismo das sociedades de corridas de cavalos para a formação do campo desportivo, para a manutenção e expansão do germanismo e para a estruturação de um calendário desportivo no qual os eventos desportivos eram momentos de celebração do colonialismo.

During the German colonial rule in South West Africa (now Namibia), several associations were important for the building of a culture of sport. Among these were the Horse Racing Societies (Rennvereine), especially those of Swakopmund, Windhoek, Keetmanshoop and Lüderitzbucht. Horse racing was a main part of the sporting culture of the German Second Reich. In Namibia these sports societies served as training ground for the development of a ”masculine” population (military and civilian) in a colonial context, or in other words, a belligerent context. Based on newspaper archives, this article examines the protagonist role of the Horse Racing Societies in the building of a culture of sport, for the maintenance and spread of “Germanness” and for the structuring of a calendar in which the sporting events were also moments to celebrate colonialism.

ÍNDICE

Keywords: horse racings, colonialism, Southwest Africa Palavras-chave: Corridas de cavalos, Colonialismo, Sudoeste africano

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AUTOR

SÍLVIO MARCUS DE SOUZA CORREA Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Departamento de História, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, 88040-9000 Trindade, Florianópolis, Brasil [email protected]

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Managing racial diversity: Positional segregation in South African rugby union in the post- apartheid era Gerindo a diversidade racial: Segregação posicional no rugby sul-africano na era pós-apartheid

Bernard Cros

EDITOR'S NOTE

Recebido 11 Novembro 2012; Aceite 7 de Outubro de 2013

1 In the contemporary world, sport has been described as a powerful means of identification to an otherwise abstract “Nation”, as one possible points of reference of “imagined communities” (Anderson, 1991). When South Africa chose the path of multiracialism in the 1990s after centuries of segregation, it had to invent itself an identity as a racially diverse nation, and the potential of sports as a tool of change to that effect was emphasized, notably by Nelson Mandela who used rugby as an instrument of reconciliation (Carlin, 2008). Since then, everyone irrespective of skin colour has indeed been legally allowed to compete for a place in South Africa’s elite sports squads. However, this supposed sport to be first an object of change, defined essentially by its response to the country’s new racial dispensation.

2 The cultural and historical centrality of white-dominated rugby union in South Africa makes it an interesting measure of the evolution of new political and racial imperatives such as “reconciliation” and “transformation” to which it was submitted. Empirical observation suggests that non-whites, who represent 90% of the general population and about half of all rugby players, account for a small minority of professional players, and that the assignments to the ten playing positions of a rugby team vary according to

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racial affiliation: blacks are heavily overrepresented at wing while whites enjoy a monopoly over lock, number 8 and fly-half. Such “positional segregation”, or “stacking”, is defined as “players from a certain racial or ethnic group being either over- or under-represented at certain positions in team sports” (Coakley, 1998, p. 257). This phenomenon was originally formalized in the United States after Loy and McElvogue (1970), who concluded that in baseball and American football, positions identified as spatially “central” were likely to be filled by whites and those identified as “peripheral” by non-whites. Centrality studies drew on Blalock (1962) as well as on Grusky’s (1963) study of formal structures of baseball organizations, and defined centrality in sport largely in relation to the impact of playing positions on results, which led to the notion that “minorities are excluded from positions with the greatest opportunity for determining the outcome of the competition” (Johnson & Johnson, 1995, p. 105). Since the 1960s, many researchers have pointed to patterns of racial disproportion in US team sports (Eitzen & Sanford, 1975; Leonard, 1977 and 1987; Curtis & Loy, 1978; Best, 1987; Jones, Leonard, Schmitt, Smith & Tolone, 1987; Lavoie & Leonard, 1994; Johnson & Johnson, 1995; Smith, 2000; González, 2002; Hawkins, 2002; Medoff, 2004, e.g.).

3 As has been remarked about British soccer (Norris & Jones, 1998, p.181-182) however, the transfer of theories originally stemming from, and applied to, US sports and society entails problems of adaptation to other contexts. Similar studies on other sports were conducted in other parts of the English-speaking world (Maguire, 1988 and 1991; Melnick, 1988; Hallinan, 1991; Melnick & Thomson, 1996; Long & Spracken, 1996, e.g.), but rugby union centrality has been the subject of only two contributions of note (Maguire, 1988 and 1991, looked at some elements of English rugby; and Melnick & Thomson, 1996, studied aspects of the New Zealand case). Yet rugby union is a likely candidate for the analysis of stacking as it involves considerable player specialisation, a wide variety of body types (Reilly, 1997, Nicholas, 1997) and “fixed zones of role responsibility attached to specific positions” as was noted by Edwards (1973, p. 213) about American football and baseball.

4 This article will first establish a centrality model for rugby union to define which positions are central or peripheral, before testing it in relation to South African rugby union by looking at the participation of players according to race and position in the three major types of competition: international (‘test’) matches, Super Rugby and the Currie Cup. Analysis of the racial composition of top teams will provide evidence about the involvement of non-whites (Do blacks play less in top competitions? To what extent are blacks confined to “peripheral” positions?). Hypotheses as to the reasons for such evolution (such as the stereotypes underpinning the reluctance of the rugby “establishment” – from board seats to coaching positions – to open up the “white man’s game”, lack of popular support inside the black population, and socio-economic considerations limiting the pool of available non-white players) will be offered, leading eventually to a reassessment of the status of elite rugby in contemporary South Africa. Attention will also be paid to the so-called “Anglocentric hypothesis” (Hallinan, 1991), which points to racial and cultural prejudice influencing coaching and selection processes in favour of whites in English-speaking countries as stacking has been linked to the inferior social and economic status of non-whites in such contexts.

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Rugby union centrality

Theorizing rugby union centrality

5 The starting point for the following rugby union centrality model is Grusky’s (1963) seminal definition of centrality as depending on (1) spatial location on the field, (2) types of tasks performed in each position and (3) rate and range of interaction between players and/or players and management.

1 Spatial centrality

6 Figure 1 is a diagram of how a rugby team is presented. The 15 players, arranged into ten different positions, are conventionally numbered from 1 to 15 (the standard terms of the International Rugby Board were used). Players 1 to 8, known collectively as the forwards, are shown in a scrum position. Players 9 to 15 are the backs. Five players are spatially located at the centre of the team: hooker, number 8 (or eighthman), scrumhalf, fly-half and fullback.

Figure 1: Rugby union players’ positions

2 Tasks

7 The second criterion points at functionality (the tasks performed and their impact on team results): the higher the influence on the result of a game, the more central a position. In a comparison with soccer, Maguire remarked that in rugby union “the functions of positions … are more clearly demarcated” (Maguire, 1988, p. 102). According to the South African Rugby Union’s (SARU) website, the “two units [backs and forwards have] … different basic responsibilities although there are no hard and fast rules about who may score or who may do what” (SARU, 2011). Rugby players are

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thus both specialists (with specific tasks to accomplish at their position) and generalists (sharing similar functions in offence and in defence).

3 Interaction

8 The rate of interaction in rugby can be measured in different ways but it essentially involves passing and kicking the ball, and contacts, either physical or not, with teammates, opponents and management. Interaction criteria serve to measure the intensity of performance at each position. If all players pass the ball, tackle and speak, some pass, tackle and speak more than others (“high” vs. “low interactors” to use Grusky’s terminology).

Methodology

9 The main tasks and abilities of each position were defined by using six different sources. Though by all means subjective, these views can be considered as reliable as they lay down elements that are well established and generally recognized as valid in the rugby world. They include the International Rugby Board’s Beginner’s Guide to Rugby Union (IRB, 2008), two guides published by the Rugby Football Union (referenced as RFU, n.d.), English rugby’s governing body, a position guide (RFU PG, n.d.) and a positional skills guide (RFU PSG, n.d.), which define the “key abilities” for each position. They were augmented by the BBC website, which contains the views of nine international players from the British Isles, Australia, New Zealand and South Africa about their respective positions, by a similar set of assessments by 15 French internationals published in the French weekly magazine L’Express just before the , and finally by the personal website of a South African coach, Ross Williams, who works for the University of Cape Town U20 team, in which he describes and discusses each position at length. Other interviews and comments by prominent players and coaches were also taken into account when necessary. The terms and expressions used to describe each position were listed, quantified and classified into seven categories, in addition to spatial centrality (Table 1): two involve contact with the ball (with hands or feet); two involve contact with both opponents and teammates (tackling and rucking, interactive skills); two relate to cognitive qualities (decision-making and strategy, vision); one relates to physical qualities (“strength”, “stamina”, “speed”, etc.).

10 The descriptions were translated into a 5-point Likert scale meant to assess the importance of each item at each position in comparison with the fundamentals of the position (kicking may be useful for a flanker but is less important than his tackling ability), and with the needs requested at the other positions (if a flanker occasionally kicks the ball, the fly-half is more likely to kick). A 1 indicates that the item is virtually useless at a position, a 2 indicates that it is rarely useful, a 3 that it is sometimes useful, a 4 that it is often useful, and a 5 that it is essential. This led to the establishment of a centrality score (CS): the higher the CS, the more central the position. Table 1: Centrality score (CS) of positions in a rugby union team according to factors of spatial centrality and of needed and displayed skills (total points awarded: 286)

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Results and discussion of model

11 Spatiality seems fundamental to define centrality as the top five positions in that category occupy the top five ranks and score more than the average of 28.6 points. This confirms that “the factor of centrality itself is significant only in so far as greater outcome control and leadership responsibilities are typically vested in centrally located positions since actors holding these positions have a better perspective on the total field activity” (Edwards, 1973, p. 209). However, the further down we go into the table, the less multidimensional positions are, and the less their strategic centrality is emphasized. Rugby people regularly use the organic metaphor of the “backbone” or “spine” about these players: for Jake White, who coached the Springboks to the world champion title in 2007, they form the “team’s backbone” (White, 2011), former France fly-half Christophe Lamaison believes “in the theory of the backbone 2, 8, 9, 10, 15” (L’Express, 2007), which Williams (2009) makes his as well. Like the central nervous system, these five players process, then relay the information for the “organs” − themselves and the ten other players − to function properly and for the benefit of the “system” − the team.

12 The fly-half, the most central position, is compared to vital organs in a body. He is “the heartbeat of the team” (RFU PG, n.d.), or according to the 1920s English flanker Wavell Wakefield, “the brains of the attack” (Wakefield & Marshall, 1927, p. 213. Original emphasis). The fly-half, often nicknamed the “pivot”, is “arguably the most influential player on the pitch” (RFU PG, n.d.). He occupies a thinking and leadership position, “a pivotal role with the responsibility of deciding whether the backs should run with the ball or whether he should kick to gain the best advantage for his side” (SARU, 2011). As “the general of the backline and frequently of the whole team” (SARU, 2011), “the tactician who, apart from his own game, will have a share in most of the other tactical moves” (Craven, 1977, p. 22), he is “generally the main decision-maker” (Williams, 2009), and likened to similarly central positions in other sports, “a point guard in basketball, the midfield general in soccer or the quarterback in American football” (SARU, 2011). The player’s intelligence and adaptability are emphasized: he must “read

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the game very well” (Williams, 2009) and “adapt what was drawn up on the blackboard to match circumstances” (L’Express, 2007). As an advice to would-be fly-halves, Williams says: “Use your head and play according to what you see in front of you” (Williams, 2009). His centrality also derives from his traditional role as placekicker since he is generally in charge of kicking the penalties, try conversions and dropped goals that feed the score and bear directly on the outcome of the game.

13 The fly-half’s closest partner on the field, the scrumhalf, is also the second most central player. Both are often considered together, almost as a special unit (the halfback pair). As a hinge between forwards and backs, they are the priority players to call offensive plays, so both need decision-making and communication skills. As “the talkers and the tacticians of the side” (BBC, n.d.), they occupy the most interactive positions, acting as the prime relays between management and players, often requesting information from coaches on the side-lines. “At the centre of the action” (former France scrumhalf and coach Pierre Berbizier, L’Express, 2007), the scrumhalf is also “the first person with [his] hands on the ball” (RFU PG, n.d.): he feeds it into the scrums and “recycles” it when it is at a halt, allowing the play to move on. He is “a decision-maker who controls the tempo of play” (Berbizier, L’Express, 2007), choosing to kick the ball, pass it or run with it. The scrumhalf is also considered as the “boss” of the forwards whom he “coordinates” (RFU PG, n.d.), especially when their heads are down in a contest for the ball. In scrums, he works closely with two forwards, the hooker (who heels back the ball the scrumhalf put in the scrum) and the eighthman (who controls the ball out of the scrum).

14 These forwards rank third and fourth partly because of their interaction with the halfbacks. The eighthman, “a key decision-maker” with “many roles to fill” (Williams, 2009), scores high in most categories. He is the forward closest to the backs and must ensure continuity of play. He has to combine power, size and mobility, needs good hands to fetch high balls, has to be a good runner to cover his defence on opposing kicks and intervene quickly in rucks. He too stands out as a “thinking position”, “a central decision-maker in the spine of the team” (RFU PSG, n.d.) because he is in a pivotal place at the base of the scrum, where he may decide to pass the ball, run with it or control it with his feet.

15 The other central forward, the hooker, influences team performance directly by “coordinating events at the major possession platforms” (RFU PSG, n.d.): he throws the ball in the lineouts and heels it in the scrums. He also “is responsible for the binding [of front-row players] before the impact” (France prop Sylvain Marconnet, L’Express, 2007) and for the coordination of the front and second rows, “with whom communication is fundamental… He must show leadership and be an example in battle to carry his teammates in his stride… It’s an extraordinary position which requires… clear- headedness” (former France captain and hooker Raphaël Ibañez, L’Express, 2007). Ball possession is fundamental to the game’s outcome since without the ball, it is impossible to score points. However his functions are essentially confined to close contact situations, which limit his global vision.

16 The entire field can be seen in one embrace from the last central position, fullback. The fullback “has time and space to see the game unfold” (RFU PSG, n.d.), but contrary to number 8 and hooker, he also generally remains far from the line of advantage, his play-making initiatives are not as frequent as those of the halfbacks, and he doesn’t tackle that often. However, he is regularly described as “the last line of defence” and sometimes as “the closest thing rugby has to a sweeper in defence” (BBC, n.d.) – a

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central position in soccer (Maguire, 1988) –, covering for line breaks and long kicks, and kicking the ball clear under pressure. His functional centrality – the “quick … tactical decisions” (RFU PSG, n.d.) he takes – has to do with his primarily defensive tasks and his counter-attacking skills, hence his relatively lower ranking. He must have “good concentration and cool nerves”, but he should also “endeavour to add an element of adventure and spontaneity to the game” (Williams, 2009).

17 The other five positions are peripheral, getting no more than 3 points in any category, except for the top three who score high in tackling and physical impact. They are “low interactors” (Grusky, 1963), whose functions are to implement rather than create. None of them is praised for his strategic or tactical intelligence, making important choices on a regular basis, but rather for their situational capacities in specific contexts with short-term ends. The flanker is the player with “the fewest set responsibilities” (RFU PG, n.d.), but he has high rates of global interaction and the largest zone of intervention. Though he may carry the ball in attack and jump in lineouts, he is “primarily a defensive player” (former New Zealand number 8 Zinzan Brooke, BBC, n.d.), who chases down the opposing fly-half (he is often the team’s best tackler) and tries to turn the ball over to his side in rucks. These are important functions, but not considered as fundamental as leading the attack. As for locks, the tallest and largest players on the team, their “basic role [is] to lock and push in the scrum, win lineout ball and secure ball possession from restarts” (former England lock Martin Bayfield, BBC, n.d.) and they are seldom involved in overall strategy. The most spatially peripheral back position is wing (or winger), a “fairly lonely position” (former Wales winger Ieuan Evans, BBC, n.d.) “too far from most of the play to be able to control his side to the best advantage” (Wakefield & Marshall, 1927, p. 277). All descriptions of wingers insist on pace as their primary, if not unique, necessary quality: “First and foremost, you need pace” (Evans, BBC, n.d.). They should be “energetic and restless” and “elusive with the ball” (Williams, 2009). Their role as finishers could confer a central role on them, but though they may top the statistics they are not the only ones to score tries. Props come last. They seldom handle the ball and never kick it, and have executive, not decisional, abilities, relying almost exclusively on their strength and weight: “A prop’s main role is to scrimmage, support [jumpers] in the lineout, tackle and hit the rucks and mauls” (former England prop Jason Leonard, BBC, n.d.).

18 Two groups therefore seem to emerge: one including five central players needing superior cognitive qualities, another including ten peripheral players, who are more about execution than decision-making. However, one of the difficulties to define centrality in rugby union is that when the ball is in play assigned positions and the attached “zones of role responsibility” (Edwards, 1973, p. 213) become less relevant because they are not as fixed as in baseball and American football. Because the ball can keep moving for more than just a few seconds, the game is very fluid so that though players are more or less likely to perform certain tasks because of their position, they also have to react according to circumstances, and do whatever play dictates. Many missions are not the absolute privilege of one or several players or positions. For example, kicking is not reserved to only one player and any player can virtually score tries. Finally, interaction contributes to blurring the centrality hierarchy because each player may be in contact with all of his teammates, by passing the ball to, or receiving it from, any of them. Because the ball can go anywhere, players must be very mobile as their zones of intervention vary. For instance, any player can score a try if he happens to be in the right place at the right time, whereas the ball follows a very limited

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number of possible circuits in American football or baseball. Let us now see how and if this model applies to South African rugby.

The South African case

Sample

19 Participation data (number of players, games played and game time) was collected from the match sheets available on the SARU website. Information from other rugby websites (such as itsrugby.uk and scrum.com) and the South African rugby annuals (1999-2010) was also used. Three types of first class competition games were studied over a twelve-year period:

20 International, or test, rugby played by the national team, the Springboks;

21 Super Rugby, founded in 1995, originally called Super 12, then Super 14 in 2006 and Super Rugby since 2011, currently involving 15 professional franchises from Australia, New Zealand and South Africa. Until 2005, South Africa had four teams and has had five ever since; and

22 The Currie Cup, the main domestic competition played by 14 provincial teams.

23 Players were sorted into two groups, white and black1, by resorting to individual and team photographs drawn from books and Internet websites. While mistakes are always possible, great attention was devoted to the accuracy of this classification. The rare white foreigners (Europeans, Argentines, New Zealanders, Australians and Namibians) were included, but the few Pacific islands players from Fiji, Tonga and Samoa (four in Super Rugby, thirteen in the Currie Cup) were not because Melanesians and Polynesians do not fit into any of the racial categories of the South African context. Positions were inferred from the numbers awarded to each player on match sheets, a system that is still rigidly enforced in rugby union (see Figure 1). When a player occupied more than one position in the course of a season, he was attributed the position where he recorded the largest game time. Temporary and final sending-offs were ignored. Averages were used as a working basis because teams did not play the same number of games. Finally, the periods considered varied according to available data: team line-ups were included for all competitions since 1998 (the first year when data was readily available), but minutes played were available only from 2002 to 2009 for the Currie Cup, and from 2003 to 2009 for Super Rugby, which explains why different statistical series were used. Between 1998 and 2009, 3,028 Springbok caps (appearances) were awarded in 150 matches to 161 different players (124 whites and 37 blacks), who played a total of 180,000 minutes. Between 2003 and 2009, the five South African Super Rugby franchises played 402 matches and awarded 8,422 caps to 1,010 different players (including 207 blacks) for a total of 482,400 minutes (blacks: 97,797). In that same period, 722 Currie Cup matches were played but a few match sheets missed one or several players, and four sheets could not be traced altogether. During that span, 1,381 different players (including 283 blacks) played at least one game, twenty of them playing for two teams in the course of one season. If each player is counted for every season he plays in, a total of 3,128 seasons were registered (991 by black players). 29,866 caps (out of a potential 31,900) and 1,723,920 minutes were actually studied.

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Results

Teams’ racial make-up

24 Seventy-five to eighty per cent of South African rugby professional players are white though whites form only 9 per cent of the general population2. Only a handful of non- whites played professionally until the early 2000s so that even a limited increase was bound to be massive, but Table 2 reveals how spectacular nature the rise was between the periods 1998-2002 and 2003-2009 (Springbok players +49%, caps +130%, game time +103%, Super Rugby players +153%, caps +181%). Overall, blacks play fewer games and spend less time on the pitch in comparison with their presence in squads, a sign that their contribution is deemed less valuable compared to that of whites. Surprisingly perhaps, such difference was inversely proportional to the level of competition: the widest though limited gap was found in the Currie Cup – which has the largest amount of blacks – where despite accounting for almost 25% of all players, blacks got only 22.5% of caps and 22.8% of game time. In Super Rugby, the difference was limited to less than one point (20.5%, 19.7% and 19.6%) and black Springboks were treated on a par with their white counterparts in the 2003-2009 period (21.3% of players, 21.7% of caps and 21.2% of game time). Table 2: Players (at least one match), caps and game time, by racial group, 1998-2009, %

25 Figure 2 reveals that in nine years out of twelve (1998-2009), the national team had the highest proportion of non-whites, reaching an historic 35.7% in 2008, but that it was also the most prone to “peaks and valleys” with two notable troughs in 2003 and 2007, both Rugby World Cup years. By contrast, black participation in the Currie Cup grew constantly, up to 28% in 2008. Super Rugby sides have stabilized black presence at around 20% after the steep 50% increase of 2003 (to 21.5%, up from 14.6% in 2002). Yet, positional breakdown reveals considerable contrasts. As the amount of black players became significant in the mid-2000 only, we chose to study more specifically the 2003-2009 period. Figure 2: Blacks in first class rugby, 1998-2009, proportion of all players

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26 Positional assignments

27 If centrality is indeed related to racial affiliation, black participation should be in inverse proportion to the centrality scores computed in Table 1. Mean scores were added to Table 3 as a comparison mark, a clear excess of that score being a clue to stacking at a given position. In addition to sheer numbers, comparisons of the respective shares of squads, matches played and game time, provide insight into the race logic of player selection. Table 3: Proportion of black South African rugby union professional players, caps and game time by position in Currie Cup, Super Rugby and Springbok teams, 2003-2009

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28 Eight of the ten positions (hooker, lock, flank, number 8, fly-half, centre, wing, fullback) display clear stacking patterns, either excluding or including one racial group en masse, while the other two (prop, scrumhalf) appear to verge, though not that closely, on “fair” racial repartition in comparison with global racial breakdown. However, it appears that no position displays consistent patterns across the three competitions. For example, the smallest variation in figures is 5.6% for locks (blacks obtained 7.9% of Super Rugby caps and 2.3% of Springbok caps), and the largest 35% for wings (blacks represent 42.3% of Springbok players compared with 77.3% of Springbok game time). As already emphasized, each competition has its own logic, but also while the Springboks played between 10 and 12 matches every year, Super Rugby teams played 60 to 70 and Currie Cup sides over 90. Two or three changes in the Springbok line-up might therefore alter numbers deeply.

29 In view of the existing stacking research, it seems reasonable to hypothesize that the more central a position is, the more likely it is to be occupied by whites, and the more peripheral it is, the more blacks are likely to be involved. Yet two central positions display above average black participation while three peripheral positions include few blacks. At the central position of fullback, deviations from the mean scores are quite significant, ranging from 1.3%-17.1% with the Springboks to 17%-23.4% in the Currie Cup. Black fullbacks are also less used as the level increases (40% to 46% in the Currie Cup, around 40% in Super Rugby, and 22.5% to 38.8% with the Springboks). Black scrumhalves are closer to average black involvement, but deviations still reach 7% to 12% (Springboks), 5.9% to 7.6% (Super Rugby) and 1.5% to 15.2% (Currie Cup). One figure is marginally lower than the mean score by 1.3% (proportion of blacks among Springboks). However, in all three competitions, black scrumhalves get relatively more caps than their proportion among players, which indicates that they are often relied upon as starters, which is not the case for fullbacks (blacks are less trusted at that position than whites).

30 The other three central positions (hooker, number 8 and fly-half) are overwhelmingly white, overall black participation being limited to below 9%. Hooker scores between 2% and 7% for most indicators though among the Springboks blacks represent almost of a third of players. This outlier must be relativized by the fact that blacks obtained only 12.5% of caps and 2% of game time because they were backups to the 83-time Springbok captain John Smit, who registered over 40% of all hooker caps in that period. As of 2009, no black man had played number 8 for the Springboks or a Super Rugby franchise, though blacks accounted for one sixth of Currie Cup eighthmen. This pattern is almost identical to what is observable for fly-halves: though a negligible quantity of three fly- halves blacks played Super Rugby – as backups – for a total of 38 games, only whites had played fly-half for the Springboks as of 20093, while in the Currie Cup, nineteen blacks had worn the n° 10 jersey, of whom only four had at least three seasons as regular starters, none with a major union.

31 The five peripheral positions should reflect above average black involvement, but this is only the case for three of them. The most spectacular result is at wing, the only position where blacks form the racial majority, reaching an astounding 69.5% of caps and 77.3% of game time for the Springboks, though they account for only 42% of all wings. In Super Rugby and Currie Cup, black wings represent 66% and 63% of the sample, but their participation rates are lower. At the other most peripheral position, prop, blacks are also overrepresented compared to the mean scores. Both wing and

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prop are in keeping with the notion that peripheral posts are more accessible to non- whites, but curiously black props are proportionately more numerous as the level increases (around 13%-15% in the Currie Cup, just under 20% in Super Rugby, above 26% with the Springboks), the only position where this can be observed. Centre is the other peripheral position with above average black involvement, though blacks get fewer caps and game time in comparison with their proportion in all teams and deviations grow in line with the level of competition as was the case for fullbacks. But the peripheral positions of flanker and lock make little room for blacks. Statistically, lock is the most consistent position across all competitions and criteria, but despite its peripheral nature, blacks are virtually excluded from it in all competitions (between 6% and 7.7% of the players). The more contrasted situation of flankers can be compared to those of fly-half and of number 8, with high black participation in the Currie Cup (one quarter of the category) and a small share in Super Rugby (8%). With the Springbok, the situation is similar to hooker: blacks accounted for 23.1% of flankers, but played very little eventually (4% of game time).

32 Table 4 summarizes the findings of the present research. It reveals that all positions are prone to a degree of stacking: two central positions accommodate blacks largely above average black participation, whites being stacked in the three others, while blacks are stacked in three peripheral positions and whites in the other two. Table 4: Positional stacking in South African rugby

Discussion

33 The following discussion intends to offer some elements of understanding and hypotheses, as well as suggestions to improve and refine the analysis of positional segregation in South African rugby. Three preliminary remarks must be made. First, the history of race relations impacted sports as much as other aspects of South African society, but rugby and, though to a lesser extent, cricket are the only sports that have given rise to such polemical polarization, as they were utilized as symbols of white power. Secondly, the massive increase in black players of the early 2000s was fuelled by official positive discrimination policies used in the workplace, which were imported into rugby in the form of quotas imposed on Currie Cup teams (originally, the five south-western provinces had to field at least two blacks at any moment, the other nine at least one. Cros, 2009, p. 25) between 2000 and 2005. Super Rugby and test rugby were not submitted to quotas though political pressure incited coaches to select more blacks. Quotas resulted in a considerable increase of black players until 2005 and their interruption was followed by an irregular evolution (Figure 2). Currie Cup teams could be more easily coerced into accepting a degree of racial inclusiveness because they are less of a priority than the Springboks and the Super Rugby franchises, which “have” to

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perform well in international competitions, the implicit assumption being that blacks necessarily weaken them. Thirdly, the Currie Cup offers more opportunities to non- whites because several provincial teams chose deliberately to open to blacks in marked excess of the 20% threshold. Yet this was the case of a few minor provinces, not of any of the “Big Five” (Western Province, Blue Bulls, Natal Sharks, Cheetahs and Golden Lions) from which Super Rugby and Springbok players are picked, and where the proportion of non-whites rarely exceeded 20%, as they were under pressure from their traditional fan base and commercial partners to stick to the usual practice of employing whites.

34 Concerning stacking, it appears that the centrality model applies only partially to the South African case. Finding a perfect race logic explaining the positional repartition of players is hindered by the contrasted situations in the different teams and competitions. Six positions reveal patterns broadly consistent with previous centrality research, but four actually contradict it. The first category includes peripheral positions in which blacks are overrepresented, wing, prop and centre, and the central positions of fly-half, number 8 and hooker where whites are massively overrepresented. In these cases, the repartition is linked to the status of racial groups and to the relative centrality of positions in keeping with what can be observed in American football (Eitzen & Sanford, 1975; Hawkins, 2002) and baseball (Johnson & Johnson, 1995; Gonzalez, 2002) for instance: as enhanced in the description of the model, blacks run fast and have good reflexes, so they can play wing and indeed fullback, where speed and reaction, or as Williams (2009) remarked “adventure and spontaneity”, are important assets, and whites control the strategic posts of fly-half, hooker and number 8. This correlation between skin colour and positioning has been linked to the inferior social and economic status of non-whites in Anglophone societies “with a history of structural inequalities and discrimination against minorities” (Melnick & Thompson 1996, p. 139). The “Anglocentric hypothesis” (Hallinan, 1991) suggests that racial and cultural prejudice influence coaching and selection processes in favour of whites where legislative desegregation has occurred. As a former British colony with a tense racial history, where white domination still runs deep, democratic South Africa shares several features with the USA, the United Kingdom and Australia, where the phenomenon was observed. South African rugby seems to be in the same league as team sports in other English-speaking countries where non-whites are at a disadvantage in sports dominated by white values and ethos, sometimes suffering from downright racist attitudes, because of Western-based stereotyping about black and mixed-race athletes (see for instance Carrington, 2010). Such social Darwinist generalization of human qualities and flaws ascribed permanently to a group blocks out possibilities of change and blacks are kept in roles consonant with their alleged place.

35 Controversies arise regularly about the racial dimension of selection policies. Black participation with the Springboks dropped significantly in 2003 and 2007, both World Cup years, when national coaches were accused of sticking with “safer” white players for the biggest competition except in easy first-round qualification matches but also of using blacks almost exclusively as wings (in other years, blacks could be tried out with less pressure and at other positions than the “back three”, i.e. wings and fullback). If winning – the outcome – is the only measure to gauge the impact of race, then this policy was proved right in 1995 and 2007 when the Springboks won the trophy despite fielding only one and two black wings as starters, and finished third in 1999 (with one

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black wing). However, they were eliminated at the quarterfinal stage in 2003 (with one black wing) and 2011 (with two black wings). The “seagull syndrome” – a white team with two black wings (Cros, 2009) – was also the rule in 2007 when the Super Rugby final was contested by two South African teams – the Bulls defeating the Sharks – with only four black starters, all wings (there was an additional black prop on the Sharks bench). Only a year later, there were seven non-whites (four starters, including three wings and fullbacks, and three substitutes) on the Bulls team that crushed the Chiefs of New Zealand 61-17. Yet affirming that the increased number of black players made the Bulls a good team “because they were black” is as highly contentious as stating that the team was good because there were only few blacks when they won the title a year earlier.

36 However, even combined with the Anglocentric hypothesis, the centrality model cannot account for the fact that blacks are represented above average at the central positions of fullback and scrumhalf while whites enjoy a virtual monopoly at lock and flanker, two peripheral positions. However, these cases reveal the high symbolical as much as concrete premium put on physicality, which in our view must be considered as a factor of centrality in South African rugby. The notion that whites as simply stronger, and therefore better suited for positions where sheer power is needed, is openly justified by “objective” data, like the whites’ average height. Whites are taller than other racial groups in the country, entertaining the idea that only whites can be recruited as forwards4. Lock is almost exclusively white because it is “one position you have to be built for the job” [sic] (Williams, 2009). Blacks are less used at centre than at fullback and wing because though they are peripheral three-quarters, centres are expected to display physicality (their missions include barging through the defence and tackling ferociously). Since 2000, the smallest Springbok centres have all been black. At flanker, another position where physicality is essential, the necessary body types are more readily available across racial groups, and indeed there is a relatively high proportion of black flanks in the Currie Cup, but there seems to be a glass ceiling that blocks their progress into Super Rugby and test rugby. This is probably because of the dominant racial model of what a South African flanker must be, essentially a fierce solid tackler, who is more likely to be white than black. Rule changes in the 2000s, notably the increased leeway offered to defenders at the breakdown, have enhanced his importance as a “fetcher” and confer him a more central role than the model might show, because the considerable area that needs to be covered and the expected fitness to do it are essential to fetch the ball.

37 Physicality, or lack thereof, may conversely explain why many blacks play at the central positions of fullback and scrumhalf, which do not request these attributes in the same proportion as forwards for instance. Scrumhalf is a position traditionally occupied by the team’s smallest player, while fullback, the “least central” of the central positions, involves running the ball upfield, which is best done not by using strength, but speed, agility, inventiveness or “creativity”, qualities also associated to wings, a position many non-white fullbacks occupy regularly. Why then is prop, the position where weight and power are necessary conditions to top level success, relatively open to blacks when it should be a fully white domain? This can be attributed to the availability of two exceptional non-white players, Tendai Mtawarira and Gürthrö Steenkamp, each capped over thirty times by the Springboks, who influence statistics considerably, to the fact that it is possible to find readily such body types among blacks,

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and to the peripheral nature of the position. This suggests that individual cases or exceptions cannot be discarded.

38 Physicality is fundamental to rugby in general, but in South Africa, it has been vaunted as a component of the identity of Afrikaner rugby. Rugby’s need for “big bodies” is unashamedly related to Afrikaner genes, an argument best embodied in a declaration by Nick Mallett, a former Springbok coach – though not an Afrikaner himself –, who explained that South Africa won the 2007 World Cup because of a form of natural, genetic, selection that allows the survival of the fittest players and ultimately yields super-humans designed for rugby in the South African habitat. Rugby is a sport where big, strong and fast people excel and if you don’t start off with those attributes you are just going to struggle… I don’t know why it is, but it is a fact that the Afrikaner cultural group just seems to produce some freakishly built people with a freakish genetic make-up… It is not racist that these players play ahead of black players, just as it is not racist that players with Pacific Island backgrounds are starting to dominate backlines in New Zealand (where) a lot of the so-called white players are giving up rugby on the basis that they are tired of being smashed by the big islanders. It is all about genetics (Quoted in Rich, 2007. Emphases mine.)

Conclusion

39 The dynamic transformation of South African elite rugby from white-dominated to mixed-race has been chaotic and limited. It is always complicated to prove intentional discrimination but sheer numbers indicate that positional imbalance according to race exist with six of the ten positions displaying heavy stacking patterns, while the other four deviate significantly from the mean scores in one or several competitions. More than one perfect global explanation, we believe that a variety of factors are at play, some having been previously observed in other parts of the world, especially in North America. Our findings are partly consistent with previous research on theoretical centrality in sports, as the model we defined provided an appropriate framework for four positions. The “outcome control hypothesis” (Eitzen & Sanford, 1975; Johnson & Johnson, 1995) was confirmed by the fact that central positions with a direct impact on results, such as hooker and fly-half, are overwhelmingly white. The Anglocentric hypothesis, intimately linked to the pattern of black athleticism and innate talent vs. white intelligence, was also partially sustained by numbers. However, none of these explanations provided a perfect interpretation grid for the central positions of scrumhalf and fullback, which record large black participation, and the peripheral positions of lock and flanker, which are almost entirely white. This led us to hypothesize that the significance of the Afrikaner worldview in South African rugby, in particular the centrality, both concrete and symbolic, of physicality as a key selection criterion, could provide compelling explanations to these cases of ‘reverse stacking’.

40 Given the clear racial disproportion, it is hard not to consider that selection processes are related to the perceptions of individuals as belonging to certain racial groups – the relation of these groups to physicality being one essential aspect – not just to their individual talent, and to the status of these groups in society and in the rugby environment. Thus the coloured community’s intermediary and ambiguous status in South African society (they are sometimes called “brown Afrikaners” and speak Afrikaans, a key skill in South African rugby) has been studied academically (for a review of the literature on this subject, see Adhikari, 2005), including in rugby

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(Nauright and Magdalinski, 2002). More in-depth research is needed about the opposition between black Africans and coloureds, as coloureds outnumber blacks by 2 to 1 among rugby professionals although they account for less than 10% of the general population. Ultimately we believe that sociological explanations specific to the host societies need to be accounted for to understand the complex stacking mechanisms. Rugby union is played in many different countries, most being English-speaking, and international comparisons would help to refine the Anglocentric hypothesis.

41 All this can only be confirmed through qualitative research into selection mechanisms and processes, which were only grazed upon in the present paper. In particular, it is necessary to look into how young players are groomed by studying the role of school rugby, which serves as the breeding ground of future professionals as most international and Super Rugby players, regardless of skin colour, were educated at one of the big traditional predominantly white “rugby schools”. The rise of coloured and black staff in professional clubs needs to be assessed too, not just numerically but also in comparison with the racial and positional composition of teams to determine if an increased presence of black coaches translates into higher proportions of black players. Desegregation being very much a process that has just begun in South Africa, black involvement will need monitoring at regular intervals, though the fact that small numbers were used made us relativize some unexpected results as the inclusion or exclusion of a handful of individuals may alter statistics by several percentage points particularly at test level.

BIBLIOGRAPHY

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NOTES

1. We acknowledge that these categories are a legacy of apartheid with no scientific basis, but they are still used in official government literature, and inform society and mindsets to the core. They are also needed to assess any degree of racial

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transformation. Phenotypical identifications are still frequent in South Africa and often entail conclusions about an individual’s moral, physical or psychological qualities despite the advances entailed by democratisation. Under the influence of the Black Consciousness movement, the term ‘black’ has come to describe anybody who is not white and was oppressed during the anti-apartheid struggle. I chose to use it for practical reasons, though in addition to black Africans it includes the so-called ‘Cape Coloured’, or ‘Coloured’, population, a diverse mixed-race group specific to South Africa, and sometimes also South Africans of Indian origin. 2. Blacks: 79.5%; whites: 9%; Coloureds: 9%; Asians: 2.5% (Statistics South Africa, 2011). 3. To the notable exception of Errol Tobias, the first ever non-white man to play for the Springboks in 1981, though as centre. Tobias went on to earn six caps, the last four as fly-half in 1984. 4. Professor Mike Lambert, Medical Research Council/University of Cape Town Research Unit for Exercise Science and Sports Medicine (Sports Science Institute of South Africa). Personal interview, March 1, 2010. Although whites are a small minority, they account for a big proportion of the tallest men, among whom top athletes are generally picked. The mean stature of South African army male soldiers between 2000 and 2005 was 171 cm for blacks, 170.3 cm for coloureds, and 178.4 cm for whites (Steyn and Smith, 2008).

ABSTRACTS

This article intends to delineate the evolution of South African rugby union elite teams since the end of apartheid in the 1990s, when racially inclusive sports appeared, particularly the involvement of black players in what was often described as an essentially “white man’s game”. By relying on theoretical work on the notion of “centrality” and extensive statistical analysis, this article describes the limited transformation of South African rugby, both quantitatively and qualitatively, as blacks are generally confined to the “peripheral” and arguably less-important positions of the teams. In contrast, whites keep a firm control over positions that are both symbolically and functionally central, a pattern known as “positional segregation” or “stacking”.

Este artigo pretende perspetivar a evolução do rugby de elite da África do Sul desde o fim do apartheid nos anos 1990, quando apareceu o desporto racialmente inclusivo, particularmente a participação de jogadores negros no que foi descrito por muitos essencialmente como o “desporto do homem branco”. Baseado num trabalho teórico sobre a noção de “centralidade” e num vasto estudo estatístico, o artigo descreve a transformação limitada do rugby sul-africano, tanto quantitativa como qualitativamente, na medida em que os negros são geralmente confinados às posições “periféricas” e menos importantes das equipas, enquanto os brancos mantêm um controle firme sobre posições que são simbólica e funcionalmente centrais, um padrão conhecido como “segregação posicional” ou “stacking”.

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INDEX

Keywords: rugby union, race relations, discrimination, South Africa, stacking Palavras-chave: Rugby, Relações raciais, Discriminação, África do Sul, Stacking

AUTHOR

BERNARD CROS Université Paris Ouest Nanterre La Défense, Unité de Formation et de Recherche de Langues, , Littératures et Civilisations Étrangères, Département d’Anglais, 200, avenue de la République, 92000 Nanterre, France [email protected]

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Das bancas de matraquilhos ao “campo dos caranguejos”, dos estádios aos terreiros: campos de jogos num espaço microinsular do tempo colonial ao pós- independência1 From the stalls of table football to the “crabs field”, from the stadium to the yards: sports fields in a microinsular space from colonial times to the post- independence era

Augusto Nascimento

NOTA DO EDITOR

Recebido 2 de maio de 2013; Aceite 23 de agosto de 2013

1 São Tomé e Príncipe acedeu à independência em 1975. Em 1970, contaria com 73.631 habitantes, dos quais 37.017 homens2. Hoje, a população ultrapassará 187.000 indivíduos3. Estima-se a população dos 0 aos 14 anos em cerca de 45%. A taxa de desemprego é elevada e nem todos os jovens permanecem na escola. Alguns vivem de expedientes no mercado informal, outros nem disso. Diferentemente do sucedido até há décadas, presentemente a maioria da população reside na capital, São Tomé, e na sua periferia. Esta mutação acompanha outras, como, por exemplo, a da maior acessibilidade à informação sobre o que se passa no mundo. Nessa relação com o mundo, o futebol foi ganhando um crescente destaque. Actualmente, a centralidade do futebol na corrente de informações sobre o mundo ainda será maior.

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2 Promovido por uma narrativa mundializada, o futebol surge como uma das mais acessíveis actividades lúdicas, para a qual apenas se precisa de tempo, bola e um local. De tempo, dispõe-se, bolas, arranjam-se e, quanto a campos, inventam-se. Afigurando- se à primeira vista politicamente anódino, o futebol praticado nas mais diversas circunstâncias reflecte eventos passados e confluências de poder, do estatal ao local, do das agremiações e empresas ao dos indivíduos. Espelha-o a história dos clubes, mas igualmente a diversidade dos campos de futebol.

3 Neste texto não procuramos uma análise tributária da importância do espaço e, em particular, da insularidade na delineação dos campos de futebol, que, a cada passo, surgem diante dos olhos dos visitantes do microarquipélago. Muito menos ensaiaremos uma análise semiótica ou uma antropomorfização dos campos de futebol, cenário de uma prática lúdica que se popularizou e universalizou. Tentaremos encará-los como indícios ou documentos históricos e, a partir daí, relacioná-los com a evolução do país4. Com efeito, as marcas das mudanças políticas e sociais estão inscritas na diversidade dos campos de futebol. Repetindo-nos, a seu modo, os campos de futebol são uma fonte de conhecimento histórico e social, sugerindo a elaboração de uma narrativa histórica que os toma como referentes e como pontos de apoio.

4 Por exemplo, a partir das opções dos poderes relativamente à edificação de infra- estruturas para a prática do futebol, pretende observar-se como é que uma vertente da modernidade foi acolhida num cenário microinsular desde a era colonial ao pós- independência. Esta questão dialoga com o interesse político e social do desporto, com a apropriação e o uso de recursos como a terra – que, a breve trecho, será um bem quase tão escasso e valioso no arquipélago quanto foi a mão-de-obra africana para os roceiros no tempo colonial –, com o uso do tempo à luz dos ideários colonialista e independentista e, ainda, com os interesses dos são-tomenses, previsivelmente moldados pelas influências externas. Nalguma medida, e sob as mais variadas formas, os campos de futebol também denotam o empenho das pessoas na prática futebolística, facto que, aqui e além, facilitou a recomposição do relacionamento social.

5 A diversidade dos campos – mais ou menos acentuada consoante a lente que se usar – espelha a história da disseminação do futebol e a evolução política do mundo e nas ilhas, reflectindo quer as apostas e as inépcias políticas, quer os anseios grupais e as paixões individuais, que, incrustados no meio social, encontraram condições mais ou menos favoráveis à sua concretização.

6 Pese embora a sua aparente universalidade, os campos de futebol têm história, estreitamente conectada com a do arquipélago, que implicou a sua adaptação, condição para superar adversidades de vária ordem. Em contraponto à inexistência de políticas sobre um objecto que parece trivial – o desporto ou, mais concretamente, o futebol –, os campos são marcas da intervenção de vários actores, isto é, do Estado, de agremiações, incluindo as religiosas, e, também, das pessoas. Os campos como que registam diferentes propósitos – até o do proselitismo religioso, que não dispensa a aposta num pequeno campo de futebol em cujas balizas metaforicamente nascem plantas5 – e com eles se traçaram horizontes de anseios (Figura 1). Nessa medida, relembram momentos relevantes de uma história não tão distante, cuja memória, porém, se vai esvaindo.

7 Em suma, associado à modernidade dos modos de vida e progressivamente enraizado na cultura popular, o futebol é um desejo disseminado desde o colonialismo, mormente desde a fase de contenção da acção política dos ilhéus, iniciada com a feição ditatorial do Estado Novo. Porém, a política de usura de braços colidia com outros usos dos corpos

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que não o do trabalho extenuante e rotineiro nas plantações. Fora das roças, o tecido social era ralo e as relações sociais pautavam-se por um racismo larvar, mas operante na defesa das barreiras raciais, que, ao tempo, a exiguidade e a contiguidade forçada no quotidiano também pareciam tornar imperiosa. Já na década de 1950 e, em especial, no derradeiro decénio do colonialismo, a pauta da civilização passou pela facilitação de tal

Figura 1

8 manifestação de progresso, onde se entrelaçavam afectividades e afinidades que, queria supor-se, faziam dos ilhéus portugueses. Após a independência, a despeito de intentos ideológicos, sintetizados na designação de desporto “popular” e, no limite, resumíveis ao intento de levar ao abandono da antiga afectividade clubística, o poder não lograria alterar as facetas do futebol, a saber, a de actividade pluralmente lúdica e relacional entre vários grupos sociais e instituições, assim como a de interface de relacionamento dos indivíduos com o mundo.

A transversalidade do futebol

9 Olhemos a transversalidade do futebol, objecto de desejo dos mais jovens e, até, de crianças. Outrora olhadas com suspeição pelo seu potencial desviante da educação dos jovens, as bancas de matraquilhos que sobraram do tempo colonial são, hoje, os campos de futebol mais uniformes de quantos pululam pelo arquipélago. Desde quando estes “estádios”, que hoje continuam a encantar crianças, habitam no espaço aberto em São Tomé e Príncipe? Noutros tempos estes “estádios” terão estado nos fundos de estabelecimentos comerciais. Estes eram frequentados por jovens que, mobilizando pequenas economias para alimentar um vício, esquivo ao escrutínio dos progenitores, fariam por ostentar as suas destreza e habilidade com as mãos.

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10 Actualmente, não vigora a política de costumes do tempo colonial, nem a repressão velada do vício em nome do “homem novo” do pós-independência. Logo, é fácil o acesso a esse objecto de desejo. Porventura, tais bancas constituirão um pequeno negócio. Por isso, requerem cuidados, desde logo uma posição equilibrada a fim de não desvirtuar o jogo, facilitando um dos contendores. As bancas vieram para o espaço aberto. Às vezes, encontram-se convenientemente postadas em lugares sombreados, em terreno enxugado com brita ou com cacos, tal o meio de eventualmente fazer uns níqueis com a adesão de crianças e jovens ao jogo.

11 Como se disse, sobram algumas bancas por lugares de São Tomé e Príncipe. No centro da capital, com os seus matraquilhos trajados à Sporting e à Benfica, uma banca encontra-se frequentemente rodeada de crianças e jovens que disputam a primazia no manejo dos matraquilhos ou assistem ao desempenho dos colegas. Em Santo António do Príncipe, via-se outra, também com os matrecos trajados à Sporting e à Benfica, símbolos da maior rivalidade desportiva da era colonial e ícones de um tempo que alguns julgaram imorredouro (Figura 2). Ora, apesar desses referentes, a imaginação e a afectividade subjacentes ao denodo em vencer uma partida de matraquilhos diferirão das de outros tempos.

Figura 2

12 Porém, o desejo permanece. No centro da vila da Madalena, localidade onde não há um campo de futebol6 – apesar de até o pároco já ter reivindicado a respectiva construção7, reivindicação que corre paralelamente a lamentos sobre os que se declaram amigos da vila, mas que se apropriam de tractos de terra e, com isso, deixam a juventude local ao sol e à chuva –, pontifica uma banca de matraquilhos. Dir-se-ia a mesma de há anos, agora amparada por uma trave que lhe reforça a estabilidade. Nos dias de sol, na mesma curva do pequeno centro da vila da Madalena (Figura 3), a banca é provavelmente ali colocada pelo proprietário, quiçá o dono da loja próxima.

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Figura 3

13 Com o centro da vila frequentemente vazio, parcos devem ser os lucros da dita banca, a qual, ao fim de cada dia, recolhe ao estabelecimento, anos e anos a fio compondo uma rotina aparentemente imutável num meio sem muitos motivos de atracção.

14 Em ocasião recente, umas pedras ajudavam uma mocinha a seguir ou a participar num jogo, disputado por uma jovem, sintoma de que, em matéria de prática desportiva ou de gosto pelo desporto, a clivagem de género não vinga por conta de interditos ou de preconceitos que apartem as mulheres, uma herança do pós-independência e, até, do próprio colonialismo, em cuja fase final se minaram os papéis de género vigentes nos meios familiares mais tradicionalistas do arquipélago (Figura 4). Como outras, a banca de matraquilhos resistirá enquanto a realidade do mundo virtual não vier ocupar inapelavelmente o dia-a-dia dos jovens e das crianças da Madalena.

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Figura 4

15 Suporte da concretização do desejo, tais “estádios” tiveram um papel na popularização da apetência pelo futebol, que atravessou, com mais ou menos sobressaltos, propensões autoritárias e censórias de regimes políticos, que, embora de coloração política aparentemente antagónica, convergiam na contenção dos desejos como método de ordenamento social. Faltou sempre a eficácia desejada para conter o desejo e a adição da juventude, mas, o que regimes políticos não conseguiram poderá advir da expansão de futebóis virtuais. O consumo destes poderá arredar as bancas de matraquilhos para uma posição residual e, nesta perspectiva, mais marginal do que a dos fundos esconsos de lojas comerciais de antanho.

16 Há menos de cem anos, o gosto pelo futebol disseminou-se pelo território. Mas o mesmo vai sucedendo com outras actividades do dia-a-dia que tendem, por exemplo, a delimitar e a funcionalizar cada pedaço do território. A pouco e pouco, as mudanças sociais limitarão o uso polivalente das estradas alcatroadas – apropriadas porque relativamente planas – como campos de futebol, uso ainda possível em zonas rurais e em localidades pobres, onde as casas se alongam ao longo de estradas, fazendo destas amplos recreios. Nas estradas de locais mais interiores, mais pobres e de menor densidade demográfica, joga-se com bolas feitas de plástico amassado, arredondado e atado com fibras vegetais. No alcatrão, uma bola dessas pode animar o jogo entre dois contendores (Figura 5). Até quando?

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Figura 5

17 Já em Morro Peixe, de forma cautelar, um barril amparado por pedras sinaliza a inimaginavelmente exígua praça central, tornada uma espécie de rotunda para inversão de marcha dos automóveis. É essa rotunda que jovens imberbes usam para jogar à bola (Figura 6).

Figura 6

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A criação dos campos de futebol num território espartilhado

Das vilas às cidades, campos em vez de estádios

18 A criação de alguns campos hoje espalhados pelo território teria sido impossível em tempos não muito distantes, caracterizados por uma regulação social que, além de rígida, deixava pouco espaço para actividades lúdicas e, concretamente, para o futebol8. Mais recente, tal invenção implicou uma assunção de direitos de uso da terra, desde então afectada à prática do futebol (o único desporto que se pode jogar em campos irregulares e com uma bola não necessariamente redonda). Cada campo tem a sua história, relacionada com a do país e, bem assim, com a da povoação próxima.

19 Por outras palavras, mesmo nas pequenas vilas, os campos acabaram associados às vicissitudes da evolução política, assim como às oscilações económicas antes e depois da independência. Na década de 1960, o colonialismo apostou numa metamorfose impossível. Promoveu-se não só o campeonato corporativo, entre as roças, mas igualmente o futebol provincial. Após se ter induzido a criação de um clube representativo de cada vila, arranjaram-se campos. Por exemplo, as autoridades angariaram a ajuda da roça Rio do Ouro para a edificação de um recinto na vila adjacente, Guadalupe. Em terrenos antes pertencentes à roça Vila Braga, expropriados por interesse público, entre o mercado e a escola, existia um terreno vazio e pantanoso. Nivelado e seco, “foi rodeado de um muro de andala”, depois com um taipal de madeira com dois metros de altura. Edificaram-se bancadas e uma tribuna de madeira, tendo-se afirmado que ficara um campo modelar9. Com 90 por 45 metros, dimensões mínimas, o campo dos Lobatos, inaugurado em 1964, recebeu o nome do roceiro António Manuel da Fonseca10, a quem, em dezenas de anos na roça que ao tempo administrava, nunca se vira manifestar gosto pela prática desportiva. Sintoma das mudanças políticas desses anos, os roceiros celeremente interiorizaram a conveniência de acompanhar as autoridades no propósito de fomentar o desporto, propósito que, anos antes, teriam afrontado de forma dúplice ou simplesmente ignorado. Fonseca anuiu a concorrer para os propósitos paternalistas das autoridades, que, como se disse, na década de 1960 se empenharam na disseminação do futebol.

20 Ao tempo, com algum autocomprazimento, esse campo de Guadalupe foi considerado quase um verdadeiro estádio. Localizado na retaguarda do mercado da vila, esse recinto já não é usado enquanto campo de futebol de onze. Foi usado até 1997, quando o Ministério da Agricultura cedeu o terreno para o actual campo. Este é amplo, e não dispõe de qualquer vedação. Previsivelmente, é cruzado por veículos que, como noutros sítios, têm nos campos um acesso mais fácil para um qualquer destino no mato11.

21 Sorte igual não teve a cidade da Trindade, de há muito tida como o coração nativo de São Tomé. A ambição de um campo data dos primeiros decénios do futebol na ilha. Em 1936, aquando de um surto de entusiasmo pelo futebol, o Trindade Club, associação desportiva da freguesia, pediu a cedência gratuita do antigo campo da feira para os seus treinos12. Desconhecemos o teor da resposta, mas o certo é que, nos anos seguintes, apenas se costumava aludir aos clubes da cidade, decerto menos por preconceito do que pelas dificuldades de uma actividade organizada com clubes das vilas. Em 1965, ano seguinte ao do envolvimento das vilas no campeonato provincial, constou que ia finalmente construir-se o campo de jogos do Futebol Clube da Trindade, o que, a

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concretizar-se, era motivo de regozijo para os desportistas da vila que queriam ver a sua equipa regressar às pugnas desportivas13. A desistência do campeonato provincial de 1965 podia ser uma forma de reivindicação enviesada e contida da construção do campo. Em 1966, a Junta de Freguesia da Trindade foi abordada por um grupo de interessados na construção de um campo para o clube da Trindade, para o que solicitavam uma faixa dos terrenos de Uba Flor. Atendendo a que o empreendimento era um progresso para a freguesia, a junta apoiou essa pretensão. A Câmara Municipal deliberou ceder o terreno a título precário, mantendo a posse e reservando para si a prerrogativa de lhe poder dar outra finalidade e de o obter de volta sem que o clube tivesse direito a qualquer indemnização por obras que ali tivesse efec-tuado14.

22 Mais uma vez tudo deve ter permanecido num impasse. Em 1970, anunciava-se que o Futebol Clube Trindade iria ser uma realidade. A maior aspiração da vila era o campo de futebol15. Em 1971, o campo estava em construção na vila16, provavelmente o que, após a independência, foi rebaptizado de campo José Cangolo17.

23 Porém, incidentes num jogo entre o Futebol Clube da Trindade e o 6 de Setembro18, equipa militar, levaram a que o campo fosse irradiado ad aeternum, uma decisão assaz peculiar. Podemos suspeitar da conveniência da decisão, pois que, a reboque do imperativo da massificação do ensino, o terreno onde se situava o campo foi aproveitado para a construção da escola básica José Sousa Pontes. Como veremos, não foi a primeira vez que, na história da ilha, um recinto desportivo cedeu lugar a uma escola. Inapelavelmente enferrujada, de fora da escola ainda se vê uma das balizas que, não tarda, será engolida pela vegetação (Figura 7).

Figura 7

24 Diferentemente da juventude que usa o antigo polivalente a que ficou reduzido o parque popular da cidade (Figura 8), o clube local, Futebol Clube da Trindade, deixou de ter campo para treinos, o que implica um aumento de despesas, mormente na

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deslocação ao campo de Folha Fede ou ao campo de Diogo Simão. Também os êxitos desportivos, entre eles a subida à I divisão19, se tornaram mais difíceis.

25 Em 2003, a construção do campo da Trindade chegou a ser anunciada pelo Director dos Desportos. Inseria-se num vasto programa de melhoria das infraestruturas que contribuiria para qualificar o desporto nacional20. Em 2009, falou-se da colaboração da empresa Gibela e do respectivo co-proprietário, Aurélio Martins, ao tempo já no encalce de uma posição política, na construção de um campo desportivo na Trindade21. Tal não bastou para concretizar a construção de um campo na cidade.

Figura 8

26 Abnildo de Oliveira, Secretário de Estado da Juventude e Desporto do governo saído das eleições de 2010, liderado por Patrice Trovoada, prometeu apoiar a construção de um campo – não de um estádio, mas de uma infra-estrutura que viabilizasse a prática desportiva de jovens e crianças – em dois hectares da roça Santi “cedidos pela proprietária”. A promessa de apoio do Secretário de Estado ao fomento da prática desportiva prendia-se com o intuito de relançar a imagem de São Tomé e Príncipe no mundo22. Este propósito acabou por ser convocado para a discussão política após a queda do governo: na “rádio boca-a-boca” e não só, corre que Abnildo acabou por se apropriar do terreno em causa, enquanto ele refutou vivamente tal acusação23. Em parte, a questão parece decorrer de um imbróglio jurídico sobre a transacção e a posse do terreno, o curso do respectivo título de propriedade e, ainda, os vários direitos instituídos sobre o terreno onde supostamente se deveria construir o campo de futebol. Arriscaria dizer que, como em épocas passadas, o direito não prevalecerá sobre a capacidade de tornar efectiva a posse do terreno em causa.

27 A região do país onde ocorreram os mais emblemáticos conflitos – o de Batepá em 1953 contra a insânia de Gorgulho e o de 1979 contra o rumo da liderança do MLSTP – parece incapaz de obter um campo para o seu clube, até hoje por construir. Na zona, densamente povoada, um campo de futebol é tido como uma necessidade, a sua falta

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como uma tristeza. Resta o polivalente, construído por iniciativa da Mocidade Portuguesa, hoje deteriorado, que serve sobretudo para os mais jovens e crianças.

Pelas vilas e luchans, toda a sorte de campos

28 Dadas as aspirações de equiparação aos demais indivíduos do mundo e a plasticidade do futebol, jogar num qualquer descampado no meio do mato não será problema para os praticantes. Fruto das mudanças políticas, económicas e sociais, os campos de futebol surgem nos sítios mais inesperados. Da mobilização das pessoas para se imaginarem parte de uma vida ganhadora faz parte arranjar campos de futebol, como se disse, modalidade mais propícia à respectiva prática nas condições mais adversas. Daí que, com condições políticas favoráveis – ac-tualmente prevalece um vago e inoperante mas amplo consenso quanto às virtudes do desporto – e em vista da abundância de jovens, o futebol desponte a cada canto do arquipélago, incluindo onde há décadas era interdito. Após a liberalização política, diluiu-se a autoridade e o controlo sobre as vidas dos indivíduos. Tal facilitou ainda mais a popularização do futebol. Esfacelada a posse da terra, (re)inventaram-se campos.

29 Na ilha do Príncipe, numa curva da estrada, um terreno já há muito deixou de estar afectado à roça para se transformar num “estádio”. Aí, por entre inúmeras privações, jovens e crianças procuram à sua maneira acertar o passo com o mundo. No “Estádio de Cana Cana”, sucede a bola ser um recipiente de plástico (Figura 9). A imaginação faz de uma garrafa de plástico uma bola.

30 Há anos, a pista de aviação dos anos 60, capaz de receber um Hércules C-130, estava ladeada por dois campos de futebol aplanados, dir-se-ia, por empatia da pista. Até 201024, o primeiro campo colava-se à pista. Não existia qualquer vedação a separá-la do terreno de jogo, dotado com duas balizas. Já do lado das singelas infra-estruturas aeroportuárias, existia outro campo, igualmente sem qualquer vedação tanto em relação à pista quanto à estrada adjacente. À época, este só já tinha uma baliza. Este campo deve ter sido de uso privilegiado do destacamento militar ali estacionado.

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Figura 9

31 Apesar de não possuírem as medidas regulamentares25, alguns campos parecem cuidados e prezados pelas populações. Muitos têm balizas feitas de troncos de árvores. A sua utilização dependerá de se ter uma bola e do escalonamento das equipas com os jogadores presentes. Diga-se, a proliferação de campos não se desdobra numa competição informal, conquanto organizada, decerto devido às dificuldades logísticas de locomoção das equipas entre as várias localidades e à pouca credibilidade comummente creditada a iniciativas sem o respaldo institucional.

32 Não quer dizer que os clubes não sejam uma referência da vida das localidades. A de Ribeira Afonso situa-se numa das baías do sudeste de São Tomé. Localizado na encosta sobranceira à povoação, o campo está escondido da estrada pelo denso coberto vegetal. Aqui, tudo se baseia no voluntariado, incluindo até a tarefa do “alinhador” do campo – eventualmente, um desempenho gratuito mas cuja responsabilidade confere um lugar na comunidade26 –, que pinta as marcações do campo. Com efeito, o alinhamento do terreno deve ter de ser feito a cada jogo, que, por causa das chuvas abundantes na zona, demanda uma capina a preceito. Ademais, pelo menos uma das balizas não forma um ângulo recto com o terreno também de nivelamento difícil. Mas já não será por isso que não se jogará.

33 Como outros, este campo é bordejado por um caminho de mato que, sendo outrora de pé, se tornou de viaturas. Uma das linhas laterais está mais ou menos traçada. O campo é local de passagem, também de crianças incumbidas de pequenos carregos de lenha, uma situação assaz recorrente na ilha (Figura 10).

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Figura 10

34 Nalguns casos, as capinas já não serão feitas por um mutirão com o eventual concurso de jogadores e de outras pessoas. Em Santana, o clube – a replicar a crença dos adeptos, detentor de um património ímpar, a saber, um fundão onde se realizam bailes para os quais se cobram entradas – desceu pela primeira vez de divisão em 201127 (o mesmo sucedeu ao Guadalupe, igualmente um histórico). Tal motivou uma mexida na direcção, que imediatamente mandou capinar o campo situado num vale no centro da cidade. Tornar o campo utilizável foi, digamos assim, o primeiro acto de gestão da nova direcção do clube. A capina fez-se, não à custa de trabalho braçal, mas com recurso a meios mecânicos e mediante pagamento28. Em Janeiro de 2012, apesar da incerteza relativamente à data do início da época, os treinos estavam aprazados para daí a dias, tendo em vista a preparação da equipa para tentar regressar à I divisão. Registe-se, o campo da pequena cidade de Santana29 conheceu o seu dia de glória quando, em 1985, foi palco do primeiro jogo internacional fora da capital, tendo o Santana e o Costa do Sol, de Moçambique, empatado 2-230.

35 A caminho da Madalena, na curva da estrada, em Obó Izaquente, o campo, sobreelevado da estrada numa das suas metades, tem a outra metade ao nível da via. Por isso, o acesso ao recinto está vedado aos carros por secções de troncos de coqueiros postadas ao longo da linha lateral. Com tais troncos impede-se que outra serventia se sobreponha à da prática do futebol. Os restantes limites do campo são casas e a vegetação. Os esforços reorganizativos passarão pela reposição das balizas, uma das quais estava sem trave. Na outra, abaulada pelo seu peso, a trave sustenta-se nos postes.

36 Com maiores ou menores dificuldades, os campos resistem à pressão sobre a terra para a construção de casas, demanda tanto de uma população em acelerado crescimento, quanto também dos protagonistas de trajectórias de enriquecimento.

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37 Comummente, os recortes elípticos de terra num chão de capim dão nota do uso mais ou menos frequente do campo, assim como da rala atenção à tacticamente sábia ocupação dos espaços durante os jogos. Ocorre, em especial nos pequenos campos, ser o uso a determinar a área útil de jogo, afinal, não muito distinta na sua forma elíptica da do ringue de patinagem defronte as escolas primárias D. Maria de Jesus tornado campo de futebol. Tal é bem evidente num campo nas cercanias de Uba Budo, defronte da construção inacabada do que deveria ser o hospital de Santana. Nenhuma das balizas, algo proporcionais à dimensão do campo, tem travessão. Também por isso, e apesar de calçadas com pedras, as traves tendem a inclinar-se. Tal não impede o uso frequente que alisa o terreno argiloso.

38 Aplanado está também o campo de Almas, invisível da estrada e incrustado numa clareira adjacente à povoação, que se alonga no entroncamento de vias outrora importantes. O campo de Almas parece bem cuidado, conquanto tenha as dimensões e as marcações de um campo de andebol. Decerto será usado por crianças e jovens.

39 Amiúde, os jovens jogadores redimensionam os campos à medida, não da sua disponibilidade para correr, mas da afluência de potenciais jogadores. O campo de Bombom (Figura 11) tem um outro enxertado transversalmente, cujas balizas, denotando empenho, são de bambu, o mesmo sucedendo com os de Monte Café e do Pantufo.

Figura 11

40 Na praia Gamboa, pontifica o campo do Sporting da Praia Cruz, um clube com palmarés após a independência. Diferentemente, por exemplo, do campo de Ribeira Afonso, o do Praia Cruz está como que no meio da povoação, conquanto em algum momento o terreno possa ter estado na orla da localidade. Como outros, é cruzado por quem procura a estrada em direcção à cidade (Figura 12). É local de brincadeira de crianças.

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Figura 12

41 Olhando para este campo, bem como para outros feitos caminhos e estradas, não se adivinha que algum dia possa ter sido cercado com folhas de andala (Figura 13) ou que aí se possam ter cobrado ingressos para se assistir aos jogos.

42 Ao tempo, os dirigentes alegariam que tal era uma forma de ajuda ao clube porquanto os sócios não pagavam quotas. Num quadro de interacção social e pessoal assaz diverso do actual, a assistência aos jogos constituía-se como um momento de união da comunidade. Aliás, é possível que os da localidade dessem de bom grado o seu contributo para ver a sua equipa, ao mesmo tempo que cobravam ingressos aos adeptos visitantes.

43 Os campos espalhados pelas ilhas resultam de processos de arraigamento da prática futebolística nascida na base social, mormente entre os jovens que fundam os seus laços no seu tempo livre e na posse de uma bola. A par de circunstâncias políticas e sociais particulares – relativa indefinição da propriedade de tractos de terra e reconhecimento tácito da necessidade de ocupação do tempo livre, por exemplo –, o hábito foi induzindo a criação de campos e estes ganharam o estatuto de realidades. Nem toda a prática rotineira conduz à institucionalização do futebol, mas muitos terreiros, onde outrora se labutava, viraram campos de futebol. Nalguns casos, o processo não pára neste ponto, porquanto o êxodo do mato para a cidade leva ao abandono dos locais e dos campos. Antigos terreiros, onde agora restam paus de balizas do futebol de há anos, são tomados pelo capim. A capital tem menos espaço para oferecer para campos de futebol. Mas tem outras possibilidades de vida.

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Figura 13

Os terreiros transformados em campos de futebol

44 Até meados de novecentos, São Tomé e Príncipe permaneceu sob a hegemonia apertada dos roceiros e da aposta destes na usura da mão-de-obra para o trabalho incessante nas plantações. Aos serviçais concediam-se alguns momentos de lazer, frequentemente “indígena”, aos domingos. Esses momentos de lazer tinham lugar nalgum recanto, por regra perto das sanzalas, não ocupando o centro do terreiro.

45 Mesmo na cidade, até meados de novecentos quase ninguém falava em estádios. Em São Tomé, campo de futebol era o termo da época e, entre os campos, viriam a contar-se os das roças. Diga-se, num microterritório definido como uma colónia-plantação, durante décadas não abundaram recintos para a prática futebolística, que os roceiros achariam uma perda de tempo. Exceptuou-se o paternalismo precoce de um roceiro31, exemplo louvado pelas autoridades, mas que nem por isso frutificaria. Foi já no ocaso do colonialismo que o paternalismo do Estado colonial aflorou através da indução à realização de um campeonato corporativo a que alguns roceiros anuíram (Nascimento, 2010, 2011).

46 Por isso, um ou outro poderá ser mais antigo, mas os campos das roças datam da década de 1960. Na roça Agostinho Neto, na era colonial denominada Rio do Ouro, existe um campo logo à entrada do vasto terreiro da roça. Apesar de estreito, ao tempo terá satisfeito os fins do desporto corporativo. Ainda preserva as balizas, ambas tortas (Figura 14).

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Figura 14

47 Pejado de capim, o actual campo da roça Agua-Izé, da UDESCAI, é, certamente, o traçado no tempo colonial. Feito na segunda metade da década de 1960 por causa dos campeonatos corporativos – campeonatos entre equipas das roças realizados a partir de 1964 –, o campo de Água-Izé, campo 21 de Dezembro, foi considerado o melhor relvado do país32. Em 1986, a União Desportiva Sardinha e Caça de Água Izé empatou 2-2 com o Ferroviário de Maputo no jogo internacional, o segundo encontro internacional disputado fora da capital33. Sucede o campo de Água Izé ficar quase irreconhecível, desde logo por não interromper uma planície um pouco mais larga, em contraponto à orografia comummente acidentada da ilha, nem ter qualquer marco que o assinale. Isso torna-o indistinto, sendo preciso perguntar na vizinhança onde é que ele se situa e procurar a entrada. O capim vai alto mas, uma vez no recinto, percebe-se que o campo termina onde existem as palmeiras imperiais. Em Janeiro de 2012 sobravam balizas e um banco de suplentes feito de tronco de coqueiro.

48 Enquanto alguns dos antigos campos do futebol corporativo conheceram destinos diversos, vários terreiros das roças acabaram transformados em campos de futebol, a mais acessível e barata ocupação lúdica da juventude desempregada. Nunca os roceiros supuseram possível a ruína das roças e menos terão concebido a transformação dos terreiros, ou de parte destes, em campos de futebol. As lajes serviam para a secagem do café e do cacau e, no seu conjunto, os terreiros, por regra alindados e impecavelmente ordenados, comprovavam a rotina regulada e incontestada nas roças como o destino dos contratados.

49 Já no pós-independência, a sacralização do trabalho e o rígido ordenamento social e político induzidos pela governação do MLSTP, partido único, terão confirmado a função a um tempo económica e, subliminarmente, política e social inscrita na ordenação e no arranjo dos terreiros das roças. Todavia, com a falência e a desagregação das empresas estatais – substitutas das roças coloniais – sobrevieram o fim do aproveitamento

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económico e o abandono desses espaços, que acabaram a servir para actividades de lazer dos mais jovens. Sinal inequívoco das mudanças mais inesperadas, as crianças jogam nas lajes outrora usadas para secar produtos das roças, como sucede na Bela Vista (Figura 15) ou em Santa Margarida34. Ao passo que na cidade, os menos jovens se arrogam o usufruto de espaços originalmente destinados às crianças, nas roças os terrenos lajeados são ocupados pelos mais novos.

Figura 15

50 Em Santa Margarida, sede do grupo musical cabo-verdiano AMISOL, o futebol parece vivo. Existe um clube local, que disputava a II divisão, e uma equipa feminina. Depreciadas pelos novos investidores que centralizam nessa roça o processamento do cacau a exportar, as antigas instalações decaem. Ainda assim, uma construção térrea, adjacente à que poderá ter sido a residência do primeiro roceiro, parece condigna para vir a albergar a sede do clube local, a UDASM, de Santa Margarida (Figura 16).

51 Quando nos aglomerados populacionais que sobram das antigas roças subsiste um número suficiente de jovens futebolistas, estes tendem a demandar desde equipamentos a campos com condições mínimas. O de Santa Margarida está incompleto, para não dizer que mal se iniciou, aliás, por também não ser preciso decorrer muito tempo para que o capim esconda a terra. Por isso, dificilmente se distingue o campo da paisagem, a menos que nos indiquem os limites. A desmatação foi iniciada por altura da campanha eleitoral de 201035, quando se prometeu à “comunidade” um campo com dimensões regulares. Todavia, a desmatação não foi longe, alegadamente por avaria da máquina, quiçá uma conveniente desculpa em tempo de rateio do “banho”36 pelas várias freguesias de potenciais votantes. Os resultados globais e os da localidade não foram conformes às expectativas de quem movera a máquina. Tanto pela derrota geral, quanto pela desfeita a nível local, o partido que se propusera desmatar o terreno do campo recuou no propósito37. A falta de campo obriga a UDASM a jogar no de Ototó,

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aonde nem sempre é bem recebida pelos desta localidade, sendo empurrada para Folha Fede38.

Figura 16

52 Na Boa Entrada, roça de que se gabavam os métodos de civilização e de acomodação dos serviçais, que não apenas o do trabalho exaustivo, o terreiro acabou ocupado pelo futebol que, há anos, era uma regular prática vespertina de crianças e de jovens (Figuras 17 e 18). A disponibilidade para matar o tempo a jogar futebol é grande dado o elevado desemprego. Em várias roças, o futebol sobrepôs-se a outras actividades nesse espaço central que era o terreiro. Por vezes, nas margens do terreiro a efervescência é grande, mas o centro permanece ocupado pelo futebol.

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Figura 17

53 Porém, se nalgumas das antigas roças mais povoadas o futebol se impôs como actividade de lazer nos terreiros, noutras roças – caso de Fernão Dias – e em localidades mais recônditas, os campos são diagonalmente cortados por carreiros, sinal de que a difícil rotina diária – caso do carreto de bens de primeira necessidade como, por exemplo, a água – se sobrepõe à prática desportiva, que deve escassear em virtude de um ralo tecido demográfico. Não é só o futebol que alisa a terra.

54 Nalguns casos, o desabar das roças e a divisão de terras causaram uma reconfiguração dos terreiros. Na roça Terreiro Velho, os realojamentos deram origem a vários campos, um dos quais parece imenso para o número de praticantes. Já o terreiro da roça Vista Alegre parece pequeno para o que para ele aflui. A afirmação de fervor clubístico é caprichada (Figura 19), mas a prática futebolística no terreiro da roça – onde, ouvi contar, chegou a ser edificado um court de ténis para o neto do patrão poder jogar com um trabalhador, quando aquele ali passava férias – adivinha-se escassa. O terreiro é relativamente pequeno e tem de competir com os diferentes usos do espaço. Em todo o caso, ainda lá estavam balizas em 2008 (Figura 20).

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Figura 18

55 Também na outrora imponente Monte Café, o lajeado do terreiro – onde os serviçais eram dispostos para serem fotografados no desempenho das várias tarefas criadoras da riqueza dos roceiros – virou campo de futebol, uma serventia inequivocamente assinalada por balizas que resistem escoradas em pedras. Aí, deixando os chinelos espalhados pelo campo, crianças e adolescentes jogam descalços no espaço outrora dedicado à secagem do café39. Repetimo-lo, um tal destino para este terreiro, local de muito trabalho e tristeza na preparação do café, teria parecido algo de impensável aos antigos roceiros e até mesmo aos governantes do pós-independência (Figura 21).

56 Numa mudança radical de há anos, hoje já não faz sentido falar das roças enquanto entidades organizadoras do quotidiano dos indivíduos. Assim o prova o facto de as lajes de secagem serem campos de futebol.

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Figura 19

Figura 20

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Figura 21

57 Em Monte Café, ao lado do lajeado feito campo de futebol, está uma construção simples, quase um anexo, denominado Direcção Geral do Agro-Sport Clube Monte Café, cujo campo de jogos se situa nas traseiras do aldeamento localizado fora do terreiro da roça, aldeamento edificado quando se pretendeu subtrair os trabalhadores à discricionariedade dos roceiros. O campo parece ter as medidas regulamentares. Como noutros casos, a sua largura é aproveitada como comprimento de um outro que os jovens delimitam para os jogos entre eles.

58 Diferentemente dos primórdios da desportivização no arquipélago ou dos primeiros anos da independência, a vizinhança já não é um indutor da formação de agremiações desportivas. Aliás, só mobiliza os indivíduos de zonas pobres e rurais, por regra nos aglomerados populacionais das antigas roças. Sobretudo nessas zonas, a prática do futebol pauta-se pela espontaneidade, mas também pela incapacidade de extravasar a dimensão local, da chamada “comunidade”.

59 Após a independência, o Estado quis tutelar tudo e, não menos importante, o desporto. O Estado fez o correspondente esforço, criando os centros de treino, por exemplo, no bairro do hospital, onde se levavam a cabo as actividades desportivas impulsionadas pela Direcção dos Desportos. O campo lá está. Mas, com a desagregação do regime e a consequente perda do amparo estatal, a disseminação do futebol – prática irregular e de rua – acabou por se tornar um fenómeno com traços de espontaneidade moldada pelas circunstâncias económicas e sociais, por regra de privação.

As obras de regimes

60 Atenta a importância concedida pelas instituições militares à preparação física, só espanta por tardia a construção do campo do quartel no tempo colonial. Contudo, não

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será por acaso que um dos melhores campos é o do Quartel do Morro, sobranceiro à baía de Ana de Chaves. A 21 de Junho de 1970, dia de juramento de bandeira, inaugurou- se o “campo de futebol” do Comando Territorial Independente, com a disputa de um jogo entre as armas de artilharia e infantaria40.

61 O recinto possui uma pequena bancada, destinada às individualidades que ali assistem a jogos e, sobretudo, a manifestações militares e cívicas. Foi assim no tempo colonial, assim continuou depois. Localizado no perímetro militar, será o único sem a ocupação diária regulada pelos costumes das pessoas das vizinhanças41. Mas tem utilização informal aos domingos, quando não impera a ocupação para fins oficiais. Mantido em bom estado graças à capina executada pelos soldados, é um campo de reserva para competições oficiais, tendo sido um dos dois estádios que acolheu os jogos de um recente campeonato de futebol42, quando a Federação resolveu concentrar todos os jogos em dois campos.

62 Se a construção e a manutenção do campo do quartel evidenciam a presença da instituição militar ao longo de sucessivos regimes, a edificação recente e o subsequente abandono do “complexo olímpico” denota a fragilidade de instituições supostamente emanadas da sociedade civil. Não só o Comité Olímpico do país tem ralo enraizamento na vida social e desportiva local (vivendo amparado pelas instituições internacionais), como aparentemente alardeia incapacidade de gestão dos recursos disponíveis. Num certo sentido, ter construído instalações desportivas em razão de uma mirífica idealização de um local de estágio significou não ter pensado as possibilidades de acesso e de usufruto do equipamento pelo universo de potenciais atletas. Por isso, como que no fim de um mundo na própria ilha, está a hoje quase fantasmagórica construção do “complexo olímpico” de Folha Fede, composto de vários campos (Figura 22). Porém, talvez aí não se jogue tão amiudadamente, apesar de se poder entrar nele com facilidade (Figura 23).

Figura 22

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Figura 23

63 A seu modo, tal construção também é uma obra de regime e, se outras inferências não são legítimas, pode falar-se de um certa inconsequência de propósitos relacionada com o descompasso entre as realidades sociais e as agendas importadas, mesmo se dirigidas a objectivos tão consensuais como os relativos ao desporto.

64 Esta obra de regime parece uma excepção ao carácter aberto de muitos recintos desportivos, mormente dos campos de futebol, o qual se joga até, quando não sobretudo, em campos improvisados, sem o que a sua democratização pareceria inalcançável, especulação permitida pela observação da evolução política e, em particular, do alheamento dos políticos face ao desporto nas últimas décadas. Ora, mesmo sem política capaz de democratizar o desporto, a sociedade são-tomense ainda encontra nos campos de futebol e na respectiva prática informal disseminada pelo território algum momento de igualdade entre os seus filhos. Dito de outro modo, do futebol – objecto de desejo, passível de improvisação e socialmente disseminado – não se exclui ninguém. Apesar da crescente pressão sobre a terra, ainda vai sobrando alguma para a improvisação de campos de futebol em São Tomé e Príncipe.

65 Em todo o caso, a disseminação da prática desportiva não equivale a democratização no sentido de acesso idêntico de todos, para além de que a prática desportiva implica e vive da diferenciação. Tal diferenciação e a obtenção da excelência constariam dos idealismos do COSTP. Mas o centro de treinos em Folha Fede parece estar vazio a maior parte do tempo.

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Na capital, da difícil invenção do desporto ao estádio 12 de Julho

66 Várias pressões laborarão no sentido de se conferir maior mundo ao desporto e, em particular, ao futebol, de o sofisticar, de lhe imprimir um cunho comparável ao de outros países, para o que concorrerão desejos e vontades, faltando, todavia, muitas condições. Ainda assim, erguidos em diferentes momentos, existem dois estádios de futebol.

67 Recuemos no tempo. Nos primeiros decénios de novecentos, jogava-se num descampado junto à antiga cadeia, capinado quando se ajustavam os desafios. Situado entre os limites da cidade e a zona pantanosa que a circundava a sul, o terreno era arranjado para eventos desportivos esporádicos, por vezes coincidentes com a visita de um dignitário43. Tendo o nome de “campo de jogos”, esse terreno nunca mereceu tal categoria, afinal, uma situação comum a outros terrenos onde se jogou (e joga) futebol. Fosse por parecer baldio, fosse por influência dos ingleses que trabalhavam na vizinha estação do cabo submarino, a verdade é que o descampado próximo servia de campo desportivo ou, talvez mais precisamente, de campo de festas44, onde tanto se podiam disputar ocasionais partidas de futebol quanto montar um redondel para realizar uma tourada.

68 Os anos 20 e 30 foram de retracção das expectativas dos próprios colonos. Nos anos 30, chegou-se a repatriar europeus indigentes. No final desta década, reprimida a actividade política contra os agravos da ditadura, o governador Vaz Monteiro apoiou a institucionalização do futebol, plataforma para que ajudou a encaminhar os esforços associativos dos ilhéus. De acordo com o espírito das realizações típico da época, encetou a construção do que pretenderia ser o parque desportivo da cidade. Depois de ser motivo de propaganda colonial nos finais dos anos 3045, o Parque Desportivo Carmona nunca pareceu estar concluído nem ter sido objecto de uso regular, também por via dos escolhos sociais ao incremento da actividade desportiva institucionalizada. Obra considerada monumental à data em que foi empreendida, logo teve de ser redesenhada e acabou por se afigurar acanhada para o desígnio inicial de acolher variadas modalidades, que, de resto, perderiam para o futebol.

69 O espaço ocupado pelo parque na cidade tornou-se demasiado central e foi reafectado a outros usos. No local construiu-se o Liceu D. João II, depois da independência rebaptizado Escola Preparatória Patrice Lumumba. A dita escola, que preserva até hoje o muro de vedação do extinto parque desportivo, tinha na década de 1980 nos seus fundos um campo a céu aberto para as aulas de educação física. Hoje, esse recinto foi substituído por pequenos campos, decerto para rentabilizar o espaço. Nesses pequenos campos murados lembram-se as verdades aprendidas e consensuais sobre a correlação entre bem-estar e desporto. Num deles, lá está a velha máxima “Desporto é saúde”.

70 Por muitas décadas considerada insalubre, a cidade de São Tomé dispôs de poucas zonas de lazer, desde logo por a visão colonial ser avessa à ideia de lazer. Uma dessas zonas, devotada às crianças, situava-se no espaço fronteiro à escola primária Vaz Monteiro, hoje escola Maria de Jesus. Esse parque de jogos infantis foi construído nos anos 40. Tinha uma pequena piscina para crianças e um ringue de patinagem. É neste ringue que actualmente os adolescentes, que vão deixando a escola para trás, se

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empenham em jogos de futebol logo pela manhã. Noutras horas do dia, o mesmo espaço é ocupado por mais velhos.

71 Dito de outro modo, a história desmente constantemente as predições. O vangloriado parque desportivo Carmona desapareceu enquanto se improvisam campos em infra- estruturas construídas com um destino diverso: o aludido ringue de patinagem, modalidade sugerida pelos títulos mundiais obtidos por Portugal e hoje caída em desuso nas ilhas, serve de campo de futebol para jovens e adultos.

72 No âmbito da expansão urbana de meados de novecentos, promovida pelo famigerado Gorgulho, o estádio Sarmento Rodrigues foi edificado no descampado onde, décadas antes, se inventava, sempre que necessário, um campo de jogos46. A construção do estádio data do momento em que a centralidade do parque desportivo Carmona o tornou apropriado para albergar o liceu da ilha. Significativamente, a lisonja política sobrepôs-se à história, pelo que o estádio ganhou o nome do ministro do Ultramar da época em detrimento da homenagem ao “venerando” marechal Carmona, patrono da estrutura desportiva destinada a perecer. Fosse para os fins pessoais do governador, fosse pela orientação política do ministro, o nome deste parecia mais adequado que o do antigo presidente da República.

73 Apesar das mudanças a que o regime colonial se obrigava por essa altura, o governador nem teria por primeiro fito fazer do estádio um lugar privilegiado de culto da nação47 ou sequer de amenização das tensões sociais – pela difusão das práticas desportivas48 –, que, de resto, aumentavam por conta da sua política voluntarista de sujeição dos ilhéus aos trabalhos públicos. Além de supostamente provar a sua capacidade de decisão, o estádio sinalizava a chegada do progresso49 em troca do qual se demandava aos ilhéus que, também através da prática desportiva, se apetrechassem fisicamente para desempenhos produtivos mais exigentes50.

74 Ao tempo da sua construção, o estádio ficava como que isolado – próximo do sítio onde até pouco antes estivera a cadeia – e a distância do centro da cidade chegou a ser elencada como factor da pouca afluência do público aos jogos ali disputados. Para além de servir para jogos de futebol, servia igualmente para juramentos de bandeira51. Registe-se, diferentemente do sucedido noutros casos – Cabo Verde, Angola e Moçambique –, o estádio não acolheu a cerimónia da independência52.

75 Actualmente, o estádio está rodeado de habitações53 que ocuparam a zona outrora pantanosa que o circundava e onde, também ele, foi edificado. Antes da independência, para se entrar no estádio passava-se pela estátua de um dos descobridores. Após 1975, a estátua foi removida e com ela uma certa solenidade que um certo vazio no entorno do estádio conferia à infra-estrutura. Hoje, chega-se ao estádio de qualquer direcção, conquanto as entradas permaneçam as duas de sempre. Consonante com a abertura do ambiente social, prolifera o pequeno negócio das espetadas de búzio, cervejas e mais petiscos.

76 Depois de 1975, a serventia do recinto foi sendo amputada devido às falhas de energia eléctrica, que inviabilizaram jogos oficiais e alguns amistosos internacionais à noite. Diga-se, no tempo colonial, um dos melhoramentos mais reclamados foi a dotação de luz eléctrica, que se inauguraria em 1973. Já após a independência, a falta de energia prejudicou a realização nocturna de jogos de futebol.

77 Valerá a pena retroceder alguns anos para ver como as pressões em torno da construção das torres de electrificação constituíram um dos raros momentos de

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discussão pública das opções políticas relativas ao progresso e à modernidade. Por regra, não se permitia a livre expressão de demandas sociais. Ora, a demanda tornou-se insistente a ponto de o presidente da câmara vir a público justificar a preterição do melhoramento. Tolerando a expressão de uma demanda não politizada, a administração colonial afectava uma imagem de um poder solícito e atento ao imperativo do progresso social e, na circunstância, à importância do futebol na renovação do quotidiano da exígua capital da província.

78 Arquitectonicamente, o estádio mudou pouco. Mas as alterações reflectem as mutações da relação entre as autoridades e a população. De início, era muito mais aberto. Não apurámos se o muro envolvente sempre teve a altura actual, mas a zona da tribuna foi modificada. Começou por ser aberta, pautada apenas pelos pilares de suporte da cobertura que, curiosamente, pouco protegeria do sol da tarde54. Quando muito, abrigaria, mal, da chuva. Do exterior, podia ver-se os espectadores, mormente os ilustres, ainda que pelas costas. Posteriormente, construiu-se uma grade, talvez de tijolos. Já depois da independência, a grade foi substituída por uma parede em toda a extensão da bancada da tribuna.

79 Outrora as cabines ficavam debaixo da tribuna. A complexificação das rotinas administrativas e das necessidades logísticas sugeriu a construção, ainda no tempo colonial, de cabines mais espaçosas debaixo da bancada do lado oposto ao da tribuna. O estádio sofreu algumas melhorias nos últimos anos55, tendo sido dotado de um relvado sintético – opção cuja acerto alguns discutem –, estimando-se a sua capacidade em 6.500 pessoas56, decerto contando com as que ficam de pé. Ultimamente, é raro lotar. Uma das últimas enchentes terá sido aquando do desafio com o Congo, que pôs termo a anos de afastamento da selecção de São Tomé e Príncipe das competições internacionais. Todavia, em virtude da copiosa derrota e da consequente descrença, o cenário foi assaz diferente no jogo contra o Lesotho (Figura 24). Não encheu, longe disso, para esse jogo da primeira mão da primeira eliminatória de acesso à fase de grupos da CAN 2013, entre outras razões porque, conforme afirmaram circunstantes em Santana57, o povo de São Tomé prefere a festa de Santo Isidoro, em Ribeira Afonso, ao futebol.

80 Como se disse, pelas condições únicas na ilha, o estádio 12 de Julho (antes Sarmento Rodrigues) albergou solenidades de regime, tanto do colonial como do de partido único após 1975. Foi palco das cerimónias colonialistas alusivas aos eventos de Fevereiro de 1953, concretamente das homenagens aos mortos que obedeciam o governador Gorgulho. Da mesma forma, foi palco de momentos de exaltação da nação portuguesa aquando da visita do presidente Craveiro Lopes, cuja coreografia replicou a da inauguração de estádios ocorridas nesses anos58, não faltando nem o louvado aprumo das classes de ginástica nem o desfile das agremiações clubísticas, subliminares sinais do ordenamento social vigente e da política de produção de uma “raça” com vigor e sadia.

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Figura 24

81 Após a independência, o estádio foi igualmente palco de exercícios militares, mormente de artes marciais dos elementos da Segurança, de eventos políticos e de paradas de ginástica. Com efeito, aí ocorreram a celebração do aniversário da OMSTEP59 e a apresentação da Escola de Artes Marciais, da Segurança, espectáculo particularmente concorrido, a avaliar pelas fotos publicadas no oficioso Revolução.

Estádio Regional 13 de Junho da cidade de Santo António

82 Tal como o da capital do país, também o Estádio Regional da cidade de Santo António foi uma obra de regime. Na circunstância, do multipartidarismo e da cooperação taiwanesa, disposta a pagar com benfeitorias de vária ordem um voto favorável na ONU. O dito estádio está localizado a sudoeste da cidade, tendo substituído o “campo dos caranguejos”, assim denominado pela abundância de buracos escavados pelos ditos animais.

83 Tendo já estado na penumbra da memória colectiva, o “campo dos caranguejos” poderá em breve ter caído no esquecimento dos habitantes do Príncipe, como esquecido parece o campo na praia de aluvião da cidade. Aí se colocaram umas balizas, decerto para recreio das crianças e adolescentes da escola fronteira (Figura 25). Mas não sabemos se daqui emergirá a prática do futebol de praia.

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Figura 25

84 Retrocedamos a 1957, quando talvez pela primeira vez se deu nota circunstanciada de um jogo entre o Sporting e o Benfica do Príncipe. A chuva copiosa antes do jogo transformou o campo de Ribeira de Frades, já de si impróprio para o futebol, num charco, nalguns sítios com dez centímetros de água. Disse-se então ser necessário um campo de jogos, pois aquele não dignificava o desporto. Além de não ter as medidas regulamentares, estava cheio de buracos de caranguejos. Com altos e baixos, só não causava lesões sérias em cada jogo por verdadeiro milagre60.

85 Em 1959, num momento de crescendo de interesse pelo futebol, voltou a falar-se do “misérrimo campo de jogos que a Cidade possui, feito pelo esforço dos próprios desportistas”, que “de forma alguma constitui ao menos um regular rectângulo de jogo”. A população acorria em massa aos jogos, pelo que se impunha que as autoridades se debruçassem sobre a questão: o campo não possuía “o mínimo de condições, e até se tornando perigosa a prática desportiva em tal terreno”61.

86 Durante anos, os jogos terão continuado a efectuar-se no “campo dos caranguejos”, vindo também a usar-se os campos das roças. A 23 de Abril de 1983, inaugurou-se – ou, talvez mais apropriadamente, reinaugurou-se – o campo da roça Sundy, num jogo em que o Riboque ganhou à equipa local62. É possível que os jogos de futebol tenham deixado o “campo dos caranguejos”.

87 Na década de 1980, a um professor português chegado para trabalhar na ilha pareceu que um dado terreno era ou serviria de campo de futebol. Na verdade, estava diante do campo de futebol da cidade, outrora conhecido por “campo dos caranguejos”. As tardes de glória desse recinto, entrementes tornado zona de capim, tinham sido as dos derradeiros anos do colonialismo, quando, num movimento de aproximação à população nativa, os governadores aí assistiram a alguns jogos. A isso induzidos pelo cooperante português (que, nos anos precedentes, treinara clubes em São Tomé), vários

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ilhéus capinaram o terreno que voltaria a ser usado como campo de futebol. A cidade ainda preservava as sedes do Sporting e do Benfica do passado, mas deixara de ter campo de futebol.

88 Não foi tanto por pressão social ou política (apesar da pressão demográfica, esta não se desdobra numa pressão política) quanto por conveniência política que se edificou o estádio regional. Tal como nos anos 50 se edificou um estádio relativamente espaçoso em São Tomé, também na ilha do Príncipe na derradeira década de novecentos se construiu um estádio agigantado se pensarmos na dimensão da população da ilha. Numa lógica muito comum de menos desporto e mais política, este estádio quedaria subaproveitado.

89 O estádio da cidade de Santo António, inaugurado a 17 de Maio de 2003, não oferece particularidades assinaláveis. Possui uma tribuna e, do lado oposto, uma pequena bancada coberta. Tem a relva tratada mas, ainda assim, rala. Em todo o caso, oferecerá melhores condições para a prática futebolística do que o antigo “campo dos caranguejos”. Deve ter capacidade para albergar toda a população da ilha se esta tiver motivo e meios para aí acorrer para assistir a qualquer performance desportiva ou outra. Para a população da ilha e ponderadas necessidades mais prementes, dele alguns dirão ser um elefante branco63. Mas, retorquir-se-á, como não o construir? Não se chama 12 de Julho nem tem por nome uma efeméride, antes invoca o do dia do santo da cidade, 13 de Junho. Politicamente relevante?

90 Entrementes, a cidade de Santo António viu o seu parque popular, antigo recinto de festas, perder vitalidade e resumir-se a um campo desportivo, tal a indicação de que o desporto é uma solução politicamente útil pelo apaziguamento social que sugere e pelo seu baixo custo. Quedando abandonado, preserva as condições mínimas para a prática desportiva nas condições precárias de outros polivalentes. A decadência do parque indicia também a substituição dos moldes de diversão e sociabilidade, muito mais individualistas do que outrora.

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Figura 26

91 Enquanto isso, o precoce ícone da modernidade que fora o campo de ténis – decerto relacionado com a presença dos ingleses do cabo submarino nos primórdios de novecentos – voltou a estar na frente do progresso, horizonte não mais redutoramente associado à exportação de cacau. Hoje, reabilitado numa acção promocional da empresa Gibela64 (Figura 26), o campo de ténis interpõe-se entre os armazéns da roça Sundy e o mar. Renovado, embora talvez com menos vida (Figura 27).

Figura 27

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O estádio imaginado

92 Um campo de futebol prefigura-se como a solução mais barata – por vezes tão barata quanto ilusória – para certos problemas sociais. Presentemente, perante o retorno do paludismo, um campo de futebol afigura-se uma alternativa para o aproveitamento de uma zona pantanosa, Praia Melão, a sul da cidade de São Tomé, zona que importa aterrar a fim de diminuir a incidência de casos de paludismo65. Para já, este é um campo tão virtual quanto o do estádio do Riboque.

93 Façamos um parêntesis para dizer que, filiados, ou não, nos da metrópole, com maior ou menor adesão popular, os clubes nunca atingiram uma dimensão social bastante para os tentar a ter o seu estádio. Aliás, mesmo os clubes que concitavam o apoio popular e com êxitos desportivos atravessaram décadas sem uma sede. Tais factos tanto indiciam a debilidade económica e social dos clubes, relacionada com a rarefacção do mercado local, quanto a valia da terra. Por isso, valeria a pena analisar em que circunstâncias políticas, económicas e sociais, o Riboque – antes de 1975, Vitória de Setúbal do Riboque –, clube da periferia nativa da cidade de São Tomé, conseguiu aceder à posse do terreno onde implantou o seu campo, conhecido por Campo dos Coqueiros ou por “campo do barro vermelho”66.

Figura 28

94 A propósito deste campo lembrar-se-á que alguns campos do futebol federado são também lugares de passagem67. Com efeito, alguns campos só o são realmente aquando dos treinos e jogos. Em virtude da força simbólica do clube, resiste à pressão urbanística numa das zonas mais densamente povoadas do país (Figura 28).

95 Porém, sucede constituir-se como um espaço que se oferece a múltiplos usos, por exemplo, desde o de passagem – invariavelmente de crianças incumbidas de pequenos carregos – até ao de pouso para secagem de roupa. Do pouco uso, assinalado pelo

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crescimento da vegetação, restam as balizas e os trilhos que o atravessam para uma caminhada mais curta para o centro da cidade. Como muitos outros na ilha, rapidamente o campo queda impraticável e parece desactivado. Por causa do estado do campo, no último campeonato em que triunfou, o Vitória do Riboque apenas jogou no seu campo os jogos da segunda volta. Existe o projecto de transformar este “campo desportivo num estádio de renome”, tal o desígnio de recentes dirigentes do clube (Figuras 29 e 30). A concretizar-se, tal estádio equivaleria a uma revolução na cidade.

Figura 29

Figura 30

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Notas finais

96 O futebol tornou-se popular pela simplicidade das regras, por não exigir senão uma bola e um campo passível de ser inventado. Na sua diversidade, os campos de futebol traduzem a intensidade e as contingências do processo de desportivização das sociedades, frequentemente ao arrepio dos desígnios das autoridades. A construção de campos resultou de consensos e, por vezes, da correlação de forças locais sobre o destino a dar à terra. A invenção e a disseminação dos campos de futebol pelas ilhas são, por um lado, indício de uma mudança acelerada na paisagem física e social, revelando, por exemplo, novos actores e novas formas de decisão relativamente à apropriação, efémera que seja, do espaço público. Mas, por outro lado, os campos de futebol indiciam alguma continuidade, não só de uma cultura popular referida ao mundo, mas também de propósitos das autoridades no tocante aos instrumentos da condução política e social do meio insular.

97 Se, em razão de desígnios políticos ou de condições materiais, cada conjuntura foi tendo, mesmo se episodicamente, o seu desporto (a dado passo, por contaminação dos títulos mundiais de Portugal, tentou fomentar-se o hóquei em patins), já o futebol, porque mais universal e menos dependente da criação de condições favoráveis pelos poderes, tem tendência a tornar-se omnipresente. As condições podem ser forjadas pelos próprios habitantes. Não bastará adequar o jogo à imaginação, mas quase… o que torna muito flexível o uso da terra para o futebol.

98 A abertura – tanto maior quanto proporciona múltiplos usos e redesenhos dos campos demasiadamente extensos – da esmagadora maioria dos campos indica que não é por causa das infra-estruturas que os jovens, e não só, serão apartados da prática futebolística. Os que têm gosto pelo futebol jogam-no, adaptando-o aos espaços disponíveis transformados em campos. As mais pessoas são apartadas da prática desportiva, concretamente futebolística, pelas circunstâncias da vida colectiva.

99 Para além disso, o grau de organização e de sofisticação da prática do futebol não demanda senão uma especialização mínima, consonante com a precariedade das infra- estruturas de alguns clubes. Sem embargo das competições federadas, o futebol continua nos campos como uma actividade de amadores e, na rua, como motivo de interacção dos seus adeptos. Por causa do seu enraizamento popular, o futebol continua a concitar discursos e vários intentos, políticos e outros.

100 Os visitantes do arquipélago poder-se-ão entusiasmar com a criatividade de jogadores e de público, os mais ingénuos com a simplicidade de modos de vida e da aparente felicidade dos habitantes. Os campos atestam a universalidade do futebol e são indício das suas multifacetadas captações em cada recanto das ilhas. Mas tanto a paixão pelo futebol quanto o inesperado ou previsível exotismo dos chãos dos variados futebóis não deve fazer perder de vista que cada chão também é uma resultante de uma história tecida de acertos e desacertos entre, por um lado, ricos e poderosos e, por outro, os que pouco ou nada têm para além do futebol durante a sua idade dos sonhos. E menos se deve esquecer que o desenvolvimento do desporto são-tomense e a consequente afirmação do país – se tais metas são fins em si mesmas –, porventura desejados pelos são-tomenses, não viverão só da generalizada apetência pelo futebol, nem esta será em todas as circunstâncias um amortecedor ou escape social.

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101 Em São Tomé, onde as propriedades vão sendo vedadas com muros de pedra, os campos de futebol serão dos poucos bens de que as chamadas “comunidades” ainda dispõem. Se não tiverem campo, se não se reunirem para formar um clube, não se afirmam. Na falta de campeonatos das categorias mais jovens, os campos servem para os mais novos emularem os mais velhos. O desenho de cada campo incrustado na terra tem uma história de afirmação da colectividade ou, diferentemente, uma história de um desígnio do poder ou do exercício de uma vontade colectiva.

102 Como as demais construções humanas, os campos de futebol poderão estar condenados a desaparecer da paisagem, outrora criada e recriada pelas roças hoje arruinadas, ou, eventualmente, a serem adaptados para fins diversos dos primevos. Aliás, para a história do futebol insular, os estádios precederam os terreiros, só usados como campos nos anos recentes. O futebol praticou-se primeiro em campos e em estádios e, só já depois da independência e da ruína das empresas estatais, tomou conta dos terreiros. Dir-se-ia que os campos conheceram uma evolução em contra-ciclo com as roças, porquanto irromperam no cenário da ruína destas.

103 Num espaço microinsular sujeito a mudanças políticas de monta, a observação dos campos de futebol sugere pistas acerca do modo de enraizamento do futebol entre os ilhéus, da sua afirmação enquanto parte da cultura popular. Existe um campo aberto para perscrutar a história do arquipélago através da observação dos denodados esforços associativos e da prática do futebol nas mais diversas e singulares condições.

104 Num certo sentido, os campos de futebol são a materialização possível de uma infra- estrutura universal num microterritório e numa sociedade exígua e pressionada por uma mutação acelerada e de rumo incerto, onde só recentemente a expressão dos desejos ganhou foro de cidadania, sugerindo, aqui e além, a importação da temática do desporto para a retórica política.

105 Justamente, de permeio com a política, tantos desejos, quantas histórias…

BIBLIOGRAFIA

Anuário Estatístico 1973. (1973). S. Tomé: Instituto Nacional de Estatística. Delegação de S. Tomé e Príncipe.

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Nascimento, A. (2010). Esporte em vez de política no ocaso do colonialismo em São Tomé. In Melo, V., Bittencourt, M., & Nascimento, A. (Org.), Mais do que um jogo: O esporte e o continente africano (pp. 243-278). Rio de Janeiro: Apicuri.

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Nascimento, A. (2013). Desporto em vez de política no São Tomé e Príncipe colonial. Rio de Janeiro: 7Letras.

NOTAS

1. Este texto provém da pesquisa no âmbito dos projectos Esporte, colonialismo e pós- colonialismo nos países africanos de língua portuguesa e O sport que virou esporte, o sport que virou desporto: as experiências (d)esportivas em países lusófonos, apoiados pelo CNPq, respectivamente conduzidos por Victor Melo, da UFRJ, e Marcelo Bittencourt, da UFF. Tributário de observações de Ana Cordeiro a propósito da singularidade de vários campos de futebol em Cabo Verde, este texto apoia-se na observação pessoal, em testemunhos e em documentação arquivística. As várias pessoas com quem conversei a propósito dos campos e do futebol no arquipélago não levarão a mal que eu destaque Luís dos Prazeres e José Carlos Trigueiros, cuja boa vontade se revelou de enorme valia. 2. Anuário Estatístico 1973 (1973, p. 9). 3. Cf. dados do último recenseamento apresentado em Junho de 2012 in http:// www.telanon.info/sociedade/2012/06/29/10732/sao-tome-e-principe-tem-187-356- habitantes/ (acedido em 11 de Abril de 2013). 4. Outros recintos desportivos são raros e, dados os seus requisitos técnicos, não são objecto de iniciativa popular. Esses equipamentos são igualmente indício dos contornos da evolução política no tocante ao desporto, mas não são tão reveladores da concertação de vontades na base social quanto os campos de futebol. 5. No campo da missão evangélica nas cercanias de Água Izé, apesar do que as balizas têm de tosco, parece ter havido um cuidado na criação de um cenário desportivo apelativo, guarnecendo-se as balizas com uma rede de malha estreita, talvez de pesca. As balizas como que se agarram à terra, nelas florescendo plantas, tal uma involuntária simbologia do ideário religioso que se quer arraigado nos são-tomenses. A percepção do papel do desporto no proselitismo religioso remonta ao tempo colonial, conquanto, no arquipélago, a Igreja Católica nunca tivesse um papel de relevo nesse domínio. 6. O crescente número de propriedades muradas, outrora inexistentes, constitui um sinal da pressão sobre a terra, pelo menos nalgumas zonas da ilha, e de mudança nos padrões de relacionamento social. Ainda que não possamos antecipar em que sentido, tais mudanças sociais deverão vir a afectar a prática futebolística. 7. O mesmo pároco terá igualmente solicitado a construção de um centro social. Cf. http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/message/20589 (acedido em 7 de Março de 2012). 8. Em 1955, aventara-se a criação de clubes nas vilas e previa-se a construção de campos de futebol nas vilas. Porém, o plano de urbanização acabaria postergado e levaria uma década até que se concretizasse a formação de clubes das vilas e se edificassem os respectivos campos (Nascimento, 2013, p. 158). 9. A Voz de S. Tomé nº 760, 22 de Outubro de 1966, p. 3. 10. Fonseca era administrador da roça Rio do Ouro e terá sido persuadido pelas autoridades a coadjuvar a edificação do campo, em troca do que este recebeu o seu

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nome (cf. A Voz de S. Tomé nº 646, 11 de Julho de 1964, p. 2). Decerto a instâncias das autoridades, integrou a direcção do clube criado na vila para disputar o campeonato provincial (Nascimento, 2013, p. 162). 11. Em 2012, alertados por uma visita inusitada de indivíduos chegados de jeep, jogadores do clube da terra apareceram imediatamente para dois dedos de conversa com os visitantes. Numa breve conversa, lamentaram a descida de divisão de um clube, do seu, que já foi campeão. 12. A CMST pediu uma informação ao regedor da Trindade (cf. AHSTP, Câmara Municipal de S. Tomé, Livro de Actas nº 33, 1934/1937, sessão de 1 de Outubro de 1936), cujo teor ignoramos. 13. A Voz de S. Tomé nº 713, 30 de Outubro de 1965, p. 3. 14. Também se estipulava que não seriam feitas obras sem autorização da CM e que o clube se obrigava a ceder o campo a outros clubes e a garantir o livre acesso do público, mediante normas a estabelecer (cf. AHSTP, Câmara Municipal, Actas 1960-1968 [cópias], Acta nº 17/966, 10 de Maio de 1966). 15. A Voz de S. Tomé nº 965, 31 de Outubro de 1970, p. 3. 16. Entrementes, em 1972 pensava-se na construção de um parque de jogos na vila da Trindade (decerto o situado no centro da cidade, perto do mercado). A iniciativa era da Mocidade Portuguesa, que solicitou à Junta de Freguesia a cedência de um terreno para a construção de um parque de jogos na vila. A CM autorizou a construção de um parque de jogos no terreiro fronteiro à escola D. Berta Craveiro Lopes com a condição de se possibilitar a utilização do mesmo parque por outros clubes desportivos ou outras agremiações, em condições a estabelecer pelo Comissariado da MP e pela Junta de Freguesia da Trindade (cf. AHSTP, CM, Actas 1970-1972, cópias [maço], Acta nº 14/971, sessão de 14 de Abril de 1972). 17. Revolução nº 341, 23 de Março de 1983, p. 2. 18. Inquiridas várias pessoas, as respostas foram dissonantes, umas referindo os anos 80, outras os anos 90 do século passado. Inclino-me a apontar como data provável desses incidentes os meados da década de 1990. 19. Em 2013, o Trindade disputa o campeonato da II divisão. 20. Cf. http://br.dir.groups.yahoo.com/group/cevlusof-L/message/337 (acedido em 15 de Novembro de 2011). 21. Cf. http://www.telanon.info/desporto/2009/04/20/1187/trindade-segunda-maior- cidade-do-pais-voltara-a-ter-campo-de-futebol/ (acedido em 5 de Setembro de 2011). Diga-se, em 2008, por acção da empresa Gibela edificou-se um campo de futebol na cidade de Neves, tendo além disso sido distribuídos equipamentos e materiais desportivos por todo o país. Cf. http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/message/ 23736 (acedido em 8 de Março de 2012). 22. Correio da Semana nº 278, 3 de Outubro de 2010, p. 19. 23. Cf. http://www.telanon.info/politica/2013/02/18/12501/carta-aberta-ao-primeiro- ministro-gabriel-costa/ (acedido em 12 de Abril de 2012). 24. Existia até meados de 2010. É possível que posteriores obras de reabilitação da pista do aeroporto da ilha do Príncipe tenham provocado a destruição dos campos de futebol. 25. No sul da ilha de São Tomé, um campo em Angolares, junto do entroncamento da estrada principal com o acesso à roça S. João, tem a forma de elipse. De irregularidade acentuada por linhas de água, acolhe uma baliza de dois paus a pique e uma outra com uma pedra. Deve ser o bastante para ocupar os tempos livres.

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26. Para além de valer um lugar na comunidade, avente-se a hipótese de para esse desempenho pesar o facto de se estar perante uma reminiscência de uma cultura institucionalmente respaldada, relacionada com a seriedade que se atribui aos confrontos de futebol, que não se credita a outros desempenhos e a outras interacções locais. Relembre-se, em 1983 não se realizou um jogo entre Ototó e Batepá a contar para o campeonato nacional da II divisão. Ao tempo, a FSF sancionou a equipa visitada com uma derrota “devido às más condições do terreno do jogo” (cf. Revolução nº 351, 8 de Abril de 1983, p. 2). Desde então muito mudou e o campeonato chegou a ser jogado em apenas dois recintos. 27. Terá sido a primeira vez que tal sucedeu ao longo de dezenas de anos de história do clube. Agora, o Vitória do Riboque é o único clube que nunca desceu de divisão. 28. Tal tarefa foi parcialmente levada a cabo no dia 20 de Janeiro de 2012. 29. Ligada à correlação de forças de micropoderes e de vontades locais, o campo de Santana pode ter uma história mais sinuosa do que a sua centralidade na vila pode sugerir. Nos anos finais do colonialismo, a equipa treinava na cidade. Por esse tempo, fazia-se votos para que viesse a ser edificado o campo na vila. Não sabemos se o actual campo sempre esteve no espaço nobre da vila, se era mais pequeno e foi ampliado à custa de concertação de vontades locais. 30. Revolução nº 486, 2 de Agosto de 1986, p. 3. 31. Em 4 de Abril de 1937, Eduardo Gonçalves de Oliveira, administrador de roça da Companhia Agrícola de Santana, dava conta de ter preparado um campo para jogos de futebol. Segundo ele, o pessoal mostrava afinco em acabá-lo o mais depressa possível. A crer no roceiro, aos domingos e nas horas vagas, os serviçais divertiam-se e iam fazendo os exercícios de treino (cf. Suplemento nº 8 ao Boletim Oficial nº 7, 9 de Abril de 1937, p. 137). 32. Por exemplo, Revolução nº 341, 23 de Março de 1983, p. 2. Evidentemente, cumpriria discutir o entendimento do que é um campo relvado. 33. Cf. Revolução nº 486, 2 de Agosto de 1986, p. 3. 34. Em Santa Margarida, as crianças jogam na laje outrora usada para secar produtos da roça, mas entrementes abandonada para esse efeito por via das inovações tecnológicas de processamento de cacau. 35. O testemunho foi recolhido em Santa Margarida a 28 de Janeiro de 2012, pelo que a campanha a que se aludiu foi a de 2010, a das autárquicas ou a das legislativas efectuadas quase em simultâneo. 36. Designação popularizada relativa à compra das consciências ou dos votos pelos políticos. Mesmo quando não corresponde a uma estrita compra de votos, trata-se da prática de oferta de dinheiro e de bens a localidades, grupos e pessoas em troca da fidelização do voto. Esta prática torna-se generalizada e intensa em tempo de campanha eleitoral. 37. Para inícios de 2012 estaria marcada uma entrevista com um ministro do governo para se desbloquear a questão da desmatação do terreno que os residentes pretendiam que viesse a ser o campo de jogos de Santa Margarida. 38. Em Santa Margarida alegam que, por vezes, lhes é vedado o acesso ao campo de Ototó, denotando a afirmação da posse dos de Ototó relativamente aos de Santa Margarida, de fora e, por certo, seus rivais. 39. As lajes deixaram de ter préstimo com a aquisição de um secador sobredimensionado, com a quebra da produção de café e com a queda da empresa e a falência da ordenação do quotidiano decalcado das roças coloniais.

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40. A Voz de S. Tomé nº 947, 27 de Junho de 1970, p. 6. 41. Porém, mediante pedido formal com indicação da hora, o uso do campo pode ser liberado para uso da população. 42. Outro exemplo, por falta de condições no Estádio Nacional, em 1997 a final do campeonato nacional decorreu no campo do quartel. O Vitória do Riboque perdeu para Os Operários por 2-1. 43. Em 1923, por ocasião da visita do governador de Fernando Pó. Cf. AHSTP, Série C, Reservados, of. nº 57, de 14 de Março de 1923, do chefe da Repartição do Gabinete. 44. Boletim Oficial nº 39, 30 de Setembro de 1922, p. 381. 45. Acerca deste parque desportivo, cotejem-se alguns elementos em Nascimento (2013, pp. 61-63). 46. A não ter sido no local exacto, foi nas proximidades, como se infere pela vizinhança da estação do cabo submarino, referida nos primórdios de novecentos. 47. Ao tempo, não se queria construir uma nação no sentido em que, por exemplo, se quereria fazê-lo no Brasil, sendo os estádios de futebol um dos lugares de comunhão de grupos assaz diversificados. Cf., por exemplo, Machado & Banchetti (2009). Na sua arquitectura colonial, a nação portuguesa era indiscutível e, logo, independente da importância do futebol no imaginário colectivo. Para os mentores do colonialismo, era inconcebível pôr em cotejo a adesão emotiva propiciada pelo desporto com a adesão devida pelos colonizados e tributária do reconhecimento da gesta dos descobridores portugueses. 48. A comparação com o complexo Sarmento Rodrigues edificado em Bissau anos antes é sugestiva. Este complexo albergava recintos para várias modalidades. Afora isso, ladeado pelas sedes do Benfica e do Sporting, o complexo ocupava um espaço central em Bissau, com o que se propunha que o desporto adquirisse uma dimensão importante no quotidiano na cidade. Já em São Tomé, o estádio resumia-se ao campo de futebol e localizava-se na periferia da cidade. Feito por imperativo dos tempos, não denotava uma aposta no futebol enquanto instrumento político, mormente de captação da adesão dos colonizados. 49. Por entre os equívocos em torno do progresso, a que se associava o desporto, o estádio sinalizava a chegada dessa faceta do progresso, na qual, até por força da escassez de europeus, tinham de enfileirar alguns ilhéus e serviçais. Fica por estudar o que, naquela conjuntura de acirrada tensão racial, pensariam os vários grupos de uma obra da cultura mundana que chegava pela mão de um governador voluntarista, o qual, objecto de encómios no início da sua governação, passou depois a suscitar crescentes reservas, mormente aos ilhéus. 50. Apesar de tributária de ideias eugénicas e higienistas, a intenção do governador não seria a de produzir uma “raça” de portugueses sadios (em termos comparativos e para o caso do Brasil, consulte-se, por exemplo, Drumond, 2008, p. 76). Seria, sim, a de dispor de mão-de-obra adestrada e voluntariosa, qualidades adquiridas na revigorante prática desportiva. 51. Por exemplo, A Voz de S. Tomé nº 263, 10 de Novembro de 1956, p. 4. 52. A realização da cerimónia de transferência de poderes na hoje chamada Praça da Independência pode ter servido para o MLSTP se apropriar simbolicamente de uma praça que, anos antes, fora cenário de afirmações de portuguesismo por parte de ilhéus. Todavia, não se arredem outras explicações. O estádio foi palco de um triangular entre selecções de Portugal, São Tomé e Príncipe e Gabão, o que trouxe entusiastas ao estádio.

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Os dirigentes independentistas quererão ter separado a natureza dos dois eventos, a comemoração desportiva e a transição de poderes propriamente dita. 53. Hoje, a zona encontra-se densamente construída, como todo o pedaço de terra no entorno da cidade. 54. A tribuna está virada para poente, o que se traduz num incómodo para os assistentes de jogos disputados à tarde. É possível que a tribuna tenha sido construída do lado nascente para ficar mais próxima da costa, da via de ligação da cidade à localidade de Pantufo, para evitar custos adicionais com a urbanização da zona envolvente do estádio, como dissemos, uma zona outrora pantanosa. 55. Para 2007, anunciou-se um apoio da FIFA de 750 mil dólares para a reabilitação do estádio 12 de Julho, prevendo-se, entre outras acções, a instalação de um relvado sintético. Cf. http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/message/16671 (acedido em 7 de Março de 2012). Apesar de contestado por inapropriado, o sintético foi instalado. 56. Cf. http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/message/28395 (acedido em 8 de Março de 2012). Ao tempo, a capacidade foi estimada em 15.000 pessoas (cf. A Voz de S. Tomé nº 73, 1 de Julho de 1952, pp. 3-4 e 6). 57. Opinião colhida em Santana (21 de Janeiro de 2012) a partir de um comentário sobre a fraca adesão do público no jogo internacional, sem que tivesse sugerido qualquer causa. 58. Em termos comparativos, e apesar da óbvia diferença de grandeza, refira-se, por exemplo, a inauguração do estádio do Pacaembu, em São Paulo (cf. Machado & Banchetti, 2009). 59. As mulheres foram fotografadas em pose militar e militante, a entoar o hino da organização (cf. Revolução nº 28, 15 de Outubro de 1976). 60. A Voz de S. Tomé nº 303, 28 de Setembro de 1957, p. 2. Na verdade, nem sequer era possível tal diagnóstico. Em razão do amadorismo, da incipiente organização do futebol, nenhuma lesão era séria a ponto de prejudicar uma imaginada carreira de futebolista. A par disso, não existiam meios de diagnóstico nem saberes especializados para diagnosticar uma lesão séria. Lesões sérias eram as que se transformavam em achaques impeditivos de voltar a jogar. Do ponto de vista social, uma lesão séria seria a impeditiva de uma vida produtiva. 61. A Voz de S. Tomé nº 367, 28 de Fevereiro de 1959, p. 2. 62. O segundo jogo do triangular do Riboque com a equipa de Porto Real terá sido mais violento da parte dos elementos desta equipa (cf. Revolução nº 360, 26 de Abril de 1983, p. 1). 63. Cf. http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/message/5909 (acedido em 7 de Março de 2012). 64. Cf. http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/message/21829 (acedido em 7 de Março de 2012). 65. Cf. http://www.telanon.info/sociedade/2012/04/25/10265/poder-local-de-me- zochi-em-parceria-com-taiwan-avanca-com-accoes-para-travar-o-avanco-do- paludismo/ (acedido em 4 de Maio de 2012). 66. Antes da independência, o campo teria uma orientação algo diversa e seria conhecido por Estádio dos Coqueiros, porventura por influência do de Angola (informação e alvitre de Luís dos Prazeres, a quem estou grato). Diga-se que tal podia suceder, dado que o arquipélago mantinha intercâmbio desportivo com Angola. Mas nessa designação também podia concorrer quer uma ironia dos próprios ilhéus, quer

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uma depreciação por parte dos colonos, sendo possível que ambas as acepções e sentidos se tornassem inextricáveis. 67. Em termos de comparação no tocante à progressiva perda da multifuncionalidade dos espaços, enquanto não foi vedada com a colaboração de marines americanos, a pista do aeroporto internacional de São Tomé também era local de passagem.

RESUMOS

Neste texto descrevem-se campos de futebol de São Tomé e Príncipe. Não se ensaia uma antropomorfização dos campos de futebol, cenário de uma prática lúdica popular e tendencialmente universal. Mas tenta-se olhar os campos de futebol como documentos históricos e, a partir daí, relacioná-los com a evolução do país. Com efeito, as marcas das mudanças políticas e sociais estão inscritas na diversidade dos campos de futebol. A seu modo, os campos de futebol são uma fonte de conhecimento histórico e social, sugerindo a elaboração de uma narrativa histórica que os toma como pontos de apoio para a interpretação das mudanças políticas e sociais no arquipélago desde o colonialismo moderno até ao pós-independência.

In this paper, we describe the many football fields of São Tomé and Príncipe. We do not seek to anthropomorphize soccer pitches, but try to look at these fields as historical documents and as texts related to the evolution of the country. Indeed, the evidence of political and social changes can be seen in the diversity of football fields. In its own way, these soccer fields are a source of historical and social knowledge, suggesting the development of a narrative that takes them to mark the political and social changes in the archipelago that have occurred since the colonialism period to the post-independence era.

ÍNDICE

Keywords: São Tomé and Príncipe, football, political and social change Palavras-chave: São Tomé e Príncipe, Futebol, Mudanças políticas e sociais

AUTOR

AUGUSTO NASCIMENTO Instituto de Investigação Científica Tropical, Centro de História, 1349-007 Lisboa, Portugal [email protected]

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Entrevista

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“Dos Subúrbios da Lourenço Marques Colonial aos Campos de Futebol da Metrópole”, uma Entrevista com Hilário Rosário da Conceição

Nuno Domingos

1 Entrevistei Hilário Rosário da Conceição em 2007. Encontrava-me nessa altura a meio de um projecto de doutoramento sobre Lourenço Marques1. O futebol oferecera-me um laboratório para estudar as dinâmicas desta cidade colonial, em especial a vida do seu subúrbio. Voltei a falar com ele, pelos mesmos motivos, em 2008. Mais recentemente, em Setembro de 2013, contactei-o para nova conversa, desta vez com vista a esta publicação nos Cadernos de Estudos Africanos. Hilário acedeu. Concordou também que utilizasse partes das entrevistas anteriores, em alguns aspectos mais precisas em relação ao conjunto de assuntos focados. O que se apresenta de seguida é uma montagem dessas três entrevistas. Todos estes encontros decorreram no café Bóia Verde, junto ao Estádio de Alvalade2.

2 Hilário Rosário da Conceição foi um dos jogadores de origem moçambicana da famosa selecção nacional portuguesa de futebol que, no campeonato do Mundo de 1966, realizado em Inglaterra, alcançou um inesperado terceiro lugar. Ao lado de outros moçambicanos, como Mário Coluna, Vicente Lucas e Eusébio da Silva Ferreira, confirmou neste campeonato o valor que vinha demonstrando na equipa do Sporting Clube de Portugal. No clube de Lisboa venceu três campeonatos de Portugal, três Taças de Portugal e uma Taça das Taças. Internacional português por 39 vezes, Hilário ingressou no Sporting em 1958, ano em que deixou a cidade de Lourenço Marques (actual Maputo), onde nascera em 1939. Na capital do Moçambique colonial representara a filial laurentina do Sporting desde 1953, no então campeonato da Associação de Futebol de Lourenço Marques (AFLM). Antes disso, porém, jogara no campeonato da Associação Africana de Futebol (AFA), onde representou o Munhuanense “Azar”, equipa do bairro da

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Munhuana. Esta competição juntava um conjunto de clubes do subúrbio da cidade. Na periferia da capital de Moçambique, também conhecida por “caniço”, vivia maioritariamente a população de origem africana, composta sobretudo por negros, mão-de-obra de que dependia a cidade colonial. Mestiço, filho de pai português e mãe africana, Hilário cresceu na Mafalala, um destes bairros periféricos. A vivência do subúrbio encontra-se presente de forma viva nas suas memórias.

3 O raro percurso de mobilidade social de Hilário, proporcionado pelo processo de semiprofissionalização do futebol, ofereceu-lhe experiências diversificadas. O seu discurso enuncia a riqueza desta dinâmica. Ídolo dos adeptos que enchiam os estádios metropolitanos, que ouviam o relato das suas jogadas pela rádio e liam os seus feitos pelos jornais, Hilário havia sido, nos bairros de Moçambique, e de acordo com as suas palavras, um “mulato de segunda”. A divisão entre o centro de Lourenço Marques e o seu subúrbio projectava sobre o espaço o processo de radicalização da estratificação social e o teor da discriminação racial que definia o regime colonial português. Este assentava num sistema de indigenato, abolido no papel em 1961, que distinguia “indígenas” de “civilizados”, os seus direitos e deveres. Em algumas ocasiões, as palavras de Hilário colocam-no a olhar o mundo a partir do subúrbio, como um todo oposto à “cidade dos brancos”. Mas o seu discurso desvenda também uma cidade mais complexa que, por detrás daquela divisão matricial, apresentava outras fracturas. Põe assim a descoberto um universo menos conhecido e estudado, que desenvolveu uma organização social própria, colocando em interacção indivíduos com origens distintas e posições e estatutos diferentes. Quando se recorda deste espaço particular, Hilário fala a partir da sua condição de “mulato de segunda”, longe dos privilégios dos “mulatos de primeira”, que habitavam a “cidade de cimento”, mas também relativamente afastado dos emigrantes moçambicanos negros que iam para as minas da África do Sul, ou dos indivíduos acabados de chegar do campo, aqueles que depois da independência vieram a ocupar, e a destruir, nas suas palavras, as casas da cidade dos colonos. Esta condição de mulato “entre mundos” garantiu-lhe a possibilidade de aceder com maior facilidade ao “cimento”. Apesar da sua tez clara, exigiam-lhe aí um traje adequado e um comportamento respeitável, não confundível com a representação colonial do “indígena não civilizado” ou com o “novo-riquismo” folclórico do mineiro emigrado; que soubesse, enfim, o seu lugar. Esta transitoriedade de experiências, acentuada com a saída de Lourenço Marques, torna a análise retrospectiva mais rica mas, por vezes, também hesitante e mesmo contraditória. Isto verifica-se na avaliação do colonialismo português e de Portugal de modo mais geral. O país que o celebrou como jogador, numa esfera laboral muito particular pelo modo como promove estatutos públicos, foi também a potência que administrou um colonialismo segregador e racista. Ao atribuir este racismo à influência sul-africana Hilário parece procurar, como noutras ocasiões, criar uma retórica que apazigúe o passado e o torne hoje mais lógico.

4 Os bairros do subúrbio e o futebol

P – O Hilário nasceu na Mafalala, na antiga Lourenço Marques, em 1939, filho de uma mãe africana e de um pai português... H – Sim, a minha mãe é uma chope. É tribal. É uma daquelas que tem tatuagem na cara e na barriga. E de modo que ela era muito bonita e tinha sorte com os namorados. E então foi assim que nasceu o Hilário.

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P – Nunca conheceu o seu pai... H – Nunca conheci o meu pai. Mas os meus irmãos todos conhecem os seus pais. Os pais dos meus irmãos criaram-me a mim. Simplesmente a minha mãe vinha da Manhiça para a cidade... Era uma miúda muito bonita e muito querida e não tinha ainda conhecimentos sobre como é que... epá... sobre como é que podia evitar ter filhos de uma pessoa que não era pai.

P – O seu pai depois nunca reconheceu... H – Não, nunca... até hoje não sei.

P – Isso acontecia… este tipo de relações em que o pai, quase sempre português, desaparecia. H – Desaparecia. Desaparecia porquê? Porque muitas das vezes os portugueses saíam daqui de Portugal para Moçambique e largavam as suas mulheres ou as mulheres estavam aqui, tinham filhos, eram casados e então divertiam-se com as africanas. Mas depois quando havia casos com responsabilidade, como no caso de terem engravidado aquela fulana com quem eles andavam a passear, fugiam.

P – Portanto o Hilário cresceu no mundo do subúrbio, no mundo da Mafalala... H – No subúrbio, porque a minha mãe sempre morou no subúrbio, no bairro da Mafalala.

P – E como é que era a vida na Mafalala? Como é que se vivia? Havia uma pobreza grande? H – Não, a pobreza era normal. Tínhamos as nossas casas de madeira e zinco, nos alimentávamos com farinha e arroz e peixe e camarão. Era o que havia naturalmente. Quer dizer não havia assim uma miséria, como direi, de passarmos fome. Não, vivíamos bem dentro das possibilidades que nós tínhamos. (…) A malta, vamos lá, no subúrbio as pessoas eram felizes, já habituados desde pequeno a comer o nosso caril de amendoim, as nossas verduras, o nosso ananás, a matapa, a mandioca. Não era como hoje. A cidade hoje foi arruinada. E porquê? Depois da independência as pessoas que estavam nas casas fugiram para cá, e as pessoas que estavam no mato fugiram e ocuparam essas casas e destruíram-nas completamente. Até na banheira tinham plantações. As casas que tinham parquet no chão, como a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana) não deixava ir buscar lenha, as pessoas usavam aquilo para acender fogueiras. Depois apareciam pessoas com mais posses. Chegavam ao pé de uma pessoa que estava ali, numa vivenda, e tinha a piscina cheia de capim, e pagava um x para aquela pessoa que estava habituada ao subúrbio e que depois voltava para esses sítios onde se jogava futebol e fazia uma palhotazinha, e o outro recuperava a vivenda. Hoje, apesar de tudo, a coisa está diferente. Eu estive lá a treinar no tempo quente da RENAMO e da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e havia carências de tudo.

P – E nesse subúrbio viviam pessoas de origens muito diferentes? H – O bairro da Mafalala era habitado normalmente por muçulmanos que vinham de Nampula. Aquele bairro tornou-se conhecido como Mafalala porque os “macuas”, como chamávamos aos muçulmanos de Nampula, gostam muito de fazer aquela brincadeira de saltar à corda. E eles então, conforme estão a saltar à corda, cantam. Então esta música que eles cantavam era “Falala”. Cantavam enquanto se divertiam a saltar à corda. Então o bairro ficou Mafalala, derivado aos muçulmanos que vinham de Nampula.

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P – E o que é que as pessoas da Mafalala faziam? Quais as suas ocupações? H – Eram bons trabalhadores porque o moçambicano foi sempre trabalhador, não foi homem de renegar o trabalho. Sei lá, havia pedreiros, havia carpinteiros, pescadores, havia mecânicos, havia um pouco de tudo...

P – E as suas memórias dos jogos de futebol? H – Todos nós, nos bairros ou nas escolas tínhamos a mania de fazermos jogos entre bairros, entre o bairro da Mafalala, o bairro de Xipamanine e o bairro da Malhangalene. E como também tínhamos disputas de organizações entre bairros através do atletismo... Era o futebol e o atletismo. Eu digo atletismo porque nós tínhamos na Mafalala o poeta José Craveirinha3. Ele vivia lá na Mafalala também, e nunca quis ir para a Polana4. E ele então é que incutiu que nós praticássemos basquete, que nós praticássemos atletismo, que nós praticássemos futebol. Era através do Craveirinha que nos incentivava para nos tirar... para não sermos bandidos, para não sermos gatunos. Então nós nos preocupávamos além da escola com a prática do desporto. Para nos tirarem esses vícios maldosos que havia por aí. Tudo o que eu sou hoje, tudo o que o Eusébio é hoje, devemos ao falecido José Craveirinha. Porque ele é que incutiu no nosso espírito esta maneira de fazer desporto. E nós tínhamos orgulho de fazer isso... porque era uma ocupação que nós tínhamos.

P – Como é que eram os jogos de bairro no subúrbio de Lourenço Marques? H – Como é que nascem os Hilários, os Colunas, os Matateus, etc. No tempo colonial havia duas federações, a Associação de Futebol Africana (AFA) [criada em 1924] e a Associação de Futebol de Lourenço Marques (AFLM) [criada em 1923]. Esta tinha o Ferroviário, o Desportivo, o 1.º de Maio ao Alto Maé e por aí fora. Na AFA, jogava-se no campo de Xipamanine, o campo do Mahafil Isslamo, e no campo do Beira-Mar, que já não existe. Eram duas associações diferentes e, não querendo falar mal, aquilo dava a sensação que havia racismo em Moçambique. Havia a associação dos pretos e a associação dos brancos. Eu podia estar inscrito nas duas associações. Jogava domingo aqui e sábado lá. Eu fui a primeira pessoa de cor a jogar no Sporting de Lourenço Marques, em cinquenta e poucos. No Desportivo apareciam não-brancos, mas no Sporting... Mas o nosso começo foi nos bairros. Havia espaço para tudo e mais alguma coisa, quem quisesse fazer desporto fazia. Nós éramos de bairros pobres com várias carências. O que estava mais aconchegado podia arranjar uma bola da Focobol (fábrica de borracha) que era uma bola de borracha. Quem não tinha essa possibilidade pegava na meia, enchia de pano e fazia uma bola de meia e começava a jogar no bairro. Nós, no bairro, na escola ou fora da escola, estávamos sempre a praticar desporto. Mesmo nas escolas jogávamos jogos contra outras escolas. Havia aqueles espaços, terrenos baldios, onde fazíamos os primeiros jogos. Depois, quando atingíamos uma certa idade era diferente. Na Mafalala chegavam notícias da Europa e nós, no bairro, fundámos uma equipa que era o Arsenal, tínhamos umas camisolas vermelhas...

P – Como é que sabiam que existia o Arsenal5? H – Havia notícias. No intervalo dos filmes, por exemplo, havia noticiários e a malta via, a informação circulava. Nós tínhamos um campo, na Munhuana, por detrás da escola onde eu andei a estudar. Quem dirigia a escola eram umas freiras e uns padres. E nas traseiras da escola havia um campo de futebol. E nós jogávamos lá, 11 contra 11,

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jogos entre bairros. Até havia um padre holandês que gostava muito de futebol e que assistia aos jogos. Levava um banco e via os jogos todos. Infelizmente, para o bem ou para o mal, nesse sítio onde estava o campo fizeram uma igreja. O que me entristece um pouco, estar ocupado por uma igreja. Os miúdos deixaram de ter um espaço para praticar futebol. O mais grave que aconteceu foi que quando começou a guerra as pessoas que estavam no campo fugiram para a cidade, sem nada, sem casa, e então aproveitaram-se de todos os terrenos, para fazer uma barraca, sem higiene nenhuma. Uma das coisas que me chocou bastante... quem vai para o aeroporto, onde tinha uma lixeira, hoje está um bairro em cima da lixeira. Isto é que fez com que os miúdos não tivessem hoje espaço para jogar à bola.

P – As pessoas que jogavam na AFA não seriam das mais pobres do subúrbio, naquele contexto, já teriam, pelo menos, dinheiro para comprar umas botas de futebol. H – Isso é verdade, o facto de viverem no subúrbio não queria dizer que fossem pobres. Havia moderados, pessoas com estudos, pessoas bem empregadas...

P – A maior parte dos jogadores da AFA vivia pelos bairros ou o Hilário tinha colegas emigrantes na África do Sul? H – Eu tinha muita gente conhecida na África do Sul que nós chamávamos os aventureiros, que entravam ilegalmente na África do Sul. Quando ele dizia vou aventurar-me, já se sabia que ia dar o salto.

P – Mas iam para as minas? H – Não, os que iam para as minas iam contratados. Estou a falar, por exemplo, de um gajo que era um bom mecânico, um bom electricista, chegava uma hora e dizia: vou aventurar-me. Se corria bem, no fim do ano aparecia, ou num carro alugado, ou num carro dele, passeava, gastava o seu dinheiro. Nas minas, normalmente, só trabalhava quem ia através de um contrato.

P – Não havia muitos jogadores que jogavam na AFA que estivessem nessas condições? H – Não.

P – O que faziam então, eram filhos de comerciantes, de trabalhadores... H – Os jogadores eram os gajos que moravam nos bairros, nas palhotas digamos assim, casas de madeira e zinco.

P – Que trabalham em fábricas... H – Fábricas, bombas de gasolina, ou no cais, no caminho-de-ferro.

P – As pessoas acabadas de chegar do campo a Lourenço Marques jogavam futebol ou não se interessavam... H – Era pouca gente dessa. O que havia no subúrbio era jogos com as equipas sul- africanas. Na “baixa” havia uma equipa que aparecia muito, os Springbooks. Os clubes tinham dificuldade em levar as equipas à África do Sul, por caso do racismo, porque lá só brancos entre brancos. O Desportivo aceitou uma vez um torneio na África do Sul e uns amigos meus mulatos, que eram do meu bairro, não puderam ir e deixaram de jogar. Eram da família Caliano.

P – Esse racismo também atingia os mulatos? H – Mas mesmo entre nós, mistos ou mulatos, como queiram dizer, havia uma separação, havia mulato de primeira e mulato de segunda. O mulato de primeira era o que vivia na cidade, na “baixa”, digamos assim. O mulato de segunda era o Hilário, vivia no subúrbio, como havia muitos mulatos. (...) Essa diferença, essa superioridade,

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houve sempre. Porque havia pessoas de raça negra que tinham uma certa cultura, tinham habitações. Havia mulatos, como havia brancos, que só tinham a quarta classe, e não tinham mais nada. Isto aqui foi sempre influenciado pela África do Sul. Porque praticamente nós em Moçambique não tínhamos nada disto. Derivado à influência da África do Sul é que começou a haver essa separação. Se bem me lembro, um branco, um mulato não usava calças de ganga. Um branco, um mulato não usava ténis porque isto era aquilo que os pretos que iam trabalhar na África do Sul, das minas, traziam da África do Sul para cá. A pessoa branca ou mista era humilhada por usar umas calças de ganga e uns ténis. Hoje por todo o mundo todas as pessoas usam ténis, todas as pessoas usam ganga.

P – E havia essas diferenças nos bairros? H – Mas aquilo era o nosso bairro, nós não queríamos sair dali para a “baixa”. Eu estava na Mafalala, se me quisessem dar uma casa na Polana não ia; ali nasci, a malta estava ali. (…) Nós saíamos dali, íamos a bailes noutros bairros, mas estávamos tão habituados, de ter nascido ali: um gajo vai morrer ali, sair dali para quê? Aquilo era uma fronteira. Até se houvesse um indivíduo, mesmo da mesma cor, que quisesse ir ali namorar uma miúda, não entrava. Se eu quisesse ir namorar uma miúda ao Chamanculo tinha que ser bem aceite lá, senão levava um enxerto de porrada e corriam comigo e era insultado. As rivalidades que havia no futebol havia no ambiente normal. (…) Naquele tempo aquilo era assim. O futebol era transmitido de pais para filhos, primos, compadres. Imagina que eu sou o Hilário do Beira-Mar, o meu filho é do Beira-Mar, o meu cunhado é do Beira-Mar... O caso do Munhuanense Azar, o clube era o do bairro da Munhuana, eram os Calianos. Depois havia o Mahafil, que era dos gajos do Islão, dos maometanos, e aquilo era daquela família toda e a tradição passava-se de geração para geração. Eu e o Eusébio somos da Mafalala. (…) Os bairros eram uma fronteira, eu para entrar no Chamanculo tinha que ter gajos conhecidos, não quer dizer que não pudesse entrar. As pessoas trabalhavam, arranjava-se emprego, vinha comida do interior, a nossa comida era à base do arroz e da farinha, cada gajo tinha um cajueiro em casa, ou uma mangueira.

P – O que fazia a fronteira? H – Era ter nascido ali, ter as suas barracas, ter um sítio onde ouvir música, falar de futebol, formar uma equipa para jogar noutro bairro, a malta conhecia-se nas escolas também. Nas escolas de bairro não havia brancos, o mulato podia ir para a escola de brancos, mas o preto não.

P – Ainda havia aqueles clubes que tinham uma base regional? H – O Inhambanense era de Inhambane. A tradição era o gajo que vinha de Inhambane jogava no Inhambanense. O Gazense de Gaza. O Zambeziano com malta da Zambézia. Isto não quer dizer que se um gajo não fosse zambeziano não podia jogar. O Nova Aliança não sei de onde vinha. O Centro Africano de Lourenço Marques era de pretos. Era ali perto de Xipamanine, perto do campo do Mahafil, e havia aqui ao pé do Alto Maé a Associação Africana que era de mulatos 6. Nessa Associação Africana era onde o Craveirinha tinha O Brado Africano7. Fazíamos uns bailaricos, arranjávamos uma banda, e eram quase todos mulatos. Nas festas do Centro Africano eram os pretos, não quer dizer que não aparecesse lá um mulato ou dois. Essas festas eram organizadas para arranjar fundos, e para, como hei-de dizer, para juntar a malta.

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P – Se o Beira-Mar fizesse uma festa, o Hilário podia ir? H – Podia. Mas era capaz de aparecer só um Hilário. Nós organizávamos festas na Associação Africana e era capaz de aparecer um ou outro branco. Mas só aparecia porque era meu amigo.

P – Essas festas tinham conjuntos musicais... havia batuques. H – Os batuques não. Eram conjuntos mesmo, com saxofone, guitarra. No subúrbio já não havia conjuntos, era com discos.

P – Havia campeonatos paralelos, entre bairros. H – Não eram bem campeonatos. Nós convidávamos um clube de outro bairro. Esses jogos eram à base de dinheiro. Era uma tradição antiga, jogar a dinheiro. Arranjávamos um árbitro. E respeitávamos o árbitro, havia porrada mas respeitávamos, foi golo não foi golo. A baliza não tinha barra, era um fio, se a bola bateu no fio e entra era golo, a malta respeitava.

P – E jogava-se bem na Associação de Futebol Africana? H – Digo sinceramente, era onde existiam os melhores jogadores em Moçambi-que. Simplesmente a malta nunca deu valor e depois, claro, nunca iam fazer a selecção de Moçambique com duas associações. Não podia, mas de qualquer maneira, a Associação Africana, na minha opinião, tinha melhores jogadores e praticava melhor futebol do que na Associação de Futebol de Moçambique.

P – Há quem diga que os jogos na AFA eram jogos mais duros do que os jogados no campeonato da “baixa”. H – Precisamente pela rivalidade dos bairros. (...) No subúrbio, chega o director e diz, se tu ganhares levas uma caixa de cerveja, se tu ganhares levas um garrafão de vinho. Só para vencer o outro bairro. Não direi que eram superiores aos outros porque enquanto o Desportivo e o Sporting treinavam três a quatro vezes por semana, aquelas equipas do subúrbio não tinham condições, encontravam-se e jogavam. Quando eu estava no Munhuanense Azar, havia jogadores que às vezes saíam às quatro ou às cinco da manhã dos bailaricos e jogavam no dia seguinte, não havia condições, havia falta de formação, mas não se podia pedir mais. Era o amadorismo. Ainda me lembro que o Matateu e o Vicente, quando iam para o campo jogar, já iam equipados. Chegavam lá, não havia prelecção. Só que eram bons jogadores. Havia um melhor, que era uma fera. Esse ficou por lá, não queria. Lá não era como aqui que a malta treina todos os dias. Lá não, não treinavam, a malta encontrava-se... às vezes fazia-se um apelo, epá deita-te mais cedo, amanhã precisamos de ti, não andes aí na farra mas...

P – Não havia treinos... H – Na AFA só jogávamos, não treinávamos, não tínhamos horários para cumprir, encontrávamo-nos, cada um tinha o seu equipamento, que lavava. Todos tinham um emprego, podia haver um que não tivesse, mas quase todos trabalhavam na “baixa”, poucos trabalhavam no subúrbio, tinham que ir para a “baixa”. O futebol era renhido porque havia muitas rivalidades, dos bairros, das terras e das regiões. Na “baixa”, já se treinava. Nós só íamos jogar na “baixa” se nos arranjassem emprego, porque se não ficávamos em Xipamanine.

P – Mas havia treinadores? Havia alguém que dizia “Tu jogas ali, tu jogas acolá”? H – Era um director, depois era o capitão de equipa que dizia: “Hilário vai jogar aqui, ali joga fulano...”

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P – Mas quer dizer, havia uma ideia de futebol, no sentido em que havia um defesa, meio- campistas... H – Sim, isso havia! Defesa... Simplesmente, quem depois dirigia... era a pessoa mais credenciada. Não havia um treinador no banco a dizer “Sai este, entra aquele, joga em cima”. Não, não, não. Eram 11 e depois nós é que sabíamos que o Hilário era extremo direito, o Hilário era não-sei-quê...

P – Não havia uma dimensão táctica, quer dizer havia uma coisa mínima, uma distribuição dos jogadores mas não muito mais do que isso.. H – Não havia mais nada... eram só 11 em campo. Vamos embora. Nós já sabíamos os lugares que a malta gostava de jogar e... porque nós tínhamos uma academia em África que era o espaço que tínhamos para praticar desporto, não é? Hoje essa academia acabou...

P – Desapareceu? H – Desapareceu... Desapareceu porquê? A cidade cresceu... Isto agora tem de ser tudo científico. Tem que ter academias, tem de ter ginásios. Tem de ter campos relvados sintéticos...

P – Isso altera o modo como se joga futebol? H – Altera, porque no nosso tempo o que era a nossa força, naquela altura, era a força natural, hoje a força é fabricada no ginásio. Eu joguei 15 anos no Sporting e nunca entrei no ginásio. Nunca entrei... O Eusébio jogou no Benfica, não sei quantos anos, nunca entrou no ginásio. Eu hoje estive na formação do Sporting, na Academia. Um miúdo com 14 ou 15 anos já faz ginásio duas vezes por semana. É o corpo trabalhado. Nós não.

5 O Vovô

6 Actividade relevante na vida quotidiana do subúrbio de Lourenço Marques, o futebol local absorveu um conjunto de saberes tradicionais, a que o poeta José Craveirinha, em vários artigos em O Brado Africano, chamou de “práticas feiticistas”8. Curandeiros e feiticeiros conciliaram as suas artes com as idiossincrasias do fenómeno desportivo. Chegado ao subúrbio, o futebol engendrara confrontos organizados onde se jogavam reputações individuais e colectivas, carentes de protecção e de defesa, como tantas outras actividades na vida instável e precária do subúrbio de Lourenço Marques. A reinterpretação destas práticas, a inovação ritual decorrente da sua aplicação ao futebol, apresentava-se como um caso específico de adaptação de saberes e mundivisões tradicionais ao mundo urbano e às suas solicitações particulares. No subúrbio de Lourenço Marques chamava-se vovô, por vezes de forma indistinta, tanto a quem aplicava as “preparações” como às próprias preparações. No futebol do subúrbio, estas crenças possuíam um evidente efeito prático sobre a performance dos atletas. No entanto, estas práticas não se confinaram ao espaço da periferia da cidade. Elas chegaram ao mundo do colono, o que sugere uma curiosa inversão do processo de assimilação preconizado pelo regime colonial português. Primeiro ao futebol da “baixa”; depois, como explica Hilário, atravessaram o hemisfério e instalaram-se nos campeonatos da metrópole, onde permaneceram. Quem poderia imaginar que a célebre vitória do Benfica sobre o Sporting por 6-3, no antigo Estádio de Alvalade em 14 de Maio de 1994, pode ter sido influenciada por um vovô guineense? H – Eu lembro-me perfeitamente... no Munhuanense Azar. Como era o mais novo e não bebia, não tinha relações sexuais... Isto faz parte do vovô. Ia a pessoa mais pura para

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poder levar o remédio que o vovô dava. Era o Hilário que ia ser recebido pelo vovô: “Epá Hilário tens de levar isto não-sei-quê. Porque és o tipo mais puro”. Porque o vovô exige que não se possa ter relações sexuais. O vovô exige que não se beba bebidas alcoólicas. O vovô exige que não sei quantos. E então eu é que era o portador de tudo o que o vovô queria que se fizesse.

P – Cada clube tinha o seu? H – Cada clube tinha o seu...

P – E os jogadores acreditavam no poder do vovô? H – Sim, os jogadores acreditavam, por exemplo, vou-lhe contar uma. Quando eu fui treinar a equipa militar [o Matchedje] já depois da independência, eu tive um vovô que tinha andado com a FRELIMO na guerra. Acabou a guerra e ele, como era militar, ficou o vovô da equipa militar. Ele uma vez teve uma conversa comigo. Disse-me: “Epá, senhor Hilário, eu penso que as minhas raízes estão a perder forças. Já perdemos agora, empatamos, depois perdemos...”, não me lembro do nome dele. “Epá, tu não tens culpa nenhuma, o que é que interessa tu dares essas coisas todas, se eles andam na bebedeira”. Todos os bons jogadores vinham para a tropa para jogar na equipa militar mas se eles não treinam como deve ser, por mais que dê o remédio que tu quiseres, ou o veneno que tu quiseres, eles não rendem. “Haaaa... está bem, obrigado”, disse ele. Ele próprio, o vovô, estava desnorteado. O que é que ele fazia na guerra? Queriam atacar os portugueses e ele ia lá bater as pedras dele e dizia: “Hoje não atacam, senão vamos ser derrotados”. Agora, esperavam por 2 dias ou 3 dias... “Epá, hoje é o dia D. Vamos atacar”. Psicologicamente, eu não acredito nisso. Mas como estava a trabalhar em África, psicologicamente eu aceitava que fosse feito, porque eles acreditam naquilo. Até aqui em Portugal já acreditam. (…) Já conheci curandeiros aqui dos clubes, já conheci gajos bruxos...

P – Mesmo nos clubes principais? H – Nos clubes principais... já conheci muitos (…) aqui em Portugal também. Porque há brancos que acreditam nisso.

P – Mas o Hilário acredita. H – Se me perguntarem, ó Hilário tu acreditas no vovô, eu digo que não. Se o vovô fosse importante, e é importante, as equipas africanas eram campeãs do mundo. Agora o vovô tem importância na parte psicológica dos jogadores, porque se eles não forem ao vovô não conseguem jogar.

P – A origem do termo vovô tem a ver com a pessoa, é um velhote com conhecimentos... H – É um velhote em termos de sabedoria. (…) Sou contra os vovôs mas tive que admitir os vovôs, porque sei que a minha equipa não ia render se não tivesse o vovô. Isto é uma outra história engraçada. O meu irmão, quando eu estava lá, disse-me: “Há aí um vovô, o gajo adivinha os resultados todos. Vamos lá”. Lá estava o velhote. Ele perguntou: “Qual é a equipa?” Lá enviou as pedras e disse: “Vais ganhar fácil”, e eu perguntei “Quanto?”, e ele disse: “Quando era mais novo eu conseguia dizer o resultado, agora tenho a memória cansada”. Estava nessa altura a treinar o Ferroviário . Na semana seguinte fui lá, o meu irmão é que insistia, e o gajo disse: “Vais ganhar à rasquinha”. E foi assim. Fiz um campeonato a ir todos os dias a este gajo. Era só eu e o meu irmão. O gajo bebia muito bagaço, aguardente. Disse ao gajo, “Se eu for campeão ofereço-te um garrafão de cinco litros de aguardente”. E ele disse: “Xi patrão, cinco litros”. Era ali assim ao pé do cemitério, ele tinha ali uma barraca. Ganhei o

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campeonato, e havia ali uma loja ao lado, fui buscar um garrafão de cinco litros e ofereci ao gajo. Eu também cheguei a uma altura em que o gajo me convencia psicologicamente como é que eu ia orientar a equipa. Imagine esta influência no jogador. É fortíssima. Com estas tradições todas é fortíssima. O teu vovô diz assim: “Não entras por aquela porta porque aquela porta está minada”, isto é já há pozinhos e mezinhas. “Se passas por ali ficas com as pernas presas e vais perder o jogo.” “Por onde é que vamos entrar?” “Saltem o muro.” Está a ver, 18 gajos a saltar o muro. Estás a ver o Hilário com quarenta e tal anos, cinquenta, a saltar muros. Porque se passas por ali depois... Quando fazem o aquecimento tens que jogar sal para desviar não sei quê... São tradições lixadas e a gente tem que aceitar. Porque se não aceitar, o melhor é não treinares em África. Eu aqui em Portugal nunca tive um vovô, embora, atenção, eu tenho uma história gira. Esteve cá um guineense, havia um Sporting- Benfica e o guineense foi ter com o Cintra9, e disse ao Cintra: “O meu vovô faz feitiço para o Sporting ganhar ao Benfica”. E diz o Cintra: “Mas ele tem poderes para isso?” “Tem.” “Mas como é que é?” “Mil contos por golo.” E diz o Sousa Cintra: “Eu quero seis”. Deu-lhe telefone, ligaram, e disseram é um Sporting-Benfica, era o [Carlos] Queiroz o treinador. O resultado final foi 6-3 a favor do Benfica e diz-me assim o Sousa Cintra: “Queres ver que o filho da puta se enganou no nome do clube”.

P – Essas pessoas que faziam preparações no subúrbio faziam outras coisas... H – Faziam a vida deles, normal, eram povo, só que depois... Em Moçambique havia vovôs que tinham prémio de jogo quando ganhavam.

P – Se começavam a perder eram postos de lado? H – O vovô nunca falha. Por exemplo, se o gajo diz: “Não se pode ter relações sexuais”. Ou “Não se pode beber bebidas alcoólicas”, ou uma porcaria qualquer. O gajo fez o feitiço e a malta perde e ele dizia: “Houve um que falhou”. Ele dizia assim: “Não se pode entrar naquela porta”, e eu passava. “Eu não disse que não se podia passar? O treinador passou, lixou tudo.” O gajo tem sempre razão.

7 Futebol, emprego e racismo Poucos jogadores não-brancos jogaram no campeonato da AFLM antes de meados da década de cinquenta. A posição de classe permitiu a alguns membros de famílias crioulas, os tais “mulatos de primeira” a quem se referia Hilário, ter acesso a alguns clubes da “baixa”. Mas ver um habitante do subúrbio nas competições dos colonos era quase impossível. Esta situação começou a mudar, muito lentamente, já na década de cinquenta. A procura de talentos proporcionada pelo processo de semiprofissionalização do futebol foi um motivo fundamental para romper com um persistente bloqueio racial que, a partir de certa altura, começou também a ser politicamente incómodo, dado que o governo português procurava passar internacionalmente uma imagem de mudança. Os que foram entrando no futebol da “baixa” eram quase todos mestiços, sempre preferidos aos negros. Todos deviam ser assimilados. O sucesso de jogadores negros, como Sebastião Lucas da Fonseca, conhecido por Matateu, no menos elitista 1.º de Maio, e a sua ida para a metrópole, para o Belenenses de Lisboa, ajudou a colocar em marcha um processo de procura de talentos. Como se sabe, outros grandes jogadores moçambicanos se seguiriam. A mudança luso- tropical da ideologia colonial facilitou este processo. Acabou, no entanto, por criar uma representação propagandística acerca da mobilidade destes jogadores mestiços e negros que está muito longe de corresponder à história de um futebol, como o

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moçambicano, que durante muito tempo, pelo menos até à dissolução da AFA em 1959, foi formalmente segregado. Neste contexto em mudança, o caso de Hilário revela a lógica dos mecanismos em marcha do semiprofissionalismo futebolístico instalado na capital de Moçambique. As redes empresariais a que estavam ligados os dirigentes dos principais clubes da “baixa” permitiam que a oferta de empregos aos jogadores mais talentosos se estabelecesse como a plataforma de aceleração de uma relação desportiva de tipo profissional. O seu relato pessoal permite também reconstituir as tensões que envolveram este processo, os motivos que guiaram a vontade dos jogadores em realizar uma transição, movidos fundamentalmente por estratégias de sobrevivência económica, mas também o modo como essa decisão foi contestada no subúrbio, a partir de um orgulho próprio e de uma atitude de oposição. H – Nos tempos em que havia espaço, como é que o Ferroviário, o Desportivo, o Sporting, o Alto Maé iam buscar jogadores? Iam ao campo de Xipamanine e viam, e diziam, olha o Hilário é jeitoso. Não havia profissionais, ninguém ganhava dinheiro com a bola naquela altura. O que se dava era um emprego. Eu fui para o Sporting porque me puseram a trabalhar na Companhia das Águas. O director era o Dr. Nunes Pantaleão, que era sportinguista. Todos os que quisessem trabalhar na Companhia das Águas e ser jogador do Sporting, tinham tacho.

P – Mas qualquer jogador que jogasse no subúrbio podia jogar na “baixa” ou tinha que ter o estatuto de assimilado? H – Houve uma altura... assimilado, ou preto, ou mulato podia jogar no Desportivo porque o Desportivo aceitava. Agora se o Sporting quisesse contratar um assimilado a malta já não aceitava.

P – Mas não havia nada escrito que impedisse? H – Não havia nada escrito. Eu vou-lhe contar o meu caso. Eu jogava no Atlético de Lourenço Marques, nos miúdos. (…) Um senhor de nome Camilo Antunes, um olheiro do Sporting, o Antunes da “Pedro e Sousa”, veio falar comigo para saber se eu queria ir para o Sporting. Eu disse-lhe: vou, mas o Sporting tem que me dar um emprego. O Camilo Antunes aceitou, o Atlético levou, naquela altura, 20 contos de equipamento. Eu fui para a Companhia das Águas trabalhar como canalizador, mas, na Mafalala, os meus amigos todos não perdoaram, porque o Sporting era o clube que não aceitava nenhuma gente de cor. O Sporting era o clube dos polícias, e eu disse: “Epá, mas eu preciso de viver”. Os meus amigos olharam para mim de forma diferente.

P – Mas o Hilário foi o primeiro... H – Eu fui o primeiro... Fui a primeira pessoa não-branca a jogar no Sporting. Quando fiz o contrato e cheguei no bairro. Claro, a gente encontra-se logo, a primeira novidade foi: “Epá, assinei contrato com o Sporting!” “Epá, assinaste o contrato com esses racistas?” E não-sei-quê... Quase que me deixaram de falar. “Epá, eu preciso de comer, preciso de sustentar a minha mãe, e os meus irmãos, porque não tenho dinheiro, eu não sou rico. Eu assinei um contrato porque arranjaram-me um emprego.” E continuei a trabalhar na Companhia das Águas até vir para Portugal.

P – Quando o Hilário começou a jogar no Sporting de Lourenço Marques foi bem aceite pelos seus colegas? H – Fui. O único problema foi no bairro. Aí ficaram chateados. Deixaram de me falar. Jogar numa equipa que não aceitava pretos.

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P – Esse racismo... H – Não havia um racismo declarado, mas por influência da África do Sul. Eu sou preto. Quando fui para o Sporting os meus amigos deixaram de me falar e diziam: “Então vais jogar pelos chacais?”. Chacais lá [na África do Sul] são os brancos.

P – Mas para entrar era preciso documentos? H – Eu era misto, o Coluna era misto, já o Matateu era preto. Para entrar tinha que ser assimilado, tinha que ter uma certa posição. Eu tinha o bilhete de identidade, o preto assimilado andava com uma caderneta que provava a assimilação. Mas o racismo era entre nós todos. Se um branco quisesse entrar na Mafalala para namorar uma miúda, se nós não gostássemos levava porrada.

P – Havia muito poucos brancos no subúrbio? H – Sim, eram muito poucos mesmo.

P – Comerciantes... H – Os comerciantes eram os donos daquilo. Eram os donos daquilo... do comércio.

P – Das cantinas... H – Das cantinas, tinham contactos diariamente com imensas pessoas africanas. Quer dizer eram brancos-pretos. Porque com o negócio no subúrbio tinham... de tolerar muita coisa...

P – Mas foi uma adaptação fácil ao Sporting na altura? H – Foi, foi porque a malta quer é jogar à bola. O que nós queríamos era jogar à bola.

P – Mas o facto de ter sido o primeiro não-branco houve alguma reacção quando... H – Não houve reacção nenhuma. E até digo, sinceramente, pessoalmente fui sempre bem tratado. Fui sempre bem tratado.

P – Era muito comum as pessoas do subúrbio irem ao centro da cidade? H – Nunca houve problemas. Nunca houve problemas dessa natureza.

P – Não? H – Simplesmente, é que nós estávamos habituados a viver no subúrbio e era no subúrbio que nós estávamos e não éramos felizes se vivêssemos na cidade. Depois havia pessoas mulatas como a família Wilson, que eram mulatos mas que viviam na cidade.

P – Mulatos de primeira? H – Mulatos de primeira.

8 A narrativa metropolitana O sucesso dos jogadores moçambicanos do subúrbio de Lourenço Marques na metrópole foi decisivo para disseminar pela capital de Moçambique os acontecimentos regulares que faziam parte do que podemos chamar de “narrativa futebolística metropolitana”. O interesse de muitos habitantes do subúrbio pelo que sucedia na vida desportiva do campeonato nacional, por clubes como o Benfica, o Sporting e o Belenenses, foi promovido pelos êxitos destes ilustres habitantes do subúrbio. Os jornais e sobretudo a rádio trataram de ampliar ainda mais esta narrativa, na qual alguns dos marginalizados do sistema colonial se viam representados. A chegada constante de colonos diversificou os meios de difusão da notoriedade clubista. O conhecimento sobre o futebol metropolitano serviu então como substância de múltiplos encontros e interacções. Nas

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cantinas, nas escolas e noutros espaços de lazer dos subúrbios mas também em contextos laborais na “baixa” da cidade. Aqui, actuando como um repertório da interacção, o futebol garantiu a tantas relações entre colonos e colonizados um mínimo denominador comum. A narrativa metropolitana possuía localmente um indelével carácter de modernidade. Para muitos adeptos do subúrbio o conhecimento acumulado sobre os clubes e as competições da metrópole constituía-se como um precioso capital social e um veículo de aspirações de mudança e de mobilidade. P – Quando é que os clubes da metrópole começaram a ser famosos no subúrbio africano, quando é que se começou a falar... H – Houve sempre informação. Mas com a ida do , do Mário Wilson, do Matateu, do Coluna, as pessoas começaram a interessar-se mais com isso. Depois do Sporting foram a Moçambique o Benfica, o Marítimo, o Ajax, a Académica. A malta começou a inteirar-se sobre tudo. Na altura era a Emissora Nacional, depois a malta discutia, a malta acompanhava os jogos, havia os do Benfica, os do Sporting, a malta discutia.

P – Era possível uma pessoa do subúrbio ter um clube do subúrbio, um clube da “baixa”, um clube da metrópole. H – Sim, e a malta falava sobre tudo. (…) A malta acompanhou sempre e cada vez mais. Por exemplo, [na altura] eu não conhecia muitos portistas, mas hoje há muitos portistas em Moçambique.

P – E onde é que essas discussões aconteciam, nos cafés, em todo o lado? H – Em todo o lado, uma pessoa tinha um rádio de pilhas, e juntava-se um grupo de malta para ouvir, para beber copos.

P – Na sua infância, com os amigos, já discutiam... H – Já discutíamos.

P – E depois na escola e no trabalho. H – Sim, mas onde isso começa mesmo a ganhar força é quando os jogadores começaram a vir.

P – Quando foi trabalhar para a Companhia das Águas os seus colegas eram todos europeus? H – A maior parte.

P – E também falavam sobre futebol. H – Falávamos porque havia adeptos do Benfica, do Sporting. Lembro-me no emprego de falar com um senhor sobre a minha ida para o Sporting de Portugal e ele disse-me: “quando chegares lá vais ser um senhor, um jogador de futebol em Portugal é uma pessoa muito importante”. Eu não fazia ideia, não conhecia.

9 Futebol e política

10 A relação entre o futebol e a política no terreno colonial é um espaço de interrogações próprias. Do interesse em perceber a existência de uma actividade política organizada no quadro da rede de clubes africanos, não apenas em Moçambique, até à instrumentalização do futebol por parte do Estado Novo, nomeadamente durante a guerra colonial, várias pistas merecem ser seguidas de modo sistemático. Presente em vários destes contextos onde existia a possibilidade de uma relação entre política e futebol, Hilário é uma fonte privilegiada. Significativo, também, é o modo como concebe as condições de formação da militância política no contexto colonial e, depois, na metrópole. Para além de sugerir que a tomada de posição política, no sentido mais

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formal do termo, era apanágio de quem possuía capital educativo e um estatuto reconhecido – caso de José Craveirinha, por exemplo – o seu discurso acaba por atribuir à política um papel de desestabilizador social. Existia uma estabilidade, mesmo se fundada na iniquidade generalizada, que a política abalava, dando um sentido explícito a divisões, vincando diferenças. Ao se remeter ao universo do futebol, como tantos outros jogadores o fazem, Hilário parece proteger o reconhecimento que obteve no seu espaço profissional de fracturas impostas por algo exterior a este mundo de relações e afinidades. Não deixa de ser relevante, porém, que hoje Hilário justifique o seu afastamento da política utilizando palavras semelhantes àquelas que estes jogadores repetiam nos interrogatórios realizados pela PIDE por ocasião de viagens ao serviço das suas equipas e da seleção a países comunistas. Isto é, assumindo que a sua existência se confinava ao mundo do futebol e rejeitando o mundo fracturante da política. P – No subúrbio havia alguma ligação política ao futebol ou o futebol era um mundo à parte? H – Ali a malta dava-se bem, ninguém lixava ninguém, cada um vivia à sua maneira, cada um tinha o seu estatuto. Cada um aceitava como nasceu. Havia mulatos que tinham pais com uma condição superior aos meus pais e viviam no meio de brancos. Eles viviam em “Cascais” e eu vivia na “Musgueira” e encontrávamos e falávamos. Eu era feliz na “Musgueira”.

P – Mas havia um conjunto de reivindicações face ao poder colonial. O facto de os jogadores não poderem jogar nas equipas da “baixa” não era um incómodo? H – Sim, podiam na “baixa” não querer, mas os gajos do subúrbio também não queriam, por uma questão de princípio, não era a “baixa” que dizia não queremos aqui os gajos. No subúrbio eu não me lembro de ver um branco a jogar, nunca.

P – E os indianos? H – Também não. Os indianos meteram-se pouco no futebol. O Indo-português jogava na “baixa”, só jogavam indianos. Tinham a sede em frente ao 1.º de Maio.

P – Portanto não havia uma dimensão de resistência, nada disso? H – Mesmo essa malta toda, politicamente ninguém se meteu. Nunca fui de me meter na política. (…) O Craveirinha meteu-se na política porque era uma pessoa com uma cultura fora do normal. De modo que só por isso tudo o que o Craveirinha dizia para nós era sagrado. Se o Craveirinha quisesse que aquela malta da Mafalala fosse toda para a FRELIMO e para a guerra nós íamos. Mas ele não, ele não queria que nos metêssemos nisso, só no desporto... e conseguiu. E conseguiu, e graças a ele, é que nós não estivemos envolvidos em partidos nem em guerras, nem...

P – Como é que acompanhava a situação política, durante a guerra colonial, houve problemas com a PIDE? H – A PIDE era aqui como lá. A PIDE só incomodava quem era político. A mim nunca me incomodou. A única coisa que fez, quando as equipas viajam para países comunistas, o jogador africano que estava num clube ou na selecção era chamado à PIDE, como me aconteceu várias vezes, e perguntavam-lhe: “Sabes para onde é que vais, sabes o que vais fazer?” “Sei, jogar futebol.” Todas as viagens os africanos eram chamados. Não sou político. Se dissermos, Moçambique não merecia a independência? Merecia. Mas não daquela maneira como for, agora desenrasca-te, não estávamos preparados para isso. Deviam ter dado a independência lentamente, para as pessoas se formarem... Quantas pessoas formadas africanas havia naquela

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altura, quem é que podia tirar um curso, se não fosse um assimilado, se não fosse um branco? O preto tinha dificuldade. Havia pouca gente formada, para poder governar um país. Depois veio a guerra civil, que ainda veio piorar tudo.

P – Sobre o Mundial de 1966 há quem diga que o regime de Salazar tentou usar a ideia de que havia uma equipa multirracial para assim defender a sua posição na guerra colonial. O Hilário tem alguma ideia sobre isto? H – Eu nunca me apercebi disso, nem nunca me passou nada que estivesse relacionado com isso. Simplesmente, no Benfica, por exemplo, tinha o [Daniel] Chipenda e o [Augusto Germano] Araújo que eram angolanos e eram activistas do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). Mas cá, estive com o Eusébio, com essa malta toda, e nunca tivemos uma conversa sobre a FRELIMO. Não me recordo, nunca. Mas o Chipenda, Araújo e companhia já eram activistas porque estavam a jogar na Académica e a PIDE soube. Foram perseguidos, até alguns chegaram a ser presos, mas a nível de Moçambique...

P – Vocês nunca se envolveram neste tipo... H – Não, não, nem uma conversa de porta fechada...

P – E também ninguém lhes pediu da parte do governo português para tomarem uma posição... H – Não não...

P – Nunca? H – A única coisa que eu me lembro quando nós íamos jogar para países comunistas e tal, éramos chamados à PIDE e diziam: “Olha, sabes o que vais fazer e tal?” “Sim, vou jogar à bola.” “Então tem cuidado e tal e não sei quê.” Porquê? Porque havia miúdos nos países comunistas que tinham bolsas de estudo...

P – Africanos? H – Os gajos sabiam que o Eusébio ou o Hilário estavam ali no hotel tal e iam para lá falar connosco. Falar em dialecto, falávamos em não sei quantos. Epá, mas sem... Eu também se chegasse lá se calhar ia fazer uma visita para falar um bocadinho da terra e...

P – Como é que o Hilário viveu a independência de Moçambique? H – Vivi naturalmente...

P – E quando é que o Hilário volta depois a Moçambique depois da independência? H – Voltei quando o Estado moçambicano no 10º aniversário da independência convidou-me a mim e ao Eusébio, Coluna e companhia. O Coluna já lá estava... Para irmos à festa do 10º aniversário da independência. Era o Samora Machel ainda como presidente da República.

P – E vocês foram? H – Fomos, combinámos, eles pagaram as passagens, o hotel e...

11 Em Lisboa

12 A passagem da pobreza remediada do subúrbio de Lourenço Marques para Lisboa representava para os jogadores de futebol moçambicanos um salto significativo. O desenvolvimento do campo desportivo na capital de Moçambique garantiu a estes atletas uma aprendizagem técnica e táctica e uma preparação física mínimas que facilitaram a integração no ambiente mais profissionalizado do futebol metropolitano.

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Em Moçambique, a circunstância de o futebol lhes garantir um emprego conferia à actividade uma notória seriedade. Tal facto traduzia-se numa ética de trabalho próxima da atitude do profissional e distante da relação que o amador desenvolveu com o futebol. Essa mesma ética de trabalho, muito presente no discurso dos mais conhecidos jogadores moçambicanos, foi posta à prova no ambiente da metrópole. A capacidade de resistir às tentações proporcionadas por uma vida financeiramente mais estabilizada distinguiu aqueles que conquistaram um lugar importante no futebol português dos que se perderam. O talento e a ética do profissional, traduzida em performances desportivas e numa notoriedade própria, facilitaram a integração destes jogadores africanos. Tais factores são fundamentais para interpretar a adaptação destes não- brancos no Portugal metropolitano. É arriscado, desta forma, iludindo o efeito singular provocado pela representação clubista, assumir a verdade de uma retórica luso-tropical sobre a pressuposta predisposição racial dos portugueses para aceitarem a diferença. Sobre esse assunto, porém, o discurso de Hilário vai ao encontro das teses de Gilberto Freyre. P – A diferença foi muita quando veio para Lisboa. Como foi a passagem de Lourenço Marques para Lisboa? H – Um indivíduo que vive no subúrbio com carências disto e daquilo e mais alguma coisa e de repente chega aqui e tem uma boa casa, um bom carro, boa comida, um bom ordenado, viaja muito, joga num campo com 50 mil pessoas, 40 mil pessoas e sem preparação para encarar esta situação. Há muitos jogadores que vieram que não aguentaram. Há uma disciplina, e depois um gajo começa a ser assediado para isto para aquilo. Uma pessoa tem que ter alguém que acompanhe, mas naquela altura não havia, não havia empresários nem nada. Um gajo chegava aqui e, ou era humilde e as coisas não lhe subiam à cabeça, ou então estava mal.

P – Essa passagem é uma grande ascensão, é como subir uma montanha. H – É um salto muito grande.

P – E como é que foi esse processo do contrato? Houve um interesse aqui do Sporting na metrópole? H – Naquela época de 58 estavam já cá muitos... Em Moçambique estava muita gente daqui da metrópole, que eram benfiquistas, sportinguistas. Eles iam ver os jogos e viam as pessoas que estavam a evidenciar-se no futebol. E depois davam as informações para aqui, a dizer: “Olha, está ali um jogar tal e tal. O Hilário a jogar no Sporting como defesa-esquerdo e tal. Está aqui o Eusébio e tal”. E era daí que tinham os contactos de Portugal para Moçambique ou de Moçambique para Portugal. É daí que aparecem... que nós aparecemos para podermos vir representar...

P – Nessa altura já jogavam na metrópole o Matateu, o Coluna... H – Sim, o Matateu já estava cá, o Coluna já estava cá... foram os primeiros.

P – E qual foi o efeito no subúrbio de Lourenço Marques destas carreiras de sucesso do Matateu, do Coluna depois do Hilário e do Eusébio? H – Esta formação que nós tivemos e pudermos vir representar aqui... fez com que no subúrbio a malta começasse a trabalhar para ver se se vinham juntar a nós cá. Porquê? Porque era uma forma de sobrevivência financeira, etc. E de maneira que isto aqui foi um doping para a juventude que estava em África a praticar desporto para tentar vir para Portugal.

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P – O futebol era uma área em que os africanos poderiam ter uma ascensão... H – Pois... (...) Era uma chance que tínhamos para sair daquele fosso para melhor.

P – E também o sucesso destes jogadores também foi importante para o Benfica, o Sporting e o Belenenses ficarem ainda mais conhecidos no subúrbio, a tornarem-se ainda mais populares. H – Por exemplo, eu não conhecia o Belenenses. Quando o Matateu veio para aqui eu conheci o Belenenses. O Matateu foi o impulsionador do Belenenses. O Coluna veio para o Benfica. O Costa Pereira veio para o Benfica. O Costa Pereira era um grande jogador, guarda-redes do Ferroviário, branco.

P – O Hilário alguma vez sentiu algum tipo de racismo dentro dos campos em relação ao público, bocas, esse tipo de coisas? H – Nunca...

P – Nunca? H – Nunca. Pelo contrário, éramos bem tratados. Éramos queridos por toda a gente...

13 *

P – O Hilário quando regressa a Maputo ainda vai à Mafalala? H – Todos os dias. De manhã e de tarde.

P – E continua com os seus amigos lá... H – Continuo, uns mais velhos e uns mais novos.

P – Portanto se estivesse a morar hoje em Moçambique, preferia viver na Mafalala? H – Não. Ia para a cidade... mas quer dizer, ia sempre à Mafalala visitar os meus amigos, os meus irmãos. Agora se eu fosse solteiro, até era capaz de viver na Mafalala. Mas sou casado e não vou sacrificar a minha mulher... E viver na Mafalala, pela alma de quem?

NOTAS

1. Entretanto, a respectiva dissertação foi publicada em livro: Futebol e colonialismo. Corpo e cultura popular em Moçambique, Imprensa de Ciências Sociais, 2012. 2. Entrevistas concedidas em 11/12/2007, 28/5/2008, e 27/9/2013. 3. José João Craveirinha nasceu em Lourenço Marques, em 1922. Poeta consagrado, jornalista, colaborou em diversas publicações periódicas, nomeadamente em O Brado Africano, no Itinerário, no Notícias, na Mensagem, no Notícias do Bloqueio e no Caliban. Nestas colaborações, o desporto foi um dos seus temas mais recorrentes. Foi funcionário da Imprensa Nacional de Lourenço Marques. Jogou futebol em clubes da cidade. Foi preso pela PIDE e ficou encarcerado durante cinco anos. Após a independência de Moçambique foi membro da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e presidiu à Associação Africana. Foi Prémio Camões em 1991. É um dos mais reconhecidos poetas da língua portuguesa e um dos maiores escritores africanos. A sua primeira obra, Xibugo, data de 1964.

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4. Polana era o bairro da parte oriental da cidade, na zona mais nobre do “cimento”. Muitas vezes, porém, o seu nome era utilizado como se de toda a zona residencial do “cimento” se tratasse. 5. Equipa inglesa de Londres. 6. O Centro dos Negros de Moçambique foi criado em 1932 sob o nome de Instituto Negrófilo. Associação de negros assimilados, mudou de nome em 1937. Também em 1937, o Grémio Africano de Lourenço Marques, criado em 1908 e composto fundamentalmente por elites mestiças, alterou o nome para Associação Africana. 7. Jornal sucessor de O Africano, fundado em 1918 e órgão do Grémio Africano de Lourenço Marques. 8. José Craveirinha, “O Negro, o Desporto e o Feiticismo”, O Brado Africano, 22 de Janeiro de 1955, p. 8. 9. José Sousa Cintra, presidente do Sporting Clube de Portugal entre 1989 e 1996.

AUTOR

NUNO DOMINGOS Instituto de Ciências Sociais - Universidade de Lisboa, 1600-189 Lisboa, Portugal [email protected]

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Recensões

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Augusto Nascimento, Marcelo Bittencourt, Nuno Domingos, Victor Andrade de Melo. Esporte e Lazer na África: Novos Olhares

Todd Cleveland

1 Esporte e Lazer na África: Novos Olhares, edited by Augusto Nascimento, Marcelo Bittencourt, Nuno Domingos and Victor Andrade de Melo, is a welcomed addition to the growing corpus of scholarship that examines sports, athletics and, in this case, leisure in Africa’s past and present. This edited volume grew out of a collaborative research project initially launched in 2007, spearheaded by an international group of Lusophone scholars. Esporte e Lazer constitutes the third major effort of this cohort, following international fora and the attendant publication of Mais do que um jogo: o esporte e o continente africano in 2010. This current collection of essays features a number of new contributors and, arguably more importantly, the volume expands the topical scope of this interdisciplinary endeavor via the inclusion of leisure. Sports and athletic activities – both organized and informal – continue to dominate the constituent contributions, but the incorporation of leisure illuminates pursuits that often feature only distant or tangential connections to more “traditional” sporting endeavors. Temporally, the volume’s chapters engage with events and topics that range from the early colonial period, an era during which Europeans were first introducing so-called “modern sports” to the continent, to current times. This broad temporal span enables readers to identify the shifting fields of power on the continent, reflective of the dramatically changing political landscape, and also the ways that Africans’ sporting and leisure practices correspondingly changed within this fluctuating environment. The volume focuses almost exclusively on the five former Portuguese colonies: Angola, Mozambique, Guinea-Bissau, Cape Verde and São Tomé and Príncipe, but the rather unexpected presence of a chapter that considers Germany’s former colony of South West Africa (modern day Namibia) adjusts this geographical spotlight ever so slightly. While the editors contend that this inclusion is intended to prompt thinking in

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“comparative terms and to look at the continent in a more panoramic fashion,” incorporating additional non-Lusophone chapters would have appreciably furthered these objectives (p. 11).

2 The editors should be commended for their initial and ongoing efforts to generate knowledge related to sports and, newly, “leisure” in (Lusophone) Africa, inclusive of that which appears in this volume. However, for all the important individual contributions (including chapters authored by each of the four editors) and the analytical potential of Esporte e Lazer, the introduction, at just three pages, is disappointingly short. This brevity precludes a sustained, substantive engagement with: the series of essays that comprise the volume; this emerging field of study and the (particular) ways that the volume moves it forward; and, in general, the book’s epistemological and analytical contributions, broadly conceived. At over 300 pages, space limitations were seemingly not an issue, so the reader is left to ponder why the chapters were essentially left to stand on their own; nor were the chapters organized thematically or topically, instead appearing as a loosely chronological, uninterrupted stream without any delineation or categorization. Most problematically, it’s entirely incumbent upon the reader to draw meaningful connections between the chapters and, thus, to determine what broader lessons and utilizable approaches and analyses the volume offers.

3 Ultimately, the editors’ efforts to construct a foundation that will inform further research and upon which future scholars will build is certainly laudable. Yet, the absence in the volume of a thorough analytical engagement with the constituent material, which would have significantly enhanced this collection of otherwise excellent essays, is lamentable. Although the authors of many of the chapters admit that their respective contributions reflect only preliminary research and that the work itself is often highly descriptive in nature, lacking sharp analytical dimensions (not entirely surprising considering that this volume grew out of conference proceedings), these essays undoubtedly merited more in-depth, extensive editorial treatment.

4 Andrea Marzano’s chapter is a fitting way to embark upon a journey through the sequence of essays, not only due to its temporal focus on the end of the 19th century and early 20th century, but also because it so thoroughly engages with leisure – the novel inclusion of this volume. As is so often the case, sports and leisure reflect broader social dynamics and Marzano’s contribution captures well key shifts in the colonial capital of Angola, both in a racial and demographic sense. This pivotal time in the colony’s history witnessed the influx of Portuguese settlers and the attendant marginalization of mixed race (mestiço) and culturally assimilated (assimilado) black Angolans, as well as the deepening exploitation of “native” Angolans. As these social and demographic changes hardened racial boundaries, leisure practices and pursuits were correspondingly affected. Marzano is heavily dependent on the newspaper Reforma, and the piece lacks a readily identifiable or sustained argument, but her reconstruction of leisure practices in Luanda’s hotels and bars illuminates places and spaces largely neglected in scholarship that considers the social history of colonial Angola. The ensuing chapter, by Matheus Serva Pereira, complements Marzano’s work well, exploring a similar set of social and political dynamics in Lourenço Marques, the colonial capital of Mozambique (now Maputo) during roughly the same historical period. Pereira also utilizes newspapers from this era, but is much more focused on how representations of Africans – especially “sub-alterns” – in the colonial press were

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both linked to and precipitated official state oppression. Pereira deftly argues that the press’ presentation of these subjugated Mozambicans’ leisure activities, including excessive drinking, public disorder, prostitution and theft, led colonial authorities to perceive that a forceful response was necessary. Ultimately, the state’s series of policy rejoinders generated a racially segregated city and an acutely exploitative forced labor scheme. In the ensuing chapter, Sílvio Marcus de Souza Correa examines a similar time period, but shifts the topical focus to sport and the geographical focus to South West Africa via an exploration of both horse riding and racing in this former German colony. Correa contends that these pursuits helped settlers “Germanize” the colony and also enabled practitioners to reinforce their common European identity and, thereby, distinguish themselves from both mixed race and “native” residents. Indicative of the new “colonial realities,” which were increasingly experienced along racial lines, black Africans were restricted to racing mules, receiving significantly less in prize money for these competitions than did German jockeys who piloted the physically and symbolically superior horses.

5 Broadening the perspective, Nuno Domingos’ chapter engages with sports and leisure across Portugal’s expansive African empire, while also marking a transition within the volume to the high colonial period. Domingos treats sports and leisure as a process, occurring simultaneously within the various territories of the empire. Yet, for all of the commonalities that this process featured from colony to colony, Domingos cautions readers that the application of state-devised sports and leisure policies and the experiences of the colonial residents whom they affected differed according to a number of factors, including the degree of urbanization and the prevailing demographics, et al. (p. 82). These particularities, in turn, influenced how sports were both practiced and consumed. Ultimately, Domingos contends that the Portuguese dictatorial regime, the Estado Novo, conceived sports as largely functional, intended to instill notions of obedience and hierarchy and offer a variety of social lessons that were far more important than the games themselves. In practice, much of this superb material and analysis would have been excellent fodder for the volume’s relatively sparse introductory chapter. In the proceeding chapter, Marcos Cardão maintains the analytical focus on empire, employing various examples from the colonies to explore the political and social impacts of visits to Portuguese Africa by metropolitan soccer clubs. Cardão avers that these excursions were intended to reinforce the supposed unity of the colonies and metropole, as captured in the phrase popularized by the regime: “Portugal is not a small country.” This fascinating piece highlights the increasingly patriotic nature of these trips, especially in the wake of the outbreaks of the wars of liberation in Angola, Mozambique and Guinea-Bissau in the early 1960s. Victor Andrade de Melo’s proceeding chapter extends the focus on empire via an interesting look at a series of sports-themed postal stamps issued by the Portuguese state in 1962, with the colonies as their backdrop. This propaganda effort constituted yet another example of how the embattled Portuguese state attempted to emphasize the integrity of the colonies and the metropole, once again invoking the mythical notion of Luso-tropicalism to justify the formation and perpetuation of empire.

6 While Marcelo Bittencourt’s ensuing chapter remains temporally in the (late) colonial period, his examination of the state’s vigilance of sporting activity in Angola marks a return in the volume to case studies of individual colonies. Bittencourt ably draws attention away from the dominant historiographical focus on Angolan participants in the armed struggle for independence to those residents who remained in the heart of

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the colonial state, experiencing the various forms of colonial oppression on a daily basis, via everyday forms. Although, as Domingos indicated, the Portuguese regime utilized sport in the colonies as a tool of inculcation to build loyalty and obedience, Bittencourt utilizes materials from the archive of the secret police, or PIDE, to demonstrate that at least some authorities within the state apparatus deemed sporting clubs and associations in colonial Angola presumptively subversive. Perhaps even more interestingly, Bittencourt’s work reveals consequential schisms and tensions amongst the array of Portuguese state ministries, institutions and delegations and the recurring disconnect between policy makers in Lisbon and their subordinates in the colonies. Augusto Nascimento’s succeeding chapter maintains the focus on a particular colonial space, in this case São Tomé and Príncipe, but also newly ushers the reader into the post-colonial period. Nascimento considers the ways that sport, politics and society are intertwined in contemporary São Tomé, though he also considers the way(s) that the nation’s colonial past is evoked and imagined, often for political ends. This interesting study examines not just sport itself but also the discourse surrounding it. Nascimento argues that despite the government’s regular evocation of sport and pledges to emphasize and support it, sport remain on the statal periphery, persevering as a “secondary activity,” just as it was during the colonial period (p. 185). Aurélio Rocha’s ensuing piece extends the exploration of sports and politics, in this case via an examination of their relationship in post-colonial Mozambique. While acknowledging the preliminary state of the research upon which this chapter is predicated, Rocha’s contribution provides considerable insight into Mozambique’s contemporary sporting challenges by exploring the history of the post-colonial state’s shifting relationship with athletics – reflective of the radical changes in the country as it transitioned from single-party socialism to economic and political liberalism. The subsequent chapter, by Luca Bussotti, maintains the focus on the Mozambican state through an exploration of the country’s decision to host the 10th (X) All-Africa Games in 2011. Bussotti examines the politics involved in this resolution and, in particular, how the local press assessed the undertaking. Bussotti concludes that despite the manifest political motivations, which were in some capacity personal, as the Mozambican President, Armando Emílio Guebuza, sought to shore up his legacy, that the process of the Games – including the initial decision, the build-up to, and, finally, the actual event – was favorably reviewed by the local independent press.

7 The penultimate chapter of the book, by Fernando Borges, provides the volume’s only sustained engagement with Cape Verde – reflective of the minimal coverage that the island nation receives within the broader field of Lusophone studies, dominated as it is by scholarship on Mozambique and, to a lesser extent, Angola. This dearth notwithstanding, Borges diverts our attention away from scholars’ persistent geographical foci on Praia and Mindelo to the Concelho de Santa Catarina, on the island of Santiago, for an interesting comparative piece that considers rural and urban practices related to sport and leisure. Some of the findings in this preliminary study are rather predictable, e.g. men watch more football on television than do women. But, the research remains valuable for its quantitative and qualitative evaluation of the differences that location and gender can have regarding how people experience sports and leisure, even within the same, (very) small nation. Finally, in the volume’s concluding chapter, Vivian Fonseca offers a transnational investigation of capoeira, tracing its practice from Brazil to both Angola and Mozambique. An earlier stream of the diffusion of capoeira from Brazil saw it reach the wealthy, industrialized nations of

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the West. However, Fonseca is more concerned with capoeira’s more recent transmission to Angola – its place of origin, or at least of inspiration – via teachers and practitioners who sought not financial gain or “a better life,” but rather to discover the roots of this distinctive leisure practice. Fonseca also explores how the Brazilian state has enjoyed this form of “cultural diplomacy,” but reveals that despite the government’s avowed support for capoeira it has failed to deliver upon its material promises to the masters, teachers and practitioners responsible for bringing capoeira “back to Africa” (p. 302).

AUTHOR

TODD CLEVELAND Augustana College, Department of History, 61201-2296, Rock Island, Illinois, United States [email protected]

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