Brasil E Argentina: Ditaduras, Desaparecimentos E Políticas De Memória 13
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Caroline Silveira Bauer 2ª EDIÇÃO 2014 © 2012, Caroline Silveira Bauer Projeto gráfico e editoração eletrônica Clemente Design Capa Fotografia: Paulo Roberto Jabour e seu filho ao sair do Instituto Penal Milton Dias Moreira Fotógrafo: Ybarra Jr Centro de Pesquisa e Documentação do Jornal do Brasil- CPDoc JB Revisão Elizabeth Maria Kieling Pedroso Rosana Maron Coordenação Editorial Elizabeth W. Rochadel Torresini Todos os direitos desta edição reservados à Editora Medianiz Ltda Avenida Cristovão Colombo, 2149, sala 411 Diretoria da ANPUH-RS 90560-005 Porto Alegre RS (Gestão 2010-2012) www.medianiz.com.br Presidente: Zita Rosane Possamai [email protected] Vice-presidente: Charles Monteiro 1º Secretário: Arilson dos Santos Gomes 2ª Secretária: Evangelia Aravanis Associação Nacional da História 1º Tesoureiro: Cláudio de Sá Machado Júnior Seção Rio Grande do Sul Rua Caldas Júnior, 20, sala 24 - Centro 2ª Tesoureira: Rejane Barreto Jardim 90010-260 Porto Alegre RS Conselho: www.anpuh-rs.org.br Diorge Alceno Konrad [email protected] Elisabete da Costa Leal Véra Lúcia Maciel Barroso Comissão Editorial: René Ernaini Gertz Benito Bisso Schmidt Maria Cristina Bohn Martins Às vítimas da “segurança nacional”. Como na Argentina, (1982) Luis Fernando Verissimo Não é fácil eliminar um corpo. Uma vida é fácil. Uma vida é cada vez mais fácil. Mas fica o corpo, como lixo. Um dos problemas desta civilização: o que fazer com o próprio lixo. As carcaças de automóveis, as latas de cerveja, os restos de matanças. O corpo bóia. O corpo vai dar na praia. O corpo brota da terra, como na Argentina. O que fazer com ele? O corpo é como o lixo atômico. Fica vivo. O corpo é como o plástico. Não desintegra. A carne apodrece e ficam os ossos. Forno crematório não resolve. Ficam os dentes, ficam as cinzas. Fica a memória. Ficam os parentes. Ficam as mães. Como na Argentina. Seria fácil se o corpo se extinguisse com a vida. A vida é um nada, acaba-se com a vida com um botão ou com uma agulha. Mas fica o corpo, como um estorvo. Os parecidos não desaparecem. Sem- pre há alguém sobrando, sempre há alguém cobrando. As valas comuns não são de confiança. A terra não aceita cadáver sem documento. Os corpos são devolvidos, mais cedo ou mais tarde. A terra é protocolar, não quer ninguém antes do tempo. A terra não quer ser cúmplice. Tapar os corpos com escombros não adianta. Sempre sobra um pé, ou uma mãe. Sempre há um bisbilhoteiro, sempre há um inconformado. Sempre há um vivo. Os corpos brotam do chão, como na Argentina. Corpo não é reciclável. Corpo não é reduzível. Poderia-se dissolver os corpos em ácido, mas não haveria ácido que chegasse para os assassinados do século. Valas mais fundas, mais escombros, nada adianta. Sempre sobra um dedo acusando. O corpo é como o nosso passado, não existe mais e não vai embora. Tenta- ram largar o corpo no meio do mar e não deu certo. O corpo bóia. O corpo volta. Tentaram forjar o protocolo – foi suicídio, estava fugindo – e o corpo desmentia tudo. O corpo incomoda. O corpo faz muito silêncio. Consciência não é biodegradável. Memória não apodrece. Ficam os dentes. Os meios de acabar com a vida sofisticam-se. Mas ainda não resolveram como acabar com o lixo. Os corpos brotam da terra, como na Argentina. Mais cedo ou mais tarde os corpos brotam da terra, como na Argentina. Mais cedo ou mais tarde os mortos brotam da terra. Sumário Apresentação à segunda edição ............................................11 Apresentação .........................................................................17 Prefácio ..................................................................................21 Cómo será el pasado. ................................................................... 21 Introdução .............................................................................25 1 A prática do desaparecimento nas estratégias de implantação do terror .....................................................35 A prática do desaparecimento ..................................................... 37 O processo de desaparecimento .................................................... 43 O interrogatório .......................................................................... 57 A tortura .................................................................................... 69 Os desaparecimentos ................................................................... 83 A censura e a desinformação em relação aos desaparecidos .......... 100 A organização da denúncia e as buscas dos familiares ................ 104 2 A transição política e os desaparecimentos ..................... 119 Transição política e os desaparecimentos .................................... 123 A elaboração de políticas de memória e de esquecimento ............ 128 As leis de anistia ....................................................................... 143 A anistia no Brasil ..................................................................... 148 A anistia na Argentina .............................................................. 157 O direito à verdade e os relatórios “Nunca Mais” ........................ 160 Nunca Más ............................................................................... 166 O Brasil: Nunca Mais................................................................. 175 Os desaparecidos e a justiça penal .............................................. 182 O Juicio a las Juntas .................................................................. 184 A década de 1990 e a impunidade .............................................. 190 O rompimento do pacto de silêncio ........................................... 195 A Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995 .................................. 206 3 Políticas de memória e esquecimento ............................... 223 40 Anos da ditadura no Brasil e 30 anos na Argentina ................. 237 O direito à verdade a partir dos anos 2000 .................................. 264 Os arquivos da repressão no Brasil ............................................. 265 Restituição de crianças na Argentina e o direito à verdade .......... 284 O direito à justiça a partir dos anos 2000 .................................... 294 O direito à justiça no Brasil ........................................................ 296 O direito à justiça na Argentina ................................................. 309 Considerações finais ............................................................ 315 AGRADECIMENTOS .............................................................. 323 Lista de siglas ...................................................................... 325 Fontes e referências ............................................................. 327 Apresentação à segunda edição [El pasado reciente] se trata de un pasado abierto, de algún modo inconcluso, cuyos efectos en los procesos individuales y colectivos se extienden hacia nosotros y se nos vuelven presentes. De un pasado que irrumpe imponiendo preguntas, grietas, duelos. […] Se trata, en suma, de un pasado ‘actual’ o, más bien, de un pasado en permanente proceso de ‘actualización’ y que, por tanto, interviene en las proyecciones a futuro elaboradas por sujetos y comunidades.1 Marina Franco e Florencia Levín, El pasado cercano en clave historiográfica Quase sempre, nossa relação com o passado é de insatisfação. Em se tratando da história recente do Cone Sul, marcada pelos traumas do terrorismo de Estado, parece que todos os recursos para a narrativa das ditaduras de segurança nacional e suas situações-limite deixam a desejar na tentativa de compreender e representar as especificidades das quais Marina Franco e Florencia Levín falam. Se esse passado se encontra em permanente processo de atualização – o que demonstra a inconclusão dos fatos históricos, uma das possíveis especificidades a serem apontadas à escrita da história do tempo presente –, a segunda edição deste livro merece alguns comentários, tendo em vista as significativas mudanças nas medidas de memória implementadas no Brasil, nos últimos três anos, e diante da ampliação e da garantia do direito à justiça na Argentina, bem como o estreitamento das relações entre o Estado e as organizações da sociedade civil envolvidas com a causa. Trata-se de uma observação evidente, mas necessária, embora ainda não se consiga avaliar, pela ausência de desfecho, a efetividade de tais políticas públicas. 1 FRANCO, Marina, LEVÍN, Florencia. El pasado cercano en clave historiográfica. In: FRANCO, Marina, LEVÍN, Florencia (comps.). Historia reciente: perspectivas y desafíos para un campo en construcción. Buenos Aires: Paidós, 2007, p.31. 12 Caroline Silveira Bauer Em relação à edição de lançamento, publicada em 2012, foi realizada uma revisão dos aspectos formais da escrita, mantendo o conteúdo inalterado. Acredita-se que as considerações analíticas, conceituais e teóricas permaneçam válidas para se compreender as diferenças e simili- tudes entre as estratégias de implantação do terror e os desaparecimentos, os processos de transição política e a elaboração de políticas de memória dos casos argentino e brasileiro. *** Uma das principais medidas estabelecidas no Brasil foi a implementação da Comissão Nacional da Verdade. Criada a partir da Lei nº 12.528, de 13 de novembro de 2011, com o objetivo de “efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”, sua criação sempre foi uma demanda de organizações da sociedade civil. Isso porque o relatório Brasil: Nunca Mais (1985) não havia sido uma iniciativa do Estado,