Nreg EB00042 Tarrafal Testemunhos.Pdf
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Nº EB 42 http://xa.yimg.com/kq/groups/18176607/1317936983/name/ Livro+Tarrafal+-+V%C3%A1rios+Autores.rtf Consultado em 4 fev.2014 Título: TARRAFAL-Testemunhos Autor: Vários Capa: Gil Teixeira Lopes Arranjo gráfico: Jorge Simões Revisão tipográfica: João Loureiro Editorial Caminho, SARL, Lisboa, 1978 Composição e impressão: Antunes & Amilcar, Lds. Tiragem: 4500 exemplares Acabou de se imprimir: Em Fevereiro de 1978 Trabalho colectivo de sobreviventes coordenado por Franco de Sousa. Aníbal Bizarro António Dinis Cabaço António Gonçalves Coimbra Armando Martins de Carvalho Armindo Amaral Guimarães Augusto Costa Valdez Francisco Miguel Henrique Ochsemberg João Faria Borda João Rodrigues João da Silva Campelo Joaquim Amaro Joaquim Gomes Casquinha Joaquim Ribeiro José Barata Júnior José Gilberto Florindo de Oliveira José Neves Amado José Santos Viegas Josué Martins Romão Manuel Baptista dos Reis Manuel da Graça Miguel Wager Russell Oliver Branco Bártolo Reinaldo de Castro PREFÁCIO Sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, que o fascismo criou e manteve durante 19 anos, já se tem dito e escrito alguma coisa, mas nunca se dirá nem escreverá tudo o que sobre tão sinistra prisão haverá para dizer. Alguns livros já existem de pessoas que viveram no Tarrafal, mais ou menos anos. Outros livros pessoais poderão ainda ser escritos sem que contudo essa dura e criminosa realidade fique suficientemente descrita. Tão grande foi o crime da sua existência. Tantas foram as violências lá praticadas. Foi tendo em conta esta realidade e atendendo à necessidade, politica e pedagógica, de mostrar a todos os portugueses, de todas as idades, o que foi o Campo de Concentração do Tarrafal, que um grupo de comunistas sobreviventes desse Campo da Morte Lenta - alguns que foram dos primeiros a lá chegar e lá passaram mais de 17 anos seguidos; outros que, indo lá pela segunda vez, foram os últimos a sair, em 1954 - empreenderam a elaboração deste livro. Com excepção do camarada Franco de Sousa, que foi o coordenador dos trabalhos parcelares apresentados, escritos ou gravados, os colaboradores do livro não são escritores e nada mais quiseram fazer que mostrar, com fidelidade, como foi e o que foi o Tarrafal, como lá trabalharam e sofreram, como lá viram morrer 9 muitos dos seus camaradas e companheiros de prisão. Este livro não é um produto da nossa imaginação, nada tem de inventado, nada tem de ficção. E a verdade do que nós vivemos, é o Tarrafal descrito por vários daqueles mesmos que o fascismo para lá mandou para morrerem, como muitas vezes os próprios directores e seus subordinados se compraziam em nos dizer. Temos a consciência de que este livro, apesar de colectivo, não dirá tudo o que foi o Tarrafal nos seus muitos aspectos. Mas estamos certos de que tudo o que dizemos é verdadeiro e indiscutivel. É este, pensamos nós, um dos méritos deste trabalho que entendemos ser nossa obrigação realizar. Protagonistas da tragédia que foi o Tarrafal, não foi a situação pessoal de cada um de nós o que nos preocupou; o que tivemos em vista foi dar a conhecer a situação dificil que todos vivemos; e a que muitos não resistiram. O Campo de Concentração do Tarrafal, como ao longo deste livro fica dito e demonstrado, foi criado pelo governo fascista de Salazar para suprimir fisicamente os antifascistas mais combativos e para, ao mesmo tempo, atemorizar todos os que, ansiosos de liberdade, combatiam a tirania salazarista. O Tarrafál não foi nunca, e também não o deverá ser agora, um assunto que só dissesse respeito aos que por lá passaram. Muito pelo contrário, é necessário ver o Tarrafal como ele realmente foi, em todas as suas facetas e como uma parte da grande prisão que era Portugal dominado pelo fascismo. Sem essa apreçiação correcta do que foi o Tarrafal não poderíamos compreender toda a enorme responsabilidade dos governantes que o criaram e o mantiveram durante 19 anos (1936-1954). As gerações de hoje e as futuras devem saber que o Tarrafal existiu e porque existiu, qual foi 10 a sua história e o seu verdadeiro significado. Devem saber que na nossa história, como país e como povo, houve uma noite que durou cerca de meio século e que no centro dessa longa noite se situa essa mancha ainda mais negra, que foi o Campo de Concentração do Tarrafal. O conhecimento dessa verdade que lamentamos e sofremos, é necessário para nos couraçar contra as manobras criminosas dos que pretendem fazer-nos voltar ao passado, a esses tempos em que o Tarrafal existiu. Foi um mal termos vivido tempos tão negros e suportado na carne tantos crimes. Mas temos razões para estarmos orgulhosos de nem a existência do Tarrafal e muitos outros crimes terem sido suficientes para parar a nossa luta pela liberdade. O Tarrafal foi a morte para muitos antifascistas, mas o objectivo que o fascismo tinha em vista com a criação do Tarrafal não foi atingido. A nossa luta não parou. A vitória coube aos antifascistas portugueses que não pararam na sua acção. Mesmo nos períodos mais difíceis, mesmo praticando as maiores violências, mesmo quando cada um de nós admitia como provável não voltar mais a Portugal e ficar lá sepultado, mesmo assim, a imensa maioria dos presos do Tarrafal, manifestando uma elevada consciência política e revolucionária, nunca cedeu à vontade dos carcereiros fascistas e sempre se manteve fiel aos ideais de liberdade e de justiça, pondo acima de tudo os interesses do nosso povo explorado e oprimido pelo mesmo fascismo. O Tarrafal não foi um sonho mau; foi um crime tremendo, friamente meditado e friamente executado. Todos nós que vivemos no Tarrafal, os que morreram e os que ainda estão vivos, sempre pensámos, e muitas vezes o dissemos uns para os outros, que uma vez derrubado o fascismo no nosso país; todos os criminosos com responsabi- 11 lidade na criação do Tarrafal e nos crimes que aí se praticaram, seriam julgados em tribunais comuns e justamente condenados. Lamentavelmente não tem acontecido assim. Até agora nenhum desses criminosos compareceu perante a justiça. Todos andam em liberdade como se nada de mau tivessem feito. Mas vítimas do Tarrafal aí estão, recordando os sofrimentos a que foram submetidas durante muitos anos. Nas vítimas do Tarrafal, nos que trabalharam anos seguidos sem nada ganharem, para si nem para o seus, porque estavam presos; ainda ninguém pensou. Há quem fale muito na injustiça e nos direitos da pessoa humana, ainda diga sobre a justiça a fazer às muitas vítimas dos crimes do fascismo. Estranho sentido de justiça é ainda o que permite e explica que as coisas se passem assim. Enquanto o Tarrafal existiu, duas coisas aconteciam paralelamente no tempo: nesse Campo da Morte Lenta trabalhavam e morriam assassinados os antifascistas mais combativos e os que melhor representaram os interesses dos trabalhadores, como Bento Gonçalves, secretário-geral do PCP, como Mário Castelhano, sindicalista destacado. Em Lisboa, por todo o país e nos territórios então ainda colónias, os fascistas amassaram grandes fortunas à custa da exploração e da opressão do povo. A violência - queremos aqui afirmá-lo uma vez mais - só existe quando há quem a pratica. Se houve crimes também houve criminosos. E a justiça só existe, de facto, quando e onde os criminosos recebem as condenações que merecem. Dizer ao povo que o que se está fazendo é justiça e é democracia, leva ao cepticismo e dá uma imagem errada desses dois valores que sempre devemos defender. É preciso que o povo, os trabalhadores, vejam e saibam o que é a justiça. 12 O estudo do passado deve servir-nos para melhor compreendermos o presente e prever o futuro. Se com este livro não dizemos e não demonstramos tudo o que foi o Tarrafal, nós pensamos que teremos deixado uma boa base para o conhecimento do que foi o fascismo e, deste modo, ajudarmos as gerações mais novas a não se deixarem iludir e tomarem medidas no sentido de não permitir que ao nosso País volte o fascismo em nenhuma das suas versões. Lendo este livro os antifascistas ficarão sabendo o que foi o Campo de Concentração do Tarrafal e o que ele representou como prisão e local destinado a matar os mais activos opositores ao fascismo salazarista. Lendo este livro os antifascistas, todos os portugueses, poderão ver e compreender melhor os fins criminosos que os fascistas tinham em vista ao adoptarem tais métodos de repressão, quais os seus objectivos e qual é por consequência a responsabilidade desses governantes de então e de todos os que, neste ou naquele posto, desempenharam funções de carrascos dos antifascistas lá encarcerados. A existência do Campo de Concentração do Tarrafal foi um crime e os criminosos foram muitos. Não é preciso absolver de culpas os simples guardas para reconhecer nos chefes e nos directores maiores responsabilidades. Não é preciso diminuir em nada as responsabilidades dos que nos torturavam e assassinavam directamente no Tarrafal para se atribuir a Salazar e a todos os governantes de então a principal responsabilidade em todos os crimes de que fomos vitimas. Se neste livro dedicamos muitas páginas à conduta de ladrão do "Manuel dos Arames", que tão descaradamente nos roubava no Tarrafal, isso não significa que os nossos piores inimigos não fossem 13 os que, desde o Terreiro do Paço, governavam o País. Os Manuel dos Arames como os outros militares que aceitaram ser carcereiros dos presos políticos no tempo de Salazar eram, em todos os casos, os elementos inferiores, moral e profissionalmente, do nosso exército. Nenhum desses militares foi ou opoderia se capitão de Abril. De facto, derrubando o fascismo numa madrugada histórica de 25 de Abril de 1974, as forças armadas lavaram essa sujidade com que o fascismo também as tinha manchado.