FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS Escola de Direito de São Paulo

ENTRE DISCURSOS E SILÊNCIOS:

A APROVAÇÃO DA PEC DAS DOMÉSTICAS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Larissa Cristina Margarido

São Paulo 2020

LARISSA CRISTINA MARGARIDO

ENTRE DISCURSOS E SILÊNCIOS:

A APROVAÇÃO DA PEC DAS DOMÉSTICAS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestra em Direito e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado Acadêmico da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.

Área de Concentração: Instituições do Estado Democrático de Direito e Desenvolvimento Político e Social.

Orientadora: Profª. Drª. Marta Rodriguez de Assis Machado.

São Paulo 2020

Margarido, Larissa Cristina. Entre discursos e silêncios : a aprovação da PEC das domésticas na Câmara dos Deputados / Larissa Cristina Margarido. - 2020. 334 f.

Orientador: Marta Rodriguez de Assis Machado. Dissertação (mestrado) - Fundação Getulio Vargas, Escola de Direito de São Paulo.

1. Empregados domésticos - Estatuto legal, leis, etc. 2. Brasil - Constituição - Emendas. 3. Poder legislativo. 4. Direito do trabalho. 5. Análise crítica do discurso. I. Machado, Marta Rodriguez de Assis. II. Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo. III. Fundação Getulio Vargas. IV. Título.

CDU 349.2(81)

Ficha Catalográfica elaborada por: Isabele Oliveira dos Santos Garcia CRB SP-010191/O Biblioteca Karl A. Boedecker da Fundação Getulio Vargas - SP

LARISSA CRISTINA MARGARIDO

ENTRE DISCURSOS E SILÊNCIOS:

A APROVAÇÃO DA PEC DAS DOMÉSTICAS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestra em Direito e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado Acadêmico da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Área de Concentração: Instituições do Estado Democrático de Direito e Desenvolvimento Político e Social.

Data de Aprovação: 03/12/2020

BANCA EXAMINADORA

______Profª. Drª. Marta Rodriguez de Assis Machado (Orientadora) – FGV Direito SP

______Prof. Dr. José Garcez Ghirardi – FGV Direito SP

______Profª. Drª. Márcia Lima – FFLCH-USP

Ao Gui, pela saudade de todos os dias, por todas as palavras de amor não ditas, pela vontade de fazer jus ao profissional que não chegou a ser, pela graça de ter tido alguém tão especial em minha vida.

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo colo, afago e apoio. Às minhas avós, pelo amor infindável. Ao meu avô, pela inocência que vem com o esquecimento. Às minhas madrinhas e meus padrinhos, pela força, amparo e todas as lições de vida. Às(aos) minhas(eus) amigas(os), pela companhia e paciência comigo. Ao Pedro, por cuidar tão bem do meu coração e me apoiar em todos os momentos. Às minhas meninas, Ana, Taisa e Viviane, por não soltarem a minha mão. Aos meus meninos, Luis, Gabriel e Augusto, por toda a ajuda. Às(aos) minhas(eus) colegas de turma, por todos os ensinamentos e apoio mútuo. À minha orientadora, Marta, pela confiança e ensinamentos. Ao professor Garcez, pela assistência indispensável. À professora Márcia Lima, pelos valiosos comentários na banca de qualificação. À Cicera, por todo o amor. À Eliane, pelo exemplo de vida. A todas as trabalhadoras domésticas do Brasil, pela história de garra e insubordinação. À Fundação Getulio Vargas, pelo apoio financeiro por meio da bolsa Mario Henrique Simonsen de Ensino e Pesquisa. E à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela concessão da Bolsa Taxa CAPES.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a [seguinte] Lei:

Art. 1º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei. (...) Art. 7º, de minha autoria: Faz saber que a humilhação diária permanece garantida, por mais direitos que hajam ou venham haver algum dia. Parágrafo único. A janela do quarto da empregada permanecerá permanentemente fechada: ali não haverá luz do dia nem possibilidade de se cogitar encontrar a saída.

Brasília, 11 de dezembro de 1972 e Aquimesmo, 19 de maio de 2015. EMÍLIO G. MÉDICI e eu próprio, nesta ordem, sempre que for possível.

― Marcelo Labes (O FILHO DA EMPREGADA, 2016)

RESUMO

A presente dissertação tem como cerne principal identificar os posicionamentos das(os) Deputadas(os) Federais que participaram do processo de elaboração, discussão e aprovação da PEC das Domésticas (Projeto de Emenda Constitucional nº 478/2010), a partir da análise crítica e decolonial de seus discursos, acerca do trabalho doméstico no país, da representação dada as mulheres que o realizam, e do reconhecimento das necessidades e pleitos da classe. Bem como, complementarmente, distinguir como se deram e foram representadas as desigualdades de poder dos partícipes desse processo, quais sejam, as trabalhadoras domésticas brasileiras, os sindicatos e associações que as representaram, suas(eus) aliadas(os), os sindicatos e associações que representaram as(os) empregadoras(es), as(os) parlamentares envolvidas(os), entre outros. Tendo por base o projeto político- acadêmico da decolonialidade e os princípios e enfoques da Análise do Discurso Crítica, observei que, pressionadas(os), nacional e internacionalmente, a manifestar-se sobre os e aprovar alguma mudança em relação aos direitos das trabalhadoras domésticas, as(os) legisladoras(es) viram na PEC uma oportunidade de atender publicamente aos pleitos da categoria e de suas(eus) aliadas(os) e beneficiar-se politicamente disso, sem, entretanto, gerar uma transformação real e significativa das condições de vida e trabalho da classe.

PALAVRAS-CHAVE: trabalho doméstico; trabalhadoras domésticas; PEC das Domésticas; processo legislativo; movimento decolonial; análise do discurso crítica.

ABSTRACT

The main purpose of this dissertation is to identify the positions of the Federal Deputies who participated in the process of drafting, discussing, and approving the “PEC das Domésticas” (Constitutional Amendment Project nº 478/2010), based on the critical and decolonial analysis of their speeches, about domestic work in the country, representation given to the women who do it, and recognition of the needs and demands of the class. As well as, complementarily, to distinguish how the inequalities of power of the participants in this process – namely, Brazilian paid domestic workers, the unions and associations that represented them, their allies, the unions and associations that represented employers, parliamentarians involved, among others – took place and were represented. Based on the political-academic project of decoloniality and the principles and approaches of critical discourse analysis, I observed that, under pressure, both nationally and internationally, to speak out about and approve some change in relation to the rights of paid domestic workers, legislators saw the PEC as an opportunity to respond publicly to the demands of the category and its allies, and, at the same time, benefit politically, without, however, generating a real and significant transformation of the living and working conditions of the class.

KEYWORDS: domestic work; paid domestic workers; PEC das Domésticas; legislative process; decolonial movement; critical discourse analysis.

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico I – Distribuição, por Sexo e Raça, das(os) Trabalhadoras(es) Domésticas(os) no Brasil, entre 1995 e 2015 ...... 25 Gráfico II – Distribuição, por Sexo e Raça, das(os) Trabalhadoras(es) Domésticas(os) nas Regiões do Brasil, em 2015 ...... 26 Gráfico III – Distribuição Percentual, por Sexo, das Atividades Realizadas pelas(os) Trabalhadoras(es) Domésticas(os) no Brasil, em 2018 ...... 26 Gráfico IV – Distribuição, por Raça e Ocupação, da População Feminina no Brasil, entre 1995 e 2015 ...... 27 Gráfico V – Distribuição, por Raça e Forma de Contratação, das Trabalhadoras Domésticas no Brasil, em 2014 ...... 29 Gráfico VI – Distribuição Percentual, por Faixa Etária, das Trabalhadoras Domésticas no Brasil, em 2004 e 2011 ...... 29 Gráfico VII – Distribuição Percentual, por Nível de Escolaridade e Faixa Etária, das Trabalhadoras Domésticas no Brasil, em 2011 ...... 30 Gráfico VIII – Distribuição Percentual, por Faixa Etária, das Trabalhadoras que Seguiram a Profissão das Mães no Brasil, em 2014 ...... 31 Gráfico IX – Distribuição Percentual, por Faixa Etária, das Trabalhadoras Domésticas de Acordo com a Profissão de suas Mães no Brasil, em 2014 ...... 32 Gráfico X – Distribuição Percentual, por Faixa Etária e Grupo de Vulnerabilidade, das Trabalhadoras Domésticas no Brasil, em 2012 ...... 32 Gráfico XI – Distribuição Percentual, por Nível de Escolaridade e Grupo de Vulnerabilidade, das Trabalhadoras Domésticas no Brasil, em 2012 ...... 32 Gráfico XII – Distribuição Percentual, por Região do Brasil e Grupo de Vulnerabilidade, das Trabalhadoras Domésticas, em 2012 ...... 34 Gráfico XIII – Distribuição Percentual, por Grupamentos de Atividade e Associação a Sindicatos, de Trabalhadoras(es) no Brasil, em 2017 ...... 40 Gráfico XIX – Distribuição Percentual, por Sexo e Raça, da População Brasileira e dos Membros da Câmara dos Deputados, em 2015 ...... 128 Gráfico XX – Profissões das(os) Deputadas(os) Federais, em 2015 ...... 129

LISTA DE TABELAS

Tabela I – Números da Votação da PEC nº 478/2010 na Câmara dos Deputados, em 2012 130

SUMÁRIO

AUTOCARTOGRAFIA: NEGAÇÃO DE UMA NEUTRALIDADE ILUSÓRIA ...... 14

INTRODUÇÃO: QUEM SÃO AS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS? ...... 19 1 O Trabalho Doméstico Remunerado no Brasil: Informal e Indecente ...... 22 2 E a Trabalhadora, Cumé que Fica? ...... 24 3 Alguns Desafios da Luta pela Regulamentação do Trabalho Doméstico ...... 34 3.1 Marcas da Dominação ...... 34 3.2 Reprodução e Afetividade ...... 37 3.3 Baixa Sindicalização ...... 38 3.4 Distância do Poder Político ...... 40 4 Estrutura da Dissertação ...... 41

CAPÍTULO I – DO COLONIALISMO À COLONIALIDADE NO BRASIL: A QUESTÃO DA MULHER NEGRA ...... 43 1 Colonialidade de Poder: A Invenção da Raça ...... 46 2 Colonialidade do Saber: A Invenção do Epistemicídio ...... 47 3 Colonialidade de Gênero: A Invenção da Mulher ...... 50 3.1 O Debate em torno da Interseccionalidade: Em Busca de uma Ferramenta Analítica das Relações de Poder ...... 54 4 Colonialidade do Ser: A Invenção da Mãe Preta, da Mulata e da Doméstica ...... 62

CAPÍTULO II – ESCRAVIDÃO, RAÇA, GÊNERO E DIREITO: UMA HISTÓRIA CONFINADA NOS QUARTINHOS DE EMPREGADA ...... 66 1 Retecendo as Tramas da Colonização ...... 67 2 De Mulheres Africanas a Escravizadas Brasileiras ...... 67 2.1 A Escravidão no Brasil: Negras Dores Emudecidas ...... 68 2.2 O Processo de Abolição: O Primeiro Movimento Social Nacional ...... 72 2.3 O Pensamento Racial Brasileiro: Do Branqueamento à Democracia Racial ...... 80 2.4 O Surgimento do Trabalho Doméstico Assalariado: Da Senzala ao Quartinho ...... 86

CAPÍTULO III – RETALHOS LEGISLATIVOS: PASSOS QUE VÊM DE LONGE ...... 90 1 Muita Luta e Poucas Conquistas ...... 91

1.1 Os que Foram e os que Não Chegaram a Ser: Organização, Politização e Projetos de Lei ...... 91 1.2 Interseccionalidade e Empoderamento: Parcerias com Outros Movimentos ...... 104 1.2.1 Movimento Negro: Antes de Trabalhadoras, Negras ...... 105 1.2.2 Movimentos Feministas: Antes de Trabalhadoras, Mulheres ...... 107 2 A PEC das Domésticas ...... 110

METODOLOGIA DE ANÁLISE: INTERSECÇÃO ENTRE DISCURSO E ESTRUTURA SOCIAL ..... 115 1 O Discurso Legislativo como Objeto de Estudo ...... 116 2 Analisando Criticamente o Discurso Legislativo ...... 119 2.1 Análise de Discurso Crítica ...... 120 3 Vantagens e Limites da ADC ...... 122 4 Corpus da Pesquisa ...... 124 4.1 Documentos Principais ...... 124 4.2 Documentos Secundários ...... 125 4.3 Documentos Complementares ...... 125

CAPÍTULO IV – ENTRE DISCURSOS E SILÊNCIOS: A APROVAÇÃO DA PEC DAS DOMÉSTICAS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS...... 126 1 A Composição da Câmara dos Deputados: Empregadoras(es) Domésticas(os) com Poder Político ...... 127 2 Os Discursos Favoráveis ...... 130 2.1 Unanimidade: Real ou Imaginária? ...... 130 2.2 Conquista das(os) Deputadas(os) Federais?...... 136 2.3 Apagamento de Classe, Gênero e Raça...... 140 2.4 A Segunda Abolição? ...... 142 2.5 A Bancada Feminina: Apoio Tácito ou Isenção? ...... 145 2.6 A Desconsideração da PEC ...... 146 3 O Silêncio Matador ...... 149 3.1 O Não Reconhecimento das Diaristas como Trabalhadoras Domésticas ...... 150

CAPÍTULO V – ENTRE BENÉS E MESSIAS: APOIO E RESISTÊNCIA NA CÂMARA DOS DEPUTADOS ...... 154 1 A Ex-Empregada que virou Política: Benedita da Silva e a Luta pelas Trabalhadoras Domésticas ...... 155 1.1 O Perfil da Deputada: Orgulho de ter sido Trabalhadora Doméstica ...... 155 1.2 De Empregada à Empregadora...... 159 1.3 Domésticas na Constituinte: Vitórias e Derrotas ...... 160 1.4 A Oposição que Busca se Fazer Invisível ...... 162 1.5 Afastando os Mesmos Argumentos Contrários de Sempre ...... 163 1.5 A Responsabilidade de Quem Já Foi ...... 164 2 O Voto Dissidente: Jair Bolsonaro e seu “Amor” pelas Trabalhadoras Domésticas ...... 166 2.1 O Perfil do Deputado: Orgulho de ser Preconceituoso ...... 167 2.2 A Exaltação da Diferença...... 169 2.3 Um Autointitulado Aliado ...... 170 2.4 O Capitão Católico ...... 172 2.5 Inimigo do PT = Inimigo dos Pobres ...... 174

CONSIDERAÇÕES FINAIS: APROVAÇÃO PARA BRASILEIRO VER? ...... 176 1 Décadas de Luta, Minutos de Glória ...... 178 1.1 Que Regulamentação Futura? ...... 179 1.2 Políticas Públicas Transversais e a Urgência do Direito à Creche...... 182 1.3 Fiscalização do Trabalho Doméstico ...... 184 1.4 Retrocessos e Direitos a Conquistar ...... 185 2 Vulnerabilidades em Movimento ...... 188 3 Importância Simbólica: A Luta Não Foi em Vão ...... 191

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 193 1 Livros, Artigos e Pesquisas ...... 194 2 Notícias, Colunas e Postagens ...... 234 3 Mídias ...... 242 4 Perfis, Discursos e Projetos da Câmara dos Deputados ...... 243 5 Discursos e Projetos do Senado Federal ...... 255

ANEXOS ...... 256 Anexo I – Tabela de Projetos de Lei, da Câmara e do Senado, Apresentados entre 1956 e 2009, Relacionados à Conferência e Regulação de Direitos às Trabalhadoras Domésticas no País ...... 257 Anexo II – Votação da PEC na Câmara dos Deputados (1º Turno) ...... 263 Anexo III – Votação da PEC na Câmara dos Deputados (2º Turno) ...... 280 Anexo IV – Discursos da Deputada Federal Benedita da Silva ...... 287 Anexo V – Discursos do Deputado Federal Jair Bolsonaro ...... 322

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AUTOCARTOGRAFIA: NEGAÇÃO DE UMA NEUTRALIDADE ILUSÓRIA

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Antes de tudo, afirmo que meu objetivo na presente dissertação não é falar em nome das trabalhadoras domésticas brasileiras e, muito menos, pelas mulheres negras como um todo1, ou mesmo “dar voz” a elas2, nem comoditizar sua luta3, mas, pelo contrário, procuro, com base em suas produções – acadêmicas, autobiográficas e/ou artísticas – e nos privilégios que possuo, ouvi-las, lê-las, e “ser capaz de entrar em diálogo aberto, com disposição para aprender”4, de modo a ajudar a repensar um processo político amplamente disseminado como em benefício único das trabalhadoras domésticas. Na construção da presente pesquisa, parto “da racionalidade construída a partir do lugar social, político e identitário” 5 de uma mulher, branca, jovem, de classe média, heterossexual, cisgênero, sem deficiências, ateia e magra, residente de um dos maiores centros urbanos latino-americanos. Assim sendo, ainda que esteja sujeita a dominação patriarcal e colonial, ocupo uma posição extremamente privilegiada, a qual reconheço ao me posicionar como feminista decolonial e antirracista6. Ao admitir a existência da branquitude e os benefícios que a supremacia branca me proporciona7 – a mochila invisível cheia de provisões especiais, como mapas, passaportes, livros, vistos, roupas, ferramentas e cheques em branco que me foi dada ao nascer, nos termos

1 Como é comumente feito por várias acadêmicas feministas que compartilham o meu perfil socioeconômico. Ver: DUCILLE, Ann. “The Occult of True Black Womanhood.” In: DUCILLE, Ann. Skin Trade. Cambridge: Harvard University Press, 1996. pp. 81-119. 2 “Expressão máxima da soberba acadêmica” nas palavras da linguista brasileira Viviane de Melo Resente. Ver: RESENDE, Viviane de Melo. “Análise de Discurso Crítica: Reflexões Teóricas e Epistemológicas Quase Excessivas de uma Analista Obstinada”. In: RESENDE, Viviane de Melo; REGIS, Jacqueline Fiuza da Silva (Orgs.). Outras Perspectivas em Análise de Discurso Crítica. Campinas: Pontes Editores, 2017. pp. 11-51. p. 48. 3 Ver: hooks, bell. “Eating the Other: Desire and Resistance”. In: hooks, bell. Black Looks: Race and Representation. Boston: South End Press, 1992. pp. 21-39. 4 RESENDE, supra nota 2, p. 48. 5 SANTOS, Giselle Cristina dos Anjos. “Os Estudos Feministas e o Racismo Epistêmico”. Revista Gênero, Niterói, v. 16, n. 02, pp. 09-31, jan./jun. 2016. p. 12. 6 HULKO, Wendy. “The Time- and Context-Contingent Nature of Intersectionality and Interlocking Oppressions”. Affilia: Journal of Women and Social Work, Thousand Oaks, v. 24, n. 01, pp. 44-55, Feb. 2009. pp. 45-46. 7 Ver: FRANKENBERG, Ruth. White Women, Race Matters: The Social Construction of Whiteness. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1993; FRANKENBERG, Ruth (Ed.). Displacing Whiteness: Essays in Social and Cultural Criticism. Durham: Duke University Press, 1997; DELGADO, Richard; STEFANCIC, Jean (Eds.). Critical White Studies: Looking Behind the Mirror. Philadelphia: Temple University Press, 1997; BENTO, Maria Aparecida Silva. Pactos Narcísicos no Racismo: Branquitude e Poder nas Organizações Empresarias e no Poder Público. Tese (Doutorado em Psicologia) apresentada à USP. São Paulo, 2002; WARE, Vron (Org.). Branquidade: Identidade Branca e Multicultural. : Garamond, 2004; YANCY, George (Ed.). What White Looks Like: African American Philosophers on the Whiteness Question. New York City: Routledge, 2004; SOVIK, Liv. Aqui Ninguém é Branco. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009; LABORNE, Ana Amélia de Paula. Branquitude em Foco: Análises sobre a Construção da Identidade Branca de Intelectuais no Brasil. Tese (Doutorado em Educação) apresentada à UFMG. Belo Horizonte, 2014; MÜLLER, Tânia Mara Pedroso; CARDOSO, Lourenço (Orgs.). Branquitude: Estudos sobre a Identidade Branca no Brasil. Curitiba: Appris, 2017; ROTH-GORDON, Jennifer. Race and the Brazilian Body: Blackness, Whiteness, and Everyday Language in Rio de Janeiro. Oakland: University of California Press, 2017; entre outros.

16 da pesquisadora e ativista estadunidense Peggy McIntosh8 –, corrompendo o “fenômeno da transparência” que encobre a população branca9, decidi fazer a minha parte para erradicar tal supremacia, reconhecendo seu legado histórico na construção e manutenção de estruturas de dominação10, negando o “solipsismo branco”11, renunciando voluntária e continuamente a seus privilégios – na medida do possível, tendo em vista que continuarei sendo vista como branca e me beneficiando passivamente – e ajudando a transformar as estruturas que reforçam e perpetuam a supremacia branca12. Assim sendo, e tendo em vista minha afiliação aos movimentos político-acadêmicos da decolonialidade e da Análise de Discurso Crítica, busco – dentro dos insuficientes espaços e possibilidades que me são dados nos ambientes acadêmico e jurídico – combater as perspectivas baseadas na “presunção de que a objetividade e a neutralidade, bem como o individualismo e o formalismo”, e a produção de ideias abstratas e desincorporadas, “sejam parâmetros adequados e suficientes para a análise” de práticas sociais, econômicas e políticas 13 , uma vez que elas fortalecem e legitimam – ainda que nem sempre intencionalmente – uma produção de conhecimentos euro‑norte‑americana moderna, isto é, capitalista, patriarcal, racista e colonial, que mantêm as desiguais dinâmicas de poder em vigência. Ao contrário, procuro adotar, na presente dissertação, a razão subalterna – com foco especial às epistemologias do Sul –, que não esconde seu lugar de enunciação e suas influências corpo- e geopolíticas, permitindo a coexistência de diversas particularidades e diálogos horizontais entre elas14.

8 MCINTOSH, Peggy. “White Privilege: Unpacking the Invisible Knapsack”. Peace and Freedom, Philadelphia, v. 49, n. 03, pp. 10-12, Jul./Aug. 1989. p. 10. 9 FLAGG, Barbara. “’Was Blind, but Now I See’: White Race Consciousness and the Requirement of Discriminatory Intent”. Michigan Law Review, Ann Arbor, v. 91, n. 05, pp. 953-1017, Mar., 1993. 10 ALCOFF, Linda Martín. “What Should White People Do?”. Hypatia, Cambridge, v. 13, n. 03, pp. 06-26, Jun./Aug. 1998. p. 24. 11 RICH, Adrienne. “Disloyal to Civilization: Feminism, Racism, Gynephobia”. In: RICH, Adrienne. On Lies, Secrets, and Silence: Selected Prose 1966-1978. New York City: W. W. Norton & Company, 1979. Versão Digital. pp. 305-346. p. 329. 12 hooks, bell. “Overcoming White Supremacy: A Comment”. In: hooks, bell. Talking Back: Thinking Feminist, Thinking Black. New York City: Routledge, 2015. pp. 192-203. pp. 201-203. 13 MOREIRA, Adilson José. Pensando como um Negro: Ensaio de Hermenêutica Jurídica. São Paulo: Contracorrente, 2019. p. 38. 14 BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón. “Introdução”. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (Org.). Decolonialidade e Pensamento Afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. pp. 09-26. p. 15.

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Complementarmente, inspirada pela antropóloga brasileira Debora Diniz15, optei por algumas formas de grafia nesta dissertação que podem parecer incomuns, mas tem seu motivo de ser: 1. Não adoto o masculino universal tendo em vista o apagamento – histórico, social e político – das mulheres por ele gerado, substituindo-lhe pela referência específica a mulheres e homens (p. ex., trabalhadoras(es) quando refiro-me à classe como um todo ou trabalhadoras quando aludo apenas às mulheres)16; 2. Serão indicadas a formação/profissão e a nacionalidade de todas(os) as(os) autoras(es) mencionadas(os) no corpo do texto; 3. Utilizarei os termos “povos nativos” ou “povos originários”, que é como eles se autodenominam, em vez de “indígenas”17; 4. Utilizarei os termos “escravizadas(os)” em vez de escravos e “proprietárias(os)” em vez de patroas(ões) ou senhoras(es), de modo a destacar a relação de dominação entre as partes18; 5. Utilizarei os termos “negras(os)”, tendo em vista sua transição de um signo da modernidade/colonialidade para um signo do devir-negro do mundo 19 , e “amefricanas(os)”, adotando a categoria político-cultural da antropóloga brasileira amefricana Lélia Gonzalez20; 6. Não utilizarei os termos “pretas(os)” ou “pardas(os)”, mas sim “negras(os)”, a menos em caso de referência específica a alguma das categorias de autodeclaração censitária; 7. Utilizarei o termo “de cor” para fazer referência às pessoas não-brancas21; e

15 DINIZ, Debora. Carta de uma Orientadora: O Primeiro Projeto de Pesquisa. 2. ed. rev. Brasília: Letras Livres, 2013. p. 09. 16 Não adoto “x” ou “@” como instrumentos de “neutralização da linguagem”, seja por acreditar que não existe “língua neutra”, seja pelas diversas denúncias de que tais dispositivos não são inclusivos, uma vez que dificultam ou impedem a leitura de pessoas com dislexia e deficiências visuais e auditivas. 17 COINC. “Declaracion de Teotihuacan”. III Cumbre Continental de Pueblos y Nacionalidades Indígenas de Abya Yala. Iximulew, 26-30 mar. 2007. 18 HARKOT-DE-LA-TAILLE, Elizabeth; SANTOS, Adriano Rodrigues dos. “Sobre Escravos e Escravizados: Percursos Discursivos da Conquista da Liberdade”. In: Anais do III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade e I Simpósio Internacional Discurso, Identidade e Sociedade. Campinas, 14-16 fev. 2012. 19 NASCIMENTO, Gabriel. Racismo Linguístico: Os Subterrâneos da Linguagem e do Racismo. Belo Horizonte: Letramento, 2019. pp. 40-44. 20 GONZALEZ, Lélia. “A Categoria Político-Cultural da Amefricanidade”. In: GONZALEZ, Lélia. Primavera para as Rosas Negras: Lélia Gonzalez em Primeira Pessoa... São Paulo: Diáspora Africana, 2018. pp. 321-334. 21 NASCIMENTO, Tatiana. “Quem Nomeou essas Mulheres ‘de Cor’? Políticas Feministas de Tradução que Mal Dão Conta das Sujeitas Negras Traduzidas”. Translatio, Porto Alegre, n. 13, pp. 127-142, jun. 2017.

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8. Tendo em vista o escopo da presente dissertação, evitarei utilizar o termo “empregada doméstica”, optando, sendo que possível, por “trabalhadora doméstica” para referir-me às mulheres que prestam serviços domésticos remuneradamente, tanto na modalidade de pagamento mensal (mensalistas) quanto diário (diaristas), já que esta é a nomenclatura utilizada pelos sindicatos e associações da categoria “para incidir no debate público em prol de seus direitos”, e a que dá maior visibilidade ao fato de que a realização de tarefas domésticas e de cuidados é uma profissão com implicações significativas na organização social do trabalho22. A dissertação que se segue é resultado de um longo processo de autodescobrimento e autocrítica da minha possibilidade de contribuição a uma classe de trabalhadoras que fez parte de toda a minha vida, e da tentativa de trazer, às pesquisas jurídicas, conhecimentos e metodologias do campo da linguística que possibilitam novas formas de estudo dos processos políticos e decisórios.

22 MORI, Natalia; FLEISCHER, Soraya; FIGUEIREDO, Angela; BERNARDINO-COSTA, Joaze; CRUZ, Tânia (Orgs.). Tensões e Experiências: Um Retrato das Trabalhadoras Domésticas de Brasília e Salvador. Brasília: CFEMEA: MDG3 Fund, 2011. p. 20.

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INTRODUÇÃO: QUEM SÃO AS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS?

Nasce, more. Nasce, more. Cada vez que a gente nasce é um tipo de gente; uma vez nasce rico; ôtra nasce japonês; ôtra nasce comerciante; ôtra pintor de parede; nasce homem; nasce muié; nasce viado; nasce travesti; nasce gorda, pobre, preta; nasce valente, idiota; nasce de tudo. Cada vez é de uma coisa. Deus é que vai escrevendo as missão que cada um tem que cumprí. Eu aprendi isso no Espiritismo, é a reencarnação. Por que que eu é que tinha que nascê assim, desse jeito? Pobre, preta, ignorante. “Mia fia, tu tá amargando agora uma ôtra vida muito cheia de luxo, sabia?”. Não, eu num sabia de nada! A minha bisavó foi escrava; a minha vó foi doméstica; a minha mãe, quando eu nasci, ela disse que preferia me vê morta do que empregada doméstica... Eu sô doméstica!

― Renata Melo, Fernando Meirelles e Nando Olival (DOMÉSTICAS, 2001)

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Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2016, havia 67 milhões de trabalhadores domésticos em todo o mundo – 80% dos quais eram mulheres1. O emprego doméstico ocupa uma posição única no sistema capitalista, especialmente nos países em desenvolvimento com um alto nível de desigualdade social, como o Brasil. Essa posição resulta de várias características e da própria natureza desse trabalho, como sua inserção no escopo do trabalho reprodutivo e sua dominação de gênero, tendo em vista a grande maioria de mulheres no desempenho de atividades domésticas (remuneradas ou não), bem como sua associação, em maior ou menor grau e considerando especificidades regionais, com a dominação de classe e raça, uma vez que o trabalho doméstico remunerado é realizado, sobretudo, por mulheres negras, nativas e migrantes pobres, numa dinâmica que reproduz as desigualdades estruturais das sociedades, reforçando a marginalização econômica, política e social dessas mulheres2. O emprego doméstico remunerado não apenas coloca as trabalhadoras em grande risco de exploração, como também em um ciclo de vida altamente restrito, dado o isolamento extremo e as oportunidades limitadas da profissão3. Mesmo quando e onde o abuso não assume formas extremas, as trabalhadoras domésticas fazem parte de “uma das seções mais desfavorecidas e negligenciadas da força de trabalho” no mundo capitalista, além de serem expressamente excluídas das conquistas de proteção legal aos trabalhadores e negligenciadas pelos sindicatos tradicionais, sendo incapazes de se beneficiar dos direitos projetados para a classe trabalhadora como um todo4. Especificamente no Brasil, é notável a importância do trabalho doméstico para a força de trabalho feminina: tratava-se, já em 2010, da segunda nação com o maior número absoluto de trabalhadores domésticos no mundo (cerca de 6.730.000 indivíduos)5, dos quais 94% eram mulheres, majoritariamente negras (61%) – para cada 100 mulheres negras no mercado de trabalho, 21 eram trabalhadoras domésticas6 –, pobres, com baixa escolaridade e mães7. No

1 “WHO are Domestic Workers?”. International Labour Organization (ILO), Geneva, s.d. 2 VIECELI, Cristina Pereira; WÜNSCH, Julia Giles; STEFFEN, Mariana Willmersdorf (Orgs.). Emprego Doméstico no Brasil: Raízes Históricas, Trajetórias e Regulamentação. São Paulo: LTr, 2017. pp. 19-20. 3 FISH, Jennifer N. Domestic Workers of the World Unite! A Global Movement for Dignity and Human Rights. New York City: New York University Press, 2017. p. 03. 4 DU TOIT, Darcy. “Domestic Workers’ Convention: A Breakthrough in Human Rights”. Law, Democracy & Development, Bellville, v. 15, n. 01, pp. 04-07, 2011. pp. 05-06. 5 Perdendo apenas para a China, que, no mesmo período, tinha cerca de 15 milhões de trabalhadores domésticos. 6 MORI, Natalia; FLEISCHER, Soraya; FIGUEIREDO, Angela; BERNARDINO-COSTA, Joaze; CRUZ, Tânia (Orgs.). Tensões e Experiências: Um Retrato das Trabalhadoras Domésticas de Brasília e Salvador. Brasília: CFEMEA: MDG3 Fund, 2011. p. 134.

21 país, o emprego doméstico é caracterizado por altos níveis de informalidade, salários baixos, níveis rasos de proteção e relacionamentos abusivos e estratificados com as(os) empregadoras(es) 8 – em geral, as trabalhadoras domésticas ganham 60% menos do que outras(os) trabalhadoras(es) e apenas 26% delas estão no mercado formal de trabalho. Em meio a esse cenário de fragilidades patentes, a PEC das Domésticas (Projeto de Emenda Constitucional nº 478/2010 na Câmara de Deputados) foi apresentada em 2010, defendendo o estabelecimento de direitos trabalhistas iguais entre as trabalhadoras domésticas e outras(os) trabalhadoras(es) urbanas(os) e rurais. Sendo aprovado por quase todas(os) as(os) deputadas(os) federais e unanimemente pelas(os) senadoras(es), a PEC – que se propunha a acabar com a segregação legal enraizada na Constituição Federal de 1988 –, quando observada pelas lentes do movimento decolonial e da Análise de Discurso Crítica, revela uma série de posições políticas contraditórias e obscuras das(os) parlamentares que participaram de sua proposição, discussão e votação, introduzindo outras facetas de sua aprovação e simbolismo. Assim sendo, proponho identificar os posicionamentos das(os) legisladoras(es) que participaram do processo de elaboração, discussão e aprovação da PEC das Domésticas na Câmara dos Deputados, a partir da análise crítica e decolonial de seus discursos – acerca do trabalho doméstico no país, da representação dada as mulheres que o realizam, e do reconhecimento das necessidades e pleitos da classe –; bem como distinguir como as desigualdades de poder dos partícipes desse processo – quais sejam, as trabalhadoras domésticas brasileiras, os sindicatos e grupos que as representaram, suas(eus) aliadas(os), os sindicatos e grupos que representaram as(os) empregadoras(es), as(os) parlamentares envolvidas(os), entre outros – se deram e foram representadas nele. Para dar início a presente dissertação, dedico algumas páginas à apresentação do trabalho doméstico no país, das mulheres que o realizam e das dificuldades de legislá-lo, e, posteriormente, apresento a estrutura do trabalho.

7 HIGMAN, Barry. “An Historical Perspective: Colonial Continuities in the Global Geography of Domestic Service”. In: HASKINS, Victoria; LOWRIE, Claire (Eds.). Colonization and Domestic Service: Historical and Contemporary Perspectives. New York City: Routledge, 2015. pp. 19-37. pp. 23-26. 8 ACCIARI, Louisa. “Decolonising Labour, Reclaiming Subaltern Epistemologies: Brazilian Domestic Workers and the International Struggle for Labour Rights”. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 41, n. 01, pp. 39- 63, jan./abr. 2019. p. 44.

22

1 O TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO NO BRASIL: INFORMAL E INDECENTE

O trabalho doméstico é uma ocupação extremamente antiga, estando vinculada ao legado histórico mundial do patriarcado, da escravidão, do colonialismo e de outras formas de servidão, de modo que, mesmo em suas manifestações contemporâneas, continua a perpetuar hierarquias baseadas em gênero, raça, origem étnica, nacionalidade, entre outros 9. Como afirmou, em 1880, a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão: A escravidão doméstica leva a imoralidade a todas as relações da família; impede a educação dos filhos; barbariza a mulher; familiariza o homem com a tirania do senhor que ele exerce desde menino; divorcia-o do trabalho que parece-lhe logo uma ocupação servil; mistura a religião com as superstições mais grosseiras; reduz a moral a uma convenção de casta; introduz no caráter elementos inferiores, contrários a tudo o que faz o homem corajoso, verdadeiro e nobre; imprime nos que não reagem contra ela todos os característicos que distinguem o povo educado entre a escravidão do povo educado entre a liberdade.10

No Brasil, o trabalho doméstico se distingue daquele realizado nos principais países industrializados devido a três grandes especificidades: (i) as trabalhadoras são majoritariamente mulheres nativas e não imigrantes; (ii) existe uma disponibilidade abundante e desvalorizada de mão-de-obra doméstica barata no país; e (iii) o uso de tecnologias domésticas é muito menos incorporado nas residências, mesmo das famílias das classes média e alta11 – e quando o é, objetiva reduzir o trabalho de seus membros, e não o das trabalhadoras domésticas12. Tais características estão diretamente relacionadas ao fato de que o processo de surgimento e evolução do emprego doméstico no país é um dos legados dos três séculos e meio de escravidão. Com a abolição, uma série de mulheres e meninas, até então escravizadas, continuaram trabalhando para suas(eus) antigas(os) proprietárias(os) como mucamas, cozinheiras e babás13, sem, todavia, receber qualquer salário, mas tão somente abrigo – substituiu-se a senzala pelo quarto de empregada –, comida e uma suposta

9 OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO (OIT). Trabajo Decente para los Trabajadores Domésticos. Conferencia Internacional del Trabajo, 99ª Reunión (2010). Informe IV (1). Ginebra: OIT, 2009. p. 05. 10 SOCIEDADE BRASILEIRA CONTRA A ESCRAVIDÃO. “Manifesto da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão”. In: SENADO FEDERAL. A Abolição no Parlamento: 65 Anos de Luta. Volume I: 1823 a 1883. 2. ed. Brasília: Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2012. pp. 619-629. pp. 622-623. 11 PINHO, Patricia de Santana; SILVA, Elizabeth. “Domestic Relations in Brazil: Legacies and Horizons”. Latin American Research Review, Pittsburgh, v. 45, n. 02, pp. 90-113, 2010. pp. 94 e 109. 12 PINHO, Patricia de Santana. “The Dirty Body that Cleans: Representations of Domestic Workers in Brazilian Common Sense”. Meridians, Durham, v. 13, n. 01, pp. 103-128, 2015. p. 115. 13 SAFFIOTI, Heleieth. Emprego Doméstico e Capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 36.

23 proteção14. Consequentemente, a reivindicação da regularização jurídica da atividade laboral doméstica por suas trabalhadoras arrasta-se há décadas, “operando-se pela via legislativo- progressiva, sem rupturas revolucionárias”15.

Essa condição de trabalho informal que foi estabelecida entre o empregado e empregador [após a abolição] fez com quê os empregados domésticos não tivessem direitos de um trabalhador comum, sendo desde seu primórdio, um trabalho discriminado e desvalorizado; agregando-se a isso o fato de geralmente essas pessoas terem um baixo nível de escolaridade, por vezes analfabetos e não gozarem de oportunidades para se alocarem em outros segmentos do mercado de trabalho, além dos preconceitos por causa de sexo, cor, classe social, etc.16

O surgimento e desenvolvimento do mercado de trabalho da modernidade/colonialidade brasileira garantiu que as trabalhadoras domésticas não tivessem os direitos das(os) trabalhadoras(es) comuns, e, assim como suas ancestrais escravizadas, continuassem a desempenhar uma atividade discriminada, desvalorizada e não reconhecida17, por longas horas, mediante salários baixos e sem oportunidades de se realocar a outros (melhores) segmentos do mercado de trabalho18, não devendo, o Estado, interferir na “esfera privada” das famílias empregadoras. É importante notar que o que define o trabalho doméstico como informal não é sua enorme precariedade, “mas o lugar que ocupa na concepção tradicional do que é uma atividade econômica”. Sendo, o emprego doméstico, considerado um modelo de trabalho reprodutivo, uma vez que visa à manutenção, reprodução e cuidado das famílias e de seus membros – ou seja, a geração e preservação da força de trabalho a ser vendida no mercado –, dentro de seus domicílios, e não à geração de riqueza – isto é, de produtos ou serviços para o mercado –, ele é automaticamente classificado como parte da economia capitalista informal19. Tal caráter reprodutivo é fixado com base na suposta feminização ou “natureza feminina” do trabalho doméstico, isto é, sua correlação com a capacidade reprodutiva das mulheres – digam-se, suas habilidades físicas e emocionais que as qualificariam para a

14 SILVA, Deide Fátima da; LORETO, Maria Saraiva de; BIFANO, Amélia Carla. “Ensaio da História do Trabalho Doméstico no Brasil: Um Trabalho Invisível”. Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 17, n. 32, pp. 409- 438, jan./jun. 2017. pp. 419-420. 15 SOARES, Evanna. “Abolição da Escravatura e Princípio da Igualdade no Pensamento Constitucional Brasileiro (Reflexos na Legislação do Trabalho Doméstico)”. Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília, v. 20, n. 39, pp. 366-394, mar. 2010. p. 392. 16 DAMACENO, Liliane Dias; CHAGAS, Sylvia Oliveira. “Evolução do Direito Trabalhista do Empregado Doméstico de 1916 à 2013 - PEC das Domésticas”. Cadernos de Graduação - Ciências Humanas e Sociais, Aracaju, v. 01, n. 17, pp. 63-76, out. 2013. p. 65. 17 ACCIARI, supra nota 8, p. 43. 18 DAMACENO & CHAGAS, supra nota 16, p. 65. 19 SANCHES, Solange. “Trabalho Doméstico: Desafios para o Trabalho Decente”. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 17, n. 03, pp. 879-888, set./dez. 2009. p. 884.

24 realização de determinadas tarefas “inferiores” –, que leva a sua sobrerrepresentação no setor20. No Brasil, essa feminização é complementada pela racialização e por uma matriz mental enraizada na colonialidade do trabalho21, confinando o trabalho doméstico remunerado às mulheres negras22. Ademais, de acordo com a OIT, “trabalho decente” é aquele que envolve e gera: (i) oportunidades de trabalho produtivo; (ii) renda justa; (iii) segurança no local de trabalho; (iv) proteção social para as famílias; (v) melhores perspectivas de desenvolvimento pessoal e integração social; (vi) liberdade para as pessoas expressarem suas preocupações, organizarem- se e participarem das tomadas de decisões que afetam suas vidas; e (vii) igualdade de oportunidades e tratamento entre homens e mulheres23. Portanto, ainda que “os princípios e direitos fundamentais do trabalho que sustentam a noção de trabalho decente sejam um patamar básico”, o trabalho doméstico no Brasil ainda está muito longe de atingi-los24.

25 2 E A TRABALHADORA, CUMÉ QUE FICA?

Nas palavras da sindicalista e trabalhadora doméstica amefricana Lenira Carvalho:

Tem coisa que não é geral para doméstica, mas uma coisa que eu posso dizer que é geral a todas as domésticas é que nenhuma vai ser doméstica porque quis e porque escolheu. Isso eu digo e pode pesquisar, ninguém veio porque quis. A gente não teve condição de escolher; a gente vem por uma necessidade.26

No Brasil, considera-se trabalhadora doméstica a pessoa “maior de 18 anos que presta serviços de natureza contínua (frequente, constante), subordinada, onerosa e pessoal e de

20 GUTIÉRREZ-RODRÍGUEZ, Encarnación. “Domestic Work–Affective Labor: On Feminization and the Coloniality of Labor”. Women's Studies International Forum, Amsterdan, pp. 01-09, 2014. p. 02. 21 Ver: QUIJANO, Aníbal. “Colonialidad del Poder, Eurocentrismo y América Latina”. In: QUIJANO, Aníbal. Cuestiones y Horizontes: De la Dependencia Histórico-Estructural a la Colonialidad/Descolonialidad del Poder. Buenos Aires: CLACSO, 2014. pp. 777-832; BOATCᾸ, Manuela. “Coloniality of Labor in the Global Periphery: Latin America and Eastern Europe in the World-System”. Review, Binghamton, v. 36, n. 3-4, pp. 287- 314, 2013; entre outros. 22 Há décadas, mulheres por todo mundo lutam contra a imposição do trabalho reprodutivo. Ver: HIRATA, Helena. “Trabalho Doméstico: Uma Servidão ‘Voluntária’?”. In: GODINHO, Tatau; SILVEIRA, Maria Lúcia da (Orgs.). Políticas Públicas e Igualdade de Gênero. São Paulo: Coordenadoria Especial da Mulher, 2004. pp. 43- 54; PRECARIAS A LA DERIVA. A la Deriva: Por los Circuitos de la Precariedad Femenina. Madrid: Traficantes de Sueños, 2004; MORINI, Cristina. Por Amor o a la Fuerza: Feminización del Trabajo y Biopolítica del Cuerpo. Madrid: Traficantes de Sueños, 2014; FEDERICI, Silvia. O Ponto Zero da Revolução: Trabalho Doméstico, Reprodução e Luta Feminista. São Paulo: Elefante, 2019; entre outros. 23 “DECENT Work”. International Labour Organization (ILO), Geneva, s.d. 24 SANCHES, supra nota 19, p. 887. 25 GONZALEZ, Lélia. “E a Trabalhadora Negra, Cumé que Fica?”. Mulherio, São Paulo, v. 02, n. 07, p. 09, mai./jun. 1982. 26 NOVA. “Só a gente que vive é que sabe: Depoimento de uma Doméstica”. Cadernos de Educação Popular, Petrópolis, n. 04, pp. 9-78, 1982. p. 12.

25 finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de dois dias por semana” 27 . Assim sendo, integram a categoria cozinheiras, governantas, babás, faxineiras, passadeiras, acompanhantes de idosas(os), entre outras28. De acordo com a pesquisa contínua “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça”, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2015 29 , 3,07% da população total brasileira e 6% da população economicamente ativa, isto é, 6.275.592 indivíduos, atuavam como trabalhadoras(es) domésticas(os) em todas as regiões do país – 88,7% em áreas urbanas e 11,3% em áreas rurais. Deste número, 5.755.600 eram mulheres (5,5% das brasileiras, 12,6% das economicamente ativas e 91,7% do contingente total de trabalhadoras), e apenas 519.992 eram homens (respectivamente, 0,5%, 0,9% e 8,3%)30.

GRÁFICO I – Distribuição, por Sexo e Raça, das(os) Trabalhadoras(es) Domésticas(os) no Brasil, entre 1995 e 2015

8

7

6

5

4

3

Trabalhadoras(es) Domésticas(os) em em Milhões Domésticas(os) Trabalhadoras(es) 2

1

0

Total Mulheres Mulheres Negras Mulheres Brancas Homens Homens Negros Homens Brancos

Fonte: IPEA, Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, 2015.

27 BRASIL. Trabalhadores Domésticos: Direitos e Deveres. 6. ed. Brasília: Ministério do Trabalho e Previdência Social, 2015. p. 05. 28 IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: Síntese de Indicadores 2015. Rio de Janeiro: IBGE, 2016. p. 17. 29 IPEA. Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça. Rio de Janeiro: IPEA, 2015. 30 Importante destacar que, além de numericamente inferiores, os homens que atuam como trabalhadores domésticos acabam assumindo funções mais externas ao domicílio (motorista, jardineiro, vigia, etc.) e melhor remuneradas se comparadas às atribuições majoritariamente ocupadas por mulheres.

26

GRÁFICO II – Distribuição, por Sexo e Raça, das(os) Trabalhadoras(es) Domésticas(os) nas Regiões do Brasil, em 2015

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0

0,5

0,0 Trabalhadoras(es) Domésticas(os) em em Milhões Domésticas(os) Trabalhadoras(es) Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul

Total Mulheres Mulheres Negras Mulheres Brancas Homens Homens Negros Homens Brancos

Fonte: IPEA, Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, 2015.

GRÁFICO III – Distribuição Percentual, por Sexo, das Atividades Realizadas pelas(os) Trabalhadoras(es) Domésticas(os) no Brasil, em 2018

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0% Serviços Cultivo de Hortas, Motoristas Cuidados Pessoais Cozinheiras(os) Cuidadoras(es) de Domésticos Gerais Viveiros e Jardins Crianças

Mulheres Homens

Fonte: IPEA, Texto para Discussão nº 2528, 2019.

Considerando somente as trabalhadoras, 2.008.289 eram brancas (4,1% das brasileiras dessa cor e 9,3% das economicamente ativas) e 3.747.311 negras (respectivamente, 6,8% e 15,6%). Complementarmente, estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) revelou que, entre 2004 e 2011, a proporção de mulheres negras

27 que trabalhavam com serviços domésticos no país cresceu de 56,9% para 61%, enquanto a de mulheres brancas caiu de 43,1% para 39% – isto é, ambas representaram uma alteração de 4,1 pontos percentuais, mas em sentidos contrários31.

GRÁFICO IV – Distribuição, por Raça e Ocupação, da População Feminina no Brasil, entre 1995 e 2015

60

55

50

45

40

35

População Feminina em Milhões em Feminina População 30

25

20

15

10

5

0

Negra Branca Negra Economicamente Ativa Branca Economicamente Ativa Trabalhadoras Domésticas Negras Trabalhadoras Domésticas Brancas

Fonte: IPEA, Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, 2015.

Tal cenário torna-se ainda pior quando se considera que, em 2011, o rendimento médio mensal das trabalhadoras negras era de R$ 694,10, enquanto o das trabalhadoras brancas era de R$ 824,40 (18,8% maior). Os rendimentos mensais indicados devem ser analisados tendo-se em mente que a proporção da renda das trabalhadoras domésticas em sua renda mensal domiciliar era de 40,6%, sendo que 44,7% delas eram chefes de família – 43% das trabalhadoras brancas e 45,6% das negras –, das quais 58,2% chefiavam famílias extremamente pobres (isto é, que sobreviviam com até ¼ do salário mínimo)32. Além disso, essas trabalhadoras sofriam séria precariedade em termos de salários, contribuições para a Previdência Social, condições gerais de trabalho e maiores taxas de

31 DIEESE. O Emprego Doméstico no Brasil. Estudos e Pesquisas, São Paulo, n. 68, ago. 2013. 32 Ibidem, p. 10.

28 adoecimento mental33, embora essas questões variassem de acordo com o contrato de trabalho adotado: mensal, diário ou de residência no local de trabalho. As mensalistas trabalham por, ao menos, três dias por semana na mesma casa, são pagas mensalmente e não residem em seu trabalho; as diaristas trabalham para várias famílias, não residem na casa de nenhuma delas e são pagas por dia útil trabalhado; finalmente, as trabalhadoras que residem no domicílio em que trabalham – atualmente menos de 1% do total de trabalhadoras, cerca de 46 mil mulheres –34, devido a sua enorme dependência de suas(os) empregadoras(es), são pagas mensalmente, mas não recebem por horas extras ou pela prestação de serviços outros35. De forma geral, segundo dados de 2014, 69,7% das trabalhadoras domésticas – 66,5% das brancas e 71,4% das negras – não possuíam carteira assinada, ou seja, “não [tinham] garantidos direitos básicos, como licença maternidade, licença médica, férias remuneradas, 13º salário ou aposentadoria”36. A informalidade também gerava uma diminuição da renda, tendo em vista que as trabalhadoras com carteira assinada recebiam, em média, R$ 924,00 por mês, comparados aos R$ 578,00 pagos às trabalhadoras informais. Todavia, tal situação era ainda pior entre as diaristas, as quais, entre 2004 e 2014, tiveram sua proporção elevada em 10 pontos percentuais, passando a representar 31% da categoria37. Observou-se, ademais, um envelhecimento da categoria como um todo, com um aumento significativo das trabalhadoras nas faixas etárias a partir de 40 anos e a redução da proporção de jovens ocupadas na atividade38. Vale salientar que tal processo foi muito mais intenso entre as trabalhadoras domésticas do que entre as mulheres ocupadas de forma geral39, e que, ainda que reduzido nos últimos anos, o índice de trabalho doméstico infantojuvenil

33 Ver: SANTANA, Vilma; LOOMIS, Dana; NEWMAN, Beth; HARLOW, Siobán. “Informal Jobs: Another Occupational Hazard for Women's Mental Health?”. International Journal of Epidemiology, Oxford, v. 26, n. 06, pp.1236-1242, Nov. 1997; ARAÚJO, Tânia Maria de; ALMEIDA, Maura Maria Guimarães de; SANTANA, Cristiane da Costa; ARAÚJO, Edna Maria de; PINHO, Paloma de Sousa. “Transtornos Mentais Comuns em Mulheres: Estudo Comparativo entre Donas de Casa e Trabalhadoras”. Revista Enfermagem UERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 02, pp. 260-269, 2006; entre outros. 34 PINHEIRO, Luana Simões; LIRA, Fernanda; REZENDE, Marcela; FONTOURA, Natália de Oliveira. “Os Desafios do Passado no Trabalho Doméstico do Século XXI: Reflexões para o Caso Brasileiro a partir dos Dados da PNAD Contínua”. Textos para Discussão IPEA, Brasília, n. 2528, nov. 2019. p. 18. 35 MONTICELLI, Thays Almeida; SEIFFARTH, Marlene. “Paid Domestic Workers in Brazil: An Analysis of the Political and Cultural Conjunctures of Labor Rights”. In: Anais da XIII Global Labor University Conference. São Paulo, 07-09 ago. 2018. pp. 04 e 07. 36 PINHEIRO, Luana Simões; LIMA JUNIOR, Antonio Teixeira; FONTOURA, Natália de Oliveira; SILVA, Rosane da. “Mulheres e Trabalho: Breve Análise do Período 2004-2014”. Nota Técnica IPEA, Brasília, n. 24, mar. 2016. p. 17. 37 Ibidem, pp. 18-19. 38 DIEESE, supra nota 31, p. 07. 39 PINHEIRO et al., supra nota 34, pp. 13-14.

29 permanece elevado no país, sendo prevalecente entre meninas negras de 15 a 17 anos de idade40.

GRÁFICO V – Distribuição, por Raça e Forma de Contratação, das Trabalhadoras Domésticas no Brasil, em 2014

Negras

Brancas

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Mensalistas sem Carteira Assinada Mensalistas com Carteira Assinada Diaristas sem Carteira Assinada Diaristas com Carteira Assinada

Fonte: IPEA, Nota Técnica nº 24, 2016.

GRÁFICO VI – Distribuição Percentual, por Faixa Etária, das Trabalhadoras Domésticas no Brasil, em 2004 e 2011

35%

30%

25%

20%

15%

10%

5%

Percentual de Trabalhadoras Domésticas Domésticas Trabalhadoras de Percentual 0% 10 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos 50 anos ou mais

2004 2011

Fonte: DIEESE, Estudos e Pesquisas nº 68, 2013.

Um dos possíveis motivos por trás desse fenômeno foi uma redução da taxa de reposição das trabalhadoras por conta do aumento do nível de escolaridade populacional, resultante de “políticas educacionais que, ao longo dos últimos anos, procuraram democratizar o acesso ao ensino, seja ao ensino básico (que resultou na universalização do acesso ao ensino

40 BARROS, Ricardo Paes de; MENDONÇA, Rosane; DELIBERALLI, Priscila; , Monica. “O Trabalho Doméstico Infanto-Juvenil no Brasil”. Mercado de Trabalho: Conjuntura e Análise, Rio de Janeiro, n. 17, pp. 21-30, nov. 2001.

30 fundamental), seja à educação superior (com as políticas de cotas, bolsas e financiamento estudantil)”41, que possibilitou a diversas jovens – ainda que predominantemente as brancas – a entrada em outros setores do mercado de trabalho, em posições menos vulnerabilizadas. Ainda assim, a notável baixa escolaridade das trabalhadoras domésticas se manteve42. Entre 2002 e 2012, considerando apenas as jovens de 20 a 29 anos que possuíam até o ensino fundamental completo, houve um saldo negativo de 626.616 trabalhadoras domésticas – equivalente à redução de 6,9% de trabalhadoras brancas e 11,6% de negras43. Tais mulheres migraram, majoritariamente, para “ocupações no setor de serviços, como auxiliares administrativas, trabalhadoras nos serviços de embelezamento e higiene e operadoras do comércio em lojas e mercados”, mantendo, todavia, clara desigualdade racial quanto ao rendimento médio das trabalhadoras: as mulheres negras recebem, em média, 81% da renda das mulheres brancas44.

GRÁFICO VII – Distribuição Percentual, por Nível de Escolaridade e Faixa Etária, das Trabalhadoras Domésticas no Brasil, em 2011

70%

60%

50%

40%

30%

20% Percentual de Trabalhadoras Domésticas Domésticas Trabalhadoras de Percentual 10%

0% Analfabetas Fundamental Fundamental Completo Médio Completo Superior Completo Incompleto -10%

18 a 24 anos 25 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos 50 anos ou mais

Fonte: DIEESE, Estudos e Pesquisas nº 68, 2013.

Importante destacar, ainda, a relação entre a origem social das trabalhadoras domésticas no Brasil e o destino social de suas filhas. Segundo dados de 2014, dentre as

41 PINHEIRO et al., supra nota 34, p. 15. 42 PINHEIRO et al., supra nota 36, p. 17. 43 LIMA, Márcia; PRATES, Ian. “Emprego Doméstico e Mudança Social: Reprodução e Heterogeneidade na Base da Estrutura Ocupacional Brasileira”. Tempo Social, São Paulo, v. 31, n. 02, pp. 149-171, 2019. p. 165. 44 Ibidem, p. 166.

31 trabalhadoras domésticas, 14,9% seguiram a mesma ocupação de suas mães (percentual cinco vezes maior do que dentre as demais trabalhadoras). Tal processo também sofre influência da raça das mulheres envolvidas e das condições do mercado de trabalho em cada época, já que a reprodução social entre filhas de trabalhadoras domésticas é menor entre as brancas e em momentos de aquecimento da atividade econômica (como a década de 1970 e a partir da década de 2000). Nesse sentido, nota-se “uma melhora sistemática na inserção ocupacional das filhas das domésticas ao longo dos anos 2000 e início dos 2010”, seja por sua maior escolaridade, seja por novas oportunidades de inserção em outros setores do mercado de trabalho45.

GRÁFICO VIII – Distribuição Percentual, por Faixa Etária, das Trabalhadoras que Seguiram a Profissão das Mães no Brasil, em 2014

25%

20%

15%

10%

5%

0% 19 anos ou menos 20 a 29 anos 30 a 40 anos 41 a 64 anos 65 anos ou mais

Trabalhadoras Domésticas Demais Trabalhadoras

Fonte: PRATES & LIMA, 2019.

45 PRATES, Ian; LIMA, Márcia. “Vulnerabilidade Social e Mobilidade Ocupacional na Base da Pirâmide: O Emprego Doméstico Feminino no Brasil”. In: MONTAGNER, Miguel Ângelo; MONTAGNER, Maria Inez (Orgs.). Vulnerabilidades Contemporâneas. Brasília: JRG, 2019. pp. 63-79. pp. 70 e 73.

32

GRÁFICO IX – Distribuição Percentual, por Faixa Etária, das Trabalhadoras Domésticas de Acordo com a Profissão de suas Mães no Brasil, em 2014

18% 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% 19 anos ou menos 20 a 29 anos 30 a 40 anos 41 a 64 anos 65 anos ou mais

Trabalhadoras Domésticas Demais Trabalhadoras

Fonte: PRATES & LIMA, 2019.

Apesar dos dados informados revelarem uma clara homogenia do perfil majoritário das trabalhadoras domésticas – mulheres negras, pobres, com baixo nível educacional e mães –, tendo por referência as principais dimensões sociodemográficas e do mercado de trabalho, a socióloga brasileira amefricana Márcia Lima e o sociólogo brasileiro Ian Prates identificaram três grupos principais de vulnerabilidade que revelam certa heterogeneidade interna ao trabalho doméstico em 201246: (i) Grupo Mais Vulnerável – retrata 69,7% do total: caracteriza-se por ser mais negro (68,8%) e jovem, menos escolarizado, com níveis de formalização (20,3%) e salários (renda mensal média de R$ 417,83) baixos, concentrado no Nordeste e em municípios urbanos não metropolitanos (61,6%); (ii) Grupo Intermediário – representa 27,2% do total: caracteriza-se por ser mais velho, menos escolarizado, com níveis de formalização (50,4%) e salários (renda mensal média de R$ 843,12) medianos, concentrado no Sudeste; (iii) Grupo Menos Vulnerável – equivale a 3% do total: caracteriza-se por ser mais branco (50,9%) e velho, mais escolarizado, com níveis de formalização medianos (45,1%) e salários mais altos (renda mensal média de R$ 1.580,42), concentrado no Sudeste e nas regiões metropolitanas (53,4%).

46 LIMA & PRATES, supra nota 43, pp. 162-163 e 170.

33

Tais grupos revelam, dentre outros aspectos, como “os marcadores sociais que configuram o perfil das trabalhadoras domésticas funcionam dentro do próprio grupo como marcadores de diferenciação”47.

GRÁFICO X – Distribuição Percentual, por Faixa Etária e Grupo de Vulnerabilidade, das Trabalhadoras Domésticas no Brasil, em 2012

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0% 10 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 40 anos 41 a 64 anos 65 anos ou mais -10%

Mais Vulnerável Intermediário Menos Vulnerável

Fonte: LIMA & PRATES, 2019.

GRÁFICO XI – Distribuição Percentual, por Nível de Escolaridade e Grupo de Vulnerabilidade, das Trabalhadoras Domésticas no Brasil, em 2012

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0% Analfabetas Fundamental Fundamental Completo Médio Completo Superior Completo Incompleto -10%

Mais Vulnerável Intermediário Menos Vulnerável

Fonte: LIMA & PRATES, 2019.

47 Ibidem, pp. 163-164.

34

GRÁFICO XII – Distribuição Percentual, por Região do Brasil e Grupo de Vulnerabilidade, das Trabalhadoras Domésticas, em 2012

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0% Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul -10%

Mais Vulnerável Intermediário Menos Vulnerável

Fonte: LIMA & PRATES, 2019.

Portanto, considerando tanto a homogeneidade quanto a heterogeneidade que marcam as trabalhadoras domésticas brasileiras, a professora e ativista brasileira amefricana Vilma Piedade está correta em dizer que “a faxina tem cor no Brasil”48, assim como tem gênero e classe: é preta, feminina e pobre.

3 ALGUNS DESAFIOS DA LUTA PELA REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO DOMÉSTICO

Como será posteriormente mostrado, as trabalhadoras domésticas brasileiras lutam assiduamente, há décadas, pela regulamentação de sua profissão e a concessão de mais direitos à categoria. Ainda assim, tal batalha é dificultada por uma série de obstáculos, dos quais apresento quatro em maior detalhe.

3.1. Marcas da Dominação

A modernidade/colonialidade brasileira é composta por uma série de marcas da dominação, que continuam a ser infligidas nas bases da raça, do gênero e da classe no país49.

48 PIEDADE, Vilma. Dororidade. São Paulo: Nós, 2017. p. 45. 49 Ideias que serão propriamente desenvolvidas no capítulo seguinte.

35

Desse modo, e como explicado pela filósofa brasileira Marilena Chaui, o Brasil é uma sociedade autoritária constituída pelos seguintes traços50: (i) A legitimação de todas as formas de violência, pela naturalização das divisões sociais como desigualdades resultantes da inferioridade natural (das mulheres, dos negros, dos povos nativos, dos migrantes e imigrantes, dos idosos, etc.) e das diferenças como desvios de norma (como as diferenças étnicas) ou perversão (como o movimento LGBTQIA+), que nega o princípio da igualdade material de todas(os) perante a lei; (ii) A recusa – tácita ou explícita – da população em lutar contra formas de opressão social e econômica, um enorme distanciamento do direito e de seus profissionais do “povo” e o uso de violência e força letal da polícia contra a população negra e pobre: “para os grandes, a lei é privilégio; para as camadas populares, repressão”51; (iii) A indistinção entre o público e o privado que define a realização da política e do aparelho estatal brasileiros, nos quais as(os) governantas(es) e parlamentares praticam a corrupção e mantém relações pessoais de favor, clientela e tutela umas(ns) com as outras(os) e com as(os) cidadãs(ãos), “do ponto de vista dos direitos, há um encolhimento do espaço público; do ponto de vista dos interesses econômicos, um alargamento do espaço privado”52; (iv) A permanência de claros resquícios da cultura senhorial e estamental do colonialismo, fundada no mando e na obediência, na sociedade brasileira, que tem fascínio pelos símbolos de prestígio, poder e status, como demonstram, dentre outros, o bacharelismo, a utilização de títulos honoríficos sem pertinência, a manutenção do trabalho doméstico, e o consequente desprezo pelo trabalho manual e a desclassificação daquelas(es) que o realizam, bem como a interpretação e classificação dos indivíduos por meio da cor de sua pele, gênero, idade, vestuário, o emprego “corrteto” de todas as regras da gramática portuguesa53, entre outros.

50 CHAUÍ, Marilena. Brasil: Mito Fundador e Sociedade Autoritária. 2. reimp. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. pp. 94-96. 51 Ibidem, p. 94. 52 Ibidem, p. 95. 53 Ver: GRACCHO, Caio. “Pequeno Dicionário da Empregada Doméstica”. Tribuna da Magistratura, São Paulo, v. 16, n. 147, p. 14, jun. 2006.

36

Quando observamos os relacionamentos que envolvem o trabalho doméstico no Brasil atual, notamos que esses traços – em especial a repulsa pelo corpo negro, a dominação dos corpos femininos, o autoritarismo generalizado dirigido principalmente às(aos) pobres, e o desprezo pelo trabalho manual e por suas(eus) trabalhadoras(es) – são responsáveis por perpetuar “uma iconografia de representação das mulheres negras que imprime na consciência cultural coletiva a ideia de que elas estão neste planeta principalmente para servir aos outros”54, sendo, seus corpos, vistos como os “mais adequados” para realizar o trabalho de limpeza, por conta de sua suposta “hiper-resistência” e “infra-humanidade”55. Uma das principais características do autoritarismo que permeia o trabalho doméstico brasileiro é a expectativa, por parte das(os) empregadoras(es), de que as mulheres negras e pobres “conheçam seu lugar”, como revela a imposição de restrições físicas e simbólicas às trabalhadoras, como a criação do quartinho de empregada, a proibição de que as funcionárias entrem em determinados cômodos do domicílio ou utilizem-se de alguns móveis ou utensílios, entre outras56. Para elas(es), uma “empregada ideal” deve saber destas e outras normas de deferência e obediência sem precisar ser informada57. Essas normas fazem parte de um sistema mais amplo que tem origem com um acordo tácito de “lealdade” recíproca: enquanto as trabalhadoras domésticas devem ser discretas sobre a privacidade e a intimidade das famílias e demonstrar carinho e gratidão a elas, suas(eus) empregadoras(es) devem atuar como “protetoras(es)” – isto é, fazerem pequenos favores à elas ou dar-lhes alguns presentes (como antigas roupas, por exemplo). Tal acordo, entretanto, serve majoritariamente para manter os limites de classe e a estrutura de dominação entre as partes58. Enquanto as trabalhadoras domésticas continuarem a ser vistas como mão-de-obra barata, descartável e ignorante pela sociedade brasileira, ou seja, enquanto permanecer em funcionamento o autoritarismo que permeia o emprego doméstico, reivindicações pela regulamentação da profissão e pela concessão de mais direitos à classe continuarão sendo desprezadas.

54 hooks, bell. “Intelectuais Negras”. Revista Estudos Feministas, Rio de Janeiro, v. 03, n. 02, pp. 464‐479, 1995. p. 468 – tradução livre. 55 PINHO, supra nota 12. 56 Ibidem, p. 107. 57 Ibidem, pp. 108-109. 58 Ibidem, pp. 109-110.

37

3.2. Reprodução e Afetividade

O trabalho doméstico é marcado por uma forte carga de afetividade, em especial “[n]as negociações de pagamentos extra-salariais, na troca de serviços não vinculados ao contrato, nas fofocas entre mulheres e trocas de carinhos com as crianças”59, a qual reforça sua característica carga de dominação e desigualdade – em especial de gênero, raça e classe – entre as(os) empregadoras(es) e as trabalhadoras, firmando-se como um exemplo típico de reprodução estratificada. Segundo a professora estadunidense Shellee Colen, criadora de tal conceito:

Por reprodução estratificada, quero dizer que as tarefas reprodutivas físicas e sociais são realizadas diferentemente de acordo com as desigualdades que são baseadas em hierarquias de classe, raça, etnia, gênero, lugar na economia global e status de migração e que são estruturadas por fatores sociais, econômicos e políticos forças. O trabalho reprodutivo – físico, mental e emocional – de gerar, criar e socializar crianças e de criar e manter famílias e pessoas (desde a infância até a velhice) é diferentemente experimentado, valorizado e recompensado de acordo com as desigualdades de acesso ao material e recursos sociais em contextos históricos e culturais particulares.60

Desse modo, além de atuarem em um trabalho visto como feminino – ou seja, realizado majoritariamente por mulheres, tendo em vista suas características “naturalmente femininas”, e, consequentemente, marcado pela desregulamentação, desvalorização, baixa remuneração e insegurança – e reprodutivo – uma vez que não gera a produção de riquezas, ainda que garanta a criação e o cuidado da força de trabalho que assegura a manutenção do sistema capitalista –, as trabalhadoras domésticas são marcadas também por sua raça e classe, sendo vistas como profissionais descartáveis e desimportantes para a manutenção da sociedade e da economia. Além disso, a grande importância das dimensões afetivas no trabalho doméstico dá origem a uma forte ambivalência nas relações entre empregadoras(es) e trabalhadoras, fundada na intersecção entre o pacto tácito de “lealdade” recíproca, o paternalismo, a ausência de regulamentação e fiscalização estatal e a lógica do mercado capitalista61.

59 BRITES, Jurema Gorski. “Afeto e Desigualdade: Gênero, Geração e Classe entre Empregadas Domésticas e seus Empregadores”. Cadernos Pagu, Campinas, v. 29, pp. 91-109, jul./dez. 2007. p. 93. 60 COLEN, Shellee. “‘Like a Mother to Them’: Stratified Reproduction and West Indian Childcare Workers and Employers in New York”. In: GINSBURG, Faye; RAPP, Rayna (Eds.). Conceiving the New World Order: The Global Politics of Reproduction. Berkley: University California Press, 1995. pp. 78-102. p. 78 – tradução livre. 61 VIDAL, Dominique. “A Afetividade no Emprego Doméstico: Um Debate Francês à Luz de uma Pesquisa Realizada no Brasil”. In: GEORGES, Isabel; LEITE, Márcia de Paula (Orgs.). Novas Configurações do Trabalho e Economia Solidária. São Paulo: Annablume, 2009. pp. 173-192. p. 189.

38

É com base nesse cruzamento que as expectativas e os comportamentos das(os) empregadoras(es) e das trabalhadoras domésticas dificultam a conquista de novos direitos, uma vez que a relação de proximidade entre as partes é constantemente feita e desfeita conforme a necessidade das(os) empregadoras(es) de reafirmar sua posição hierárquica ou tentar convencer as trabalhadoras a não aceitar outro emprego mais vantajoso, o que seria uma “traição” as famílias que já a tinham como “quase” um membro. Como ilustraram as(os) sociólogas(os) brasileiras(os) Christiane Girard-Nunes e Pedro Isaac Silva, as(os) empregadoras(es), com base nesse relacionamento afetivo, afirmam oferecer muito mais do que prevê a lei à suas trabalhadoras, utilizando tal “impressão” como justificativa para dispensar sua formalização, convencê-las da razoabilidade dessa decisão e afastar a regulação estatal da privacidade de seus lares:

Em geral, tais empregadores já mantinham um vínculo com estas ou outras empregadas domésticas que dispensavam contratos formais. Não é incomum encontrar empregadores que relatam casos de que a empregada acompanhou a família por 20, 30 anos, participando da criação dos filhos e, às vezes, até dos netos. O imaginário da família empregadora coloca a empregada doméstica em uma situação diferente dos outros prestadores de serviço para a família. Como as empregadas domésticas são vistas “como se fossem da família”, os direitos e obrigações decorrentes de uma relação puramente contratual aí não caberiam. De fato, a expressão “como se fosse” não a torna da família, e aí reside a grande fragilidade da empregada doméstica neste mercado tão ambivalente.62

Imbricadas nesses ambientes e imobilizadas pelo histórico pacto de supostas lealdade e proteção recíprocas, muitas trabalhadoras domésticas sentem-se impedidas de sindicalizar- se, associar-se, lutar pela conquista de novos direitos e exigir a efetivação dos já conquistados, seja pelo medo de serem punidas, seja pela culpa que sentem ao fazê-los.

3.3. Baixa Sindicalização

O emprego doméstico, ao se afastar do modelo tradicional de relações capitalistas, enfrenta diversas dificuldades em sua sindicalização63. Social e culturalmente, esse trabalho é visto como reprodutivo, desvalorizado e precário, exercido majoritariamente por mulheres, e, portanto, isento da interferência do Estado por meio de leis e direitos trabalhistas, o que

62 GIRARD-NUNES, Christiane; SILVA, Pedro Henrique Isaac. “Entre o Prescrito e o Real: O Papel da Subjetividade na Efetivação dos Direitos das Empregadas Domésticas no Brasil”. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 28, n. 03, pp. 587-606, set./dez. 2013. p. 600. 63 GONÇALVES, Terezinha. “Crossroads of Empowerment: The Organisation of Women Domestic Workers in Brazil”. IDS Bulletin, Brighton, v. 41, n. 02, pp.62-69, Mar. 2010.

39 dificulta a organização das trabalhadoras, seja por falta de conhecimento dessa possibilidade, seja por medo de demissão ou represália das(os) empregadoras(es)64.

O isolamento e a fragilidade das trabalhadoras nos lares patronais, a pressão que sofrem nesses espaços contra sua politização, as relações pessoalizadas e clientelistas e a heterogeneidade de situações laborais são impedimentos de acesso direto que os sindicatos encontram para arregimentar afiliadas.65

Juridicamente, a falta de proteção legal e da garantia de direitos à categoria é notória, sendo ela, ocasionalmente, inclusive impedida de sindicalizar-se. Por fim, as barreiras logísticas/práticas referem-se, principalmente, a descentralização do setor, com trabalhadoras domésticas que atuam na casa de uma ou mais empregadoras(es) individuais, em longas jornadas duplas, mediante salários baixíssimos. Desse modo, construir organizações e sindicatos que as abarquem é uma tarefa muito mais árdua, demorada e custosa do que para outros setores profissionais66. No Brasil, o início da sindicalização das trabalhadoras domésticas remonta à década de 193067; passadas quase nove décadas, a taxa de sindicalização da categoria permanece como a mais baixa do país, contabilizando, em 2017, somente 196 mil trabalhadoras68. Ainda que, como relembra o sociólogo brasileiro amefricano Joaze Bernardino-Costa, deve-se considerar a sindicalização do trabalho doméstico como um “sindicalismo heroico” e um “movimento de re-resistência e resistência” das trabalhadoras, já que não demanda contribuição sindical ou desconto em folha de pagamento, não remunera as trabalhadoras que assumem cargos de direção, e abrange diversas mulheres de várias localidades69, a pequena e limitada rede de organizações sindicais que representa as trabalhadoras domésticas – em 2007, havia somente 45 organizações políticas pelo país, “sendo que nem todas se

64 HOBDEN, Claire. “Domestic Workers Organize – But Can They Bargain? Mapping Collective Bargaining and Other Forms of Negotiation in the Domestic Work Sector”. ILO’s Work In Progress, Genève, Feb. 2015. p. 02. 65 BRITES, Jurema Gorski. “Trabalho Doméstico: Questões, Leituras e Políticas”. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 43, n. 149, pp.422-451, mai./ago. 2013. p. 431. 66 HOBDEN, supra nota 64, p. 02. 67 Como será propriamente narrado no terceiro capítulo. 68 IBGE. “Características Adicionais do Mercado de Trabalho 2012-2017”. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, Rio de Janeiro, 2018. p. 04. 69 BERNARDINO-COSTA, Joaze. Sindicatos das Trabalhadoras Domésticas no Brasil: Teorias da Descolonização e Saberes Subalternos. Tese (Doutorado em Sociologia) apresentada à UnB. Brasília, 2007. pp. 38 e 63.

40 configuravam em sindicatos e/ou eram dirigidas por trabalhadoras domésticas”70 – dificulta sua reivindicação por direitos a nível nacional.

GRÁFICO XIII – Distribuição Percentual, por Grupamentos de Atividade e Associação a Sindicatos, de Trabalhadoras(es) no Brasil, em 2017

Administração Pública, Educação, Saúde e Serviços Sociais

Agricultura, Pecuária, Pesca e Aquicultura

Transporte, Armazenagem e Correio

Indústria Geral

Informação, Comunicação e Atividades Financeiras

Comércio e Reparação de Veículos

Construção

Alojamento e Alimentação

Outros Serviços

Serviços Domésticos

0% 5% 10% 15% 20% 25%

Total de Trabalhadoras(es) Trabalhadoras(es) Associadas(os) a Sindicatos

Fonte: IBGE, PNAD Contínua, 2018.

3.4. Distância do Poder Político

Por fim, a ausência de poder político e representatividade das trabalhadoras domésticas no Congresso ou em agências executivas é uma enorme barreira à sua luta. Nas palavras das economistas Hildete Pereira de Melo e Cristiane Soares e da socióloga Lourdes Maria Bandeira, todas brasileiras, “historicamente, identifica-se uma maior apropriação pelos homens do poder político, do poder de escolha e de decisão sobre sua vida afetivo-sexual e da visibilidade social no exercício das atividades profissionais”, submetendo as mulheres – e, principalmente, aquelas que atuam como trabalhadoras domésticas – “a relações de

70 PINHEIRO, Luana Simões; FONTOURA, Natália de Oliveira; PEDROSA, Cláudia. “Situação das Trabalhadoras Domésticas no País”. In: CASTRO, Jorge Abrahão de; ARAÚJO, Herton Ellery (Orgs.). Situação Social Brasileira: Monitoramento das Condições de Vida 2. Brasília: IPEA, 2012. pp. 93-123. p. 108.

41 dominação, violência e violação dos seus direitos no desempenho profissional nos espaços públicos”, justificadas com base em valores culturais, econômicos e políticos que legitimam as desigualdades e exclusões as quais são expostas71. Ademais, a cientista política finlandesa Merike Blofield, ao estudar as reivindicações por regulamentação e direitos trabalhistas por organizações de trabalhadoras domésticas em toda a América Latina, identificou alguns motivos por trás da relutância de atrizes(ores) políticas(os) da região em apoiar as demandas da classe. O principal deles é que a conferência de direitos às trabalhadoras domésticas compreende um declínio – social, econômico e político – na posição de suas(eus) empregadoras(es), contrariando os interesses das próprias elites políticas e de seus constituintes de classes média e alta – mesmo a bancada feminina dos países latino-americanos são formadas quase totalmente por empregadoras domésticas. Desse modo, as(os) atrizes(ores) políticas(os) tendem a resistir à extensão de direitos a categoria, seja pela indiferença a seus pleitos, seja pela apresentação meramente simbólica de propostas legislativas que não serão aprovadas72.

4 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

Esta dissertação está dividida em cinco capítulos, além da presente introdução, da metodologia e das considerações finais. No primeiro capítulo, apresento o referencial teórico que guia a pesquisa realizada e a insere no projeto decolonial, dialogando com suas(eus) autoras(es) e estudiosas(os). No segundo, realizo uma breve revisão histórica que busca elucidar as condições de vida das mulheres negras no Brasil desde o período colonial, visando apontar momentos chaves no desenvolvimento dos critérios que cercam e influenciam, até os dias de hoje, o dia- a-dia das mulheres negras brasileiras. No terceiro, retomo as inclusões e alterações legislativas em benefício da classe até o final da primeira década do século XXI, contextualizando-as dentro das políticas econômicas adotadas por cada governo presidencial, e introduzo as parcerias da categoria com os movimentos negro e feministas.

71 MELO, Hildete Pereira de; SOARES, Cristiane; BANDEIRA, Lourdes. “A Trajetória da Construção da Igualdade nas Relações de Gênero no Brasil: As Empregadas Domésticas”. In: BERTOLIN, Patrícia; ANDRADE, Denise de; MACHADO, Monica (Orgs.). Mulher, Sociedade e Vulnerabilidade. Erechim: Deviant, 2017. pp. 65-84. p. 81. 72 BLOFIELD, Merike. Care Work and Class: Domestic Workers' Struggle for Equal Rights in Latin America. University Park: The Pennsylvania State University Press, 2012. pp. 39-40.

42

Na metodologia, introduzo o movimento da Análise do Direito Crítica, ao qual me filio, apresento as dificuldades encontradas e decisões tomadas para contorná-las, e indico o corpus da pesquisa. No quarto capítulo, analiso os discursos proferidos pelas(os) deputadas(os) federais que participaram do processo de elaboração, discussão e aprovação da PEC das Domésticas, e exponho os temas que, mesmo levantados pelas trabalhadoras domésticas e suas(eus) representantes e aliadas(os) nas audiências públicas, foram voluntariamente deixados de fora da PEC. No quinto, volto-me especificamente para os discursos de Benedita da Silva e Jair Bolsonaro, por conta de sua fundamental participação – respectivamente, favorável e contrária – no processo e da polarização de interesses que representaram. Por fim, nas considerações finais, identifico os resultados da aprovação da PEC para as trabalhadoras domésticas, as normativas que a sucederam, os direitos que ainda precisam ser estendidos à categoria, e indico o que isso revela sobre o processo como um todo e suas dinâmicas de poder.

43

DO COLONIALISMO À COLONIALIDADE NO BRASIL:

A QUESTÃO DA MULHER NEGRA

Quando eu argumentei que Dororidade carrega, no seu significado, a Dor provocada em todas as Mulheres pelo Machismo, destaquei que quando se trata de Nós, Mulheres Pretas, tem um agravo nessa Dor, agravo provocado pelo Racismo. Racismo que vem da criação Branca para manutenção de Poder... E o Machismo é Racista. Aí entra a Raça. E entra Gênero. Entra Classe. Sai a Sororidade e entra Dororidade.

― Vilma Piedade (DORORIDADE, 2017)

44

Afilio-me, na presente dissertação, ao projeto político-acadêmico da decolonialidade, surgido na virada do milênio ao redor da investigação modernidade/colonialidade 1 . Nas palavras do filósofo colombiano Santiago Castro-Gómez e do sociólogo porto-riquenho Ramón Grosfoguel, o conceito de decolonialidade parte “do pressuposto de que a divisão internacional do trabalho entre centros e periferias, bem como a hierarquia étnico-racial das populações” e – adiciono – as hierarquias de gênero e sexualidade, formadas “durante vários séculos de expansão colonial europeia, não se transformou significativamente com o fim do colonialismo e a formação de Estados-nações na periferia”, o que ocorreu, de fato, foi a “transição do colonialismo moderno para a colonialidade global, um processo que certamente transformou as formas de dominação exibidas pela modernidade, mas não a estrutura das relações centro-periferia em escala mundial”2. Enquanto o colonialismo denota “um período histórico caracterizado pelo domínio direto, a partir de um modelo administrativo, político e econômico, de algumas nações sobre outras, iniciado no século XV e consolidado no século XIX”3; a colonialidade refere-se à manutenção de um modelo de dominação e exploração dos impérios sobre suas colônias por meio do controle de seu trabalho, conhecimento, autoridade e relações intersubjetivas 4 , levando à concentração mundial de recursos, à naturalização de hierarquias territoriais, raciais, culturais e epistêmicas, e à subalternização e obliteração do conhecimento, experiências e modos de vida daquelas(es) que são dominadas(os) e exploradas(os) 5 . Consequentemente, ao passo que a descolonização indica o processo de superação do colonialismo, associado a lutas anticoloniais e a conquista de independência política das colônias; a decolonialidade 6 refere-se ao projeto que busca examinar e transcender a modernidade/colonialidade7.

1 ESCOBAR, Arturo. “‘Mundos y Conocimientos de Otro Modo’: El Programa de Investigación de Modernidad/Colonialidade Latinoamericano”. Tabula Rasa, Bogotá, n. 01, pp. 51-86, ene./dic. 2003. 2 CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón. “Giro Decolonial, Teoría Crítica y Pensamiento Heterárquico”. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (Eds.). El Giro Decolonial: Reflexiones para una Diversidad Epistémica Más Allá del Capitalismo Global. Bogotá: Siglo del Hombre, 2007. pp. 09-23. p. 13 – tradução livre, removidos os destaques originais. 3 CARDOSO, Cláudia Pons. Outras Falas: Feminismos na Perspectiva de Mulheres Negras Brasileiras. Tese (Doutorado em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo) apresentada à UFBA. Salvador, 2012. p. 91. 4 MALDONADO-TORRES, Nelson. “Sobre la Colonialidad del Ser: Contribuciones al Desarrollo de un Concepto”. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (Eds.). El Giro Decolonial: Reflexiones para una Diversidad Epistémica Más Allá del Capitalismo Global. Bogotá: Siglo del Hombre, 2007. pp. 127-167. p. 131. 5 RESTREPO, Eduardo; ROJAS, Axel. Inflexión Decolonial: Fuentes, Conceptos y Cuestionamientos. Popayán: Editorial Universidad del Cauca, 2010. p. 15. 6 Adoto a expressão “decolonial”, com o suprimento do “s”, nos mesmos termos elucidados pela educadora estadunidense Catherine Walsh: “Não estamos simplesmente tentando desarmar, desfazer ou reverter o colonial; isto é, passar de um momento colonial para um não colonial, como se fosse possível que seus padrões e traços 45

Nesse sentido, o projeto da decolonialidade adota o conceito de “sistema mundo europeu/euro‑norte‑americano moderno/capitalista colonial/patriarcal” 8 , uma vez que ele “questiona abertamente o mito da descolonialização e a tese de que o pós-modernismo nos leva a um mundo já desconectado da colonialidade” 9 , reconhecendo que “as estruturas duradouras formadas durante os séculos XVI e XVII continuam a desempenhar um papel importante no presente”10. Como resumiu a antropóloga e ativista dominicana amefricana Ochy Curiel, descolonizar implica entender a complexidade das relações e subordinações exercidas sobre aquelas(es) consideradas(os) “outras(os)”11.

A primeira descolonialização (iniciada, no século XIX, pelas colônias espanholas e seguida, no século XX, pelas colônias inglesas e francesas) foi incompleta, pois se limitou à independência político-legal das periferias. Em vez disso, a segunda descolonialização – que denominamos ‘categoria de decolonialidade’ – terá de abordar a heterarquia de múltiplas relações raciais, étnicas, sexuais, epistêmicas, econômicas e de gênero que a primeira descolonialização deixou intacta.12

Segundo as(os) autoras(es), o capitalismo não deve ser entendido apenas como um sistema econômico ou cultural, mas como uma rede global de poder composta por processos econômicos, políticos, culturais e linguísticos que organizam a população mundial em uma divisão internacional do trabalho com implicações econômicas diretas13. É importante destacar que a categoria de decolonialidade não abrange somente a dominação colonial resultante das relações entre centro-periferia ou império-colônia, mas também a dominação interna aos próprios impérios, como a situação das(os) negras(os) e chicanas(os) no Estados Unidos, das(os) paquistanesas(es)e indianas(os) na Inglaterra, das(os) magrebinas(os) na França, etc.14

cessassem de existir. A intenção, ao contrário, é sinalizar e provocar uma posição – postura e atitude contínuas – de transgredir, intervir, insurgir e influenciar. O decolonial denota, então, um caminho contínuo de luta no qual identificar, tornar visíveis e incentivar ‘lugares’ de exterioridade e construções alternativas”. In: WALSH, Catherine. Interculturalidad, Estado, Sociedad: Luchas (De)Coloniales de Nuestra Época. Quito: Ediciones Abya-Yala, 2009. pp. 14-15 – nota de rodapé nº 1 – tradução livre. 7 RESTREPO & ROJAS, supra nota 5, pp. 16-17. 8 GROSFOGUEL, Ramón. “Para Descolonizar os Estudos de Economia Política e os Estudos Pós-Coloniais: Transmodernidade, Pensamento de Fronteira e Colonialidade Global”. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 80, pp. 115-147, mar. 2008. 9 CASTRO-GÓMEZ & GROSFOGUEL, supra nota 2, p. 14 – tradução livre. 10 Ibidem – tradução livre. 11 CURIEL, Ochy. “Crítica Poscolonial desde las Prácticas Políticas del Feminismo Antirracista”. Nómadas, Bogotá, n. 26, pp. 92-101, 2007. p. 100. 12 CASTRO-GÓMEZ & GROSFOGUEL, supra nota 2, p. 17 – tradução livre. 13 Ibidem, pp. 16-17. 14 BERNARDINO-COSTA, Joaze; GROSFOGUEL, Ramón. “Decolonialidade e Perspectiva Negra”. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 31, n. 01, pp. 15-24, jan./abr. 2016. p. 20. 46

1 COLONIALIDADE DE PODER: A INVENÇÃO DA RAÇA

De acordo com o sociólogo peruano Aníbal Quijano, o poder caracteriza-se como um tipo de relação social resultante da dominação, da exploração e do conflito em torno da disputa pelo controle: (i) do trabalho e de seus produtos; (ii) da “natureza” do trabalho e de seus recursos de produção; (iii) do sexo, “seus produtos” e da reprodução das espécies; (iv) da subjetividade e de seus produtos materiais e intersubjetivos; e (v) da autoridade e de seus instrumentos, “para garantir a reprodução desse padrão de relações sociais e regular suas mudanças”15. Sendo que, atualmente, o padrão de poder mundial procede da articulação entre a colonialidade do poder, o capitalismo como padrão universal de exploração social, o Estado- nação moderno e o Eurocentrismo16. Conforme introduzido pelo autor, o conceito de colonialidade de poder centra-se no reconhecimento da imposição de uma classificação racial/étnica da população mundial como a base fundamental da colonialidade17. A invenção do “ser negro” trata-se da expressão mais profunda, duradoura e eficaz de dominação social, material e intersubjetiva, sendo imposta a toda a população do planeta no curso da expansão do colonialismo europeu18. Como explicou o filósofo camaronês Achille Mbembe, a “raça não existe enquanto fato natural físico, antropológico ou genético”, ela “não passa de uma ficção útil, de uma construção fantasista ou de uma projeção ideológica”19. O termo “negro”, de origem ibérica, surge no início do século XVI e populariza-se dois séculos depois, no auge do tráfico negreiro, designando uma série de características negativas que estariam atreladas às pessoas escravizadas – inicialmente os povos nativos da América Latina e, posteriormente, a população nativa do continente africano, a quem o termo se refere até hoje –, desumanizando- as20. Tal termo teria sido criado com o objetivo de designar indivíduos que, pela sua aparência física – inicialmente, as diferenças fenotípicas utilizadas como expressão das diferenças raciais eram a cor da pele, o cabelo e a forma e cor dos olhos; a partir do século XIX, foram incluídos o formato do rosto, o tamanho do crânio e o formato e tamanho do

15 QUIJANO, Aníbal. “Colonialidad del Poder y Clasificación Social” In: QUIJANO, Aníbal. Cuestiones y Horizontes: De la Dependencia Histórico-Estructural a la Colonialidad/Descolonialidad del Poder. Buenos Aires: CLACSO, 2014. pp. 285-327. p. 289. 16 QUIJANO, Anibal. “Colonialidad del Poder, Globalización y Democracia”. Revista de Ciencias Sociales de la Universidad Autónoma de Nuevo León, San Nicolás de los Garza, v. 04, n. 07-08, pp. 01-23, sep. 2001/abr. 2002. p. 01. 17 QUIJANO, supra nota 15, p. 285. 18 QUIJANO, supra nota 16, p. 01. 19 MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Lisboa: Antígona, 2014. pp. 26-27. 20 Ibidem, pp. 75-76. 47 nariz21 –, seus usos e costumes e suas maneiras de ser, não seriam reconhecidos como seres humanos, e “precisamente porque eles não eram nem como nós nem dos nossos, o único elo que podia unir-nos a eles seria – paradoxalmente – o elo da separação”22. Nos termos do filósofo martiniquense amefricano Frantz Fanon, uma vez que o ser humano é branco, a(o) negra(o) pertence à zona de não-ser23.

Produzir o Negro é produzir um vínculo social de submissão e um corpo de exploração, isto é, um corpo inteiramente exposto à vontade de um senhor, e do qual nos esforçamos para obter o máximo de rendimento. Mercê de trabalhar à corveia, o Negro é também nome de injúria, o símbolo do homem que enfrenta o chicote e o sofrimento num campo de batalha em que se opõem grupos e facções sócio- racialmente segmentadas.24

Com a criação da raça, tem-se a fundação de uma hierarquia global de superioridade e inferioridade que passou a ser política, cultural e economicamente produzida e reproduzida pelas instituições do sistema mundo europeu/euro‑norte‑americano moderno/capitalista colonial/patriarcal. As pessoas racializadas como inferiores – isto é, as pessoas de cor – tem seu acesso a direitos, recursos materiais e reconhecimento social de suas subjetividades, identidades, espiritualidades e epistemologias negados, uma vez que são vistas como sub- ou não-humanas25.

2 COLONIALIDADE DO SABER: A INVENÇÃO DO EPISTEMICÍDIO

Outra forma de dominação que teve início com o colonialismo, de modo a justificar e legitimar a dominação imperial, foi a formação do Eurocentrismo, ou seja, a identificação do outro – o não-europeu – como atrasado e subdesenvolvido em relação ao colonizador. Surgiu, assim, o “mito da modernidade”, segundo o qual, por meio de um esforço da razão como processo crítico, a humanidade poderia emancipar-se da imaturidade, alcançando um novo nível de desenvolvimento26; com base nele, “a civilização moderna se autodescreveu como a mais desenvolvida e superior e, por isso, com a obrigação moral de desenvolver os primitivos”27.

21 QUIJANO, supra nota 15, pp. 318-319. 22 MBEMBE, supra nota 19, pp. 88-89 – destaques no original. 23 FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 26. 24 MBEMBE, supra nota 19, p. 40. 25 GROSFOGUEL, Ramón. “What is Racism?”. Journal of World-System Research, Pittsburgh, v. 22, n. 01, pp. 10-15, 2016. 26 DUSSEL, Enrique. “Europa, Modernidade e Eurocentrismo”. In: LANDER, Edgardo (Org.) A Colonialidade do Saber: Eurocentrismo e Ciências Sociais. Perspectivas Latino-Americanas. Buenos Aires: Clacso, 2005. pp. 24-32. p. 27. 27 BERNARDINO-COSTA & GROSFOGUEL, supra nota 14, pp. 17-18. 48

Concomitantemente ao reconhecimento da Europa como lar do conhecimento e da cultura modernos, tais nações deram início a “um processo de dissimulação, esquecimento e silenciamento de outras formas de conhecimento que dinamizavam outros povos e sociedades”28, isto é, empreenderam o epistemicídio dos conhecimentos “primitivos” pela subalternização, subordinação, marginalização e/ou criminalização de práticas e grupos sociais 29, que visou homogeneizar o mundo e apagar diferenças culturais, por meio do que Quijano chamou de um “espelho deformador”:

quando olhamos para o nosso espelho eurocêntrico, a imagem que vemos é necessariamente parcial e distorcida. Aqui, a tragédia é que todos fomos levados, sabendo ou não, querendo ou não, a ver e aceitar essa imagem como nossa e como pertencendo apenas a nós. Dessa maneira, continuamos sendo o que não somos. E, como resultado, nunca podemos identificar nossos problemas reais, muito menos resolvê-los, exceto de maneira parcial e distorcida.30

Importante destacar a ampliação do conceito de epistemicídio empreendido pela a filósofa brasileira amefricana, fundadora e diretora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, Sueli Carneiro:

Para nós, porém, o epistemicídio é, para além da anulação e desqualificação do conhecimento dos povos subjugados, um processo persistente de produção da indigência cultural: pela negação ao acesso a educação, sobretudo de qualidade; pela produção da inferiorização intelectual; pelos diferentes mecanismos de deslegitimação do negro como portador e produtor de conhecimento e de rebaixamento da capacidade cognitiva pela carência material e/ou pelo comprometimento da auto-estima pelos processos de discriminação correntes no processo educativo. Isto porque não é possível desqualificar as formas de conhecimento dos povos dominados sem desqualificá-los também, individual e coletivamente, como sujeitos cognoscentes. E, ao fazê-lo, destitui-lhe a razão, a condição para alcançar o conhecimento “legítimo” ou legitimado. Por isso o epistemicídio fere de morte a racionalidade do subjugado ou a seqüestra, mutila a capacidade de aprender etc.31

Simultaneamente, foi implementado o “encobrimento da localização particular do sujeito de enunciação”32, criando e reforçando o mito de que é totalmente possível – ao menos aos autores brancos, europeus, de classes média ou alta, e heterossexuais – “pensar fora do

28 Ibidem. 29 SANTOS, Boaventura de Sousa. La Globalización del Derecho: Los Nuevos Caminos de la Regulación y la Emancipación. Bogotá: ILSA, 1998. pp. 207-211. 30 QUIJANO, Aníbal. “Colonialidad del Poder, Eurocentrismo y América Latina”. In: QUIJANO, Aníbal. Cuestiones y Horizontes: De la Dependencia Histórico-Estructural a la Colonialidad/Descolonialidad del Poder. Buenos Aires: CLACSO, 2014. pp. 777-832. p. 807 – tradução livre. 31 CARNEIRO, Sueli. A Construção do Outro como Não-Ser como Fundamento do Ser. Tese (Doutorado em Educação) apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005. p. 97. 32 FIGUEIREDO, Ângela. “Descolonização do Conhecimento no Século XXI”. In: SANTIAGO, Ana Rita; CARVALHO, Juvenal Conceição de; BARROS, Ronaldo Crispim Sena; SILVA, Rosangela Souza da (Orgs.). Descolonização do Conhecimento no Contexto Afro-Brasileiro. 2. ed. Cruz das Almas: UFRB, 2019. pp. 75-102. p. 88. 49 corpo e fora do tempo e do espaço”33. Como explicou a antropóloga brasileira amefricana Ângela Figueiredo:

Por meio desta desconexão entre a localização do sujeito nas relações de poder e a localização epistêmica, a filosofia ocidental e suas ciências conseguiram produzir um mito universalista que encobre o lugar de quem fala e suas localizações epistêmicas nas estruturas de poder.34

Buscando combater tal processo, o projeto da decolonialidade analisa os processos do sistema-mundo com base no conhecimento subalternizado, proveniente das periferias, formulado a partir das perspectivas, visões de mundo e/ou experiências dos sujeitos subordinados35, sem pretensão de neutralidade e objetividade 36. Desse modo, trata-se da adoção de “uma posição política que atravessa o pensamento, as ações individuais e coletivas, nosso imaginário, nossos corpos, nossas sexualidades, nossos modos de agir e de estar no mundo”, criando uma forma de resistência intelectual que parte de práticas sociais e da construção do pensamento de acordo com experiências concretas 37 . Nas palavras do semiólogo argentino Walter Mignolo:

A razão subalterna é aquilo que surge como resposta à necessidade de repensar e reconceitualizar as histórias narradas e a conceitualização apresentada para dividir o mundo em regiões e povos cristãos e pagãos, civilizados e bárbaros, modernos e pré- modernos e desenvolvidos e sub-desenvolvidos, todos eles projetos globais mapeando a diferença colonial.38

A essa diversidade de intervenções epistemológicas, o professor português Boaventura de Sousa Santos designou de “epistemologias do Sul” 39 – sendo, o Sul, “concebido metaforicamente como um campo de desafios epistêmicos, que procuram reparar os danos e impactos historicamente causados pelo capitalismo na sua relação colonial com o mundo”, que sobrepõe-se, parcialmente, com o Sul geográfico40 –, de modo a denunciar a supressão das formas de saber próprias dos povos colonizados, valorizar os saberes que resistiram, estão

33 Ibidem, p. 89. 34 Ibidem. 35 BERNARDINO-COSTA & GROSFOGUEL, supra nota 14, p. 19. 36 CASTRO-GÓMEZ & GROSFOGUEL, supra nota 2, p. 21. 37 CURIEL, Ochy. “Hacia la Construcción de un Feminismo Descolonizado”. In: MIÑOSO, Yuderkys Espinosa; CORREAL, Diana Gómez; MUÑOZ, Karina Ochoa (Eds.). Tejiendo de Otro Modo: Feminismo, Epistemología y Apuestas Descoloniales en Abya Yala. Popayán: Universidad del Cauca, 2014. pp. 325-334. p. 326 – tradução livre. 38 MIGNOLO, Walter. Histórias Locais/Projetos Globais: Colonialidade, Saberes Subalternos e Pensamento Liminar. Belo Horizonte: UFMG, 2003. p. 143. 39 SANTOS, Boaventura de Sousa. Toward a New Common Sense: Law, Science and Politics in the Paradigmatic Transition. New York City: Routledge, 1995. 40 SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. p. 19. 50 sendo recuperados ou construídos por seus indivíduos, e investigar as condições de um diálogo horizontal entre conhecimentos41.

3 COLONIALIDADE DE GÊNERO: A INVENÇÃO DA MULHER

Apesar da inegável importância da criação do conceito de colonialidade de poder por Quijano, o autor defendeu que o sexo é um atributo biológico elaborado como categoria social – diferentemente da raça e da classe, que não possuem qualquer relação com a estrutura biológica dos indivíduos – e adotou a compreensão global, eurocêntrica, capitalista e binária do que é o gênero42, afirmando, ainda, que a exploração sexual e de gênero é descontínua – diversamente da dominação de raça e classe43. Antes de qualquer coisa, cabe clarificar que entendo “gênero” como categorias: (i) definidas em termos de como uma pessoa está posicionada socialmente – como sua vida é estruturada social, legal e economicamente – e não com base em características físicas ou psicológicas; (ii) estabelecidas hierarquicamente, dentro de um complexo mais amplo de relações opressivas; e (iii) que funcionam como um marcador físico de modo a distinguir os grupos – feminino e masculino – e são utilizados como justificativa para a visualização e o tratamento diferenciado dos membros de cada grupo44. Contrapondo as afirmações de Quijano, a filósofa argentina María Lugones introduziu a colonialidade de gênero, que vê o gênero como um elemento estruturador – e não subordinado – da colonialidade do poder45. A autora alegou que “compreender o lugar do gênero nas sociedades pré-coloniais é essencial para entender a natureza e o escopo das mudanças na estrutura social” impostas pelos processos que constituem o sistema de gênero colonial/moderno, mudanças essas que foram introduzidas lenta, descontínua e heterogeneamente, inferiorizando violentamente as mulheres colonizadas46. Conforme explicou a antropóloga argentina Rita Laura Segato, antes da colonização das sociedades nativas da América Latina e do continente africano, elas já eram marcadas por

41 Ibidem, p. 20. 42 QUIJANO, supra nota 15, p. 317. 43 Ibidem, p. 315. 44 HASLANGER, Sally. “Gender and Race: (What) Are They? (What) Do We Want Them To Be?”. Noûs, New Jersey, v. 34, n. 01, pp. 31-55, Mar. 2000. p. 38. 45 COSTA, Claudia de Lima. “Feminismo, Tradução Cultural e a Descolonização do Saber”. Fragmentos, Florianópolis, n. 39, pp. 45-59, jul./dez. 2010. p. 50. 46 LUGONES, María. “Heterosexualism and the Colonial/Modern Gender System”. Hypatia, Cambridge, v. 22, n. 01, pp. 186-209, Dec./Feb. 2007. p. 201 – tradução livre. 51 uma organização patriarcal de “baixa intensidade”47, a qual foi perigosamente modificada, dando origem a uma ordem ultra-hierárquica, devido:

(i) a superinflação dos homens no ambiente comunitário, no seu papel de intermediários com o mundo exterior, ou seja, com a administração do branco; (ii) a emasculação dos homens no ambiente extracomunitário, frente ao poder dos administradores brancos; (iii) a superinflação e universalização da esfera pública, que na condição de espaço público era habitada ancestralmente pelos homens, e o consequente colapso e a privatização da esfera doméstica; e (iv) a binarização da outrora dualidade de espaços, resultante da universalização de um dos seus dois termos quando constituído agora como esfera pública, por oposição ao outro, constituído como espaço privado.48

Assim sendo, a “missão civilizadora” colonial serviu como máscara eufemística para o acesso brutal ao corpo das(os) nativas(os) e africanas(os), “através de uma exploração inimaginável, violações sexuais, controle reprodutivo e terror sistemático”49. Nesse processo, por meio da catequização, os povos colonizados foram introduzidos às ideias de pecado e divisão maniqueísta entre o bem e o mal, que justificou a colonização de sua memória e, portanto, de seus sentidos pessoais, de sua relação intersubjetiva, e de sua relação com o mundo espiritual, com a terra, com sua concepção de realidade, identidade e organização ecológica, social e cosmológica; desse modo, a normatividade que unia gênero e civilização se concentrou em apagar comunidades, práticas e conhecimentos, além de mudar e controlar a reprodução e práticas sexuais das mulheres50. Vários estudos relataram a transformação – e, em muitos casos, destruição – da organização e dos costumes originários de vários povos latino-americanos51, africanos52 e

47 SEGATO, Rita Laura. “Gênero e Colonialidade: Em Busca de Chaves de Leitura e de um Vocabulário Estratégico Descolonial”. e-cadernos CES, Coimbra, v. 18, pp. 106-131, 2012. pp. 116-117. 48 Ibidem, p. 118 – removido destaque original. 49 LUGONES, María. “Toward a Decolonial Feminism”. Hypatia, Cambridge, v. 25, n. 04, pp. 742-759, Sep./Nov. 2010. p. 744 – tradução livre. 50 Ibidem, p. 745. 51 Ver: SILVERBLATT, Irene. Moon, Sun, and Witches: Gender Ideologies and Class in Inca and Colonial Peru. Princeton: Princeton University Press, 1987; FRANCO, Jean. Plotting Woman: Gender and Representation in Mexico. New York: Columbia University Press, 1989; GUTIÉRREZ, Margarita; PALOMO, Nellys. “Autonomía con Mirada de Mujer”. In: MAYOR, Araceli Burguete Cal y (Coord.). México: Experiencias de Autonomía Indígena. Guatemala: IWGIA, 1999. pp. 54-86; KLEIN, Cecelia (Ed.). Gender in Pre-Hispanic America. Washington, D. C.: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2001; HERNÁNDEZ CASTILLO, Rosalva Aída. “Entre el Etnocentrismo Feminista y el Esencialismo Étnico: Las Mujeres Indígenas y sus Demandas de Género”. Debate Feminista, Ciudad de México, v. 12, n. 24, pp. 206-230, 2001; HERNÁNDEZ CASTILLO, Rosalva Aída. “Re-pensar el Multiculturalismo desde el Género: Las Luchas por el Reconocimiento Cultural y los Feminismos de la Diversidad”. La Ventana - Revista de Estudios de Género, Guadalajara, n. 18, pp. 07-39, dic. 2003; HERNÁNDEZ, Rosalva Aída; SIERRA, María Teresa. “Repensar los Derechos Colectivos desde el Género: Aportes de las Mujeres Indígenas al Debate de la Autonomía”. In: NÉSTOR, Martha Sánchez (Coord.). La Doble Mirada: Voces e Historias de Mujeres Indígenas Latinoamericanas. Ciudad de México: Instituto de Liderazgo Simone de Beauvoir, 2005. pp. 105-120; MARCOS, Sylvia. Taken from the Lips: Gender and Eros in Mesoamerican Religions. Leiden: Brill, 2006; CUSICANQUI, Silvia Rivera. Ch’ixinakax Utxiwa: Una Reflexión sobre Prácticas y Discursos 52 norte-americanos53, com destaque para a considerável perda do poder das mulheres pela negociação – e invenção –, pelos colonizadores, de certas estruturas masculinas54. Destaco dois estudos realizados no Brasil sobre o tema. O primeiro revelou como as interações dos Bakairí com brancos afetaram todas as suas tradições culturais e de gênero, em especial quanto à capacidade das mulheres de contribuírem economicamente; a presença e liderança feminina na arena pública; seu papel nos rituais religiosos; e sua capacidade de tomada de decisão em relação ao sexo, ao casamento e ao divórcio 55 . O segundo, por sua vez, demonstrou a existência de uma complexa construção de gênero no mundo tradicional Yorùbá, que foi preservada nos cultos xangô da tradição Nagô, em Recife56. Desse modo, ao revelar aspectos fundamentais da intersecção entre raça e gênero, a colonialidade de gênero acomoda o estreitamento da dominação sobre os povos colonizados57. Isto pois, “ambos os conceitos interagem entre si, fundindo-se em formas específicas de opressão e mesclando imaginários de longa data, a fim de justificar hierarquias de subjetividade e ordens econômicas, políticas e epistêmicas associadas a tais subjetividades”58. Como explicou a professora estadunidense de mídia e estudos culturais Freya Schiwy:

O gênero dos imaginários coloniais tem funcionado como um meio de tornar a masculinidade europeia através do Outro. Ou seja, homens europeus e caucasianos criam uma imagem de si em oposição à conferida aos homens colonizados, os quais foram representados como efeminados ou como parte de uma natureza irracional ligada a aspectos femininos. A emasculação de nativos na América Latina prefigurou e paralelizou a de outros povos colonizados, encenada e inscrita por meio de estupros, reais e no imaginário de textos coloniais, e, posteriormente, na literatura e no cinema indigenista. A força desse instrumento de guerra se baseou não apenas no dano infligido às mulheres, mas também na incapacidade dos homens colonizados de proteger “suas mulheres”. O estupro, o ato fundador e o tropo da

Descolonizadores. Buenos Aires: Tinta Limón, 2010; PAREDES, Julieta. Hilando Fino desde el Feminismo Comunitario. La Paz: CEDEC/Mujeres Creando Comunidad, 2010; entre outros. 52 Ver: SHOSTAK, Marjorie. Nisa: The Life and Words of a !Kung Woman. Cambridge: Harvard University Press, 1981; OYEWÙMÍ, Oyéronké. The Invention of Women: Making an African Sense of Western Gender Discourses. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997; entre outros. 53 Ver: ANDERSON, Karen. Chain Her by One Foot: The Subjugation of Native Women in Seventeenth- Century New France. New York City: Routledge, 1991; ALLEN, Paula Gunn. The Sacred Hoop: Recovering the Feminine in American Indian Traditions. Boston: Beacon Press, 1992; PERDUE, Theda. Cherokee Women: Gender and Culture Change, 1700-1835. Lincoln: University of Nebraska Press, 1998; entre outros. 54 GAUTIER, Arlette. “Mujeres y Colonialismo”. In: FERRO, Marc (Coord.). El Libro Negro del Colonialismo. Siglos XVI al XXI: Del Exterminio al Arrepentimiento. Madrid: La Esfera de los Libros, 2005. pp. 677-723. p. 718. 55 PICCHI, Debra. “Unlikely Amazons: Brazilian Indigenous Gender Constructs in a Modern Context”. History and Anthropology, Abingdon, v. 14, n. 01, pp. 23-39, 2003. 56 SEGATO, Rita Laura. “Inventando a Natureza: Família, Sexo e Gênero nos Xangôs de Recife”. Anuário Antropológico, Rio de Janeiro, v. 10, pp. 11-54, 1985. 57 LUGONES, supra nota 46, p. 198. 58 SCHIWY, Freya. “Decolonization and the Question of Subjectivity: Gender, Race, and Binary Thinking”. Cultural Studies, Abingdon, v. 21, n. 02-03, pp. 271-294, Mar./May 2007. p. 275 – tradução livre. 53

mestiçagem, reforça as relações patriarcais, onde as mulheres são reduzidas a objetos e seu abuso passa a significar danos à honra masculina59.

Segundo a antropóloga alemã Verena Stolcke, na modernidade/colonialidade, há uma homologia e um vínculo ideológico-político entre as relações sexo-gênero e raça-etnia, de modo que a dominação de raça e de gênero são igualmente construídas e legitimadas com base em supostos “fatos biológicos”60. Tal processo explica a dupla desigualdade sofrida pelas mulheres colonizadas: se, no contexto imperial, as mulheres brancas não tinham voz, e, no contexto colonial, os nativos não possuíam humanidade, as mulheres “subalternas” foram empurradas ainda mais profundamente para as sombras61. Como esclareceu Curiel:

A sociedade patriarcal propõe a validade de um paradigma excludente, dicotômico e violento, baseado em superioridades de alguns grupos humanos sobre outros. A validade de sua existência tem por base a visão masculina, heterossexista e burguesa e os valores de um modelo branco. Os homens tiveram o poder de definir, de criar diferenças, ditaram as normas subjacentes a um discurso hegemônico que obviamente afirma a legitimidade de seu domínio através dos estigmas sexual, racial e de classe. Outras condições e situações tornaram-se “o outro”. Essa visão é fundamentalmente sustentada pelos homens, mas também alimentada por muitas mulheres, uma vez que o sistema patriarcal só pode funcionar graças à cooperação delas. Essa cooperação ocorre de várias maneiras: a inculcação de papéis baseados em certos gêneros; a proibição de as mulheres conhecerem sua própria história; a divisão entre elas por total repressão e coerção, por discriminação no acesso a recursos econômicos e poder político e por privilégios recompensadores para muitas delas, através da distribuição de espaços de poder tradicional e privilégios de classe, desativando suas propostas políticas por meio da cooptação.62

Assim sendo, é importante destacar que a arquitetura do sistema mundo europeu/euro‑norte‑americano moderno/capitalista colonial/patriarcal acabou por beneficiar as mulheres brancas das metrópoles, uma vez que foram capazes de, gradualmente, extrair cotas políticas e econômicas do pacto social racista dos homens brancos, por meio do “privilégio heterossexual resultante do casamento” e, posteriormente, da conquista de direitos civis63. Desse modo, as mulheres brancas não eram infelizes espectadoras do colonialismo – bem como não são meras testemunhas da colonialidade –, mas cúmplices dele, uma vez que a conquista de seus direitos dependeu da superexploração de outras mulheres, as negras e

59 Ibidem, pp. 275-276 – tradução livre. 60 STOLCKE, Verena. “¿Es el Sexo para el Género como la Raza para la Etnicidad?”. Mientras Tanto, Barcelona, v. 48, pp. 87-111, ene./feb. 1992. p. 100. 61 SPIVAK, Gayatri Chakravorty. “Can the Subaltern Speak?”. In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence (Eds.). Marxism and the Interpretation of Culture. Basingstoke: Macmillan Education, 1988. pp. 271-313. p. 287. 62 CURIEL, Ochy. “Las Mujeres Afrodominicanas: Interrelación de las Variables Genero, Etnia y Clase - Una Visión Feminista”. Ciencia y Sociedad, Santo Domingo, v. 23, n. 04, pp. 459-470, Oct./Dic. 1998. pp. 463-464 – tradução livre. 63 MENDOZA, Breny. “La Epistemología del Sur, la Colonialidad del Género y el Feminismo Latinoamericano”. In: MIÑOSO, Yuderkys Espinosa (Coord.). Aproximaciones Críticas a las Prácticas Teórico- Políticas del Feminismo Latinoamericano. Vol. I. Buenos Aires: En la Frontera, 2010. pp. 19-36. p. 27. 54 nativas64. Como resumiu a historiadora estadunidense amefricana Elsa Barkley Brown, a vida das mulheres brancas de classes média e alta não é apenas diferente da vida das mulheres de cor da classe trabalhadora, mas moldada por esta, uma vez que seus privilégios advêm da dominação de raça e classe65.

3.1. O Debate em torno da Interseccionalidade: Em Busca de uma Ferramenta Analítica das Relações de Poder

Nas palavras da escritora e ativista caribenho-estadunidense amefricana Audre Lorde:

Certamente existem diferenças reais de raça, idade e sexo entre nós. Mas não são essas diferenças que estão nos separando. É, na verdade, nossa recusa em reconhecê- las e em analisar as distorções que resultam da nomeação incorreta dessas diferenças e de seus efeitos sobre o comportamento e as expectativas humanas.66

A perspectiva de que as opressões de raça, gênero, classe, orientação sexual, entre outras, não deveriam ser consideradas como eixos unitários, mas interseccionais, surgiu em meio ao movimento feminista negro amefricano nas décadas de 1960 e 1970, como demonstram várias antologias estadunidenses do período que envolveram autoras, ativistas, intelectuais e acadêmicas negras, chicanas, latinas, caribenhas, asiáticas e nativas67. Como destaca a declaração do Combahee River Collective, uma organização feminista lésbica negra da cidade estadunidense de Boston:

Sempre existiram ativistas negras – algumas conhecidas, como Sojourner Truth68, Harriet Tubman69, Frances E. W. Harper70, Ida B. Wells-Barnett71 e Mary Church

64 MCCLINTOCK, Anne. Imperial Leather: Race, Gender and Sexuality in the Colonial Contest. New York City: Routledge, 1995. p. 06. 65 BROWN, Elsa Barkley. “Polyrhythms and Improvization: Lessons for Women's History”. History Workshop, Oxford, n. 31, pp. 85-90, Mar./May 1991. 66 LORDE, Audre. “Age, Race, Class, and Sex: Women Redefining Difference”. In: LORDE, Audre. Sister Outsider: Essays and Speeches. Berkeley: Crossing Press, 1984. pp. 114-123. p. 115 – tradução livre. Ver: LORDE, Audre. “There is No Hierarchy of Oppression”. In: BYRD, Rudolph; COLE, Johnnetta Betsch; GUY-SHEFTALL, Beverly (Eds.). I Am Your Sister: Collected and Unpublished Writings of Audre Lorde. Oxford: Oxford University Press, 2009. pp. 219-220. 67 Ver: BAMBARA, Toni Cade (Ed.). The Black Woman: An Anthology. New York City: Washington Square Press, 1970; HULL, Gloria; SCOTT, Patricia Bell; SMITH, Barbara (Eds.). All the Women are White, All the Blacks are Men, but Some of Us are Brave: Black Women's Studies. New York City: The Feminist Press, 1982; MORAGA, Cherríe; ANZALDÚA, Gloria (Eds.). This Bridge Called My Back: Writings by Radical Women of Color. New York City: Kitchen Table: Women of Color Press, 1983; entre outros. 68 Ex-escravizada, Sojourner Truth (1797-1883) foi uma notória defensora da abolição da escravatura, da conquista de direitos civis pela população negra estadunidense e dos direitos das mulheres, no século XIX. In: MICHALS, Debra. “Sojourner Truth (1797-1883)”. National Women's History Museum, Alexandria, 2015. 69 Considerada a primeira mulher negra estadunidense a servir nas forças armadas, Harriet Tubman (1820-1913) foi escravizada, conseguiu fugir e ajudou milhares de mulheres e homens escravizados a conquistar sua liberdade como “condutora” do Underground Railroad. In: MICHALS, Debra. “Harriet Tubman (1820-1913)”. National Women's History Museum, Alexandria, 2015. 55

Terrell72, e milhares desconhecidas – que compartilhavam a consciência de como sua identidade sexual se combinava com sua identidade racial de modo a tornar únicos a sua experiência de vida e o foco de suas lutas políticas.73

Na década de 1980, os “projetos de conhecimento que viam raça, classe, gênero e sexualidade como se construíssem mutuamente sistemas de poder” avançaram e os movimentos sociais adentraram a academia, o que permitiu que mulheres “politicamente ativas trouxessem as ideias políticas do feminismo negro para os estudos de raça/classe/gênero” 74 , como Lorde 75 , a teórica e ativista estadunidense amefricana bell hooks76, a filósofa e militante estadunidense amefricana Angela Davis77, a autora chicana Gloria Anzaldúa78 e, no Brasil, Lélia Gonzalez79:

É importante insistir que, no contexto das profundas desigualdades raciais existentes no continente, se insere de maneira muito bem articulada, a desigualdade sexual. Esta é uma dupla discriminação contra as mulheres não brancas na região: as mulheres africanas e ameríndias. O duplo caráter de sua condição biológica – ou racial e sexual – as torna as mulheres mais oprimidas e exploradas em uma região dependente de um capitalismo patriarcal-racista. Precisamente porque esse sistema transforma as diferenças em desigualdades, a discriminação que elas sofrem assume um caráter triplo, dada sua posição de classe: os ameríndios e afro-americanos fazem parte, em sua grande maioria, do imenso proletariado afrolatinoamericano.80

Em meio a uma série de nomenclaturas e metáforas que surgiram nos movimentos sociais e em textos acadêmicos, a filósofa e advogada estadunidense amefricana Kimberlé

70 Frances Ellen Watkins Harper (1825-1911) foi uma poeta, escritora e conferencista estadunidense amefricana, influente abolicionista, sufragista e reformadora, co-fundou a National Association of Colored Women’s Clubs. In: ALEXANDER, Kerri Lee. “Frances Ellen Watkins Harper (1825-1911)”. National Women's History Museum, Alexandria, 2020. 71 Ida B. Wells-Barnett (1862-1931) foi uma jornalista, ativista e pesquisadora amefricana que lutou contra o sexismo, o racismo e a violência no sul dos Estados Unidos. In: NORWOOD, Arlisha. “Ida B. Wells-Barnett (1862-1931)”. National Women's History Museum, Alexandria, 2017. 72 A ativista Mary Eliza Church Terrell (1864-1954) fazia parte da crescente classe média-alta negra estadunidense que usava sua posição para defender a igualdade racial e o sufrágio feminino. In: MICHALS, Debra. “Mary Church Terrell (1864-1954)”. National Women's History Museum, Alexandria, 2017. 73 COMBAHEE RIVER COLLECTIVE. “A Black Feminist Statement”. In: EISENSTEIN, Zillah (Ed.). Capitalist Patriarchy and the Case for Socialist Feminism. New York City: Monthly Review Press, 1979. pp. 362-372. p. 363 – tradução livre. 74 COLLINS, Patricia Hill. “Se Perdeu na Tradução? Feminismo Negro, Interseccionalidade e Política Emancipatória”. Parágrafo, São Paulo, v. 05, n. 01, pp. 06-17, jan./jun. 2017. p. 09. 75 Ver: “Sister Outsider: Essays and Speeches” (1984). 76 Ver: “Ain’t I a Woman: Black Women and Feminism” (1981), “Feminist Theory: From Margin to Center” (1984), “Talking Back: Thinking Feminist, Thinking Black” (1989) e “Yearning: Race, Gender, and Cultural Politics” (1990). 77 Ver: “Women, Race and Class” (1981) e “Women, Culture and Politics” (1989). 78 Ver: “Borderlands/La Frontera: The New Mestiza” (1987) e “Making Face, Making Soul/Haciendo Caras: Creative and Critical Perspectives by Feminists of Color” (1990). 79 Ver: “Mulher Negra” (1981), “E a Trabalhadora Negra, Cumé que Fica?” (1982) e “Primavera para as Rosas Negras: Lélia Gonzalez em Primeira Pessoa...” (2018). 80 GONZALEZ, Lélia. “Por um Feminismo Afrolatinoamericano”. In: GONZALEZ, Lélia. Primavera para as Rosas Negras: Lélia Gonzalez em Primeira Pessoa... São Paulo: Diáspora Africana, 2018. pp. 307-320. p. 314. 56

Crenshaw cunhou, em 1989, o termo “interseccionalidade”81 para referir-se a ideias e práticas que visavam a construção de justiça social82 por meio da denúncia de como o poder funciona de maneiras difusas e diferenciadas, através da criação e implantação de categorias de identidade sobrepostas83. Segundo a autora:

Assim como é verdadeiro o fato de que todas as mulheres estão, de algum modo, sujeitas ao peso da discriminação de gênero, também é verdade que outros fatores relacionados à suas identidades sociais, tais como classe, casta, raça, cor, etnia, religião, origem nacional e orientação sexual, são distinções que fazem diferença na forma como vários grupos de mulheres vivenciam a discriminação. Tais elementos diferenciais podem criar problemas e vulnerabilidades exclusivos de subgrupos específicos de mulheres, ou que afetem desproporcionalmente apenas algumas mulheres.84

Crenshaw explicou a ideia de interseccionalidade por meio de uma analogia em que os vários eixos de poder – em especial, raça, gênero e classe – constituem as avenidas que estruturam os terrenos sociais, econômicos e políticos:

É através delas que as dinâmicas do desempoderamento se movem. Essas vias são por vezes definidas como eixos de poder distintos e mutuamente excludentes; o racismo, por exemplo, é distinto do patriarcalismo, que por sua vez é diferente da opressão de classe. Na verdade, tais sistemas, freqüentemente, se sobrepıem e se cruzam, criando intersecções complexas nas quais dois, três ou quatro eixos se entrecruzam. As mulheres racializadas freqüentemente estão posicionadas em um espaço onde o racismo ou a xenofobia, a classe e o gênero se encontram. Por consequência, estão sujeitas a serem atingidas pelo intenso fluxo de tráfego em todas essas vias. As mulheres racializadas e outros grupos marcados por múltiplas opressões, posicionados nessas intersecções em virtude de suas identidades específicas, devem negociar o ‘tráfego’ que flui através dos cruzamentos. Esta se torna uma tarefa bastante perigosa quando o fluxo vem simultaneamente de várias direções. Por vezes, os danos são causados quando o impacto vindo de uma direção lança vítimas no caminho de outro fluxo contrário; em outras situações os danos resultam de colisões simultâneas. Esses são os contextos em que os danos interseccionais ocorrem – as desvantagens interagem com vulnerabilidades preexistentes, produzindo uma dimensão diferente do desempoderamento.85

A autora defendeu o emprego da interseccionalidade como uma sensibilidade analítica, uma maneira de pensar e conduzir análises, para descrever e enquadrar várias relações entre raça e gênero, de modo a articular a interação entre o racismo e o patriarcado em geral, bem como para descrever a localização social, política e econômica das mulheres de

81 CRENSHAW, Kimberlé Williams. “Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics”. The University of Chicago Legal Forum, Chicago, v. 1989, n. 01, pp. 139-167, 1989. 82 COLLINS, supra nota 74, pp. 10-12. 83 CRENSHAW, Kimberlé Williams; CHO, Sumi; MCCALL, Leslie. “Toward a Field of Intersectionality Studies: Theory, Applications, and Praxis”. Signs: Journal of Women in Culture and Society, Chicago, v. 38, n. 04, pp. 785-810, 2013. p. 797. 84 CRENSHAW, Kimberlé Williams. “Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminação Racial Relativos ao Gênero”. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 01, pp. 171-188, 2002. p. 173. 85 Ibidem, p. 177. 57 cor, tanto nos sistemas sobrepostos de subordinação, quanto nas margens dos movimentos feministas e antirracistas86. Para ela, o que torna uma análise interseccional é a adoção de uma concepção de categorias de identidade fluidas, que constantemente geram dinâmicas de poder – e são criadas por elas – e que não são tão distintas umas das outras uma vez que são sempre permeadas umas pelas outras87. Outra importante estudiosa e difusora da interseccionalidade na academia foi – e ainda é – a socióloga estadunidense amefricana Patricia Hill Collins88, que introduziu o conceito de “matriz de dominação”. Segundo a autora, a interseccionalidade trata-se de uma ferramenta analítica que possibilita a visualização e o estudo de como “sistemas de raça, classe, gênero, sexualidade, etnia, nação e idade formam características mutuamente construtivas da organização social, que moldam as experiências das mulheres negras e, por sua vez, são moldados por elas”89; enquanto a matriz de dominação refere-se à organização geral das relações hierárquicas de poder dentro de uma sociedade, sendo composta por um arranjo particular de sistemas de intersecção da opressão (por exemplo, raça, classe social, gênero, sexualidade, , etnia e idade)90 e por uma organização específica de seus domínios de poder (o estrutural organiza a opressão, o disciplinar a administra, o hegemônico a justifica, e o interpessoal “influencia a experiência da vida cotidiana e a consciência individual que se segue”91). Desse modo, a intersecção de sistemas de opressão e de domínios de poder gera variações nos modos e na intensidade em que as pessoas são oprimidas. No Brasil, a socióloga Heleieth Saffioti desenvolveu uma variante nacional da interseccionalidade, à qual deu o nome de “teoria do nó”92. Segundo a autora, o nó é formado por três subestruturas – gênero, classe e raça –, adotando “uma lógica contraditória, distinta das que regem cada contradição em separado”, devendo, estas contradições, serem analisadas “na condição de fundidas ou enoveladas ou enlaçadas em um nó” frouxo, que garante mobilidade para cada um de seus componentes. No nó, essas contradições assumem uma dinâmica especial e relevos distintos, retendo a organização das três subestruturas na estrutura global historicamente constituída – novelo patriarcado-racismo-capitalismo93. Não se trata,

86 CRENSHAW, Kimberlé Williams. “Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence Against Women of Color”. Stanford Law Review, Stanford, v. 43, pp. 1241-1299, jul. 1991. 87 CRENSHAW, CHO & MCCALL, supra nota 83, p. 795. 88 Ver: “Intersectionality” (2016) e “Intersectionality as Critical Social Theory” (2019). 89 COLLINS, Patricia Hill. Black Feminist Thought: Knowledge, Consciousness, and the Politics of Empowerment. 2. ed. New York City: Routledge, 2000. p. 299 – tradução livre. 90 Ibidem. 91 Ibidem, p. 276 – tradução livre. 92 Ver: “A Mulher na Sociedade de Classes: Mito e Realidade” (1969), “O Poder do Macho” (1987), “Rearticulando Gênero e Classe Social” (1992) e “Gênero, Patriarcado, Violência” (2011). 93 SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, Patriarcado, Violência. 2. reimp. São Paulo: Graphium, 2011. p. 125. 58 portanto, da consideração de variáveis mensuráveis (isto é, da “soma” da raça, com o gênero e a classe), mas do reconhecimento de determinações que, enoveladas, tornam a vida de várias mulheres muito mais complexa94.

[O] patriarcado, com a cultura especial que gera e sua correspondente estrutura de poder, penetrou em todas as esferas da vida social, não correspondendo, há muito tempo, ao suporte material da economia de oikos (doméstica). De outra parte, o capitalismo também mercantilizou todas as relações sociais, nelas incluídas as chamadas específicas de gênero [...]. Da mesma forma, a raça/etnia, com tudo que implica em termos de discriminação e, por conseguinte, estrutura de poder, imprimiu sua marca no corpo social por inteiro.95

Por meio do trabalho dessas autoras e de muitas outras96, a perspectiva interseccional espalhou-se por movimentos feministas em todo o mundo e, de acordo com algumas acadêmicas, como a cientista política hondurenha Breny Mendoza, tornou-se um dispositivo heurístico caro para o projeto decolonial97. Entretanto, o conceito cunhado por Crenshaw não está imune a críticas, de modo que não me atrevo a afirmar que ativistas e pesquisadoras anteriores à popularização da perspectiva – e que não se manifestaram diretamente sobre ela – filiar-se-iam ou se filiaram a ela – como é comumente feito em relação a hooks e Gonzalez, por exemplo. Para entender algumas dessas críticas, é importante destacar que, como explicou a advogada e cientista política estadunidense Nikol Alexander-Floyd, a interseccionalidade pode ser entendida tanto como uma ideia, cujo objetivo principal é descrever as forças codeterminantes do racismo, sexismo e classismo na vida das mulheres negras, quanto como um ideograma – isto é, a utilização de uma única palavra em substituição a abordagens

94 Ibidem, p. 115. 95 Ibidem, 125-126. 96 Ver: LEWIS, Diane. “A Response to Inequality: Black Women, Racism, and Sexism”. Signs: Journal of Women in Culture and Society, Chicago, v. 03, n. 02, pp. 339-361, 1977; WRIGHT, Erik Olin. “Race, Class, and Income Inequality”. American Journal of Sociology, Chicago, v. 83, n. 06, pp. 1368-1397, May 1978; KING, Deborah Karyn. “Multiple Jeopardy, Multiple Consciousness: The Context of a Black Feminist Ideology”. Signs: Journal of Women in Culture and Society, Chicago, v. 14, n. 01, pp. 42-72, 1988; SCALES-TRENT, Judy. “Black Women and the Constitution: Finding our Place, Asserting our Rights”. Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review, Cambridge, v. 24, pp. 09-44, 1989; HARRIS, Angela. “Race and Essentialism in Feminist Legal Theory”. Stanford Law Review, Stanford, v. 42, n. 03, pp. 581-616, Feb. 1990; CALDWELL, Paulette. “A Hair Piece: Perspectives on the Intersection of Race and Gender”. Duke Law Journal, Durham, v. 40, n. 02, pp. 365-396, 1991; GRILLO, Trina; WILDMAN, Stephanie. “Obscuring the Importance of Race: The Implication of Making Comparisons Between Racism and Sexism (or Other-Isms)”. Duke Law Journal, Durham, v. 1991, pp. 397-412, 1991; HARDING, Sandra. Whose Science? Whose Knowledge? Thinking from Women's Lives. Ithaca: Cornell University Press, 1991; MATSUDA, Mari. “Beside My Sister, Facing the Enemy: Legal Theory out of Coalition”. Stanford Law Review, Stanford, v. 43, n. 06, pp. 1183-1192, Jul. 1991; GRILLO, Trina. “Anti- Essentialism and Intersectionality: Tools to Dismantle the Master's House”. Berkeley Women's Law Journal, Berkeley, v. 10, pp. 16-30, 1995; YUVAL-DAVIS, Nira. “Intersectionality and Feminist Politics”. European Journal of Women’s Studies, London, v. 13, n. 03, pp. 193-209, 2006; entre outros. 97 MENDOZA, Breny. “Coloniality of Gender and Power: From Postcoloniality to Decoloniality”. In: DISCH, Lisa; HAWKESWORTH, Mary (Eds.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. New York City: Oxford University Press, 2015. pp. 101-121. 59 filosóficas ou ideológicas inteiras, servindo como atalho linguístico para transmitir uma série de ideias ou paradigmas98 –, representando um amplo projeto focado na teorização e prática da justiça social, que visa examinar e corrigir as forças opressivas que restringem a vida das mulheres de cor e a relação entre raça, classe e gênero99. Tendo em vista suas dimensões ideacional e ideográfica, a interseccionalidade pode ser definida como o compromisso de centrar pesquisas e análises nas experiências de mulheres de cor – vinculando o material ao discursivo e o estrutural (ou macropolítico) ao vivido (ou micropolítico), e “atendendo a diferenças internas ao grupo, posicionamentos sociais simultâneos e conflitantes, e a natureza relacional do domínio conferido e da subordinação forçada”100 –, com o objetivo de visibilizar e abordar sua marginalização, bem como desafiar – particular e universalmente – os hábitos das principais disciplinas de produção de conhecimento101. Assim sendo, muitas críticas são feitas à expansão da utilização da interseccionalidade unicamente como uma ideia, ignorando sua dimensão ideográfica, a qual leva ao esvaziamento de seu compromisso originário e a uma nova subjugação das experiências e dos conhecimentos das mulheres negras102. Outras críticas, principalmente de autoras decoloniais, afirmam que a lógica por trás do conceito de interseccionalidade é liberal e eurocentrada. Lugones, por exemplo, defendeu que a interseccionalidade só pode ser utilizada como uma teoria crítica, mas não uma proposta de ação, visto que ela se baseia e, consequentemente, reproduz a lógica hegemônica de que raça e gênero são categorias de opressão separadas uma da outra103, sendo que, para a autora, o pensamento categórico é um instrumento de opressão, de modo que “supor que as categorias de opressão são separáveis é aceitar os pressupostos fundamentais tanto do racismo quanto da opressão de gênero”104:

98 SALTER, Liora. “Challenging Orthodoxy”. In: MANSELL, Robin; SAMARAJIVA, Rohan; MAHAN, Amy (Eds.). Networking Knowledge for Information Societies: Institutions & Intervention. Delft: Delft University Press, 2002. pp. 60-67. p. 64. 99 ALEXANDER-FLOYD, Nikol. “Disappearing Acts: Reclaiming Intersectionality in the Social Sciences in a Post-Black Feminist Era”. Feminist Formations, Baltimore, v. 24, n. 01, pp. 01-25, Mar./May 2012. pp. 03-04. 100 MAY, Vivian. “‘Speaking into the Void’? Intersectionality Critiques and Epistemic Backlash”. Hypatia, Cambridge, v. 29, n. 01, pp. 94-112, 2014. p. 96 – tradução livre. 101 ALEXANDER-FLOYD, supra nota 99, p. 09. 102 Ver: CRENSHAW, Kimberlé Williams; YUVAL-DAVIS, Nira; FINE, Michelle. “A Conversation with Founding Scholars of Intersectionality”. In: BURGER, Michele Tracy; GUIDROZ, Kathleen (Eds.). The Intersectional Approach: Transforming the Academy through Race, Class, & Gender. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2009. pp. 61-78. 103 LUGONES, María. “Multiculturalismo Radical y Feminismos de Mujeres de Color”. Revista Internacional de Filosofía Política, Ciudad de México, n. 25, pp. 61-75, 2005. pp. 66-70. 104 Ibidem, p. 68 – tradução livre. 60

As opressões se sobrepõem quando mecanismos sociais de opressão fragmentam os oprimidos, indivíduos e comunidades. A fragmentação social, em seus assentamentos individuais e coletivos, é o cumprimento da sobreposição de opressões. Essa sobreposição só é possível se as opressões forem entendidas como separáveis, discretas. A sobreposição ou interseção de opressões é um mecanismo de controle, redução, imobilização, desconexão.105

Assim sendo, para a filósofa argentina, raça, gênero, classe e sexualidade não devem ser entendidas(os) como separáveis ou hierarquizáveis, mas como co-constituídas(os) 106 . Similarmente, a filósofa dominicana amefricana Yuderkys Espinosa Miñoso explicou que é um erro interpretar o problema da dominação em termos de vários sistemas de poder autônomos e irredutíveis entre si, mas que se interceptam em determinados grupos, uma vez que essa visão reforça que “as verdades que emergem de cada eixo da problematização estão sendo definidas por marcos teóricos analíticos produzidos pelo grupo que desfruta do maior privilégio enunciativo no campo da problematização em questão”107, isto é, no caso do estudo das opressões sofridas pelas mulheres de cor, mulheres acadêmicas brancas e de classes média ou alta, as quais, ao seguirem a prerrogativa feminista da libertação individual, enfraquecem os modelos de resistência coletivos das comunidades das mulheres de cor. A autora apontou, ainda, que a perspectiva da interseccionalidade acaba por esquecer o questionamento e a crítica do processo histórico de produção de categorias opressivas. Ao se concentrar exclusivamente na ausência das mulheres de cor nos espaços de poder, ela demonstra a necessidade de instalação de uma nova presença carregada de especificidade que não questiona ou reposiciona os sujeitos privilegiados, muito menos gera uma mudança estrutural que poderia alterar o modelo em vigência108. Sob outra perspectiva, Carneiro criticou o conceito de interseccionalidade por entender que ela nivela alguns tipos de opressão que têm dimensões e magnitudes distintas e relativiza a importância estrutural de outros109. Para a autora, raça e gênero são contradições estruturais, fundamentais e históricas, já que “determinam todas as estruturas de poder e de ausência de poder”, bem como “todos os padrões de violação de direitos humanos que são permissíveis no

105 Ibidem, pp. 69-70 – tradução livre. 106 LUGONES, María. “Subjetividad Esclava, Colonialidad de Género, Marginalidad y Opresiones Múltiples”. In: CONEXIÓN FONDO DE EMANCIPACIÓN. Pensando los Feminismos en Bolivia. Serie Foros 2. La Paz: Conexión Fondo de Emancipación, 2012. pp. 129-139. 107 MIÑOSO, Yuderkys Espinosa. “Superando el Análisis Fragmentado de la Dominación: Una Revisión Feminista Descolonial de la Perspectiva de la Interseccionalidad”. In: SOLANO, Xochitl Leyva; ICAZA, Rosalba (Coords.). En Tiempos de Muerte: Cuerpos, Rebeldías, Resistencias. Tomo IV. San Cristóbal de las Casas: Cooperativa Editorial Retos, 2019. pp. 273-293. pp. 288-289 – tradução livre. 108 Ibidem, pp. 289-290. 109 Ver: “Gênero Raça e Ascensão Social” (1995), “Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil” (2011) e “Enegrecer o Feminismo: A Situação da Mulher Negra na América Latina a partir de uma Perspectiva de Gênero” (2012). 61

Brasil”110, de modo que a interseccionalidade deveria abranger somente outras variáveis não estruturais, como sexualidade, orientação religiosa, idade, peso, etc. Ainda que reconheça a importância e a validade das críticas apontadas, acredito que a adoção da interseccionalidade (como ideia e ideograma) e/ou de conceitos construídos a partir dela é muito benéfica ao projeto da decolonialidade, o qual entende que as diversas formas de dominação simultâneas foram – e são – epistemes intrínsecas a modernidade/colonialidade, devendo ser compreendidas com base em sua “natureza estrutural e sistêmica”, bem como em seus modos de conexão111. É com base em tal compreensão que o projeto político-acadêmico defende e promove mudanças sociais que levam em conta a localização dos indivíduos como sujeitos, afeitos a opressões e privilégios, catalogados com base em categorias de identidade fluidas, contingentes, interativas e indivisíveis; e o reconhecimento da variação temporal, histórica e cultural de processos sociais como a racialização, a hierarquização de gênero e classe, entre outros112. Conforme resumiu a socióloga vietnamita Yến Lê Espiritu113:

Reconhecer as interconexões de raça, gênero e classe é também reconhecer que as condições de nossas vidas estão conectadas e modeladas pelas condições da vida de outras pessoas. Assim, os homens são privilegiados precisamente porque as mulheres não são, e os brancos são beneficiados precisamente porque as pessoas de cor são desfavorecidas. Em outras palavras, tanto as pessoas de cor como as brancas têm uma vida racialmente estruturada, a vida das mulheres e dos homens é modelada por gênero e todas as nossas vidas são influenciadas pelos ditames da economia patriarcal. Mas as interseções entre essas categorias de opressão indicam que também existem hierarquias entre homens e mulheres e que algumas mulheres detêm poder cultural e econômico sobre certos grupos de homens. Por outro lado, esse funcionamento intersetorial, contraditório e de categorias cruzadas das sociedades também apresenta oportunidades para transformar a estrutura hierárquica existente.114

Logo, como imaginou a médica e ativista brasileira amefricana Jurema Werneck, atual diretora executiva da Anistia Internacional, sobre o “ser mulher negra” no Brasil:

se não houvesse um movimento de colonização com força econômica, política e cultural amparado num racismo baseado na cor da pele e na deslegitimação e negativação dos significados e significantes relacionados à África em sua

110 REDE DE HISTORIADORAS NEGRAS E HISTORIADORES NEGROS. Conversas Históricas, n. 01, 30 jul. 2020. 111 CURIEL, Ochy. “La Descolonización desde una Propuesta Feminista Crítica”. In: ACSUR LAS SEGOVIAS. Feminista Siempre: Descolonización y Despatriarcalización de y desde los Feminismos de Abya Yala. Madrid: ACSUR, 2015. pp. 11-25. pp. 17-18 – tradução livre. 112 HULKO, Wendy. “The Time- and Context-Contingent Nature of Intersectionality and Interlocking Oppressions”. Affilia: Journal of Women and Social Work, Thousand Oaks, v. 24, n. 01, pp. 44-55, Feb. 2009. p. 53. 113 A qual não se identifica como feminista decolonial. 114 ESPIRITU, Yến Lê. “Race, Gender, Class in the Lives of Asian American”. Race, Gender & Class, Champaign, v. 04, n. 03, pp. 12-19, 1997. pp. 17-18 – tradução livre. 62

heterogeneidade ou singularidade. Se essa não fosse uma dominação apoiada em esquemas patriarcais heterossexistas e em condições de extrema exclusão. Se tais esquemas de dominação, apoiando-se nas regras da modernidade capitalista (e neoliberal) não demonstrassem um vigor contemporâneo. E se a resistência a estes cenários não fosse um imperativo de sobrevivência, talvez não houvesse mulheres negras [...].115

4 COLONIALIDADE DO SER: A INVENÇÃO DA MÃE PRETA, DA MULATA E DA

DOMÉSTICA

Segundo o filósofo porto-riquenho Nelson Maldonado-Torres:

se a colonialidade do poder se refere à inter-relação entre formas modernas de exploração e dominação, e a colonialidade do saber tem a ver com o papel da epistemologia e com as tarefas gerais da produção de conhecimento na reprodução de regimes coloniais de pensamento, a colonialidade do ser refere-se, então, à experiência vivida da colonização e seu impacto na linguagem.116

Como ilustrado por Fanon, o colonialismo normalizou a violência – que, até então, era característica apenas dos períodos de guerra – no cotidiano das(os) colonizadas(os) de forma a legitimar sua preservação na modernidade/colonialidade117. Os dois principais mecanismos de manutenção da colonialidade do ser foram o “colonialismo interno”, conceituado pelo sociólogo mexicano Pablo Gonzáles Casanova118, e a “nordomanía”, introduzida pelo escritor uruguaio José Enrique Rodó119. Segundo Casanova, o colonialismo interno refere-se ao fenômeno de dominação de populações nativas e escravizadas pelas elites coloniais, após a conquista de independência pela colônia, mantendo-as em condições quase idênticas às do processo de colonização:

1) habitam em um território sem governo próprio; 2) encontram-se em situação de desigualdade frente às elites das etnias dominantes e das classes que as integram; 3) sua administração e responsabilidade jurídico-política concernem às etnias dominantes, às burguesias e oligarquias do governo central ou aos aliados e subordinados do mesmo; 4) seus habitantes não participam dos mais altos cargos políticos e militares do governo central, salvo em condição de “assimilados”; 5) os direitos de seus habitantes, sua situação econômica, política social e cultural são regulados e impostos pelo governo central; 6) em geral os colonizados no interior de um Estado-nação pertencem a uma “raça” distinta da que domina o governo nacional e que é considerada

115 WERNECK, Jurema. “Nossos Passos Vêm de Longe! Movimentos de Mulheres Negras e Estratégias Políticas Contra o Sexismo e o Racismo”. In: VERSCHUUR, Christine (Ed.). Vents d'Est, Vents d'Ouest: Mouvements de Femmes et Féminismes Anticoloniaux. Genève: Graduate Institute Publications, 2009. pp. 515- 163. pp. 152-153. 116 MALDONADO-TORRES, supra nota 4, p. 129. 117 FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. 118 GONZÁLEZ CASANOVA, Pablo. “Sociedad Plural, Colonialismo Interno y Desarrollo”. América Latina, Rio de Janeiro, v. 06, n. 03, jul./sep. 1963. 119 RODÓ, José Enrique. Ariel. Santa Fe: El Cid Editor, 2003. pp. 77-79. 63

“inferior”, ou ao cabo convertida em um símbolo “libertador” que forma parte da demagogia estatal; e 7) a maioria dos colonizados pertence a uma cultura distinta e não fala a língua “nacional”.120

A nordomanía, por sua vez, trata-se do esforço das elites coloniais em reproduzir localmente os modelos de desenvolvimento do Norte – em especial dos impérios europeus e dos Estados Unidos – e, consequentemente, as práticas do colonialismo contra as populações nativas e escravizadas. Quando observamos as consequências da utilização de tais mecanismos pela elite brasileira, a situação da mulher negra ganha destaque, como revela a socióloga amefricana Luiza Bairros ao examinar pleitos de organizações feministas nacionais:

Fala-se da necessidade da mulher trabalhar fora de casa como forma de facilitar o seu processo de libertação; por outro lado, historicamente, a mulher negra sempre esteve associada ao trabalho para sua sobrevivência e a sobrevivência do grupo familiar. Fala-se da escravidão das tarefas domésticas que fecham a mulher em geral num mundo estreito, mas a mulher negra, sem maior motivo de espanto por parte de quem elabora esses discursos, é a empregada doméstica, desrespeitada e mal remunerada por excelência. Fala-se na necessidade da mulher pensar o seu próprio prazer, o conhecimento do corpo, mas reserva-se à mulher pobre, negra em geral, apenas o direito de pensar na reivindicação da bica d’água. [...] Falava-se igualmente na descriminalização do aborto, e era difícil estabelecer quem efetivamente seria beneficiado com essa medida, em razão da precariedade dos serviços públicos de saúde, acessíveis às mulheres negras. [...] Falava-se também na ampliação das oportunidades de trabalhar para a mulher, sem se questionar o significado do requisito de boa aparência para a mulher negra.121

Gonzalez explicou a discrepância das condições de vida entre as mulheres brasileiras brancas e negras por meio da reconstrução de como as estruturas coloniais ainda são mantidas para as últimas – ou seja, como se deu a colonialidade do ser das mulheres negras no país – por meio de três figuras centrais: a Mãe Preta, a Mulata e a Doméstica122. Nas palavras do sociólogo brasileiro amefricano Ronaldo Sales Júnior, esses complexos foram instaurados “pelo que denominamos integração subordinada, que define as formas hegemônicas em que se apresenta a discriminação racial”123: a estigmatização racial – isto é, a demarcação corporal, por meio da cor da pele, “de uma relação social de

120 GONZÁLEZ CASANOVA, Pablo. “Colonialismo Interno (Uma Redefinição)”. In: BORON, Atilio; AMADEO, Javier; GONZÁLEZ, Sabrina (Orgs.). A Teoria Marxista Hoje: Problemas e Perspectivas. Buenos Aires: CLACSO, 2007. pp. 431-458. p. 432. 121 BAIRROS, Luiza. “Mulher Negra e o Feminismo”. In: COSTA, Ana Alice Alcantara; SARDENBERG, Cecília Maria (Orgs.). O Feminismo do Brasil: Reflexões Teóricas e Perspectivas. Salvador: Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (UFBA), 2008. pp. 139-145. pp. 141-142. 122 Segundo hooks, construção semelhante da figura da mulher negra pode ser encontrada nos Estados Unidos. In: hooks, bell. “Intelectuais Negras”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 03, n. 02, pp. 464‐479, 1995. 123 SALES JR., Ronaldo. “Democracia Racial: O Não-Dito Racista”. Tempo Social, São Paulo, v. 18, n. 02, pp. 229-258, nov. 2006. p. 231 – destaque no original. 64 desigualdade, resultante de uma reificação dos processos de dominação/hierarquização”124 – e o não-dito racista – ou seja, a utilização de uma série de recursos “como silêncios, implícitos, denegações, discursos oblíquos, figuras de linguagem, trocadilhos, chistes, frases feitas, provérbios, piadas e injúria racial”125. Gonzalez esclareceu que, em função de sua atuação como amas de leite e amas-secas, as escravizadas deram origem a figura da Mãe Preta, a responsável por amamentar, cuidar e educar as(os) filhas(os) de suas(eus) proprietárias(os). Utilizada como uma amostra da integração e harmonia raciais pela ideologia oficial, “ela não é esse exemplo extraordinário de amor e dedicação totais como querem os brancos e nem tampouco essa entreguista, essa traidora da raça como querem alguns negros muito apressados em seu julgamento”126, mas alguém que, em meio ao medo, a dor e a humilhação a que era exposta, resistiu passivamente, sendo de importância fundamental, ainda que inconscientemente, para a formação dos valores e crenças da população brasileira127. A doméstica, por sua vez, é um dos dois tipos de profissionais negras autorizados pela sociedade. Enquanto seus filhos e companheiro são vítimas da perseguição, repressão e violência policiais, ela busca sustentar sua família prestando serviços – desvalorizados e, na maioria das vezes, informais – às famílias das classes média e alta. Ao mesmo tempo em que a trabalhadora doméstica sofre um processo de reforço da internalização de sua diferença, subordinação e inferioridade, ela enfrenta uma dupla jornada:

Antes de ir para o trabalho, tem que buscar água na bica comum da favela, preparar o mínimo de alimentação para os familiares, lavar, passar e distribuir tarefas, de um modo geral, encarrega-se da casa e do cuidado dos irmãos mais novos. Após “adiantar” os serviços caseiros, dirige-se à casa da patroa, onde permanece durante todo o dia. E isto sem contar quando ter de acordar mais cedo (3 ou 4 horas da “manhã”) para enfrentar as filas dos postos de assistência médica pública, para tratar de algum filho doente; ou então, quanto tem de ir às “reuniões de pais” nas escolas públicas.128

Por fim, a mulata é o outro tipo – muito mais recente – de profissional negra autorizado, relacionado ao “produto de exportação”. Tal profissão é exercida por jovens que, vítimas de um processo de extrema alienação, “submetem-se à exposição de seus corpos (com

124 Ibidem, pp. 232-233. 125 Ibidem, p. 235. 126 GONZALEZ, Lélia. “Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira”. In: GONZALEZ, Lélia. Primavera para as Rosas Negras: Lélia Gonzalez em Primeira Pessoa... São Paulo: Diáspora Africana, 2018. pp. 190-214. pp. 204- 205. 127 GONZALEZ, Lélia. “A Mulher Negra na Sociedade Brasileira: Uma Abordagem Político-Econômica”. In: GONZALEZ, Lélia. Primavera para as Rosas Negras: Lélia Gonzalez em Primeira Pessoa... São Paulo: Diáspora Africana, 2018. pp. 34-53. pp. 39-40. 128 Ibidem, pp. 44-45 – destaques no original. 65 o mínimo de roupas possível), através do ‘rebolado’, para o deleite do voyeurismo dos turistas e dos representantes da burguesia nacional”129. Tais garotas são manipuladas e cooptadas pelo sistema, servindo, simultaneamente, como objetos sexuais e testemunhas do mito da democracia racial brasileira130. De acordo com Gonzalez, tal profissão teve origem com o “processo de comercialização e distorção (para fins não apenas ideológicos) de uma das mais belas expressões populares da cultura negra brasileira: as escolas de samba”131.

129 Ibidem, p. 45 – removido o destaque original. 130 Ver: RIBEIRO, Stephanie; RIBEIRO, Djamila. “A Mulata Globeleza: Um Manifesto”. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 jan. 2016. Disponível em: . Acesso em: 07 ago. 2020. 131 GONZALEZ, supra nota 127, pp. 45-46. 66

ESCRAVIDÃO, RAÇA, GÊNERO E DIREITO:

UMA HISTÓRIA CONFINADA NOS QUARTINHOS DE EMPREGADA

Estamos cansados de saber que nem na escola, nem nos livros onde mandam a gente estudar, não se fala da efetiva contribuição das classes populares, da mulher, do negro e do índio na nossa formação histórica e cultural. Na verdade, o que se faz é folclorizar todos eles. E o que é que fica? A impressão de que só os homens, os homens brancos, social e economicamente privilegiados, foram os únicos a construir esse país. A essa mentira tripla dá-se o nome de: sexismo, racismo e elitismo.

― Lélia Gonzalez (MULHERIO, 1982)

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1 RETECENDO AS TRAMAS DA COLONIZAÇÃO

Para entender a realidade que cerca o dia-a-dia das trabalhadoras domésticas no Brasil, é necessário conhecer a história de surgimento e desenvolvimento tanto dessa classe trabalhadora, quanto da realidade socioeconômica deste país, marcado pela dominação racial, de gênero e de classe1. Isto é, é necessário revisitar a história colonial brasileira, a qual, até o presente momento, permanece romantizada, amortecida e/ou aprisionada às notas de rodapé de obras históricas e didáticas europeias e brasileiras2, quando não é completamente apagada, indisponibilizada, “removida com segurança do domínio das atuais relações humanas concebíveis”3. Sua reconquista, entretanto, é fundamental, uma vez que a história colonial levanta “questões inquietantes sobre o que significa, simultaneamente, ‘saber’ e ‘não saber’ algo, sobre o que está implícito porque é óbvio ou porque não pode ser pensado, ou porque pode ser pensado e é conhecido, mas não pode ser dito”4. Nas palavras de Sueli Carneiro:

A história e os historiadores têm papel estratégico na nossa luta antirracista. Se a história é a narrativa dos vencedores e a violência é a sua parteira, se a história na qual estamos involucrados é a expressão da perspectiva branca e masculina, os historiadores insurgentes, os historiadores dos vencidos pela violência colonial, têm o papel de produzir e reestabelecer essa outra verdade histórica: a da opressão, subsumida nas versões geralmente idílicas dos opressores sobre seus feitos, pois os historiadores oficiais são parte dessa opressão, na medida em que produzem as narrativas e os saberes que informam os fatos históricos da hegemonia cultural.5

Portanto, este capítulo visa apresentar, resumidamente, esse processo de reconquista por parte de historiadoras(es) nacionais e internacionais, destacando as condições de vida das mulheres negras no Brasil, do período colonial até o final do século XX, e sua constante luta por liberdade e reconhecimento.

2 DE MULHERES AFRICANAS A ESCRAVIZADAS BRASILEIRAS

Como destaca a historiadora estadunidense Gerda Lerner, a opressão das mulheres antecede e possibilita a escravidão, a qual é parte fundamental do colonialismo, legitimado

1 VIECELI, Cristina Pereira; WÜNSCH, Julia Giles; STEFFEN, Mariana Willmersdorf (Orgs.). Emprego Doméstico no Brasil: Raízes Históricas, Trajetórias e Regulamentação. São Paulo: LTr, 2017. p. 19. 2 O maior exemplo nacional é o livro “Casa Grande & Senzala: Formação da Família Brasileira sob o Regime da Economia Patriarcal”, de Gilberto Freyre, lançado em 1933. 3 STOLER, Ann Laura. “Colonial Aphasia: Race and Disabled Histories in France”. Public Culture, Durham, v. 23, n. 01, pp. 121-156, 2011. pp. 121-122 – tradução livre. 4 Ibidem – tradução livre. 5 REDE DE HISTORIADORAS NEGRAS E HISTORIADORES NEGROS. Conversas Históricas, n. 01, 30 jul. 2020. 68 pela criação da noção de “raça”, que deu origem ao sistema capitalista em vigência6. Assim sendo, a breve reconstrução histórica que se segue tem por critérios centrais as implicações da dominação de gênero, raça e classe na vida das mulheres negras brasileiras.

2.1. A Escravidão no Brasil: Negras Dores Emudecidas

A extensão da escravidão brasileira pode ser apreendida pelo reconhecimento da dimensão sem precedentes, no Novo Mundo, do tráfego transatlântico de africanas(os) para o Brasil. Entre 1500 e 1850, o país foi o maior importador de escravizadas(os) das Américas, introduzindo 4,9 milhões de africanas(os) ao território brasileiro – cerca de 47% do total desembarcado em todo o continente7. Embora tenha começado durante o período colonial, essa prática continuou sendo massivamente realizada após a independência do Brasil8. No entanto, os primeiros escravizados no país não foram povos africanos, mas nativos. Tendo “descoberto” o Brasil em 1500, Portugal iniciou sua colonização em 1534, quando João III dividiu o território em quatorze capitanias hereditárias e as doou a doze donatários, os quais, em troca de explorar os recursos de sua capitania, estavam encarregados de povoar, proteger e estabelecer o cultivo de cana-de-açúcar por meio da implementação do modelo de plantation, vinculado ao trabalho escravo. Cabe destacar que, de acordo com o historiador e cientista social brasileiro Jacob Gorender, o modo de produção escravista colonial tratava-se de um modo de produção historicamente novo9, que antecipou e originou a formação do capitalismo brasileiro10. A partir desse período, o relacionamento com as populações nativas – conhecidas como “negras(os) da terra”11 –, o qual, até então, dava-se por meio de escambo, começou a mudar. A relutância das(os) nativas(os) em trabalhar continuamente nos campos e a resistência armada contra a apropriação portuguesa de suas terras levaram a campanhas militares, as Guerras Justas, entre as décadas de 1540 e 1560, que resultaram na escravização

6 LERNER, Gerda. “Women and Slavery”. Slavery and Abolition: A Journal of Slave and Post-Slave Studies, London, v. 04, n. 03, pp.173-198, 1983. 7 GOMES, Laurentino. Escravidão. Volume I: Do Primeiro Leilão de Cativos em Portugal à Morte de Zumbi dos Palmares. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019. p. 255. 8 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. “África, Números do Tráfico Atlântico”. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.). Dicionário da Escravidão e Liberdade: 50 Textos Críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. pp. 57-63. p. 57. 9 GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2011. p. 55. 10 GORENDER, Jacob. “Gênese e Desenvolvimento do Capitalismo no Campo Brasileiro”. In: STEDILE, João Pedro (Org.). A Questão Agrária no Brasil: O Debate na Década de 1990. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013. pp. 19-53. p. 26. 11 SCHWARTZ, Stuart. “Tapanhuns, Negros da Terra e Curibocas: Causas Comuns e Confrontos entre Negros e Indígenas”. Afro-Ásia, Salvador, n. 29-30, pp. 13-40, 2003. 69 das(os) capturadas(os)12. Como consequência de tais guerras, do tratamento dado às(aos) escravizadas(os) e das várias doenças e epidemias resultantes do contato dos povos nativos com os colonizadores europeus13, ocorreu a dizimação da população originária brasileira – estima-se que, ao final dos anos 1600, menos de 10% dos 2,5 milhões de nativas(os) haviam sobrevivido14. A transição da escravidão nativa para a africana começou a ocorrer em todo o país no final do século XVI, ainda que desarmonicamente, dependendo do potencial econômico de cada região e de várias circunstâncias locais, como “a natureza do trabalho exigido, condições epidemiológicas, o poder das instituições do Estado e da Igreja, [e] o grau de envolvimento de cada região no sistema mercantil atlântico”15. Essa mudança, no entanto, não foi apenas o resultado de interesses locais, mas parte do processo de africanização do trabalho nas Américas. Comparado à exploração do trabalho nativo, o comércio de escravizadas(os) na África fornecia, internacionalmente, mão-de-obra em larga escala de modo relativamente estável, sendo preferível desde que a produtividade das(os) africanas(os) “compensasse o custo original de [sua] aquisição e transporte, e desde que o tráfico continuasse aberto o suficiente para compensar os altos índices de mortalidade” de escravizadas(os)16. Se, em 1574, as(os) africanas(os) representavam apenas 7% do total de escravizadas(os) no Brasil, em 1591, elas(es) eram 37% e, em 1638, juntamente com as(os) afro-brasileiras(os), elas(es) constituíam toda a força de trabalho escravizada17. Ainda que fossem designadas(os) genericamente como “negras(os) da Guiné”, foram trazidas(os), ao Brasil, escravizadas(os) procedentes de toda a costa ocidental africana18, com destaque para três áreas:

A primeira, formada pela baía de Benim e pelo golfo da Biafra, origem de 999.600 indivíduos desembarcados, e a segunda, situada no Centro-Oeste africano, e sobretudo em Angola, de onde saíram 3,656 milhões de indivíduos (75% do total

12 SCHWARTZ, Stuart. “Escravidão Indígena e o Início da Escravidão Africana”. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.). Dicionário da Escravidão e Liberdade: 50 Textos Críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. pp. 216-222. p. 217. 13 HEMMING, John. Red Gold: The Conquest of the Brazilian Indians. Cambridge: Harvard University Press, 1978. pp. 139-146. 14 CHARNY, Israel (Ed.). Encyclopedia of Genocide. Volume I: A-H. Santa Barbara: ABC-CLIO, 1999. p. 433. 15 SCHWARTZ, supra nota 12, p. 216. 16 Ibidem, p. 222. 17 CONDE, Carla Marchandeau. Le Travail Domestique au Brésil: Une Etude à la Lumière de la Convention nº 189 et de la Recommandation nº 201 de l’OIT. Mémoire (Maîtrise en Droit International) présenté à la Université de Montréal. Montréal, 2015. p. 10. 18 OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes de. “Quem eram os ‘Negros da Guiné?’ A Origem dos Africanos na Bahia”. Afro-Ásia, Salvador, n. 19-20, pp. 37-73, 1997. 70

dos desembarques). Deve ser ainda destacada a entrada de 188.400 escravos da Senegâmbia e das áreas do golfo da Guiné.19

Apesar de serem minoria no comércio escravista e nas grandes fazendas – representando apenas ⅓ do povo escravizado –, as mulheres africanas possuíam jornadas duplas ou triplas: eram maioria na realização de trabalhos domésticos dentro das casas- grandes 20 ; atuavam nas plantações e realizavam trabalhos braçais como seus irmãos e parceiros; e, após o trabalho pesado, assumiam o cuidado das(os) próprias(os) filhas(os), além da assistência aos companheiros chegados das plantações e engenhos21. Nas palavras da historiadora estadunidense June Edith Hahner:

a escrava de cor criou para a mulher branca das casas grandes e das menores, condições de vida amena, fácil e da maior parte das vezes ociosa. Cozinhava, lavava, passava a ferro, esfregava de joelhos o chão das salas e dos quartos, cuidava dos filhos da senhora e satisfazia as exigências do senhor. Tinha seus próprios filhos, o dever e a fatal solidariedade de amparar seu companheiro, de sofrer com os outros escravos da senzala e do eito e de submeter-se aos castigos corporais que lhe eram, pessoalmente, destinados.22

Eram consideradas “escravas domésticas” as mucamas, as amas de leite, as amas- secas, as governantas, as damas de companhia, as cozinheiras, as copeiras, as arrumadeiras, as camareiras, as criadas de quarto, as lavadeiras, as costureiras, as quitandeiras, as artesãs e as transportadoras casuais de água23. Ao trabalhar dentro das casas, as mulheres escravizadas eram inseridas em uma complexa rede de relações sociais, vigilância e dominação paternalista. Por um lado, elas coexistiam com a concessão de supostos privilégios, como melhor alimentação, fornecimento de roupas e possibilidade de liberdade; por outro, eram expostas, por suas(eus) proprietárias(os), a humilhações, ataques violentos de raiva, açoites, abuso sexual e restrições ao exercício da maternidade24. Além de, ao serem escravizadas e trazidas a um novo país, terem sua territorialidade arrancada, sua personalidade frustrada, sua família fragmentada e/ou totalmente dissolvida, seus rituais religiosos desarticulados, e, consequentemente, sua ancestralidade, total ou parcialmente, arruinada; às africanas eram aplicadas todas as formas de castigo e tortura

19 ALENCASTRO, supra nota 8, p. 60. 20 TELLES, Lorena Féres da Silva. “Amas de Leite”. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.). Dicionário da Escravidão e Liberdade: 50 Textos Críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. pp. 99-105. p. 99. 21 GONZALEZ, Lélia. “A Mulher Negra na Sociedade Brasileira: Uma Abordagem Político-Econômica”. In: GONZALEZ, Lélia. Primavera para as Rosas Negras: Lélia Gonzalez em Primeira Pessoa... São Paulo: Diáspora Africana, 2018. pp. 34-53. p. 39. 22 HAHNER, June Edith. A Mulher no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. pp. 121-122. 23 GRAHAM, Sandra Lauderdale, House and Street: The Domestic World of Servants and Masters in Nineteenth-Century Rio de Janeiro. Austin: University of Texas Press, 1988. p. 06. 24 TELLES, supra nota 20, p. 100. 71 usadas nos homens escravizados25 – como açoites, mutilações, queimaduras, afogamentos, desnutrição e desidratação, utilização de correntes, grilhões e máscaras de ferro, etc.26 –, acrescidas de outras específicas, referentes ao controle de seu corpo, sua sexualidade e sua maternidade – como estupros e abuso sexual por seus proprietários e feitores, casamentos forçados para a “produção de mais mão-de-obra”, a tortura, venda e/ou morte de suas(eus) filhas(os), entre outros27. Como forma de reação, muitas escravizadas acabavam optando por forçar abortos, por entregar seus bebês na Roda dos Expostos do município mais próximo ou, até mesmo, pelo suicídio, visando impedir que suas(eus) filhas(os) tivessem o mesmo destino que elas28 – processo de resistência denominado “cimarronaje doméstico” pela historiadora dominicana amefricana Celsa Albert Batista29. Além da realização de todo o trabalho doméstico, a presença de escravizadas nos espaços domiciliares era um indicador de status social, “do grau de riqueza, de poder e de prestígio de determinado grupo familiar”30. Nas áreas urbanas, como na cidade do Rio de Janeiro, enquanto a maioria das famílias tinha uma ou duas delas, as famílias nobres possuíam várias escravizadas domésticas e cada uma realizava tarefas específicas, como cozinhar; limpar; produzir sabão, roupas e velas; transportar água de fontes públicas para as casas; fazer compras diárias de alimentos; esvaziar barris com o lixo da família no mar; etc.31 Nesses ambientes, realizava-se um acordo tácito de “lealdade” recíproca: os serviços e a obediência das escravizadas eram exigidos em troca de proteção das(os) proprietárias(os) – isto é, o provimento de comida, roupas, uma cama e remédios, quando necessário32. Nas cidades, havia uma separação mais estrita entre a vida privada e a pública. Tudo fora das casas era considerado perigoso, doentio e perverso, enquanto os ambientes privados eram locais de privacidade e proteção para os membros das famílias. Essa mesma noção também foi responsável pelo estabelecimento de graus de distinção entre escravizadas domésticas: algumas eram compradas para prestar serviços pessoais exclusivamente aos

25 MOURA, Clóvis. Dialética Radical do Brasil Negro. São Paulo: Anita, 1994. p. 159. 26 MOTT, Luiz. “Tortura de Escravos e Heresias na Casa da Torre”. In: MOTT, Luiz. Bahia: Inquisição & Sociedade. Salvador: EDUFBA, 2010. pp. 63-97. 27 DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. São Paulo: Boitempo, 2016. p. 20. 28 RIBEIRO, Ana Maria Rodrigues. A Imagem e o Silêncio: O Lugar da Mulher Negra no Século XIX. Tese (Doutorado em Sociologia) apresentada à USP. São Paulo, 1988. 29 BATISTA, Celsa Albert. Mujer y Esclavitud en Santo Domingo. Santo Domingo: Ediciones CEDEE, 1990. pp. 39-46. 30 SOUZA, Flavia Fernandes de. “Escravas do Lar: As Mulheres Negras e o Trabalho Doméstico na Corte Imperial”. In: XAVIER, Giovana; FARIAS, Juliana Barreto; GOMES, Flavio (Orgs.). Mulheres Negras no Brasil Escravista e do Pós-Emancipação. São Paulo: Selo Negro, 2012. pp. 244-260. p. 245. 31 CONDE, supra nota 17, p. 15. 32 Ibidem, pp. 16-17. 72 membros da família e, portanto, não eram autorizadas a realizar trabalhos na rua (era o caso das amas de leite, mucamas, cozinheiras, etc.); outras, menos valorizadas, eram “escravas da rua” (incluíam lavadeiras, quitandeiras, artesãs, transportadoras de água e as que iam ao mercado) 33. A exploração da força de trabalho das escravizadas domésticas urbanas, entretanto, era diversificada. Além das que trabalhavam nas casas de suas(eus) proprietárias(os), algumas eram alugadas para trabalhar para terceiros, os quais “se incumbiam do sustento e do cuidado da cativa durante o período estipulado para a locação”, e outras se prostituíam, devendo repassar um valor diário fixo a suas(eus) proprietárias(os)34.

2.2. O Processo de Abolição: O Primeiro Movimento Social Nacional

Antes do surgimento de qualquer movimento abolicionista organizado, a revolta das(os) escravizadas(os), individual ou coletiva, instituiu-se como “o primeiro e principal instrumento de instabilidade da ordem vigente”35. Seja por meio de rebeliões, insurreições, quilombos, guerrilhas, crimes contra as(os) proprietárias(os) e seus feitores – como assassinatos36 e envenenamentos37 –, suicídios, fugas e várias outras formas de resistência ou “cimarronaje insurgente”38, as(os) escravizadas(os) buscaram, por décadas e em todo o país, reconquistar sua liberdade 39 . Ainda assim, foi a militância de grupos abolicionistas do Parlamento Britânico que levou à promulgação das primeiras normas sobre o tema no Brasil. Sob a liderança de William Wilberforce, desde 1787, parlamentares antiescravistas britânicos militaram por duas décadas pela abolição da escravatura no Império e do comércio de escravizadas(os) por outras nações, conquistando a aprovação pelo parlamento do Reino Unido, em 25 de março de 1807, do Ato para a Abolição do Comércio de Escravos,

33 GRAHAM, supra nota 23, p. 18. 34 SOUZA, supra nota 30, p. 247. 35 ALBUQUERQUE, Wlamyra. “Movimentos Sociais Abolicionistas”. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.). Dicionário da Escravidão e Liberdade: 50 Textos Críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. pp. 328-333. p. 328. 36 Em resposta a eles, foram promulgados: o Decreto de 11 de abril de 1829, o qual autorizou que todas as sentenças proferidas contra escravizadas(os) que haviam assassinado suas(eus) proprietárias(os) fossem executadas independentemente de apreciação imperial; e, seis anos depois, a Lei nº 4/1835, que estabeleceu a pena de morte para escravizadas(os) responsáveis por grave ofensa física à suas(eus) proprietárias(os), familiares e funcionárias(os). Ver: BRASIL. “Decreto de 11 de abril de 1829”. In: SENADO FEDERAL. A Abolição no Parlamento: 65 Anos de Luta. Volume I: 1823 a 1883. 2. ed. Brasília: Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2012. pp. 58-59; BRASIL. “Lei n° 4, de 10 de Junho de 1835”. In: SENADO FEDERAL. A Abolição no Parlamento: 65 Anos de Luta. Volume I: 1823 a 1883. 2. ed. Brasília: Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2012. pp. 92-94. 37 Estes realizados pelas escravizadas domésticas, conhecidas como “mocambas do anjo”. 38 BATISTA, supra nota 29, pp. 39-46. 39 MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala: Quilombos, Insurreições e Guerrilhas. 5. ed. São Paulo: Anita Garibaldi, 2014. 73 responsável por transformar “o sentimento crescente de condenação da escravidão e do tráfico de escravos em uma política pública que guiaria e justificaria as ações do governo britânico ao longo de todo o século XIX”40. Dois anos depois, foi assinado o Tratado de Aliança e Amizade entre a Grã-Bretanha e Portugal, que cobrava a restrição e gradual abolição do comércio de escravizadas(os) pelo segundo, sendo complementado pela Convenção Adicional de 22 de janeiro de 1815, assinada dois anos depois, a qual concedeu direitos de visita e busca a navios suspeitos de comércio ilícito de escravizadas(os) e criou Comissões Mistas Anglo-Brasileiras de julgamento no Rio de Janeiro e em Freetown, Serra Leoa. Proclamada a Independência do Brasil, em 1822, o reconhecimento do novo Império pela Grã-Bretanha foi condicionado à assinatura, em 1826, de outra Convenção sobre a Abolição do Comércio da Escravatura, a qual foi ratificada no ano seguinte e entrou em vigor em 1930. Insatisfeita com a enorme influência que a Coroa Britânica ganhou sobre um dos principais pilares de sua economia, a Regência brasileira resolveu “tomar, para o governo brasileiro, a responsabilidade da repressão ao tráfico de escravos e dar às suas autoridades elementos legais claros para fazê-lo”41. José Bonifácio foi o autor do primeiro projeto de lei sobre o tema, o qual determinava o fim do tráfico negreiro em quatro ou cinco anos, a melhoria do tratamento às(aos) cativas(os) e a progressiva emancipação das(os) escravizadas(os), mas nunca chegou a apresentá-lo à Assembleia Geral Constituinte Legislativa, tendo em vista sua dissolução por Dom Pedro I, em novembro de 182342. Oito anos depois, a Lei Feijó (Lei Imperial de 7 de novembro de 1831) foi promulgada, sendo a primeira lei nacional a proibir o tráfico negreiro, além de declarar a liberdade de todas(os) as(os) escravizadas(os) que chegassem às terras brasileiras a partir dessa data. Comumente conhecida como “lei para inglês ver”, representou a tentativa do governo brasileiro de enganar o governo britânico, enquanto escondia um extenso contrabando de escravizadas(os) nas décadas que se seguiram43 – “[h]avia uma rede de proteção ao comércio negreiro que contava com a conivência das autoridades responsáveis por sua repressão, e,

40 MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti; GRINBERG, Keila. “Apresentação do Dossiê ‘Para Inglês Ver? Revisitando a Lei de 1831’”. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, v. 29, n. 01-03, pp. 87-90, 2007. pp. 87-88. 41 Ibidem. 42 ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. “Representação de José Bonifácio à Assembleia Geral Constituinte Legislativa do Império do Brasil”. In: SENADO FEDERAL. A Abolição no Parlamento: 65 Anos de Luta. Volume I: 1823 a 1883. 2. ed. Brasília: Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2012. pp. 30-49. 43 MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti; GRINBERG, Keila. “Lei de 1831”. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.). Dicionário da Escravidão e Liberdade: 50 Textos Críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. pp. 285-291. p. 285. 74 ainda mais, com a aceitação e ajuda da população local”44 –, uma vez que, segundo as(os) escravistas, a abolição levaria à ruína econômica do Brasil e à anarquia política. Nas duas décadas que se seguiram, as primeiras articulações abolicionistas começaram a ganhar espaço na elite, reconhecendo que as questões políticas em torno da promulgação da Lei Feijó e de sua patente desconsideração nacional não tratavam “somente do fim do abastecimento de mão de obra africana, mas também do destino dos africanos apreendidos na futura repressão ao tráfico, dos direitos dos africanos livres cujo período de tutela se completava e do estatuto dos africanos mantidos em cativeiro ilegal”45. Com a prescrição da Convenção Adicional de 1815, cuja renovação não ocorreu por resistência brasileira, e os altos índices de absolvição de navios pela Comissão Mista Anglo- Brasileira sediada no Rio de Janeiro, a Grã-Bretanha promulgou, em 8 de agosto de 1845, o Ato Aberdeen, que a autorizava a prender e julgar, em seus próprios tribunais, qualquer navio suspeito de transportar escravizadas(os) no oceano Atlântico. Internamente, projetos políticos conflitantes surgiam no Brasil, ensejando a eclosão de diversas organizações e revoltas das(os) escravizadas(os)46. No início de 1850, “as apreensões britânicas em águas territoriais brasileiras levaram definitivamente a repressão à ordem do dia na política e ao debate público”47, pressionando os conselheiros de Estado a decidirem se declarariam guerra à maior potência da época ou negociariam com ela. Sob a liderança do ministro da justiça Eusébio de Queirós, eles conseguiram encontrar um modo de, ao mesmo tempo, reafirmar seu compromisso com a Coroa Britânica e garantir que a propriedade ilegal de escravizadas(os) não fosse questionada por meio da promulgação da Lei Imperial nº 581, de 1850, a qual estabeleceu medidas para a repressão ao tráfico negreiro, levando, pela primeira vez, a uma supressão significativa do mesmo, e, portanto, a mudanças na economia do Império e no sistema escravocrata. Os capitais anteriormente dedicados à manutenção de tal comércio foram transferidos “para investimentos em títulos, ações, empreendimentos imobiliários e na expansão de diversos processos produtivos, entre eles, a lavoura cafeeira, provocando o deslocamento do eixo econômico do Nordeste para o Sudeste” do Brasil48. Tais mudanças levaram, ao mesmo tempo, a uma redução do número de escravizadas(os) disponíveis e a um aumento de seu

44 ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira de. “Fim do Tráfico”. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.). Dicionário da Escravidão e Liberdade: 50 Textos Críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. pp. 230-236. p. 232. 45 MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. Africanos Livres: A Abolição do Tráfico de Escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. Versão digital. p. 147. 46 Ibidem, pp. 148-150. 47 Ibidem, p. 166. 48 ARAÚJO, supra nota 44, p. 236. 75 preço ao longo dos anos, bem como ao surgimento de um comércio interno (interprovincial) de escravizadas(os). Eventualmente, o custo da insistência no sistema escravocrata se tornou alto demais, de modo que ele começou a ser lentamente substituído pelo trabalho livre. A partir desse período, as trabalhadoras livres começaram a ser vistas atuando lado a lado das escravizadas, tanto no comércio quanto nas casas, ainda que mediante salários baixíssimos49. Foi somente na década seguinte que a estruturação de articulações abolicionistas locais levaram ao nascimento de um movimento nacional, seja por conta da abolição nos Estados Unidos e em Cuba, que acabou servindo de referência para ações no Brasil; seja pela aceleração da urbanização, “que propiciou um incipiente espaço público no qual se discutiram assuntos de interesse coletivo, como a modernização do país” e ajudou a disseminar “um novo padrão de sensibilidade, que redefiniu a escravidão de natural em abominável”; seja pela conjuntura política nacional, marcada por uma crise intraelite e pelo “ingresso de novos atores no debate político”50. Nesse cenário, teve início o primeiro ciclo de mobilização abolicionista51, no qual “dissidentes da elite imperial e apadrinhados criaram 25 associações antiescravistas em onze províncias”52. Liderado pelo engenheiro e empresário negro André Rebouças, pelo advogado negro Luís Gama, pelo pedagogo Abílio César Borges, pelo poeta Castro Alves e pelo jurista Ruy Barbosa, esse ciclo introduziu novas formas de ativismo: “ações judiciais de liberdade, lobby junto a autoridades, panfletos e jornais, alianças com abolicionistas estrangeiros e conferências político-artísticas de propaganda”53. Em resposta às crescentes pressões pela abolição dentro e fora do país, e “[g]raças a manobras, concessões e apoio de facção do Partido Liberal”54, José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco, do Partido Conservador, aprovou a Lei Rio Branco (Lei Imperial nº 2.040, de 1871), também conhecida como Lei do Ventre Livre, mas não sem forte oposição, como resume o discurso do deputado José Xavier Capanema:

49 CARVALHO, Marcus de. “De Portas Adentro e de Portas Afora: Trabalho Doméstico e Escravidão no Recife,1822-1850”. Afro-Ásia, Salvador, n. 29-30, pp. 41-78, 2003. p. 45. 50 ALONSO, Angela. Flores, Votos e Balas: O Movimento Abolicionista Brasileiro (1868-1888). São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Versão digital. p. 10. 51 A participação de mulheres foi fundamental para o surgimento e a organização do movimento, ainda que pouquíssimos registros destaquem sua atuação, motivo pelo qual, lamentavelmente, não indicarei muitas abolicionistas no presente capítulo. 52 ALONSO, Angela. “Processos Políticos da Abolição”. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.). Dicionário da Escravidão e Liberdade: 50 Textos Críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. pp. 358-364. p. 359. 53 Ibidem. 54 Ibidem. 76

A religião condena toda a injustiça, assim como a humanidade a condena também, e ninguém deixa de ver uma grande injustiça nessa medida [...]. A humanidade não aceita a ideia; a pátria muito menos; porque essa ideia vai criar, nos nossos estabelecimentos agrícolas, a desordem; vai quebrar inteiramente os laços de subordinação: vai dividir em duas classes a população servil dos estabelecimentos agrícolas, criando a impossibilidade de marcharem debaixo do sistema de obediência passiva, que é o único possível, enquanto existirem escravos em nosso país.55

Tal normativa previa: 1) a eliminação da doutrina jurídica do partus sequitur ventrem (o princípio de que a prole segue o destino da mãe), libertando, formalmente, aos nove anos, as(os) filhas(os) de escravizadas nascidas(os) após essa data56; 2) a obrigação do registro de escravizadas(os) por todo o país; e 3) a criação do Fundo de Emancipação, gerido pelo Estado, que passou a possibilitar, às(aos) escravizadas(os) que dispunham de uma quantia em dinheiro (“pecúlio”), o direito de comprar sua alforria, com ou sem o consentimento de sua(eu) proprietária(o) 57 – inovação esta que legalizou e estimulou a multiplicação das associações populares que juntavam donativos e ajudavam na compra de alforrias58.

Tais associações reuniam estudantes, advogados, engenheiros, médicos, alunas da Escola Normal, farmacêuticos, pequenos comerciantes, caixeiros, mulheres que participavam de instituições de caridade, muitos jornalistas, e também artesãos, professores de primeiras letras e das faculdades, sapateiros e várias outras pessoas que ocuparam lugares diversos na hierárquica sociedade imperial.59

Alguns dos efeitos dessa lei, no entanto, foram contrários aos interesses das(os) abolicionistas, como o aumento do abandono de bebês negros pelas(os) proprietárias(os) de suas mães, uma vez que a limitação de seu direito de escravizar tais crianças levou a seu desinteresse no gasto com o cuidado delas, principalmente porque as mães afastadas de sua prole eram alugadas como amas de leite por preços mais altos60. A principal alternativa das(os) proprietárias(os) era retirar os bebês de suas mães e colocá-los na Roda dos Expostos do município mais próximo, como denunciou a Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro:

55 BRASIL. Annaes do Parlamento Brazileiro: Camara dos Srs. Deputados. Sessão de 1871, Tomo III. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Constitucional de J. de Villeneuve & C., 1871. p. 173. 56 ARIZA, Marília. “Crianças/Ventre Livre”. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.). Dicionário da Escravidão e Liberdade: 50 Textos Críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. pp. 169-175. p. 169. 57 MENDONÇA, Joseli Nunes. “Legislação Emancipacionista, 1871 e 1885”. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.). Dicionário da Escravidão e Liberdade: 50 Textos Críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. pp. 277-284. p. 281. 58 ALONSO, Angela. “Associativismo Avant la Lettre – As Sociedades pela Abolição da Escravidão no Brasil Oitocentista”. Sociologias, Porto Alegre, v. 13, n. 28, pp. 166-199, set./dez. 2011. p. 177. 59 ALBUQUERQUE, supra nota 35, p. 331. 60 TELLES, supra nota 20, p. 103. 77

Nas cidades, arrancam-se as criancinhas recém-nascidas aos seios maternos, e fazem do leite das mulheres reduzidas à escravidão o mais hediondo comercio, enquanto as criancinhas vão vagir a sua orfandade sem carinhos na roda dos hospícios, ou morrer de fome em casas que a baixo preço se encarregam de infanticídios sem vestígio.61

Ademais, houve uma notável ampliação do registro de escravizadas(os) africanas(os) introduzidos ilegalmente no país após a proibição de seu comércio, em 1831, visto que esse processo burocrático, o qual constituía prova de propriedade, não obrigava as(os) proprietárias(os) a informar a naturalidade das(os) inscritas(os)62. Novo ciclo de mobilização abolicionista teve início no final da década de 1970, período em que a Lei do Ventre Livre se aproximava da vigência plena, uma vez que “os nascidos em 1871 teriam oito anos em 1879, e caberia decidir se ficariam com os proprietários de suas mães ou se seriam transferidos ao Estado, mediante indenização”63. Nesse período, o deputado federal Joaquim Nabuco destacou-se como líder abolicionista no Parlamento, por meio de discursos carismáticos e alianças com abolicionistas europeus; o farmacêutico e jornalista negro José do Patrocínio assumiu protagonismo como orador em eventos políticos e artísticos no espaço público; e seu amigo, José Ferreira de Menezes, escritor e advogado negro, fundou a Gazeta da Tarde, único jornal abolicionista da época 64. Essas arenas de ativismo foram conectadas, em 1880, por André Rebouças, que criou, com Nabuco, a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão (SBCE), e, com Patrocínio, a Associação Central Emancipadora (ACE)65. Em um de seus primeiros manifestos, a SBCE criticou a atuação do Partido Liberal e a Lei do Ventre Livre:

A lei de 28 de setembro [...] foi uma lei conservadora, que respeitou o interesse dos senhores supersticiosamente; que lhes garantiu a propriedade dos seus escravos até à completa extinção do último; que não modificou o que é praticamente o direito de vida e morte do senhor; que, vinculando as gerações presentes a um cativeiro só limitado pela morte, sujeitou as futuras durante vinte e um anos a um domínio também irresponsável e a um embrutecimento sistemático, dando assim à escravidão um período legal de três quartos de século para desaparecer no meio das mais terríveis complicações.66

Nos anos que se seguiram, a mobilização se nacionalizou, tendo seu ápice em 1883, com a criação, por Rebouças e Patrocínio, da Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro

61 CONFEDERAÇÃO ABOLICIONISTA DO RIO DE JANEIRO. “Manifesto da Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro”. In: SENADO FEDERAL. A Abolição no Parlamento: 65 Anos de Luta. Volume I: 1823 a 1883. 2. ed. Brasília: Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2012. pp. 671-694. pp. 686-687. 62 MENDONÇA, supra nota 57, p. 281. 63 ALONSO, supra nota 52, p. 359. 64 Ibidem, p. 360. 65 ALONSO, supra nota 50. 66 SOCIEDADE BRASILEIRA CONTRA A ESCRAVIDÃO. “Manifesto da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão”. In: SENADO FEDERAL. A Abolição no Parlamento: 65 Anos de Luta. Volume I: 1823 a 1883. 2. ed. Brasília: Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2012. pp. 619-629. pp. 620-621. 78

(CA)67, presidida pelo comerciante João Clapp, cujo primeiro manifesto exigiu a abolição imediata e sem indenização68. A CA passou a coordenar iniciativas, associações e campanhas de libertação por todo o país, por meio da “compra ou cessão voluntário de alforrias”69, sendo apoiada por musicistas como Carlos Gomes, Chiquinha Gonzaga e Luíza Regadas, e tendo enorme sucesso em suas tentativas de larga escala, seja na província do Ceará, onde a abolição foi formalmente declarada em março de 1884, seja na província do Amazonas, que “libertou-se” quatro meses depois70. Nesse momento, o sistema político foi forçado a se posicionar, dando início ao terceiro ciclo de mobilização abolicionista, no qual as discussões se deslocaram das ruas para as instituições. Assim sendo, em junho de 1884, foi criado um gabinete pró-abolição, chefiado pelo senador Manuel de Sousa Dantas, autor de um projeto de emancipação gradual que ficou conhecido como Reforma Dantas, a qual previa: (i) a libertação dos escravizadas(os) de mais de 60 anos; (ii) a criação de imposto sobre a propriedade de escravizadas(os); (iii) a anulação de registros falsos; (iv) a inauguração de uma tabela de preços; (v) a proibição do tráfico interprovincial; (vi) a instituição de pequena propriedade na beira das estradas de ferro e salário mínimo para as(os) libertas(os); e (vii) a fixação da extinção total do regime escravista em dezesseis anos71. Fortemente contestado pelas(os) escravistas, Dantas foi substituído pelo senador José Antônio Saraiva, que modificou consideravelmente seu projeto, aumentando a idade de libertação das(os) escravizadas(os) para 63 anos; fixando a indenização às(aos) proprietárias(os) em valores acima do mercado; e flexibilizando o registro das(os) escravizadas(os)72. Sob escrutínio, dessa vez, dos movimentos abolicionistas, o imperador trocou, pela segunda vez, o chefe de governo, então para um escravista, o senador João Maurício Wanderley, conhecido como Barão de Cotegipe73, que conduziu a tramitação, no Senado, da Lei Saraiva-Cotegipe (Lei Imperial nº 3.270, de 1885), também conhecida como Lei dos

67 A qual marcou a união de dez associações abolicionistas em uma única confederação, quais sejam: Brasileira Contra a Escravidão, Emancipadora da Escola Militar, Libertadora Pernambucana, Clube dos Libertos de Niterói, Centro Abolicionista Ferreira de Menezes, Clube Bittencourt Sampaio, Sociedade Abolicionista Cearense, Clube Abolicionista Guttemberg, Caixa Libertadora José do Patrocínio e Caixa Libertadora Joaquim Nabuco. In: SENADO FEDERAL. A Abolição no Parlamento: 65 Anos de Luta. Volume I: 1823 a 1883. 2. ed. Brasília: Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2012. pp. 633-634. 68 CONFEDERAÇÃO ABOLICIONISTA DO RIO DE JANEIRO, supra nota 61. 69 ALONSO, supra nota 52, p. 360. 70 Ibidem, p. 361. 71 Ibidem. 72 Ibidem, pp. 361-362. 73 Ibidem, p. 362. 79

Sexagenários74, a qual: (i) estabeleceu a liberdade de escravizadas(os) com mais de 60 anos de idade, que, compensatoriamente, deveriam prestar serviços a suas(eus) ex-proprietárias(os) por um período de três anos; (ii) definiu novos critérios para a compra de alforria pelo Fundo de Emancipação; (iii) decretou que as(os) libertas(os) deveriam fixar residência por cinco anos em seu município de alforria; e (iv) instituiu uma tabela de preços75. As ações do Barão de Cotegipe – vistas pelos movimentos abolicionistas como medidas retrógradas, cujo objetivo era conter o avanço do movimento –, continuaram, seja pela remoção de todos os políticos abolicionistas da Câmara dos Deputados, nas eleições fraudulentas de 1886, seja pela aprovação de “uma série de regulamentações regressivas para a Lei dos Sexagenários, apelidadas pelas(os) abolicionistas de ‘Regulamento Negro’”, de autoria do conselheiro Antônio Prado, as quais reabriram o tráfico entre a capital imperial e a província do Rio de Janeiro – após a Lei dos Sexagenários ter banido o tráfico interprovincial –, permitiram que escravizadas(os) entrassem na cidade sem qualquer taxação, e determinaram a prisão de fugitivas(os) e abolicionistas que auxiliassem nas fugas de escravizadas(os)76. Em 1886, com o fim das transições nas colônias espanholas, o Brasil tornou-se o único país escravista do Ocidente, sendo tomado por protestos abolicionistas cada vez mais intensos que passaram a adotaram a desobediência civil como estratégia principal. Nesse período, iniciou-se a organização de fugas coletivas orientadas, possibilitadas por “redes libertadoras”, formadas por escravizadas(os) e cidadãs(os) dos estratos mais baixos, que “[c]onectavam a fazenda ou a casa do fugitivo, o sistema de transporte, um ou mais abrigos provisórios e um dos destinos finais – Santos, Ceará ou quilombos locais”77, inspirando a proliferação de fugas organizadas pelas(os) próprias(os) escravizadas(os), sem relação com o movimento. O confronto entre escravistas e abolicionistas foi se agravando, com a atuação da polícia e do exército em favor dos primeiros, de modo que, ao final de 1887, a imprensa abolicionista invocou seus aliados a pegarem suas armas, instaurando o medo do início de uma Guerra Civil. Em reação, “setores da elite social, do Judiciário, da Igreja, a grande imprensa e o Partido Liberal [...] defenderam o fim da escravidão no curto prazo” 78 ;

74 Ver: MENDONÇA, Joseli Nunes. Entre as Mãos e os Anéis: A Lei dos Sexagenários e os Caminhos da Abolição no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp; Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 1999. 75 MENDONÇA, supra nota 57, p. 283. 76 CASTILHO, Celso; COWLING, Camillia. “Bancando a Liberdade, Popularizando a Política: Abolicionismo e Fundos Locais de Emancipação na Década de 1880 no Brasil”. Afro-Ásia, Salvador, n. 47, pp. 161-197, 2013. p. 175. 77 ALONSO, supra nota 52, p. 363. 78 Ibidem. 80 fazendeiras(os) passaram a negociar a transição com suas(eus) escravizadas(os), visando conter as fugas79; e o exército passou a se negar a caçar fugitivas(os)80. No ano seguinte, não tendo mais como postergar um posicionamento, a princesa Isabel – indevidamente elevada ao papel de Redentora81 – e uma ala do Partido Conservador se decidiram pela abolição. De acordo com o historiador brasileiro Bruno Antunes de Cerqueira, “havia muita resistência à princesa como herdeira da Coroa, por ser mulher, religiosa, liberal e casada com um estrangeiro (o francês Conde d'Eu), entre outros motivos”, tendo ela apostado na abolição como a medida que sedimentaria o seu reinado82. O Barão de Cotegipe, primeiro-ministro do Império, entretanto, era contrário a essa medida, engavetando todos os esboços da Lei Áurea. Na tentativa de derrubá-lo, a princesa exigiu que ele demitisse o chefe de polícia da capital, o que ofendeu o Barão, que se recusou a fazê-lo e renunciou, sendo substituído pelo senador João Alfredo, favorável às ideias abolicionistas83. Em 3 de maio de 1888, Rebouças apresentou a primeira versão do projeto, a qual foi parcialmente desconsiderada, de modo que, dez dias depois, a Lei Áurea (Lei Imperial nº 3.353) foi sancionada, concedendo total liberdade às(aos) escravizadas(os) remanescentes no Brasil, sem o pagamento de qualquer indenização a suas(eus) antigas(os) proprietárias(os). Apesar da enorme importância histórica de tal lei, ela foi uma solução de compromisso, uma vez que, mesmo as(os) abolicionistas tendo sua demanda central atendida, as(os) escravistas “garantiram que a lei viesse sem direitos para os libertos e sem a pequena propriedade”84.

2.3. O Pensamento Racial Brasileiro: Do Branqueamento à Democracia Racial

Como revelou o historiador, sociólogo e jornalista brasileiro Clóvis Moura, o sistema classificatório brasileiro de barragem e seleção étnica pode ser dividido em dois estágios. No primeiro, em vigência durante todo o sistema escravocrata, “as barreiras jurídicas e simbólicas e as limitações estruturais do sistema tiravam do escravo todos os direitos, impunham-lhe um imobilismo total e vitalício, barravam social e economicamente, pela coerção extra-

79 MAC CORD, Marcelo; SOUZA, Robério. “Trabalhadores Livres e Escravos”. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.). Dicionário da Escravidão e Liberdade: 50 Textos Críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. pp. 410-415. p. 411. 80 ALONSO, supra nota 52, p. 364. 81 REDE DE HISTORIADORAS NEGRAS E HISTORIADORES NEGROS, supra nota 5. 82 WESTIN, Ricardo; BELTRÃO, Tatiana. O Senado na História do Brasil: Volume 4. Arquivo S. Brasília: Senado Federal, 2019. pp. 55-56. 83 Ibidem, pp. 53-54. 84 ALONSO, supra nota 52, p. 364. 81 econômica, a maioria dos habitantes do Brasil até o início do século XIX”85. Mesmo as(os) libertas(os) sofriam uma série de restrições ao exercício de sua cidadania: “[s]e africanos, eram considerados estrangeiros, se crioulos (nascidos no Brasil) podiam participar das eleições primárias, mas lhes eram vedadas as dignidades eclesiásticas, o acesso ao Poder Judiciário, o direito ao porte de armas e a livre locomoção noturna”86. No segundo estágio, iniciado pela abolição, com a criação do princípio de que “todos são iguais perante a lei”, “outros mecanismos de barragem e hierarquização étnica foram acionados e dinamizados”, sendo refinados a ponto de tornarem-se invisíveis e possibilitarem a disseminação da impressão – que subsiste até hoje – de que o achatamento social, econômico, político e cultural da população negra brasileira decorre de suas próprias insuficiências individuais ou grupais87:

Isto levou a que o cidadão negro não encontrasse oportunidade no mercado de trabalho, na interação social global, tendo um espaço social no qual lhe permitiam uma circulação restrita de tal forma que a sua personalidade, sem conseguir criar mecanismos de defesa contra tal situação, deformou-se pela ansiedade cotidiana que dele se apoderou desde quando saiu de casa e especialmente quando reivindicou cargos ou funções que a ele, por táticas sub-reptícias e não mais visíveis, não lhe foram permitidos socialmente.88

Esse segundo estágio baseou-se no debate em torno da construção da identidade brasileira, que teve início em meados do século XIX, sob forte influência das teorias e doutrinas raciais europeias da época. Em 1843, o botânico alemão Karl Friedrich Philipp von Martius apresentou ensaio – premiado pelo recém-constituído Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) – que fixou as bases da fábula nacional de que a formação da população brasileira foi resultante da cooperação e miscigenação de três raças: “a de cor de cobro ou americana, a branca ou Caucasiana, e enfim a preta ou etiópica”89, enaltecendo a nobreza e superioridade dos portugueses em relação aos povos nativos e africanos:

Cada urna das particularidades físicas e morais, que distinguem as diversas raças, oferece a este respeito um motor especial; e tanto maior seria sua influencia para o desenvolvimento comum, quanto maior for a energia, número e dignidade da sociedade de cada urna dessas raças. Disso necessariamente se segue que o Português, que, como descobridor, conquistador e senhor, poderosamente influiu naquele desenvolvimento; o Português, que deu as condições e garantias morais e físicas para um reino independente; que o Português se apresenta como o mais poderoso e essencial motor.90

85 MOURA, supra nota 25, pp. 151-152. 86 Ibidem, p. 152. 87 Ibidem, p. 153. 88 Ibidem. 89 MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von; RODRIGUES, José Honório. “Como se deve Escrever a Historia do Brasil”. Revista de História de América, Cidade do México, n. 42, pp. 433-458, dec. 1956. p. 442. 90 Ibidem, p. 442. 82

Tendo em vista as teorias raciais em voga no período – adotadas “sobretudo nas instituições de pesquisa e de ensino brasileiras predominantes na época” 91 –, a maioria populacional negra se constituía como uma ameaça ao desenvolvimento do país. De um lado, o Evolucionismo Social negava a existência de “raças” ou “espécies” humanas, não condenando, consequentemente, a miscigenação populacional, mas defendendo que “as diferenças entre as nações deveriam ser encaradas como mera contingência” 92, uma vez que a humanidade era una93. De outro, o Darwinismo Social afirmava que o cruzamento entre as “raças” era prejudicial, uma vez que a mestiçagem garantia a preservação das características mais negativas de cada “raça” – na pirâmide racial dessa teoria, as(os) brancas(os) eram colocadas(os) como superiores, seguidas(os) pelas(os) “amarelas(os)”, entendidas(os) como membros de uma “raça intermediária”, e, por último, vinham as(os) negras(os) e nativas(os), consideradas(os) incivilizáveis. Assim sendo, tais “teorias” sobre a raça implicaram no desenvolvimento de um “ideal político” que prezava a submissão e/ou a eliminação das raças consideradas inferiores, “que se converteu em uma espécie de prática avançada do darwinismo social – a eugenia –, cuja meta era intervir na reprodução das populações”94. Buscando um equilíbrio entre ambas as teorias, intelectuais da época passaram a ver a miscigenação dos nacionais negros com europeus brancos como possibilidade de “regenerar” a população nacional, embranquecendo-a. Em famoso ensaio, o médico brasileiro João Baptista de Lacerda utilizou-se da pesquisa estatística realizada pelo médico eugenista brasileiro Edgard Roquette-Pinto para defender que, tendo em vista o crescimento rápido e progressivo, entre 1870 e 1910, da população brasileira branca, e a simultânea diminuição das populações negra, nativa e mestiça, caso tal processo se mantivesse sem grandes alterações, em 2012, “a ‘raça branca’ representaria 80% da população brasileira, os indígenas 17% e os mestiços 3%, tendo a ‘raça negra’ desaparecido de vez do território nacional”95.

91 SCHWARCZ, Lilia Moritz. “Usos e Abusos da Mestiçagem e da Raça no Brasil: Uma História das Teorias Raciais em Finais do Século XIX”. Afro-Ásia, Salvador, n. 18, pp. 77-101, 1996. p. 86. 92 FULGÊNCIO, Rafael Figueiredo. “O Paradigma Racista da Política de Imigração Brasileira e os Debates sobre a ‘Questão Chinesa’ nos Primeiros Anos da República”. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 51, n. 202, pp. 203-221, abr./jun. 2014. pp. 206-207. 93 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. pp. 47-48. 94 Ibidem, pp. 58-64. 95 SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Em Busca do Brasil: Edgard Roquette-Pinto e o Retrato Antropológico Brasileiro (1905-1935). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz) 83

A partir de então, a “miscigenação se transformou em assunto privilegiado no discurso nacionalista brasileiro”, uma vez que passou a ser vista como principal mecanismo de formação da nação96. Considerando outro problema que também estava em alta no período – a ausência de mão-de-obra, fruto da progressiva extinção do trabalho escravo no final do século –, as autoridades brasileiras viram na implantação de uma política de incentivo à imigração a solução perfeita para, não apenas angariar trabalhadoras(es) para o desenvolvimento da economia nacional, bem como atrair um grande número de indivíduos brancos, que, mediante a mistura com a população negra, levariam “à criação de um povo de qualidade biológica – e, consequentemente, cultural e laborativa – superior”97. Tal política de branqueamento – que inclui tanto a internalização de padrões e costumes brancos quanto o clareamento da cor da pele e a mudança de fenótipos da população – teve início em 1850, com a promulgação da Lei nº 601, a qual determinou que as terras devolutas no Império poderiam ser cedidas, a título oneroso, para o estabelecimento de colônias estrangeiras, estando, o Governo, autorizado a promover a colonização estrangeira do país. Tal normativa foi complementada em 1890, pela publicação do Decreto nº 528, o qual liberou inteiramente a entrada, pelos portos brasileiros, dos indivíduos válidos e aptos para o trabalho, com exceção dos indígenas da Ásia e da África, cuja admissão dependia de autorização do Congresso Nacional. Dois anos depois, a Lei nº 97/1892 revogou parcialmente tal normativa, autorizando a livre entrada de imigrantes chineses e japoneses. Ainda que o Decreto nº 6.455/1907, responsável por regulamentar o Serviço de Povoamento do Solo Nacional, não tenha especificado a possibilidade de ser aplicada distinção de raça ou nacionalidade quanto ao acolhimento de imigrantes, sabe-se que a entrada da população negra continuou, por muitos anos, sendo obstada pelas autoridades nacionais, notadamente pela via diplomática98, tendo em vista “a garantia da integração étnica e capacidade física e civil do imigrante”, nos termos da Constituição Federal de 1934 (art. 121, § 6º). Essa restrição da entrada ia de encontro ao pensamento de grande parte da elite brasileira da época, como revela a fala do jornalista brasileiro Júlio de Mesquita Filho:

apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Rio de Janeiro, 2011. pp. 88-89. 96 SEYFERTH, Giralda. “Construindo a Nação: Hierarquias Raciais e o Papel do Racismo na Política de Imigração e Colonização”. In: MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo Ventura (Orgs.). Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro: Fio Cruz, 1996. pp. 41-58. p. 43. 97 FULGÊNCIO, supra nota 92, pp. 203 e 208. 98 Ibidem, p. 211. 84

As portas das senzalas abertas em 88 haviam permitido que se transformassem em cidadãos como os demais dezenas e dezenas de milhares de homens vindos da África, e que, infiltrando-se no organismo frágil da coletividade paulista, iriam não somente retardar, mas praticamente entravar o nosso desenvolvimento cultural. [...] Não é desejável a contribuição dos pretos americanos para o caldeamento das raças no Brasil. Um contingente preto nesse momento será mais nocivo do que útil à obra da civilização em que estamos empenhados.99

Além da manutenção, pelo Estado brasileiro, da política imigratória como instrumento para garantir a homogeneização nacional – cultural e racial – por várias décadas100, no século XX, o projeto de branqueamento diversificou-se, por meio da consolidação da “cordialidade racial” nas práticas sociais cotidianas, da disseminação de seus artefatos culturais, da orientação educacional101, da produção intelectual e literária, da efetivação de categorias censitárias, dos processos seletivos que criaram barreiras ao acesso de negras(os) à cargos públicos, entre outros102, que ajudam a criar o mito da democracia racial no país103. A instauração da cordialidade das relações raciais e o estabelecimento de categorias censitárias tiveram papel fundamental nesse processo. A primeira simbolizou a estabilização da desigualdade e das hierarquias raciais, visando diminuir o nível de tensão racial no país, por meio da criação de “regras de sociabilidade que estabelecem uma reciprocidade assimétrica que, uma vez rompida, justifica a ‘suspensão’ do trato amistoso e a adoção de práticas violentas” contra a população negra104. O segundo teve início em 1872, com a realização do primeiro censo brasileiro, no qual foram utilizadas as categorias “branco”, “preto”, “pardo” e “caboclo”; no censo seguinte, de 1890, a categoria “pardo” foi substituída por “mestiço”; nos censos de 1900 e 1920 tais categorias não foram contabilizadas; e, no censo de 1940, excluiu-se o critério racial ou de origem, sendo adotado somente o critério de cor – branco, preto e amarelo –, atendendo “à dinâmica do cromatismo (como negação da raça) que será norteadora da própria ideia da miscigenação e branqueamento”105.

99 CARNEIRO, Sueli. A Construção do Outro como Não-Ser como Fundamento do Ser. Tese (Doutorado em Educação) apresentada à USP. São Paulo, 2005. pp. 109-110. 100 Ver: KOIFMAN, Fábio. Imigrante Ideal: O Ministério da Justiça e a Entrada de Estrangeiros no Brasil (1941- 1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. 101 Nos termos da Constituição Federal de 1934, “incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas, estimular a educação eugênica” (art. 138, b). 102 SILVA, Mozart Linhares da. “População-Sacer e Democracia Racial no Brasil”. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 03, pp. 593-620, set./dez. 2017. p. 606. 103 GONZALEZ, Lélia. “A Categoria Político-Cultural da Amefricanidade”. In: GONZALEZ, Lélia. Primavera para as Rosas Negras: Lélia Gonzalez em Primeira Pessoa... São Paulo: Diáspora Africana, 2018. pp. 321-334. 104 SALES JR., Ronaldo. “Democracia Racial: O Não-Dito Racista”. Tempo Social, São Paulo, v. 18, n. 02, pp. 229-258, nov. 2006. p. 230. 105 SILVA, supra nota 102, pp. 610-611. 85

A modificação das categorias levou a comprovação do “sucesso” do projeto de branqueamento da nação, uma vez que, se, em 1872, as(os) brancas(os) correspondiam à 38,1% da população, em 1940, elas(es) representavam 63% dela; enquanto as(os) pretas(os) que, no primeiro censo, somavam 19,7% da população, em 1940, passaram a 14,6%106. Desse modo, como explica o historiador brasileiro Mozart Linhares da Silva, a democracia racial:

funcionou como dispositivo de branqueamento da população, ao mesmo tempo em que operou na garantia da “ordem”, amortecendo conflitos raciais ao desautorizar um discurso racista no Brasil. A mestiçagem, estruturante nesta construção, funciona ao mesmo tempo como desmobilizadora de polaridades, criando uma zona de indeterminação, e meio a partir do qual se aponta para um devir. Noutras palavras, o discurso da miscigenação redentora, que embranquecerá o corpo-espécie da população brasileira, atua como reconstituição da população, moldando-a segundo critérios eugenistas que constitui a população negra como população-sacer, ou seja, uma população que ao entrar na ordem mestiça deve desaparecer no devir da nação.107

Por fim, uma importante consequência do processo de branqueamento no país foi o surgimento do colorismo 108 (ou pigmentocracia), que se trata da discriminação baseada essencialmente nos fenótipos do indivíduo109: quanto mais escura a cor da sua pele, quanto mais crespos seus cabelos, quanto mais arredondado ou largo seu nariz, entre outros – isto é, quanto mais evidentes os fenótipos associados à sua ascendência africana e, consequentemente, à sua pouca miscigenação –, mais discriminado ele é110.

[O colorismo] encaixa negras contra negras (claras vs. escuras), aumenta a competição entre mulheres e o constante medo da solidão por ambos os lados, dissemina a ideia de maior aceitação para uns e menor aceitação para outros, dissemina a ideia da era escravocrata de negras para fornicar versus negras para trabalhar/usurpar, favorece a fluidez da massacrante e humilhante indústria da beleza que só faz enriquecer com a venda de cosméticos que funcionam como elementos apagadores de negritude, mantém uma classe de negros satisfeita com a ideia de quase-branquitude em detrimento de outra que é alvo de imposições sobre uma inferioridade que de fato não existe, mantém a liderança sobre o que deve ou não ser visibilizado/do que é ou não belo nas mãos de pessoas brancas...111

Cabe destacar que a importância do reconhecimento do colorismo na luta antirracista não está na criação de novas escalas e divisões entre a população negra, mas, pelo contrário,

106 Ibidem, p. 612. 107 Ibidem. 108 Termo cunhado pela escritora e ativista estadunidense amefricana Alice Walker, em 1982, no ensaio “If the Present Looks Like the Past, What Does the Future Look Like?”. 109 SILVA, Tainan Silva e. “O Colorismo e suas Bases Históricas Discriminatórias”. Direito UNIFACS - Debate Virtual, Salvador, n. 201, pp. 01-19, 2017. p. 09. 110 Ver: DJOKIC, Aline. “Colorismo – Sobre Tonalidades e (In)Visibilidade”. Blogueiras Negras, Rio de Janeiro, 23 jul. 2018. 111 OLIVEIRA, Laila. “A Escala da Dor”. Blogueiras Negras, Rio de Janeiro, 11 mar. 2015. 86 na admissão da multiplicidade de suas experiências e na necessidade de considerá-las e oportunizá-las na atuação do movimento negro nacional112. Como explicou Sueli Carneiro:

A fuga da negritude tem sido a medida da consciência de sua rejeição social e o desembarque dela sempre foi incentivado e visto com bons olhos pelo conjunto da sociedade. Cada negro claro ou escuro que celebra sua mestiçagem ou suposta morenidade contra a sua identidade negra tem aceitação garantida. O mesmo ocorre com aquele que afirma que o problema é somente de classe e não de raça. Esses são os discursos politicamente corretos de nossa sociedade. São os discursos que o branco brasileiro nos ensinou, gosta de ouvir e que o negro que tem juízo obedece e repete.113

2.4. O Surgimento do Trabalho Doméstico Assalariado: Da Senzala ao Quartinho

Não surpreendentemente, a abolição não foi acompanhada pelo desenvolvimento de assistências e garantias de acesso, pelas(os) ex-escravizadas(os), à oportunidades educacionais ou ao mercado de trabalho livre, levando muitas(os) delas(es) a continuarem trabalhando com suas(eus) ex-proprietárias(os) – agora, mediante pagamento, seja na agricultura, seja como trabalhadoras domésticas –, mas passaram a ter uma habitação própria, nos cortiços114. No final do século XIX, 51,3% das trabalhadoras brasileiras fora da agricultura atuavam como domésticas115. O destino das(os) libertas(os), no entanto, variou de acordo com a região do país, tendo em vista que, no final do escravismo brasileiro, surgiu um setor industrial fabril, tipicamente capitalista, no centros urbanos; entretanto, no campo, mesmo após a abolição, o modelo de plantation voltado a exportação permaneceu dominante116. No Nordeste, elas(es) continuaram trabalhando nas fazendas. Em São Paulo, cidade que recebeu grande número de imigrantes europeus, não havia muitas oportunidades de emprego para ex-escravizadas(os), já que o racismo favorecia os trabalhadores imigrantes. No Rio de Janeiro, por outro lado, um menor número de imigrantes permitiu que libertas(os) tivessem muito mais oportunidades em comparação com outras regiões do país117. A dependência das famílias brancas em relação as suas escravizadas domésticas era completa e conservou-se mesmo após a abolição. Com a conquista de liberdade, a relação entre ex-escravizadas domésticas – agora trabalhadoras domésticas livres, independentes e

112 Ver: OLIVEIRA, Laila. “Afrobeges ou o Colorismo que Refuta a Lógica Racista”. Blogueiras Negras, Rio de Janeiro, 29 jan. 2020. 113 CARNEIRO, Sueli. “Negros de Pele Clara”. Geledés - Instituto da Mulher Negra, São Paulo, 29 mai. 2004. 114 CONDE, supra nota 17, p. 22. 115 BESSE, Susan. Modernizando a Desigualdade: Reestruturação da Ideologia de Gênero no Brasil (1914- 1940). São Paulo: EdUSP, 1999. pp. 157-162. 116 GORENDER, supra nota 10, p. 28. 117 CONDE, supra nota 17, p. 21. 87 assalariadas – e suas(eus) ex-proprietárias(os) – agora suas(eus) empregadoras(es) – não mudou muito, à medida que o antigo pacto tácito de “lealdade” recíproca transformou-se e as(os) empregadoras(es) não perderam totalmente a autoridade sobre suas funcionárias, que continuaram expostas diariamente à uma enorme carga de trabalho e à violências118. Ao mesmo tempo, as trabalhadoras domésticas passaram a ser consideradas um obstáculo à modernização do país em um período marcado pelo desenvolvimento tecnológico, pelo surgimento do trabalho assalariado e pela expansão do capitalismo industrial. Na Belle Époque brasileira (1889-1922), a elite desejava, contraditoriamente, implantar modelos europeus de modernidade no país e manter relações de servidão doméstica específicas do período da escravidão119, já que elas mantiveram-se como indicador de status social. Nesse período, ao deixar de “fazer parte da família”, as trabalhadoras domésticas – e as mulheres negras em geral – passaram a ser vistas como estranhas que ameaçavam a reputação de suas(eus) empregadoras(es) e a privacidade das famílias, sendo associadas à doenças, desonestidade, imoralidade, crimes, depravação e todo tipo de transgressão120. Esse cenário levou à criação de novas formas de dominação baseadas nas noções de superioridade racial e domínio de classe – que persistem até hoje na sociedade brasileira –, como o surgimento de agências de emprego que forneciam trabalhadoras domésticas – com uma forte preferência por mulheres brancas –, indicações e currículo profissionais e exames de saúde121. Outra forma de controle adotada foi a reorientação das casas das(os) empregadoras(es), com o objetivo de restringir as áreas de acesso das trabalhadoras122. O maior símbolo dessa reorientação foi a criação do “quartinho da empregada”, geralmente minúsculo, sem janelas, e separado do resto da residência. Além disso, houve a restrição do uso de determinados locais das casas, como as salas de estar e de jantar, as bibliotecas, piscinas e áreas de lazer, bem como o aparecimento de condomínios e apartamentos com entrada e elevador “de serviço”123. No início do século XX, as intelectuais brasileiras passaram a se preocupar em compensar a falta histórica de valor econômico dado ao trabalho doméstico, inserindo nele um valor moral, uma missão cívica e patriótica124. Para a elevação do trabalho das mulheres em suas casas era necessário que a parte “vergonhosa” das tarefas domésticas – isto é, as

118 RIBEIRO, supra nota 28, p. 124. 119 CONDE, supra nota 17, p. 25. 120 BESSE, supra nota 115, p. 114. 121 GRAHAM, supra nota 23, p. 114. 122 Ibidem, p. 16. 123 VIECELI, WÜNSCH & STEFFEN, supra nota 1, p. 17. 124 RONCADOR, Sônia. Domestic Servants in Literature and Testimony in Brazil, 1889-1999. New York City: Palgrave Macmillan, 2014. p. 27. 88 obras mais manuais que exigiam pouca capacidade intelectual – fosse transferida para as mulheres das classes econômicas e raciais inferiores da sociedade, as trabalhadoras negras e pobres, enquanto as donas de casa (brancas) cuidavam da administração de sua casa, da criação de suas(eus) filhas(os) e da supervisão de suas empregadas125. Com o passar do tempo, essa mentalidade, combinada com a ampla oferta de serviços domésticos, os baixos salários pagos a essas trabalhadoras e a estrutura do mercado brasileiro – cujo crescimento “permitiu uma rápida expansão da economia comercial urbana, juntamente com a introdução das comunicações modernas e das imagens estrangeiras da ‘nova mulher’” 126 –, permitiram que mulheres dos estratos de renda média e alta (brancas) entrassem no mercado formal de trabalho, começando a competir com os homens (também brancos). Esse processo, no entanto, não foi acompanhado pela criação, pelos governos federal, estadual e municipal, de creches coletivas, escolas em período integral e/ou outras atividades que diminuíssem, ao menos em parte, o ônus das mães com a socialização e educação de suas(eus) filhas(os). Como as mulheres pobres e negras quase não tinham voz no cenário político, elas ficaram com soluções improvisadas para a custódia de suas próprias crianças, enquanto cuidavam das(os) filhas(os) das mulheres ricas e brancas 127 . Como resume a historiadora brasilianista estadunidense Susan Besse:

Enquanto as mulheres de classe média conquistavam direitos individuais, a privacidade e os direitos das mulheres pobres [e negras] eram ignorados – e muitas vezes gritantemente violados – por um Estado autoritário, cada vez mais intervencionista, que procurava regulamentar sua saúde, reprodução, condições de vida e relações sociais, em nome do desenvolvimento econômico e da paz social.128

Portanto, não é surpreendente que as mulheres negras continuem a ocupar um lugar específico (e restrito) no mercado de trabalho formal – mesmo com muitas melhorias sociais nos últimos anos, como a redução da taxa de fertilidade, a ampliação do acesso feminino a empregos formais, o aumento da educação feminina e a maior disponibilidade de tecnologia doméstica 129 –, resultante da direta discriminação racial, de gênero e de classe, e de desigualdades em termos de acesso educacional e cultural. Enquanto as mulheres de classe média, devido ao seu nível educacional mais elevado, são maioria na prestação de serviços

125 MELO, Hildete Pereira de. “O Serviço Doméstico Remunerado no Brasil: De Criadas a Trabalhadoras”. Textos para Discussão IPEA, Rio de Janeiro, n. 565, jun. 1998. p. 03. 126 BESSE, supra nota 115, p. 223. 127 MELO, supra nota 125, p. 05. 128 BESSE, supra nota 115, p. 224. 129 PINHO, Patricia de Santana; SILVA, Elizabeth. “Domestic Relations in Brazil: Legacies and Horizons”. Latin American Research Review, Pittsburgh, v. 45, n. 02, pp. 90-113, 2010. p. 110 – tradução livre. 89 coletivos, como os de saúde e educação; as mulheres de grupos de baixa renda tendem a ocupações manuais, como o trabalho fabril e doméstico130. Mesmo no mercado de trabalho doméstico, “há um quadro impressionante de desigualdade e subordinação no lar” e uma “considerável estabilidade nos padrões das divisões sociais de gênero, raça e classe”131. Nas famílias das classes média e alta, as tarefas domésticas são quase sempre repassadas às trabalhadoras domésticas; à medida que o nível de renda aumenta, o número de trabalhadoras aumenta, assim como o tempo de trabalho132 e a estratificação (e a abusividade) de seus relacionamentos com as(os) empregadoras(es)133 – quase 70% das famílias pertencentes ao décimo mais rico da população contrata trabalhadoras domésticas, o que significa que cerca de 58% de todas as trabalhadoras domésticas no país são empregadas por famílias que estão entre os 10% mais ricos da população134.

130 Ver: LOVELL, Peggy. “Raça, Classe, Gênero e Discriminação Salarial no Brasil”. Estudos Afro-Asiáticos, São Paulo, n. 22, pp. 85-97, 1992; LIMA, Márcia; SILVA, Denise. “Raça, Gênero e mercado de trabalho”. Estudos Afro‐Asiáticos, São Paulo, n. 22, pp. 98-113, 1992; ABREU, Alice Rangel; JORGE, Angela Filgueiras; SORJ, Bila. “Desigualdade de Gênero e Raça: O Informal no Brasil em 1990”. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 02, n. especial, pp. 153-178, jul./dez. 1994; BENTO, Maria Aparecida Silva. “A Mulher Negra no Mercado de Trabalho”. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 03, n. 02, pp. 479-488, 1995; LIMA, Márcia. “Trajetoria Educacional e Realização Sócio-Econômica das Mulheres Negras”. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 03, n. 02, pp. 489-495, 1995; REZENDE, Cláudia Barcellos; LIMA, Márcia. “Linking Gender, Class and Race in Brazil”. Social Identities, Milton, v. 10, n. 06, pp. 757-773, 2004; MARQUES, Osiris. “As Mulheres e os Serviços Formais: O Que Mudou na Década de 1990?”. Gênero, Niterói, v. 06-07, n. 02-01, pp. 59-77, 2006; LOVELL, Peggy. “Race, Gender, and Work in Sao Paulo, Brazil, 1960-2000”. Latin American Research Review, Pittsburgh, v. 41, n. 03, pp. 63-87, Oct. 2006; BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha. “Trabalho e Gênero no Brasil nos Últimos Dez Anos”. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 132, pp. 537-572, set./dez. 2007; entre outros. 131 PINHO & SILVA, supra nota 129, pp. 97 e 114 – tradução livre. 132 Ibidem. 133 Ver: PRETA-RARA. Eu, Empregada Doméstica: A Senzala Moderna é o Quartinho da Empregada. Belo Horizonte: Letramento, 2019. 134 PINHEIRO, Luana Simões; GONZALES, Roberto; FONTOURA, Natália de Oliveira. “Expansão dos Direitos das Trabalhadoras Domésticas no Brasil”. Nota Técnica IPEA, Brasília, n. 10, ago. 2012. p. 35. 90

RETALHOS LEGISLATIVOS: PASSOS QUE VÊM DE LONGE

As mulheres negras não existem. Ou, falando de outra forma: as mulheres negras, como sujeitos identitários e políticos, são resultado de uma articulação de heterogeneidades, resultante de demandas históricas, políticas, culturais, de enfrentamento das condições adversas estabelecidas pela dominação ocidental eurocêntrica ao longo dos séculos de escravidão, expropriação colonial e da modernidade racializada e racista em que vivemos.

― Jurema Werneck (NOSSOS PASSOS VÊM DE LONGE!, 2009)

91

Se, no processo de abolição da escravatura, passaram-se quase 60 anos entre a primeira iniciativa normativa de abolição do tráfico negreiro e a emancipação total das(os) escravizadas(os), a disputa pela regularização do trabalho doméstico já dura mais de um século.

1 MUITA LUTA E POUCAS CONQUISTAS

No presente item, narro, brevemente, a trajetória da organização e das reivindicações, derrotas e conquistas das trabalhadoras domésticas pela/na regulamentação de seu trabalho. Visando proporcionar uma contextualização para tais processos, mas sem qualquer pretensão explicativa, apresento, inicialmente, as políticas econômicas adotadas por cada governo presidencial, e, posteriormente, as parceiras com os movimentos negro e feministas. Entendo que todo o percurso narrado tenha sido – e permaneça sendo – afetado por diversos fatores, sejam eles políticos (envolvendo setores do Executivo, Legislativo e Judiciário), econômicos, sociais, internacionais, entre outros, de modo que uma investigação da relação de causalidade entre cada um desses elementos demandaria a realização de outra pesquisa.

1.1. Os que Foram e os que Não Chegaram a Ser: Organização, Politização e Projetos de Lei

Com a assinatura da Lei Áurea (Lei Imperial nº 3.353), em 13 de maio de 1888, a relação entre empregadoras(es) e trabalhadoras domésticas passou a ser regulada pelos Títulos XXIX a XXXV do Livro IV das Ordenações Filipinas de 16031, que estipulavam sobre a forma de pagamento das criadas e sua comprovação, a obrigação de lealdade dessas trabalhadoras com suas(eus) empregadoras(es), e a responsabilidade de ressarci-las(os) pelos danos cometidos em seu serviço. Em 1886, no município de São Paulo, o Código Municipal de Posturas foi revisto e ampliado, adicionando dezesseis artigos que versavam sobre os direitos das criadas2, inclusive definindo-as:

1 Compilação legal que resultou da reforma do Código Manuelino, por Filipe I, durante a Dinastia Filipina. Com o final da União Ibérica, em 1640, o Código permaneceu em vigor em Portugal e em seus territórios ultramarinos até 1867, quando foi revogado pelo Código Civil português de 1867. No entanto, embora a independência do Brasil tenha sido conquistada em 1822, o Código foi revogado apenas em 1916. 2 BENTIVOGLIO, Elaine Cristina Saraiva; FREITAS, Natalia Santos de. A Evolução da Legislação do Trabalho Doméstico no Brasil. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, São Paulo, v. 11, n. 11, pp. 219-232, 2014. pp. 221-222. 92

Art. 263. Criado de servir, no sentido desta postura, é toda a pessoa de condição livre que. mediante salário convencionado, tiver ou quizer ter ocupação de moço de hotel, hospedaria ou casa de pasto, cozinheiro, copeiro, cocheiro, hortelão; de ama de leite, ama seca, engomadeira ou costureira, e em geral a de qualquer serviço doméstico.

O Código preocupou-se, ainda, em tornar obrigatório o registro das criadas junto à Secretaria de Polícia, onde era expedida uma caderneta com a finalidade de identificação (arts. 264 a 269); determinar as regras do contratos de trabalho (arts. 270 a 273); instituir direito ao aviso-prévio na rescisão de contrato de trabalho por prazo indeterminado (arts. 274 a 275) e especificar os motivos de justa causa rescisória por ambas as partes (arts. 276 a 278). Tais normativas só foram substituídas décadas depois, já na República Velha3, pela promulgação do Código Civil de 1916, que não fez qualquer referência específica à prestação de serviços domésticos ao tratar da locação de serviços (arts. 1.216 a 1.236) – regulamento próprio para alocação de serviços domésticos foi aprovado somente sete anos depois, por meio do Decreto nº 16.107/19234, em termos semelhantes, ainda que mais completos, aos do Código de Posturas do Município de São Paulo. Até a Era Vargas5, a ideia de regular o trabalho doméstico foi fortemente contestada pelas(os) empregadoras(es), que opunham-se à intervenção do Estado na privacidade de seus lares6 e entendiam seu relacionamento com as trabalhadoras domésticas “como uma relação familiar, de plena subserviência”7, não sendo, a elite, contestada por Getúlio. Ainda que o presidente se apresentasse, ao menos no início de seu governo, como o “pai dos pobres”, aquele que visava “elevar” os oprimidos, “proteger” os fracos e “dignificar” os desprivilegiados, sua legitimidade como tal apoiava-se no – e se fortalecia pelo – respeito ao “caráter natural” da hierarquia social, de modo que as(os) trabalhadoras(es) beneficiadas(os) pelas políticas econômicas do período – quase unicamente a classe operária urbana – deviam

3 Também conhecida como República das Oligarquias, estendeu-se da proclamação da República, em 1889, até a Revolução de 1930. 4 DAMACENO, Liliane Dias; CHAGAS, Sylvia Oliveira. Evolução do Direito Trabalhista do Empregado Doméstico de 1916 à 2013 - PEC das Domésticas. In: Cadernos de Graduação - Ciências Humanas e Sociais, Aracaju, v. 01, n. 17, pp. 63-76, out. 2013. p. 67. 5 Com a Revolução de 1930, uma junta militar provisória cedeu o poder a Getúlio Vargas, líder do movimento revolucionário, que governou o Brasil por 15 anos: primeiramente, como Chefe do Governo Provisório, de 1930 a 1934; em seguida, como Presidente do Governo Constitucional, de 1934 a 1937; e, por fim, como Presidente Ditatorial do Estado Novo, entre 1937 e 1945. 6 CONDE, Carla Marchandeau. Le Travail Domestique au Brésil: Une Etude à la Lumière de la Convention nº 189 et de la Recommandation nº 201 de l’OIT. Mémoire (Maîtrise en Droit International) présenté à la Université de Montréal. Montréal, 2015. p. 38. 7 MELO, Hildete Pereira de; SOARES, Cristiane; BANDEIRA, Lourdes. “A Trajetória da Construção da Igualdade nas Relações de Gênero no Brasil: As Empregadas Domésticas”. In: BERTOLIN, Patrícia; ANDRADE, Denise de; MACHADO, Monica (Orgs.). Mulher, Sociedade e Vulnerabilidade. Erechim: Deviant, 2017. pp. 65-84. p. 67. 93

“conhecer o seu lugar” e ali permanecerem, sendo obstinadamente reprimidas todas as suas tentativas de interpretar sua própria realidade e atuar por conta própria8. Consequentemente, “as trabalhadoras domésticas foram legalmente excluídas da estrutura de direitos trabalhistas estabelecida na década de 1930”9, como as disposições dos Decretos de nos 19.770/1931 e 23.103/1933, que garantiram, respectivamente, os direitos de sindicalização e a férias anuais remuneradas; a Constituição Federal de 1934, que estabeleceu o direito ao salário mínimo; e o Decreto-Lei nº 5.452/1943 – conhecido como Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) –, que justificou a exclusão do serviço doméstico das normas trabalhistas com base no conceito oficial de empregada(o) doméstica(o) estabelecido dois anos antes pelo Decreto-Lei nº 3.078/1941, o qual define o serviço doméstico como um serviço econômico prestado às famílias em seus domicílios particulares, ou seja, um trabalho reprodutivo. No entanto, as trabalhadora domésticas não se sujeitaram passivamente à exclusão legislativa; pelo contrário, elas desenvolveram projetos de resistência e ressignificação. O primeiro deles remonta à década de 1930, quando Laudelina de Campos Melo fundou o primeiro sindicato das trabalhadoras domésticas do país, a Associação Profissional de Empregados Domésticos, em Santos, “com o objetivo de conquistar o status jurídico de sindicato, uma vez que estes poderiam negociar o reconhecimento jurídico da categoria e conquistar direitos trabalhistas”10. Após um período de suspensão das atividades, devido ao fechamento da Associação pelo Estado Novo, em 1942, a República Nova 11 marca a retomada da articulação do movimento político das trabalhadoras domésticas no eixo Rio-São Paulo, tendo como principal objetivo a extensão da legislação trabalhista e a garantia de seguridade social para a categoria12.

8 BESSE, Susan. Modernizando a Desigualdade: Reestruturação da Ideologia de Gênero no Brasil (1914-1940). São Paulo: EdUSP, 1999. pp. 225-226. 9 ACCIARI, Louisa. “Decolonising Labour, Reclaiming Subaltern Epistemologies: Brazilian Domestic Workers and the International Struggle for Labour Rights”. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 41, n. 01, pp. 39- 63, jan./abr. 2019. p. 43 – tradução livre. 10 BERNARDINO-COSTA, Joaze. “Decolonialidade e Interseccionalidade Emancipadora: A Organização Política das Trabalhadoras Domésticas no Brasil”. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 30, n. 01, pp. 147- 163, jan./abr. 2015. p. 155. 11 Também conhecida como República Populista, refere-se ao período de 1946 a 1964, no qual o Brasil foi governado por quatro presidentes e dois vice-presidentes democraticamente eleitos: Eurico Gaspar Dutra (PSD- RJ), que governou entre 1946 e 1951; Getúlio Vargas (PTB-RS), que governou entre 1951 e 1954, sendo substituído por seu vice, João Fernandes Campos Café Filho (PSP-RN), após cometer suicídio; Juscelino Kubitschek (PSD-MG), que governou entre 1956 e 1961; e Jânio Quadros (UDN-MS), que governou até agosto de 1961, quando renunciou, sendo substituído por seu vice, João Goulart (PTB-RS), que governou até 1964. 12 MELO, Hildete Pereira de; SOARES, Cristiane; BANDEIRA, Lourdes. “A Trajetória da Construção da Igualdade nas Relações de Gênero no Brasil: As Empregadas Domésticas”. In: BERTOLIN, Patrícia; 94

Todavia, a política econômica do Governo Dutra não colaborou com os esforços da classe. Os primeiros três anos do governo foram marcados pela adoção de uma postura liberal, que visou à redução dos gastos públicos, a implantação de uma política monetária expansionista, ao combate à inflação e ao controle de importações. Tal enfoque foi radicalmente transformado a partir de 1949, quando se adotou o modelo desenvolvimentista, “buscando obter níveis maiores de crescimento do produto interno bruto (PIB) e atender demandas do setor privado”, privilegiando os setores industrial e agrário13. Assim sendo, não surpreende que nesse período tenha sido promulgada a Lei nº 605/194914, que excluiu as trabalhadoras domésticas da concessão dos benefícios de descanso semanal remunerado e pagamento de salários em feriados civis e religiosos. O retorno de Getúlio Vargas à presidência também não foi beneficial à causa das trabalhadoras domésticas. O populismo econômico15 por ele adotado privilegiou, ao menos no início de seu governo, a industrialização e a modernização agrícola, mantendo o projeto desenvolvimentista de seu antecessor. Como explica a cientista política brasileira Sônia Draibe, nesse período,

nosso Estado Desenvolvimentista teve bastante êxito em dar impulso à industrialização e promover a transformação capitalista da estrutura social, mas o fez, como se sabe, em base a processos sociais extremamente violentos – recorde-se a selvagem modernização do campo e a rapidez da urbanização – e de um modo pouco “moderno”, nada inclusivo de incorporação social dos setores populares, pouco referido a direitos e à expansão da cidadania, limitado, na prática, aos assalariados urbanos do mercado formal de trabalho e, no plano das políticas, à regulação das relações trabalhistas e aos benefícios previdenciários.16

Com o passar dos meses, entretanto, a credibilidade da política adotada ficou abalada, especialmente pelo seu insucesso no combate à inflação, o que levou a uma fase de “randomização”, com o estabelecimento de compromissos conservadores e a demonstração de

ANDRADE, Denise de; MACHADO, Monica (Orgs.). Mulher, Sociedade e Vulnerabilidade. Erechim: Deviant, 2017. pp. 65-84. p. 69. 13 REIGOTO, Luhan Martins. “Governo Dutra: Cenário Externo, Debate Interno e Política Econômica (1946- 1951)”. In: Anais do XII Congresso Brasileiros de História Econômica e 13ª Conferência Internacional de História de Empresas. Niterói, 28-30 ago. 2017. pp. 03-04. 14 Proposta pelo então deputado federal Raul Pilla (PL-RS) no PL nº 114/1946. 15 De acordo com o teuto-americano Rüdiger Dornbusch e o chileno Sebastián Edwards, ambos economistas, o populismo econômico trata-se de “uma abordagem da economia que enfatiza o crescimento e a redistribuição de renda, e não destaca os riscos da inflação e do déficit financeiro, as restrições externas e a reação dos agentes econômicos a políticas agressivas fora do mercado”. In: DORNBUSCH, Rüdiger; EDWARDS, Sebastián. The Macroeconomics of Populism in Latin America. Chicago: University of Chicago Press, 1991. p. 09 – tradução livre. 16 DRAIBE, Sônia. “A Política Social no Período FHC e o Sistema de Proteção Social”. Tempo Social, São Paulo, v. 15, n. 02, pp. 63-101, 2003. p. 68. 95 certa ortodoxia17. Em 1953, com o aumento da inflação e do custo de vida muito superior ao reajuste do salário mínimo, várias greves trabalhistas começaram a ser organizadas – com destaque para a Greve dos 300 mil e a Greve dos Marítimos18 –, forçando Vargas a abandonar as propostas de estabilização e voltar-se totalmente para as de crescimento, dobrando o salário mínimo vigente e implementando medidas focadas em ampliar os direitos sociais19, tais quais:

[a] extensão de benefícios previdenciários a várias categorias de trabalhadores e seus dependentes [...]; [a] extensão [a trabalhadores rurais], através da Carteira do Trabalhador Rural, de estabilidade, duração de jornada de trabalho e proteção ao trabalho da mulher e do menor; [a] extinção do limite do valor das pensões, tornando-as proporcionais aos salários; [a] aposentadoria aos 55 anos de idade para atividades “penosas e insalubres”; [a] criação do auxílio-matrimônio; e, finalmente, [a] participação dos trabalhadores na gestão dos institutos de aposentadorias e pensões.20

Ainda assim, nenhuma dessas introduções favoreceu as trabalhadoras domésticas, as quais também foram praticamente deixadas de lado no Governo JK, que teve início com a promulgação da Lei nº 2.757/195621, responsável por distinguir os serviços prestados por porteiros, zeladores, faxineiros e serventes de prédios de apartamentos residenciais – ocupações majoritariamente masculinas – do emprego doméstico, incorporando tais trabalhadores ao grupo abarcado pela CLT 22 . A única inovação em benefício das trabalhadoras domésticas foi sua inscrição (facultativa) na instituição de previdência social de profissional comerciária – mediante o pagamento em dobro das respectivas contribuições –, em 196023, pelo art. 161 da Lei nº 3.80724. Cabe destacar que a política econômica adotada por Kubitschek, notadamente reconhecida pelo foco no crescimento nacional por meio do Plano de Metas, acabou por intensificar as desigualdades sociais e regionais do país, seja por seu processo de concentração industrial, que beneficiou desproporcionalmente a região Centro-Sul; pela redistribuição da renda das(os) trabalhadoras(es) para as(os) empresários(as), por meio do

17 FONSECA, Pedro Dutra; MONTEIRO, Sérgio Modesto. “Credibilidade e Populismo no Brasil: A Política Econômica dos Governos Vargas e Goulart”. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 59, n. 02, pp. 215-243, abr./jun. 2005. pp. 217 e 222-223. 18 GOMES, Angela de Castro. “Trabalhadores, Movimento Sindical e Greves”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2004. 19 FONSECA & MONTEIRO, supra nota 17, pp. 225-227. 20 Ibidem, pp. 227-228. 21 Proposta pelo então deputado federal Hildebrando Bisaglia (PTB-MG) no PL nº 2856/1953. 22 FONSECA & MONTEIRO, supra nota 17, p. 68. 23 SAFFIOTI, Heleieth. Emprego Doméstico e Capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 39. 24 Resultante da Mensagem nº 625-36/1956 do então presidente, acompanhando a Exposição de Motivos de José Parsifal Barroso, então Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. 96 mecanismo inflacionário, “como forma de estimular e financiar a expansão industrial”; ou pela desconsideração dos setores de serviços e agropecuário25. Na década de 1960, o persistente movimento das trabalhadoras domésticas finalmente ganhou dimensão nacional. Através da Juventude Operária Católica (JOC), vários grupos de trabalhadoras(es) da igreja católica foram fundados em várias cidades do país, nos quais as trabalhadoras domésticas iniciaram a formação de associações profissionais para reivindicar seus primeiros direitos26. Paralelamente, em Campinas, Laudelina “organizou a associação daquela cidade mediante seus contatos com o movimento trabalhista e o movimento negro locais”27, inspirando a criação de associações em vários outros estados, como Rio de Janeiro, Maranhão, Paraíba, , Bahia, e Rio Grande do Sul28. Ainda que o Governo Jango, também adepto ao populismo econômico, tenha adotado uma trajetória semelhante ao de Vargas – ou seja, a migração desordenada de uma política econômica voltada para a estabilidade, para uma fase de “randomização” e, por fim, um projeto de crescimento29, em seu caso, com enfoque na defesa das reformas de base –, é nesse período que encontramos os primeiros projetos de leis em benefício das trabalhadoras domésticas, os quais, ainda que tenham sido majoritariamente arquivados, revelam que – e como – os pleitos da categoria começaram a ser vistos pelas(os) deputadas(os) federais e senadoras(es)30. O primogênito foi o PL nº 237/196331, de autoria do deputado federal Daso Coimbra (PSD-RJ), o qual, ainda que não tivesse qualquer envolvimento com a causa das trabalhadoras

25 CAMPOS, Márcia Ferreira. A Política Econômica do Governo Kubitschek (1956-1961): O Discurso em Ação. Dissertação (Mestrado em Economia) apresentada à UFRGS. Porto Alegre, 2007. p. 138. 26 Sobre as dificuldades de iniciar a organização das trabalhadoras domésticas, ver o testemunho de Anazir Maria de Oliveira, presidente da Associação Profissional dos Empregados Domésticos do Estado do Rio de Janeiro, e Odete Maria da Conceição, uma das criadoras da Associação: OLIVEIRA, Anazir Maria de; CONCEIÇÃO, Odete Maria da; MELO, Hildete Pereira de. “Domestic Workers in Rio de Janeiro: Their Struggle to Organize”. In: CHANEY, Elsa; CASTRO, Mary Garcia (Eds.). Muchachas no More: Household Workers in Latin America and the Caribbean. Philadelphia: Temple University Press, 1989. pp. 363-372. 27 BERNARDINO-COSTA, Joaze. “Decolonialidade e Interseccionalidade Emancipadora: A Organização Política das Trabalhadoras Domésticas no Brasil”. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 30, n. 01, pp. 147- 163, jan./abr. 2015. p. 156. 28 MELO, SOARES & BANDEIRA, supra nota 12, p. 69. 29 FONSECA & MONTEIRO, supra nota 17, pp. 217-218. 30 Até o final da primeira década do século XXI, 78 projetos em benefício das empregadas domésticas chegaram a ser apresentados em Plenário – ver Anexo I. A busca pelos projetos de lei (PLs) e projetos de lei do Senado (PLSs) foi feita em 11 de abril de 2019, por meio dos mecanismos de busca dos sites da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com base nos termos “empregada doméstica”, “empregado doméstico”, “emprego doméstico”, “trabalhadora doméstica”, “trabalhador doméstico” e “trabalho doméstico”, filtrando os resultados de 1956 – data que registrou o primeiro projeto – a 2009, último ano da primeira década do século XXI. Posteriormente, todos os projetos encontrados foram lidos e selecionei apenas os que tinham como foco os interesses das trabalhadoras domésticas (e não os das(os) empregadoras(es), por exemplo). 31 Rejeitado em Plenário em dezembro do mesmo ano. 97 domésticas – muito pelo contrário32 –, utilizou-se da atenção que o colunista social Ibrahim Sued33 estava dando, na época, ao “desumano” e “miserável espaço” que eram os quartinhos de empregada, para se filiar à elite carioca – e representá-la – em seu apelo por alojamentos com “condições mínimas de higiene”, que não poderiam “ter menos de 2,20 m3 por pessoa, independentemente dos espaços ocupados pelos móveis” 34 . No mesmo ano, o PL nº 1.477/1963 35 , que visava à regulamentação do trabalho doméstico, foi apresentado pelo deputado federal Emmanuel Waismann (PSP-RJ), o qual se dizia um grande defensor das(os) trabalhadoras(es), ainda que não tenha proposto qualquer outro projeto em benefício das trabalhadoras domésticas. Mesmo com a instauração da Ditadura Militar36 e a grande repressão vigente em sua primeira década, as trabalhadoras não interromperam seus esforços. Com o desmanche de vários movimentos sociais, o bloqueio dos canais institucionais de representação popular e a vigilância governamental para impedir o surgimento de novas organizações, impôs-se “importantes mudanças no modo de estruturação e de condução das lutas” de diversos movimentos sociais37. Nesse momento, a manutenção da luta de vários grupos e a proteção de seus membros dependeu do desenvolvimento de laços pessoais baseados em relações familiares, de amizade e de vizinhança 38 . Não obstante, o movimento das trabalhadoras domésticas, mesmo espalhado por todo o país, já sobrevivia à base desse tipo de união, de modo que sua luta não foi particularmente enfraquecida pelo golpe militar. Ainda que as trabalhadoras não tenham conseguido garantir que o benefício do bônus de Natal e o décimo terceiro salário (Leis de nos 4.090/1962 39 e 4.749/1965 40 ) fossem

32 O único outro PL do deputado sobre o tema foi de nº 307, proposto em 1975, visando incluir, no sétimo artigo da CLT, as(os) trabalhadoras(es) domésticas(os) que prestavam serviços “à instituição de beneficência, mantida pela caridade pública, por organização religiosa e por subvenção do Estado, desde que seus diretores não sejam, sob qualquer título, remunerados”, em vez de pleitear a retirada da categoria da lista de trabalhadoras(es) às(aos) quais não se aplicava tal normativa. 33 Ver: TRAVANCAS, Isabel. “A Coluna de Ibrahim Sued: Um Gênero Jornalístico”. Intercom - Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, São Paulo, v. 24, n. 01, pp. 109-122, jan./jun. 2001. 34 BRASIL. Diário do Congresso Nacional. Brasília, v. 18, n. 44, Seção I, 04 mai. 1963, p. 204. 35 O qual teve seu andamento prejudicado pela rejeição do PL nº 237/1963, em dezembro do mesmo ano. 36 Refere-se ao período de 1964 a 1985, no qual o Brasil foi governado por cinco presidentes militares, todos membros da Aliança Renovadora Nacional (ARENA): (i) o marechal Humberto Castelo Branco, que governou entre 1964 e 1967; (ii) o marechal Artur da Costa e Silva, que governou entre 1967 a 1969; (iii) o general Emílio Garrastazu Médici, que governou de 1969 a 1974; (iv) o general Ernesto Geisel, que governou de 1974 a 1979; e (v) o general João Baptista Figueiredo, que governou de 1979 a 1985. 37 SOARES DO BEM, Arim. “A Centralidade dos Movimentos Sociais na Articulação entre o Estado e a Sociedade Brasileira nos Séculos XIX e XX”. Educação & Sociedade, Campinas, v. 27, n. 97, pp. 1137-1157, set./dez. 2006. p. 1149. 38 SINGER, Paul; BRANT, Vinicius Caldeira (Orgs.). São Paulo: O Povo em Movimento. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 13. 39 Proposta pelo então deputado federal Aarão Steinbruch (PTB-RJ) no PL nº 440/1959. 98 estendidos a elas, suas mobilizações resultaram no primeiro Congresso Nacional de Empregadas Domésticas, realizado em São Paulo, em 1968, estimulando a promulgação, quatro anos depois, da primeira lei que se propôs a dispor sobre a profissão de empregada(o) doméstica(o) (Lei nº 5.859/197241), garantindo, às trabalhadoras, dentre outros direitos, os benefícios e serviços da previdência social, férias anuais com o adicional de ⅓ do salário acordado, e a assinatura de sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS)42. Os anos de abertura política, isto é, de liberalização do regime militar, foram marcados por numerosa apresentação de projetos de lei em benefício das trabalhadoras domésticas. Se, nos Governos Castelo Branco e Costa e Silva, que marcaram o início dos Anos de Chumbo, foram propostos apenas dois PLs cada, e, no Governo Médici, nenhum, nos Governos Geisel e Figueiredo foram apresentados onze projetos de lei cada, que pleiteavam, majoritariamente, a aplicação da Lei do Seguro de Acidentes de Trabalho (SAT) (Lei nº 5.316/1967) e/ou da CLT ao emprego doméstico, e a regulamentação do trabalho doméstico. Dentre as(os) diversas(os) deputadas(os) que propuseram tais PLs – quase unicamente filiadas(os) ao MDB e predominantemente representantes do estado de São Paulo –, destaca-se Francisco Amaral (MDB-SP), autor de cinco projetos e um dos maiores articuladores da Lei nº 5.859/1972, devido à sua proximidade com Laudelina43. O período entre o V Congresso Nacional das Trabalhadoras Domésticas, em Recife, em 1985 – ano em que foi promulgada a Lei nº 7.41844, que excluiu as trabalhadoras da concessão do Vale-Transporte –, e o trabalho da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), de 1987 a 1988 45 , foi de intensa mobilização entre as trabalhadoras domésticas, com a organização de reuniões em vários estados do país e inúmeras visitas a Brasília com o objetivo de pressionar as(os) parlamentares a estender alguns direitos à categoria e estabelecer parcerias com diversas(os) políticas(os) que pudessem apoiar sua causa46, como revelam os quatorze projetos de lei apresentados até agosto de 1988, os quais visavam, majoritariamente, a regularização do trabalho doméstico.

40 Resultante da Mensagem nº 302/1965 do então presidente, Castelo Branco, acompanhando a Exposição de Motivos nº 512/1965 de Arnaldo Lopes Süssekind, então Ministro do Trabalho e Previdência Social. 41 Resultante da Mensagem nº 298/1972 do então presidente, Emílio Médici, acompanhando a Exposição de Motivos nº 240/1972 de Júlio Barata, então Ministro do Trabalho e Previdência Social. 42 CASAGRANDE, Cássio. “Trabalho Doméstico e Discriminação”. Boletim CEDES, Rio de Janeiro, v. 04, pp. 21-26, set. 2008. p. 23. 43 MELO, SOARES & BANDEIRA, supra nota 12, p. 69. 44 Resultante da Mensagem nº 365/1985 do então presidente, José Sarney, acompanhando a Exposição de Motivos nº 20/1985 de Affonso Camargo Neto e Almir Pazzianotto Pinto, então Ministros dos Transportes e do Trabalho, respectivamente. 45 Ver: RAMOS, Gabriela Batista Pires. “Como se fosse da família”: O Trabalho Doméstico da Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988. Dissertação (Mestrado em Direito) apresentada à UFBA. Salvador, 2018. 46 BERNARDINO-COSTA, supra nota 27, p. 157. 99

Próximo ao início das discussões pela ANC, cerca de 300 trabalhadoras domésticas foram à Brasília entregar pessoalmente suas demandas, sendo recebidas pela Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos, integrada à Comissão de Ordem Social47. Em uma de suas reuniões, em maio de 1987, Lenira de Carvalho, presidenta da Associação de Trabalhadoras Domésticas de Recife, leu uma carta elaborada por representantes das trabalhadoras domésticas de 23 associações espalhadas por nove estados do país, que haviam se reunido em Nova Iguaçu em abril do mesmo ano:

Nós, Trabalhadoras Empregadas Domésticas, somos a categoria mais numerosa de mulheres que trabalham neste país, cerca de ¼ (um quarto) da mão-de-obra feminina, segundo os dados do V Congresso Nacional de Empregadas Domésticas de Janeiro de 1985. Fala-se muito que os trabalhadores empregados domésticos não produzem lucro, como se fosse algo que se expressasse, apenas e tão-somente, em forma monetária. Nós, produzimos saúde, limpeza, boa alimentação e segurança para milhões de pessoas. Nós, que sem ter acesso à instrução e cultura, em muitos e muitos casos, garantimos a educação dos filhos dos patrões. Queremos ser reconhecidos como categoria profissional de trabalhadores empregados domésticos e termos direito de sindicalização, com autonomia sindical. Reivindicamos o salário mínimo nacional real, jornada de 40 (quarenta) horas semanais, descanso semanal remunerado, 13º salário, estabilidade após 10 (dez) anos no emprego ou FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), e demais direitos trabalhistas consolidados. Extensão, de forma plena, aos trabalhadores empregados domésticos, dos direitos previdenciários consolidados. Proibição da exploração do trabalho do menor como pretexto da criação e educação. Que o menor seja respeitado em sua integridade física, moral e mental. “Entendemos que toda pessoa que exerce trabalho remunerado e vive desse trabalho é trabalhador, e, consequentemente, está submetido às leis trabalhistas e previdenciárias consolidadas.” Como cidadãs e cidadãos que somos, uma vez que exercemos o direito da cidadania, através do voto direto, queremos nossos direitos assegurados na nova Constituição.48

Consequentemente, a Constituição Federal de 1988, por meio do parágrafo único de seu artigo 7º, assegurou, às trabalhadoras domésticas, alguns dos direitos garantidos às(aos) demais trabalhadoras(es) urbanas(os) e rurais (somente 9 dos 34 elencados). São eles: o salário mínimo (inciso IV); a irredutibilidade do salário (inciso VI); o décimo terceiro salário (inciso VIII); o repouso semanal remunerado (inciso XV); o gozo de férias anuais remuneradas (inciso XVII); a licença maternidade e paternidade (incisos XVIII e XIX); o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço (inciso XXI); e a aposentadoria (inciso XXIV); além da integração à previdência social.

47 LEITE, Bianca Muniz. “Audácia”: A Emenda Constitucional 72/2013 a partir das Narrativas sobre as Condições de Trabalho de Mulheres do Sindoméstico Bahia. Dissertação (Mestrado em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo) apresentada à UFBA. Salvador, 2017. p. 54. 48 BRASIL. Diário da Assembléia Nacional Constituinte. Ano I, suplemento ao n. 25, quinta-feira, 16 de Julho de 1987. Brasília: Assembléia Nacional Constituinte, 1987. pp. 112-114. 100

Mesmo com essa conquista, a reivindicação de direitos para as trabalhadoras domésticas por meio do Legislativo continuou até o final do Governo Sarney, que inaugurou a Nova República49, em especial pelo esforço combinado da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) e do deputado federal (PT-RS), autores de quatro projetos que visavam à regulamentação do trabalho doméstico e que foram amplamente apoiados por sindicatos e associações da categoria e por organizações feministas 50 : os PLs de nos 748/1988 51 , 830/198852, 1.163/198853 e 1.626/198954. Nos Governos Collor e Franco, entretanto, somente quatro projetos foram apresentados, dentre os quais o primeiro de autoria de um senador, o PLS nº 81/1991, de Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP). Essa significativa diminuição resultou de um conjunto de reformas econômicas liberalizantes que tiveram início em 199055. Com o fracasso da retomada do projeto desenvolvimentista por Sarney e a crise por ele agravada, Collor deu início “a implantação do projeto neoliberal no Brasil, como elemento condutor da ação governamental em todas as suas esferas”56. Tal projeto foi marcado por “um ambicioso processo de redefinição do padrão de acumulação capitalista e de ofensiva contra os direitos sociais e trabalhistas”, baseado na desregulamentação do mercado de trabalho 57 , sendo mantido na administração de Itamar Franco. No Governo FHC, a adoção de políticas econômicas baseadas no paradigma neoliberal se consolidou por meio da realização de diversas reformas institucionais macroeconômicas

49 Refere-se ao período que teve início com o final da Ditadura Militar, em 1985, até o presente, no qual o Brasil já foi governado por cinco presidentes, uma presidenta e dois vice-presidentes democraticamente eleitos: José Sarney (MDB-MA), que governou entre 1985 e 1990; (PRN-AL), que governou entre 1990 e 1992, quando foi destituído de seu cargo, sendo substituído por seu vice, Itamar Franco (MDB-MG), que governou até 1995; Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), que governou entre 1995 e 2003; Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), que governou entre 2003 e 2011; Dilma Rousseff (PT-RS), que governou entre 2011 e 2016, quando foi destituída de seu cargo, sendo substituída por seu vice, Michel Temer (MDB-SP), que governou até 2019; e Jair Messias Bolsonaro (PSL-RJ), que governa desde 2019. 50 CFEMEA. “Projeto garante novos direitos para o empregado doméstico”. Fêmea, Brasília, v. 01, n. 02, p. 06, jul 1992. 51 Arquivado pela Câmara com base no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD) em abril de 1989. 52 Arquivados pela Câmara com base no artigo 105 do RICD em abril de 1989. 53 Prejudicado pela aprovação do substitutivo da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público oferecido ao PL nº 1.626/1989, em junho de 1991, que retira do PL o direito das trabalhadoras domésticas ao FGTS e ao Seguro-Desemprego. 54 Apesar de se encontrar pronto para ser discutido em Plenário desde março de 2007, nunca foi apreciado, sendo retirado da pauta em junho de 2009. 55 Há dissenso na doutrina se tais reformas tiveram por inspiração unicamente o projeto neoliberal ou, também, o projeto de “integração competitiva”. Ver: SALLUM JR, Brasilio. “Governo Collor: O Reformismo Liberal e a Nova Orientação da Política Externa Brasileira”. DADOS - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 54, n. 02, pp. 259-288, 2011. 56 MACIEL, David. “O Governo Collor e o Neoliberalismo no Brasil (1990-1992)”. Revista UFG, Goiânia, v. 13, n. 01, pp. 98-108, dez. 2011. p. 98. 57 Ibidem, p. 102. 101

“que resultaram em forte liberalização comercial, desregulamentação financeira, uma crescente abertura da conta de capitais e [de] outras reformas microeconômicas coerentes com o suposto da eficiência intrínseca dos mercados”58. Não obstante a manutenção da CLT e da legislação sindical, tais reformas levaram a desregulamentação e flexibilização das relações trabalhistas, mediante restrições aos direitos das(os) trabalhadoras(es) e a redução dos custos com a mão-de-obra59, ao mesmo tempo em que deram início a política de valorização do salário mínimo e a reformas que aceleraram a universalização do acesso à educação60. Foi em meio a esse cenário que a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) foi criada, em maio de 1997. Ademais, ambos os mandatos de Cardoso foram marcados pela restauração do sistema de proteção social61, promovendo a reforma parcial da Previdência Social e a ampliação do Seguro-Desemprego – que garantiu o acesso (facultativo) das trabalhadoras domésticas ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e ao Programa do Seguro-Desemprego, por intermédio da MPV nº 1.986/199962 e suas subsequentes revisões, que foram convertidas na Lei nº 10.208/200163 –, bem como a implementação de Programas de Combate à Pobreza – quais sejam, o Programa Comunidade Solidária, o Programa Comunidade Ativa e o Projeto Alvorada – e da Rede de Proteção Social – a qual, com a introdução do Cadastro Único, unificou os programas Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Programa do Agente Jovem, Bolsa-Qualificação, Benefício de Prestação Continuada (BPC), Renda Mensal Vitalícia, Seguro-Desemprego, Aposentadorias e Pensões Rurais, Garantia-Safra e Abono Salarial PIS/PASEP64. Portanto, surpreende a proposição de apenas seis PLs e dois PLSs no período, os quais pleiteavam, majoritariamente, o acesso das trabalhadoras domésticas ao benefício de auxílio- acidente nos termos da Lei dos Planos de Benefícios da Previdência Social (Lei nº 8.213/1991). Destaco o PL nº 2.252/1996, de autoria da deputada federal Marta Suplicy (PT- SP), o qual buscava tipificar como crime “qualquer forma de discriminação em virtude de raça, cor, sexo, orientação sexual, origem, condição social, idade, deficiência e outras formas

58 MORAIS, Lecio; SAAD-FILHO, Alfredo. “Da Economia Política à Política Econômica: O Novo- Desenvolvimentismo e o Governo Lula”. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 31, n. 04, pp. 507-527, out./dez. 2011. p. 508. 59 DRAIBE, supra nota 16, p. 86. 60 ARRETCHE, Marta. “Democracia e Redução da Desigualdade Econômica no Brasil: A Inclusão dos Outsiders”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 33, n. 96, pp. 01-23, 2018. p. 14. 61 Ibidem, pp. 70-71. 62 De autoria do então presidente. 63 DAMACENO & CHAGAS, supra nota 4, p. 69. 64 DRAIBE, supra nota 16, pp. 87-89. 102 de discriminação, para uso das entradas e elevadores de prédios públicos ou particulares, comerciais, industriais e residenciais”65, justificando sua proposição com base na restrição discriminatória do uso, pelas trabalhadoras domésticas, dos elevadores de serviço66. O Governo Lula conservou as políticas macroeconômicas (monetária, cambial e fiscal) neoliberais alicerçadas por FHC67 – como evidenciaram as reformas previdenciária (EC n° 41/200368) e tributária (EC nº 42/200369), extremamente criticadas por apoiadoras(es) do Partido dos Trabalhadores na época70. No segundo mandato, a política econômica nacional foi meramente complementada pela institucionalização parcial de propostas novo- desenvolvimentistas71, que visavam a:

adoção de medidas temporárias de estímulo fiscal e monetário para acelerar o crescimento e elevar o potencial produtivo da economia; a aceleração do desenvolvimento social por intermédio do aumento nas transferências de renda e elevação do salário mínimo; e o aumento no investimento público e a recuperação do papel do Estado no planejamento de longo prazo.72

Os três principais projetos voltados à redução da desigualdade implantados – e bem sucedidos – foram: (i) a criação de novos empregos, em especial nos setores de serviços, comércio e indústria73; (ii) a elevação do salário mínimo, “o que proporcionou também um aumento substancial das transferências para os aposentados e pensionistas da previdência social pública”74, e (iii) o reforço dos programas federais de transferências de renda, com a criação do Fome Zero e do Bolsa Família, seu “carro-chefe”.

65 Inspirado no PL nº 492/1994, de autoria da vereadora Aldaiza Sposatl (PT-SP), que foi aprovado em 1996 e gerou a Lei Municipal nº 11.995. 66 Em fevereiro de 2006, o PL foi apensado ao PLS nº 309/2004, de autoria do senador Paulo Paim – que objetiva definir os crimes resultantes de discriminação e preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem –, cujo andamento encontra-se parado desde 2016. 67 MORAIS & SAAD-FILHO, supra nota 58, pp. 507 e 516. 68 Proposta pelo então Ministro de Estado da Previdência Social, Ricardo Berzoini, e pelo então Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu, na PEC nº 40/2003. 69 Proposta por José Dirceu e pelo então Ministro de Estado da Fazenda, Antonio Palocci, na PEC nº 41/2003. 70 MARQUES, Rosa Maria; MENDES, Áquilas. “O Governo Lula e a Contra-Reforma Previdenciária”. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 18, n. 03, pp. 03-15, 2004. 71 Segundo o economista e advogado brasileiro Luiz Carlos Bresser-Pereira, o novo-desenvolvimentismo implica “uma perspectiva nacionalista no sentido de que as políticas econômicas e as instituições passam a ser formuladas e implementadas, tendo como critério principal o interesse nacional e, como autores, os cidadãos de cada país”. In: BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. “O Novo Desenvolvimentismo e a Ortodoxia Convencional”. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 20, n. 03, pp. 05-24, jul./set. 2006. p. 11. 72 BARBOSA, Nelson; SOUZA, José Antonio Pereira de. “A Inflexão do Governo Lula: Política Econômica, Crescimento e Distribuição de Renda”. In: SADER, Emir; GARCIA, Marco Aurélio (Orgs.) Brasil: Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; Boitempo, 2010. pp. 69-70. 73 MATTOS, Fernando Mansor de; JAYME JR., Frederico Gonzaga. “Ganhos Sociais, Inflexões na Política Econômica e Restrição Externa: Novidades e Continuidades no Governo Lula”. Economia & Tecnologia, Curitiba, v. 07, Volume Especial, pp. 35-48, 2011. p. 43. 74 MORAIS & SAAD-FILHO, supra nota 58, p. 517. 103

Instituído pela MPV nº 132, de 2003 – que foi convertida, no ano seguinte, na Lei nº 10.836 –, o Bolsa Família é um programa federal de transferência direta de renda destinado às famílias em situação de extrema pobreza – renda mensal per capita de até R$ 89,01 – e pobreza – renda mensal per capita de R$ 89,01 a R$ 177,00 –, que busca “associar a transferência do benefício financeiro ao acesso a direitos sociais básicos, como saúde, alimentação, educação e assistência social”, pela unificação de todos os benefícios sociais do governo federal (Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, Agente Jovem e Fome Zero) em um, visando “garantir maior agilidade na liberação do dinheiro, reduzir a burocracia e melhorar o controle dos recursos”75. O Bolsa Família tem dois objetivos básicos: reduzir a pobreza e a desigualdade atuais, fornecendo um nível mínimo de renda para as famílias pobres, e interromper a transmissão intergeracional da pobreza, condicionando as transferências financeiras ao cumprimento dos principais objetivos de desenvolvimento humano, como frequência escolar e visitas de saúde76. Tais projetos tiveram participações distintas no aumento de renda populacional: a elevação do salário mínimo foi responsável por 42% do crescimento; a criação de mais de 11 milhões de empregos no país em oito anos 77 respondeu por 33% do crescimento; e as transferências da previdência social por pouco mais de 20%78; de modo que, ainda que programas como o Bolsa Família tenham sido responsáveis pela multiplicação geométrica da renda dos 10% mais pobres, impactando diretamente os índices de extrema pobreza no país, seu efeito sobre o aumento de renda geral foi muito pequeno, seja por conta de sua extensão de cobertura, seja pelos baixos valores dos benefícios79. Durante o Governo Lula, foi registrado o maior número de projetos de lei em benefício das trabalhadoras domésticas, mas poucas aprovações. Até 2009, haviam sido propostos 21 PLs e 2 PLSs – metade deles por membros do PT –, cujas reivindicações principais eram o acesso das trabalhadoras ao benefício de auxílio-acidente e a garantia de férias anuais remuneradas e de estabilidade provisória à trabalhadora gestante. Ainda assim, as únicas conquistas foram: em 2006, após o lançamento da Campanha Nacional de Valorização e Formalização do Trabalho Doméstico, a vedação, às(aos)

75 WEISSHEIMER, Marco Aurélio. Bolsa Família: Avanços, Limites e Possibilidades do Programa que está Transformando a Vida de Milhões de Famílias no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006. p. 25. 76 AROCENA, Felipe; BOWMAN, Kirk. Lessons from Latin America: Innovations in Politics, Culture, and Development. Toronto: University of Toronto Press, 2014. p. 131. 77 MATTOS & JAYME JR., supra nota 73, p. 43. 78 NERI, Marcelo Côrtes. “A Década Inclusiva (2001-2011): Desigualdade, Pobreza e Políticas de Renda”. Textos para Discussão IPEA, Rio de Janeiro, n. 155, set. 2012. p. 31. 79 ARRETCHE, supra nota 60, p. 09. 104 empregadoras(es) domésticas(os), de efetuar descontos no salário das trabalhadoras pelo fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia, pela MPV nº 28480, convertida na Lei nº 11.324; e, em 2008, a proibição do trabalho doméstico para menores de 18 anos81, pelo Decreto Presidencial nº 6.481.

1.2. Interseccionalidade e Empoderamento: Parcerias com Outros Movimentos

Tendo em vista a interseccionalidade de gênero e raça que marca o trabalho doméstico brasileiro, a articulação política das associações e dos sindicatos de trabalhadoras domésticas com os movimentos negro e feministas foi – e ainda é – de importância tão grande82, que Joaze Bernardino-Costa chegou a afirmar que “o movimento das trabalhadoras domésticas se constitui num verdadeiro movimento feminista negro”83. Assim sendo, considero relevante apresentar um resumo de suas conquistas mais recentes, uma vez que, ainda que elas não necessariamente beneficiem as trabalhadoras domésticas, revelam uma abertura do governo federal à discussão, proposição e implementação de políticas públicas voltadas à proteção e/ou à garantia de direitos de grupos minoritários. A exclusão dos movimentos classistas-sindicais deste subitem foi motivada por seu afastamento das organizações das trabalhadoras domésticas há algumas décadas. Ainda que a cooperação com entidades da classe trabalhadora, em especial a JOC, tenha sido muito relevante para a organização de associações e sindicatos das trabalhadoras domésticas, em especial entre as décadas de 1960 e 1980, elas sempre eram colocadas à parte do movimento trabalhador como um todo, já beneficiado pelas leis trabalhistas84. Com o fortalecimento da categoria, entretanto, acirrou-se a disputa por espaço político, de modo que o apoio às trabalhadoras domésticas foi diminuindo, até sua causa ser completamente desagregada dos pleitos da classe trabalhadora durante a Constituinte85. Posteriormente, o relacionamento entre as organizações foi retomado em algumas localidades, mas não há mais uma colaboração significativa a nível nacional.

80 De autoria do então presidente. 81 CASAGRANDE, Cássio. “Trabalho Doméstico e Discriminação”. Boletim CEDES, Rio de Janeiro, v. 04, pp. 21-26, set. 2008. p. 24. 82 É evidente que as contribuições de cada um desses movimentos – e, dentro deles, de cada uma de suas vertentes ou organizações – apresentam variações temporais e regionais, de modo que farei uma análise geral das articulações estabelecidas e de seus benefícios para a categoria das empregadas domésticas. 83 BERNARDINO-COSTA, Joaze. “Controle de Vida, Interseccionalidade e Política de Empoderamento: As Organizações Políticas das Trabalhadoras Domésticas no Brasil”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 26, n. 52, pp. 471-489, jul./dez. 2013. p. 484. 84 Ibidem, pp. 477 e 479. 85 Ibidem, p. 480. 105

1.2.1. Movimento Negro: Antes de Trabalhadoras, Negras

A parceria das trabalhadoras domésticas com o movimento negro pode ser observada desde a primeira organização política das trabalhadoras no país, já que Laudelina era militante da Frente Negra Brasileira a contar de 1920. Tal aliança foi fortalecida em meados do século XX, quando, precedendo o notável fortalecimento da categoria a nível nacional da década de 1960, instituições antirracistas forneceram locais para os encontros e a organização das trabalhadoras. Dentre essas instituições, destaca-se o Teatro Experimental do Negro (TEN), o qual “tinha entre seus quadros Arinda Serafim, uma trabalhadora doméstica que mobilizou suas companheiras para as aulas de alfabetização do TEN e as envolveu nos estudos dos direitos das trabalhadoras domésticas”86. O apoio do movimento negro à causa das trabalhadoras domésticas fortaleceu-se ainda mais durante a Constituinte e pela conquista de maior espaço nacional do Sindicato de Campinas, em especial a partir do 6º Congresso Nacional das Trabalhadoras Domésticas, realizado, em 1989, na cidade, o qual privilegiou interpretações raciais da realidade das trabalhadoras87. Na década seguinte, parlamentares como Benedita da Silva, Paulo Paim e Janete Pietá (PT-SP), articuladas(o) com o movimento negro e também com as trabalhadoras domésticas, encaminharam e/ou apresentaram propostas de políticas de ações afirmativas e projetos de lei que visavam beneficiar os dois movimentos 88 , os quais permanecem articulados até hoje. Assim como para as trabalhadoras domésticas, a Constituição Federal de 1988 trouxe inovações muito importantes para o movimento negro a nível nacional – quais sejam, a criminalização do racismo, o reconhecimento do direito dos remanescentes das comunidades dos quilombos à propriedade definitiva de suas terras e a criação da Fundação Cultural Palmares89 –, que foram complementadas, ainda no final da década de 1980, pela instituição do programa nacional do Centenário da Abolição da Escravatura90, executado em 1988, e pela campanha de visibilização da população negra nos dados estatísticos, cujo slogan era “Não Deixe Sua Cor Passar em Branco”91.

86 Ibidem, p. 476. 87 Ibidem, pp. 482-483. 88 SANTOS, Sales Augusto dos. “Ações Afirmativas nos Governos FHC e Lula: Um Balanço”. Revista TOMO, São Cristóvão, n. 24, pp. 37-84, jan./jun. 2014. p. 52. 89 Sobre a participação do movimento negro na ACN, ver: SANTOS, Natália Neris da Silva. A Voz e a Palavra do Movimento Negro na Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988): Um Estudo das Demandas por Direitos. Dissertação (Mestrado em Direito e Desenvolvimento) apresentada à FGV Direito SP. São Paulo, 2015. 90 Por meio do Decreto Presidencial nº 94.326/1987. 91 JACCOUD, Luciana; BEGHIN, Nathalie. Desigualdades Raciais no Brasil: Um Balanço da Intervenção Governamental. Brasília: IPEA, 2002. p. 17. 106

Novas mudanças voltaram a ser conquistadas em meados da década seguinte, em decorrência da Marcha Zumbi de Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, em 20 de novembro de 1995, data de comemoração do tricentenário da morte de Zumbi92, e do decreto presidencial 93 que instituiu, no mesmo dia, Grupo de Trabalho Interministerial visando desenvolver políticas para a valorização da População Negra. No ano seguinte, com o lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos (I PNDH), o governo federal assumiu novo compromisso de combater as desigualdades raciais por meio de políticas específicas (de curto, médio e longo prazo) para a população negra94. No início do século XXI, o Brasil assumiu papel de destaque nas reuniões preparatórias para95 e na própria III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial e a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizada em Durban, na África do Sul, em 200196. No ano seguinte, foi lançado o II PNDH, que incluiu novas metas federais voltadas ao reconhecimento da marginalização econômica, social e política da população negra, bem como o Programa Nacional de Ações Afirmativas97, sem, todavia, instituir ações mais específicas98. Ainda que “a questão racial nunca tenha tido uma forte adesão por parte do Partido dos Trabalhadores, o governo Lula representou o cume dessa mudança ao incorporar em seus quadros representantes dos movimentos negros, dando maior visibilidade às suas reivindicações”99. Consequentemente, diversas políticas importantes foram desenvolvidas no período, como: (i) a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR)100, transformada em ministério cinco anos depois101; (ii) a convocação, por decreto presidencial, da primeira e segunda Conferências Nacionais de Promoção da Igualdade Racial, realizadas, respectivamente, em maio de 2005 e junho de 2009, com significativa participação da sociedade civil; (iii) a aprovação do Plano Nacional de Promoção

92 LIMA, Márcia. “Desigualdades Raciais e Políticas Públicas: Ações Afirmativas no Governo Lula”. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 87, pp. 77-95, jul. 2010. p. 79. 93 Revogado, em 2019, pelo Decreto nº 10.087. 94 LIMA, supra nota 92, p. 80. 95 Que incluíram até a realização de uma Conferência Nacional que adiantou pontos importantes a serem discutidos. 96 LIMA, supra nota 92, p. 80. 97 Por meio do Decreto Presidencial nº 4.228/2002, parcialmente revogado, em 2019, pelo Decreto nº 10.087. 98 LIMA, supra nota 92, p. 81. 99 Ibidem, p. 82. 100 Por meio da MPV nº 111/2003, de autoria do então Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, Guido Mantega, e do então Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu, a qual foi convertida na Lei nº 10.678/2003. 101 Por meio da MVP nº 419/2008, de autoria da então Ministra de Estado Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e do então Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo Silva, a qual foi convertida na Lei nº 11.693/2008. 107 da Igualdade Racial 102 , com base nas resoluções aprovadas no I e II CONAPIR; (iv) a instituição103 e regulamentação104 do Programa Universidade para Todos (PROUNI); (v) o apoio às ações afirmativas nas universidades públicas; e (vi) o lançamento, pela Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do Ministério Público do Trabalho do Programa de Promoção da Igualdade de Oportunidade para Todos105. Quanto ao combate à discriminação racial, ainda que a primeira normativa nacional que se propôs a fazê-lo tenha sido sancionada em 1951, pela Lei nº 1.390106, a qual incluiu, entre as contravenções penais, a prática de atos resultantes de preconceito de raça ou de cor, a criminalização do racismo só foi conquistada pelo movimento negro com a promulgação da Constituição Federal, sendo: (i) efetivada, em 1989, pela Lei nº 7.716107, que definiu o que se entende pela prática de crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor; (ii) alterada, em 1997, pela Lei nº 9.459108, que estabeleceu a descrição em vigência do crime de racismo, com pena de reclusão de um a três anos, e criou a injúria qualificada; e (iii) complementada, em 2010, pela Lei do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288)109.

1.2.2. Movimentos Feministas: Antes de Trabalhadoras, Mulheres

O início do relacionamento das trabalhadoras domésticas com as organizações feministas – formadas majoritariamente por mulheres brancas e pertencentes às classes média e alta – foi marcado por muito ceticismo, uma vez que a manutenção do trabalho doméstico remunerado – e, de preferência, não regulamentado – “era visto como condição para a libertação das mulheres de classe média dos serviços da casa”110. De acordo com Hildete Pereira de Melo, duas outras questões foram responsáveis por afastar as trabalhadoras domésticas das feministas: a prioridade dada a determinados problemas e o relacionamento com o trabalho. Enquanto a luta pela sobrevivência

102 Por meio do Decreto Presidencial nº 6.872/2009. 103 Por meio da MPV nº 213/2004, de autoria do então Ministro de Estado da Educação Interino, Fernando Haddad, e do então Ministro de Estado da Fazenda, Antonio Palocci, a qual foi convertida na Lei nº 11.096/2005. 104 Por meio do Decreto nº 5.493/2005. 105 CONCEIÇÃO, Eliane Barbosa da. Programa de Promoção da Igualdade de Oportunidade para Todos: Experiências de Ação Afirmativa do Ministério Público do Trabalho (2003-2012). Tese (Doutorado em Administração de Empresas) apresentada à FGV EAESP. São Paulo, 2013. p. 107. 106 Proposta pelo então deputado federal Afonso Arinos (UDN-MG) no PL nº 562/1950. 107 Proposta pelo então deputado federal Carlos Alberto Caó (PDT-RJ) no PL nº 668/1988. 108 Proposta pelo então deputado federal Paulo Paim no PL nº 1240/1995. 109 Também proposta por Paulo Paim, então senador, no PLS nº 213/2003. 110 BERNARDINO-COSTA, supra nota 83, p. 480. 108 condicionava – e ainda condiciona – a vida das trabalhadoras, de modo que problemas relacionados à educação, saúde, planejamento familiar e aborto fazem parte de seu dia-a-dia, as feministas não se preocupavam com tais temas na época. Similarmente, ao mesmo tempo em que as trabalhadoras domésticas eram – e ainda são – forçadas a trabalhar para garantir a sua sobrevivência, as feministas optavam por fazê-lo, vendo nisso uma espécie de libertação111. Tal relação começou a mudar a partir do 5º Congresso Nacional das Trabalhadoras Domésticas, realizado na cidade de Recife, em 1985, com a assessoria do coletivo SOS- Mulher, e foi totalmente transformada durante a Constituinte, quando as feministas apoiaram as reivindicações das trabalhadoras domésticas, selando a parceria entre os dois movimentos, a qual perdura até hoje112. Ao final do período de redemocratização, ainda que mais respaldados pelos sistemas jurídico e legal nacionais do que as trabalhadoras domésticas e a população negra, os movimentos de mulheres começaram a atuar nas arenas institucionais federais, estaduais e municipais para que suas reivindicações fossem incorporadas aos programas de governo de candidatos da época113. Tais organizações foram bem sucedidas tanto no estado de São Paulo – com a criação do primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina do país, em 1983114, e da primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher do país, em 1985115 –, quanto a nível federal, pela aprovação116 da constituição de uma Comissão Especial incumbida de elaborar o anteprojeto da Lei nº 7.353/1985, que criaria o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), composta por quinze Deputadas Estaduais do MDB117, aliadas aos movimentos feministas, e pela Senadora Eunice Michilis (ARENA-AM). Em novembro do mesmo ano, o CNDM, juntamente com a bancada feminina, o movimento feminista autônomo e outras organizações femininas de todo o país, começou a se organizar para que suas demandas impregnassem a Assembleia Nacional Constituinte. Assim

111 MELO, Hildete Pereira de. “Feminists and Domestic Workers in Rio de Janeiro”. In: CHANEY, Elsa; CASTRO, Mary Garcia (Eds.). Muchachas no More: Household Workers in Latin America and the Caribbean. Philadelphia: Temple University Press, 1989. pp. 245-267. pp. 257-258. 112 Ibidem, pp. 482-483. 113 TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve História do Feminismo no Brasil. 1. reimp. São Paulo: Brasiliense, 1999. p. 135. 114 Por meio do Decreto nº 20.892, posteriormente complementado pela Lei Estadual nº 5.447/1986. 115 A ideia da criação da DDM partiu do então Secretário de Segurança Pública, Michel Temer, em 1985, a qual foi aprovada pelo então governador, André Franco Montoro, após seis meses de discussão e negociação entre oficiais do Estado e feministas, e promulgada pelo Decreto nº 23.769. 116 Por meio do Decreto Presidencial nº 91.227/1985. 117 Quais sejam, Ruth Escobar (SP), Abigail Feitosa (BA), Selma Bandeira (AL), Irondi Pugliesi (PR), Leila de Abreu (PE), Junia Marise (MG), Mirtes Beviláqua (ES), Cristina Tavares (PE), Lúcia Arruda (RJ), Ecléa Fernandes (RS), Beth Mendes (SP), Rosalva Paim (RJ), Rita Furtado (RO), Irma Passoni (SP) e Lucia Viveiros (PA). 109 como as trabalhadoras domésticas, as feministas escreveram uma carta aos Constituintes, a qual foi entregue ao Congresso Nacional em agosto de 1986118, dando início a um obstinado processo de convencimento das(os) parlamentares – o “Lobby do Batom” –, por meio do qual conseguiram aprovar mais de 80% de suas reivindicações119. Novas conquistas do movimento vieram em meados da década seguinte, com as mobilizações e os encontros de preparação para a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing, na China, no ano de 1995, ganhando notoriedade “em todos os estados brasileiros, reivindicando do governo medidas concretas em âmbito nacional e compromissos na esfera internacional para promover a igualdade”120; e, no ano seguinte, com o lançamento do I PNDH, elaborado pelo Ministério da Justiça em parceria com o CNDM, o qual reconheceu formalmente os direitos humanos das mulheres e reiterou o comprometimento do Estado em protegê-los a curto, médio e longo prazo. O início do século XXI foi marcado por mais novidades, com destaque para a criação, em 2002, da Secretaria do Estado dos Direitos da Mulher, ligada ao Ministério da Justiça, a qual foi substituída, no ano seguinte, pela Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres (SPM), diretamente vinculada à Presidência da República, a qual, ao ganhar status ministerial, passou a ser chamada de Secretaria Especial de Direitos Humanos, com Nilcéia Freire como Ministra. Em 2004, a SPM, juntamente com o CNDM, realizou a primeira Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (I CNPM), cujas diretrizes serviram de base para a elaboração do primeiro Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (I PNPM), aprovado em 2005121. Por fim, conquista ainda mais marcante veio no ano seguinte, com a promulgação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), a qual resultou “de uma bem-sucedida ação de advocacy feminista que teve início em meados de 2002, quando um grupo de mulheres se reuniu e decidiu formular uma minuta de anteprojeto de lei que abarcasse todos os seus pleitos, contribuindo para erradicar a violência contra a mulher no país”122.

2 A PEC DAS DOMÉSTICAS

118 BRAZÃO, Analba; OLIVEIRA, Guacira Cesar de (Orgs.). Violência Contra as Mulheres: Uma História Contada em Décadas de Lutas. CFEMEA: Brasília, 2010. p. 26. 119 COSTA, Ana Alice Alcantara. “O Movimento Feminista no Brasil: Dinâmicas de uma Intervenção Política”. Revista Gênero, Niterói, v. 05, n. 02, pp. 03-22, 2005. p. 09. 120 BRAZÃO & OLIVEIRA, supra nota 118, p. 31. 121 Por meio do Decreto nº 5.390, o qual foi alterado, em 2013, pelo Decreto nº 7.959. 122 MARGARIDO, Larissa. “Politizando Lágrimas e Sangue: A Batalha das Mulheres Brasileiras por uma Vida Sem Violência”. In: MACHADO, Marta (Org.). Direito e Mobilização Social. São Paulo: FGV Direito SP, 2020. pp. 41-80. No prelo. p. 62. 110

Algumas das conquistas dos movimentos negro e feministas também incluíram as trabalhadoras domésticas, em especial a partir de 2006, quando: (i) a SPM lançou a Campanha Nacional de Valorização e Formalização do Trabalho Doméstico, visando incentivar a formalização de tal emprego e contribuir para a qualificação social e profissional de suas trabalhadoras; (ii) foi desenvolvido o Programa Trabalho Doméstico Cidadão, no âmbito do Plano Setorial de Qualificação do Ministério do Trabalho e Emprego, em diálogo com as organizações sindicais das trabalhadoras domésticas e em articulação com a SEPPIR e a SPM; (iii) foi inaugurado o Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, uma iniciativa da SPM, em parceria com a SEPPIR, a ONU Mulheres e a Organização Internacional do Trabalho (OIT); e (iv) começaram a ser planejadas a II CNPM e a II CONAPIR, que incluíram, mesmo que de modo incipiente, os direitos das trabalhadoras domésticas em suas discussões. Ainda assim, o longo cenário de pequenas realizações das associações e sindicatos das trabalhadoras domésticas somente começou a ser revirado em 2008, quando, estimulado pelos membros da SPM, o Governo Federal começou a elaborar um estudo para estabelecer o tratamento isonômico das trabalhadoras domésticas. Essa tarefa foi entregue a um grupo multidisciplinar que envolveu a Casa Civil e os Ministérios do Trabalho e Emprego, Seguridade Social, Economia e Planejamento, Orçamento e Administração, cujo trabalho, no entanto, acabou sendo interrompido e permaneceu inacabado. Em junho de 2011, com a aprovação da Convenção nº 189 e da Recomendação nº 201, relativas ao Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos, na 100ª Conferência Internacional do Trabalho da OIT123, confirma-se o surgimento de uma rede transnacional em defesa dos direitos das trabalhadoras domésticas. Essa aprovação foi precedida por três anos de diálogo entre trabalhadoras de diferentes regiões do mundo, tendo sido acompanhada por uma delegação brasileira significativa de mais de 70 pessoas, incluindo representantes do governo, empregadoras(es) e trabalhadoras124. Como subproduto da Convenção – que deveria ser ratificada voluntariamente pelos Estados membros da OIT para sua validação legal –, o tema do trabalho doméstico foi

123 OIT. Convenção e Recomendação sobre Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos. Brasília: OIT, 2011. 124 A delegação incluiu cinco trabalhadoras domésticas – Creuza Maria de Oliveira (presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas), Sueli Maria de Fátima Santos (do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de ), Maria Noeli dos Santos (do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Rio de Janeiro), Maria Regina Teodoro (do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campinas) e Ione Santana de Oliveira (do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Estado da Bahia) – e a deputada federal Benedita da Silva. 111 colocado na agenda política do Brasil e passou a ocupar a mídia125. Consequentemente, em diálogo com trabalhadoras domésticas, ONG feministas e antirracistas, sindicatos de outras categorias, organizações internacionais e secretarias de Estado, um grupo de parlamentares, representado pelo deputado federal Carlos Bezerra (PMDB-MT), apresentou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 478, que defendia a revogação do parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal de 1988 para estabelecer direitos trabalhistas iguais entre trabalhadoras domésticas e outras categorias urbanas e rurais. Apresentada em 14 de abril de 2010, a PEC foi recebida pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) em 03 de agosto126, sendo arquivada, com base no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (Resolução nº 17/1989), em 31 de janeiro de 2011127, e desarquivada 16 dias depois a requerimento de seu autor. Entendendo, a CCJ, pela admissibilidade do trâmite da PEC nº 478/2010128, foi criada, em 18 de agosto de 2011, Comissão Especial destinada a proferir parecer quanto ao mérito da proposição, sob relatoria da deputada federal Benedita da Silva, conforme solicitado pela deputada federal Andreia Zito (PSDB-RJ) cinco meses antes (Requerimento nº 846)129. No âmbito da Comissão Especial 130, realizaram-se cinco audiências públicas para debater os direitos trabalhistas decorrentes da PEC em análise131. Cabe destacar que, durante todo esse período, as trabalhadoras domésticas permaneceram acompanhando a tramitação da PEC e trabalhando para que ela fosse aprovada. Apesar das dificuldades financeiras, diversas representantes da categoria, de

125 BERNARDINO-COSTA, supra nota 10, pp. 158-159. 126 Nos termos do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (Resolução nº 17/1989): “Art. 53. Antes da deliberação do Plenário, ou quando esta for dispensada, as proposições, exceto os requerimentos, serão apreciadas: [...] III - pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, para o exame dos aspectos de constitucionalidade, legalidade, juridicidade, regimentalidade e de técnica legislativa, e, juntamente com as comissões técnicas, para pronunciar-se sobre o seu mérito, quando for o caso;” 127 “Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles [...]. Parágrafo único. A proposição poderá ser desarquivada mediante requerimento do Autor, ou Autores, dentro dos primeiros 180 (cento e oitenta) dias da primeira sessão legislativa ordinária da legislatura subsequente, retomando a tramitação desde o estágio em que se encontrava.” 128 O parecer do deputado federal Vieira da Cunha (PDT-RS), relator designado pela CCJ, votou pela admissibilidade do trâmite da PEC em 15 de junho de 2011, sendo aprovado 20 dias depois. 129 “Art. 202. A proposta de emenda à Constituição será despachada pelo Presidente da Câmara à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que se pronunciará sobre sua admissibilidade, no prazo de 5 (cinco) sessões, devolvendo-a à Mesa com o respectivo parecer. § 2º Admitida a proposta, o Presidente designará Comissão Especial para o exame do mérito da proposição, a qual terá o prazo de 40 (quarenta) sessões, a partir de sua constituição para proferir parecer.” 130 Cujo prazo de funcionamento foi prorrogado diversas vezes. 131 As duas primeiras (consideradas preliminares) foram realizadas em outubro de 2011 e as três últimas em maio de 2012. 112 diferentes estados, deslocavam-se entre Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro para conseguir apoio de diferentes setores e movimentos132. A pedido da FENATRAD, representada por seu assessor jurídico, Hamilton Rovani Neves, na última audiência pública, Benedita modificou o texto original da PEC, de modo a: (i) em vez de retirar o parágrafo único do artigo 7º, incluir, nele, os incisos a serem estendidos à categoria; e (ii) excluir quinze dos incisos, cuja extensão poderia prejudicar ou até inibir a manutenção de vínculos empregatícios e novas contratações, incluindo somente o I, II, III, VII, IX, X, XII, XIII, XVI, XXII, XXV, XXVI, XXII, XXV, XXVI, XXVIII, XXX, XXXI e XXXIV133. O relatório da Comissão Especial, favorável à aprovação da PEC, foi apresentado em 26 de junho de 2012, sendo alterado, em 04 de julho, por um substitutivo, e, em 22 de agosto, por uma complementação do voto. Esta substituiu o texto original da PEC, que determinava a revogação do parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal de 1988, pela alteração do mesmo parágrafo único, ampliando os direitos garantidos aos trabalhadores domésticos. Tal voto foi aprovado por unanimidade pela Comissão Especial em 07 de novembro de 2012, sendo admitido, em primeiro turno, pelo Plenário, 14 dias depois, com 359 votos favoráveis e 2 contrários, e, em segundo turno, 13 dias depois, com 347 votos favoráveis, 2 contrários e 2 abstenções. A remessa ao Senado Federal se deu em 13 de dezembro de 2012 (Ofício nº 2.191/12/SGM-P), recebendo a denominação de “PEC das Domésticas” (PEC n° 66/2012). A proposta foi reenviada à CCJ, a qual designou como relatora a senadora Lídice da Mata (PSB- BA), em 06 de março de 2013. Durante o período de avaliação da senadora, foram apresentadas duas Emendas, a primeira por Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e a segunda por Paulo Bauer (PSDB-SC), visando aumentar o número de direitos a serem garantidos às trabalhadoras domésticas. Assim sendo, ainda em março, a relatora decidiu pela aprovação da PEC nº 66/2012 e pela rejeição das Emendas nos 01 e 02. Todavia, no mesmo dia, a CCJ reformou seu entendimento, emitindo parecer favorável à PEC com a Emenda n° 02, de autoria do senador Paulo Bauer. Em 19 de março de 2013, foi aprovada a proposta, em primeiro turno, com 70 votos favoráveis. Sete dias depois, a proposta voltou a ser aprovada por unanimidade, agora em segundo turno, com 66 votos favoráveis. Assim sendo, em 02 de abril de 2013, foi realizada a

132 LEITE, supra nota 47, p. 61. 133 BRASIL. “Relatório da Comissão Especial Destinada a Proferir Parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 478-A, de 2010, do Sr. Carlos Bezerra”. Câmara dos Deputados, Brasília, 26 jun. 2012. pp. 54-55. 113

Sessão Conjunta Solene do Congresso Nacional, destinada à promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 72/2013134. A EC garantiu que, dos 34 direitos elencados no artigo 7º, 18 passariam a ser assegurados à categoria das trabalhadoras domésticas, quais sejam: a garantia de salário, nunca inferior ao mínimo (inciso VII); a proteção do salário na forma da lei (inciso X); a duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais (inciso XIII); a remuneração do serviço extraordinário (inciso XVI); a redução dos riscos inerentes ao trabalho (inciso XXII); o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (inciso XXVI); a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (inciso XXX); a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência (inciso XXXI); e a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz (inciso XXXIII). Ademais, sendo atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, passariam a ser garantidos também os direitos à relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa (inciso I)135; ao seguro-desemprego (inciso II)136; ao FGTS (inciso III)137; à remuneração do trabalho noturno superior à do diurno (inciso IX)138; ao salário-família (inciso XII)139; à assistência gratuita às(aos) filhas(os) e dependentes desde o nascimento até 5 anos de idade em creches e pré- escolas (inciso XXV)140; e ao seguro contra acidentes de trabalho (inciso XXVIII)141. Em decorrência da EC nº 72/2013, foram promulgadas a Lei nº 12.964/2014142, que estipula multa por infração à legislação do trabalho doméstico, e a Lei Complementar nº

134 Artigo único. O parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 7º, parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.” 135 Regulada pela LC nº 150/2015 (arts. 6º, 7º, 22 e 26). 136 Regulado pela LC nº 150/2015 (arts. 26 a 30). 137 Regulado pela LC nº 150/2015 (arts. 21 e 34, IV e V). 138 Regulado pela LC nº 150/2015 (arts. 10, § 1º, e 14). 139 Regulado pela Lei nº 8.213/1991 (arts. 65 a 70). 140 Regulada pela Portaria nº 3.296/1986 do então Ministério do Trabalho e Emprego. 141 Regulado pela Lei nº 8.213/1991 (arts. 18 a 23 e 34). 142 Resultante do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 159/2009, de autoria da senadora Serys Slhessarenko (PT- MT). 114

150/2015143, que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico. Em 2018, o assunto que foi tema do primeiro projeto de lei sobre os direitos das trabalhadoras domésticos – os requisitos mínimos de dignidade do quartinho de empregada – foi finalmente legislado pela Lei nº 13.699144, a qual adicionou às diretrizes gerais da política urbana do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) a garantia de condições “condignas de acessibilidade, utilização e conforto” nas dependências destinadas à moradia e ao serviço de tais trabalhadoras, “observados requisitos mínimos de dimensionamento, ventilação, iluminação, ergonomia, privacidade e qualidade dos materiais empregados” (art. 2º, XIX). Todavia, essas conquistas legais não são o fim da luta; ainda existem muitos direitos a serem reivindicados pela categoria, especialmente em um país historicamente caracterizado por não conformidade com as leis.

143 Resultante do PLS n° 224/2013, de autoria de Comissão Mista Especial do Congresso Nacional para Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação de Dispositivos da Constituição Federal, presidida pelo deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP) e com relatoria do senador Romero Jucá (MDB-RR). 144 Resultante do PLS n° 212/2008, de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF). 115

METODOLOGIA DE ANÁLISE:

INTERSECÇÃO ENTRE DISCURSO E ESTRUTURA SOCIAL

Las lenguas no se limitan a ser un simple espejo que nosas devuelve la realidad de nuestro rostro: como cualquier otro modelo idealizado, como cualquier otra invención cultural, las lenguas pueden llevarnos a conformar nuestra percepción del mundo e incluso a que nuestra actuación se oriente de una determinada manera.

― María Luisa Calero (DEL SILENCIO AL LENGUAJE, 1999)

116

1 O DISCURSO LEGISLATIVO COMO OBJETO DE ESTUDO

Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu, “a linguagem não é apenas um instrumento de comunição ou mesmo de conhecimento, mas um instrumento de poder”, uma vez que os falantes buscam não apenas “ser entendidos, mas, também, ser acreditados, obedecidos, respeitados, distinguidos” 1 . No mesmo sentido, o linguista brasileiro amefricano Gabriel Nascimento afirma que a linguagem, simultaneamente, está submetida a projetos de poder e é, ela própria, um projeto de poder 2 . Consequentemente, não surpreende o fato de que “a atividade política não existe sem a utilização da linguagem”3. É a linguagem que “motiva a ação, a orienta e lhe dá sentido”, permitindo a constituição de “espaços de discussão, de persuasão e de sedução nos quais se elaboram o pensamento e a ação políticos”4. Por discurso, entendo o uso da linguagem como forma de prática social, nos termos elucidados pelo linguista britânico Norman Fairclough5. Para o autor, o discurso é um modo simultâneo de ação e de representação – perante o mundo e as outras pessoas –, bem como implica uma relação dialética entre práticas e estruturas sociais, as quais moldam e restringem os discursos em todos os seus níveis: pelas relações sociais em um nível societário, baseadas em raça, gênero, classe, condições sociais e educacionais, orientações sexuais e religiosas, entre outras; pelas relações específicas entre membros de instituições; por sistemas de classificação, normas e convenções; etc. Consequentemente, Fairclough entende que o discurso é socialmente constitutivo, contribuindo “para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem”6 – conceito resumido pelo sociólogo alemão Reiner Keller como “construção discursiva da realidade”7. Como afirmam, respectivamente, Bourdieu e a linguista austríaca Ruth Wodak, os discursos materializam “relações de poder simbólico onde se atualizam as relações de força entre os locutores ou seus respectivos grupos”8, de modo que, por meio deles, “os atores

1 BOURDIEU, Pierre. “L'Économie des Echanges Linguistiques”. Langue Française, Paris, v. 34, pp. 17-34, 1977. p. 20 – tradução livre. 2 NASCIMENTO, Gabriel. Racismo Linguístico: Os Subterrâneos da Linguagem e do Racismo. Belo Horizonte: Letramento, 2019. pp. 21-22. 3 CHILTON, Paul. Analysing Political Discourse: Theory and Practice. London: Routledge, 2004. p. 06 – tradução livre. 4 CHARAUDEAU, Patrick. Discurso Político. 2. ed., 3. reimp. São Paulo: Contexto, 2017. p. 39. 5 FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Brasilia: Universidade de Brasilia, 2001. pp. 90-92. 6 Ibidem, p. 91. 7 KELLER, Reiner. “Analysing Discourse: An Approach from the Sociology of Knowledge”. Forum: Qualitative Social Research, Berlin, v. 06, n. 03, article 32, set. 2005. 8 BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Lingüísticas: O que Falar Quer Dizer. 2. ed., 1. reimpr. São Paulo: EdUSP, 2008. pp. 23-24. 117 sociais constituem conhecimentos, situações, papéis sociais, bem como identidades e relações interpessoais entre vários grupos sociais em interação” 9 . Isso acontece porque os atos discursivos “desempenham um papel decisivo na gênese, produção e construção de certas condições sociais”, justificando, perpetuando e reproduzindo certo status quo social10. Esse poder é característico de todos os tipos de discurso; no entanto, em textos políticos, devido a seu objetivo, autoridade, influência e produção simbólica, essa situação é ainda mais relevante e deve ser destacada11. Dentre as diversas possíveis classificações de discurso político, afilio-me a definição contextual do linguista neerlandês Teun van Dijk. Para esse autor, todo o contexto de uma situação – ou seja, seus participantes, ações, cenários (tempo, local e circunstâncias), ocasiões, intenções, funções, objetivos, questões legais e implicações políticas – é decisivo para a categorização de determinado discurso como “político” ou não. Tal definição “sugere, simultaneamente, que o estudo do discurso político não deve se limitar às propriedades estruturais do texto ou da fala, como, também, incluir uma descrição sistemática do contexto e de suas relações com as estruturas discursivas”12. Entre todas as modalidades específicas do discurso político, a presente dissertação tem como foco a analise do discurso legislativo, pelo qual me refiro à discursividade que circunscreve os procedimentos legislativos, isto é, não apenas a legislação, mas os processos discursivos que a antecedem, como a proposição, discussão e aprovação ou negativa de proposições normativas – Propostas de Emenda à Constituição, Projetos de Lei Complementar, Projetos de Lei Ordinária, Projetos de Decreto Legislativo, Projetos de Resolução e Medidas Provisórias –, e pareceres, emendas, propostas de fiscalização de controle, indicações, entre outros. O discurso legislativo, como todas as demais produções discursivas políticas, é inserido em um contexto social caracterizado por validar e produzir “distribuições desiguais de poder”, ou seja, “estruturas de dominação”13. Assim, sujeitos políticos e sociais “são

9 WODAK, Ruth. “Fragmented Identities: Redefining and Recontextualizing National Identity”. In: CHILTON, Paul; SCHÄFFNER, Christina (Eds.). Politics as Text and Talk: Analytic Approaches to Political Discourse. Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2002. pp. 143-169. p. 149 – tradução livre. 10 Ibidem – tradução livre. 11 Bourdieu (supra nota 8, pp. 13 e 26) indica, como campos especializados de produção simbólica, a política, a religião e a cultura, sendo que as duas primeiras “extraem seus melhores efeitos ideológicos das possibilidades que se encerram na polissemia inerente à ubiqüidade social da língua legítima”. 12 VAN DIJK, Teun Adrianus. “What is Political Discourse Analysis?”. In: BLOMMAERT, Jan; BULCAEN, Chris (Eds.). Political Linguistics. Amsterdam: John Benjamins, 1998. pp. 11-52. p. 15 – tradução livre. 13 KRESS, Gunther. “History and Language: Towards a Social Account of Linguistic Change”. Journal of Pragmatics, Amsterdam, v. 13, n. 03, pp. 445-466, jun. 1989. p. 449 – tradução livre. 118 treinados a assumir certas posições de poder em determinados textos” 14 , e, portanto, a perpetuar e minimizar as posições de outros, os quais, normalmente, não têm acesso à arena política e não podem representar adequadamente a si mesmos. Segundo o filósofo algeriano Georges Vignaux, os legisladores não conseguem escapar do ambiente sócio-histórico do qual fazem parte quando tomam decisões, por isso, é com base na ideologia dominante que eles definem, dentro do sistema legislativo, as relações que asseguram a estabilização de uma ordem social e a consistência de seus discursos15. Não obstante, conforme o sociólogo austríaco Andreas Stückler, a elaboração normativa “é um processo antagônico que envolve vários atores sociais com diferentes visões de mundo”, interesses, perspectivas, ideologias e recursos de poder16. Assim sendo, a promulgação de novas normas resulta “das lutas discursivas pelo poder de definição e interpretação, ao final das quais certos discursos são superiores a outros, e uma visão de mundo específica, um certo conhecimento, prevalece e domina”17. Similarmente, o cientista político estadunidense Earl Latham explica que: “[o] legislador avalia a luta dos grupos, ratifica as vitórias das coalizões bem-sucedidas e registra os termos das rendições, compromissos e conquistas” na forma de leis, propostas, pareceres, etc.18. Portanto, os estudos do discurso legislativo objetivam – por meio da análise sistemática da tramitação de determinados processos, da atuação de atores neles envolvidos e de seus interesses sociais, econômicos e políticos –, reconstruir e descrever as competições de diferentes produções discursivas no processo legislativo e analisar seus efeitos no resultado dos debates e no conteúdo das leis19. Baseada neles, optei por observar como se deu a representação, pelas(os) deputadas(os) federais, do trabalho doméstico no país, de suas trabalhadoras, e das necessidades e pleitos da classe, de modo a identificar as posições políticas por trás da aprovação da PEC, isto é, se, com a adoção de leis para expandir os direitos trabalhistas de uma categoria dominada por mulheres negras e pobres, o sistema, como um todo, e as(os) parlamentares, mais especificamente, estariam interessadas(os) na constituição de uma

14 Ibidem – tradução livre. 15 VIGNAUX, Georges. “Argumentation et Discours de la Norme”. Langages, Paris, v. 12, n. 53, pp. 67-85, 1979. pp. 67-72. 16 STÜCKLER, Andreas. “Legislation and Discourse: Research on the Making of Law by Means of Discourse Analysis”. In: KELLER, Reiner; HORNIDGE, Anna-Katharina; SCHÜNEMANN, Wolf J. (Eds.). The Sociology of Knowledge Approach to Discourse: Investigating the Politics of Knowledge and Meaning-Making. Abingdon: Routledge, 2018. pp. 112-132. p. 115 – tradução livre. 17 Ibidem – tradução livre. 18 LATHAM, Earl. “The Group Basis of Politics: Notes for a Theory”. The American Political Science Review, New York City, v. 46, n. 02, pp. 376-397, jun. 1952. p. 390 – tradução livre. 19 STÜCKLER, supra nota 16, p. 112. 119 transformação da realidade dessas trabalhadoras, ou, pelo contrário, em apenas garantir a permanência de “uma certa representação” previamente aprovada20.

2 ANALISANDO CRITICAMENTE O DISCURSO LEGISLATIVO

A Análise do Discurso (AD) não é uma metodologia, mas sim uma disciplina de interpretação fundada pela intersecção de diferentes epistemologias21. Assim sendo, existe uma enorme variedade de perspectivas analíticas, que partilham entre si a “rejeição da noção realista de que a linguagem é simplesmente um meio neutro de refletir, ou descrever o mundo, e uma convicção da importância central do discurso na construção da vida social”22. As(os) analistas do discurso não concordam com a abordagem instrumental da linguagem, pela qual “o discurso não é considerado nem como um objeto nem como atividade, mas como um ‘resultado’ (mais ou menos acabado), como um ‘reflexo’ (mais ou menos deformado), como um ‘espelho’ (mais ou menos fiel) ou como um testemunho (mais ou menos fiável)”23. Pelo contrário, na AD, o discurso é entendido, ele mesmo, como uma realidade: ele é tanto instrumento quanto lugar de conflito; ele não emerge das tensões, mas as cria; ele não exprime o consenso, mas se força a produzi-lo24. A AD trabalha com o sentido e não apenas com o conteúdo do texto, focando seu estudo em quatro temas principais: (i) a preocupação com o discurso em si mesmo – o qual se refere a todas as formas de produção, verbais ou não –; (ii) a visão da linguagem como construtiva e construída – por meio da seleção de fatos, por aqueles que são legitimados a fazê-lo, a partir dos recursos linguísticos preexistentes –; (iii) a ênfase no discurso como uma forma de ação – reconhecimento do discurso como prática social, orientada pelo contexto interpretativo daquele que o produz –; e (iv) a convicção na organização retórica do discurso – estabelecimento de “uma versão do mundo” diante de versões competitivas25.

20 VIGNAUX, supra nota 15, pp. 67-72. 21 CAREGNATO, Rita Aquino; MUTTI, Regina. “Pesquisa Qualitativa: Análise de Discurso versus Análise de Conteúdo”. Texto & Contexto - Enfermagem, v. 15, n. 04, pp. 679-684, 2006. p. 680. 22 GILL, Rosalind. “Análise de Discurso”. In: BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som: Um Manual Prático. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. pp. 244-270. p. 244. 23 KRIEG-PLANQUE, Alice. Analisar Discursos Institucionais. Uberlândia: EDUFU, 2018. p. 56. 24 Ibidem, p. 57. 25 GILL, supra nota 22, pp. 247-250. 120

2.1. Análise de Discurso Crítica

Dentre as diversas perspectivas analíticas englobadas pela AD, destaco a Análise de Discurso Crítica (ADC)26, que constitui um movimento político-acadêmico o qual, ainda que marcado por significativa heterogeneidade de abordagens, foca-se fundamentalmente no estudo da “intersecção entre linguagem/discurso/fala e estrutura social”27, isto é, no “papel do discurso na (re)produção e contestação da dominação”28. Essa é perspectiva que adotarei no presente trabalho. Apesar de sua diversidade, as propostas teórico-metodológicas da ADC apresentam três características que conferem coerência ao campo. A primeira refere-se à interdisciplinaridade, ao “rompimento de fronteiras disciplinares” e ao “reconhecimento de que para se analisar problemas sociais discursivamente manifestos é preciso operacionalizar conceitos e categorias desenvolvidos pelas Ciências Sociais”29. A segunda trata-se do caráter posicionado da ADC, cujas pesquisas “assumem uma posição explícita em face de problemas sociais parcialmente discursivos, isto é, não simulam ‘imparcialidade científica’”30. Segundo as(os) pensadoras(es) da ADC, os textos, as conversas e, sobretudo, os discursos públicos “controlados pelas elites simbólicas, os políticos, os jornalistas, os cientistas, os escritores e os burocratas, constroem, perpetuam e legitimam muitas formas de desigualdade social, tais como as baseadas em gênero, classe e raça” 31. Portanto, diz-se que a ADC é uma perspectiva tanto acadêmica quanto política32. Por fim, a terceira característica concerne à emergência do “valor” de teorias e categorias linguísticas a partir dos dados e objetivos da análise, uma vez que elas “servem de subsídio e sustentação à crítica de problemas sociais”33. Levando em conta que os discursos são estruturados pela dominação, que cada discurso é historicamente produzido e interpretado, e que as estruturas de dominação são

26 Nos termos explicitados por Viviane de Melo Resende, optei pela tradução “Análise de Discurso Crítica” para “Critical Discourse Analysis”, em vez de “Análise Critica de Discurso”. In: RESENDE, Viviane de Melo. Análise de Discurso Crítica e Etnografia: O Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, sua Crise e o Protagonismo Juvenil. Tese (Doutorado em Linguística) apresentada à UnB. Brasília, 2008. p. 39 – nota de rodapé nº 8. 27 BLOMMAERT, Jan. Discourse: A Critical Introduction. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 25 – tradução livre. 28 VAN DIJK, Teun Adrianus. “Principles of Critical Discourse Analysis”. Discourse & Society, London, v. 04, n. 02, pp. 249-283, 1993. p. 249 – tradução livre. 29 RESENDE, supra nota 26, p. 39. 30 Ibidem, p. 40. 31 VAN DIJK, Teun Adrianus. Discurso y Poder: Contribuciones a los Estudios Críticos del Discurso. Barcelona: Gedisa, 2009. p. 11 – tradução livre, eliminação de destaque presente no original. 32 RESENDE, supra nota 26, p. 75. 33 Ibidem. 121 legitimadas pelas ideologias dos grupos que detêm o poder, uma abordagem crítica do discurso requer teorizar e descrever tanto os “processos e estruturas sociais que levam à produção de um texto”, quanto as “estruturas e processos sociais no seio dos quais indivíduos ou grupos, como sujeitos sócio-históricos, criam significados em suas interações com os textos”34.

É na descoberta de maneiras pelas quais a estrutura social se relaciona com os padrões do discurso (na forma de relações de poder, efeitos ideológicos, entre outros) e no tratamento dessas relações como problemáticas, que os pesquisadores da ADC situam a dimensão crítica de seu trabalho. Não basta descobrir as dimensões sociais do uso da linguagem. Essas dimensões são objeto de avaliação moral e política, e analisá-las deve trazer efeitos para a sociedade: capacitar os impotentes, dar voz aos silenciados, expor o abuso de poder e mobilizar as pessoas para remediar erros sociais.35

O objetivo da ADC é descrever, explicar e criticar os meios pelos quais o poder social e os discursos dominantes – direta e, sobretudo, indiretamente – são colocados em prática, reproduzidos e influenciam conhecimentos, atitudes, ideologias e processos mentais compartilhados socialmente36. Para tanto, ela parte de uma investigação científica rigorosa, de modo que as “suas teorias multidisciplinares devem explicar as complexidades das relações entre estruturas do discurso e estruturas sociais”37, sendo empiricamente baseadas, relevantes e acessíveis. A presente dissertação trata de relações de dominação de cima para baixo (top-down), uma vez que escolhi focar o acesso – praticamente exclusivo – das(os) parlamentares à produção de discursos políticos sobre o trabalho doméstico remunerado no Brasil e, portanto, sobre o papel específico das(os) deputadas(os) federais na gestão discursiva do entendimento público sobre o assunto, e todas as consequências impostas unilateralmente à categoria dominada por mulheres negras e pobres. Tal trabalho será feito partindo das perspectivas do movimento decolonial e visa investigar as elites de poder, que promulgam, sustentam, legitimam, justificam, naturalizam, racionalizam, perdoam, ignoram ou negam a desigualdade e a injustiça sociais38. Desse modo, emprestei as perguntas de Nascimento – “Quem está falando o que está falando fala a partir de que base de conhecimento? Como atua o poder em sua fala e como sua

34 WODAK, Ruth. “Do Que Trata a ACD – Um Resumo de sua História, Conceitos Importantes e seus Desenvolvimentos”. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 04, n. esp., pp. 223-243, 2004. p. 225. 35 BLOMMAERT, supra nota 27, p. 25 – tradução livre. 36 VAN DIJK, supra nota 28, pp. 258-259. 37 VAN DIJK, Teun Adrianus. Discurso, Notícia e Ideologia: Estudos na Análise Crítica do Discurso. Porto: Campo das Letras, 2005. p. 36. 38 Ibidem, p. 128. 122 fala se localiza e atua no poder?” 39 – para investigar os posicionamentos das(os) legisladoras(es) no processo de elaboração, discussão e aprovação da PEC das Domésticas na Câmara dos Deputados, sendo imprescindível identificar, inicialmente, a representação do trabalho doméstico mobilizada por tais membros do Legislativo, e como as desigualdades de poder dos partícipes desse processo – quais sejam, as trabalhadoras domésticas brasileiras, os sindicatos e grupos que as representam, os sindicatos e grupos que representam as(os) empregadoras(es), as(os) parlamentares envolvidas(os), entre outros – foram por elas(es) tratadas.

3 VANTAGENS E LIMITES DA ADC

Em um de seus mais notórios artigos sobre análise de discursos políticos, van Dijk invoca um uso mais amplo da análise do discurso pela ciência política, reforçando que seus problemas “podem, em princípio, ser estudados de forma mais completa e, às vezes, mais adequada, quando se percebe que eles têm uma dimensão discursiva importante” 40 . Impulsiona por tal convite, e reconhecendo que o direito também dificilmente volta-se para a relevância da linguagem dentro de seu organismo, ainda que seu uso seja crucial para qualquer sistema jurídico, resolvi utilizar a ADC na presente dissertação. Tal opção, entretanto, apresentou alguns desafios. O principal deles foi a coordenação e o equilíbrio das orientações ontológicas, epistemológicas e metodológicas da ADC e das mobilizadas pelo movimento decolonial, tendo em vista que a necessidade de esclarecimento e explicitação das teorias e categorias linguísticas empregadas levava a uma organização “truncada” e pouco prática dos dados. O que se mostrou possível e proveitoso de ser feito foi certa diluição e considerável supressão de tais teorias e categorias no texto, de modo a possibilitar uma maior flexibilização na organização dos dados e a aplicação mais evidente das perspectivas decoloniais, sem, entretanto, distanciar-me dos princípios da ADC e dos enfoques por ela proporcionados. Outro desafio encontrado foi a colonialidade de saberes do discurso, denunciada pela linguista brasileira Viviane de Melo Resende 41 . Apesar da consolidação dos estudos discursivos na América Latina, a autora defende que “há muita aplicação do saber importado” – em especial da França, Inglaterra e Estados Unidos – “e pouca criatividade teórica ou

39 NASCIMENTO, supra nota 2, p. 60. 40 VAN DIJK, supra nota 12, p. 12 – tradução livre. 41 RESENDE, Viviane de Melo. “Decolonizar os Estudos Críticos do Discurso: Por Perspectivas Latino- Americanas”. In: Anais do XII Congresso Internacional da Associação Latino-Americana de Estudos do Discurso (ALED). Santiago do Chile, 16-19 out. 2017. 123 metodológica local” 42 , mantendo a distinção entre os países que possuem autoridade epistêmica para teorizar – os impérios – e os que devem somente aplicar tais teorias – as colônias43. Confirmando a denúncia da autora 44, identifiquei que, dentre várias(os) linguistas nacionais que estudam temas de extrema relevância para o direito45, a grande maioria utiliza teorias produzidas pela(os) autora(es) citada(os) nos primeiros dois subitens deste capítulo. Entretanto, algumas(ns), como Lúcia Freitas46 e a própria Resende47, já se aventuram no questionamento e na combinação de metodologias, dando início ao que a autora chamada de “esforço decolonial do campo discursivo”, o qual deve seguir três caminhos convergentes:

decolonizar o saber, no sentido de lograr criticar teorias e métodos, compreendendo, que não há conhecimento universal; decolonizar o poder da ação criativa no esforço de superação desse conhecimento universalizante, isto é, assumir a potência de criação teórica e metodológica local, especialmente por meio do constante questionar da separação disciplinar e suas imposições; e decolonizar o ser, fazendo uso estratégico desse espaço paradoxal, o que carrega as potencialidades da comunhão de saberes, incluindo também o conhecimento comum.48

Um dos objetivos da presente dissertação é participar desse esforço decolonial no campo do direito, de modo que não me atreverei a contribuir com a produção de teorias discursivas, mas apenas as aplicarei.

42 Ibidem, p. 01. 43 RESENDE, Viviane de Melo. “Between the European Legacy and Critical Daring: Epistemological Reflections for Critical Discourse Analysis”. Journal of Multicultural Discourses, Oxfordshire, v. 05, n. 03, pp. 193-212, Nov. 2010. p. 193. 44 Cuja trajetória é marcada por constantes reflexões teóricas e epistemológicas em torno da ADC. Ver: “Reflexões Teóricas e Epistemológicas em Torno da Análise de Discurso Crítica” (2009), “Análise de Discurso (para a) Crítica: O Texto como Material de Pesquisa” (2011) e “Análise de Discurso Crítica: Reflexões Teóricas e Epistemológicas Quase Excessivas de uma Analista Obstinada” (2017). 45 Dentre as(os) quais destaco Micheline Mattedi Tomazi. Ver: “Tolerância Social à Violência Contra as Mulheres: Discurso, Ideologia e Contexto” (2014), “O Papel da Polarização Discursiva no Processo de Negociação de Faces em Processo Judicial de Violência contra a Mulher” (2016), “A Negociação de Imagens Identitárias em Depoimentos Judiciais e no Debate Eleitoral” (2017) e “Argumentação e Estratégias Textual- Discursivas em uma Sentença Absolutória: Violência Machista contra a Mulher” (2017). 46 Ver: “Atores da Violência de Gênero: Suas Narrativas no Inquérito Policial” (2010), “Representações de Papeis de Gênero na Violência Conjugal em Inquéritos Policiais” (2011), “Análise Crítica do Discurso em Dois Textos Penais sobre a Lei Maria da Penha” (2013), “Violência de Gênero, Linguagem e Direito: Análise de Discurso Crítica em Processos na Lei Maria da Penha” (2013) e “Narrativas de Violência de Gênero em Acórdãos do STJ sobre Lei Maria da Penha” (2017). 47 Ver: “Dessemelhança e Expurgo do Outro no Debate acerca do Rebaixamento da Maioridade Penal no Brasil: Uma Análise Discursiva Crítica” (2009), “‘It's Not a Matter of Inhumanity’: A Critical Discourse Analysis of an Apartment Building Circular on ‘Homeless People’” (2009), “A Construção da Verdade Jurídica-Policial e a Criminalização do ‘Invisível’ no Caso Rafael Braga Vieira” (2015), “Critical Discourse Analysis: Voice, Silence and Memory – One Case About Public Sphere” (2016) e “Gestão Policial da Pobreza: Vulnerabilidade de Pessoas em Situação de Rua aos Rigores da Ordem Pública – Um Estudo do Caso de Samir Ali Ahmed Sati” (2017). 48 RESENDE, supra nota 41, pp. 01-02. 124

Logo, com base no guia de níveis de análise desenvolvido por van Dijk 49, procurarei, primeiramente, realizar a análise social das(os) deputadas(os) federais, levando em conta as estruturas institucionais/organizacionais das quais fazem parte e as relações de grupo que estabelecem com as outras partes envolvidas. Em seguida, voltar-me-ei para a sua análise cognitiva, a qual se divide em análise da cognição social – valores socioculturais, ideologias, sistemas de atitudes e conhecimento sociocultural dos grupos dos quais as(os) parlamentares fazem parte – e análise da cognição pessoal – valores, ideologias, atitudes e conhecimento pessoais dessas(es) legisladoras(es) –, investigando seu perfil socioeconômico, trajetória e atuação política. Por fim realizarei a análise complementar das estruturas de texto e fala das(os) parlamentares, nos termos previamente indicados.

4 CORPUS DA PESQUISA

Os discursos a serem analisados foram divididos em três grupos: documentos principais, secundários e complementares. Os primeiros correspondem a todos os discursos proferidos por parlamentares nos dois turnos de votação na Câmara dos Deputados. Os segundos referem-se aos discursos proferidos nas audiências públicas. Os terceiros, por sua vez, são os discursos de algumas(ns) deputadas(os) federais sobre o tema em outras sessões e audiências públicas.

4.1. Documentos Principais

Devido à sua importância central na realização da presente dissertação, complementando os discursos transcritos nos Diários da Câmara dos Deputados, considero fundamental a checagem das gravações das sessões parlamentares que discutiram e votaram, em primeiro e segundo turno, a aprovação da PEC, para que as nuances específicas dos pronunciamentos das(os) legisladoras(es) possam ser consideradas (como volume da voz, ênfases, ironias, interrupções, etc.). Para isso, fiz um pedido formal à Câmara TV para o envio dos arquivos por e-mail50.

49 VAN DIJK, supra nota 37, p. 120 – adaptações minhas. 50 O requerimento foi feito por meio da sessão “Fale Conosco” do site da Câmara, tendo sido protocolado em 11 de agosto de 2019 e, os vídeos, recebidos em 04 de setembro de 2019. 125

4.2. Documentos Secundários

Como previamente mencionado, foram realizadas cinco audiências públicas para debater os direitos trabalhistas decorrentes da PEC das Domésticas. Destas, quatro51 foram transcritas pelo Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação da Câmara dos Deputados, estando disponível para consulta em seu site52; e uma53, que foi disponibilizada, no mesmo site, por arquivo sonoro, será transcrita por mim.

4.3. Documentos Complementares

Enquanto o envolvimento da algumas(ns) parlamentares na tramitação da PEC foi superficial, outras(os) tiveram uma participação – favorável ou contrária – muito mais significativa – quais sejam, Benedita da Silva, relatora da Comissão Especial, e Jair Bolsonaro, único deputado que discursou contrariamente à aprovação da PEC –, motivando- me a analisar, complementarmente, os discursos, sobre o tema, por elas(es) pronunciados nos dois turnos de votação da PEC na Câmara e em outras sessões parlamentares54.

51 A primeira audiência preliminar, realizada em 05 de outubro de 2011, e as três oficiais, realizadas em 09, 16 e 23 de maio de 2012. 52 CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Registros das Sessões”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 53 A segunda audiência preliminar, realizada em 19 de outubro de 2011. 54 A localização de tais discursos foi feita pela procura dos termos “trabalhadora doméstica” e “empregada doméstica” nos campos de busca do site da Câmara dos Deputados, em 24 de fevereiro de 2020. 126

ENTRE DISCURSOS E SILÊNCIOS:

A APROVAÇÃO DA PEC DAS DOMÉSTICAS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Quando a PEC foi aprovada, ela foi aprovada na Câmara dos Deputados por unanimidade, foi aprovada no Senado por unanimidade, depois de muita luta da gente movimentar o movimento social, o movimento feminista, a bancada feminista, os partidos, as lideranças dos partidos, conversando com os ministros, conversando com deputados importantes que a gente considera aliados a nós, à nossa categoria, à nossa luta social. Então com todos eles a gente conversou.

― Creuza Maria de Oliveira (“AUDÁCIA”, 2017) 127

Com base no número considerável de votos favoráveis, era de se esperar que os discursos das(os) deputadas(os) federais na Câmara apoiassem totalmente a causa das trabalhadoras domésticas, revelando e justificando a preocupação e o comprometimento do Congresso Nacional com a aprovação de mais direitos para a categoria. No entanto, analisando o que foi dito, uma série de posições políticas contraditórias e obscuras se revela, introduzindo outras facetas da aprovação e do simbolismo da PEC. Neste capítulo, apresentarei tais posições, concentrando-me não apenas no que foi dito, mas, principalmente, em como foi dito, explicando e exemplificando com transcrições dos discursos 1 . Para isso, identificarei, em nota de rodapé, os posicionamentos social e cognitivo de todas(os) as(os) parlamentares cujos discursos serão analisados por meio do exame de seu perfil socioeconômico, carreira e atuação política.

1 A COMPOSIÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS: EMPREGADORAS(ES)

DOMÉSTICAS(OS) COM PODER POLÍTICO

Em 20152, três anos após a aprovação da PEC, do total de 513 assentos na Câmara dos Deputados, 71,9% eram ocupados por homens brancos, 18,1% por homens negros, 8% por mulheres brancas e 2% por mulheres negras3, percentuais quase idênticos aos das eleições de 2010, de acordo com estudos anteriores sobre o tema4. Com 54% da população brasileira se declarando negra e 45,2% branca naquele ano, apenas 20,1% da Câmara dos Deputados foi ocupada por negras(os), das(os) quais menos de 10% eram mulheres. Com base em tais índices, o Brasil ficou em 116º lugar entre os 190 países registrados na Inter-Parliamentary Union em relação à participação de mulheres nos parlamentos nacionais – o pior resultado entre os países da América do Sul5.

1 Todos os destaques nos discursos são de minha autoria. 2 A primeira vez que a cor das(os) candidatas(os) e deputadas(os) federais eleitas(os) foi oficialmente registrada foi nas eleições de 2014 – e é por isso que destaco seus dados e não os das eleições de 2010 –, no entanto, vale ressaltar que nem todas(os) que se autodeclararam negras(os) para o Tribunal Superior Eleitoral seriam classificadas(os) como tal pelas investigações sociológicas realizadas no Brasil. 3 CAMPOS, Luiz Augusto; MACHADO, Carlos Mello. “A Raça dos (In)Eleitos”. Insight Inteligência, Rio de Janeiro, n. 67, pp. 60-72, out./dez. 2014. pp. 68-69. 4 Ver: BUENO, Natália; DUNNING, Thad. “Race, Resources, and Representation: Evidence from Brazilian Politicians”. World Politics, Cambridge, v. 69, n. 02, pp. 327-365, Apr. 2017; JOHNSON, Ollie. “Racial Representation and Brazilian Politics: Black Members of the National Congress, 1983-1999”. Journal of Interamerican Studies and World Affairs, Cambridge, v. 40, n. 04, pp. 97-118, 1998; entre outros. 5 INTER-PARLIAMENTARY UNION (IPU). “Women in National Parliaments”. IPU, Geneva, jan. 2015. 128

GRÁFICO XIX – Distribuição Percentual, por Sexo e Raça, da População Brasileira e dos Membros da Câmara dos Deputados, em 2015

Mulheres Negras

Mulheres Brancas

Homens Negros

Homens Brancos

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%

Deputadas(os) Federais Total Populacional

Fonte: CAMPOS & MACHADO, 2014.

Essas(es) legisladoras(es) também representam as famílias brasileiras de classes média e alta – ou seja, as que contratam trabalhadoras domésticas –, como indicam seu nível educacional (77,8% delas(es) possui nível superior completo), suas carreiras profissionais e suas declarações de bens. Quando não têm a política como profissão única (políticas(os) de carreira) – 50,5% das(os) legisladoras(es) federais em 2010 –, essas(es) parlamentares trabalham principalmente com outros meios de produção de discurso (econômico, jurídico, médico, acadêmico ou midiático) 6 . Quanto aos seus bens, além de um salário de R$ 26.723,10, elas(es) possuíam, em 2010, um patrimônio de, em média, R$ 2,4 milhões7.

6 Ver: BERLATTO, Fábia; CODATO, Adriano. Candidatos e Eleitos, Eleições para Deputados Federais, Brasil, 1998-2014. São Paulo: Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil, 2016. 7 AGÊNCIA ESTADO. “Patrimônio de Parlamentares é, em média, de R$ 2,4 mi”. Estadão, São Paulo, 06 out. 2010. 129

GRÁFICO XX – Profissões das(os) Deputadas(os) Federais, em 2015

Políticas(os) de Carreira Empresárias(os) Advogadas(os) Médicas(os) Engenheiras(os) Professoras(es) Administradoras(es) Servidoras(es) Públicas(os) Profissionais Midiáticas(os) Agropecuaristas Economistas Comerciantes Outros

Fonte: BERLATTO & CODATO, 2016.

Como previamente informado, a PEC nº 478/2010 foi aprovada, durante a 54ª legislatura (2011‑2014) da Câmara Federal, em primeiro turno, com 359 votos favoráveis e dois contrários, e, em segundo turno, com 347 votos favoráveis, dois contrários e duas abstenções. Todavia, tendo em vista que, nos dois turnos de votação da PEC na Câmara, do quórum de, respectivamente, 362 e 352 deputadas(os) federais, apenas 22 discursaram, destacarei as informações referentes especificamente a elas(es). Importante salientar que houve apenas um discurso contrário à aprovação da PEC, proclamado, em primeiro turno, por Jair Bolsonaro (PP-RJ), o qual, entretanto, só votou no segundo turno. Assim sendo, os quatro votos contrários à PEC foram dos deputados Zé Vieira (PL-MA)8 e Roberto Balestra (PP-GO)9, em primeiro turno, e Vanderlei Siraque (PT-SP)10 e Jair Bolsonaro, em segundo, com as abstenções de Aracely de Paula (PL-MG)11 e Penna (PV- SP)12.

8 Que votou favoravelmente no segundo turno. 9 O qual não votou no segundo turno. 10 Que votou favoravelmente no primeiro turno. 11 O qual não votou no primeiro turno. 12 Que votou favoravelmente no primeiro turno. 130

TABELA I – Números da Votação da PEC nº 478/2010 na Câmara dos Deputados, em 2012

Votos Votos Discursos Discursos TURNO Quórum Abstenções Favoráveis Contrários Favoráveis Contrários Primeiro 362 359 2 0 14 1 Segundo 352 348 2 2 4 0

Fonte: Diário da Câmara dos Deputados, Ano LXVII, n. 194 e 203, 2012.

Dentre as(os) parlamentares que discursaram, quinze eram homens – doze se declararam brancos e três negros – e sete eram mulheres – três se declararam brancas e quatro negras. Vinte parlamentares concluíram o ensino superior, um deputado possuía ensino técnico e outro não havia terminado o ensino fundamental, sendo que quatorze se declararam políticas(os) de carreira. Quanto à declaração de bens, houve uma média de R$ 2.980.000,00 por deputada(o), com o valor mais alto declarado – por sete legisladoras(es) – de R$ 5 milhões, e o menor – por dois – de R$ 700 mil. Mais de 60% das(os) deputadas(os) federais eram afiliadas(os) a partidos que se declaravam como de esquerda ou centro-esquerda – das(os) quais sete eram do PT –, havendo representantes de todas as regiões do país, com destaque para o Nordeste e o Sudeste. Ademais, destaca-se que, das(os) 22 parlamentares que discursaram, apenas quatro já haviam se envolvido diretamente na batalha política por direitos às trabalhadoras domésticas, por meio da proposição ou relatoria de PLs e PECs em benefício da categoria.

13 2 OS DISCURSOS FAVORÁVEIS

2.1. Unanimidade: Real ou Imaginária?

Como previamente demonstrado, a aprovação do PEC, tanto no primeiro quanto no segundo turnos, revela um suposto consenso entre praticamente todas(os) as(os) deputadas(os) federais envolvidas(os), com apenas duas dissidências por turno. Não houve, no processo de proposição e discussão da PEC, predominância de determinado partido sobre outros e nem a polarização entre grupos políticos, o que indica a realização prévia de um ou mais acordos entre as partes antes das sessões parlamentares, cujos termos são desconhecidos. A pressão para tal organização se deveu a grande atenção internacional que passou a ser dada ao Brasil após a aprovação da Convenção nº 189 e da Recomendação nº 201 da OIT,

13 Os discursos de Benedita da Silva e Jair Bolsonaro serão analisados no capítulo seguinte. 131 e a organização das associações e sindicatos de trabalhadoras domésticas por todo o país, com o apoio de uma forte rede transnacional. Nesse cenário, as(os) legisladoras(es) passaram a ser significativamente pressionadas(os) a aprovarem alguma mudança – ainda que simbólica – em benefício da categoria, e a PEC atendeu aos interesses da maioria. Consequentemente, com exceção de Jair Bolsonaro, todas(os) as(os) parlamentares se utilizaram dessa suposta unanimidade em seus discursos, ainda que de maneiras distintas. Uma delas é a ausência de quaisquer referências a divergências e/ou acordos feitos entre as partes interessadas antes das sessões parlamentares, de modo que menções a posicionamentos e votos contrários são claramente evitadas, e nomes nunca são citados, em uma tentativa de exacerbar o suposto consenso entre as(os) deputadas(os) federais.

Fátima Bezerra (PT-RN)14: Quero dizer da minha alegria ao ver o painel da nossa Casa com todos os partidos, independentemente de serem da base de sustentação do Governo ou da Oposição. É muito bonito ver a grandeza deste Parlamento, que à altura, por unanimidade, faz justiça, faz reparação e, repito, dá a esses milhões de trabalhadores e trabalhadoras domésticos pelo País afora a igualdade de direitos e a igualdade de oportunidades.15

Pinto Itamaraty (PSDB-MA) 16 : [...] eu quero estar junto de todo o Plenário, de todos os colegas Deputados que, inclusive, por unanimidade, estão votando “sim”, com alguma exceção.17

14 A então deputada federal – atual governadora do – possui graduação em pedagogia e declarou-se parda, política de carreira e proprietária de bens no valor total de R$ 1.080.000,00. A potiguar iniciou sua carreira política em 1981, quando se filiou ao PT, sendo eleita deputada estadual pelo partido em 1994. Bezerra conseguiu seu primeiro cargo como deputada federal em 2002 – sendo uma das titulares, em 2004, da comissão especial do Ano da Mulher, criada com o objetivo de discutir ações que facilitassem o acesso das mulheres aos serviços de saúde e educação e ao mercado de trabalho, e que garantissem o combate à violência doméstica –, sendo reeleita em 2006 e 2010. Autora de 35 PLs, e relatora de 111 PLs e três PECs, entre 1996 e 2013, sobre temas variados, mas, majoritariamente, educação, cultura e esportes, nenhum deles tratou sobre o trabalho doméstico no país. In: CPDOC. “Maria de Fátima Bezerra”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2015; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Câmara instala Comissão Especial da Mulher”. Câmara dos Deputados, Brasília, 09 mar. 2004; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria da Deputada Fátima Bezerra”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pela Deputada Fátima Bezerra”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 15 BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXVII, n. 194, quinta-feira, 22 de Novembro de 2012. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. p. 38.311. 16 O então deputado federal possui graduação em gestão empresarial e declarou-se branco, político de carreira e proprietário de bens no valor total de R$ 4 milhões. O maranhense iniciou sua carreira política em 1999, quando se filiou ao PTB, sendo eleito vereador de São Luis pelo partido em 2000. Pinto Itamaraty assumiu seu primeiro cargo como deputado federal, pelo PSDB, em 2006, sendo reeleito em 2010, então pelo MDB. Em seus dois mandados como deputado federal, não foi autor de nenhum PL ou PEC, mas foi relator de 45 PLs, sobre temas variados, mas, majoritariamente, educação, cultura e esportes, nenhum dos quais tratou sobre o trabalho doméstico no país. In: CPDOC. “José Eleonildo Soares”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2013; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Pinto Itamaraty”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Pinto Itamaraty”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 17 BRASIL, supra nota 15, p. 38.308. 132

Sandra Rosado (PSB-RN)18: Quero aqui abraçar e me congratular com todos os Parlamentares, homens e mulheres, que nesta data concretizam o grande sonho de aprovar a PEC que garante direitos, que garante justiça às trabalhadoras domésticas.19

Carlos Bezerra (MDB-MT)20: [...] a PEC foi muito bem recebida pelos colegas Parlamentares, com raríssimas exceções.21

Luiz Alberto (PT-BA)22: Evidentemente, por alguma fala que houve aqui contrária a esta PEC, teremos provavelmente um ponto fora da curva.

18 A então deputada federal – atual vereadora de Mossoró –, possui graduação em serviço social e direito e declarou-se branca, política de carreira e proprietária de bens no valor total de R$ 1.080.000,00. A potiguar iniciou sua carreira política em 1985, quando se filiou ao MDB, sendo eleita vice-prefeita de Mossoró pelo partido em 1992. Rosado assumiu seu primeiro cargo como deputada federal em 2002 – sendo uma das titulares, em 2004, da comissão especial do Ano da Mulher, criada com o objetivo de discutir ações que facilitassem o acesso das mulheres aos serviços de saúde e educação e ao mercado de trabalho, e que garantissem o combate à violência doméstica –, sendo reeleita em 2006, então pelo PSB – assumindo a coordenadoria da Bancada Feminina –, e 2010. Autora de 138 PLs e uma PEC, e relatora de, respectivamente, 230 e dezoito, entre 1989 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, direitos humanos, quatro deles trataram sobre o trabalho doméstico no país. Em 2005, apresentou PL nº 6273/2005, que visava a proibição de descontos no salário das trabalhadoras domésticas “por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene e moradia”; ademais, foi relatora do PL nº 2619/2003, de autoria da deputada federal Almerinda de Carvalho (MDB/RJ), que visava assegurar às empregadas domésticas “o direito ao benefício do seguro-desemprego”, do PL nº 5140/2009, de autoria do deputado federal Carlos Bezerra (MDB/MT), e do PLS nº 161/2009, de autoria da senadora federal Serys Slhessarenko (PT/MT), que visava, dentre outras coisas, “reduzir a contribuição social do empregado doméstico”. In: CPDOC. “Sandra Maria da Escóssia Rosado”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2009; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria da Deputada Sandra Rosado”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pela Deputada Sandra Rosado”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “PL 6273/2005”. Câmara dos Deputados, Brasília, 2005; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “PL 2619/2003”. Câmara dos Deputados, Brasília, 2005; SENADO FEDERAL. “Projeto de Lei do Senado n° 161, de 2009”. Senado Federal, Brasília, 2009. 19 BRASIL, supra nota 15, p. 38.314. 20 O então e atual deputado federal, que foi o autor da PEC nº 478/2010, possui graduação em ciências jurídicas e sociais e declarou-se pardo, político de carreira e proprietário de bens no valor total de R$ 3 milhões. O mato- grossense iniciou sua carreira política ao final da década de 1950, quando se filiou ao PTB, sendo que, tendo em vista a extinção dos partidos políticos pelo Ato Institucional nº 2 e a posterior instauração do bipartidarismo, filiou-se, em 1966, ao MDB, sendo eleito deputado estadual pelo partido em 1974. Bezerra assumiu seu primeiro cargo como deputado federal em 1978, sendo reeleito apenas em 2006 e 2010, após assumir a prefeitura de Rondonópolis, o governo de e representar o estado no Senado. Autor de 321 PLs e outra PEC, e relator de 29 PLs, entre 1979 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, direitos humanos e cidades e transportes, apenas um PL, de sua autoria, tratou do trabalho doméstico, visando alterar a Lei nº 5.859/1972 “para permitir a celebração de contrato de experiência na relação de trabalho doméstica” (PL nº 5140/2009). In: CPDOC. “Carlos Gomes Bezerra”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2013; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Carlos Bezerra”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Carlos Bezerra”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “PL 5140/2009”. Câmara dos Deputados, Brasília, 2009. 21 BRASIL, supra nota 15, p. 38.309. 22 O então deputado federal – atual deputado estadual suplente – possui ensino técnico em administração e declarou-se preto, político de carreira e proprietário de bens no valor total de R$ 1,5 milhão. O baiano iniciou sua carreira política em 1980, quando participou da fundação do diretório estadual do PT na Bahia. Após ser eleito como suplente duas vezes, Luiz Alberto assumiu seu primeiro cargo como deputado federal, em 2002, sendo reeleito em 2006 – licenciou-se do mandato por um ano e meio para assumir a Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade – e em 2010. Autor de 26 PLs e quatro PECs, e relator de, respectivamente, 24 e duas, entre 1995 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, política e administração pública, apenas dois PLs, de sua autoria, tratavam do trabalho doméstico, visando proibir as(os) empregadoras de “efetuar descontos nos salários dos empregados domésticos” e dispensar “a apresentação de atestado de boa conduta para admissão” (PLs nos 6.801/2002 e 1.652/2003). In: CPDOC. “Luís Alberto Silva dos Santos”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 133

Contudo, o mais importante é que a maioria deste Plenário vai dar quorum suficiente para aprovarmos, em primeiro turno, a PEC 478, uma grande vitória das mulheres deste País [...].23

A referência, pelas(os) legisladoras(es), a um “nós” coletivo que impede a identificação de quais parlamentares realmente fizeram/disseram/desejavam certas coisas, também foi utilizada na tentativa de ampliar a impressão de consenso.

Vieira da Cunha (PDT-RS)24: E todos nós queremos extirpar do nosso País esse tipo de preconceito.25

Cleber Verde (Republicanos-MA)26: Eu votei naquela Comissão [Especial] – fizemos todos parte dessa Comissão – esse brilhante relatório, que certamente culmina com a garantia de direitos e conquistas de trabalhadores.27

Essas estratégias, entretanto, não eram novas. No século XIX, durante as décadas de debate político que antecederam a abolição da escravatura, ainda que em meio a um

2008; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Luiz Alberto”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Luiz Alberto”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “PL 6801/2002”. Câmara dos Deputados, Brasília, 2002; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “PL 1652/2003”. Câmara dos Deputados, Brasília, 2003. 23 BRASIL, supra nota 15, p. 38.312. 24 O então deputado federal – atual procurador de justiça do Ministério Público do e vice- presidente da Internacional Socialista para a América Latina e o Caribe –, que foi o relator da PEC nº 478/2010 na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, possui graduação em Direito e declarou-se branco e proprietário de bens no valor total de R$ 1 milhão. O gaúcho iniciou sua carreira política em 1981, quando se filiou ao PDT, sendo eleito vereador de Porto Alegre pelo partido em 1988. Vieira da Cunha assumiu seu primeiro cargo como deputado federal em 2006, sendo reeleito em 2010. Autor de 31 PLs e cinco PECs, e relator de, respectivamente, 54 e sete, entre 1996 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, direitos humanos e segurança, apenas um PL, de sua autoria, trata do trabalho doméstico, mas não focando nas trabalhadoras, já que visa alterar “a legislação do imposto de renda das pessoas físicas para tornar permanente a dedução da contribuição patronal paga à Previdência Social” pelas(os) empregadoras(es) domésticas(os) (PL nº 581/2011). In: CPDOC. “Carlos Eduardo Vieira da Cunha”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2014; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Vieira da Cunha”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Vieira da Cunha”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “PL 581/2011”. Câmara dos Deputados, Brasília, 2011. 25 BRASIL, supra nota 15, p. 38.305. 26 O então e atual deputado federal possui graduação em direito e declarou-se branco, político de carreira e proprietário de bens no valor total de R$ 5 milhões. O maranhense iniciou sua carreira política em 1995, quando se filiou ao PV, sendo eleito vereador de São Luís pelo partido em 1996. Verde assumiu seu primeiro cargo como deputado federal, pelo PAN, em 2006, sendo reeleito apenas em 2010, então pelo Republicanos. Autor de 95 PLs e nove PECs, e relator de, respectivamente, 25 e uma, entre 2001 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, trabalho, previdência e assistência e direitos humanos, nenhum deles tratou sobre o trabalho doméstico no país. In: CPDOC. “Cleber Verde Cordeiro Mendes”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2014; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Cleber Verde”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Cleber Verde”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 27 BRASIL, supra nota 15, p. 38.313. 134 legislativo extremamente polarizado, vários deputados gerais do Partido Conservador afirmavam a existência de um forte consenso:

Comissão Especial Nomeada para Examinar o Projeto de Lei nº 121/187028: [...] para honra do Império do Brasil não ha nenhum brasileiro que não deseje ver extinta a escravidão [...].29

Comissão Especial Nomeada para Estudar o Projeto de Lei do Ministro da Agricultura30: [...] o Brasil não encerra hoje uma só voz que ouse destoar do coro unanime. Honra a índole nobilíssima do nosso povo, que nem mesmo os mais interessados na questão, os que mais se iludem fantasiando quiméricos perigos, deixam de afirmar que o cativeiro tem seus dias contados; esses mesmos, se discrepam, em alguns dos meios, são concordes no fim.31

Comissão Especial Nomeada para Estudar o Projeto de Lei “C”/188632: [...] mais uma demonstração do empenho que e compartilhado por todos os brasileiros de se assegurar o termo da instituição servil entre nós, repudiado assim por uma vez o triste legado que nos foi transmitido pelas gerações passadas.33

Desse modo, as(os) legisladoras(es) – tanto no século XIX, quanto no atual – buscavam, por meio da criação de um consenso inexistente, conseguir maior apoio popular e pressionar as(os) opositores a mudarem de lado, confirmando-se como precursoras(es) na defesa dos melhores interesses nacionais. Nos casos excepcionais em que a oposição era mencionada, sua identidade era apagada por meio de referências às visões de certos grupos de modo superficial, apenas para permitir que fossem respondidas e/ou negadas, sem ser, de fato, nomeadas ou identificadas.

28 Composta por Jerônimo José Teixeira Júnior (Visconde do Cruzeiro), João José de Oliveira Junqueira Júnior, Francisco do Rego Barros Barreto e Domingos de Andrade Figueira. 29 BRASIL. “Parecer e Projeto de Lei da Comissão Especial Nomeada para Examinar o Projeto de Lei nº 121/1870”. In: SENADO FEDERAL. A Abolição no Parlamento: 65 Anos de Luta. Volume I: 1823 a 1883. 2. ed. Brasília: Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2012. pp. 351-400. p. 352. 30 Composta por Joaquim Pinto de Campos, Raimundo Ferreira de Araújo Lima, Luís Antônio Pereira Franco (Barão de Pereira Franco), João Mendes de Almeida e Ângelo Tomás do Amaral. 31 BRASIL. “Parecer da Comissão Especial Nomeada para Estudar o Projeto de Lei de Teodoro Macha do Freire Pereira da Silva (Ministro da Agricultura)”. In: SENADO FEDERAL. A Abolição no Parlamento: 65 Anos de Luta. Volume I: 1823 a 1883. 2. ed. Brasília: Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2012. pp. 465- 504. p. 470. 32 Composta por Antônio Marcelino Nunes Gonçalves (Visconde de São Luis do Maranhão), Martinho Álvares da Silva Campos, Jacinto Paes de Mendonça, Francisco do Rego Barros Barreto e Joaquim Jerônimo Fernandes da Cunha. 33 BRASIL. “Parecer ‘H’ da Comissão Especial Nomeada para Estudar o Projeto de Lei ‘C’/1886, do Senador Souza Dantas”. In: SENADO FEDERAL. A Abolição no Parlamento: 65 Anos de Luta. Volume II: 1884 a 1888. 2. ed. Brasília: Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2012. pp. 311-315. p. 312. 135

Marçal Filho: Muitos dizem: “Mas vai acontecer desemprego. Muitas empregadas domésticas serão demitidas”.34

Amauri Teixeira (PT-BA)35: Esse discurso de quem diz que empregada doméstica é quase um membro da família [...].36

Marçal Filho: E àqueles críticos que dizem que vai haver desemprego, que os direitos das empregadas domésticas vão gerar desemprego, que vão tornar esse trabalho inviável para as pessoas que contratam [...].37

Tal tática também já havia sido utilizada séculos antes, como revelam os trechos a seguir, o primeiro de 1823 e o segundo de 2012, nos quais estrutura argumentativa praticamente idêntica foi utilizada pelos deputados:

José Bonifácio: Quando verdadeiros cristãos e filantropos levantaram a voz pela primeira vez na Inglaterra contra o trafico de escravos africanos, houve muita gente interesseira ou preocupada que gritou ser impossível ou não política a abolição porque as colônias britânicas não podiam escusar um tal comercio sem uma total destruição: todavia, passou o bill e não e arruinaram as colônias. Hoje em dia que Wilberforces e Buxtons trovejam de novo no Parlamento a favor da emancipação progressiva dos escravos, agitam-se outra vez os inimigos da humanidade como outrora [...].38

Carlos Bezerra: Diziam que o salário mínimo de 100 dólares iria quebrar o Brasil. E não quebrou. Hoje, o salário mínimo vale muito mais do que isso, melhorou a qualidade de vida dos trabalhadores, e o Brasil continua crescendo. Assim estão fazendo com relação às domésticas.39

34 Ibidem, p 38.303. 35 O então deputado federal – que trabalha atualmente como auditor fiscal –, possui graduação em economia e declarou-se branco e proprietário de bens no valor total de R$ 1,5 milhão. Tendo participado de entidades estudantis e sindicais há décadas, o baiano iniciou sua carreira política apenas em 2010, quando, filiado ao PT, foi eleito deputado federal. Autor de 34 PLs e dez PECs, e relator de, respectivamente, 64 e duas, entre 2003 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, trabalho, previdência e assistência, nenhum deles tratou sobre o trabalho doméstico no país. In: CPDOC. “Amauri Santos Teixeira”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2013; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Amauri Teixeira”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Amauri Teixeira”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 36 BRASIL, supra nota 15, p. 38.306. 37 BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXVII, n. 203, quarta-feira, 05 de Dezembro de 2012. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. p. 40.582. 38 ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. “Representação de José Bonifácio à Assembleia Geral Constituinte Legislativa do Império do Brasil”. In: SENADO FEDERAL. A Abolição no Parlamento: 65 Anos de Luta. Volume I: 1823 a 1883. 2. ed. Brasília: Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2012. pp. 30-49. p. 31. 39 BRASIL, supra nota 15, p. 38.309. 136

Desse modo, as(os) parlamentares buscaram se distanciar completamente das(os) críticas(os) à abolição e, mais recentemente, à PEC, ainda que muitas(os) concordassem com tais visões.

2.2. Conquista das(os) Deputadas(os) Federais?

Dentre as(os) legisladoras(es) que votaram favoravelmente à aprovação da PEC, foram feitas várias manifestações de extrema indignação à situação até então vigente:

Carlos Bezerra: [...] o sistema hoje em vigor permite a existência de trabalhadores de segunda categoria, o que devemos considerar como um atraso no processo democrático. Isso é uma vergonha, uma nódoa que temos o dever histórico de apagar da nossa Constituição.40 [...] Essa é uma falha grave na nossa Constituição. Precisamos acabar com essa infâmia!41 [...] o sentimento comum era o de que, a partir dali, estávamos todos virando uma página da nossa história. Uma página para ficar apenas na triste lembrança.42

Vieira da Cunha: Não é possível, portanto, que este Parlamento possa aceitar e continuar convivendo com essa discriminação, repito, odiosa, injusta e inaceitável.43

Arnaldo Jordy: Finalmente, estamos encerrando a página desse débito, dessa dívida que o Estado brasileiro e a sociedade têm com esses trabalhadores da atividade doméstica.44

Ainda assim, na análise dos discursos selecionados, é evidente um contraste entre, de um lado, o reconhecimento das décadas de luta das trabalhadoras domésticas, suas representantes, sindicalistas e associações, que conquistaram, a dura penas, novos direitos, e, de outro lado, as(os) parlamentares se gabando do “favor”, “justiça” ou “redenção” que estavam fazendo à essas mulheres. Embora cinco parlamentares tenham feito referências diretas à organização das trabalhadoras domésticas, reconhecendo seu papel central na discussão e aprovação do PEC:

40 Ibidem, p. 38.309. 41 Ibidem, p. 38.310. 42 Ibidem. 43 BRASIL, supra nota 37, p. 40.585. 44 Ibidem, p. 38.306. 137

Arnaldo Jordy (Cidadania/PA)45: [...] eu parabenizo todas as entidades sindicais, as associações, o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas, a Federação das Trabalhadoras Domésticas e todos aqueles que têm labutado e empreendido essa luta ao longo dos últimos anos, por essa conquista que se consagra aqui hoje, para garantir o direito e a dignidade dessa atividade laboral, contra o preconceito de que iria produzir desemprego ou alguma instabilidade na regularidade dessa atividade.46

Marcon (PT-RS)47: Meus parabéns à categoria que se mobilizou, a todas elas que saíram de casa, que colocaram os pés na rua, que gritaram e hoje estão colhendo o fruto dessa luta!48

Luiz Alberto: Esses são avanços que só a organização dessas categorias de trabalhadores pode conquistar, com suas lutas e, com certeza, dialogando com o compromisso dos nossos Governos, desde o Presidente Lula até agora, com a Presidenta Dilma. Portanto, eu queria parabenizar a categoria das trabalhadoras domésticas por conquistar, na luta, esta grande vitória que ora estamos dando a este plenário.49

Janete Rocha Pietá (PT-SP)50: Queria também, neste momento, prestar uma homenagem à lutadora Laudelina de Campos Melo, que, na década de

45 O então deputado federal – que trabalha atualmente como advogado –, possui graduação em direito e declarou- se branco, político de carreira e proprietário de bens no valor total de R$ 2,5 milhões. O paraibano iniciou sua carreira política em 1982, quando se filiou ao MDB e tornou-se membro de seu diretório municipal, sendo eleito vereador de Belém em 1986, pelo PCB. Jordy assumiu seu primeiro cargo como deputado federal, pelo Cidadania, em 2010. Autor de 33 PLs e três PECs, e relator de dez PLs, entre 1994 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, direitos humanos e meio ambiente e energia, nenhum deles tratou sobre o trabalho doméstico no país. In: CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Arnaldo Jordy”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Arnaldo Jordy”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Arnaldo Jordy”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 46 BRASIL, supra nota 15, p. 38.306. 47 O então e atual deputado federal possui ensino fundamental incompleto e declarou-se branco, político de carreira e proprietário de bens no valor total de R$ 1,5 milhão. Tendo participado de entidades sindicais há décadas, o gaúcho iniciou sua carreira política em 1998, quando foi eleito deputado estadual, pelo PT, assumindo seu primeiro cargo como deputado federal em 2010. Autor de quinze PLs e relator de dois, entre 2011 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, política e administração pública, nenhum deles tratou sobre o trabalho doméstico no país. In: 47 CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Marcon”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Marcon”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Marcon”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 48 Ibidem, p. 38.311. 49 Ibidem, p. 38.312. 50 A então deputada federal – atual vereadora de Guarulhos –, possui graduação em história e arquitetura e urbanismo e declarou-se preta, política de carreira e proprietária de bens no valor total de R$ 5 milhões. A fluminense iniciou sua carreira política em 1982, quando, junto a seu marido, fundou o diretório municipal do PT em Guarulhos, onde ocupou vários cargos executivos nas décadas seguintes. Pietá assumiu seu primeiro cargo como deputada federal em 2006 – sendo a primeira parlamentar amefricana eleita pelo PT paulista e presidindo a Comissão Especial de Juizados Especiais e Questões das Mulheres criada para analisar PEC nº 485/05, de autoria da deputada federal Sandra Rosado e outros, que visava “a criação de varas especializadas nos juizados especiais para as questões relativas às mulheres” –, sendo reeleita em 2010 – quando liderou a Bancada Feminina do PT na Câmara. Autora de 26 PLs e três PECs, e relatora de quatorze PLs, entre 1999 e 2014, sobre 138

30, começou a organizar o movimento sindical das trabalhadoras domésticas. E, ontem, tivemos um depoimento emocionante da Presidenta da Federação das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria de Oliveira, que fez uma retrospectiva histórica da luta dessa categoria. Portanto, quero agradecer a todas e a todos, mas principalmente a resistência, a luta e a organização das mulheres, principalmente das mulheres negras brasileiras.51

Sandra Rosado: Aqui, quero destacar o nome da companheira Creuza Maria de Oliveira, Presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, que foi incansável nessa luta, visitando Parlamentares e pedindo para que essa PEC fosse votada. E ela hoje chega para fazer justiça, justiça social às trabalhadoras domésticas, que ainda precisam de muito.52

A maioria das(os) deputadas(os) federais – incluindo três das(os) que acabei de mencionar – referiu-se à aprovação da PEC como uma conquista, principalmente – se não exclusivamente – delas(es), as(os) “redentoras(es)” das trabalhadoras domésticas.

Amauri Teixeira: Então, em pleno século XXI, nós estamos concedendo a última carta de alforria. Estamos emancipando a última categoria de semiescravos deste País: as grandes profissionais empregadas domésticas.53

Carlos Bezerra: Estaremos dando um exemplo para o mundo ao apagar das páginas da nossa Constituição resquícios da mão longa da escravidão! [...] Acompanhei esse trabalho e percebi a dedicação de todos, porque o sentimento comum era o de que, a partir dali, estávamos todos virando uma página da nossa história. Uma página para ficar apenas na triste lembrança.54

Marcon: Tenho certeza de que a aprovação desta PEC é uma homenagem aos 7,2 milhões de trabalhadoras e trabalhadores domésticos.55

Fátima Bezerra: [...] ao aprovar a PEC 478, que trata da igualdade de direitos entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores, nós estamos [...] beneficiando um conjunto de mais de 6 milhões de mulheres pelo País afora. [...] temas variados, mas, majoritariamente, direitos humanos e política e administração pública, nenhum deles tratou sobre o trabalho doméstico no país. In: CPDOC. “Janete Rocha Pietá”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2009; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “PEC 485/2005”. Câmara dos Deputados, Brasília, 2005; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria da Deputada Janete Pietá”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pela Deputada Janete Pietá”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 51 BRASIL, supra nota 15, p. 38.312. 52 Ibidem, p. 38.313. 53 Ibidem, p. 38.306. 54 Ibidem, p. 38.310. 55 Ibidem. 139

Na verdade, a Câmara dos Deputados, hoje, está fazendo justiça social, pois a matéria trata da igualdade de direitos entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores. Na verdade, o que estamos fazendo hoje é aprovar uma legislação inclusiva, que vem na direção de fazer uma reparação histórica. O que a Câmara dos Deputados está fazendo hoje, ao aprovar esta matéria, é romper com as heranças culturais da escravidão e dar a esses milhões de mulheres País afora igualdade de direitos e igualdade de oportunidades.56

Janete Rocha Pietá: Imaginem: nós, com essa votação, [...] damos início à alforria das trabalhadoras negras, que da escravidão partiram para o trabalho doméstico!57

Sandra Rosado: [...] cerca de 7 milhões de mulheres hoje veem, através dessa PEC de autoria do Deputado Carlos Bezerra, cuja Relatora foi a brilhante Deputada Benedita da Silva, nós, Deputados e Deputadas, fazermos justiça às trabalhadoras domésticas, regulamentando o seu trabalho, tanto o noturno, quanto as horas trabalhadas e as suas diárias.58

Além disso, algumas(ns) legisladoras(es) também procuraram destacar sua participação individual – isto é, seu “inegável mérito” – no processo, bem como a importância da aprovação da PEC para suas carreiras políticas:

Marçal Filho: E eu me sinto muito feliz de ter presidido uma Comissão que marca um momento histórico em nosso País: o resgate de uma classe que precisa da proteção e dos direitos que todos os outros trabalhadores já têm.59

Amauri Teixeira: Eu fiz parte da Comissão e me esforcei muito para que a proposta viesse a plenário.60

Carlos Bezerra: Tenho declarado que essa foi a melhor coisa que fiz na minha vida pública, em 40 anos, nos diversos cargos que já exerci, seja como Prefeito, Governador, Senador, Deputado Federal.61 […] E eu não tenho a menor dúvida de que a aprovação desta PEC será uma das maiores conquistas – senão a maior – da gestão do nobre colega, Deputado Marco Maia.62

Cleber Verde: Nesse sentido, Sr. Presidente, quero parabenizar [...] V. Exa. por ter trazido a esta Casa, no dia de hoje, matéria tão relevante, o que

56 Ibidem, p. 38.311. 57 Ibidem. 58 Ibidem, p. 38.313. 59 Ibidem, p. 38.304. 60 Ibidem, p. 38.306. 61 Ibidem, p. 38.308. 62 Ibidem, p. 38.309. 140

certamente vai engrandecer ainda mais o mandato de cada Parlamentar que está aqui neste momento histórico, garantindo o direitos e conquistas a empregados domésticos e empregadas domésticas de todo o País.63

Essas falas não apenas confirmam como escancaram a oportunização política e midiática, pelas(os) parlamentares, da discussão e aprovação da PEC para suas carreiras. Como previamente destacado, somente quatro delas(es) já haviam se envolvido diretamente na batalha política por direitos às trabalhadoras domésticas, sendo que apenas uma – Benedita da Silva – realmente dedicou sua atuação política a causa, de modo que as(os) deputadas(os) federais que discursaram – e grande parte das(os) que votaram favoravelmente e divulgaram tal posicionamento em suas plataformas e mídias – nos primeiro e segundo turnos apenas aproveitaram-se da pauta, que estava recebendo muita atenção popular, para se firmarem como “heroínas” e “heróis”. Tal movimento é notório em nossa história, como revela o desproporcional destaque dado à princesa Isabel, a “Redentora”, por ter assinado a abolição da escravatura, mediante o apagamento de décadas de luta dos movimentos abolicionistas e da atuação fundamental de figuras como André Rebouças, Luís Gama, Abílio César Borges, Castro Alves, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, José Ferreira de Menezes e João Clapp, dentre outros.

2.3. Apagamento de Classe, Gênero e Raça

Como observado anteriormente, a categoria de trabalhadoras domésticas remuneradas é notavelmente marcada pela convergência da dominação de raça, gênero e classe. No entanto, das(os) vinte legisladoras(es) cujos discursos estou analisando nesse bloco, apenas quatro se preocuparam em mencionar, ainda que superficialmente, quem são as trabalhadoras domésticas brasileiras. Referências ao sexo das trabalhadoras foram as mais comuns, estando presentes em vários discursos, ainda que indiretamente (pelo uso do substantivo feminino para se referir à categoria). O reconhecimento de que a maioria das trabalhadoras domésticas é negra foi feito apenas por quatro parlamentares, embora mencionando diferentes porcentagens de representação. No entanto, a identificação da classe socioeconômica das trabalhadoras não foi feita por nenhuma deputada(o) federal, permanecendo apagada.

63 Ibidem, p. 38.313. 141

Fátima Bezerra: Sr. Presidente, quero inicialmente dizer que, ao aprovar a PEC 478, que trata da igualdade de direitos entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores, nós estamos, [...] beneficiando um conjunto de mais de 6 milhões de mulheres pelo País afora. E quero dizer que tem toda uma simbologia no fato de a Câmara dos Deputados aprovar a PEC exatamente no mês em que se celebra a Consciência Negra. Por quê? Porque mais de 20% das mulheres que ocupam a função de empregadas domésticas são negras.64

Janete Rocha Pietá: Inscrevi-me, Sr. Presidente, para dizer que a luta pela independência das mulheres vem desde a escravidão, porque nós podemos afirmar que, das 7 milhões e 200 mil trabalhadoras – poucos são homens –, 6 milhões e 900 mil, quase 7 milhões, são negras. Hoje, dia seguinte ao Dia da Consciência Negra, este Parlamento recupera toda a luta pela autonomia econômica e pelo direito de liberdade.65

Luiz Alberto: [...] o mais importante é que a maioria deste Plenário vai dar quorum suficiente para aprovarmos, em primeiro turno, a PEC 478, uma grande vitória das mulheres deste País, particularmente das mulheres negras, que compõem 72% da categoria de trabalhadoras domésticas.66

Sandra Rosado: Quero dizer que esses 7 milhões de empregados domésticos, na sua maioria esmagadora mulheres, e mulheres negras também na sua maioria, veem nesta votação que hoje se realiza, se concretiza, a realização de uma luta histórica.67

Vieira da Cunha: Ora, Presidente e colegas, isso é resquício da época da escravidão, ainda mais se levarmos em conta que a grande maioria dessas trabalhadoras são mulheres negras e pobres.68

Além disso, não há reconhecimento, pelas(os) legisladoras(es) – predominantemente homens, brancos, pertencentes às classes média e alta, com ensino superior e, em grande parte, já presentes em outros espaços privilegiados de produção discursiva –, de sua posição na sociedade – ou, ao menos, de um vínculo direto de pertencimento a determinada classe político-sócio-econômica e sua orientação ideológica –, seja ao colocarem-se em igualdade com as trabalhadoras, sindicalistas e aliadas(os) que lutam, há décadas, pela conquista de direitos para a categoria, seja ao não assumirem-se como empregadoras(es) domésticas(os) – com exceção de Benedita da Silva e Jair Bolsonaro.

64 Ibidem, p. 38.311. 65 Ibidem. 66 Ibidem, p. 38.312. 67 Ibidem, p. 38.313. 68 BRASIL, supra nota 37, p. 40.585. 142

Pinto Itamaraty: Evidentemente, toda vez que há uma mudança e alguém tem que gastar um pouco mais, há uma resistência. É um processo natural até da cultura do País, mas precisamos nos adequar, precisamos entender que essas pessoas que nos ajudam diuturnamente em nossas residências e cuidam dos nossos filhos precisam ter seus direitos reconhecidos.69

Cleber Verde: E certamente aqueles que são empregadores hão de reconhecer e convalidar os direitos das nossas empregadas e dos nossos empregados domésticos em todo o País.70

Essa estratégia busca distanciar as(os) parlamentares de uma série de categorias que evidentemente representam. A primeira é a classe de empregadoras(es) domésticos, culpada pelo tratamento discriminatório e pelas péssimas condições de trabalho de milhares de trabalhadoras domésticas por todo o país. A segunda é a classe de políticas(os) – e, mais especificamente, legisladoras(es) –, a qual é responsável por anos de silenciamento da luta política das trabalhadoras domésticas e pelo impedimento e atraso de várias de suas conquistas legais. A terceira é a alta classe social brasileira, que permanece em oposição constante a qualquer mudança que possa lhe trazer prejuízos e/ou alterar o status quo vigente. Ao adotar um comportamento autocongratulatório, as(os) deputadas(os) federais buscaram se proteger de quaisquer conexões que podem elucidar seus reais interesses e associações, e se apresentar como aliados do povo na luta por direitos, ainda que atuassem em sentido oposto.

2.4. A Segunda Abolição?

Uma das principais estratégias utilizadas pelas(os) legisladoras(es) que se posicionaram favoravelmente à aprovação do PEC foi a retomada – e o assenhoreamento – de alguns dos discursos que circulavam entre trabalhadoras domésticas, suas representantes, membros de sindicatos, associações e aliadas(os), bem como na mídia. Os mais notórios são o reconhecimento da injustiça legal contra essa categoria e a noção de que o trabalho doméstico e a desvalorização diretamente ligada a ele resultam do processo de escravidão que manchou séculos da história brasileira.

Marçal Filho: Acreditamos que, com a aprovação dessa proposta de emenda à Constituição, vamos dar um passo importante para corrigir uma injustiça que acontece em nosso País, visando proteger uma classe que faz um

69 BRASIL, supra nota 15, p. 38.308. 70 Ibidem, p. 38.313. 143

trabalho digno e honesto, como outro qualquer, e que merece o nosso respeito. [...] Considero a forma atual, sem que a empregada tenha, inclusive, uma jornada de trabalho definida, como um resquício da escravatura. Como um trabalhador pode não ter definido um número exato de horas de trabalho máximo permitido? Hoje, a empregada doméstica pode ser utilizada para trabalhar 12, 14 horas, porque não existe nenhuma previsão legal para isso. Então, nós precisamos dar esse primeiro passo, que é importantíssimo.71

Amauri Teixeira: Estamos dando a última carta de alforria a um trabalhador, porque as domésticas ainda vivem sob a condição de semiescravidão. Um trabalhador que não tem jornada mínima definida em instrumento legal ainda é semiescravo. Um trabalhador que ainda não tem direito à hora extra é semiescravo. Um trabalhador que ainda não tem direito a períodos intrajornada e não tem adicional noturno é semiescravo. Então, em pleno século XXI, nós estamos concedendo a última carta de alforria. Estamos emancipando a última categoria de semiescravos deste País: as grandes profissionais empregadas domésticas.72

Carlos Bezerra: Vamos aprovar essa carta de alforria, que é uma conquista histórica dos trabalhadores domésticos de todo o País. Vamos apagar essa infâmia, essa injustiça na nossa Constituição. A nossa Constituição democrática não pode marginalizar trabalhadores.73 [...] o sistema hoje em vigor permite a existência de trabalhadores de segunda categoria, o que devemos considerar como um atraso no processo democrático. Isso é uma vergonha, uma nódoa que temos o dever histórico de apagar da nossa Constituição.74 Estaremos dando um exemplo para o mundo ao apagar das páginas da nossa Constituição resquícios da mão longa da escravidão!75

Janete Rocha Pietá: Inscrevi-me, Sr. Presidente, para dizer que a luta pela independência das mulheres vem desde a escravidão, porque nós podemos afirmar que, das 7 milhões e 200 mil trabalhadoras – poucos são homens –, 6 milhões e 900 mil, quase 7 milhões, são negras. Hoje, dia seguinte ao Dia da Consciência Negra, este Parlamento recupera toda a luta pela autonomia econômica e pelo direito de liberdade. [...] Imaginem: nós, com essa votação, [...] damos início à alforria das trabalhadoras negras, que da escravidão partiram para o trabalho doméstico!76

71 Ibidem, pp. 38.303-38.304. 72 Ibidem, p. 38.306. 73 Ibidem, p. 38.308. 74 Ibidem, p. 38.309. 75 Ibidem, p. 38.310. 76 Ibidem, p. 38.311. 144

Vieira da Cunha: Ora, Presidente e colegas, isso é resquício da época da escravidão, ainda mais se levarmos em conta que a grande maioria dessas trabalhadoras são mulheres negras e pobres.77

Essa tática permite que as(os) parlamentares reforcem sua posição no “lado certo da história”, sem, entretanto, reconhecer sua participação na manutenção dessa desigualdade de direitos por tantos anos. Tanto é que, ao fazê-lo, as(os) legisladoras(es) deixaram, voluntariamente, de reconhecer – e, consequentemente, mencionar – a marginalização estrutural que marca o trabalho doméstico remunerado no Brasil, composta por vários outros problemas – muitos dos quais também são remanescentes do período de escravidão. Dentre eles destaco o racismo estrutural78 e o patriarcado, que minam o acesso das mulheres negras à educação79 e sua inserção e crescimento no mercado formal de trabalho80, o que as mantém em uma situação econômica extremamente frágil 81, marcada por salários muito baixos82, a ausência de políticas públicas transversais, que dificultam o cuidado das trabalhadoras com suas próprias famílias, entre outros obstáculos, que acabam prendendo-as a um ciclo vicioso de marginalização: (i) muitas meninas negras abandonam a escola para procurar emprego e/ou cuidar de sua casa; (ii) devido à falta de educação formal, elas são “empurradas” para o mercado informal e, principalmente, para o serviço doméstico;

77 BRASIL, supra nota 37, p. 40.585. 78 Ver: ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é Racismo Estrutural? Coleção Feminismos Plurais. Belo Horizonte: Letramento, 2018. 79 Embora a taxa de alfabetização das mulheres negras tenha aumentado mais de 54% desde a década de 1940, seu acesso à educação permanece bem abaixo da média da população e, ainda mais, da taxa de mulheres brancas. Para as meninas negras, o abandono escolar ocorre principalmente durante o ensino médio – motivado, essencialmente, por duas razões: a busca de um emprego para ajudar a sustentar a família (30,5%) e a responsabilidade de realizar as tarefas domésticas e/ou cuidar de crianças, idosos ou pessoas com necessidades especiais (26,1%) –, sendo seguida por uma menor inserção no ensino superior. Ver: IPEA. Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça. Rio de Janeiro: IPEA, 2015; IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: Síntese de Indicadores 2015. Rio de Janeiro: IBGE, 2016; entre outros. 80 Em 2018, 47,8% das mulheres negras brasileiras estavam no mercado de trabalho informal. In: IBGE. “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”. Estudos e Pesquisas - Informação Demográfica e Socioeconômica, Rio de Janeiro, n. 41, 2019. 81 No Brasil, existem mais de 7,8 milhões de pessoas vivendo em casas chefiadas por mulheres negras, 63% das quais estão abaixo da linha da pobreza, com US$ 5,5 (cerca de R$ 28,00) per capita por dia. In: IBGE. Síntese de Indicadores Sociais: Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira 2019. Rio de Janeiro: IBGE, 2019. 82 As mulheres negras ganham cerca de 45% menos que os homens brancos nos mercados formal e informal, em todos os níveis de ensino e estados brasileiros; elas deixam o mercado de trabalho mais tarde, aposentam-se menos e têm maior probabilidade de não receber aposentadoria ou pensão. In: PINTO, Giselle. “Situação das Mulheres Negras no Mercado de Trabalho: Uma Análise dos Indicadores Sociais”. In: Anais do XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambu, 2006. 145

(iii) como a taxa nacional de fertilidade é inversamente proporcional ao nível de escolaridade das mulheres no Brasil, essas meninas logo se tornam mães e chefes de suas famílias; e (iv) incapazes de cuidar de sua casa e/ou sustentar sua família sozinhas, muitas delas acabam dependendo da ajuda de suas filhas. Não obstante, esse ciclo foi propositalmente ignorado pelas(os) parlamentares pois leva ao reconhecimento da ausência de uma série de outros direitos e políticas públicas que deveriam ser garantidos a essas mulheres, mas não são e não serão reivindicados – ao menos enquanto não for-lhes interessante – por essas(es) políticas(os). Afinal, os direitos garantidos com a aprovação da PEC foram de grande importância para as trabalhadoras domésticas, mas não alteraram o status quo vigente.

2.5. A Bancada Feminina: Apoio Tácito ou Isenção?

A Bancada Feminina, criada durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1988, abarca todas as deputadas federais da Câmara “em uma filiação compulsória, apoiada em uma suposta unidade biológica entre as mulheres”, tendo como função primordial agir conjuntamente para promover determinadas agendas relacionadas aos direitos das mulheres. Ainda assim, a atuação dessas deputadas apresenta importantes limitações, em função de orientações partidárias e alianças políticas, de relações socioeconômicas, como raça e classe, e de orientação religiosa83. Ainda que várias deputadas tenham reforçado o apoio da Bancada à PEC, como Erika Kokay (PT-DF), que afirmou que a PEC teria sido “considerada um projeto prioritário da bancada feminina”, sendo apoiada “de forma muito decidida, de forma muito unida”; Rosane Ferreira (PV-PR), que declarou que a bancada havia “fechado” com Benedita, uma vez que entendeu que “99,9% da categoria envolve mulheres, as mulheres mais pobres, muitas mulheres negras, as mulheres mais vulneráveis a todo tipo de violência, e essas mulheres têm que estar protegidas”; e Liliam Sá (PROS-RJ), que alegou que a aprovação da PEC “foi uma grande vitoria da bancada feminina”84. A própria Jô Moraes (PCdoB-MG), presidenta da Bancada na época, confessou que embora todas tivessem, ainda que tacitamente, apoiado a PEC, “uma parte discordava e não tinha coragem de assumir”, tendo em vista a evidente

83 MANO, Maíra Kubík. “Da Suspeição à Suspensão: Reflexões sobre os Caminhos Recentes da Democracia Brasileira sob uma Perspectiva de Gênero”. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 69, n. 01, pp. 34-38, jan./mar. 2017. pp. 35-36. 84 MANO, Maíra Kubík Taveira. Legislar Sobre “Mulheres”: Relações de Poder na Câmara Federal. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) apresentada à Unicamp. Campinas, 2015. p. 255. 146 violação dos direitos trabalhistas, a precariedade da categoria e as pressões da OIT sobre o governo brasileiro85. Esse apoio “silencioso” pode ser visto tanto pela ausência, nas atas de reunião da Bancada, de debates acerca da questão86, quanto pelos poucos discursos das deputadas nos dois turnos de votação na Câmara. Na 54ª legislatura, a Bancada era composta por 44 mulheres, das quais apenas cinco discursaram a favor da aprovação da PEC – coincidentemente ou não, nenhuma das deputadas que confirmaram o apoio da Bancada – e somente três tinham envolvimento na luta pela regulamentação do trabalho doméstico – das quais uma, a deputada federal Marinha Raupp (MDB-RO), autora do PL nº 6.671/2009, nem chegou a discursar. O comportamento dessas legisladoras denuncia a cumplicidade de muitas mulheres – brancas e pertencentes às classes média e alta – ao sistema de dominação vigente, já que reconhecem que a conquista de seus direitos dependeu – e a manutenção de seus privilégios ainda depende – da superexploração das mulheres negras e pobres em geral, e das trabalhadoras domésticas especificamente.

2.6. Desconsideração da PEC

No segundo turno, muitas(os) deputadas(os) federais aproveitaram o tempo de discussão da PEC para comemorar a aprovação do projeto de lei discutido anteriormente e apresentar outros projetos em discussão, ignorando a PEC que deveria ser discutida naquele momento.

Vieira da Cunha: Sr. Presidente, num jantar realizado na semana passada em Porto Alegre, tive a honra de, juntamente com V. Exa., receber o título de sócio honorário da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul. V. Exa., com muita justiça, foi o grande homenageado da noite, porque na Presidência da Casa tem priorizado projetos que trazem estrutura para essa importante instituição de Estado, a Defensoria Pública. Hoje, criando esses 789 cargos de defensor público, tivemos a oportunidade de dar mais um passo para que a Defensoria Pública da União tenha a estrutura necessária para o cumprimento das suas relevantes missões constitucionais. E parabenizo V. Exa., ao mesmo tempo em que reafirmo o nosso compromisso, o compromisso desta Casa [...] de seguir aprovando matérias importantes para que a Defensoria Pública do Brasil e a também dos Estados da Federação tenham a estrutura necessária para atender aqueles

85 Ibidem, p. 257. 86 MANO, supra nota 83, p. 36. 147

que mais precisam, os pobres, a fim de que tenham acesso à justiça e também a uma assistência jurídica qualificada.87

Antônia Lúcia (PSC-AC)88: Sr. Presidente, quero parabenizar V. Exa. por ter aceitado esse projeto tão importante das Defensorias Públicas da União e dos Estados. Tenho certeza de que o Brasil se sente honrado, lisonjeado, porque esta Casa hoje põe em pauta o que a população do nosso País mais reivindica: o acesso à Justiça.89

João Campos (PSDB-GO)90: A Defensoria Pública é um órgão que de fato assegura cidadania às pessoas. Temos 481 defensores públicos no Brasil. Em Goiás, meu Estado, são apenas 10. Esse projeto caminha de fato no sentido de assegurar cidadania às pessoas.91

Rubens Bueno (Cidadania-PR)92: Sr. Presidente, apenas quero registrar que estávamos aqui discutindo outro assunto importante, eu e o Deputado Miro Teixeira. Diante desse projeto que trata da Defensoria Pública, o Brasil inteiro mobilizou-se em busca de justiça, especialmente aqueles que mais precisam de apoio para responder a processo na Justiça. Então, o projeto que beneficia a Defensoria Pública e que foi aprovado agora é algo que chama a atenção da sociedade, e o Parlamento dá uma resposta importante para o País.93

87 BRASIL, supra nota 37, p. 40.581. 88 A então deputada federal – atual deputada federal suplente (PL-AC) – possui graduação em economia e declarou-se parda e proprietária de bens no valor total de R$ 700.000,00. A acreana conseguiu seu primeiro cargo como deputada federal em 2010. Autora de três PLs e cinco PECs, e relatora de cinco PLs, entre 2011 e 2013, sobre temas variados, mas, majoritariamente, política e administração pública, nenhum deles tratou sobre o trabalho doméstico no país. In: CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Antônia Lúcia”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria da Deputada Antônia Lúcia”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pela Deputada Antônia Lúcia”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 89 BRASIL, supra nota 37, p. 40.582. 90 O então e atual deputado federal (Republicanos-GO) possui graduação em direito e declarou-se branco, político de carreira e proprietário de bens no valor total de R$ 5 milhões. O tocantinense iniciou sua carreira política em 2002, quando se filiou ao PSDB e assumiu seu primeiro cargo como deputado federal, sendo reeleito em 2006 e 2010. Autor de 61 PLs e doze PECs, e relator de, respectivamente, 92 e nove, entre 1999 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, direitos humanos e segurança, nenhum deles tratou sobre o trabalho doméstico no país. In: CPDOC. “João Campos de Araújo”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2009; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado João Campos”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado João Campos”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 91 BRASIL, supra nota 37, p. 40.582. 92 O então e atual deputado federal possui graduação em letras e declarou-se branco e proprietário de bens no valor total de R$ 5 milhões. O paranaense iniciou sua carreira política na década de 1970, como militante do MDB e secretário parlamentar do então deputado federal Álvaro Dias (MDB-PR), sendo eleito deputado estadual em 1989. Bueno assumiu seu primeiro cargo como deputado federal, pelo PSDB, em 1990, sendo reeleito em 1998, então pelo PTB, e em 2010, pelo Cidadania. Autor de 203 PLs e onze PECs, e relator de, respectivamente, 23 e três, entre 1991 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, política e administração pública, nenhum deles tratou sobre o trabalho doméstico no país. In: CPDOC. “Rubens Bueno”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2013; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Rubens Bueno”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Rubens Bueno”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 93 BRASIL, supra nota 37, pp. 40.582-40.583. 148

Ivan Valente (PSOL-SP)94: Sr. Presidente, registro dois pontos; primeiro, o apoio do PSOL ao projeto que cria cargos na Defensoria Pública da União. É a defesa da cidadania que está em jogo. Parabéns aos defensores públicos. [...] E queremos também pedir que se considere lido, Sr. Presidente, pronunciamento com o título “Indiciados na Operação Porto Seguro devem explicações ao Congresso”, no qual nós comunicamos que várias pessoas estão sendo chamadas para depor na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara, gente das agências reguladoras, como a Sra. Rose Noronha e outras pessoas.95

Lincoln Portela (PL-MG)96: Sr. Presidente, eu gostaria, por favor, de 1 minuto da sua atenção, porque quero dirigir-me especialmente a V. Exa., primeiro para parabenizá-lo por tantas matérias relativas à segurança pública que V. Exa. colocou nesta Casa nestes 2 anos de mandato. V. Exa., em momentos de crise, em momentos de conflito, soube muito bem mediar e priorizar esses projetos, relativos ao Ministério Público, à Magistratura, à Defensoria Pública e à segurança pública propriamente dita. Sr. Presidente, no mês de fevereiro eu apresentei um pedido a V. Exa. no sentido de que fizéssemos uma Comissão Geral para discutirmos os assuntos de segurança pública aqui nesta Casa. E para que V. Exa. tenha uma noção, só por ter pedido isso aqui eu já recebi respostas da Polícia Militar do Rio Grande do Sul, da Polícia Militar da Bahia, da Polícia Federal da Bahia, da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e de muitas outras instituições policiais de todo o Brasil. [...]97

Cláudio Puty (PT-PA)98: Presidente, só quero aplaudir a aprovação do projeto que cria os cargos na Defensoria Pública da União. Eu fui o Relator

94 O então e atual deputado federal possui graduação em matemática e engenharia e declarou-se branco, político de carreira e proprietário de bens no valor total de R$ 700.000,00. O paulistano iniciou sua carreira política em 1981, quando se filiou ao PT e tornou-se membro do diretório municipal de São Paulo, sendo eleito deputado estadual em 1986. Valente assumiu seu primeiro cargo como deputado federal em 1994, sendo reeleito em 2002 e, pelo PSOL, em 2006 e 2010. Autor de 71 PLs e seis PECs, e relator de 33 PLs, entre 1994 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, política e administração pública, nenhum deles tratou sobre o trabalho doméstico no país. In: CPDOC. “Ivan Valente”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2014; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Ivan Valente”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Ivan Valente”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 95 BRASIL, supra nota 37, p. 40.583. 96 O então e atual deputado federal possui graduação em teologia e declarou-se branco, político de carreira e proprietário de bens no valor total de R$ 5 milhões. O mineiro iniciou sua carreira política em 1993, quando se filiou ao PST, assumindo seu primeiro cargo como deputado federal em 1998, sendo reeleito em 2002, 2006 e, pelo PL, em 2010. Autor de 178 PLs e duas PECs, e relator de, respectivamente, 67 e seis, entre 1990 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, segurança, nenhum deles tratou sobre o trabalho doméstico no país. In: CPDOC. “Lincoln Diniz Portela”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2014; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Lincoln Portela”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Lincoln Portela”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 97 BRASIL, supra nota 37, p. 40.584. 98 O então deputado federal – que trabalha atualmente como professor associado da Universidade Federal do Pará –, possui graduação em economia e declarou-se branco e proprietário de bens no valor total de R$ 2 milhões. O paraense iniciou sua carreira política na década de 1990, quando se filiou ao PT, assumindo seu primeiro cargo como deputado federal em 2010. Autor de oito PLs e uma PEC, e relator de 66 PLs, entre 1994 e 149

desse projeto na Comissão de Finanças e Tributação e reputo-o de fundamental importância, porque nós precisamos defender a advocacia do povo. A Defensoria tem tido um papel fundamental. Isso, em conjunto com as mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal, aqui aprovadas também, fortalece o Sistema Nacional de Justiça.99

Luiza Erundina (PSB-SP)100: Sr. Presidente, eu queria registrar, sobre a votação da Medida Provisória nº 575, que eu sou contrária à emenda do Senado Federal, porque ela penaliza de forma insuportável o segmento das rádios comunitárias, que têm sido perseguidas, inviabilizando-se a sua atuação com um raio de potência muito limitada. A emenda aprovada pela Câmara beneficia milhares de rádios comunitárias. Com a aprovação da emenda do Senado, que, evidentemente, acontece em detrimento do interesse das rádios comunitárias, a nossa emenda ficou novamente prejudicada.101

Tais posicionamentos demonstram uma total falta de respeito à luta de tantas trabalhadoras para que tal PEC fosse aprovada, bem como reforçam a existência de um acordo prévio entre as(os) parlamentares que tornou a discussão em Plenário, especialmente em segundo torno, desnecessária.

3 O SILÊNCIO MATADOR

Como previamente indicado, meses antes da discussão e votação da PEC na Câmara dos Deputados, haviam sido realizadas cinco audiências públicas, as quais contaram com a participação de importantes representantes das trabalhadoras domésticas, como Creuza Maria Oliveira (presidenta da FENATRAD), Cleusa Aparecida da Silva (também integrante da FENATRAD e representante da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras)

2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, política e administração pública, nenhum deles tratou sobre o trabalho doméstico no país. In: CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Cláudio Puty”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Cláudio Puty”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Cláudio Puty”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 99 BRASIL, supra nota 37, p. 40.584. 100 A então e atual deputada federal (PSOL-SP) possui graduação em serviço social e declarou-se branca e proprietária de bens no valor total de R$ 5 milhões. A paraibana iniciou sua carreira política em 1980, quando, a convite de Lula, ajudou a fundar o PT, sendo eleita vereadora de São Paulo pelo partido em 1982. Após duas décadas no PT, durante as quais foi eleita deputada estadual e prefeita da cidade de São Paulo, e ministra-chefe da Secretaria da Administração Federal do presidente Itamar Franco (PTC-MG), Erundina conseguiu seu primeiro cargo como deputada federal em 1998, pelo PSB, sendo continuamente reeleita. Autora de 46 PLs e dez PECs, e relatora de 41 PLs, entre 1997 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, política e administração pública e direitos humanos, nenhum deles tratou sobre o trabalho doméstico no país. In: CPDOC. “Luísa Erundina de Sousa”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2015; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria da Deputada Luiza Erundina”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d.; CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pela Deputada Luiza Erundina”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 101 BRASIL, supra nota 37, pp. 40.584-40.585. 150 e Hamilton Rovani Neves (assessor jurídico da FENATRAD e advogado do Sindicato de Campinas), bem como diversas(os) aliadas(os), como Ângela Maria de Lima Nascimento (Diretora de Programas da SEPPIR), Cláudia Rejane de Barros Prates (representante do CNDM), Cleonice Caetano Souza (representante do INSPIR), Comba Marques Porto (juíza do trabalho aposentada), Eleuza de Cássia Buffeli Macari (Secretária de Mulheres da UGT), Hildete Pereira de Melo, Joaze Bernardino-Costa, Maria Auxiliadora (representante da Força Sindical), Natália Mori Cruz (diretora do CEFEMEA), Rebecca Tavares (diretora regional da ONU Mulheres Brasil e Cone Sul), Rosane Silva (Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT) e Tatau Godinho (Subsecretária de Planejamento da SPM). Nessas audiências, foram levantados vários temas caros para os sindicatos e as associações de trabalhadoras domésticas, os quais revelavam a marginalização estrutural que marca o trabalho doméstico no Brasil e, portanto, deveriam ser abarcados pela PEC. Grande parte deles, entretanto, foi patentemente ignorada pelas(os) legisladoras(es), não sendo absorvida pela PEC, discutida em plenária e nem inspirado futuros projetos de lei. Essa desconsideração evidencia a existência de um claro limite às concessões que seriam feitas às trabalhadoras domésticas com a aprovação da PEC: seriam ampliados alguns de seus direitos, mas somente aqueles que não pudessem gerar significativas transformações das condições de vida da categoria e, consequentemente, alteração do status quo.

3.1. O Não Reconhecimento das Diaristas como Trabalhadoras Domésticas

Um dos principais pleitos das(os) representantes de sindicatos e associações até a aprovação da PEC foi o reconhecimento das diaristas como trabalhadoras domésticas, com a admissão de que elas representam uma extensão do emprego doméstico decorrente do processo histórico de desregulamentação e informalização do mercado de trabalho. Essas mulheres, tendo em vista que trabalham em vários domicílios em uma semana, no máximo duas vezes por semana em cada um deles, já eram classificadas pela Justiça do Trabalho como trabalhadoras autônomas ou eventuais, não sendo cobertas, portanto, pelos direitos trabalhistas previstos no artigo 7º da Constituição Federal de 1988102. Nas palavras de Creuza Maria Oliveira:

Gente, o número de diaristas está aumentando, mas a trabalhadora não está fazendo essa opção simplesmente porque é maravilhosa. Não é. Só nós que vivemos é que sabemos. Eu já trabalhei como diarista. Para mim, não era fácil ir a uma casa e

102 NASCIMENTO, Manoel Veras. “Diarista: Empregado, Eventual ou Autônomo? O Dilema Permanente da Justiça do Trabalho”. Revista de Direito UPIS, Brasília, n. 07, n., pp. 21-41, 2009. 151

fazer o trabalho de 1 semana toda em 1 dia; no outro dia, ir para outra casa e fazer o trabalho de 1 semana toda. Eu saía quebrada. Às vezes, não conseguia nem andar direito, porque tinha que subir escada para limpar vidraça, porque tinha que lavar chão, lavar pratos acumulados da semana toda, lavar roupa. E, quando saía, estava quebrada de tanto lavar e passar. E muitas pessoas ainda exigem que se faça a comida para deixar pronta. É claro para a sociedade: “Eu quero ter uma casa limpa, mas não quero assinar carteira. Quero que a trabalhadora continue prestando serviços para mim, mas sem nenhuma responsabilidade de assinar carteira, de pagar Previdência, nada”. É bem cômodo, sim. Mas, para a trabalhadora, que hoje está aqui, amanhã está em outro lugar... Quer dizer, a questão da diarista é mais de precariedade. Eu nem chamo de diarista. Eu digo que é trabalhadora doméstica que trabalha proporcionalmente, 1 dia ou 2 dias. Inventaram esse nome “diarista” para dizer que não é doméstica, mas a pessoa que trabalha proporcionalmente, 1 dia, 2 dias, 3 dias, é trabalhadora doméstica. A diferença é que uma trabalha só em uma residência e outra trabalha em várias. Essa que trabalha em várias residências fica “precarizada”, em situação pior do que a da que trabalha em uma casa só – até para reclamar na Justiça ela tem dificuldade. E o que acontece? Essa mulher trabalha mais do que qualquer trabalhador. Outra coisa: essa mulher muitas vezes vai trabalhar proporcionalmente por causa das políticas públicas. Falta creche, falta escola em tempo integral para que ela deixe os filhos dela. Então, quando dão a opção, ela aceita. Às vezes, a patroa para a qual ela trabalha a semana toda diz: “Olha, a partir da próxima semana você só vem 2 dias”. E não foi ela que fez a opção. Foi a patroa que dispensou e disse que a partir daquele dia ela só ia trabalhar 2 ou 3 dias na semana. E ela, para não ficar desempregada, aceita, porque tem filho. A grande maioria é chefe de família, mãe sozinha, que mantém os seus filhos e precisa trabalhar. Então aceita. Outras aceitam porque não têm com quem deixar os seus filhos. Elas dizem: “Bem, num dia eu trabalho, no outro dia já estou em casa cuidando da criança, porque não existe creche”. [...] Então, é importante falar da questão da diarista, sem achar que é uma solução para as classes que não querem mais assinar carteira. Outro problema: a lei deve ser para quem trabalha a partir de três vezes na semana. Gente, pelo amor de Deus! Quer dizer, só quem trabalha a partir de 3 dias na semana é que vai ter vínculo? Aí perguntamos: o professor que dá aula em várias escolas – de manhã, ele dá aula numa escola; à tarde, em outra; à noite, em outra; às vezes, ele dá aula 2 dias numa escola e 2 dias em outra - não tem vínculo? Será que esse professor não tem vínculo? E o médico que faz atendimento em vários postos e ainda t em uma clínica particular, que trabalha nos hospitais públicos 2 dias, 1 dia da semana, também não tem vínculo? Por que querem diferenciar uma trabalhadora doméstica, dizendo que não tem vínculo porque trabalha 1 dia, ou 2 dias, ou 3 dias? É querer “precarizar”, a cada dia mais, essa trabalhadora. E, se acontecer de só ter direito se trabalhar no mínimo 3 dias da semana , D. Teresa vai botar uma pessoa na segunda-feira e na terça-feira; na quarta-feira e na quinta-feira, ela vai botar outra; e, na sexta-feira e no sábado, ela vai botar outra. Ela vai ter, a semana toda, uma pessoa trabalhando na sua casa, sem nenhum problema, sem nenhum vínculo. Então, é preciso que a sociedade acorde para isso. Nós estamos falando em empoderamento das mulheres, nós estamos falando em equiparação de direito, em igualdade. Não se pode, de jeito nenhum, criar legislação parcial: “Vamos aprovar isso, mas aquilo, não”. Vai continuar o que era antes, diferenciando.103

103 CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Audiência Pública nº 1.589/2011”. Câmara dos Deputados, Brasília, 05 out. 2011. 152

Incluir as diaristas na categoria de trabalhadoras domésticas – isto é, alterar o conceito aprovado por meio da LC nº 150/2015, estabelecendo como “empregado doméstico [...] aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas”, sem estabelecer prazo mínimo de dias por semana – significaria garantir uma conquista de direitos muito mais ampla para a categoria. Isto pois, conforme o próprio presidente da Comissão Especial revelou, as(os) parlamentares já contavam com a opção de muitas(os) empregadoras(es) de contratar diaristas e continuar não cumprindo com seus deveres de regularização dessas trabalhadoras:

Marçal Filho: Acreditamos, porém, que haverá uma adaptação da sociedade, como já aconteceu em outros países. Aquelas pessoas que não puderem pagar uma empregada doméstica no seu cotidiano, no seu dia a dia, vão fazer na forma de diarista. Não interessa, não importa.104

Com a garantia de uma extensão dos direitos da categoria, os(as) deputadas(os) federais precisavam continuar garantindo uma brecha para que as(os) empregadoras(es) não fossem “prejudicadas(os)”. Sendo assim, a manutenção das diaristas como trabalhadoras domésticas “autônomas” ou “avulsas”, sem acesso aos direitos constitucionais e trabalhistas estendidos ao restante da classe105, supriria a demanda sem aumentar os encargos patronais. Não surpreendentemente, desde 2014, tem havido um aumento contínuo da presença dessas trabalhadoras no mercado de trabalho nacional, resultado de uma série de fatores, como a atual crise econômica brasileira, a busca por melhores salários ou condições de trabalho pelas trabalhadoras e a necessidade de adequação de seus orçamentos domésticos pelas(os) empregadoras(es), além dos destacados por Creuza. Em 2018, as diaristas já respondiam por 44% das trabalhadoras domésticas, o que equivale a 2,5 milhões de mulheres, que, em geral, têm jornada de trabalho mais curta, porém mais intensa, maior dificuldade em garantir sua proteção social – apenas 9% delas têm sua carteira de trabalho assinada por suas(eus) empregadoras(es) – e recebem salários mais baixos – seus rendimentos médios mensais são quase 25% inferiores aos das mensalistas106.

104 BRASIL, supra nota 15, p. 38.303. 105 Ver: FRAGA, Alexandre Barbosa. De Empregada a Diarista: As Novas Configurações do Trabalho Doméstico Remunerado. Dissertação (Mestrado em Sociologia) apresentada à UFRJ. Rio de Janeiro, 2010. 106 Ver: PINHEIRO, Luana; LIRA, Fernanda; REZENDE, Marcela; FONTOURA, Natália. “Os Desafios do Passado no Trabalho Doméstico do Século XXI: Reflexões para o Caso Brasileiro a partir dos Dados da PNAD Contínua”. Textos para Discussão IPEA, Brasília, n. 2528, nov. 2019. 153

Vale ressaltar que há dois projetos de lei em tramitação há anos sobre o tema, mas ambos encontram-se paralisados: o primeiro é o PLS nº 7.279/2010, da senadora Serys Slhessarenko (PT/MT), e o segundo é o PL nº 7.242/2014, do deputado federal Alceu Moreira (MDB/RS). Ambos são rechaçados pelos sindicatos e associações das trabalhadoras domésticas, já que possuem o mesmo objetivo de definir o trabalho das diaristas como emprego sem vínculo trabalhista, havendo a isenção total da assinatura, pelas(os) empregadoras(es), da carteira de trabalho dessas trabalhadoras, o que acarretará na manutenção da fragilidade e informalização do trabalho dessas mulheres, a quem nenhum político quer assinar a “carta de alforria”. 154

ENTRE BENÉS E MESSIAS:

APOIO E RESISTÊNCIA NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Não é demagogia estar aqui. É algo da pele, do coração e das veias, e da luta. Estar aqui significa que todas nós e todos nós, trabalhadores domésticos, podemos, dentro do entendimento, fazer com que todos, mas todos os setores – governo, Congresso Nacional, Federação e outras organizações de trabalhadoras e trabalhadores – possam estar conosco nesta grande batalha.

― Benedita da Silva (SESSÃO SOLENE EM HOMENAGEM AO DIA NACIONAL DA EMPREGADA DOMÉSTICA, 2014)

155

Além das(os) deputadas(os) federais cujos discursos já foram analisados, duas(ois) parlamentares merecem destaque especial e estudo mais pormenorizado de suas falas1, tendo em vista seus papeis fundamentais, ainda que opostos, na discussão da PEC das Domésticas na Câmara dos Deputados: enquanto Benedita da Silva atuou como principal aliada política das trabalhadoras domésticas, Jair Bolsonaro manifestou-se repetidamente contra a extensão de direitos à categoria.

1 A EX-EMPREGADA QUE VIROU POLÍTICA: BENEDITA DA SILVA E A LUTA PELAS

TRABALHADORAS DOMÉSTICAS

Além de ser a Relatora da Comissão Especial, Benedita da Silva foi a maior apoiadora e defensora da PEC das Domésticas em todo o Poder Legislativo, tendo dedicado toda a sua vida política a auxiliar a batalha da categoria por direitos. Assim sendo, muitos de seus posicionamentos diferiram-se dos discursos proferidos pelas(os) demais parlamentares, contestando várias de suas afirmações e suposto apoio às trabalhadoras domésticas.

1.1. O Perfil da Deputada: Orgulho de ter sido Trabalhadora Doméstica

A então e atual deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), que foi a relatora da PEC nº 478/2010, é filha de uma lavadeira e de um pedreiro, nasceu em 11 de março de 1943, na extinta favela da Praia do Pinto da cidade do Rio de Janeiro, e mudou-se, com poucos meses de vida, para a favela situada no morro de Chapéu Mangueira, também na Zona Sul carioca2. Seus pais incentivaram Bené e suas(eus) irmãs(ãos) estudarem, mas os estudos deviam ser conciliados com o trabalho – em suas palavras, trabalhou “desde os 7 anos, vendendo bala, amendoim, limão, engraxando sapato, fazendo carreto na feira. Mas, bem antes disto, já ajudava em casa, carregando água e fazendo outros serviços”3. Eventualmente, Benedita abandonou os estudos, retomando-os – sozinha, de madrugada, com apostilas emprestadas – décadas depois, com o apoio do primeiro marido e das(os) filhas(os). Em 1975, a fluminense tornou-se servidora pública do Departamento de Trânsito do Estado; quatro anos depois, ela fez um curso de auxiliar de enfermagem e foi contratada pelo hospital Miguel Couto; e, em 1984, formou-se pela Faculdade de Serviço Social do Rio de Janeiro. Antes disso, entretanto, Bené atuou como trabalhadora doméstica,

1 Todos os destaques nos discursos são de minha autoria. 2 MENDONÇA, Maisa; BENJAMIN, Medea. BeneDita. Rio de Janeiro: Mauad, 1997. p. 22. 3 Ibidem, p. 25. 156 vendedora ambulante, camelô, operária em uma fábrica de cintos e servente em uma escola4. Sobre seus anos como trabalhadora doméstica, ela revelou:

Eu sabia fazer bem o trabalho de doméstica, mas naquele tempo as relações eram mais difíceis. Esse contrato de trabalho sempre foi feito de mulher para mulher e representa poder para a dona de casa de família rica ou de classe média, porque ela pode dizer ao marido que a empregada trabalha bem ou não... a decisão é dela. Minhas reivindicações como empregada doméstica sempre foram colocadas em segundo plano pelos patrões. Meus patrões diziam que eu fazia parte da família, o que mostra o tipo de visão colonialista que existe até hoje. Quando era solteira, cheguei a dormir no trabalho e só ia para casa de quinze em quinze dias. Apesar disso, nunca perdi o vínculo com a minha casa. Depois que me casei, nunca mais dormi em casa de patrão, porque, se ficasse para dormir, não tinha limite, trabalhava dia e noite. Também nunca levei meus filhos para a casa dos meus patrões, porque sempre tive muita consciência e não queira que eles acabassem trabalhando também, sem receber remuneração. Desde pequenos, eles tinham que ficar em casa sozinhos. E eu ficava preocupadíssima, imaginando o que lhes estaria acontecendo. Aquele era um trabalho muito difícil. Às vezes, os patrões diziam que haviam se esquecido de passar no banco e não me pagavam. Voltava para casa com um pedaço de pão duto para as crianças e fazia sopa de pão. Um dia, a patroa chegou em casa e me encontrou conversando com a minha irmã. Ela tinha ido me pedir ajuda, porque meu cunhado havia morrido. A patroa entrou na cozinha naquele momento e nem procurou saber o que tinha acontecido; foi logo dizendo: “Não gosto que fiquem de conversa!”. Naquele mesmo dia, limpei toda a casa, fui embora e nunca mais voltei. Tudo isso ainda me vem à memória. Uma vez, estava jantando com uma embaixatriz e percebi que ela comentou: “Olha como ela sabe comer com elegância!”. E pensei: “Mas é claro, eu aprendi com eles!”. Passei muito tempo servindo os ricos. Era eu quem arrumava a mesa, quem fazia a comida, quem limpava. Só não me sentava à mesa. Agora, a diferença é que arrumo a minha própria cada e tenho meus próprios talheres. Mas já tive que comer com a mão muitas vezes.5

Benedita frequentava a Associação de Moradores do Morro do Chapéu Mangueira desde seus 12 anos de idade, tornando-se secretária da associação em 1958 e, duas décadas depois, sua presidenta6. No mesmo período, a fluminense se envolveu com movimentos de mulheres e participou quatro vezes da direção da Federação das Favelas do Rio de Janeiro (FAFERJ), fundando seu departamento feminino e o Centro de Mulheres de Favelas e Periferia (CEMUF)7. Tais associações, que tinham, inicialmente, apenas fins assistenciais, acabaram se politizando durante a Ditadura Militar, trabalhando com políticos do MDB alinhados ao governador Chagas Freitas. Em 1980, Bené participou da fundação do PT e, no ano seguinte, lançou sua campanha eleitoral – de sucesso – para vereadora do Rio de Janeiro com o slogan “negra, mulher e

4 Ibidem, p. 35. 5 Ibidem, pp. 34-35. 6 RIOS, Flavia Mateus. Elite Política Negra no Brasil: Relação entre Movimento Social, Partidos Políticos e Estado. Tese (Doutorado em Sociologia) apresentada à USP. São Paulo, 2014. p. 100. 7 CPDOC. “Benedita Sousa da Silva”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2009. 157 favelada”8, “com o qual afirmava suas origens populares e levantava a bandeira de luta contra as discriminações racial, de gênero e social”9. Benedita assumiu seu primeiro cargo como deputada federal em 1986, tomando posse quando foram abertos os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, na qual assumiu a titularidade da Subcomissão de Negros, Populações Indígenas e Minorias, e a suplência da Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações Internacionais, da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, participando da elaboração de diversos artigos da nova Constituição, como os relativos à demarcação das terras indígenas (arts. 231 e 232), à regulamentação da propriedade da terra nas comunidades remanescentes de quilombos (art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) e aos direitos trabalhistas das trabalhadoras domésticas (parágrafo único do art. 7º)10. Sobres estes:

[...] é árduo para nós chegarmos aqui agora, no Congresso Nacional, e saber que estamos, anos a fio, neste Congresso com projeto que pudesse atingir à sensibilidade daqueles que nos antecederam, que têm em suas casas as empregadas mais dedicadas, que têm em seu lar a esposa mais dedicada, a sua filha mais dedicada, não foram sensíveis no momento em que estávamos pedindo o reconhecimento da profissionalização das empregadas domésticas com todos os direitos que nós temos. Não tivemos resposta até então. [...] Nós estamos aproveitando o momento constitucional, porque temos, agora, a plena convicção de que, se não for agora, não o será jamais e aí, esta Subcomissão tem a responsabilidade de fazer valer o nosso direito.11

Em 1990, a fluminense reelegeu-se deputada federal. Nesse mandato, ela participou da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente; requereu a instituição de uma Comissão Parlamentar de Inquerito (CPI) para investigar o extermínio de crianças e adolescentes (PRC nº 14/1991); requereu e presidiu a “CPI da Esterilização” (PRC nº 35/1991), uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) criada para investigar a incidência da esterilização em massa de mulheres no país – cujo relatório foi aprovado em fevereiro de 1993 –; foi vice- presidente da CPI destinada a apurar responsabilidades pela exploração e prostituição infanto- juvenil (PRC nº 152/1993); e relatora da Comissão de Seguridade Social e Família, concedendo parecer favorável ao PL nº 514/1991, transformado na Lei nº 8.242/1991, que criou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente12.

8 Ver: SCOTTO, Maria Gabriela. Representação e Apresentação: Uma Análise da Campanha de Benedita da Silva para a Prefeitura do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) apresentado à UFRJ. Rio de Janeiro, 1994. 9 CPDOC, supra nota 7. 10 Ibidem. 11 BRASIL. Diário da Assembléia Nacional Constituinte. Ano I, suplemento ao n. 25, quinta-feira, 16 de Julho de 1987. Brasília: Assembléia Nacional Constituinte, 1987. p. 117. 12 Ibidem. 158

Em 1994, Benedita foi eleita Senadora Federal – a primeira amefricana a fazê-lo no Brasil –, período em que defendeu a reserva de cotas raciais em cursos de ensino superior e na mídia televisiva, integrou a delegação brasileira que participou da IV Conferência Mundial da Mulher, realizada em Pequim, na China, e participou da votação e aprovação de seu próprio PL nº 1626/1989, que visava regulamentar o trabalho doméstico e estender, à categoria, benefícios trabalhistas como o FGTS, o seguro-desemprego e o vale-transporte13. Quatro anos depois, a fluminense tornou-se vice-governadora do Rio de Janeiro, ao lado do titular Anthony Garotinho, e, em 2002, após a renuncia deste para concorrer à presidência da República pelo PSB, assumiu o governo do estado, enfrentando oposição de seu próprio diretório estadual, “graves problemas financeiros na administração estadual e uma séria crise na área de segurança pública”14. Em 2003, Bené tomou posse da Secretaria Especial da Assistência e Promoção Social, com status ministerial – sendo demitida no ano seguinte, quando a Secretaria e o Ministério de Segurança Alimentar e Combate à Fome foram incorporados ao recém-criado Ministério do Desenvolvimento Social –, e, em 2007, da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro. Três anos depois, Benedita foi novamente eleita deputada federal, cargo que ocupa até hoje15. Autora de 72 PLs e uma PEC16, e relatora de, respectivamente, 46 e uma17, entre 1987 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, política e administração pública e direitos humanos, quatro deles trataram sobre o trabalho doméstico no país. Além da PEC nº 478/2010, da qual foi relatora, e do PL nº 1626/1989, do qual foi autora – ambos previamente citados –, Benedita apresentou mais dois PLs: um, em 1988, nos mesmos termos do posterior18, e outro, em 1991, que visava estender o seguro-desemprego às trabalhadoras domésticas19.

13 Apesar de aprovado pelo Senado e devolvido à Câmara, a discussão do PL foi continuamente postergada, sendo revivida, após sete anos, pelo Requerimento nº 370/07 da deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), mas, após anos sem apreciação, foi retirada da pauta em 2009. Ver: CÂMARA DOS DEPUTADOS. “PL 1626/1989”. Câmara dos Deputados, Brasília, 1989. 14 CPDOC, supra nota 7. 15 Ibidem. 16 CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria da Deputada Benedita da Silva”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 17 CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pela Deputada Benedita da Silva”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 18 O qual foi arquivado pela Cãmara, em abril de 1989, com base no art. 105 do RICD. Ver: CÂMARA DOS DEPUTADOS. “PL 748/1988”. Câmara dos Deputados, Brasília, 2005. 19 O qual também foi arquivado pela Cãmara, em março de 1995, com base no art. 105 do RICD. Ver: CÂMARA DOS DEPUTADOS. “PL 232/1991”. Câmara dos Deputados, Brasília, 2005. 159

1.2. De Empregada à Empregadora

Diferentemente das(os) parlamentares anteriormente mencionadas(os), a deputada identifica quem são as trabalhadoras domésticas, qual a sua raça, onde moram, de onde veem, e a qual classe pertencem.

O trabalho doméstico apresenta muitas desigualdades de gênero e de raça, e isso é comprovado segundo os dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios, do IBGE. Em 2008, a categoria das trabalhadoras domésticas representava 15,8% do total da ocupação feminina, o que correspondia em termos numéricos, a 7,2 milhões de pessoas. Apenas 26,8% da categoria tem carteira assinada. Entre aquelas que têm carteira assinada, as mulheres negras são a maioria, 59,2%. Os baixos rendimentos também são uma característica desta ocupação. Entre as trabalhadoras com carteira assinada, o rendimento médio mensal era de R$ 523,50, ao passo que entre aquelas sem carteira, esta média caia para R$ 303,00 e as trabalhadoras negras recebiam em média apenas R$ 280,00.20

A maioria dos empregados domésticos são mulheres que vieram [...] da roça. São as nossas caipiras que vieram para as grandes cidades – como ocorreu com meus pais – para trabalhar, pois lá onde moravam não havia o que plantar, não tinham como sobreviver. Foram morar na favela.21

Ademais, Bené apresenta-se como empregadora doméstica, reconhecendo os privilégios de tal posição, bem como suas obrigações.

Tenho experiência como empregada e como empregadora, e entendo que, realmente, se trata de uma relação diferenciada, e não se pode substituí-la pela não garantia de direitos. É importante para nós que esse seja um trabalho prestado com qualidade, e no momento em que não quisermos mais essa prestação de serviços possamos dizer isso claramente ao empregado. Ele teria então o seu aviso prévio para buscar um outro emprego. Da mesma forma deverá o empregado agir, dando tempo para que o patrão busque uma outra pessoa para a ocupação.22

Concluo dizendo que eu sou uma excelente profissional na área doméstica e pago dentro do direito à trabalhadora que me ajuda, que está na minha casa, mas eu sou aquela que tem que fazer muito bem, por isso eu tenho que

20 BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXVI, n. 69, quinta-feira, 28 de Abril de 2011. Brasília: Câmara dos Deputados, 2011. p. 19.931. 21 BRASIL. Diário do Senado Federal. Ano LI, n. 144, quarta-feira, 07 de Agosto de 1996. Brasília: Senado Federal, 1996. p. 13.553. 22 Ibidem, p. 13.551. 160

pagar também todos os direitos, porque, como eu sei fazer, também não vou querer qualquer coisa.23

O reconhecimento, por Benedita, de sua posição na sociedade e das classes a qual pertence e representa, a distancia drasticamente das(os) demais legisladoras(es), seja por seu genuíno apoio às trabalhadoras domésticas, seja pela não utilização da discussão e da aprovação da PEC meramente em beneficio – pessoal e/ou político – próprio, seja por realmente poder ser considerada uma das representantes políticas da categoria e, consequentemente, relembrada como figura fundamental na conquista de seus direitos.

1.3. Domésticas na Constituinte: Vitórias e Derrotas

Em todos os seus discursos, Bené sempre relembra a dificuldade enfrentada pelas trabalhadoras domésticas – apoiadas e representadas por seus sindicatos, associações, e aliadas(os) – na Assembleia Constituinte frente a oposição das(os) deputadas(os) federais à ampliação dos direitos da categoria.

Mesmo representando tamanha força de trabalho, o reconhecimento da profissão, pela Constituição, somente foi alcançado com muita luta para vencer o preconceito que até hoje impera em nossa sociedade, quando se fala dos direitos dessa categoria.24

[...] quando esse texto altamente discriminatório do parágrafo único do art. 7º foi para as páginas da Constituição, naquele momento, naquela conjuntura, foi o maior avanço que a categoria obteve. Primeiro, foi reconhecido que existe uma categoria de trabalhadoras domésticas; segundo, não foi fácil colocar aqueles direitos.25

Desde a Constituinte que nós identificamos o trabalho escravo e que nós precisaríamos ter leis que pudessem combater o trabalho escravo. Desde a Constituinte que nós estamos querendo apenas que as trabalhadoras domésticas tenham os mesmos direitos dos demais trabalhadores. Mas quem conhece esta Casa sabe que foi extremamente difícil colocar alguma referência além disso que está na Constituição e ainda como uma nódoa – colocada muito bem pela Hildete [Pereira de Melo] –, mas – eu posso estar, aqui, cometendo uma blasfêmia – foi uma nódoa necessária para manter viva

23 CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Audiência Pública nº 603/2012”. Câmara dos Deputados, Brasília, 16 mai. 2012. 24 BRASIL, supra nota 21, p. 13.531. 25 CÂMARA DOS DEPUTADOS, supra nota 23. 161

a chama e também dar uma resposta a este grande movimento nacional das trabalhadoras domésticas e de nós, mulheres negras [...].26

Na Assembleia Nacional Constituinte, quando tivemos a oportunidade de introduzir esse dispositivo, não foi uma tarefa fácil. Para que esse dispositivo pudesse estar na nossa Constituição, houve uma articulação com uma força e pressão da sociedade civil e das trabalhadoras. É importante dizer que os movimentos sociais foram integrados por trabalhadores e por trabalhadoras, em um momento histórico para o reconhecimento da categoria. Era o máximo que nós buscávamos, dada a correlação de forças daquele momento. Era o máximo: o reconhecimento de uma categoria! Mesmo existindo as nossas centrais sindicais, mesmo existindo toda a luta dos trabalhadores, e nós enquanto lideranças, nos nossos sindicatos, essa questão da trabalhadora doméstica não estava na pauta da Constituinte. Foi uma conquista. E essa conquista foi o suficiente para fazermos um debate que, na minha concepção, depois de 23 anos, pensei que já estivesse superado, porque, naquela época – para que não se votasse apenas um artigo –, era minha proposta as trabalhadoras domésticas terem os mesmos direitos que os demais trabalhadores. Era um artigo somente, e não conseguimos. E tivemos que pulverizar uma série de direitos para que nós pudéssemos manter o debate, reconhecer os direitos das trabalhadoras domésticas e dar continuidade a um processo de ampliação desses direitos, com base em projetos de lei, regulamentando, evidentemente, não apenas esse artigo, mas a Constituição como um todo, no que se refere aos direitos dos trabalhadores, tornando-os possíveis, à medida que colocávamos o ato tremendo que era a discriminação.27

Naquela época, queríamos que fosse colocado um artigo: “Aos empregados domésticos, os mesmos direitos dos demais empregados”. Todavia, não conseguimos, dada a dificuldade das relações diferenciadas, da cultura introjetada em nós, das nossas relações. A sensação que tínhamos era de perda total, tanto do ponto de vista financeiro, quanto da relação sentimental e da prestação de serviço.28

Benedita destaca o preconceito das(os) deputadas(os) federais – as(os) quais eram empregadoras(es) domésticas – com as tarefas realizadas por essas profissionais e sua posição social, política e econômica, a qual, com base no status quo, as colocava como inferiores e dependentes de caridade, assim como as escravas domésticas, pouco mais de um século antes, eram vistas pelas(os) suas(eus) proprietárias(os).

26 CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Audiência Pública”. Câmara dos Deputados, Brasília, 19 out. 2011. 27 CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Audiência Pública nº 1.589/2011”. Câmara dos Deputados, Brasília, 05 out. 2011. 28 BRASIL, supra nota 21, p. 13.551. 162

1.4. A Oposição que Busca se Fazer Invisível

Ainda sobre a Constituinte, a deputada revelou que as(os) legisladoras(es) claramente viam-se como patroas(ões) que seriam prejudicadas(os), assim como, décadas antes, aconteceu com as(os) proprietárias(os) de escravos.

A verdade é que, na Constituinte, não conseguimos garantir mais direitos para as trabalhadoras domésticas porque aqui estavam os patrões, com visão totalmente diferenciada. Se o Congresso Nacional tivesse o hábito de pagar às suas empregadas, é lógico que o patrão iria votar naquele momento. [...]29

Desse modo, Bené reconheceu que, bem como naqueles períodos, as(os) parlamentares que ocupavam a Câmara dos Deputados quando da proposição e discussão da PEC enxergavam-se da mesma forma e, consequentemente, buscavam silenciar proposições favoráveis às trabalhadoras domésticas.

Esta Casa é que tem de legislar sobre essa matéria, e ela não fez isso porque não teve interesse. [...] nesta Casa, que é política, há algo chamado correlação de forças. Nesta Casa, tudo o que é pensado como gasto ou custo para o empregador – estou falando de trabalhadoras domésticas – é muito difícil, não é fácil.30

Refutando o apoio unanime das(os) deputadas(os) federais à PEC, amplamente alegado por elas(os) – como visto no capítulo anterior –, Benedita denunciou várias vezes a oposição que a proposta estava sofrendo dentro do Parlamento e a necessidade de apoio, não só das trabalhadoras domésticas e de suas(eus) representantes, mas da população como um todo, para que a PEC não fosse arquivada e/ou ela fosse substituída por outra(o) relatora.

Foi muito difícil [...] que me escolhessem para Relatora da matéria. Isso ocorreu por uma trajetória histórica nesta Casa como ex-trabalhadora doméstica.31

Então, é importante para nós haja um momento de debate, de contraditório, porque nós poderemos ser surpreendidas e surpreendidos, mais adiante, com esse esforço que está sendo feito. A composição é esta composição

29 CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Audiência Pública nº 536/2012”. Câmara dos Deputados, Brasília, 09 mai. 2012. 30 Ibidem. 31 BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXVIII, n. 52, quarta-feira, 03 de Abril de 2013. Brasília: Câmara dos Deputados, 2013. p. 7.477. 163

possível, o Presidente sabe muito bem que tivemos que batalhar para estarmos aqui, mesmo que natural das articulações e dos próprios direitos históricos de quem tem a maior bancada, mas houve uma disputa para que tivesse ele na presidência e eu como relatora dessa matéria. Então, nós sabemos o que está acontecendo nesse momento e o que poderá acontecer futuramente. [...] e eu ouso mais uma vez dizer, ao retirar o parágrafo único da Constituição, temos que ter, antes, total garantia de que aumentamos a nossa base de apoio para garantir essa votação, porque tudo é possível nesta Casa. Não querendo assustar evidentemente, nós estaremos fazendo a nossa parte, mas garantir esse debate amplo, até gostaríamos que fosse rápido, mas é importante mantermos essas audiências públicas e os prazos regimentais para que tenhamos um relatório que não seja apenas uma letra morta e que a gente depois tenha que levar para o Arquivo.32

Então é importante que vocês saibam que é a mobilização de vocês que respalda o Plenário para uma votação, porque a minha bancada não tem maioria, o meu Governo não tem maioria.33

A deputada chegou até a revelar a ausência de apoio de seu partido como um todo à PEC, tendo em vista interesses pessoais e rupturas internas – o que ficou comprovado pelo voto contrário, em segundo turno, de Vanderlei Siraque.

Quero só colocar que o Governo não tem maioria. Ele precisa articular, porque às vezes temos rupturas na própria base governamental, dependendo da matéria. Também temos o direito até de defender interesses particulares, do ponto de quem nos elegeu.34

Com base nessas declarações, resta evidente que a votação favorável praticamente unanime das(os) legisladoras(os) não foi resultado de um efetivo apoio à PEC, mas sim de acordos políticos feitos nos bastidores e da necessidade de, frente à enorme visibilidade que o tema estava tendo na época, aprovarem alguma mudança – ainda que simbólica – em benefício da categoria.

1.5. Afastando os Mesmos Argumentos Contrários de Sempre

Uma vez que as(os) parlamentares comportaram-se de modo muito parecido ao que já tinha sido observado nas discussões que antecederam a abolição da escravatura e na

32 CÂMARA DOS DEPUTADOS, supra nota 26. 33 CÂMARA DOS DEPUTADOS, supra nota 23. 34 Ibidem. 164

Constituinte, Bené afirmou não se surpreender com a apresentação das mesmas oposições feitas nos períodos históricos anteriores, afastando-as com o próprio reconhecimento de que tais previsões não chegaram a se materializar.

Muitos ainda defendem a impossibilidade de se estender às trabalhadoras domésticas os direitos elencados no art. 7º. Mas é certo que tal defesa se encontra mais na esfera do custo que essa extensão de direitos gerará para o empregador do que na impossibilidade jurídica ou incompatibilidade com esse tipo de relação de trabalho. O maior medo decorre, portanto, do aumento dos custos de contratação dessa trabalhadora, pois o seu salário, em geral, é pago por outro salário. Equiparar direitos como o salário-família, seguro contra acidente do trabalho, obrigatoriedade do depósito no FGTS, entre outros, pode ocasionar uma preocupação na hora de contratar uma trabalhadora doméstica. Porém, em nenhum momento de nossa história, os argumentos de aumento de custo foram definitivos. Ao contrário, a justificativa da incompatibilidade da equiparação em razão do aumento de custo não significa que esse não possa ser suportado. E foi isso comprovado quando da parcial equiparação entre os trabalhadores domésticos e os outros trabalhadores promovida pela Constituição de 1988.35

Na época, como agora, alguns diziam que iríamos criar um grande desemprego para essas pessoas. Nós provamos que não, porque estamos lutando para que todos os trabalhadores e trabalhadoras tenham os seus direitos garantidos. Esta Casa, comprovadamente, já votou jornadas de trabalho, e continuamos votando aqui inclusive piso salarial.36

Ainda que reconheça a legitimidade das(os) empregadoras(es) em se preocupar se terão condições de manter suas trabalhadoras domésticas com o aumento de encargos, Benedita frisou que tal preocupação, por si só, não deveria impedir a extensão de quaisquer direitos à categoria, mas somente guiar as propostas legislativas a considerar todas as alternativas para minimizar os custos patronais.

1.6. A Responsabilidade de Quem Já Foi

Por fim, tendo em vista que a oposição da população empregadora como um todo à PEC seria um obstáculo muito difícil de superar, a deputada preocupou-se, principalmente durante sua relatoria, em fazer um trabalho extremamente completo de ouvir as partes

35 BRASIL. “Relatório da Comissão Especial Destinada a Proferir Parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 478-A, de 2010, do Sr. Carlos Bezerra”. Câmara dos Deputados, Brasília, 26 jun. 2012. pp. 46-47. 36 BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXVII, n. 194, quinta-feira, 22 de Novembro de 2012. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. p. 38.304. 165 interessadas e buscar equilibrar seus interesses de modo a aumentar a probabilidade de aprovação de seu relatório e, posteriormente, da PEC.

O proponente tem reclamado da morosidade. Mas não se trata de morosidade. Eu quero, como ex-empregada doméstica e, hoje, legisladora, fazer a coisa com a maior consciência do mundo. Não quero que caia sobre os meus ombros a responsabilidade de um relatório que não permitiu negociação relativamente a essas trabalhadoras, seja com o Governo, que vai também pagar a conta, seja com os patrões. [...] Quem tem muita responsabilidade tem de saber o que está fazendo. Eu não posso assegurar que, se retirarmos pura e simplesmente esse parágrafo, vamos resolver o problema da trabalhadora doméstica.37

Exatamente por conta dessa origem [como trabalhadora doméstica] é que eu não posso escorregar, não posso me precipitar. Eu tenho que esgotar todas as possibilidades de articulação com um Governo que é meu, no qual eu acredito, que está disposto e que montou uma comissão para fazer todo o acompanhamento e dar toda a contribuição possível para que esta matéria, ao ser votada por esta Casa, possa ser sancionada com tranquilidade. Essa é a minha responsabilidade. Por isso, para quem esperou mais de 300 anos, desde a casa grande e a senzala, esperar mais uma semana ou duas, 1 mês, não faz mal nenhum, desde que tenhamos a garantia de que esta matéria não apenas será aprovada pelo Plenário, mas também será aprovada e sancionada pelo Governo, que tem vontade de fazê-lo.38

Cabe destacar, entretanto, que Bené não era a única parlamentar envolvida nesse processo, de modo que tiveram que ser feitos acordos e concessões também entre os membros da Comissão Especial, os quais podem ter sido responsáveis pelas duas alterações que foram feitas ao primeiro relatório entregue. (i) Redação dada ao parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal no relatório: São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos I, II, III, IV, VI, VII, VIII, IX, X, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXV, XXVI, XXVIII, XXX, XXXI, XXXIII, XXXIV, bem como a sua integração à previdência social.39

(ii) Redação dada ao parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal no substitutivo: São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, XIII, XV, XVI, XVII, XXII, XXVI, XXX, XXXI, XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei, os previstos nos incisos I, II, III, IX,

37 CÂMARA DOS DEPUTADOS, supra nota 29. 38 CÂMARA DOS DEPUTADOS, supra nota 23. 39 BRASIL, supra nota 35, p. 58. 166

X, XII, XVIII, XIX, XXI, XXIV, XXV, XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.40

(iii) Redação dada ao parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal na complementação do voto: São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI, XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XVIII, XXV, XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.41

2 O VOTO DISSIDENTE: JAIR BOLSONARO E SEU “AMOR” PELAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS

Apesar de não ser o único deputado federal a votar contra a PEC das Domésticas na Câmara dos Deputados, Jair Bolsonaro foi o único a discursar contra ela. Seu posicionamento contrário à PEC, no entanto, não se restringiu ao seu discurso durante a primeira rodada de votação na Câmara, sendo repetido em outros momentos na Plenária. Além de se posicionar inversamente às(aos) outras(os) parlamentares – afirmando que o aumento de custos para as(os) empregadoras(es) seria muito alto, de modo que a aprovação da PEC levaria à demissão de milhões de trabalhadoras domésticas –, o deputado organizou seus discursos de maneira oposta aos delas(es), quebrando a uniformidade pretendida. Não obstante, cabe destacar que as manifestações de Bolsonaro nos dois turnos de discussão e votação da PEC na Câmara dos Deputados, mesmo que, muitas vezes, sarcásticas, são claramente menos agressivas e ofensivas do que de costume, ainda mais tendo em vista o grupo que se beneficiaria com a aprovação da PEC. Tal mudança de comportamento deve-se ao enorme apoio que a proposta estava recebendo no período, seja das(os) demais parlamentares, seja do público, não havendo a clara polarização entre partidos ou grupos políticos na qual Jair poderia se apoiar.

40 BRASIL. “Substitutivo da Comissão Especial Destinada a Proferir Parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 478-A, de 2010, do Sr. Carlos Bezerra”. Câmara dos Deputados, Brasília, 04 jul. 2012. p. 57. 41 BRASIL. “Complementação de Voto da Comissão Especial Destinada a Proferir Parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 478-A, de 2010, do Sr. Carlos Bezerra”. Câmara dos Deputados, Brasília, 22 ago. 2012. p. 03. 167

2.1. O Perfil do Deputado: Orgulho de ser Preconceituoso42

O então deputado federal Jair Bolsonaro (-RJ) – atual presidente do Brasil (eleito pelo PSL-RJ, mas sem partido desde 2019) –, possui graduação em educação física e declarou-se branco, político de carreira e proprietário de bens no valor total de R$ 4 milhões. O paulistano iniciou sua carreira política em 1988, quando, filiado ao PDC, foi eleito vereador do Rio de Janeiro. Bolsonaro assumiu seu primeiro cargo como deputado federal dois anos depois, pelo PSDB, em 1998, sendo continuamente reeleito, pelo PPR, PPB e, então, pelo Progressistas43. Autor de 133 PLs e sete PECs44, e relator de 39 PLs45, entre 1986 e 2014, sobre temas variados, mas, majoritariamente, política e administração pública e segurança, os quais, não surpreendentemente, não trataram sobre o trabalho doméstico no país. Sua carreira política foi marcada por polêmicas e conflitos com outras(os) parlamentares. Em 1993, defendeu o fechamento do Congresso Nacional46, advogando, no ano seguinte, pelo retorno do regime de exceção e o fechamento temporário da Câmara e do Senado, alegando que “[h]á leis demais que atrapalham. Num regime de exceção, o chefe, que não precisa ser um militar, pega uma caneta e risca a lei que está atrapalhando”47, voltando a pedir o fechamento do Congresso em 1995, afirmando preferir “sobreviver no regime militar a morrer nesta democracia”48. Em 1998, publicou um artigo no qual defendia a pena de morte, a prisão perpétua, o regime de trabalhos forçados para condenados, a redução da maioridade penal para 16 anos e “um rígido controle da natalidade como maneira eficaz de combate à miséria e à violência”, bem como, ao comentar o Massacre do Carandiru, afirmou que “a Polícia Militar perdeu a oportunidade de matar mil bandidos”49. No ano seguinte, declarou que “[s]e a ditadura tivesse

42 Ver: “JAIR Bolsonaro: ‘Sou preconceituoso, com muito orgulho’”. Época, São Paulo, 02 jul. 2011. 43 CPDOC. “Jair Messias Bolsonaro”. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2020. 44 CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Jair Bolsonaro”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 45 CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Jair Bolsonaro”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. 46 BROOKE, James. “A Soldier Turned Politician Wants To Give Brazil Back to Army Rule”. The New York Times, New York City, sec. 04, p. 07, 25 Jul. 1993. 47 “BOLSONARO defende ditadura e pode ser expulso do PPR”. O Globo, Rio de Janeiro, v. LXIII, n. 21.764, p. 04, 24 jun. 1993. 48 CPDOC, supra nota 43. 49 “FUZILAMENTO pregado por Bolsonaro pode sair pela culatra”. Consultor Jurídico, São Paulo, 05 jan. 2000. 168 matado muita gente no passado, teria melhorado”50, incluindo o então presidente Fernando Henrique Cardoso, que “deveria ser fuzilado”51.

Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil, começando com o FHC, não deixar para fora não, matando! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente.52

Em 2000, defendeu a pena de morte para qualquer crime premeditado e a tortura em casos de tráfico de drogas, afirmando: “[e]u defendo a tortura. Um traficante que age nas ruas contra nossos filhos tem que ser colocado no pau-de-arara imediatamente. Não tem direitos humanos nesse caso. É pau-de-arara, porrada. Para sequestrador, a mesma coisa. O cara tem que ser arrebentado para abrir o bico”53. E foi o único deputado a votar contra a PEC nº 249/2000, que visava à criação do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, financiado pela Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira54. Em 2003, discutiu com a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), proclamando que “[e]la não merece [ser estuprada] porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar porque não merece”, e, após ser criticado por tal posicionamento, voltou a ofender a deputada, “[v]ocê me chamou de estuprador! Vagabunda! Vai dizer que você é uma coitada agora? Chora agora! Eu não tenho medo de perder meu mandato por quebra de decoro”55. Três anos depois, espalhou, pela Câmara, cartazes com a frase “Desaparecidos do Araguaia: Quem procura osso é cachorro”, em crítica à iniciativa PCdoB de identificar os restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia56. Entre 2010 e 2011, fez uma série de declarações homofóbicas, tais como, (i) “[s]e o filho começa a ficar assim, meio gayzinho, leva um couro e muda o comportamento dele”57; (ii) “[a] maioria dos homossexuais é assassinada por seus respectivos cafetões, em áreas de prostituição e de consumo de drogas, inclusive em horários em que o cidadão de bem já está

50 “BOLSONARO: ‘isso é que dá torturar e não matar’”. Diário do Grande ABC, Santo André, 16 jun. 1999. 51 MADUEÑO, Denise. “Câmara estuda punição a deputado que atacou FHC”. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 dez. 1999. 52 “BOLSONARO em 25 frases polêmicas”. Carta Capital, São Paulo, 29 out. 2018. 53 “DEFESA da tortura”. Folha de São Paulo, São Paulo, 2000. 54 Ver: CÂMARA DOS DEPUTADOS. “PEC 249/2000”. Câmara dos Deputados, Brasília, 2000. 55 FONSECA, Pedro. “Bolsonaro pede desculpas públicas a deputada Maria do Rosário após determinação judicial”. Extra, Rio de Janeiro, 13 jun. 2019. 56 LOCATELLI, Piero. “PCdoB pede processo contra Bolsonaro por cartaz polêmico”. UOL, São Paulo, 28 mai. 2009. 57 “PALMADA muda filho ‘gayzinho’, declara deputado federal”. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 nov. 2010. 169 dormindo”58; e (iii) “[s]eria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo”59. No mesmo ano, envolveu-se em um conflito com a senadora Marinor Brito (PSOL- PA), após o qual afirmou que “[e]la [me] agrediu, bateu em mim, é heterofóbica. Não pode ver um heterossexual na frente que alopra. Já que está difícil ter macho por aí, e estou me apresentando como macho, ela aloprou. Deu azar duas vezes, sou casado e ela não me interessa”60. Após o PSOL protocolar um pedido de investigação do deputado no Conselho de Ética da Câmara, ele declarou que “[o] PSOL é um partido de ‘pirocas’ e de ‘veados’. Eu estou me ‘lixando’ para a senadora. Eu vou responder à senadora num papel higiênico”61. Ainda em 2011, manifestou-se contra a criação da Comissão Nacional da Verdade pela Lei nº 12.528, afirmando que se tratava de um projeto que “caminha apenas para apurar o que eles querem. Eles não querem apurar justiçamento no Araguaia, roubos, sequestros, execuções e justiçamentos. Isso é uma mentira”62. No ano seguinte, foi acusado de tentar impedir a realização da primeira sessão da Subcomissão da Verdade, ofender o secretário Marcio Araujo e ameaçar os depoentes63.

2.2. A Exaltação da Diferença

Toda vez que Bolsonaro opinou sobre a aprovação do PEC, fez questão de que todas(os) soubessem que ele era o único deputado a se manifestar contrariamente a ela e que se orgulhava disso, ao mesmo tempo em que desqualificava e criticava as(os) demais parlamentares.

[...] eu sei que vou ser aqui execrado – e talvez a mídia use os mais variados adjetivos se referindo a mim. Não sou Governo, o meu voto não vai interferir em nada, está todo mundo votando “sim”, mas eu quero alertar esta Casa para o fato de que certos direitos têm que ser concedidos aos poucos.64

58 S.N., supra nota 42. 59 “BOLSONARO: ‘prefiro filho morto em acidente a um homossexual’”. Terra, São Paulo, 08 jun. 2011. 60 “JAIR Bolsonaro e Marinor Brito trocam agressões físicas e verbais”. Correio Braziliense, Brasília, 13 mai. 2011. 61 COBUCCI, Luciana. “PSOL é partido de ‘veados’, diz Bolsonaro após representação”. Terra, São Paulo, 18 mai. 2011. 62 BORGES, Laryssa. “Bolsonaro invade coletiva e acusa farsa na Comissão da Verdade”. Folha de São Paulo, São Paulo, 13 set. 2011. 63 RICHARD, Ivan. “Bolsonaro é acusado de quebrar o decoro parlamentar”. Exame, São Paulo, 04 abr. 2012. 64 BRASIL, supra nota 36, p. 38.307. 170

V. Exas. não estão fazendo o bem para a empregada doméstica.65

Creio que não convenci ninguém que está aqui, mas fico feliz em poder falar a verdade e não votar de forma demagógica.66

Eu jamais votaria contra quem quer que seja nesta Casa. O meu voto isolado e solitário foi a favor dessa classe, mas a demagogia fala muito mais alto.67

O deputado continuamente acusou as(os) outras(os) legisladoras(es) de prejudicar as trabalhadoras domésticas, de mentir e de votar demagogicamente – acusações comumente usada por Bolsonaro contra suas(eus) oponentes –, posicionando-se como o único deputado “bem-intencionado” da Câmara.

2.3. Um Autointitulado Aliado

Mesmo que o deputado afirmasse querer o melhor para as trabalhadoras domésticas, chegando a dizer que as amava 68 , Jair, que afirmar ser a PEC uma mera “questão ideológica”69, empregava uma versão da “defesa dos amigos”70, posicionando-se como o único detentor do “melhor conhecimento” sobre o tema, aquele que sabia o que era melhor para a categoria, já que seus membros eram facilmente manipuláveis.

Não estou contra empregada doméstica, não. Tenho duas lá em casa, inclusive uma babá.71

Eu quero o bem da empregada doméstica! Uma, inclusive, cuida de uma filha minha, e ninguém mais do que eu quer o bem dela.72

Esse tipo de posicionamento mostrou-se extremamente comum tanto nas discussões que antecederam a abolição da escravatura quanto na Constituinte. As(os) deputadas(os)

65 Ibidem. 66 Ibidem. 67 BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXVII, n. 208, quarta-feira, 12 de Dezembro de 2012. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. p. 43.032. 68 BRASIL, supra nota 36, p. 38.307. 69 BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXVII, n. 209, quinta-feira, 13 de Dezembro de 2012. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. p. 43.305. 70 Ver: HARRIS, Cherise. “‘I’m Not Racist; Some of My Best Friends Are…’: Debunking the Friends Defense and Revisiting Allyship in the Post-Obama Era’. In: MCCLURE, Stephanie; HARRIS, Cherise (Eds.). Getting Real About Race: Hoodies, Mascots, Model Minorities, and Other Conversations. 2. ed. New York City: SAGE Publications, 2018. pp. 318-336. p. 320. 71 BRASIL, supra nota 36, p. 38.307. 72 Ibidem. 171 federais, visando impedir qualquer extensão de direitos que pudessem prejudicá-las(os) e/ou alterar o status quo, abusavam de sua posição política para colocarem-se como detentoras(es) únicas(os) do conhecimento, aquelas(es) que foram eleitas(os) pelo povo por saberem o que era melhor para ele e, consequentemente, barrar todas as suas tentativas de interpretar sua própria realidade e atuar por conta própria. Além disso, Bolsonaro deixava claro que sua preocupação e solidariedade estavam apenas com os empregadores domésticos como ele, e as dificuldades que eles poderiam vir a enfrentar – como serem processados por não regularizarem a situação de suas funcionárias –, os quais ele retratava como “vítimas do Plenário”.

É fácil criar encargos para os outros pagarem a conta.73

Se qualquer Parlamentar tiver dúvida no tocante a isso [que a aprovação da PEC levaria ao aumento do desemprego], basta consultar os sites dos sindicatos dos empregadores domésticos ou entrar no site das associações de empregadores domésticos.74

Chega a ser um absurdo o seguinte: se minha babá, por exemplo, tiver um filho até 6 anos de idade, eu tenho que pagar creche para o filho da babá do meu filho. É inexplicável a irresponsabilidade.75

Esse foi o ato benevolente que esta Casa concluiu na semana passada, um crime contra o trabalhador brasileiro.76

Domingo eu perguntei a uma Deputada do PT, lá do Rio de Janeiro [a Benedita da Silva], o que aconteceria se um aposentado, se uma pensionista, se um trabalhador negasse algum direito trabalhista à sua empregada doméstica. [...] Um aposentado, cujo teto está em torno de 4 mil reais, não vai poder manter uma empregada doméstica em casa com esse encargo trabalhista, deverá querer negociar por fora. [...] E, ao ser denunciado – com toda a certeza o será, porque é como um casamento, depois que se desfaz, o mundo se acaba... Numa possível demissão, esse patrão aposentado vai ser denunciado.77

Como seus posicionamentos demonstram, o deputado não se preocupava com as diversas injustiças e dificuldades sofridas cotidianamente pelas trabalhadoras domésticas, mas acreditava que o ônus que a extensão de direitos à categoria poderia trazer para os

73 BRASIL, supra nota 67, p. 43.032. 74 Ibidem. 75 Ibidem. 76 Ibidem. 77 BRASIL, supra nota 69, p. 43.305. 172 empregadores era alto demais. Ou seja, seria mais benéfico à “sociedade brasileira” que a situação do emprego doméstico se mantivesse como estava. Esse tipo de argumento não foi tão abertamente utilizado durante a Constituinte, mas era extremamente comum entre os opositores à abolição da escravatura:

Gavião Peixoto: Eu, senhor presidente, também sou emancipador, mas emancipador sem esquecer os grandes e vastos interesses do país. Não quero que a emancipação, em vez de um beneficio, seja uma desgraça para todos.78

Sayão Lobato: O que principalmente se nota em relação a mais importante e prestimosa classe do pais, sobre a qual em ultima analise pesam todas as cargas de imposições e os maiores sacrifícios, e tanto mais digna de proteção, visto que e, para assim dizer, a única produtora, o que enfim se manifesta relativamente a agricultura, qual o prometido fomento a lavoura e especial proteção aos lavradores?!79

Rodrigo da Silva: Os interesses da agricultura são os interesses da nossa sociedade; ela não pode ter outros mais importantes, porque toda a sua vitalidade ai esta. Não os perturbemos. Ao menor abalo pode desabar-se em ruínas um belo edifício.80

José de Alencar: A liberdade compulsória, a pretexto de salvação, ou de arbitramento, é uma arma perigosa, que se forja para os ódios, as intrigas e malquerenças das localidades; e com a qual se há de violar o asilo do cidadão, perturbar a paz das famílias, e espoliar uma propriedade que se pretende garantir.81

Vale destacar que, conforme já evidenciado, tendo em vista a oposição velada de grande parte – para não dizer a maioria – das(os) parlamentares à PEC, as ideias de Jair eram compartilhadas por várias(os) de suas(eus) colegas, ainda que isso só fossem admitido por elas(es) nos bastidores.

2.4. O Capitão Católico

Em todos os seus pronunciamentos, Bolsonaro – um capitão reformado do Exército – fez questão de reforçar sua posição religiosa e sua lealdade às Forças Armadas brasileiras.

78 BRASIL. Annaes do Parlamento Brazileiro: Camara dos Srs. Deputados. Sessão de 1871, Tomo III. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Constitucional de J. de Villeneuve & C., 1871. p. 415. 79 Ibidem, p. 416. 80 Ibidem, p. 426. 81 Ibidem, p. 139. 173

Ademais, o deputado utilizava-se, de forma sarcástica e desrespeitosa, da condição de trabalho dos funcionários desta instituição como comparável à das domésticas e, com a aprovação da PEC, inferior, exigindo, em mais de uma instância, a concessão de novos direitos aos militares para que eles deixassem de viver em condição “análoga a escravidão”.

Pelo amor de Deus! E, uma vez que o colega governista está me criticando aqui, proponho que o Governo dê Fundo de Garantia também para os militares das Forças Armadas. Dê o exemplo, Deputado! Por que não pagar o Fundo de Garantia para os militares das Forças Armadas?82

[...] compareci ontem na sessão de promulgação da PEC, quando ouvi vários discursos de Parlamentares e, inclusive, de Ministros e Ministras que disseram que essa PEC equivale ao fim da escravatura, por dar novos direitos às empregadas domésticas. Se for assim, por questão de coerência, eu quero dizer a V. Exa. e a todos que estão aqui que os militares das Forças Armadas, os bombeiros e policiais militares de todo o Brasil estão vivendo em condição de escravidão, porque não têm Fundo de Garantia, hora extra, adicional noturno e carga horária de 44 horas semanais.83

Nos discursos no Senado, por ocasião da promulgação da PEC, falaram, inclusive a Benedita da Silva estava presente, que as domésticas agora estão deixando de ser escravas porque passaram a ter direitos trabalhistas. Então, quero dizer à Deputada Benedita da Silva que os militares não têm Fundo de Garantia, não têm hora extra, não têm a carga horária de 44 horas por semana. Então, os militares, Benedita da Silva, estão sendo escravizados por este Governo! É o raciocínio lógico. Então, estou colhendo assinaturas semana que vem para dar esses direitos e outros aos militares das Forças Armadas, porque, assim, estaremos fazendo justiça para compensar o da Marinha, o da Aeronáutica e o do Exército. E quero procurar a Benedita da Silva para ser a primeira a assinar essa PEC contra a escravidão nas Forças Armadas.84

Tal correlação, inclusive com a constante menção a Benedita da Silva, demonstra o total desdém de Bolsonaro com a trajetória histórica de lutas das trabalhadoras domésticas e da deputada. Para ele, os resquícios dos séculos de escravidão na vida das mulheres negras brasileiras são justificáveis e devem ser mantidos, para que homens como ele permaneçam na

82 BRASIL, supra nota 36, p. 38.307. 83 BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXVIII, n. 53, quinta-feira, 04 de Abril de 2013. Brasília: Câmara dos Deputados, 2013. p. 7.879. 84 BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXVIII, n. 54, sexta-feira, 05 de Abril de 2013. Brasília: Câmara dos Deputados, 2013. p. 8.123. 174 sua posição de privilégio, que lhes é devida, já que são os únicos responsáveis pelas glórias desse país.

2.5. Inimigo do PT = Inimigo dos Pobres

Uma das afirmações que o deputado constantemente fazia em seus discursos era que, com a suposta demissão das trabalhadoras domésticas, elas iriam “se pendurar” no Bolsa Família85, que, segundo ele, “nada mais é do que um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder”86, ou seja, o PT. Em sua primeira década de operação, o Bolsa Família contribuiu com entre 15% e 20% da redução da pobreza e desigualdade de renda observada no país; fortaleceu o empoderamento feminino em espaços públicos e privados; apresentou resultados relevantes na redução da desnutrição e da insegurança alimentar e nutricional; promoveu a inclusão de crianças e mulheres grávidas nas políticas públicas de saúde, com notável diminuição das taxas de mortalidade infantil e hospitalização entre crianças menores de 5 anos; e fortaleceu a trajetória escolar de crianças e adolescentes, possibilitando melhores médias de frequência e aprovação e redução das taxas de evasão escolar87. Mesmo assim, opositoras(es) do programa, como Jair, afirmavam que a população de baixa renda não sabe fazer uso adequado dos recursos transferidos e acaba se “acomodando”, tornando-se dependente do auxílio e desencorajada a trabalhar, adotando comportamentos oportunistas – como ter mais filhas(os) – para ter acesso a um volume maior de recursos e que o PT usa o Bolsa Família como moeda de troca por votos.

A massa eleitoral do PT são aquelas pessoas que vivem do Bolsa Família, são ligadas ao MST, ao movimento pela redução da maioridade penal, pelos direitos humanos, como discursou um Deputado há pouco, aos presidiários. Então, todos os vagabundos, mais aqueles que não raciocinam, que pensam apenas com o estômago, apoiam o PT. Não tenho dúvida disso.88

85 BRASIL, supra nota 67, p. 43.032. 86 BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXVI, n. 21, quinta-feira, 10 de Fevereiro de 2011. Brasília: Câmara dos Deputados, 2011. p. 5451. 87 CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo Côrtes (Orgs.). Programa Bolsa Família: Uma Década de Inclusão e Cidadania. Brasília: IPEA, 2013. pp. 18-19. 88 BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXII, n. 104, quinta-feira, 07 de Junho de 2007. Brasília: Câmara dos Deputados, 2007. p. 29021. 175

Desse modo, fica claro o desprezo e a depreciação, pelo deputado, das 13,9 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa Família em 201289, muitas das quais já eram chefiadas por trabalhadoras domésticas. Afinal, para Bolsonaro, essas pessoas em geral, e as trabalhadoras domésticas especificamente, encontravam-se em tal situação de extrema pobreza e vulnerabilidade por incapacidade própria, e não pela marginalização estrutural da qual eram vítimas e não conseguiam sair devido ao esforço de políticos como ele em barrar quaisquer normas e políticas públicas que visavam atendê-las.

89 CAMPELLO & NERI, supra nota 87, p. 31. 176

CONSIDERAÇÕES FINAIS: APROVAÇÃO PARA BRASILEIRO VER?

Se é verdade que a igualdade formal é garantida em nosso país e que a presença de preconceitos e discriminações não é aceita no corpo jurídico vigente, por outro lado a igualdade real não se concretiza, o que pode ser visualizado pelos indicadores apresentados, que explicitam claramente as enormes desigualdades que sofrem as mulheres e os negros, e, em consequência da interseccionalidade, as mulheres negras.

― Luana Pinheiro, Natália Fontoura, Ana Prata e Vera Soares (RETRATO DAS DESIGUALDADES, 2006)

177

Considerando o longo cenário de reivindicações por direitos trabalhistas de e para as trabalhadoras domésticas, a PEC das Domésticas marcou uma grande reviravolta na luta da categoria, garantindo-lhe muitos direitos negados pela Constituição Federal de 1988, porém dificilmente encerrou a segregação jurídica da categoria – e isso não foi acidental. Embora as(os) deputadas(os) federais buscassem demonstrar sua preocupação com a classe, várias de suas declarações denunciaram o contrário. A compreensão da aprovação da PEC como uma conquista pessoal e o destaque de sua importância para as carreiras políticas revelam vestígios de interesses das coalizões políticas na aprovação motivada pelo avanço da carreira pública e pela ampliação das possibilidades de reeleição. A tentativa das(os) parlamentares de negar sua condição de empregadoras(es) e seu pertencimento às classes média e alta, e, inversamente, apresentar-se como aliadas(os) dos sindicatos e associações das trabalhadoras domésticas evidenciam sua preocupação em proteger-se de quaisquer conexões que poderiam elucidar seus reais interesses e associações perante o povo brasileiro. A isenção da Bancada Feminina e o comportamento das(os) legisladoras no segundo turno das votações denunciam a existência de um acordo prévio de aprovação de uma mudança simbólica em benefício das trabalhadoras domésticas, devido a enorme pressão nacional e internacional quanto ao tema, independentemente das opiniões pessoais das(os) políticas(os) envolvidas(os). A utilização de símbolos históricos populares entre as trabalhadoras, suas(eus) representantes, sindicatos, associações e aliadas(os), bem como na mídia – como a constante referência à abolição incompleta –, sem, no entanto, o reconhecimento da marginalização estrutural que marca o trabalho doméstico no Brasil, e a manutenção de um enorme contingente de mulheres negras e pobres, na forma de diaristas, que continuam sem acesso aos direitos trabalhistas, explicitam o caráter simbólico da movimentação parlamentar, bem como a definição de medidas que não alterariam o status quo. Tudo isso revela a intenção da Câmara dos Deputados em manter uma distribuição desigual de poder através das estruturas de dominação que vitimam as trabalhadoras domésticas e o povo brasileiro que elas representam. Ainda que o singular voto contrário seja também a única manifestação clara disso, as falas de Benedita da Silva confirmam que este era também o posicionamento de várias(os) – para não dizer a maioria – das(os) demais deputadas(os) federais. Ou seja, tendo em vista o cenário nacional da época, era mais benéfico para as(os) deputadas(os) federais fazer certas concessões, como anuir alguns dos pleitos das 178 trabalhadoras domesticas por meio da PEC, na tentativa de manter certos privilégios e apoio político, do que continuar ignorando a pressão da categoria. Desse modo, por mais que tenha sido amplamente disseminada como um processo político em benefício único das trabalhadoras domésticas, a aprovação da PEC não teve a intenção de gerar uma transformação real e significativa das condições de vida dessas mulheres.

1 DÉCADAS DE LUTA, MINUTOS DE GLÓRIA

Sete anos após a aprovação da PEC das Domésticas, continua evidente a vulnerabilidade em que a categoria se encontra e as poucas mudanças que a extensão legal de direitos realmente gerou em seu cotidiano de trabalho, tendo em vista sua pouca efetividade e a ausência de fiscalização. O ano de 2013, não coincidentemente, registrou o maior número de trabalhadoras domésticas com carteira de trabalho assinada, ultrapassando, pela primeira vez, o patamar dos 30% – crescimento significativo, mas que abarcou uma parte muito pequena da classe. A taxa de formalização, entretanto, voltou a cair a partir de 2016, e, em 2018, registrou apenas 28,6% das trabalhadoras domésticas – índice que sofre variações quando consideramos o tipo de contrato: enquanto 43% das mensalistas possuíam carteira de trabalho assinada, somente 9% das diaristas encontravam-se na mesma situação1. Considerando a filiação das trabalhadoras domésticas à previdência social, sua contribuição como autônomas – mediante o pagamento da alíquota de 11% sobre o salário mínimo – ou microempreendedoras individuais – mediante a adesão ao MEI e o pagamento da alíquota de R$ 52,70 mensais – chegou a 39% para a categoria como um todo e a 24% para as diaristas. Tais taxas variam notavelmente de acordo com a região do Brasil em que as trabalhadoras se encontram, registrando uma queda de mais de 27 pontos percentuais da região Sul (47,4%) para a Norte (20,3%)2. Quanto ao rendimento médio mensal das trabalhadoras domésticas, se, em 2013, era de R$ 775,00, em 2018, passou para R$ 877,003. Ainda assim, essa média salarial continua 8% abaixo do salário mínimo e oscila significativamente: (i) de acordo com a raça das trabalhadoras – as trabalhadoras brancas recebem, em média, 18,8% a mais do que as negras em todo o país;

1 PINHEIRO, Luana Simões; LIRA, Fernanda; REZENDE, Marcela; FONTOURA, Natália de Oliveira. “Os Desafios do Passado no Trabalho Doméstico do Século XXI: Reflexões para o Caso Brasileiro a partir dos Dados da PNAD Contínua”. Textos para Discussão IPEA, Brasília, n. 2528, nov. 2019. pp. 23-24. 2 Ibidem, pp. 25-26. 3 Ibidem, pp. 34-35. 179

(ii) entre as regiões do país – os menores valores pagos encontram-se na região Nordeste (que registra a média de R$ 553,00) e os mais altos na região Sul (cujos pagamentos mensais eram em torno de R$ 1.110,00); (iii) segundo o tipo de contrato – as trabalhadoras mensalistas auferiam rendimentos médios quase 25% superiores aos das diaristas; (iv) consoante a existência ou não de vínculo empregatício – as trabalhadoras com carteira assinada recebem salários, em média, 80% superiores aos das irregulares4. Logo, resta evidente que a aprovação da PEC, por mais que tenha sido resultado de décadas de luta das trabalhadoras domésticas, seus sindicatos, associações, representantes e aliadas(os), não gerou os efeitos positivos esperados, e, pior, com a crise econômica nacional, que teve início em 2014, provocou a transição dos contratos de trabalho doméstico mensais para os diários – isto é, das trabalhadoras as quais foram estendidos novos direitos, para aquelas que foram mantidas integralmente na informalidade –, bem como a redução da formalização da categoria como um todo 5 . Nesse cenário, as “políticas tradicionais de incentivo à formalização ou de fiscalização do emprego doméstico” revelam-se absolutamente ineficientes e insuficientes “para garantir a proteção social da categoria”6.

1.1. Que Regulamentação Futura?

Durante as audiências públicas e os dois turnos de discussão na Câmara dos Deputados, o autor da PEC, Carlos Bezerra, e o presidente da Comissão Especial, Marçal Filho, afirmaram constantemente que a aprovação da PEC levaria a um maior desenvolvimento e civilização do país, bem como a ratificação da Convenção nº 189 da e Recomendação nº 201 da OIT.

Marçal Filho: Então, o intuito desta Comissão é verdadeiramente o da igualdade trabalhista. Verdadeiramente. Nada de parcial. É o de fazer com que não haja esse tipo de discriminação que existe hoje, pelo menos legalmente. E o passo seguinte é fazer com que a lei seja cumprida efetivamente.7

4 Ibidem, pp. 35-37. 5 Ibidem, p. 24. 6 Ibidem, p. 27. 7 CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Audiência Pública nº 1.589/2011”. Câmara dos Deputados, Brasília, 05 out. 2011. 180

Marçal Filho: É preciso que façamos justiça com essa classe, para que a discriminação que ocorre hoje não continue num país que se diz desenvolvido, que quer evoluir cada vez mais e que foi um dos signatários, na Organização Internacional do Trabalho, da convenção acerca da igualdade trabalhista em todo o mundo.8

Carlos Bezerra: [...] com a aprovação da PEC 478/2010, o Brasil poderá se destacar, entre todas as nações integrantes da Organização Internacional do Trabalho, como a primeira nação a ratificar a Convenção sobre o Trabalho Decente para Trabalhadores Domésticos, aprovada em junho do ano passado, em Genebra, na Suíça.9

Ao contrário do que foi afirmado, a aprovação da PEC não conduziu à ratificação da Convenção e da Recomendação – o que ocorreu seis anos após a sua adoção pela agência da ONU e quatro anos após a promulgação da EC nº 72/2013, por meio do Decreto Legislativo nº 172/2017 –, e nem abarcou requerimentos que realmente levariam ao “desenvolvimento” nacional quanto ao tema do trabalho doméstico. Essa situação, no entanto, já havia sido anunciada, ainda que disfarçadamente, pelo repetido lembrete de Marçal Filho às(aos) deputadas(os) federais e empregadoras(es) de que não precisavam se preocupar com todas as questões relacionadas aos novos direitos garantidos às trabalhadoras domésticas, já que eles seriam regulamentados posteriormente por legislação específica, de modo a não prejudicá-las(os).

Marçal Filho: [...] fazendo com que, a partir da aprovação, nós possamos ter alguns direitos que serão colocados em prática imediatamente, como a limitação da jornada de trabalho, a hora extra e o adicional noturno, mas muitos outros itens vão ser evidentemente regulamentados por lei ordinária ou por medida provisória, dependendo de como vamos levar adiante esse assunto.10

Marçal Filho: [...] houve todo um cuidado por parte da Relatora e dos membros da Comissão Especial para que tudo isso fosse equacionado junto aos diversos órgãos ministeriais, e várias das decisões que tomamos vão depender ainda da regulamentação que nós faremos, dentro da realidade do nosso País, para que a lei efetivamente possa trazer direitos, possa realmente funcionar, e não se tornar apenas uma letra morta. É importante esclarecer isto para que as pessoas não se preocupem: apenas alguns incisos são autoaplicáveis. Outros dependerão de medida provisória, ou de lei feita por nós mesmos nesta Casa, para que efetivamente nós

8 BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXVII, n. 194, quinta-feira, 22 de Novembro de 2012. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. p. 38.303. 9 Ibidem, p. 38.309. 10 Ibidem, p. 38.303. 181

criemos direitos para as empregadas domésticas que sejam factíveis, que sejam possíveis de colocar em prática e não onerem de forma alguma o empregador, a empregadora.11

Após a aprovação da PEC, foi criada, por meio do PLS nº 224/2013, uma Comissão Mista de Consolidação das Leis e Regulamentação Constitucional, presidida pelo deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP) e sob a relatoria do senador Romero Jucá (MDB-RR)12, com o objetivo de consolidar a legislação federal e regulamentar os dispositivos da Constituição Federal que versavam sobre o trabalho doméstico. Segundo Creuza Maria Oliveira, foi essa Comissão a responsável pelo afastamento de vários dos direitos que a PEC havia estendido à categoria:

Só que depois que foi aprovado, aí criou uma comissão de regulamentação que o senhor Romero Jucá, senhor de engenho, né... Senhor de engenho, neto de senhor de engenho, filho também, né... E disse “Oh, não é bem assim não... elas pensam que conseguiram tudo, mas não é assim não!”. E aí começa a cortar. [...] Depois a gente tentou convencer o Romero Jucá manter a lei como foi aprovada lá, tudo que foi aprovado na Câmara e no Senado, mas ele debochava da gente, dizia que ia ter desemprego, que a sociedade brasileira não ia ter mais empregada...13

Ao projeto de Jucá foram apresentadas 36 emendas no Senado, quase todas rejeitadas pela Comissão – a maioria de autoria de Lídice da Mata (PSB-BA), Ana Rita (PT-ES), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Paulo Paim – e 51 na Câmara, todas rejeitadas – a maioria de autoria de Roberto Santiago (PSD-SP) e Assis Melo (PCdoB-RS) –, buscando manter a normativa o mais próximo possível do que havia sido delineado durante a discussão da PEC. Todavia, esse não era o interesse do relator e de suas(eus) colegas. Consequentemente, promulgada em junho de 2015, a LC nº 150 desapontou imensamente os sindicatos e associações das trabalhadoras domésticas ao, simultaneamente, estabelecer novidades adversas – como o saldo de horas no regime de compensação de horas (art. 2º, § 5º, III), a necessidade de 15 meses de recolhimento para habilitação ao benefício do

11 BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LXVII, n. 203, quarta-feira, 05 de Dezembro de 2012. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. p. 40.582. 12 Composta pela(os) senadora(es) titular(es) Ana Amélia (PP-RS), Vital do Rêgo (MDB-PB), Walter Pinheiro (PT-BA), Pedro Taques (PDT-MT) e Aloysio Nunes (PSDB-SP); pela(os) senadora(es) suplente(s) Kátia Abreu (MDB-TO), Waldemir Moka (MDB-MS), Ruben Figueiró (PSDB-MS), Wellington Dias (PT-PI) e Cristovam Buarque (PDT-DF); pelos deputados federais titulares Cândido Vaccarezza (PT-SP), Edinho Araújo (MDB-SP), Eduardo Barbosa (PSDB-MG), Sergio Zveiter (PSD-RJ), Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), Miro Teixeira (PROS- RJ) e João Maia (PL-RN); e pela(os) deputada(os) federal(is) suplente(s) Benedita da Silva, Reinaldo Azambuja (PSDB-MS), Moreira Mendes (PPS-RO), Esperidião Amin (PP-SC), Júlio Delgado (PSB-MG), Abelardo Lupion (DEM-PR) e Antonio Brito (PTB-BA). 13 LEITE, Bianca Muniz. “Audácia”: A Emenda Constitucional 72/2013 a partir das Narrativas sobre as Condições de Trabalho de Mulheres do Sindoméstico Bahia. Dissertação (Mestrado em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo) apresentada à UFBA. Salvador, 2017. p. 67. 182 seguro-desemprego (art. 28, I), entre outras – e não tratar de questões importantes – como o direito à creche e a fiscalização.

1.2. Políticas Públicas Transversais e a Urgência do Direito à Creche

Nas audiências públicas realizadas pela Comissão Especial da PEC, várias das representantes das trabalhadoras domésticas reforçaram a necessidade da extensão da luta por políticas públicas transversais que beneficiem as trabalhadoras domésticas a nível nacional. A inexistência ou insuficiência das vigentes foram extremamente criticadas e apontadas como responsáveis por grande parte da vulnerabilidade social que marca a vida dessas trabalhadoras e, em muitos casos, pela própria condução delas ao trabalho doméstico. Dentre as políticas citadas, as quais, nas palavras de Benedita da Silva, deveriam somar “com a cidadania do trabalho doméstico, e, também, com a questão da escolaridade [e] da qualificação profissional, com vista à migração funcional”14, a necessidade de acesso à creches e escolas em tempo integral pelas(os) filhas(os) das trabalhadoras domésticas foi ressaltada. De acordo com Rosane Silva,

a luta pela equiparação de direitos das trabalhadoras domésticas está ligada a outras questões estratégicas para nós. É a luta por políticas públicas, como a creche pública de qualidade. Temos um déficit de creche muito forte no nosso País, porque, como as companheiras que me antecederam já disseram, a trabalhadora doméstica vai à casa de outra mulher – porque geralmente é na casa de outra mulher, que é quem contrata, já que esse trabalho doméstico é naturalizado para nós, mulheres; quando não conseguimos fazê-lo, pagamos a outra mulher para isso. Aí, essas mulheres vão à casa de outras mulheres, sem saber como vão ficar seus filhos. Há depoimentos das trabalhadoras domésticas que dizem que vão trabalhar em outras casas e seus filhos não têm com quem ficar, porque o salário que elas recebem não lhes dá condição de pagar pela creche privada. E o Estado não garante a creche pública. Então a luta por creche pública de qualidade está extremamente ligada à luta por equiparação de direitos para as trabalhadoras domésticas, como também está muito ligada à luta que temos feito ao longo da história do nosso País, da responsabilidade compartilhada das tarefas domésticas, entre homens, mulheres e o Estado brasileiro. Não basta garantir creches públicas, mas também lavanderias e restaurantes coletivos, porque, assim, tira-se o peso da responsabilidade com a tarefa doméstica somente das costas das mulheres.15

Conforme complementou Creuza, a ausência de creches e escolas públicas de qualidade e suficientes para atender a demanda nacional não apenas dificulta o dia-a-dia das mães trabalhadoras domésticas, como coloca a segurança das próprias crianças em risco.

14 CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Audiência Pública”. Câmara dos Deputados, Brasília, 19 out. 2011. 15 CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Audiência Pública nº 603/2012”. Câmara dos Deputados, Brasília, 16 mai. 2012. 183

A Presidenta Dilma tem falado da questão das creches, no aumento do número de creches. É importante investir nisso. Mas não só em creche: também em escola em tempo integral. Quantas vezes nós que moramos na periferia e que saímos de casa às 8 horas vemos o menino ou a menina já vindo da escola? “Menino, não teve aula?”, “Não teve aula, não”. “E aí?”, “Foi dia de prova”. E essa mãe está trabalhando! Com quem fica essa menina ou esse menino de 8 anos, 9 anos, 10 anos? Vai ficar na rua, porque a mãe está trabalhando. E essa menina e esse menino é que vão ser utilizados pelos traficantes de drogas, que vão ser abusados pelo tráfico. As meninas também; hoje não são só os meninos. Essas meninas são abusadas sexualmente e muitas outras coisas.16

Em 2011, somente 20,8% das crianças de 0 a 3 anos de idade encontravam-se matriculadas em creches por todo o país. Ao desmembrar essa taxa, revela-se uma significativa variação entre: (i) classes econômicas – 36,2% das crianças pertencentes ao grupo dos 25% mais ricos contra 12,9% das pertencentes ao grupo dos 25% mais pobres; (ii) raça – respectivamente, 23,3% das crianças brancas para 18,3% das crianças negras; (iii) regiões rurais e urbanas – 23,2% das crianças residentes em regiões urbanas contra 8,6% em regiões rurais; e (iv) as cinco regiões do Brasil – 7,8% das crianças do Norte para 15,8% do Centro- Oeste, para 17% do Nordeste, para 26,3% do Sudeste, para 27,7% do Sul17. Oito anos depois, o índice nacional havia subido para 35,6%18, permanecendo bem abaixo da primeira meta do Plano Nacional de Educação, a qual estabeleceu o compromisso colaborativo, entre os entes federativos e instituições privadas, de atender, até 2024, no mínimo 50% das crianças de até 3 anos19. Com a promulgação da EC nº 72/2013, foi definido que, sendo atendidas as condições estabelecidas em lei, às trabalhadoras domésticas teriam direito à assistência gratuita às(aos) filhas(os) e dependentes desde o nascimento até 5 anos de idade em creches e pré-escolas. Entretanto, de acordo com a Portaria nº 3.296/1986 do então Ministério do Trabalho e Emprego, a adoção do sistema de Reembolso-Creche depende de prévia estipulação em acordo ou convenção coletiva – a qual não existe até o momento. Tal problema havia sido antecipado pelas representantes, que denunciaram, nas audiências públicas, a ausência de sindicatos patronais e os problemas decorrentes disso.

16 CÂMARA DOS DEPUTADOS, supra nota 7. 17 INEP. Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024): Linha de Base. Brasília: INEP, 2015. pp. 28-34. 18 IBGE. “Educação 2019”. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, Rio de Janeiro, 2020. p. 04. 19 INEP, supra nota 17, p. 21. 184

Desse modo, as trabalhadoras domésticas continuam totalmente dependentes das creches públicas, as quais são claramente insuficientes para atender a demanda.

1.3. Fiscalização do Trabalho Doméstico

Também nas audiências públicas, Rosângela Rassy (presidenta do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais) e Tânia Mara Coelho de Almeida Costa (coordenadora-geral de fiscalização do trabalho do então Ministério do Trabalho e Emprego) alertaram sobre a necessidade de criar um sistema de inspeção do trabalho doméstico de acordo com a Convenção nº 189 (art. 17) e a Recomendação nº 201 (arts. 19, b, e 24) da OIT, as dificuldades de garantir tal fiscalização e as alternativas que estavam sendo estudadas. Enquanto a primeira destacou que mais de 90% do atendimento nas Superintendências Regionais era voltado para essas trabalhadoras, principalmente no que concerne a denúncia de condições de trabalho ilegais e/ou desumanas, a busca de orientações sobre seus direitos e a ajuda na realização de cálculos trabalhistas20; a segunda afirmou que a Auditoria Fiscal do Trabalho já estava “discutindo como resolver o problema da fiscalização do trabalho doméstico”21. A Instrução Normativa nº 110/2014 do então Ministério do Trabalho e Emprego foi a primeira normativa a regular os procedimentos de fiscalização do cumprimento das normas relativas à proteção ao trabalho doméstico, estabelecendo a fiscalização indireta como preferencial (art. 1º) – isto é, após recebimento de denúncia, realiza-se a notificação da(o) empregadora para apresentação de documentos em órgão competente (art. 2º) – e a fiscalização do local de trabalho como excepcional, dependendo do consentimento expresso e escrito da(o) responsável pelo domicílio onde ocorre a prestação de serviços (art. 4º). Com a promulgação da LC nº 150/2015, foi alterada a Lei nº 10.593/2002, de modo a estabelecer as regras da fiscalização do local de trabalho – cuja natureza é, prioritariamente, orientadora –, quais sejam: a necessidade de agendamento da visita à residência e de entendimento prévio entre a(o) auditora fiscal e a(o) empregadora (art. 11-A). Obviamente, tais normativas apenas facilitam a realização de fraude pelas(os) empregadoras(es), que não serão pegas(os) em flagrante “porque vai ser maquiada a situação”, como denunciou Creuza22. Ademais, as trabalhadoras domésticas são desmotivadas a fazer denúncias ou relatar o descumprimento de seus direitos por medo de represálias, tendo

20 CÂMARA DOS DEPUTADOS, supra nota 14. 21 CÂMARA DOS DEPUTADOS, supra nota 7. 22 LEITE, supra nota 13, p. 70. 185 em vista a ineficácia do sistema e que, mesmo nos casos de fiscalização indireta, por conta da natureza da relação de trabalho, sua identidade será revelada23.

1.4. Retrocessos e Direitos a Conquistar

Além dos direitos que, apesar de legalmente estendidos às trabalhadoras domésticas, não geraram os efeitos benéficos esperados, a categoria também foi prejudicada por inovações normativas que afetaram todas(os) as(os) trabalhadoras(es) brasileiras(os). A primeira delas foi a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017)24, que pode ser aplicada como fonte normativa subsidiária em caso de omissão da EC nº 72/2013 ou da LC nº 150/2015. Responsável pela alteração de mais de cem artigos da CLT, a Reforma foi extremamente criticada por flexibilizar uma série de direitos previamente conquistados pelas(os) trabalhadoras(es), mas acabou por formalizar algumas questões benéficas para as trabalhadoras domésticas. Dentre as inovações negativas, destacam-se: (i) a permissão de horas extras excedente ao limite diário (art. 61, § 1º); (ii) a homologação sindical opcional (arts. 477, §§ 4º, 6º e 10, e 507-B); (iii) a demissão acordada (art. 484-A); (iv) a contribuição sindical opcional (arts. 545, 578 e 587); e (v) os custos judiciais pagos pela parte perdedora da ação trabalhista (art. 790- B). Já as novidades positivas foram: (i) o período de afastamento contado como tempo de trabalho para rescisão (art. 4º, § 1º); (ii) as atividades particulares não computadas como horas extras (art. 4º, § 2º); (iii) os danos extrapatrimoniais (arts. 223-A a 223-G); (iv) a transferência de titularidade de trabalhadora doméstica (art. 448-A); (v) a definição de benefícios fornecidos à trabalhadora doméstica (art. 458, § 5º); (vi) o reajuste anual de multas administrativas (art. 634, § 2º); e (vii) o limite para o benefício da justiça gratuita (art. 790, §§ 3º e 4º). A segunda inovação normativa foi a Lei da Terceirização (Lei nº 13.429/2017)25, a qual representou uma considerável ameaça às trabalhadoras domésticas, já que facilitou a sua terceirização – processo em crescimento nos últimos anos –, a qual vem acompanhada da precarização das condições de trabalho, seja pela taxa de rotatividade duas vezes maior, pelos

23 RABELO, Janaina da Silva. Implicações Jurídicas do Trabalho Doméstico no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) apresentada à UFC. Fortaleza, 2015. pp. 121-122. 24 Resultante da Mensagem nº 688/2016 do então presidente, Michel Temer, acompanhando a Exposição de Motivos nº 36/2016 de Ronaldo Nogueira de Oliveira, então Ministro do Trabalho e da Previdência Social. 25 Resultante da Mensagem nº 344/1998 do então presidente, Fernando Henrique Cardoso, acompanhando a Exposição de Motivos nº 14/1998 de Paulo de Tarso Almeida Paiva, então Ministro de Estado do Trabalho. 186 salários 27% mais baixos, pelas jornadas de trabalho mais longas, ou pelos maiores índices de acidentes de trabalho26. Por fim, a terceira inovação normativa foi a Reforma da Previdência (EC nº 103/2019)27, que impactou significativamente as trabalhadoras domésticas, as quais precisarão trabalhar mais para conseguir se aposentar, seja pelo aumento da idade mínima para aposentar e pelo fim da aposentadoria somente por tempo de contribuição (art. 4º e art. 40, § 1º, III, da CF); pelo aumento da alíquota de contribuição (art. 28); ou pela diminuição do benefício da aposentadoria por incapacidade permanente para 60% da nova média salarial, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição após o vigésimo (art. 26, § 2º, III), com exceção dos casos em que a incapacidade for decorrente de acidente de trabalho, doença profissional ou doença do trabalho (art. 26, § 3º, II). Além disso, vários outros direitos ainda precisam ser estendidos às trabalhadoras domésticas, como aqueles que beneficiam as trabalhadoras abarcadas pela CLT:

Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: I - publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir; II - recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; III - considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional; IV - exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego; V - impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez; VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias. Parágrafo único. O disposto neste artigo não obsta a adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher.

Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário. § 1º A empregada deve, mediante atestado médico, notificar o seu empregador da data do início do afastamento do emprego, que poderá ocorrer entre o 28º dia antes do parto e ocorrência deste. § 2º Os períodos de repouso, antes e depois do parto, poderão ser aumentados de duas semanas cada um, mediante atestado médico.

26 DIEESE. “Terceirização e Precarização das Condições de Trabalho: Condições de Trabalho e Remuneração em Atividades Tipicamente Terceirizadas e Contratantes”. Nota Técnica, São Paulo, n. 172, mar. 2017. 27 Resultante da Mensagem nº 55/2019 do atual presidente, Jair Bolsonaro, acompanhando a Exposição de Motivos nº 29/2019 de Paulo Roberto Nunes Guedes, Ministro da Economia. 187

§ 3º Em caso de parto antecipado, a mulher terá direito aos 120 dias previstos neste artigo. § 4º É garantido à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais direitos: I - transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem, assegurada a retomada da função anteriormente exercida, logo após o retorno ao trabalho; II - dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para a realização de, no mínimo, seis consultas médicas e demais exames complementares.

Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança ou adolescente será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392 desta Lei. § 4º A licença-maternidade só será concedida mediante apresentação do termo judicial de guarda à adotante ou guardiã. § 5º A adoção ou guarda judicial conjunta ensejará a concessão de licença- maternidade a apenas um dos adotantes ou guardiães empregado ou empregada.

Art. 392-B. Em caso de morte da genitora, é assegurado ao cônjuge ou companheiro empregado o gozo de licença por todo o período da licença-maternidade ou pelo tempo restante a que teria direito a mãe, exceto no caso de falecimento do filho ou de seu abandono.

Art. 393. Durante o período a que se refere o art. 392, a mulher terá direito ao salário integral e, quando variável, calculado de acordo com a média dos seis últimos meses de trabalho, bem como os direitos e vantagens adquiridos, sendo-lhe ainda facultado reverter à função que anteriormente ocupava.

Art. 394. Mediante atestado médico, à mulher grávida é facultado romper o compromisso resultante de qualquer contrato de trabalho, desde que este seja prejudicial à gestação.

Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, durante a gestação; III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, durante a lactação. § 2º Cabe à empresa pagar o adicional de insalubridade à gestante ou à lactante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, por ocasião do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço. § 3º Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário- maternidade, nos termos da Lei no 8.213/1991, durante todo o período de afastamento.

Art. 395. Em caso de aborto não criminoso, comprovado por atestado médico oficial, a mulher terá um repouso remunerado de duas semanas, ficando-lhe assegurado o direito de retornar à função que ocupava antes de seu afastamento.

Art. 396. Para amamentar seu filho, inclusive se advindo de adoção, até que este complete seis meses de idade, a mulher terá direito, durante a jornada de trabalho, a dois descansos especiais de meia hora cada um. § 1º Quando o exigir a saúde do filho, o período de seis meses poderá ser dilatado, a critério da autoridade competente. § 2º Os horários dos descansos previstos no caput deste artigo deverão ser definidos em acordo individual entre a mulher e o empregador.

188

Art. 397. O SESI, o SESC, a LBA e outras entidades públicas destinadas à assistência à infância manterão ou subvencionarão, de acordo com suas possibilidades financeiras, escolas maternais e jardins de infância, distribuídos nas zonas de maior densidade de trabalhadores, destinados especialmente aos filhos das mulheres empregadas.

Enquanto tais direitos não forem conquistados, as trabalhadoras domésticas permanecerão em situação de patente desigualdade em relação a outras(os) trabalhadoras(es), a qual não é justificável com base nas características específicas da sua relação de trabalho.

2 VULNERABILIDADES EM MOVIMENTO

Os últimos anos expuseram as condições de total abuso – e, muitas vezes, análogas ao trabalho escravo – que cercam o cotidiano de muitas trabalhadoras domésticas imigrantes no Brasil28, como serem forçadas a trabalhar por meses sem descanso ou alimentação29, serem vítimas de agressões físicas e verbais e impedidas de sair30, e até serem vítimas de tráfico internacional de pessoas 31 . Mesmo com a ampliação dos direitos das trabalhadoras domésticas, estes não são estendidos à grande maioria das imigrantes que fazem parte da categoria. A migração laboral feminina, comumente associada à feminização da pobreza, está atrelada a vários fatores, como (i) o aumento demográfico; (ii) as necessidades do mercado de trabalho nacional e internacional; (iii) as crises econômicas nacionais e internacionais; (iv) a necessidade de aumentar e diversificar a renda familiar; (v) a pobreza e a falta de oportunidades; (vi) a violência e opressão de gênero dentro do próprio núcleo familiar e comunitário; (vii) o surgimento de uma cultura de migração; (viii) a vontade de se emancipar

28 Ver: PERES, Roberta Guimarães. Mulheres na Fronteira: A Migração de Bolivianas para Corumbá-MS. Tese (Doutorado em Demografia) apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Unicamp. Campinas, 2009; DUTRA, Delia. Mulheres Migrantes Peruanas em Brasília: O Trabalho Doméstico e a Produção do Espaço na Cidade. Tese (Doutorado em Sociologia) apresentada à UnB. Brasília, 2012; REZERA, Danielle do Nascimento. Gênero e Trabalho: Mulheres Bolivianas na Cidade de São Paulo de 1980 a 2010. Dissertação (Mestrado em História) apresentada à USP. São Paulo, 2012; HANDERSON, Joseph. Diáspora: As Dinâmicas da Mobilidade Haitiana no Brasil, no Suriname e na Guiana Francesa. Tese (Doutorado em Antropologia Social) apresentada à UFRJ. Rio de Janeiro, 2015. 29 LOCATELLI, Piero. “Domésticas das Filipinas são Escravizadas em São Paulo”. Repórter Brasil, São Paulo, 31 jul. 2017. 30 LOCATELLI, Piero. “‘Você nem parece gente’: empregadora é investigada por manter doméstica trancada por 8 meses, sem folga e sob ameaças”. Repórter Brasil, São Paulo, 29 mai. 2020; LOCATELLI, Piero; ROSSI, Amanda. “Vítima de tráfico de pessoas e trabalho escravo: a rotina de abusos e multas de doméstica filipina em SP”. Repórter Brasil, São Paulo, 30 jul. 2020. 31 “EMPRESÁRIO é condenado por esquema de tráfico de pessoas e trabalho escravo”. Brasil Econômico, São Paulo, 17 mai. 2018; LOCATELLI, Piero. “Condenado por tráfico de pessoas, empresário chamou de ‘oportunista’ filipina vítima de trabalho escravo”. Repórter Brasil, São Paulo, 17 mai. 2018. 189 e realizar sonhos; (ix) a procura por melhores condições de educação para as(os) filhas(os); e (x) a existência de redes sociais e familiares internacionais32. No Brasil, a vida das mulheres imigrantes é marcada pela intensificação dos processos de exploração; pelo trabalho precarizado e informal; pela vulnerabilidade econômica; pela impossibilidade de acesso a direitos trabalhistas; pelo não conhecimento da língua; pela ausência de vínculos sociais na sociedade de destino; entre outros 33 . Assim sendo, elas concentram-se nos mercados de produção têxtil e do trabalho doméstico, uma vez que este é regulado:

por contratos débeis, ou seja, frágeis, além de estarem acompanhados de todo imaginário servil, da desvalorização ideológica como trabalho, da incidência da informalidade e do fato de realizar-se no espaço do lar. Todos esses elementos apontam a facilidade com que essa atividade favorece a invisibilidade e a indefesa dos sujeitos que se ocupam dele, o que os submete a uma grande margem de discricionariedade para cometimento de abusos, situação ainda mais evidente no caso das migrantes irregulares.34

Ademais, a pandemia provocada pelo Coronavírus (COVID-19) comprovou a manutenção da vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas como um todo. Em meio a enorme insegurança sanitária, política e econômica, o trabalho doméstico foi elevado à “essencial” para a manutenção das famílias das classes média e alta, de modo que, ainda que chefes de família e dependentes do sistema público de saúde, milhares de mulheres por todo o país foram obrigadas a continuar trabalhando. Como criticou a filósofa brasileira amefricana Djamila Ribeiro:

Ainda há aquelas que afirmam que suas empregadas escolheram não se isolar para ajudá-las, como se essas mulheres tivessem opção. E, mesmo que elas se oferecessem para ir trabalhar, visto que é um trabalho e não um quebra-galho, não seria dever da empregadora dizer que o correto seria ela ficar em casa? Claro, com seus pagamentos em dia. Se quem pode ficar em casa e tem salário fixo, ganha bem, não entender que também é um direito da empregada doméstica fazer o mesmo, do que adianta tantos textões pedindo empatia?35

32 DUTRA, Delia. “Mulheres do Sul também Migram para o Sul, Paraguaias no Brasil”. Anuario Americanista Europeo, Madrid, n. 11, pp. 93-108, 2013. p. 95. 33 VILLEN, Patrícia. “Mulheres na Imigração Qualificada e de Baixa Qualificação: Uma Modalidade da Divisão Sexual do Trabalho no Brasil”. In: Anais do VII Congresso Latino-Americano de Estudos do Trabalho. São Paulo, 02-05 jul. 2013. p. 20. 34 BERTOLDO, Jaqueline. “Migração com Rosto Feminino: Múltiplas Vulnerabilidades, Trabalho Doméstico e Desafios de Políticas e Direitos”. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 21, n. 02, pp. 313-323, mai./ago. 2018. p. 318. 35 RIBEIRO, Djamila. “Doméstica idosa que morreu no Rio cuidava da patroa contagiada pelo coronavírus”. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19 mar 2020. 190

Ian Prates, Márcia Lima e o sociólogo brasileiro amefricano Caio Jardim Sousa explicaram que a pandemia não somente gerou uma crise que reproduz e intensifica os padrões de desigualdades de raça, gênero e classe no país, mas, também,

criou mecanismos que exigem um olhar mais cuidadoso para “como” as desigualdades se aprofundam neste momento. As necessárias medidas de distanciamento social expuseram novas clivagens que deslocaram as desigualdades de raça e gênero no mercado de trabalho ao introduzir um novo sentido para o “ficar em casa” e o “estar ocupado”.36

O primeiro óbito registrado no estado do Rio de Janeiro por conta da doença respiratória aguda causada pela infecção com o coronavírus foi de Cleonice Gonçalves, uma senhora de 63 anos que “estava cuidando da patroa, cujo teste havia dado positivo para a Covid-19 após fazer uma viagem para a Itália”, mas insistiu que a senhora continuasse trabalhando normalmente em sua casa37. Como forma de reação, filhas(os) de trabalhadoras domésticas organizaram o movimento Pela Vida de Nossas Mães, por meio do qual exigem: (i) a dispensa remunerada imediata das trabalhadoras mensalistas, com carteira assinada ou informais, e de diaristas; (ii) o adiantamento das férias em sua totalidade ou de forma parcial; e, (iii) no caso das trabalhadoras que residem em seu local de trabalho e fazem parte de grupo de risco, que elas não sejam colocadas em situações de risco de contágio38. Dois dias depois do óbito de dona Cleonice, o Ministério Público do Trabalho emitiu a Nota Técnica n° 04/2020, a qual faz uma série de recomendações às(aos) empregadoras(es) domésticas(os), como a dispensa do comparecimento ao local de trabalho, com remuneração assegurada, no período em que vigorarem as medidas de contenção da pandemia do coronavírus. Obviamente, as orientações não foram seguidas pela grande maioria das(os) empregadoras(es), como exemplifica o caso de Miguel Otávio de Santana. Não tendo com quem deixar o filho e temendo ser demitida, Mirtes Renata de Souza levou-o para seu local de trabalho, a residência do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker, e de sua esposa, Sarí Gaspar Côrte Real. Enquanto a trabalhadora andava com a cadela do casal, Sarí abandonou o menino

36 PRATES, Ian; LIMA, Márcia; SOUSA, Caio Jardim. “Trabalho na Pandemia: Velhas Clivagens de Raça e Gênero”. Nexo Jornal, São Paulo, 29 jun. 2020. 37 Ibidem. 38 PELA VIDA DE NOSSAS MÃES. “Carta Manifesto: Quarentena Remunerada Já Para Domésticas e Diaristas!”. Change.org, São Paulo, 20 mar. 2020. 191 de 5 anos de idade no elevador, o qual morreu poucos minutos depois, após cair do 9º andar do prédio residencial de luxo39. Logo, a relação de dependência voluntária de muitas famílias de classes média e alta em relação ao trabalho doméstico – resultante de seu repúdio quanto à realização desses serviços “sujos”, os quais são incumbidos às mulheres negras e pobres, vistas como as “mais adequadas” a prestá-los já que possuem “hiper-resistência” e “infra-humanidade” 40 – demonstra a preservação dos processos de colonialismo interno e nordomanía que sustentam as históricas relações de dominação patriarcal, racial e colonial que permeiam essa categoria e servem de justificativa para que as vidas de tais trabalhadoras – vistas como itens do domicílio e, consequentemente, substituíveis41 – e de seus familiares sejam entendidas como descartáveis42, já que a carne feminina negra permanece sendo a mais barata do mercado43.

3 IMPORTÂNCIA SIMBÓLICA: A LUTA NÃO FOI EM VÃO

Ainda que o cenário apresentado seja extremamente desanimador, não se pode negar que a PEC das Domésticas representou uma das principais conquistas das trabalhadoras domésticas, seus sindicatos, associações, representantes e aliadas(os), sendo resultado de anos de organização e reivindicação. Como ensinou a jurista estadunidense amefricana Patricia J. Williams, para as minorias, a atribuição de direitos tem um valor simbólico muito significativo, já que elas “colocam essas pessoas dentro do âmbito referencial de si mesmas e dos outros”, elevando seu status de mero corpo humano a ser social44, de modo que a perspectiva de obter plenos direitos perante a lei funciona como “uma fonte de esperança ferozmente motivacional, quase religiosa”, para tais grupos45.

39 VALADARES, João. “Menino de 5 anos que estava aos cuidados da patroa da mãe morre após cair de prédio”. Folha de S. Paulo, São Paulo, 04 jun. 2020. 40 PINHO, Patricia de Santana. “The Dirty Body that Cleans: Representations of Domestic Workers in Brazilian Common Sense”. Meridians, Durham, v. 13, n. 01, pp. 103-128, 2015. 41 Em 2014, a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa introduziu as diretrizes do Novo Critério de Classificação Econômica Brasil, segundo o qual, a partir de 2015, a contratação de trabalhadoras domésticas entraria como uma das variáveis de composição de bens do domicílio. Ver: ABEP. “Alterações na aplicação do Critério Brasil, válidas a partir de 01/01/2015”. ABEP, São Paulo, 04 dez. 2014. 42 LIMA, Márcia. “Deixar Viver, Deixar Morrer: Como as Desigualdades Raciais e de Gênero Foram Intensificadas Durante a Pandemia de Covid-19”. Quatro Cinco Um, São Paulo, 01 set. 2020. 43 PIEDADE, Vilma. Dororidade. São Paulo: Nós, 2017. 44 WILLIAMS, Patricia J. “Alchemical Notes: Reconstructing Ideals From Deconstructed Rights”. Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review, Cambridge, v. 22, n. 02, pp. 401-433, Mar./May 2020. p. 416 – tradução livre. 45 Ibidem, p. 417 – tradução livre. 192

Adaptando os ensinamentos da autora sobre a população negra estadunidense para a realidade das trabalhadoras domésticas nacionais, o não reconhecimento da importância, mesmo que simbólica, de conquistas normativas de direitos negligencia uma longa trajetória de luta contra uma legislação que negava – e, até certo ponto, ainda nega – as necessidades e direitos da categoria, cujo legado continua poderoso até hoje. Não obstante as trabalhadoras domésticas não possam ser tratadas como escravas, ainda existe, na psique nacional, uma tendência profunda e autorreplicante de negação dessas mulheres como trabalhadoras formais, de modo que a batalha pela fiscalização dos direitos já conquistados e pela aquisição de novos mostra-se fundamental46. Portanto, ainda que tenha identificado extensivamente as promessas políticas que não foram atendidas, reforço a responsabilidade e o mérito integrais das trabalhadoras domésticas por todas as conquistas legais – simbólicas ou não – em seu benefício até o momento e que, com a força inabalável de seus sindicatos e associações, mesmo em meio ao desesperador cenário atual, elas permanecem lutando por seus direitos, por reconhecimento, por respeito, por si, por seus familiares, e pelo povo negro e pobre brasileiro.

46 Ibidem, p. 412. 193

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CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Cláudio Puty”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Cleber Verde”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Ivan Valente”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Jair Bolsonaro”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado João Campos”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Lincoln Portela”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em:

=%5B%7B%22autores.nome%22%3A%22Lincoln%20Portela%22%7D%5D&q=%2a>. Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Luiz Alberto”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Marçal Filho”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Marcon”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Pinto Itamaraty”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Rubens Bueno”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

251

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições de Autoria do Deputado Vieira da Cunha”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pela Deputada Antônia Lúcia”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pela Deputada Benedita da Silva”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pela Deputada Fátima Bezerra”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pela Deputada Janete Pietá”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pela Deputada Luiza Erundina”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em:

=%5B%7B%22relatores.nomeRelator%22%3A%22Luiza%20Erundina%22%7D%5D&q=% 2a>. Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pela Deputada Sandra Rosado”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Amauri Teixeira”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Arnaldo Jordy”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Carlos Bezerra”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Cláudio Puty”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

253

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Cleber Verde”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: <:https://www.camara.leg.br/busca- portal?contextoBusca=BuscaProposicoes&pagina=1&order=data&abaEspecifica=true&filtros =%5B%7B%22relatores.nomeRelator%22%3A%22Cleber%20Verde%22%7D%5D&q=%2a >. Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Ivan Valente”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: <:https://www.camara.leg.br/busca- portal?contextoBusca=BuscaProposicoes&pagina=1&order=data&abaEspecifica=true&filtros =%5B%7B%22relatores.nomeRelator%22%3A%22Ivan%20Valente%22%7D%5D&q=%2a >. Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Jair Bolsonaro”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado João Campos”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: <:https://www.camara.leg.br/busca- portal?contextoBusca=BuscaProposicoes&pagina=1&order=data&abaEspecifica=true&filtros =%5B%7B%22relatores.nomeRelator%22%3A%22Jo%C3%A3o%20Campos%22%7D%5D &q=%2a>. Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Lincoln Portela”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Luiz Alberto”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em:

=%5B%7B%22relatores.nomeRelator%22%3A%22LUIZ%20ALBERTO%22%7D%5D&q= %2a>. Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Marcon”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Marçal Filho”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Pinto Itamaraty”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Rubens Bueno”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Proposições Relatadas pelo Deputado Vieira da Cunha”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020.

255

CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Registros das Sessões”. Câmara dos Deputados, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 05 abr. 2019.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Sessão Solene em Homenagem ao Dia Nacional da Empregada Doméstica. Discurso da Deputada Federal Benedita da Silva (PT/RJ). Disponível em: . Acesso em: 21 jul. 2020.

5 DISCURSOS E PROJETOS DO SENADO FEDERAL

BRASIL. Diário do Senado Federal. Ano LI, n. 144, quarta-feira, 07 de Agosto de 1996. Brasília: Senado Federal, 1996.

SENADO FEDERAL. “Audiência Pública: Regulamentação dos Direitos dos Trabalhadores Domésticos”. Senado Federal, Brasília, 17 jun. 2013. Disponível em: . Acesso em: 19 fev. 2020.

SENADO FEDERAL. “PEC das Domésticas”. TV Senado, Brasília, s.d. Disponível em: . Acesso em: 16 ago. 2019.

SENADO FEDERAL. “Proposta de Emenda à Constituição n° 66, de 2012”. Senado Federal, Brasília, 2012. Disponível em: . Acesso em: 02 mar. 2019.

SENADO FEDERAL. “Projeto de Lei do Senado n° 161, de 2009”. Senado Federal, Brasília, 2009. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2020. 256

ANEXOS

257

ANEXO I

TABELA DE PROJETOS DE LEI, DA CÂMARA E DO SENADO, APRESENTADOS ENTRE 1956 E

2009, RELACIONADOS À CONFERÊNCIA E REGULAÇÃO DE DIREITOS ÀS TRABALHADORAS 1 DOMÉSTICAS NO PAÍS

Nº Não Não Tipo Tipo Data Data Estado Estado Autora Autora Data de Data Assunto Assunto Partido/ Partido/ Motivo de Motivo Aprovação Aprovação Apresentação Apresentação Daso Quartinho de Rejeição do Projeto PL 237 03/05/1963 PSD/RJ 01/12/1963 Coimbra Empregada em Plenário Prejudicado pela Emmanuel Regulamentação do PL 1477 27/11/1963 PSP/RJ Rejeição do Projeto nº 12/12/1963 Waismann Trabalho Doméstico 237/1963 Arquivamento pela Getúlio PL 2573 14/03/1965 PSD/RJ Aplicação da CLT Câmara (art. 105 do 14/03/1965 Moura RICD) Arquivamento pela Francisco Regulamentação do PL 923 29/11/1967 MDB/SP Câmara (art. 105 do 08/03/1975 Amaral Trabalho Doméstico RICD) Arquivamento pela Francisco Regulamentação do PL 1929 24/04/1974 MDB/SP Câmara (art. 105 do 08/03/1975 Amaral Trabalho Doméstico RICD) Prejudicado pela Contribuição Aprovação do PL nº Facultativa dos Theodoro 2.409/76 no Senado PL 495 15/05/1975 MDB/SP Empregadores para 06/10/1976 Mendes Federal que se Garantir o Acesso das transformou na Lei nº Trabalhadoras ao SAT 6367/1976 Aviso Prévio e Arquivamento pela Francisco Indenização por PL 1372 13/10/1975 MDB/SP Câmara (art. 105 do 01/02/1987 Amaral Demissão Sem Justa RICD) Causa Arquivamento pela Airton Aplicação da CLT e PL 1442 29/10/1975 MDB/SP Câmara (art. 105 do 02/03/1979 Sandoval Contribuição ao FGTS RICD) Arquivamento pela Francisco Aplicação da Lei do PL 1951 07/04/1976 MDB/SP Câmara (art. 105 do 01/02/1987 Amaral SAT RICD) Rejeição do Projeto PL 2285 13/05/1976 Laerte Vieira MDB/SC Aplicação da CLT 12/06/1979 em Plenário Siqueira Rejeição do Projeto PL 3249 30/11/1976 Arena/GO Aplicação da CLT 27/08/1979 Campos em Plenário

1 A busca pelos projetos foi feita em 11 de abril de 2019, por meio dos mecanismos de busca dos sites da Câmara dos Deputados e Senado Federal, com base nos termos “empregada doméstica”, “empregado doméstico”, “emprego doméstico”, “trabalhadora doméstica”, “trabalhador doméstico” e “trabalho doméstico”, filtrando os resultados de 1956 – data que registrou o primeiro projeto – a 2009, último ano da primeira década do século XXI. Posteriormente, todos os projetos encontrados foram lidos e selecionei apenas os que tinham como foco os interesses das trabalhadoras domésticas (e não os das(os) empregadoras(es), por exemplo). 258

Arquivamento pela Alberto Aplicação da Lei do PL 4101 02/09/1977 MDB/RJ Câmara (art. 105 do 02/03/1979 Lavinas SAT RICD) Arquivamento pela Orestes PLS 144 26/05/1978 MDB/SP Salário Mínimo Câmara (art. 105 do 06/08/1982 Quércia RICD) Arquivamento pela Siqueira Férias Anuais PL 5154 29/05/1978 Arena/GO Câmara (art. 105 do 02/03/1979 Campos Remuneradas RICD) Arquivamento pela Siqueira PL 5187 12/06/1978 Arena/GO Aplicação da CLT Câmara (art. 105 do 02/03/1979 Campos RICD) Franco Férias Anuais PLS 90 02/05/1979 MDB/SP Vetado Totalmente 06/12/1984 Montoro Remuneradas Octávio Regulamentação do Rejeição do Projeto PL 723 12/05/1979 MDB/SP 12/04/1982 Torrecilla Trabalho Doméstico em Plenário Márcio Aplicação da Lei do Rejeição do Projeto PL 1701 23/08/1979 MDB/RJ 31/05/1984 Macêdo SAT em Plenário Arquivamento pelo Saramago Aplicação da Lei do PL 1720 04/09/1979 Arena/RJ Senado (art. 332 do 21/11/1985 Pinheiro SAT RISF) Arquivamento pela Délio dos PL 2234 30/10/1979 MDB/RJ Aplicação da CLT Câmara (art. 105 do 02/02/1983 Santos RICD) Prejudicado pela Benedito Regulamentação do PL 3823 08/10/1980 MDB/SP Rejeição do Projeto nº 12/04/1982 Marcílio Trabalho Doméstico 723/1979 Arquivamento pela Carlos PL 4647 22/05/1981 Arena/RS Contribuição ao FGTS Câmara (art. 105 do 02/02/1983 Chiarelli RICD) Férias Anuais Remuneradas e Arquivamento pela PL 332 06/04/1983 Natal Gale PDS/SP Indenização por Câmara (art. 105 do 01/02/1987 Demissão Sem Justa RICD) Causa Arquivamento pela Cristina Aplicação da Lei do PL 846 16/05/1983 MDB/PE Câmara (art. 105 do 01/02/1987 Tavares SAT RICD) Aplicação da CLT, da Arquivamento pela Cristina PL 1027 26/05/1983 MDB/PE Lei nº 605/1949 e da Câmara (art. 105 do 05/04/1989 Tavares Lei nº 4.090/1962 RICD) Arquivamento pela Francisco PL 1502 27/06/1983 MDB/SP Salário Mínimo Câmara (art. 105 do 05/04/1989 Amaral RICD) Arquivamento pela Aplicação da Lei do PL 5085 20/03/1985 Paulo Zarzur MDB/SP Câmara (art. 105 do 05/04/1989 SAT RICD) Constituir Arquivamento pela Francisco PL 5478 21/05/1985 MDB/SP Associações Câmara (art. 105 do 05/04/1989 Amaral Profissionais RICD) Arquivamento pela Francisco Regulamentação do PL 5675 10/06/1985 MDB/SP Câmara (art. 105 do 01/02/1987 Amaral Trabalho Doméstico RICD) 259

Arquivamento pela Cristina Regulamentação do PL 5907 05/07/1985 MDB/PE Câmara (art. 105 do 01/02/1987 Tavares Trabalho Doméstico RICD) Arquivamento pela Francisco Regulamentação do PL 5960 01/08/1985 MDB/SP Câmara (art. 105 do 01/02/1987 Amaral Trabalho Doméstico RICD) Arquivamento pela Raimundo PL 6190 03/09/1985 MDB/PB Aviso Prévio Câmara (art. 105 do 01/02/1987 Asfora RICD) Indenização por Arquivamento pela Siqueira PL 6510 09/10/1985 Arena/GO Demissão Sem Justa Câmara (art. 105 do 02/02/1987 Campos Causa RICD) Arquivamento pela Márcio Aplicação da Lei do PL 6541 15/10/1985 MDB/RJ Câmara (art. 105 do 05/04/1989 Macêdo SAT RICD) Arquivamento pela Pacheco Aplicação da Lei do PL 6914 09/12/1985 MDB/SP Câmara (art. 105 do 05/04/1989 Chaves SAT RICD) Arquivamento pela Regulamentação do PL 7882 04/07/1986 José Frejat PDT/RJ Câmara (art. 105 do 01/02/1987 Trabalho Doméstico RICD) Arquivamento pela PL 7895 04/07/1986 Paulo Zarzur MDB/SP Aplicação da CLT Câmara (art. 105 do 01/02/1987 RICD) Contagem de Tempo Arquivamento pela Theodoro PL 8228 22/09/1986 MDB/SP de Serviço para Câmara (art. 105 do 05/04/1989 Mendes Aposentadoria RICD) Arquivamento pela Benedita da Regulamentação do PL 748 28/06/1988 PT/RJ Câmara (art. 105 do 05/04/1989 Silva Trabalho Doméstico RICD) Arquivamento pela Regulamentação do PL 830 15/08/1988 Paulo Paim PT/RS Câmara (art. 105 do 05/04/1989 Trabalho Doméstico RICD) Prejudicado pela Aprovação do Substitutivo da Regulamentação do Comissão de Trabalho, PL 1163 22/11/1988 Paulo Paim PT/RS 18/06/1991 Trabalho Doméstico de Administração e Serviço Público (CTASP) oferecida ao PL nº 1626/1989 Apesar de se encontrar Retirada pronta para ser Benedita da Regulamentação do da pauta PL 1626 07/03/1989 PT/RJ discutida em Plenário, Silva Trabalho Doméstico em ela nunca foi apreciada 06/2009 (desde 03/2007) Prejudicado pela Aprovação do Uldurico Remuneração do PL 4021 30/10/1989 MDB/BA Substitutivo da 18/06/1991 Pinto Trabalho Noturno CTASP oferecida ao PL nº 1626/1989 Arquivamento pela Benedita da PL 232 27/03/1991 PT/RJ Seguro-Desemprego Câmara (art. 105 do 31/03/1995 Silva RICD) 260

Fernando Arquivamento pela Aplicação da Lei do PLS 81 16/04/1991 Henrique PSDB/SP Câmara (art. 105 do 09/06/1998 SAT Cardoso RICD) Contribuição Obrigatória dos Arquivamento pela Luiz Carlos PL 3127 10/09/1992 MDB/SP Empregadores para Câmara (art. 105 do 09/06/1998 Santos Garantir o Acesso das RICD) Trabalhadoras ao SAT Prejudicado e Arquivado pela Perda Regulamentação da PL 4653 16/06/1994 Paulo Paim PT/RS de Oportunidade (art. 27/02/2018 Jornada de Trabalho 164, I, do RICD) e Ausência de Recurso Arquivamento pela PL 1223 09/11/1995 João Coser PT/ES Férias Proporcionais Câmara (art. 105 do 31/01/2003 RICD) Discriminação no Uso Marta Apensado ao PLS nº PL 2252 07/08/1996 PT/SP de Elevadores e 14/02/2006 Suplicy 309/2004 Entradas Sociais Prejudicado e Acesso ao Auxílio- Arquivado pela Perda Marluce Acidente (Lei dos PLS 193 04/09/1997 MDB/RR de Oportunidade (art. 06/09/2007 Pinto Planos de Benefícios 164, I, do RICD) e da Previdência Social) Ausência de Recurso Acesso ao Auxílio- José Carlos Acidente (Lei dos Apensado ao PL nº PL 2330 20/01/2000 PFL/RJ 14/02/2000 Coutinho Planos de Benefícios 4864/1998 da Previdência Social) Acesso ao Auxílio- José Carlos Acidente (Lei dos Apensado ao PL nº PL 3020 16/05/2000 PFL/RJ 24/05/2000 Coutinho Planos de Benefícios 4864/1999 da Previdência Social) Prejudicado e Arquivado pela Perda Férias Anuais PLS 138 15/08/2001 Osmar Dias PSDB/PR de Oportunidade (art. 15/02/2007 Remuneradas 164, I, do RICD) e Ausência de Recurso Contribuição ao Devolvido ao Autor José Carlos FGTS, Seguro- PL 5233 28/08/2001 PFL/RJ (art. 137, § 1º, da 18/10/2001 Coutinho Desemprego e Vale- RICD) Transporte Arquivamento pela Proibição de Efetuar PL 6801 15/05/2002 Luiz Alberto PT/BA Câmara (art. 105 do 31/01/2003 Descontos no Salário RICD) Estabilidade Arquivamento pela Rogério Cidadania PL 352 17/03/2003 Provisória à Câmara (art. 105 do 01/07/2003 Silva /MT Trabalhadora Gestante RICD) Acesso ao Auxílio- Acidente, Salário- Família e Salário- Arquivamento pela Ângela PL 1615 05/08/2003 PT/SP Maternidade e Período Câmara (art. 105 do 31/01/2007 Guadagnin de Carência (Lei dos RICD) Planos de Benefícios da Previdência Social) 261

Apesar de se encontrar Proibição de Efetuar pronta para ser Desde PL 1652 12/08/2003 Luiz Alberto PT/BA Descontos no Salário discutida em Plenário, 11/04/2011 ela nunca foi apreciada Arquivamento pela Selma Férias Anuais PL 1850 02/09/2003 PT/PR Câmara (art. 105 do 15/02/2007 Schons Remuneradas RICD) Aguardando Almerinda de Desde PL 2619 27/11/2003 MDB/RJ Seguro-Desemprego Apreciação pelo Carvalho 26/10/2005 Senado Federal Prejudicado e Contratação por Eduardo Arquivado (art. 133 do PL 2889 27/01/2004 PT/RO Tempo Parcial 03/10/2005 Valverde RICD) e Ausência de (Diarista) Recurso Eduardo Férias Anuais Apensado ao PL nº PL 2890 27/01/2004 PT/RO 29/01/2004 Valverde Remuneradas 6402/2002 Prejudicado e Recolhimento da Eduardo Arquivado (art. 133 do PL 2891 28/01/2004 PT/RO Previdência Social 15/03/2005 Valverde RICD) e Ausência de pelo Empregador Recurso Prejudicado e Casa da Acolhida do Chico Arquivado (art. 133 do PL 3329 07/04/2004 PT/RJ Empregado 19/10/2005 Alencar RICD) e Ausência de Doméstico Recurso Contribuição ao FGTS, Férias Anuais Remuneradas, Apensado ao PL nº PL 3782 15/06/2004 Dra. Clair PT/PR Estabilidade 11/06/2012 3952/2012 Provisória à Trabalhadora Gestante e Seguro-Desemprego Estabilidade Arquivamento pela Mário Assad PL 3871 29/06/2004 PL/MG Provisória à Câmara (art. 105 do 31/01/2007 Júnior Trabalhadora Gestante RICD) Férias Anuais Corauci Apensado ao PL nº PL 4130 14/09/2004 PFL/SP Remuneradas e Férias 23/09/2004 Sobrinho 6402/2002 Proporcionais Prejudicado e Arquivado pela Perda Sandra Proibição de Efetuar PL 6273 29/11/2005 PSB/RN de Oportunidade (art. 23/05/2007 Rosado Descontos no Salário 164, I, do RICD) e Ausência de Recurso Pastor Discriminação no Uso Apensado ao PL nº PL 6573 31/01/2006 PTB/RS 02/02/2006 Reinaldo de Elevadores Sociais 2252/1996 Luiz Marinho Apensado ao PL n° PL 7363 20/07/2006 (Ministro do - Contribuição ao FGTS 23/10/2006 3782/2004 Trabalho e do Emprego) Acesso ao Auxílio- Acidente, Salário- Arquivamento pela Sandes Progressistas PL 249 28/02/2007 Família e Salário- Câmara (art. 105 do 31/01/2019 Júnior /GO Maternidade e Período RICD) de Carência (Lei dos 262

Planos de Benefícios da Previdência Social)

Mudar Denominação Arquivamento pela Luciana PL 4787 04/03/2009 PL/SP Funcionário do Câmara (art. 105 do 31/01/2011 Costa para “ Lar” RICD) Rodrigo Apensado ao PL nº PL 4897 24/03/2009 PSB/DF Seguro-Desemprego 01/04/2009 Rollemberg 3782/2004 Devolvida pelo Relator da Comissão Serys PLS 160 27/04/2009 PT/MT Definição de Diarista de Seguridade Social e 08/05/2018 Slhessarenko Família (CSSF) sem Manifestação Reduzir a Arquivamento pelo Serys Contribuição Social PLS 161 27/04/2009 PT/MT Senado (art. 332 do 16/03/2015 Slhessarenko do Empregado RISF) Doméstico Arquivamento pelo Carlos Contrato de PL 5140 29/04/2009 MDB/MT Senado (art. 332 do 30/04/2019 Bezerra Experiência RISF) Contribuição Previdenciária e Comissão de Acesso ao Auxílio- Apensado ao PL nº PL 6030 10/09/2009 Legislação - 25/09/2009 Acidente (Lei dos 3782/2004 Participativa2 Planos de Benefícios da Previdência Social) Acesso ao Auxílio- Acidente (Lei dos Planos de Benefícios Marinha da Previdência Social) Apensado ao PL nº PL 6671 17/12/2009 MDB/RO 05/05/2010 Raupp e Estabilidade 6030/2009 Provisória de Trabalhadora Gestante ou Acidentada

2 Com base na Sugestão (SUG) nº 103/2005 do Centro do Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro e na SUG nº 104/2008 do Instituto FGTS Fácil. 263

ANEXO II VOTAÇÃO DA PEC NA CÂMARA DOS DEPUTADOS – 1º TURNO (QUINTA-FEIRA, 22 DE NOVEMBRO DE 2012)

MARÇAL FILHO (MDB-MS) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, fui designado pelo meu Líder, o Deputado Henrique Eduardo Alves, para presidir a Comissão Especial que trata da Proposta de Emenda à Constituição 478. Prazerosamente, presidi essa Comissão. E, durante todo o transcorrer dos seus trabalhos, nós pudemos discutir, com os mais diversos setores envolvidos, a questão da igualdade dos direitos trabalhistas no tocante às empregadas domésticas. Ouvimos membros do Governo e da sociedade, pudemos ampliar realmente o leque de discussões, para que todos fossem consultados e pudessem colaborar no sentido de fazer com que essa categoria, essa classe de trabalhadores não ficasse à margem da sociedade, como acontece hoje. Considero que os empregados domésticos são os únicos trabalhadores do Brasil que ainda continuam sem aqueles direitos que todos os demais, de todas as classes, já possuem. É preciso que façamos justiça com essa classe, para que a discriminação que ocorre hoje não continue num país que se diz desenvolvido, que quer evoluir cada vez mais e que foi um dos signatários, na Organização Internacional do Trabalho, da convenção acerca da igualdade trabalhista em todo o mundo. O Governo brasileiro se comprometeu com isso. Procuramos estudar essa proposta de emenda à Constituição, apresentada pelo nosso nobre colega de partido, o Deputado Carlos Bezerra, que está aqui presente e tão brilhantemente representa um Estado vizinho ao nosso, Mato Grosso. E, dentro das possibilidades, a Relatora Benedita da Silva pôde apresentar seu relatório de forma objetiva, mas também se resguardando no sentido de fazer com que, na prática, todos esses direitos sejam realmente executados. A Deputada Benedita, em várias ocasiões, pôde reunir todas as partes envolvidas, fazendo com que, a partir da aprovação, nós possamos ter alguns direitos que serão colocados em prática imediatamente, como a limitação da jornada de trabalho, a hora extra e o adicional noturno, mas muitos outros itens vão ser evidentemente regulamentados por lei ordinária ou por medida provisória, dependendo de como vamos levar adiante esse assunto. Acreditamos que, com a aprovação dessa proposta de emenda à Constituição, vamos dar um passo importante para corrigir uma injustiça que acontece em nosso País, visando proteger uma classe que faz um trabalho digno e honesto, como outro qualquer, e que merece o nosso respeito. 264

Muitos dizem: “Mas vai acontecer desemprego. Muitas empregadas domésticas serão demitidas”. Acreditamos, porém, que haverá uma adaptação da sociedade, como já aconteceu em outros países. Aquelas pessoas que não puderem pagar uma empregada doméstica no seu cotidiano, no seu dia a dia, vão fazer na forma de diarista. Não interessa, não importa. O que é necessário é resguardar o direito de uma classe que trabalha, de uma classe que se dedica, de uma classe que vem sendo injustiçada ao longo do tempo. Considero a forma atual, sem que a empregada tenha, inclusive, uma jornada de trabalho definida, como um resquício da escravatura. Como um trabalhador pode não ter definido um número exato de horas de trabalho máximo permitido? Hoje, a empregada doméstica pode ser utilizada para trabalhar 12, 14 horas, porque não existe nenhuma previsão legal para isso. Então, nós precisamos dar esse primeiro passo, que é importantíssimo. E eu me sinto muito feliz de ter presidido uma Comissão que marca um momento histórico em nosso País: o resgate de uma classe que precisa da proteção e dos direitos que todos os outros trabalhadores já têm. A classe das empregadas domésticas não possui nenhum destes direitos básicos: jornada de trabalho definida, hora extra remunerada e adicional noturno, caso trabalhe também nesse horário. Acreditamos que, a partir deste momento, com a aprovação que faremos hoje, não vamos parar a luta, evidentemente. Teremos que continuá-la para colocar esses direitos efetivamente em prática. Não podemos deixar que esses direitos fiquem apenas no papel. Sabemos que, em muitos lugares do País, as empregadas domésticas nem têm carteira assinada, quando, na realidade, a carteira assinada já é uma obrigação. Acho que a Câmara, ao aprovar hoje essa mudança na Constituição, fará com que, a partir de agora, possamos verdadeiramente assegurar esses direitos que as nossas empregadas domésticas merecem.

BENEDITA DA SILVA (PT-RJ) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, venho à tribuna, neste momento, dizer da minha satisfação e alegria por poder, mais uma vez, contribuir com esta Casa de Leis. Tive a honra de ser a Relatora da Emenda Constitucional apresentada pelo Deputado Carlos Bezerra e pela Comissão Especial criada para tratar da matéria, sob a Presidência do Deputado Marçal Filho. Na qualidade de Relatora, pude fazer uma retrospectiva até o momento da Constituinte, quando aqui estiveram as trabalhadoras domésticas e quando tivemos a oportunidade de reconhecer, na Constituição Federal, aquela categoria profissional, ainda que então não pudéssemos avançar no que dizia respeito aos seus direitos. 265

Naquele momento, esta Casa deu uma demonstração de que não iríamos discriminar, de forma alguma, qualquer trabalhador ou trabalhadora, principalmente aquele segmento advindo de histórias profundas, do processo de colonização brasileiro, das senzalas – escravos e escravas que, com a Lei do Ventre Livre, a Lei do Sexagenário e a própria Lei Áurea, após 1888, após a Abolição da Escravatura, viram-se livres, mas sem emprego, sem carteira assinada, sem possibilidade de caminhar na sua trajetória. Esta Casa resgata, por intermédio dessa PEC, a possibilidade de ampliarmos os direitos dessa classe, equiparando-os aos direitos dos demais trabalhadores. Na época, como agora, alguns diziam que iríamos criar um grande desemprego para essas pessoas. Nós provamos que não, porque estamos lutando para que todos os trabalhadores e trabalhadoras tenham os seus direitos garantidos. Esta Casa, comprovadamente, já votou jornadas de trabalho, e continuamos votando aqui inclusive piso salarial. Não era possível, portanto, discriminarmos uma parcela que hoje é de mais de 7 milhões de trabalhadores, dos quais sequer 10% estão com a sua situação legalizada do ponto de vista dos seus direitos. É isso o que esta Casa resgata nesta tarde. A iniciativa do Deputado Carlos Bezerra de apresentar essa Emenda Constitucional teve o cuidado de nos dar a oportunidade, nesta tarde, de fazer justiça a essa categoria e trazer para este Plenário a possibilidade de promover empregabilidade e trabalho legal – e disso que trata essa Emenda. Mais ainda: temos aqui a probabilidade de, daqui a pouco mais, referendar a Convenção nº 189, da Presidência da República, que está acompanhando essa Emenda e a aprova – haja vista a articulação feita com o Governo, com a federação das trabalhadoras e com as centrais sindicais, que estão muito bem articuladas e apoiadas por esta Comissão Especial. Nas muitas audiências públicas que fizemos, puderam ser compreendidas e incorporadas as sugestões que ali chegaram do mundo jurídico, do mundo do trabalho e do mundo dos movimentos das trabalhadoras e dos trabalhadores. Meus agradecimentos, sem dúvida alguma, principalmente à Beatriz, que nos acompanhou nesta Relatoria como consultora, e ao Presidente Marçal Filho, que, com muita propriedade, conduziu os trabalhos. Parabéns ao Carlos Bezerra pela iniciativa e pelo cuidado na apresentação dessa emenda. Peço aos nobres pares – e já vi ali no painel a unanimidade – que nós possamos, então, expressar essa unanimidade no voto. Digitem e votem “sim”. 266

VIEIRA DA CUNHA (PDT-RS) – Sr. Presidente, colegas Deputados, tive realmente a honra de relatar a matéria na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Apresentei, com muita convicção, parecer pela admissibilidade da proposta, porque considero – e temos aqui vários colegas legisladores e Constituintes – que o texto da Carta Magna de 1988 representou um grande avanço no que diz respeito ao ordenamento jurídico e institucional do nosso País. Sem dúvida alguma, em relação aos trabalhadores domésticos, houve um dispositivo, que é exatamente esse que queremos hoje revogar, o parágrafo único do art. 7º, que fez com que os trabalhadores domésticos fossem discriminados, não de acordo com a peculiaridade da sua relação de emprego, mas em relação a direitos que eles, mesmo tendo em vista a peculiaridade da sua situação laboral, deveriam receber, como todo trabalhador brasileiro recebe. Portanto, essa PEC, para a qual estou pedindo o apoiamento dos colegas, vem, na verdade, resolver um problema decorrente ainda daquele debate da Constituinte de 1986. A partir de agora, repito, evidentemente ressalvadas as peculiaridades, as especificidades da relação de trabalho doméstico, os trabalhadores domésticos passam a ter respeitados os seus direitos. Como disse a Deputada Benedita desta tribuna, a situação de hoje não deixa de ser um verdadeiro resquício da época escravocrata do nosso País. Não é possível que nós possamos continuar convivendo com essa discriminação odiosa a que são submetidos os trabalhadores domésticos do Brasil, ainda mais tendo em conta, tendo em vista que a imensa maioria desses trabalhadores são empregadas negras. Trata-se, portanto, de uma discriminação que tem, como pano de fundo, a questão racial, do racismo. E todos nós queremos extirpar do nosso País esse tipo de preconceito. Portanto, colegas Deputados, eu finalizo fazendo um apelo para que todos nós votemos “sim” à PEC, a fim de que possamos fazer justiça aos milhões de trabalhadores domésticos do nosso País, particularmente às milhões de empregadas domésticas que esperam por isso e que têm o direito de serem tratadas como verdadeiras trabalhadoras que são.

CARMEN ZANOTTO (Cidadania-SC) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, por intermédio da prezada Deputada Benedita da Silva, Relatora da matéria, eu quero saudar todos os Parlamentares que trabalharam para que efetivamente a Proposta de Emenda Constitucional nº 748, de 2010, viesse a este plenário, para que, na tarde de hoje, o conjunto dos Deputados, conforme o próprio painel já mostra, pudesse aprovar o seu texto, que 267 reconhece o emprego doméstico, mesmo com 50 anos de atraso, porque ele foi regulamentado em 1972 – e, queira Deus, por unanimidade. Daquele momento para cá, muitos avanços aconteceram para a categoria, como carteira assinada, INSS, 13º salário, repouso semanal, férias e feriados. A Constituição de 1988 também trouxe alguns avanços, mas deixou as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos ainda numa situação desigual com relação aos demais trabalhadores do País. E, na tarde de hoje, nós temos a oportunidade de votar e corrigir esse grande equívoco que ainda, podemos dizer, mancha a nossa Constituição Federal. Com essa aprovação, nós vamos assegurar, para essa categoria, o seguro-desemprego, o FGTS, a proteção contra a demissão sem justa causa, o pagamento da hora extra e o seguro contra acidente de trabalho. São milhares e milhares de trabalhadores, especialmente mulheres que, além de cuidarem do seu domicílio, além de cuidarem da sua prole, dos seus filhos, cuidam das nossas casas. Portanto, nada mais justo do que dar a esse conjunto da população brasileira, formado especialmente por mulheres, o direito dos demais trabalhadores brasileiros. Deputada Benedita, quero, na condição de Parlamentar e, em especial, de integrante da bancada feminina, parabenizá-la por sua sensibilidade e por sua história e dizer o quanto este Parlamento é importante em razão de sua diversidade, uma vez que cada um de nós traz para esta Casa um pouco da nossa história de vida. Parabéns, Presidente! Parabéns, nobres Deputados! E reafirmo: tomara que todos os votos sejam “sim”!

ARNALDO JORDY (Cidadania-PA) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, quero apenas ratificar o que já foi dito aqui pelos Deputados que nos antecederam. Essa é uma conquista civilizatória da sociedade brasileira, e não só da categoria que exerce a sua atividade laboral ainda em condições muito precárias, com absoluta insegurança do ponto de vista de direitos que já estão consolidados para praticamente todas as outras atividades econômicas do nosso País. Infelizmente, em pleno século XXI, esta Casa, este Poder Legislativo ainda está discutindo isso. Finalmente, estamos encerrando a página desse débito, dessa dívida que o Estado brasileiro e a sociedade têm com esses trabalhadores da atividade doméstica. Portanto, conseguimos hoje dar isonomia. E eu parabenizo todas as entidades sindicais, as associações, o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas, a Federação das 268

Trabalhadoras Domésticas e todos aqueles que têm labutado e empreendido essa luta ao longo dos últimos anos, por essa conquista que se consagra aqui hoje, para garantir o direito e a dignidade dessa atividade laboral, contra o preconceito de que iria produzir desemprego ou alguma instabilidade na regularidade dessa atividade. Nós temos a certeza de que não acontecerá isso com esse direito civilizatório, que se consagra para todos os segmentos que não são preteridos do ordenamento jurídico e do amparo que a legislação brasileira já oferece para outros segmentos.

AMAURI TEIXEIRA (PT-BA) – Sr. Presidente, primeiro, quero parabenizar o autor, o Deputado Carlos Bezerra; V. Exa., que foi o Presidente da Comissão, e a nossa Relatora, a Deputada Benedita da Silva, que teve um papel fundamental para essa PEC vir ao plenário. Eu fiz parte da Comissão e me esforcei muito para que a proposta viesse a plenário. Quero parabenizar minha amiga Creuza, Presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, trabalhadora doméstica e lutadora da Bahia. Faço um apelo para todos os Deputados. Nós vivemos no século XXI. Estamos dando a última carta de alforria a um trabalhador, porque as domésticas ainda vivem sob a condição de semiescravidão. Um trabalhador que não tem jornada mínima definida em instrumento legal ainda é semiescravo. Um trabalhador que ainda não tem direito à hora extra é semiescravo. Um trabalhador que ainda não tem direito a períodos intrajornada e não tem adicional noturno é semiescravo. Então, em pleno século XXI, nós estamos concedendo a última carta de alforria. Estamos emancipando a última categoria de semiescravos deste País: as grandes profissionais empregadas domésticas. Esse discurso de quem diz que empregada doméstica é quase um membro da família é mais assédio moral, assédio sexual e desrespeito a uma profissional do que propriamente um tratamento digno. O que queremos é que a empregada doméstica seja tratada como profissional e tenha assegurados os direitos de empregada, Deputado Marcon. Sr. Presidente, o que provoca desemprego hoje não é o fato de a empregada doméstica ter mais direito, não. Isso é conversa fiada! É falácia! Muita gente está deixando de ser empregada doméstica, porque, com o mercado de trabalho aquecido, tem chance de se tornar comerciária. Então, as empregadas domésticas estão deixando de ser domésticas para serem comerciárias e participarem de outras categorias. 269

Regulamentada a profissão, nós vamos profissionalizar a categoria e vamos ter uma oferta maior. Se não dermos esse direito às domésticas, essa categoria vai sumir, porque não é admissível haver semiescravos em pleno século XXI. Eu apelo para todos no sentido de que votem “sim”, que votem pela igualdade de direitos entre as domésticas e os demais trabalhadores.

PINTO ITAMARATY (PSDB-MA) – Sr. Presidente, quero aproveitar este momento para parabenizar esta Casa por ter pautado essa PEC. Ao mesmo tempo, quero parabenizar V. Exa., que presidiu a Comissão Especial que tratou dos direitos das empregadas domésticas. No projeto não há demagogia; há, na verdade, uma defesa daquilo que já era para ter sido feito há muito tempo. São os direitos das trabalhadoras brasileiras do serviço doméstico. Dessa forma, hoje, o FGTS é facultativo, mas passará a ser obrigatório. As empregadas não têm direito ao seguro-desemprego. Qualquer uma que for demitida passará a ter direito a seguro-desemprego, como qualquer trabalhador ou qualquer trabalhadora brasileira. Dessa forma, ganha a sociedade brasileira. Evidentemente, toda vez que há uma mudança e alguém tem que gastar um pouco mais, há uma resistência. É um processo natural até da cultura do País, mas precisamos nos adequar, precisamos entender que essas pessoas que nos ajudam diuturnamente em nossas residências e cuidam dos nossos filhos precisam ter seus direitos reconhecidos. E é desta forma que eu defendo a PEC; é desta forma que eu parabenizo a Relatora Benedita, que eu parabenizo esta Presidência, que, no momento, está sendo exercida e que também conduziu com muita eficácia, defendeu com muita capacidade e competência a Comissão Especial que tratou, discutiu, buscou o consenso e os acordos possíveis para que essa PEC fosse pautada e pudesse ser aprovada. Eu não tenho a menor dúvida de que esta Casa dá uma demonstração de reconhecimento por uma profissão que é antiga em nosso País, dando a todas as empregadas brasileiras, da linha doméstica, os direitos que são necessários. A empregada tem que ter o seus direitos reconhecidos, assim como as horas extras, 8 horas por dia, o FGTS, o seguro desemprego, entre outros direitos. Por isso, eu quero estar junto de todo o Plenário, de todos os colegas Deputados que, inclusive, por unanimidade, estão votando “sim”, com alguma exceção. O País dá uma demonstração de reconhecimento daquilo que já deveria ter feito há muito tempo. 270

Então, parabéns a todos! E parabéns a todas as empregadas domésticas deste País, que, a partir da aprovação desse projeto em primeiro e segundo turno e depois da sua sanção, passarão a gozar do direito que é de todos os trabalhadores brasileiros.

CARLOS BEZERRA (MDB-MT) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, em primeiro lugar, eu quero repelir aqui as palavras do Deputado Jair Bolsonaro. Também com relação ao salário mínimo, o neoliberalismo no Brasil ficou décadas dizendo que o salário mínimo não poderia chegar a 100 dólares ou passar de 100 dólares, porque iria falir as pequenas empresas, as Prefeituras do Nordeste, iria acontecer isso e aquilo. E hoje o salário mínimo é de 310 dólares e não faliu ninguém. E o povo brasileiro está vivendo muito bem – não tão bem como deveria, mas houve um avanço significativo. Do mesmo modo é a questão das domésticas. Esse tema vem sendo debatido, e a área econômica vem fazendo esse discurso do Deputado Bolsonaro, que não tem nada a ver com a realidade. Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, ontem, aqui nesta Casa, foi realizado um ato a favor da Proposta de Emenda à Constituição nº 478, de 2010. O evento foi organizado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias, presidida pela Deputada Érika Kokay. Participaram Parlamentares, empregados domésticos e representantes de entidades representativas da categoria. A PEC 478, de 2010, de minha autoria, estabelece aos trabalhadores domésticos os mesmos direitos trabalhistas dos demais trabalhadores urbanos e rurais. A proposta foi aprovada no último dia 7 deste mês de novembro na Comissão Especial desta Casa, designada pelo Presidente, Deputado Marco Maia. A PEC foi relatada pela Deputada Benedita da Silva, sob a Presidência do Deputado Marçal Filho. Agora, a PEC precisa ser aprovada em dois turnos por este Plenário – vejo que já alcançamos o quorum de 310 votos, e o quorum é de 308, então já passamos 2 votos –, para depois seguir para a análise do Senado. Temos, hoje, portanto, a primeira oportunidade de aprovar este que eu considero um relevante instrumento de cidadania. A PEC 478 revoga o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal. A proposta prevê a jornada máxima de 8 horas por dia, 44 horas por semana, adicional noturno e pagamento de hora-extra. O recolhimento do Fundo de Garantia, que era opcional, passa a ser obrigatório. Em caso de demissão, os empregados domésticos já têm direito a aviso prévio, pagamento de 13º salário e férias proporcionais. Com a mudança, os patrões pagam também a multa de 40%, e os empregados podem receber o seguro desemprego, entre outros benefícios. 271

Cerca de 7 milhões de trabalhadores domésticos poderão ser beneficiados com a proposta. Tenho declarado que essa foi a melhor coisa que fiz na minha vida pública, em 40 anos, nos diversos cargos que já exerci, seja como Prefeito, Governador, Senador, Deputado Federal. Vamos aprovar essa carta de alforria, que é uma conquista histórica dos trabalhadores domésticos de todo o País. Vamos apagar essa infâmia, essa injustiça na nossa Constituição. A nossa Constituição democrática não pode marginalizar trabalhadores. Conforme bem ressaltou o Deputado Marçal Filho, um país que se diz civilizado não pode permitir que esses empregados não tenham os mesmos direitos dos outros. O Brasil é um dos países que mais empregam trabalhadores domésticos, e também, conforme a Presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD), Creuza Maria Oliveira, o nosso País é um dos que mais avançaram nos últimos anos na instituição de direitos para a categoria. Conforme bem observa a Presidenta da FENATRAD, com a aprovação da PEC 478/2010, o Brasil poderá se destacar, entre todas as nações integrantes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como a primeira nação a ratificar a Convenção sobre o Trabalho Decente para Trabalhadores Domésticos, aprovada em junho do ano passado, em Genebra, na Suíça. Tomei a iniciativa de apresentar essa proposta de emenda à Constituição ao ver o Governo Federal ter “recuado” desse propósito, em 2008, quando começou a elaborar um estudo para estabelecer um tratamento isonômico entre os trabalhadores. A tarefa foi entregue a um grupo multidisciplinar que envolveu a Casa Civil e os Ministérios do Trabalho e Emprego, da Previdência Social, da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão. Infelizmente, os trabalhos iniciados em 2008, no Governo Federal, foram interrompidos e permaneceram inconclusos. A principal dificuldade encontrada pelos técnicos do Governo Federal para a conclusão dos trabalhos foi o argumento de aumento dos encargos financeiros. Diziam que o salário mínimo de 100 dólares iria quebrar o Brasil. E não quebrou. Hoje, o salário mínimo vale muito mais do que isso, melhorou a qualidade de vida dos trabalhadores, e o Brasil continua crescendo. Assim estão fazendo com relação às domésticas. Sim, reconhecemos que a medida elevará os encargos sociais e trabalhistas. Porém, o sistema hoje em vigor permite a existência de trabalhadores de segunda categoria, o que devemos considerar como um atraso no processo democrático. Isso é uma vergonha, uma nódoa que temos o dever histórico de apagar da nossa Constituição. 272

Acredito na sensibilidade da Presidenta Dilma, no sentido de corrigir essa injustiça, após os trabalhos desta Casa do Congresso Nacional. Observo que, durante todos os trabalhos da Comissão Especial designada pelo Presidente desta Casa, Deputado Marco Maia, nas audiências públicas não houve uma voz sequer contrária à proposta. Foram convidados representantes de diversas entidades ligadas à categoria de trabalhadores, além de palestrantes do Ministério Público e do Tribunal do Trabalho. Para a Diretora da ONU Mulheres Brasil e Cone Sul, Rebecca Tavares, esta PEC representa uma “abolição” de trabalhadores que vivem à margem dos direitos trabalhistas. Conforme a Diretora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), organização não governamental que luta pela cidadania das mulheres, Natália Mori Cruz, os empregados domésticos trabalham em média 54 horas semanais, quando a Constituição Federal estabelece o limite máximo de 44 horas. Disse Natália Cruz, por ocasião de uma audiência pública:

A Constituição Federal, tida como uma “Constituição cidadã”, permitiu essa desigualdade de direitos. Só essa categoria ficou isenta de uma série de direitos trabalhistas. O que justifica uma categoria não ter uma jornada de trabalho estabelecida? Com essa emenda à Constituição estaremos corrigindo uma dívida histórica!

O Procurador do Ministério Público do Trabalho, Antônio de Oliveira Lima, disse não acreditar que uma legislação nova possa causar desemprego entre os empregados domésticos. Ressaltou, o Procurador, que a sociedade brasileira está avançando com as discussões da PEC para corrigir essa distorção da Carta de 1988. Para a apresentação da PEC, em abril do ano passado, eu fiz questão de colher, pessoalmente, as assinaturas em apoio à proposta. Consegui 208 assinaturas. O Regimento Interno exige, no mínimo, um terço dos 513 Deputados. Só não consegui mais apoio porque o plenário estava meio vazio. Mas a PEC foi muito bem recebida pelos colegas Parlamentares, com raríssimas exceções. Ressalto que, desde o primeiro dia em que procurei o Deputado Marco Maia, em busca do seu apoio, ele se mostrou completamente dedicado, sensível à questão, pela importância da medida. Em 18 de maio de 2011, o Deputado Marco Maio assinou ato da Presidência decidindo criar Comissão Especial destinada a proferir parecer à PEC. Elogio a postura do Presidente Marco Maia, que dedicou total apoio à PEC. Outras 150 propostas de emendas à Constituição aguardavam autorização para instalação de Comissão, sendo que esta dos trabalhadores domésticos foi encaminhada à frente de todas. 273

Confio plenamente no apoio do Presidente desta Casa, Deputado Marco Maia, para a aprovação desta emenda em plenário, assim como tenho todo o empenho do meu partido, o MDB, para o pleno êxito dessa votação. E eu não tenho a menor dúvida de que a aprovação desta PEC será uma das maiores conquistas – senão a maior – da gestão do nobre colega, Deputado Marco Maia. A Convenção 189 da OIT, de junho de 2011, amplia os direitos já consagrados aos demais trabalhadores para os trabalhadores domésticos. Como Estado-membro da OIT, o Brasil, portanto, se diz “presente” ao ampliar os direitos aos trabalhadores domésticos. Ratifiquemos a convenção da OIT! Estaremos dando um exemplo para o mundo ao apagar das páginas da nossa Constituição resquícios da mão longa da escravidão! Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, a Comissão Especial designada para analisar a PEC foi composta por 25 membros, indicados pelas lideranças partidárias. Acompanhei esse trabalho e percebi a dedicação de todos, porque o sentimento comum era o de que, a partir dali, estávamos todos virando uma página da nossa história. Uma página para ficar apenas na triste lembrança. Lembro que, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, a PEC foi aprovada com parecer totalmente favorável do Relator, Deputado Vieira da Cunha. Vieira da Cunha enalteceu a iniciativa de adequar a Constituição aos princípios trabalhistas contemporâneos. Disse, na oportunidade, o Deputado Vieira da Cunha: “Comungo com o entendimento do Deputado Carlos Bezerra, de que não há justificativa ética para que possamos conviver com mais tempo com essa iniquidade”. A matéria mereceu ampla discussão na CCJ, pouco tempo depois de o então Ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, ter se manifestado favorável à igualdade de direitos entre os trabalhadores, na Convenção de Genebra, onde foi realizada a Conferência Internacional do Trabalho. Para o então Ministro Lupi:

A trabalhadora e o trabalhador doméstico encontram-se expostos a um sem-número de vulnerabilidades, abusos e discriminações – em virtude de gênero, raça, cor, etnia. No Brasil, o setor dos trabalhadores domésticos ocupa aproximadamente milhões de trabalhadoras e trabalhadores, desprotegidos em sua imensa maioria, pela ausência de um contrato formal de trabalho e submetidos a jornadas de trabalho excessivas e sem proteção social.

Peço o apoio dos nobres colegas para a aprovação desta PEC aqui em plenário. Vamos fazer a nossa parte. Milhões de trabalhadores contam com o nosso apoio. Essa é uma falha grave na nossa Constituição. Precisamos acabar com essa infâmia! 274

Por último, Sr. Presidente, eu quero aqui agradecer pela ajuda decisiva ao Presidente Marco Maia, que entendeu o sentido da proposta. Tinha 150 emendas na frente dessa emenda, e S. Exa. a colocou na frente, a nosso pedido, e nos garantiu a votação dela ainda este ano. Eu acho que esse é o ponto mais alto da gestão do Presidente Marco Maia. Também reconheço aqui o grande trabalho feito pela Deputada Benedita da Silva, que, com muita competência, muito democraticamente, elaborou seu relatório favorável a essa emenda. Parabéns ao Presidente Marçal, que soube muito bem presidir essa Comissão Especial! E parabéns à Câmara dos Deputados, por aprovar em primeiro turno essa emenda!

MARCON (PT-RS) – Sr. Presidente, Deputado Marçal, quero saudar todos os Deputados e Deputadas, o Deputado Carlos Bezerra, que é o autor da PEC 478, e a Relatora Benedita. Tenho certeza de que a aprovação desta PEC é uma homenagem aos 7,2 milhões de trabalhadoras e trabalhadores domésticos. Há muito tempo, as mulheres empregadas domésticas fazem essas mobilizações, para garantir o seu direito. Dizia ontem, aqui, em um ato, a Presidenta da Federação das Empregadas Domésticas que, ainda antes da Constituição, esse movimento estava surgindo, gritando, reivindicando, para chegar a este momento. O que mais me chama a atenção é quando vejo algum Parlamentar que deixa transparecer que filho de empregada doméstica não tem direito à creche. Isso nós estamos quebrando hoje. A Câmara dos Deputados está votando essa PEC para dar direito às empregadas domésticas e aos seus filhos também. A minha esposa, minha companheira, foi uma empregada doméstica. Quem sabe, se existisse essa lei há 20 anos, ela teria tido direito ao Fundo de Garantia, à hora extra e às férias. Não teve porque não houve essa compreensão. E eu quero aqui dizer, em primeiro lugar, que a empregada doméstica é uma trabalhadora séria, que assume a casa, assume os afazeres e assume os filhos daqueles que a contratam para trabalhar. É preciso que os Deputados tenham respeito por essa categoria. Meus parabéns à Comissão Especial que tratou da matéria! Meus parabéns aos titulares, ao Presidente, à Relatora, ao autor dessa PEC! Meus parabéns a todos os Deputados! Meus parabéns à categoria que se mobilizou, a todas elas que saíram de casa, que colocaram os pés na rua, que gritaram e hoje estão colhendo o fruto dessa luta!

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FÁTIMA BEZERRA (PT-RN) – Sr. Presidente, quero inicialmente dizer que, ao aprovar a PEC 478, que trata da igualdade de direitos entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores, nós estamos, Deputada Benedita da Silva, Relatora da matéria, beneficiando um conjunto de mais de 6 milhões de mulheres pelo País afora. E quero dizer que tem toda uma simbologia no fato de a Câmara dos Deputados aprovar a PEC exatamente no mês em que se celebra a Consciência Negra. Por quê? Porque mais de 20% das mulheres que ocupam a função de empregadas domésticas são negras. Na verdade, a Câmara dos Deputados, hoje, está fazendo justiça social, pois a matéria trata da igualdade de direitos entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores. Na verdade, o que estamos fazendo hoje é aprovar uma legislação inclusiva, que vem na direção de fazer uma reparação histórica. O que a Câmara dos Deputados está fazendo hoje, ao aprovar esta matéria, é romper com as heranças culturais da escravidão e dar a esses milhões de mulheres País afora igualdade de direitos e igualdade de oportunidades. Quero dizer da minha alegria ao ver o painel da nossa Casa com todos os partidos, independentemente de serem da base de sustentação do Governo ou da Oposição. É muito bonito ver a grandeza deste Parlamento, que à altura, por unanimidade, faz justiça, faz reparação e, repito, dá a esses milhões de trabalhadores e trabalhadoras domésticos pelo País afora a igualdade de direitos e a igualdade de oportunidades. Para finalizar, cumprimento o autor, Deputado Carlos Bezerra, e todos os membros da Comissão, na pessoa da Deputada Benedita da Silva, pelo belo trabalho que essa Deputada fez. Quis o destino, Benedita, pela sua história de vida, pela sua trajetória, que caísse exatamente nas suas mãos a tarefa tão grandiosa que foi liderar esse movimento, para que hoje possamos dizer ao Brasil que estamos aprovando uma matéria que significa direitos, significa reconhecimento de direitos para milhares de trabalhadoras domésticas a quem... (O microfone foi desligado por ter ultrapassado 3 minutos.)

JANETE PIETÁ (PT-SP) – Sr. Presidente Marçal Filho, também Presidente da Comissão Especial, e nossa querida Relatora Benedita da Silva, hoje, nesta Casa, nós estamos vivendo um momento histórico. Olhem o painel: todos os partidos dizem “sim”, talvez com a exceção de Jair Bolsonaro. Inscrevi-me, Sr. Presidente, para dizer que a luta pela independência das mulheres vem desde a escravidão, porque nós podemos afirmar que, das 7 milhões e 200 mil trabalhadoras – poucos são homens –, 6 milhões e 900 mil, quase 7 milhões, são negras. Hoje, 276 dia seguinte ao Dia da Consciência Negra, este Parlamento recupera toda a luta pela autonomia econômica e pelo direito de liberdade. E quais são os direitos básicos que esta Comissão votou, sob a relatoria da nossa Benedita? Primeiro – espantem-se –, todos os trabalhadores têm direito a 44 horas semanais, ao Fundo de Garantia de Tempo de Serviço, a creches. Imaginem: nós, com essa votação – e conclamo todos os Parlamentares que estão fora da Casa a que venham votar –, damos início à alforria das trabalhadoras negras, que da escravidão partiram para o trabalho doméstico! Queria também, neste momento, prestar uma homenagem à lutadora Laudelina de Campos Melo, que, na década de 30, começou a organizar o movimento sindical das trabalhadoras domésticas. E, ontem, tivemos um depoimento emocionante da Presidenta da Federação das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria de Oliveira, que fez uma retrospectiva histórica da luta dessa categoria. Portanto, quero agradecer a todas e a todos, mas principalmente a resistência, a luta e a organização das mulheres, principalmente das mulheres negras brasileiras. Viva Zumbi! Vivam as trabalhadoras domésticas!

LUIZ ALBERTO (PT-BA) – Sr. Presidente, primeiro quero parabenizar o Deputado Carlos Bezerra pela importante iniciativa. E quero parabenizar V. Exa., que presidiu a Comissão Especial de forma bastante competente, e a nossa Relatora, Deputada Benedita da Silva, que fez um trabalho de convencimento permanente para que aquela Comissão sempre desse quorum – com V. Exa. – e pudéssemos aprovar este relatório que ora votamos neste Plenário. Quero parabenizar também, Sr. Presidente, todos os partidos, que se perfilaram votando “sim” nesta proposta, em primeiro turno. Acredito que rapidamente votaremos em segundo turno, para que, indo a proposta ao Senado Federal, definitivamente seja concedida igualdade de direitos a todos os trabalhadores e trabalhadoras domésticas do nosso País. Quero parabenizar também, porque se encontra aqui em nosso plenário, Maria Noeli dos Santos, representante da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas. Em seu nome, quero parabenizar também Creuza Maria. Tenho acompanhado, Sr. Presidente, uma batalha permanente, de longo tempo, para a organização das trabalhadoras domésticas. Como foi dito aqui hoje, esta PEC está sendo aprovada em um momento histórico, o mês da Consciência Negra. Ontem, 20 de novembro, comemorou-se o Dia Nacional da Consciência Negra. Estamos dando passos importantes de conquistas, ao aprovar hoje esta PEC aqui. E hoje, pela manhã, a Presidenta Dilma Rousseff 277 anunciou um conjunto de ações de políticas públicas para um dos setores mais empobrecidos da população brasileira, as comunidades quilombolas do Brasil. S. Exa. assinou títulos de propriedades dessas comunidades, decretos que decidem o interesse social dos territórios quilombolas. Esses são avanços que só a organização dessas categorias de trabalhadores pode conquistar, com suas lutas e, com certeza, dialogando com o compromisso dos nossos Governos, desde o Presidente Lula até agora, com a Presidenta Dilma. Portanto, eu queria parabenizar a categoria das trabalhadoras domésticas por conquistar, na luta, esta grande vitória que ora estamos dando a este plenário. Nós já chegamos a 350 votos. Evidentemente, por alguma fala que houve aqui contrária a esta PEC, teremos provavelmente um ponto fora da curva. Contudo, o mais importante é que a maioria deste Plenário vai dar quorum suficiente para aprovarmos, em primeiro turno, a PEC 478, uma grande vitória das mulheres deste País, particularmente das mulheres negras, que compõem 72% da categoria de trabalhadoras domésticas.

CLEBER VERDE (Republicanos-MA) – Sr. Presidente, quero cumprimentar V. Exa. por trazer para votarmos, no dia de hoje, uma matéria tão relevante, que certamente conta com o reconhecimento não só desta Casa, pela sua importância, mas também do público-alvo do que estamos votando. Eu quero parabenizar o Presidente da Comissão Especial, Deputado Marçal Filho, que fez um brilhante trabalho. Eu fiz parte dessa Comissão e acompanhei o trabalho exaustivo de S. Exa., Deputado Marçal Filho, que foi muito competente, muito diligente nas audiências públicas, que culminaram com esse relatório. Parabenizo a Deputada Benedita da Silva, que fez um brilhante relatório. Eu votei naquela Comissão – fizemos todos parte dessa Comissão – esse brilhante relatório, que certamente culmina com a garantia de direitos e conquistas de trabalhadores. Felizmente, no dia de hoje, esta Casa faz justiça – e tinha que fazer – a esses trabalhadores, os empregados domésticos, que vão ter reconhecidos, assegurados, por exemplo, o direito ao adicional noturno e as garantias e conquistas dos trabalhadores comuns. Certamente, esta Casa, no dia de hoje, ao votar esta PEC, vai consolidá-los. Portanto, estão sendo aqui hoje votadas as prerrogativas dos nossos empregados domésticos em todo o País. Entendemos que vai haver resistências, mas estas certamente vão ser dirimidas, com o passar do tempo, pelas conquistas que esses trabalhadores estão conseguindo aqui hoje. E 278 certamente aqueles que são empregadores hão de reconhecer e convalidar os direitos das nossas empregadas e dos nossos empregados domésticos em todo o País. Eu quero parabenizar esta Casa e os partidos, que foram extremamente diligentes na indicação dos membros para compor a Comissão Especial, que culminou com o relatório que no dia de hoje estamos votando. Parabenizo o Republicanos por ter feito a indicação de forma muito diligente e por ter acompanhado a Comissão Especial e votado o relatório da Deputada Benedita da Silva, que hoje faz história. O painel é a demonstração do apoio dos partidos e desta Casa aos empregados domésticos de todo o País. Nesse sentido, Sr. Presidente, quero parabenizar primeiro as empregadas domésticas do Brasil pela grande conquista e V. Exa. por ter trazido a esta Casa, no dia de hoje, matéria tão relevante, o que certamente vai engrandecer ainda mais o mandato de cada Parlamentar que está aqui neste momento histórico, garantindo o direitos e conquistas a empregados domésticos e empregadas domésticas de todo o País.

SANDRA ROSADO (PSB-RN) – Sr. Presidente Marco Maia, demais Deputados e Deputadas, eu quero registrar, Deputado Marco Maia, que a sua gestão aqui à frente da Presidência da Câmara tem sido em momentos muito importantes. Este é um deles, em que cerca de 7 milhões de mulheres hoje veem, através dessa PEC de autoria do Deputado Carlos Bezerra, cuja Relatora foi a brilhante Deputada Benedita da Silva, nós, Deputados e Deputadas, fazermos justiça às trabalhadoras domésticas, regulamentando o seu trabalho, tanto o noturno, quanto as horas trabalhadas e as suas diárias. Quero dizer que esses 7 milhões de empregados domésticos, na sua maioria esmagadora mulheres, e mulheres negras também na sua maioria, veem nesta votação que hoje se realiza, se concretiza, a realização de uma luta histórica. Aqui, quero destacar o nome da companheira Creuza Maria de Oliveira, Presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, que foi incansável nessa luta, visitando Parlamentares e pedindo para que essa PEC fosse votada. E ela hoje chega para fazer justiça, justiça social às trabalhadoras domésticas, que ainda precisam de muito. Precisamos, além da regulamentação dessa lei, incluir um direito que elas têm – e a que lamentavelmente não temos assistido –, que é a creche, para que essas mulheres que saem de suas casas para outras residências tenham assegurada a creche, a escola de qualidade para seus filhos. São mulheres – os homens, como disse, são minoria – que prestam um serviço de um valor imenso à população brasileira. 279

Quero aqui abraçar e me congratular com todos os Parlamentares, homens e mulheres, que nesta data concretizam o grande sonho de aprovar a PEC que garante direitos, que garante justiça às trabalhadoras domésticas.

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ANEXO III VOTAÇÃO DA PEC NA CÂMARA DOS DEPUTADOS – 2º TURNO (QUARTA-FEIRA, 05 DE DEZEMBRO DE 2012)

VIEIRA DA CUNHA (PDT-RS) – Sr. Presidente, num jantar realizado na semana passada em Porto Alegre, tive a honra de, juntamente com V. Exa., receber o título de sócio honorário da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul. V. Exa., com muita justiça, foi o grande homenageado da noite, porque na Presidência da Casa tem priorizado projetos que trazem estrutura para essa importante instituição de Estado, a Defensoria Pública. Hoje, criando esses 789 cargos de defensor público, tivemos a oportunidade de dar mais um passo para que a Defensoria Pública da União tenha a estrutura necessária para o cumprimento das suas relevantes missões constitucionais. E parabenizo V. Exa., ao mesmo tempo em que reafirmo o nosso compromisso, o compromisso desta Casa – não apenas o de V. Exa., não apenas o meu e o do Deputado Eliseu Padilha, os três Deputados Federais gaúchos homenageados naquela noite, mas o compromisso desta Casa – de seguir aprovando matérias importantes para que a Defensoria Pública do Brasil e a também dos Estados da Federação tenham a estrutura necessária para atender aqueles que mais precisam, os pobres, a fim de que tenham acesso à justiça e também a uma assistência jurídica qualificada. Parabéns, Sr. Presidente! Parabéns, colegas Deputados! Hoje cumprimos nossos deveres e nossas responsabilidades, para o bem do Brasil.

ANTÔNIA LÚCIA (PSC-AC) – Sr. Presidente, quero parabenizar V. Exa. por ter aceitado esse projeto tão importante das Defensorias Públicas da União e dos Estados. Tenho certeza de que o Brasil se sente honrado, lisonjeado, porque esta Casa hoje põe em pauta o que a população do nosso País mais reivindica: o acesso à Justiça. Eu quero parabenizar todos os Deputados Federais e o nosso Presidente da Associação dos Defensores Públicos do nosso País, o Sr. André, pela insistência no acompanhamento dos nossos colegas Parlamentares desta Casa. Tenho certeza de que a população se sente honrada. Muito obrigada, Sr. Presidente.

JOÃO CAMPOS (PSDB-GO) – A Defensoria Pública é um órgão que de fato assegura cidadania às pessoas. Temos 481 defensores públicos no Brasil. Em Goiás, meu Estado, são apenas 10. 281

Esse projeto caminha de fato no sentido de assegurar cidadania às pessoas. Parabéns a V. Exa., e parabéns ao Colégio de Líderes!

MARÇAL FILHO (MDB-MS) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, fui designado para presidir a Comissão Especial da Igualdade Trabalhista. Designei a nossa querida Deputada Benedita da Silva como Relatora. S. Exa. fez um excelente trabalho e tem história nesta Casa sobre essa questão. Estamos vivendo sem dúvida um momento histórico para esta Câmara, o de ver reconhecida uma classe de trabalhadores deste País que não tem os direitos que os outros trabalhadores têm. É de uma injustiça muito grande isso. Acho que nós estamos fazendo aqui a nossa parte. Evidentemente, é apenas um passo inicial. A Câmara dos Deputados enviará essa proposta de emenda à Constituição para o Senado da República. De lá, essa PEC será enviada ao Governo Federal, à Presidente Dilma. Nós também somos signatários desse mesmo tema junto à Organização Internacional do Trabalho. E àqueles críticos que dizem que vai haver desemprego, que os direitos das empregadas domésticas vão gerar desemprego, que vão tornar esse trabalho inviável para as pessoas que contratam, nós queremos dizer que houve todo um cuidado por parte da Relatora e dos membros da Comissão Especial para que tudo isso fosse equacionado junto aos diversos órgãos ministeriais, e várias das decisões que tomamos vão depender ainda da regulamentação que nós faremos, dentro da realidade do nosso País, para que a lei efetivamente possa trazer direitos, possa realmente funcionar, e não se tornar apenas uma letra morta. É importante esclarecer isto para que as pessoas não se preocupem: apenas alguns incisos são autoaplicáveis. Outros dependerão de medida provisória, ou de lei feita por nós mesmos nesta Casa, para que efetivamente nós criemos direitos para as empregadas domésticas que sejam factíveis, que sejam possíveis de colocar em prática e não onerem de forma alguma o empregador, a empregadora. Então, nós – e disso ninguém discorda – não podemos continuar com essa separação que existe, essa verdadeira discriminação contra somente uma classe de trabalhadores. Apesar dessa resistência inicial à mudança que existe, aos poucos a matéria, sendo conhecida, vai ser entendida como algo em que precisamos avançar. Estão de parabéns todos os Parlamentares desta Casa. Muito obrigado.

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RUBENS BUENO (Cidadania-PR) – Sr. Presidente, apenas quero registrar que estávamos aqui discutindo outro assunto importante, eu e o Deputado Miro Teixeira. Diante desse projeto que trata da Defensoria Pública, o Brasil inteiro mobilizou-se em busca de justiça, especialmente aqueles que mais precisam de apoio para responder a processo na Justiça. Então, o projeto que beneficia a Defensoria Pública e que foi aprovado agora é algo que chama a atenção da sociedade, e o Parlamento dá uma resposta importante para o País. Por isso, em nome do Bloco PV/Cidadania – encaminhamos o voto “sim”.

IVAN VALENTE (PSOL-SP) – Sr. Presidente, registro dois pontos; primeiro, o apoio do PSOL ao projeto que cria cargos na Defensoria Pública da União. É a defesa da cidadania que está em jogo. Parabéns aos defensores públicos. Em relação à proposta de emenda à Constituição sobre os direitos das domésticas, nós queremos dizer que esse projeto, além de defender direitos de trabalhadores, é pedagógico, eleva a autoestima, é uma necessidade, em termos de nivelamento dos direitos dos trabalhadores no Brasil inteiro. E queremos também pedir que se considere lido, Sr. Presidente, pronunciamento com o título “Indiciados na Operação Porto Seguro devem explicações ao Congresso”, no qual nós comunicamos que várias pessoas estão sendo chamadas para depor na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara, gente das agências reguladoras, como a Sra. Rose Noronha e outras pessoas.

PRONUNCIAMENTO ENCAMINHADO PELO ORADOR Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, nesta terça-feira o PSOL apresentou na Comissão de Defesa do Consumidor uma série de requerimentos para ouvir os principais indiciados pela Operação Porto Seguro da Polícia Federal aqui na Câmara dos Deputados. A operação teve a finalidade de investigar o envolvimento de servidores do Executivo e de agências reguladoras num esquema para obter pareceres técnicos fraudulentos que seriam vendidos a empresas interessadas. Dezenas de servidores já foram exonerados ou afastados de suas funções por suspeita de envolvimento no esquema. E esta Casa, assim como ouviu as explicações do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, tem o direito e dever de ouvir dos próprios ex-servidores explicações sobre as denúncias. A proposta é de que a CDC convide para vir ao Parlamento a Sra. Rosemary Noronha, ex-Chefe de Gabinete do Escritório da Presidência da República em São Paulo; Paulo Vieira, ex-Diretor da Agência Nacional de Águas – ANA, apontado como chefe do grupo investigado pela PF; Rubens Carlos Vieira, ex-Diretor da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC; e José Weber de Holanda Alves, ex- Advogado-Geral Adjunto. Na nossa avaliação, não foram apenas os cofres públicos que foram lesados pela ação da suposta quadrilha na emissão de pareceres comprados, mas os próprios cidadãos brasileiros, como consumidores. A Comissão tem, portanto, dever de avaliar as possíveis repercussões de tais documentos e práticas acerca da garantia dos direitos dos consumidores no âmbito da ANA, da ANAC e da AGU. 283

Entre as inúmeras afirmações feitas no relatório da PF está a seguinte: “Importante ressaltar que Paulo Vieira, como funcionário público com atuação nas áreas portuárias (Conselheiro Fiscal da Codesp) e de Hidrologia (ANA), deveria defender com exclusividade os interesses da União, diferentemente do que apontam os elementos colhidos até o presente momento”. É o que afirma a PF. Ou seja, os consumidores claramente foram prejudicados. E se própria Comissão de Ética Pública da Presidência da República já decidiu pedir informações aos ex-servidores, que podem sofrer censura ética mesmo já tendo sido afastados do serviço público, nada mais legítimo – ao contrário do que pensa o Governo Federal – do que esses nomes também virem ao Congresso manifestar-se. Vale destacar também, Sras. e Srs. Deputados, que desde que a operação foi deflagrada, o que aconteceu há cerca de 2 semanas, todos os dias novas denúncias sobre o alcance dos tentáculos desde grupo criminoso vêm à tona. Hoje mesmo a imprensa divulgou que, além da TECONDI, Paulo Vieira trabalhou para favorecer a HIPERCON Terminais de Carga Ltda., a Cargill Agrícola e o Estaleiro Mauá. No entanto, a denúncia mais séria, que ainda carece de comprovação, não veio do relatório da PF, mas do Deputado Anthony Garotinho. No último domingo o Parlamentar do PR publicou em seu blog que Rosemary Noronha teria entrado em Portugal, durante viagem em que acompanhou o então Presidente Lula, com 25 milhões de euros – cerca de R$ 70 milhões. Na época, Rosemary Noronha era portadora de passaporte diplomático e também de uma autorização para transportar mala diplomática, o que a dispensava de inspeções em qualquer alfândega do mundo. Segundo o Deputado, o montante transportado foi depositado em uma agência do Banco Espírito Santo, na cidade do Porto, em Portugal, banco esse já citado nos inquéritos do mensalão. Documentos registrados na alfândega do Porto comprovariam essa operação, mas até agora eles não foram tornados públicos. O advogado de Rosemary também afirmou que ela jamais esteve em missão diplomática ou viagem oficial no Porto. A vinda da ex-Chefe de Gabinete da Presidência da República a esta Casa pode, portanto, ajudar a elucidar também esse episódio, além de todos os outros apurados pela Polícia Federal, que aos poucos se têm tornado públicos. Fiscalizar o Poder Executivo é um dever e uma prerrogativa do Legislativo, sobretudo diante de denúncias que apontam para a corrupção em cargos de direção e de alta confiança da cúpula do Governo Federal, como o escritório da Presidência da República em São Paulo. O PSOL reafirma, assim, seu compromisso com a ética e a transparência na gestão pública e contra qualquer política de jogar a sujeita para debaixo do tapete. A Polícia Federal já fez a sua parte. É hora de fazermos a nossa e cobrarmos que a Justiça brasileira também faça a sua. Muito obrigado.

LINCOLN PORTELA (PL-MG) – Sr. Presidente, eu gostaria, por favor, de 1 minuto da sua atenção, porque quero dirigir-me especialmente a V. Exa., primeiro para parabenizá-lo por tantas matérias relativas à segurança pública que V. Exa. colocou nesta Casa nestes 2 anos de mandato. V. Exa., em momentos de crise, em momentos de conflito, soube muito bem mediar e priorizar esses projetos, relativos ao Ministério Público, à Magistratura, à Defensoria Pública e à segurança pública propriamente dita. Sr. Presidente, no mês de fevereiro eu apresentei um pedido a V. Exa. no sentido de que fizéssemos uma Comissão Geral para discutirmos os assuntos de segurança pública aqui nesta Casa. E para que V. Exa. tenha uma noção, só por ter pedido isso aqui eu já recebi respostas da Polícia Militar do Rio Grande do Sul, da Polícia Militar da Bahia, da Polícia 284

Federal da Bahia, da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e de muitas outras instituições policiais de todo o Brasil. Sr. Presidente, gostaria de fazer uma proposta a V. Exa., no sentido de que na próxima quinta-feira, na semana que vem, não votemos nenhum projeto de decreto legislativo, e nessa última quinta-feira, na parte da manhã, quando teremos um bom número de Parlamentares aqui na Casa, quando os Parlamentares estarão presentes, transformemos a sessão em Comissão Geral para discutirmos a questão da segurança pública. V. Exa. conhece muito bem os números. Eu tenho dito aqui nesta Casa que o Brasil vive hoje em clima de guerra civil. Nós tínhamos uma média, Sr. Presidente, de 137 assassinatos por dia; estamos hoje com uma média de 143 assassinatos por dia. O Brasil é o sexto país mais violento do mundo, e corre a passos largos para tornar-se o país mais violento do mundo, o terceiro país com mais pedófilos do mundo e o quarto país, de 98 países pesquisados, que mais assassina jovens de até 19 anos, Sr. Presidente. Então, nós precisamos dar um basta a esta violência. Sr. Presidente, deixo aqui a sugestão. Todos os Líderes assinaram o requerimento. Que na próxima quinta-feira V. Exa. reflita, pense e encerre com chave de ouro os trabalhos transformando a sessão em Comissão Geral para o debate sobre segurança pública. Por certo teremos a Casa cheia e muitas avaliações e opiniões, nesse contexto. O Brasil precisa de uma reforma de segurança pública. Obrigado, Sr. Presidente.

CLÁUDIO PUTY (PT-PA) – Presidente, só quero aplaudir a aprovação do projeto que cria os cargos na Defensoria Pública da União. Eu fui o Relator desse projeto na Comissão de Finanças e Tributação e reputo-o de fundamental importância, porque nós precisamos defender a advocacia do povo. A Defensoria tem tido um papel fundamental. Isso, em conjunto com as mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal, aqui aprovadas também, fortalece o Sistema Nacional de Justiça. Parabéns, Presidente.

LUIZA ERUNDINA (PSB-SP) – Sr. Presidente, eu queria registrar, sobre a votação da Medida Provisória nº 575, que eu sou contrária à emenda do Senado Federal, porque ela penaliza de forma insuportável o segmento das rádios comunitárias, que têm sido perseguidas, inviabilizando-se a sua atuação com um raio de potência muito limitada. 285

A emenda aprovada pela Câmara beneficia milhares de rádios comunitárias. Com a aprovação da emenda do Senado, que, evidentemente, acontece em detrimento do interesse das rádios comunitárias, a nossa emenda ficou novamente prejudicada. Sou contrária à emenda do Senado. É este o meu posicionamento. Registro meu voto contrário à emenda do Senado.

VIEIRA DA CUNHA (PDT-RS) – Sr. Presidente, essa PEC que nós estamos votando, essa proposta de emenda à Constituição teve a sua admissibilidade relatada por mim na Comissão de Constituição e Justiça, a PEC nº 478/2010, conhecida como PEC das domésticas. Na mesma época em que eu relatava a matéria na CCJC, estava em Genebra, na Suíça, o então Ministro do Trabalho e Emprego do Brasil, o Presidente Nacional do meu partido, o Partido Democrático Trabalhista, Carlos Lupi. Lá, ele usou a tribuna da OIT para dizer que era e é inadmissível a discriminação a que são submetidos os trabalhadores domésticos no Brasil. É inadmissível e odiosa. Essa foi uma falha do Legislador Constituinte, que, ao prever no art. 7º os direitos dos trabalhadores, no seu parágrafo único retirou dos trabalhadores domésticos grande parte desses direitos, a ponto de hoje a empregada doméstica sequer ter direito a uma jornada semanal de trabalho, pelo que não tem também direito a horas extras. Ora, Presidente e colegas, isso é resquício da época da escravidão, ainda mais se levarmos em conta que a grande maioria dessas trabalhadoras são mulheres negras e pobres. Não é possível, portanto, que este Parlamento possa aceitar e continuar convivendo com essa discriminação, repito, odiosa, injusta e inaceitável. Por isso, conclamo os colegas Deputados para votarmos, neste segundo turno, “sim”, a fim de fazermos justiça a essa categoria de trabalhadores até hoje... (O microfone foi desligado por ter ultrapassado 3 minutos.) Para concluir, Presidente, que possamos repetir o placar praticamente unânime do primeiro turno de votação. Quero congratular-me, ao final, com V. Exa. e com o Colégio de Líderes, por terem pautado essa importantíssima e relevante matéria para todos os trabalhadores do Brasil. Muito obrigado.

BENEDITA DA SILVA (PT-RJ) – Sr. Presidente, antes de falar a respeito da PEC 478, gostaria de dizer que nós somos favoráveis aos defensores públicos, porque entendemos que eles fazem parte de todo um processo, assegurando a cidadania, sobretudo no que se refere 286 aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e à inclusão social; por isso o nosso apoio aos defensores públicos da União. Mas eu gostaria de agradecer a esta Casa e a este Plenário esta segunda votação. Tenho certeza de que esta Casa está fazendo justiça, não apenas por reparar a discriminação que é praticada contra uma categoria profissional há séculos neste País; também estamos tendo a oportunidade de tratar desse trabalho como um trabalho legal, um trabalho que é igual a qualquer outro. Portanto, esses direitos devem estar garantidos. Está de parabéns esta Casa. Já estamos com 344 votantes. É preciso que os demais venham a este plenário votar, porque daremos a essas trabalhadoras um grande presente enviando essa PEC ao Senado e ajudando a articular no Senado sua tramitação, para que eles possam votar tal como a Câmara tem votado, e então a nossa Presidenta Dilma possa sancionar essa emenda. É de interesse do Governo. A nossa Ministra está aqui nesta Casa. A Ministra das mulheres também está apoiando esse projeto, porque 70% dessa categoria são mulheres trabalhadoras domésticas.

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ANEXO IV

DISCURSOS DA DEPUTADA FEDERAL BENEDITA DA SILVA (PT-RJ)

ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos

(QUINTA-FEIRA, 16 DE JULHO DE 1987)

Sr. Presidente, Membros da Mesa, Srs. e Sras. Constituintes e minhas companheiras de luta. Temos que ir a outras Subcomissões, mas não poderíamos deixar de agradecer a acolhida desta Subcomissão, no exercício da sua atribuição. Nós, que escolhemos trabalhar em ordem social, sabíamos, de antemão, o que teríamos de enfrentar, a nível dos direitos sociais. E nesse sentido, temos tido grande dificuldade e é por isto que não estamos medindo esforços para trazer à Comissão, às Subcomissões da ordem social todo o peso da organização dos trabalhadores, das trabalhadoras, prestigiando essas Subcomissões que tem desenvolvido um trabalho que nós consideramos muito importante, mas que não tem recebido, apesar da sua importância, a devida atenção. Sabemos que a ordem social e, exatamente, na ordem social que nós temos, como base dessas estruturas todas montadas até hoje, que fizeram com que o mercado de trabalho e, principalmente, o mercado de trabalho onde comportam as mulheres, tenha sido marginalizado. Esqueceram-se de que, na verdade, quando vamos discutir na ordem econômica, não podemos deixar de lado a força de trabalho da mulher, que não se constitui apenas em maioria agora, mas foi e é sustentáculo da economia deste Pais. E nós, mulheres, nós mães-pretas, nós babás, nós mulheres maravilhosas, enfim, donas-de-casa, avós, amigas, companheiras, não tivemos até agora o direito que pudesse reconhecer toda essa contribuição e até afetiva que temos dado a essa sociedade. E neste sentido, eu penso que fiquei prejudicada na medida em que o Constituinte Leonelli colocou um percentual muito alto da visão que nós temos, hoje, a nível da nossa mão-de-obra e como somos explorados, e explorados até nos nossos sentimentos, na medida em que eles, em determinado momento, até por uma razão cultural, nos impedem de avançar na luta, porque ficamos com sentimento de culpa de que não estamos contribuindo para que possa a civilização ser mais humana. E aí, nesta luta, tenho um testemunho pessoal, como empregada doméstica e hoje na Assembléia Nacional Constituinte: apenas com meus labores, consegui passar de empregada 288 doméstica, sem todo o direito do que é comum a um trabalhador nessa área, quando faz no restaurante os seus bolinhos, quando nas manifestações políticas até serve o grande banquete, mas tem a garantia do seu 13º salário, enfim, o direito a suas férias; e nós somos levadas, ainda, a ser afetivas, boas, dedicadas, numa dupla jornada de trabalho, porque, além disso, somos também chefes na família. E é árduo para nós chegarmos aqui agora, no Congresso Nacional, e saber que estamos, anos a fio, neste Congresso com projeto que pudesse atingir à sensibilidade daqueles que nos antecederam, que têm em suas casas as empregadas mais dedicadas, que têm em seu lar a esposa mais dedicada, a sua filha mais dedicada, não foram sensíveis no momento em que estávamos pedindo o reconhecimento da profissionalização das empregadas domésticas com todos os direitos que nós temos. Não tivemos resposta até então. Quando o Constituinte Leonelli coloca que, na verdade, não se está fazendo aqui nada de novo. Nós estamos aproveitando o momento constitucional, porque temos, agora, a plena convicção de que, se não for agora, não o será jamais e aí, esta Subcomissão tem a responsabilidade de fazer valer o nosso direito. Quero, ainda, para concluir, citar uma das companheiras que tem também batalhado muito que é a Constituinte Maria de Lourdes Abadia, assistente social. Eu também sou assistente social e até fiz o Serviço Social; queria ter uma informação teórica para compreender melhor esse processo, compreender esse processo que faz a marginalização, a discriminação; e a Constituinte Abadia tem-se dedicado a isso, e eu não poderia – na medida em que ela não fará uso da palavra e nós teremos de sair agora para outras Subcomissões – deixar de aqui registrar o compromisso que ela tem, enquanto mulher, enquanto assistente social, enquanto dona-de-casa de estar nesta luta, porque essa luta não é apenas das empregadas domésticas. Esta luta é uma luta do homem e da mulher, para que esses sentimentos que foram aqui expressos e que nós consideramos que eles realmente existem possam estar escritos na Constituição, como direito e garantia do homem e da mulher no seu mercado de trabalho. Obrigado.

289

SENADO FEDERAL Votação do PL nº 1.626/1989

(QUARTA-FEIRA, 07 DE AGOSTO DE 1996)

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, o trabalho doméstico é uma instituição antiga, tanto que são inúmeras as referências bíblicas em relação a essa atividade. Desde que o mundo é mundo, encontramos a figura do patrão e do empregado doméstico. Na Bíblia Sagrada encontramos, no Livro de Ester, referência a Edissa, chamada de Ester, filha do irmão de Mardoqueu, da linhagem de Jemini, deportado de Jerusalém na época de Nabucodonosor, rei da Babilônia. Ester, órfã de pai e mãe, segundo as escrituras, foi levada para a casa do rei para que cuidasse do “adorno e bom tratamento da casa do rei e das demais criadas”. Assim, Ester conseguiu as graças do rei, tomou o lugar da rainha Vasti, transformando-se, por ordem do rei, em rainha. Igualmente, na antigüidade clássica, os episódios dos quais temos notícias revelam a presença de trabalhadores livres, ocupados com a prestação de serviços de natureza doméstica. Os trabalhadores domésticos são uma categoria constituída por expressivo número – cerca de 3 milhões de pessoas, segundo os sindicatos, e mais de 500 mil cadastrados, segundo dados da Previdência Social – representando a segunda atividade profissional exercida por mulheres no Brasil, superadas apenas pelas trabalhadoras rurais. Mesmo representando tamanha força de trabalho, o reconhecimento da profissão, pela Constituição, somente foi alcançado com muita luta para vencer o preconceito que até hoje impera em nossa sociedade, quando se fala dos direitos dessa categoria. A regulamentação, por intermédio da lei ordinária, vem se arrastando há vários anos no Congresso Nacional. Somente no Senado Federal, projeto de minha autoria, apresentado quando ainda era Deputada Federal, tramita há cerca de 5 anos. Enquanto a regulamentação não vem, esse importante segmento profissional continua sendo regido, em suas relações de trabalho, por uma legislação obsoleta e discriminatória, que relega o trabalhador doméstico à situação de inferioridade em relação aos outros trabalhadores brasileiros. Antes da Constituição de 1988, o trabalho doméstico era regulado pela Lei nº 5.859, de 11/12/72 e poucos direitos lhes eram garantidos, como assinatura da carteira de trabalho, férias de 20 dias e alguns benefícios da Previdência Social. As empregadas domésticas continuam discriminadas pelas leis trabalhistas brasileiras. Colocadas à parte da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que regulamenta as relações 290 de trabalho no País, não possuem, até hoje, por exemplo, os direitos básicos como o limite de jornada de 8 horas de trabalho. Somente a partir de 1988, com a promulgação da Constituição atual, passaram a desfrutar da licença maternidade, aviso-prévio e irredutibilidade de salários. Assim, o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal determina que são assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os seguintes direitos:

IV - salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; VI - irredutibilidade de salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias; XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de 30 dias, nos termos da lei; XXIV - aposentadoria.

A Constituição Federal aproxima-se do seu oitavo aniversário, sem que até agora sequer tenham sido regulamentados os dispositivos mais importantes para as domésticas. O Senado Federal volta a discutir, no dia de hoje, o Projeto de Lei da Câmara nº 41/91, que “disciplina o regime de trabalho da categoria dos trabalhadores domésticos e dá outras providências”, votação em turno suplementar, para analisar as emendas por mim apresentadas ao Substitutivo (Parecer 245/95), que receberam pareceres favoráveis da Comissão de Assuntos Sociais, cujo relator foi o Senador Jonas Pinheiro, e na Comissão de Assuntos Econômicos, onde foi relator o Senador Ney Suassuna. O objetivo da proposição é equiparar as trabalhadoras domésticas aos demais trabalhadores, regulamentando o parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal, estendendo-lhes os benefícios da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) relacionados à rescisão de contrato de trabalho, sem nenhuma distinção que gere preconceitos e seguindo o princípio da isonomia de direitos, que prevê a igualdade para todos perante a lei, assegurada como princípio constitucional (art. 5º da Constituição Federal). O projeto também propõe direitos novos, direitos sociais aos quais a grande maioria dos trabalhadores já têm acesso, como o FGTS, o seguro desemprego e o vale transporte. Assegura ao empregador descontar moradia e alimentação, quando efetivamente fornecidas, nos percentuais de 6% e 3% do salário pago. Obriga, ainda, o empregado a fornecer 291 referências sobre sua vida profissional, quando for admitido no emprego, e dar aviso prévio de 30 dias. Suprimiu do Substitutivo aprovado em 1995 a exigência do atestado de boa conduta para admissão do empregado doméstico e o item que permitia ao empregador descontar dos salários horas não trabalhadas. Suprimiu, também, a proibição de o empregado receber familiares no local de trabalho. Não restam dúvidas sobre a necessidade de regulamentar o trabalho profissional doméstico, criando regras que os protejam e lhes assegurem as conquistas inerentes a todos os trabalhadores. O Brasil não pode mais continuar ignorando os direitos dessa categoria profissional secularmente desrespeitada em questões trabalhistas mínimas, porque fere os direitos de cidadania e contradiz todo o princípio de igualdade, fraternidade e justiça social que constam da nossa Constituição. A necessidade de aprovação desse projeto de lei se justifica pela facilidade que vai propiciar no julgamento das ações trabalhistas em curso e as que vierem a tramitar na Justiça do Trabalho do País, hoje profundamente tumultuada pela ausência de uma legislação moderna e de acordo com os dispositivos constitucionais. A lei que atualmente regula essas relações de trabalho necessita, com urgência, ser substituída por uma nova legislação, adequada aos novos tempos e, sobretudo, às conquistas e avanços do texto constitucional. Não podemos mais admitir que direitos sagrados como salário mínimo integral, sem descontos abusivos, férias de 30 dias com abono de um terço, entre outros, sejam desrespeitados nos dissídios individuais ou coletivos por falta de uma legislação moderna, abrangente e esclarecedora dos direitos e obrigações desses trabalhadores, deixando lacunas para interpretações que os prejudiquem. Por essa razão, apelo aos nobres Senadores para sensibilizarem-se às reivindicações dos trabalhadores domésticos no que diz respeito à aprovação das emendas apresentadas ao PLC 41/91, corrigindo-se injustiças praticadas ao longo do tempo em relação a tão valorosa categoria de trabalhadores. Permito-me reproduzir aqui um resumo do artigo publicado no jornal paulistano Folha de S. Paulo de 04/09/93, assinado pelo então articulista do jornal, empresário Ricardo Semler, cujo título é: “Escravas Domésticas”, porque traduz perfeitamente a situação da empregada doméstica e a maioria das relações patrão-empregado doméstico hoje no Brasil:

Poucas situações são mais vexantes e inaceitáveis, porém perfeitamente deglutidas na sociedade, do que o nosso exército de empregados domésticos. As elites, e no Brasil essa definição começa pela baixa classe média, são subdesenvolvidas enquanto empregadoras. As mesmas pessoas que clamam por um 292

sistema de impostos justo, que elegem e depois derrubam um Collor, que bradam pela moralidade e sonham com Miami, são as casas pequenas e senzalas dos anos 90. A condição de uma empregada doméstica no Brasil é vergonhosa. A assinatura de carteira de trabalho é difícil, e raras vezes pelo salário correto, a rotina de trabalho é estafante e indigna, e o roteiro de folgas, estúpido. As exigências das "patroas" são totalmente desproporcionais ao salário, as condições de moradia estão no limiar da indecência, e a humilhação, um risco constante. É uma massa de trabalho semi-escravizada e logo por quem - os que clamam ruidosamente por um Brasil grande e melhor. [...] Essa hipocrisia precisa acabar antes que possamos falar de Primeiro Mundo. Ninguém pode ter horário de trabalho das seis da manhã à meia-noite, com folega quinzenal, em troca de um ridículo salário mínimo, e mais casa e comida. É um estágio sutilmente acima da escravidão. Claro, as patroas dirão que estão salvando as coitadas, que estariam na rua se prostituindo ou morrendo de fome, não fosse por elas. Isso não exime da pecha de malandros os que se aproveitam dessa condição para exigir mais do que oito horas e seis dias por semana dessa gente, que se comprime em cozinhas abafadas e dependências minúsculas em troca da sobrevivência. Todos nós desdenhamos os coronéis matreiros e antigos. O engraçado é que aceitamos esse mesmo procedimento nas nossas casas, transpondo a angústia rural para um cenário de novela urbana.

Era o que tinha a dizer. [...] Sr. Presidente, Srs. Senadores, já tive a oportunidade de falar a respeito do projeto dos empregados domésticos. Volto à tribuna para prestar uma homenagem também a este Senado por essa votação. Foram cinco anos de muita batalha na busca de acordos e ajustes, e não foi fácil porque sabíamos que implicaria uma mudança cultural de relação do trabalhador doméstico e do empregador. Sr. Presidente, Srs. Senadores, há séculos, temos tratado o empregado doméstico como peça fundamental e parte de nossa família. Isso nos leva a considerar o sentimento em detrimento do direito, fazendo com que nos esqueçamos, muitas vezes, que a empregada ou o empregado doméstico tem também sua relação de amizade, de família e de sentimento. Então, ao buscarem seus direitos, parecia que estavam sendo verdadeiramente infiéis na relação tutelar imposta pela nossa cultura de trabalho através dos séculos. Aqui reside a importância de nossa votação: ter sido respaldada pela Constituição brasileira. Nossa Carta Magna pôde absorver os direitos dos empregados domésticos, porque entendíamos que existia uma diferença entre a relação de emprego regida pela CLT e a situação dessa classe. Essa diferença na relação possibilitou também que o Congresso Nacional brasileiro, durante cinco anos, debatesse se o empregado doméstico era ou não um trabalhador igual aos demais e se essa categoria deveria ter, igualmente, qualificação como os demais. Ora o debate se dava pelo fato de que, como a empregada era considerada pessoa da família e era bem tratada, não haveria necessidade de se buscar o direito remunerado do seu trabalho extraordinário, do seu descanso semanal, das suas férias. Todas essas questões 293 tornaram-se indevidas do ponto de vista da relação e do direito, porque tratavam-se de pessoas da família. Amadurecemos, fizemos uma leitura consciente do Direito Constitucional e chegamos à conclusão de que o fundo de garantia e o vale transporte eram apenas ajustes e que se poderia garantir também o aviso prévio para os trabalhadores domésticos e para os empregadores. Tenho experiência como empregada e como empregadora, e entendo que, realmente, se trata de uma relação diferenciada, e não se pode substituí-la pela não-garantia de direitos. É importante para nós que esse seja um trabalho prestado com qualidade, e no momento em que não quisermos mais essa prestação de serviços possamos dizer isso claramente ao empregado. Ele teria então o seu aviso prévio para buscar um outro emprego. Da mesma forma deverá o empregado agir, dando tempo para que o patrão busque uma outra pessoa para a ocupação. A relação é realmente diferenciada. Não queremos apenas direito e dever rígidos que não levem em conta que há um espaço familiar; outros sentimentos, sem burlar a questão do direito, devem estar também presentes na relação. Isso fazemos porque entendemos das dificuldades que existem hoje para se ter um empregado doméstico. Não queremos trabalho escravo no Brasil. Temos hoje 3 milhões de trabalhadores domésticos, dos quais mais de 80% são mulheres que, na maioria, deixam suas famílias, vão trabalhar em outras casas e têm que ter garantido o seu direito ao descanso semanal remunerado, às férias e, agora, também ao fundo de garantia. Presto esta homenagem ao Senado porque a entendo pertinente. Quando chegamos aqui – digo chegamos porque cheguei também na condição de ex-empregada doméstica que há muito trabalhava a questão dessa lei – observamos várias dificuldades. Não se encontrava na legislação brasileira uma brecha sequer para que os empregados domésticos pudessem ter os seus direitos. Foi preciso colocá-los na Constituição, e para isso se contou com o apoio do Congresso Nacional. Daí então, pudemos trabalhar uma legislação que absorvesse os direitos dos empregados domésticos. Naquela época, queríamos que fosse colocado um artigo: “Aos empregados domésticos, os mesmos direitos dos demais empregados”. Todavia, não conseguimos, dada a dificuldade das relações diferenciadas, da cultura introjetada em nós, das nossas relações. A sensação que tínhamos era de perda total, tanto do ponto de vista financeiro, quanto da relação sentimental e da prestação de serviço. Mas amadurecemos e, hoje, ao votarmos esse projeto, 294 garantimos aos empregados domésticos que seus direitos sejam iguais aos dos demais trabalhadores. Se eles têm direitos, por conseguinte têm deveres. O Senado deu seu grande passo. Vamos esperar a Câmara dos Deputados, que deverá dizer sim ou não. Caso diga sim, o Presidente da República estará sancionando essa lei, que temos buscado secularmente. Se disserem não, voltaremos ao projeto original, de minha autoria, muito mais abrangente, no que se refere às garantias dos direitos e deveres de empregadores e empregados. Eu não poderia deixar de prestar ao Senado Federal essa homenagem, até porque quis a história política brasileira, na volta que o mundo dá, que eu pudesse estar presente nesta sessão como Senadora da República e aqui contribuir, mais uma vez, com o Congresso Nacional brasileiro, que está de parabéns. Só quem conhece, só quem sabe, só quem lutou durante anos a fio para que isso acontecesse poderá medir a alegria que me invade a alma, verdadeiramente, nesta tarde, de poder ver esse projeto aprovado no Senado Federal. Queira Deus que assim seja também na Câmara dos Deputados. [...] V. Exa. quis, com esse aparte, prestar uma homenagem ao Senado Federal, pois, como eu, entendeu o que representou essa votação de hoje. Talvez, pelo fato de estarmos hoje com outros projetos de relevância para serem votados, não tenhamos prestado muita atenção a esse projeto que acaba de ser votado, mas, para quem está acompanhando há alguns anos a sua tramitação – e já tenho mais de meio século de idade –, sei que fizemos hoje uma grande votação. Gostaria de ressaltar que esse projeto vai à Câmara, que não poderá alterá-lo, terá que dizer “sim” ou “não”; caso diga “sim” vai à sanção o substitutivo do Senado, se disser “não” voltará ao projeto original, que é mais abrangente, que irá à sanção do Presidente da República. Espero que esta seja verdadeiramente uma homenagem, um reconhecimento a todas as pessoas que trabalharam conosco para que esse projeto fosse aprovado. Lembro-me de um fato muito interessante ocorrido na Constituinte. Um Deputado disse que não entendia porque queríamos tanto: licença maternidade, direito da empregada doméstica, etc. Respondi a S. Exa. que ele ainda não havia ainda observado que, na ausência de uma empregada doméstica, sua própria esposa que, independentemente das intempéries, estava sempre presente, a substituía, tornando-se uma empregada de luxo naquele momento. 295

Essa votação é pertinente porque ocorre no momento em que temos a nobre Senadora Emilia Fernandes na Presidência dos trabalhos da Casa, que sabe muito bem como foi importante a nossa participação, como mulheres, neste contexto. A maioria dos empregados domésticos são mulheres que vieram – e, aí, quero chegar ao aparte do nobre Senador Pedro Simon – da roça. São as nossas caipiras que vieram para as grandes cidades – como ocorreu com meus pais – para trabalhar, pois lá onde moravam não havia o que plantar, não tinham como sobreviver. Foram morar na favela. Tenho certeza de que se a reforma agrária fosse feita já há muito estariam de volta. Por isto, a importância que se dá ao fato de termos votado, hoje, esta matéria e ao aparte do nobre Senador Pedro Simon, que associa esta questão suscitada na novela à necessidade dessa reforma agrária. A homenagem que se presta, neste momento – e que eu particularmente presto –, é ao Senado Federal. Aqui, de todos os Partidos, nós recebemos o voto por unanimidade. Todos os Partidos, então, nos apoiaram. Todos os Srs. Senadores e Sras. Senadoras apoiaram o projeto. Portanto, merecem esta nossa homenagem. Manifesto-me agora para expressar aqui a minha alegria. Não é uma alegria da Benedita, mas a alegria das Beneditas da Silva da vida, que têm um papel a desempenhar nesse contexto: querem que seus trabalhos sejam reconhecidos como um trabalho digno como um outro qualquer. Varrer, cozinhar, lavar, tomar conta de criança, limpar, nunca foi, para nós que trabalhamos e conhecemos esses tipos de atividades, uma coisa de que pudéssemos nos envergonhar. O que buscamos é o reconhecimento por esse trabalho prestado. Pagamos muito bem quando vamos a um restaurante, quando alguém nos serve um prato. Entretanto, às vezes, não percebemos a dose de sentimento e carinho no prato que nos é servido em nossos lares. Pagamos bem quando levamos um filho nosso para um parque de diversão, uma praça. E, com freqüência, não notamos que temos alguém em nossa casa que cuida de nossas crianças, que as levam à praça, que lhes dão banho, que lhes dão carinho e calor e que não pensa, pura e simplesmente, no seu mísero salário. Portanto, pessoas como essas merecem essa homenagem, e está de parabéns o Senado Federal brasileiro, que respondeu à altura. [...] Quero dizer aos Senadores Pedro Simon, Eduardo Suplicy e Lúcio Alcântara, que me apartearam, que a satisfação é minha, mas os méritos são, primeiro, dos empregados domésticos, por sua organização e sua consciência e, depois, do Senado Federal como um 296 todo, que, independentemente das siglas partidárias de que é composto, por unanimidade votou a matéria. Acredito que agora apenas reste fazer o apelo ao Presidente da República para que sancione este projeto. Era o que tinha a dizer. Muito obrigada, Sra. Presidente.

CÂMARA DOS DEPUTADOS Manifestação sobre o Dia da Empregada Doméstica

(QUINTA-FEIRA, 28 DE ABRIL DE 2011)

Sra. Presidenta, Sras. e Srs. Deputados, no dia 27 de abril comemoramos o Dia da Empregada Doméstica, ocupação que já exerci, como muitas colegas, na menoridade, e sem a garantia de um contrato ou qualquer outra proteção legal. Para comemorar o Dia da Empregada Domésticas, a Ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Iriny Lopes, apresenta, nesta data, o relatório do Grupo de Trabalho Doméstico que realizou estudos sobre os impactos socioeconômicos da ampliação dos direitos assegurados aos trabalhadores e trabalhadoras domésticas previstos na Constituição Federal. Este trabalho apresenta subsídios para um debate de extrema importância a respeito das desigualdades de direitos que as empregadas domésticas enfrentam3. A campanha de rádio Respeito e Dignidade para as Trabalhadoras Domésticas: Uma Profissão como Todas as Outras também marca as comemorações. Ela é coordenada pela Organização Internacional do Trabalho, ONU Mulheres e Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, com o apoio da Secretaria de Políticas para as Mulheres e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, têm como objetivo divulgar os direitos das trabalhadoras domésticas, valorizando essas profissionais. O trabalho doméstico apresenta muitas desigualdades de gênero e de raça, e isso é comprovado segundo os dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), do IBGE. Em 2008, a categoria das trabalhadoras domésticas representava 15,8% do total da ocupação feminina, o que correspondia em termos numéricos, a 7,2 milhões de pessoas. Apenas 26,8% da categoria tem carteira assinada. Entre aquelas que têm carteira assinada, as mulheres negras são a maioria, 59,2%. Os baixos rendimentos também são uma

3 BRASIL. Relatório do Grupo de Trabalho: Trabalho Doméstico. Brasília: SPM, 2011. 297 característica desta ocupação. Entre as trabalhadoras com carteira assinada, o rendimento médio mensal era de R$ 523,50, ao passo que entre aquelas sem carteira, esta média caia para R$ 303,00 e as trabalhadoras negras recebiam em média apenas R$ 280,00. Dos 34 direitos conferidos aos trabalhadores urbanos e rurais pela Constituição, as trabalhadoras domésticas são contempladas com apenas nove desses. Elas ganham o salário mínimo e férias anuais, mas não são protegidas contra a demissão sem justa causa, e, na sua absoluta maioria, não recebem o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Na Câmara, um dos projetos mais antigos que trata do assunto é o PL nº 1.626/89, apresentado por mim há 20 anos. No momento, o texto está pronto para análise em Plenário, na forma de um substitutivo do Senado que regulamenta os direitos trabalhistas das empregadas domésticas, que passariam a ter direito ao FGTS. Outro ponto de extrema gravidade diz respeito às menores de idade trazidas do interior do País para trabalhar em casas de família, sofrendo muitas vezes exploração e abuso dos patrões. O trabalho infantil é proibido no Brasil, no entanto, 101.977 meninas de 10 a 14 anos trabalhavam como empregadas domésticas em 2008, como indicam dados levantados pela professora Hildete Pereira Melo. A pesquisa foi baseada na PNAD e aponta que, no ano de 2001, 4 mil meninas exerciam esse tipo de atividade. Lutando contra essa situação, desde o início de minha militância política, pautei-me pela melhoria das condições do emprego doméstico no Brasil. Eleita Deputada, elaborei o primeiro projeto de lei regulamentando a profissão. Aproveito esta sessão para novamente manifestar o meu apoio a todos nos direitos reivindicados por essa classe, direitos já conquistados há muito tempo por outras categorias profissionais. Sabemos que mudar costumes antigos, da época da escravidão, requer de nós, legisladores, um trabalho que impulsione a evolução dos costumes criando uma estrutura legal que ofereça mais dignidade aos trabalhadores. Partidos, Igrejas e outras associações civis podem colaborar com a discussão do problema, apresentando sugestões e denúncias aos Poderes da República. Sra. Presidenta, V. Exa. acompanhou nossa luta pelos direitos da empregada doméstica na Constituinte. Vinte anos depois, estou de volta a esta Casa e ainda temos projetos sendo apresentados para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço dos trabalhadores domésticos. Além disso, sabemos que este é um trabalho que tem absorvido mão de obra de crianças e adolescentes que o fazem como complemento do trabalho de sua mãe ou de seu pai. Portanto, faço esse registro, ao mesmo tempo em que rendo minhas homenagens às trabalhadoras domésticas. Esta Casa não poderia deixar de ressaltar esta grande data. 298

Estou de volta a esta Casa e tenho certeza de que vou contar com o apoio da Sra. Presidenta, que estava nesta Casa àquela época e bem sabe que esse é um direito que estamos discutindo há 20 anos. Finalizo, afirmando que homenagear os empregados e empregadas domésticos é conseguir uma legislação que equipare seus direitos aos direitos dos outros trabalhadores, e, mais do que isso, é conseguir que a legislação seja cumprida, em função da conscientização de empregadores e empregados, e da necessária fiscalização estatal. Parabéns aos empregados e empregadas domésticas, aos quais desejo sucesso em sua luta por mais dignidade. Viva nossas trabalhadoras domésticas!

CÂMARA DOS DEPUTADOS Manifestação sobre a Participação na 100ª Conferência Internacional do Trabalho

(QUARTA-FEIRA, 15 DE JUNHO DE 2011)

Sra. Presidenta, eu agradeço. Sras. e Srs. Deputados, apenas gostaria de registrar a minha indicação, pela bancada feminina, para participar da 100ª Conferência Internacional do Trabalho na OIT. Fui designada também pela UNIFEM, que custeou inclusive toda passagem e hospedagem no trabalho decente que lá estava discutindo. Faço este registro, porque o Brasil recebeu a relatoria e teve um papel de destaque. A nossa Ministra Maria Luiza, representando o Brasil, por intermédio da Embaixada, pôde, com muita competência, atrair para o País todo e total apoio, a fim de que pudesse ser relator dessa importante matéria. Esperamos que a ratificação seja logo feita pela nossa Presidenta Dilma.

PRONUNCIAMENTO ENCAMINHADO Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, é com muita honra que notifico, por ter sido designada pela bancada feminina e pela Presidência desta Casa, a minha participação na 100ª Conferência Internacional do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na cidade de Genebra, na Suíça. O tema principal deste ano é o trabalho decente para as os trabalhadores domésticos. A conferência ainda não terminou e vai até o dia 17 de junho. Sinto-me muito honrada também por ter sido a autora do PL 1.626, de 1989, que tratou da regulamentação e proteção ao trabalho doméstico. Representantes de mais de 180 países estavam presentes na abertura da conferência, no dia 1º de junho, e a premissa básica da OIT é a de definir a adoção de um instrumento internacional para a garantia de direitos para a categoria e este é um processo que foi intensificado nos últimos 3 anos, sendo marcado pelo protagonismo das trabalhadoras domésticas brasileiras na América Latina. Os temas prioritários da conferência deste ano são o trabalho doméstico, trabalho decente, inspeção do trabalho, igualdade no mercado de trabalho e proteção social. Uma convenção e uma recomendação deverão ser adotadas durante a discussão do trabalho doméstico. Foram aprovadas mais de 180 convenções do trabalho e mais de 170 recomendações nestas 100 conferências internacionais já realizadas. 299

O Brasil faz parte do grupo de trabalho da América Latina GRULAC, em que se reúne com Argentina, Venezuela, Chile e México, além de países do Caribe. A meta desse grupo é traçar estratégias para a construção das normas internacionais que protejam os direitos humanos dos trabalhadores domésticos, um dos pontos mais defendidos pela delegação brasileira. Esses trabalhadores muitas vezes sofrem agressões físicas e morais em seus trabalhos. Em nosso País, o trabalho doméstico é a ocupação que agrega o maior número de mulheres e apresenta importantes déficits de trabalho decente em todas as suas dimensões. Segundo a OIT, o trabalho doméstico é responsável por 4% a 10% da economia dos países em desenvolvimento. No Brasil, a profissão reúne 7,2 milhões de profissionais. No ano passado, por deliberação da 99ª Conferência Internacional do Trabalho, a OIT elaborou um documento consolidando a posição das delegações tripartites, formada por empregadores, Governo e trabalhadoras domésticas. O documento abordou o trabalho doméstico na perspectiva do trabalho decente e foi novamente submetido à manifestação dos países acerca da regulamentação do trabalho doméstico. Essas consultas subsidiaram a construção de uma proposta de convenção e recomendação. Um momento marcante para as trabalhadoras domésticas que anseiam por mudanças em termos de reconhecimento profissional. Elas querem ser vistas como as demais profissionais, sem as diferenças. Em um mundo globalizado e instável, sabemos que existe uma relação direta entre os efeitos das crises econômico-financeiras e as políticas de promoção da igualdade e da não discriminação. Ao longo da recessão, as vulnerabilidades são exacerbadas e as capacidades institucionais de proteger as populações sujeitas à discriminação são testadas ao seu extremo. A principal resposta da OIT foi o Pacto Global pelo Emprego. E ao referir-se à redução da desigualdade de gênero como um dos princípios da recuperação econômica, o Pacto tornou-se instrumento valioso e parâmetro importante para lançar as bases de um crescimento econômico justo, com equidade entre homens e mulheres. No âmbito multilateral, o Brasil teve a honra de apresentar, em 2009 e 2010, resolução no Conselho Econômico e Social (ECOSOC), cujo objetivo foi justamente o de integrar as medidas do Pacto na agenda de todos os fundos e programas das Nações Unidas, num momento bastante oportuno para o debate proposto nesse Pacto Global e no relatório do mesmo. Tenho certeza de que esse plano será um fator determinante para assegurar a toda a população, e às mulheres brasileiras em especial, acesso a direitos e autonomia econômica, política, social e pessoal. O compromisso do Governo brasileiro e da Secretaria de Políticas para as Mulheres, em particular, com a igualdade no mundo do trabalho está explicitado nos princípios e nas diretrizes da Política Nacional para as Mulheres e nas ações previstas no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Entre elas merece destaque o Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, criado em parceria com a OIT e ONU Mulheres, com o objetivo de desenvolver novas concepções na gestão de pessoas e na cultura organizacional para alcançar a equidade de gênero e raça no mundo do trabalho. As Ministras da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Luiza Bairros, e a Embaixadora do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, Maria Nazareth Farani de Azevedo, participaram de debates, reuniões governamentais e comissões durante o evento. Ambas agradeceram a OIT por sua atuação fundamental na promoção da igualdade nas questões trabalhistas e de gênero, além de ressaltarem os avanços do Brasil na erradicação da pobreza, na consolidação das políticas para as mulheres e os desafios para a construção da igualdade no mundo do trabalho. Em seu discurso, o Ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, destacou os avanços no Brasil, o aumento de emprego nos últimos anos e o projeto de combate à pobreza da Presidenta Dilma Rousseff. 300

Entre outras questões, o Ministro enfatizou a importância do Projeto de Convenção sobre Trabalho Decente para Trabalhadoras e Trabalhadores Domésticos que prevê que cada membro que ratificar a Convenção “deverá tomar medidas para que os profissionais sejam livres para negociar com seu empregador se residirão no domicílio onde trabalham”. O documento ainda diz que os trabalhadores não serão obrigados a permanecer no domicílio ou com membros do domicílio durante folgas ou férias e que eles também tenham o direito de manter em sua posse seus documentos de viagem e identidade. As Presidentas da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria de Oliveira, e do Sindicato das Empregadas Domésticas do Estado de Sergipe, Sueli Maria dos Santos, lideram a delegação brasileira. Também participam as representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Comércio e Serviços, ligada à Central Única dos Trabalhadores, Ione Santana de Oliveira, do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas do Rio de Janeiro, Maria Noeli dos Santos, e do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campinas, Regina Teodoro. O grupo recebeu o apoio do Governo brasileiro para participar da conferência. Um agradecimento especial a toda a equipe da ONU Mulheres – Entidade das Nações Unidas para Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres pelo apoio que viabilizou minha participação no evento. Nessa 100ª Conferência Internacional do Trabalho, tivemos a possibilidade de vencer mais um desafio no campo da igualdade no trabalho, ao aprovarmos a Convenção/Recomendação sobre o Trabalho Doméstico. Sabemos que muitos passos ainda devem ser dados em nosso próprio País e em muitos outros. Precisamos de políticas que enfrentem de forma clara e decisiva as diferentes discriminações a que as mulheres e outras parcelas da população ainda estão submetidas. O Brasil sente orgulho em participar desse momento, deixando claro o seu apoio a esse instrumento que, com certeza, contribuirá de maneira efetiva para o avanço das legislações nacionais e internacionais para consolidação de direitos sobre trabalho decente para os trabalhadores e as trabalhadoras domésticas.

COMISSÃO ESPECIAL DA PEC Nº 478/2010 Primeira Audiência Pública

(QUARTA-FEIRA, 05 DE OUTUBRO DE 2011)

Boa tarde a todas e a todos. Eu observei como foram importantes nesta nossa audiência os convidados de alto nível para colaborar com o debate desta PEC, sobre a qual tenho certeza de que ainda vamos fazer muitos debates. Eu queria, Sr. Presidente, fazer uma solicitação. Na medida em que os expositores puderem, peço que deixem na nossa Comissão toda a exposição aqui feita. Isso iria auxiliar a Comissão e principalmente a Relatoria. É um pedido que faço. Outro ponto é que quero fazer, rapidamente, porque estamos sendo chamados, os agradecimentos. Na Assembleia Nacional Constituinte, quando tivemos a oportunidade de introduzir esse dispositivo, não foi uma tarefa fácil. Para que esse dispositivo pudesse estar na nossa 301

Constituição, houve uma articulação com uma força e pressão da sociedade civil e das trabalhadoras. É importante dizer que os movimentos sociais foram integrados por trabalhadores e por trabalhadoras, em um momento histórico para o reconhecimento da categoria. Era o máximo que nós buscávamos, dada a correlação de forças daquele momento. Era o máximo: o reconhecimento de uma categoria! Mesmo existindo as nossas centrais sindicais, mesmo existindo toda a luta dos trabalhadores, e nós enquanto lideranças, nos nossos sindicatos, essa questão da trabalhadora doméstica não estava na pauta da Constituinte. Foi uma conquista. E essa conquista foi o suficiente para fazermos um debate que, na minha concepção, depois de 23 anos, pensei que já estivesse superado, porque, naquela época – para que não se votasse apenas um artigo –, era minha proposta as trabalhadoras domésticas terem os mesmos direitos que os demais trabalhadores. Era um artigo somente, e não conseguimos. E tivemos que pulverizar uma série de direitos para que nós pudéssemos manter o debate, reconhecer os direitos das trabalhadoras domésticas e dar continuidade a um processo de ampliação desses direitos, com base em projetos de lei, regulamentando, evidentemente, não apenas esse artigo, mas a Constituição como um todo, no que se refere aos direitos dos trabalhadores, tornando- os possíveis, à medida que colocávamos o ato tremendo que era a discriminação. E eu quero dizer ao Presidente que não foi nenhum equívoco parlamentar, foi realmente não ter as condições necessárias naquele momento. Eu digo isso porque alguns argumentos usados aqui – e eu não estou aqui para isso, eu estou aqui para relatar, para ouvi-los e ser ouvida, é evidente – foram usados naquela época. Se esses argumentos tivessem sido derrubados lá, nós não estaríamos aqui com esta PEC. Temos dúvidas, é evidente – aí já é uma particularidade da Relatora. Por isso este debate é importante. Ao retirarmos o dispositivo, nós teremos reais garantias de permanência do debate sem que esteja ratificada a convenção? A minha impressão e concepção são de que temos que trabalhar conjuntamente os debates, as discussões, em relação ao dispositivo. E temos, sobretudo, que levar o Governo a que ratifique a convenção, porque nós teremos muito mais condições para avançar. Sendo assim, eu agradeço muitíssimo terem atendido o convite da Comissão Especial. Ouvi a Creuza dizer que gostaria de se fazer presente em todas as demais audiências. Eu gostaria de dizer que nós teremos outras visões sendo coladas, tanto do Governo quanto da sociedade civil, das trabalhadoras domésticas e dos Parlamentares desta Casa que têm alguns projetos aqui tramitando. Eles provavelmente serão ouvidos, para que possamos ter, depois, 302 um relatório abalizado não só por sentimentos e vontades, mas por direitos que acredito serem direitos humanos.

COMISSÃO ESPECIAL DA PEC Nº 478/2010 Segunda Audiência Pública

(QUARTA-FEIRA, 19 DE OUTUBRO DE 2011)

Senhor Presidente e mais membros da mesa, senhora e senhores, deputada, deputados que aqui estiveram e passaram. Nós estamos aqui com a luzinha piscando, mas é importante ressaltar que essa Comissão é especial, no nosso ponto de vista – e aí não é o papel da relatora fazer quaisquer considerações –, mas eu tenho certeza a imputo da maior relevância depois da Constituinte. Desde a Constituinte que nós identificamos o trabalho escravo e que nós precisaríamos ter leis que pudessem combater o trabalho escravo. Desde a Constituinte que nós estamos querendo apenas que as trabalhadoras domésticas tenham os mesmos direitos dos demais trabalhadores. Mas quem conhece esta Casa sabe que foi extremamente difícil colocar alguma referência além disso que está na Constituição e ainda como uma nódoa – colocada muito bem pela Hildete [Pereira de Melo] –, mas – eu posso estar, aqui, cometendo uma blasfêmia – foi uma nódoa necessária para manter viva a chama e também dar uma resposta a este grande movimento nacional das trabalhadoras domésticas e de nós, mulheres negras, porque nós temos total consciência de que saímos da Casa Grande, lá da senzala, mas a continuidade desse processo foi sofisticada e com isso a exploração continua. Então, não pasmem se nós encontrarmos os mesmos argumentos que nós encontramos lá em 1972, porque é uma realidade que nós enfrentamos há séculos, não é de agora. Nós podemos até dizer que nem sequer a referência que nós podemos aqui identificar a partir do ano tal ou até mesmo, com todo o respeito, a nossa companheira de São Paulo, lá da luta, mas essa luta começou na Casa Grande, pelo amor de Deus, de direitos de transversalidade desde a creche, a amamentação de nossos filhos, até a nossa terceira idade. Mas é importante que a gente tome isso como uma referência para aprofundar. Não é uma questão só ideológica, é uma constatação histórica que a própria história brasileira deixou de contar e nós estamos reescrevendo a história. Então, hoje, essa Comissão Especial reescreve a história de luta de nós, mulheres negras, trabalhadoras domésticas, objeto sexual de senhôzinho, e outras coisas mais. 303

Então, é importante para nós haja um momento de debate, de contraditório, porque nós poderemos ser surpreendidas e surpreendidos, mais adiante, com esse esforço que está sendo feito. A composição é esta composição possível, o Presidente sabe muito bem que tivemos que batalhar para estarmos aqui, mesmo que natural das articulações e dos próprios direitos históricos de quem tem a maior bancada, mas houve uma disputa para que tivesse ele na presidência e eu como relatora dessa matéria. Então, nós sabemos o que está acontecendo nesse momento e o que poderá acontecer futuramente. Então, eu quero só fazer algumas considerações que aqui ficou muito patente em todas as contribuições que foram dadas aqui que a ratificação da Convenção 189 – que envolve, também, outro tipo de articulação que todos nós sabemos perfeitamente –, ficou muito claro que a jornada de trabalho é fundamental – ela, inclusive, continua, se você não tem uma jornada de trabalho, caracterizando e simbolizando o trabalho escravo, por mais que você receba o valor de uma remuneração, mas eu tenho direito a descanso semanal, hora para começar, hora para terminar, eu tenho direito, enquanto mulher, à maternidade, direito de olhar também o meu filho, porque a Constituição diz que isso é responsabilidade dos pais em relação aos filhos e nós temos filhos, enquanto empregadas domésticas e enquanto empregadoras também. Então, é importante que a gente possa estar trabalhando nesse contexto. Penso que ficou também claro que as políticas devem ser transversais e que possam ampliar e garantir programas que somem com a cidadania do trabalho doméstico, e, também, com a questão da escolaridade, da qualificação profissional, com vista à migração funcional. Agora não estão procurando “precisa-se de uma empregada de cor branca”, conseguimos tirar. “Precisa ter boa aparência”, também saiu. Mas, agora é “precisa-se de alguém que não estude”. Agora nós estamos enfrentando isso, as coisas não mudam, e é por isso que estamos aqui. Outra questão é tornar as domésticas o público alvo das várias políticas que estão colocadas. Temos que pensar nessas discussões que se fazem sobre o modo específico de recolhimento para essas contribuições sociais para domésticas. Temos que ter uma norma regulamentadora sobre a segurança e a saúde da trabalhadora doméstica. Temos que ter pesquisas para essa inclusão no mundo produtivo e temos que ver a questão do impacto no PIB, pesquisas voltadas para essa direção. Temos que ter uma interpretação da legislação que possa favorecer e respaldar os direitos das trabalhadoras domésticas junto aos poderes constituídos, ao Poder Judiciário, ao Ministério Público do Trabalho, ao Tribunal Regional do Trabalho, ao Tribunal Superior do Trabalho. 304

Uma outra questão colocada é que nós não deveremos falar em detalhamento constitucional da proposta, mas é interessante também – por isso a importância do debate – que mesmo quando tratarmos no PL, nós temos que ter, antes de tudo isso, uma articulação muito grande de política e mobilização e eu ouso mais uma vez dizer, ao retirar o parágrafo único da Constituição, temos que ter, antes, total garantia de que aumentamos a nossa base de apoio para garantir essa votação, porque tudo é possível nesta Casa. Não querendo assustar evidentemente, nós estaremos fazendo a nossa parte, mas garantir esse debate amplo, até gostaríamos que fosse rápido, mas é importante mantermos essas audiências públicas e os prazos regimentais para que tenhamos um relatório que não seja apenas uma letra morta e que a gente depois tenha que levar para o Arquivo. Muito obrigada.

COMISSÃO ESPECIAL DA PEC Nº 478/2010 Terceira Audiência Pública

(QUARTA-FEIRA, 09 DE MAIO DE 2012)

Sr. Presidente, em primeiro lugar, eu gostaria de cumprimentar a Dra. Comba Marques Porto. Conheço o seu trabalho e sei da importância de coordenar aquela grande campanha das mulheres intitulada “A Mulher na Constituinte”. Para nós foi enriquecedor, na medida em que tivemos grande sucesso. Em que pese não ter a Constituição brasileira inserido todos os nossos direitos com esse recorte de gênero, seja da indígena, seja da mulher negra, seja da trabalhadora rural, seja da trabalhadora urbana, seja da comunidade intelectual, nós demos um grande passo. Sem dúvida, este é o momento de homenageá-la pelo trabalho construído. Esta é uma luta que vem de muito tempo. Contamos também com a presença da Dra. Hildete, sem dúvida outra grande colaboradora, liderança no movimento feminista. Nós temos em conta que as coisas não começaram agora. Isso já vem desde a casa grande e a senzala. É importante dizer isso, para que não se percam os ganhos que nós mulheres negras domésticas tivemos – e posso falar de cadeira – durante toda a nossa vida, batalhando para que tivéssemos não um lugar ao sol não, mas os nossos direitos enquanto trabalhadoras, remuneradas e reconhecidas. Entendemos que existem diferenças entre nós, trabalhadoras domésticas, e as trabalhadoras rurais e as trabalhadoras industriais. Nas leis, há um recorte de gênero. Elas protegem muito mais o trabalhador. Foram criadas em função do trabalhador, foram criadas em função do mercado, foram criadas em 305 função da indústria e do desenvolvimento. Não coube pensar que o gênero feminino estaria inserido nesse processo. Todos os espaços até então conquistados pelas mulheres vêm de uma trajetória totalmente diferente daquela em que se consideravam pequenas conquistas. Essas pequenas conquistas foram avolumando-se, e podemos hoje ter associação e sindicato das trabalhadoras domésticas. Contudo, dentro da organização das trabalhadoras, ainda há divisão de pensamentos e de ideias, quanto à relação entre patrão e empregada. Devemos refletir a respeito dessa realidade, porque ainda armazenamos em nós essa cultura. Os legisladores, os juristas fazem suas leituras. Alguns agem com boa intenção; outros, equivocadamente. A verdade é que, na Constituinte, não conseguimos garantir mais direitos para as trabalhadoras domésticas porque aqui estavam os patrões, com visão totalmente diferenciada. Se o Congresso Nacional tivesse o hábito de pagar às suas empregadas, é lógico que o patrão iria votar naquele momento. Mas o possível foi estabelecido naquele instante, dentro de negociação que considero até perversa. Não canso de repetir que, na época, nós negociamos a licença-maternidade. Por que negociamos naquele momento a licença-maternidade? Porque queríamos que ficasse estabelecida a folga semanal remunerada. Que eu saiba, licença-maternidade é para mulher. Não se poderia, portanto, discriminar a trabalhadora doméstica, já que era direito dela a licença-maternidade. E não seria só para ela, beneficiaria também as crianças. Faço, assim, esse resgate. Estou sempre lembrando que, na campanha da Constituinte, tivemos outros tipos de conquista. Consideramos a nossa Constituição uma constituição cidadã. Agora mesmo, na Comissão de Seguridade Social, não estávamos propondo absolutamente nada novo. Apenas queríamos regulamentar o que diz a nossa Constituição no que se refere à taxação das grandes fortunas. Não havia novidade. Mas não se pôde votar. Houve manobra ali. Dizia-se: “Não pode haver mais impostos!” Não se faz uma leitura. E são legisladores! Pode-se dizer “nós somos contra isto que está na legislação”, mas não se pode achar que a regulamentação de um artigo da Constituição brasileira pode trazer danos, porque isso seria ignorar totalmente os debates que foram feitos em relação a cada artigo que está no texto constitucional. O Brasil se mobilizou como nunca, representantes do Brasil inteiro estiveram aqui, os contrários e os favoráveis. Mas nós o finalizamos. É evidente que o mesmo cenário ainda se verifica. Perplexa ficou Benedita, que, depois de 17 anos fora desta Casa, chega aqui e encontra uma PEC da trabalhadora doméstica. Eu não pensei que tivesse de me deparar com isso. E todos os projetos estão apensados a 306 proposição que apresentei depois da Constituinte. Depois de conseguir que aquilo fosse inserido na Constituição, fiz um projeto a respeito de mais direitos para as trabalhadoras. E foi a essa proposição que apensaram os mencionados projetos. Com base nessa proposição, fizeram a PEC. Mas a PEC não avançou. E não avançou porque não houve interesse do Governo, segundo diz o Deputado Bezerra, que apresentou essa proposta de emenda à Constituição. “No Governo Lula não houve interesse”. É muito fácil transferir essa responsabilidade para o Governo Lula. Eu não a transfiro para nenhum governo. Esta Casa é que tem de legislar sobre essa matéria, e ela não fez isso porque não teve interesse. Mas, enfim, eu sou a Relatora. Estou dando esse depoimento apenas com o intuito de resgatar a memória também dos nossos palestrantes, no caso, das nossas palestrantes, que têm entendimento jurídico e constitucional, que conhecem todas as convenções e sabem perfeitamente que existe nesta Casa, que é política, algo chamado correlação de forças. Nesta Casa, tudo o que é pensado como gasto ou custo para o empregador – estou falando de trabalhadoras domésticas – é muito difícil, não é fácil. Quero chamar a atenção para um aspecto. O proponente tem reclamado da morosidade. Mas não se trata de morosidade. Eu quero, como ex-empregada doméstica e, hoje, legisladora, fazer a coisa com a maior consciência do mundo. Não quero que caia sobre os meus ombros a responsabilidade de um relatório que não permitiu negociação relativamente a essas trabalhadoras, seja com o Governo, que vai também pagar a conta, seja com os patrões. Os impactos devem ser medidos. Estamos discutindo com o Governo sobre os impactos. Não se trata apenas de colocar algo no texto. Vira letra morta. Retiramos o parágrafo único, e, depois, qual será a referência? Vão passar os demais direitos dos trabalhadores? Que direitos são esses? Onde vamos encontrá-los? Para o trabalhador urbano, existem; para o trabalhador rural, existem; para a trabalhadora doméstica, porém, não existem. Então, os direitos para as trabalhadoras domésticas têm que ser diferenciados, e também no que se refere à própria CLT, que não incorpora, evidentemente, esse tipo. A trabalhadora não tem, por exemplo, participação no lucro. Mas não se trata só de participação no lucro. Foi dito que ainda há trabalho escravo. Hoje vamos votar, se Deus quiser, a chamada PEC do Trabalho Escravo, que comporta muito bem essa história dos 12 anos. E as trabalhadoras domésticas estão incluídas nessa questão do trabalho escravo. Muitas não são remuneradas, muitas ficam em cárcere privado, muitas são exploradas, têm hora para começar o serviço, mas não têm hora para acabá-lo, muitas são para 307 mil e uma utilidades, cozinham, lavam, passam, arrumam, são babás. Os patrões chegam de madrugada, e ela está ali. Se é preciso arrumar o menino para ir à escola, ela está ali. Precisamos, portanto, fazer essa leitura. Temos parecer do Tribunal Superior do Trabalho, pareceres regionais. Há também uma comissão que envolve o Ministério do Trabalho, a Casa Civil, a Secretaria da Igualdade Racial, a Secretaria de Políticas para as Mulheres e os Ministérios da Previdência e da Fazenda. Quem tem muita responsabilidade tem de saber o que está fazendo. Eu não posso assegurar que, se retirarmos pura e simplesmente esse parágrafo, vamos resolver o problema da trabalhadora doméstica. É preciso que se saiba como será a previdência, a licença- maternidade, como serão tratados os acidentes de trabalho. Todos esses itens estão sendo discutidos. Por quê? O Governo tem que nos apresentar o que ele quer, tem que nos dizer até onde vai. E o empregador também tem que entender seus direitos, assim como seus deveres. O patrão ou a patroa não podem ser uma espécie de dono de empresa privada, em que têm domínio sobre a vida da empregada doméstica. Às vezes, a pessoa não tem nem vida familiar. Algumas empregadas não têm acesso ao direito a descanso semanal remunerado. Portanto, nossa reflexão a respeito dessa revogação deve ser profunda, deve ser acompanhada. A Dra. Comba diz com muita propriedade que temos de fazer esforço para que haja avanços, e não retrocessos, e haja entendimento jurídico. Em que pese esta Casa ter entre seus membros bastantes advogados, pessoas que já foram juízes e tudo o mais, há essa questão. A situação deve ser tratada com um sentimento que extrapola as siglas partidárias e a própria disputa. Tenho por praxe não tirar a autoria de ninguém, no caso de eu apresentar substitutivo relativo a projeto apresentado por Fulano ou Sicrano. Faço isso porque, na condição de legisladora, sei que não existe coisa pior para o autor de um projeto do que ver a sua autoria ser retirada pelo Relator, por meio de um substitutivo. Mas isso não vai acontecer. Quero agradecer muito à Dra. Comba, à Dra. Cláudia e à Dra. Adriane. Tenho certeza de que são muito importantes essas audiências que estamos realizando, em que se permite o contraditório, são apresentadas posições diferenciadas, às vezes mais diferenciadas ainda do que as que poderíamos imaginar. A intenção é que esse relatório seja lido em breve e aprovado, para que as trabalhadoras domésticas possam, finalmente, ter mais direitos. À medida que se vai sofisticando a questão, vamos buscando mais direitos. É para isso que estamos aqui. Eu, por exemplo, sou da área da saúde. Agora, estou brigando pelas 30 horas semanais. Isso não poderia ter acontecido antes, quando do reconhecimento dos 308 auxiliares de enfermagem, dos assistentes sociais. Depois, trabalhamos em relação ao piso salarial. Enfim, todas as categorias passam por momento de disputa para obter maiores conquistas. Mas eu quero crer que teremos um final feliz. Agradeço a todos a presença e, principalmente, ao Deputado Biffi a colaboração dada.

COMISSÃO ESPECIAL DA PEC Nº 478/2010 Quarta Audiência Pública

(QUARTA-FEIRA, 16 DE MAIO DE 2012)

Boa tarde a todas e a todos. Sr. Presidente Marçal, na verdade, eu quero fazer uma consideração dentro das generalidades aqui colocadas por cada uma das centrais. A primeira coisa é cumprimentar a Ana Cristina, da UGT; a Cleonice, do INSPIR; a Rosane Silva, da CUT; a Maria Auxiliadora, da Força Sindical; a Creuza, da FENATRAD, a CONTRACS; o Sindicato dos Comerciários; todos os companheiros e companheiras, Deputados e Deputadas. Na verdade, esse nosso relatório tem sido feito com grandes debates, audiências públicas. Também nas regiões nós temos procurado ouvir. Nós temos uma boa escuta a partir das regiões. Não só as oficiais audiências desta Casa, como também as extraoficiais que acontecem nos Municípios têm sido aproveitadas, para que possamos fazer uma reflexão em torno de um relatório que absorva toda essa luta do movimento de alguns anos. Então é importante que neste momento possamos considerar essa força internacional de uma convenção nesse cenário político da América Latina, visto que – e é bom chamar a atenção para isso, dadas as falas – o Brasil é o País que tem a legislação mais ampla na garantia dos direitos dessas trabalhadoras. Todas as trabalhadoras que lá estiveram nos debates da Convenção 189 da OIT ficaram praticamente perplexas, porque observaram que os demais países estavam ali com suas representações, mas não tinham uma referência sequer de como começar a tratar de alguma lei que pudesse respaldar a iniciativa daqueles países no que diz respeito aos direitos das trabalhadoras domésticas. É bom dizermos isso porque nós que somos dos movimentos – movimento político, movimento sindical, movimento social – sabemos que são etapas. Nós nunca conseguimos ver... E nós que temos toda uma prática de fazer greve debatemos no pico. Isso é o que fazemos. Depois sabemos que as negociações e as articulações nunca vão sair do jeito que nós queremos, mas, gradativamente, nós vamos conquistando. Assim foi o voto para a mulher. Assim foi o reconhecimento deste País de que existe uma discriminação racial, depois da Lei Áurea. Então é importante que nós tenhamos aqui essa reflexão para as demais audiências que 309 faremos e até para que as companheiras e os companheiros possam fazer esse debate no sindicato. É verdade que o Uruguai ratificou primeiro, porque todos eles estariam em condição de ratificar de imediato, porque eles não tinham nenhuma referência que pudesse respaldá-los. Nós não. É importante colocarmos que a Convenção 189, para nós, tem que ter um estudo um pouco mais aprofundado, porque o que nós temos como referência maior? Primeiro o reconhecimento dessas trabalhadoras. No Brasil já se tem, não só no que diz respeito ao que está colocado no art. 7º, parágrafo único, mas nas conquistas de leis que o próprio Governo foi criando, como leis complementares, dando direitos a vários segmentos, não só da categoria de trabalhadora doméstica, como das demais categorias. Eu, por exemplo, desde 1987 tenho projeto passando pela Câmara e pelo Senado, e todos eles hoje estão apensados àquele projeto de 1987, depois da Constituinte, 1990. Hoje mesmo na Comissão de Seguridade Social nós estamos tratando de um projeto de 1991 – eu estava no Senado Federal, na apresentação de projetos, e depois veio a nossa companheira. Então é uma batalha, uma luta que nós Parlamentares travamos nesta Casa, que estamos aqui apresentando, por isso o Presidente Marçal diz que também tem projeto, assim como outros Deputados. Se formos perguntar à bancada feminina, que tem tido uma preocupação muito grande nesta Casa, encontraremos esse trabalho. Se também formos falar com a frente parlamentar dos negros nesta Casa, que sabe que o trabalho escravo no Brasil ainda tem uma simbologia no trabalho doméstico, pela exploração, não só pela falta de reconhecimento, mas pela perversidade com que são tratadas essas trabalhadoras e trabalhadores, nós vamos encontrar aqui uma infinidade de iniciativas. Nem todas são de boas intenções, mas todas elas têm que fazer uma grande disputa. Eu queria também destacar que, sem prejuízo da importância da Convenção da OIT, nós temos que tratar de algo que a Constituição brasileira tem desde 88, que é o nosso art. 7º, parágrafo único. Nós estamos nessa luta, mas não sei quando será ratificada. Nós estamos trabalhando junto à Presidenta Dilma, junto a toda uma equipe que ela já tem montada em comissão para os estudos aprofundados. Ela quer ratificar a Convenção 189, mas nós precisamos dar conta desta PEC que ora está sob nossa responsabilidade fazer, ampliar ou retirar do art. 7º, parágrafo único. Nós entendemos que temos que dar mais ênfase a esses direitos que já estão garantidos por força da legislação brasileira, e esse encontro, essas audiências são exatamente para que possamos ampliar direitos, mas ampliar direitos de verdade, não apenas ampliar direitos para ficar como letra morta de uma PEC e não termos condição de executá-la. 310

Nós que trabalhamos no movimento sindical sabemos que existem as fases de tensionamento, de radicalização, de articulação, e a fase de negociação. Nós estamos aqui nesta Casa na fase de negociação, discutindo também com o Governo, que precisa se posicionar em relação a esta relatoria, a esta Comissão, até onde ele poderá andar conosco para que possamos avançar evidentemente. Podem ter a certeza de que o Presidente Marçal, a Relatora e os demais membros desta Comissão têm o papel e o dever de entregar para a sociedade brasileira uma PEC que não apenas amplia, mas que possa ser referência da relação do patrão e do empregado – no caso, empregada, porque nós somos 93% de mulheres nesse contexto. E dentro deste contexto, 60% somos mulheres negras. Como eu posso tratar esses direitos ainda complementares sem ter recorte de gênero e sem ter recorte racial? Não posso, e temos que saber do nosso Governo, que é uma referência mundial no que diz respeito ao avanço da nossa Constituição, não só na América Latina, como tivemos a oportunidade de ver em Genebra, se nós teremos uma lei que vai dar às trabalhadoras domésticas mais força, mais garra, mais estímulos para que sejam sindicalizadas, para que haja também um reconhecimento da sindicalização da categoria, porque é muito pouco o que vamos pedir em relação ao trabalho pura e simplesmente. Eu tenho um salário, tenho jornada de trabalho, eu tenho mais isso, eu tenho mais aquilo, mas nós sabemos que esse é um trabalho que se diferencia, por exemplo, do de uma fábrica, de uma empresa, de um comércio. Portanto, ele não tem que ter só uma ampliação de leis que nos beneficiem enquanto trabalhadoras, tem que ter uma ampliação de leis que nos beneficiem enquanto cidadãs brasileiras, dentro do contexto da relação de trabalho. Eu fico por aqui, dizendo que é uma satisfação enorme receber a contribuição também dos nossos pares, que estarão aqui falando. Nós temos vencer esse preconceito existente. Como o Deputado Marçal já disse, o preconceito existe, e não pode continuar sobre esta profissão, que é como outra qualquer. Sempre cito isso, parece que sou repetitiva. Mas eu pago muito caro quando eu vou almoçar, até aqui no restaurante do SENAI. Quando nós vamos para dentro de casa, nós sabemos que aquele valor que pagamos para comer uma pessoa, na nossa casa vão comer dez. Então o nosso trabalho tem que ser dignificado e reconhecido, porque aquele que está lá no restaurante fazendo aquela mesma comida que nós fazemos no privado tem 13º, descanso semanal e tantas outras coisas. Então é preciso reconhecer que esse preconceito não se acaba com lei, mas com luta. Nós temos que vencê-lo. Nós temos que desenvolver no imaginário 311 social essa compreensão, e isso só vai poder ser feito quando tivermos edificado esse trabalho como uma profissão, um trabalho honroso. Concluo dizendo que eu sou uma excelente profissional na área doméstica e pago dentro do direito à trabalhadora que me ajuda, que está na minha casa, mas eu sou aquela que tem que fazer muito bem, por isso eu tenho que pagar também todos os direitos, porque, como eu sei fazer, também não vou querer qualquer coisa. E é uma das coisas que devemos prezar: você é lavadeira, é ótima; você é arrumadeira, é ótima; você é cozinheira, é ótima; você é babá, é ótima. Nós somos excelências de um trabalho honroso. Muito obrigada. [...] A relatoria sempre gosta de usar a palavra, apesar de eu ter aprendido, na minha Bíblia, que na multidão de palavras surge a transgressão. Quanto mais se fala ou se conquista, se convence, ou se estraga tudo. Primeiro, tenho prestado todas as homenagens ao propositor desta PEC, mas vocês ouviram o propositor dizer que eu sou oriunda da categoria e, por conta disso, evidentemente, ele espera de mim mais sensibilidade e que eu acelere o processo. Exatamente por conta dessa origem é que eu não posso escorregar, não posso me precipitar. Eu tenho que esgotar todas as possibilidades de articulação com um Governo que é meu, no qual eu acredito, que está disposto e que montou uma comissão para fazer todo o acompanhamento e dar toda a contribuição possível para que esta matéria, ao ser votada por esta Casa, possa ser sancionada com tranquilidade. Essa é a minha responsabilidade. Por isso, para quem esperou mais de 300 anos, desde a casa grande e a senzala, esperar mais uma semana ou duas, 1 mês, não faz mal nenhum, desde que tenhamos a garantia de que esta matéria não apenas será aprovada pelo Plenário, mas também será aprovada e sancionada pelo Governo, que tem vontade de fazê-lo. Concluo dizendo que quando esse texto altamente discriminatório do parágrafo único do art. 7º foi para as páginas da Constituição, naquele momento, naquela conjuntura, foi o maior avanço que a categoria obteve. Primeiro, foi reconhecido que existe uma categoria de trabalhadoras domésticas; segundo, não foi fácil colocar aqueles direitos. E não se esqueçam, não se iludam: nesta Casa vocês precisam estar em constante mobilização. Nesta Comissão temos unanimidade porque quem veio para esta Comissão veio para tratar deste assunto. Todo mundo quer o direito da trabalhadora doméstica, desde que tudo venha do Governo. E nós sabemos que nem tudo vem do Governo, quando se reconhece uma 312 categoria. Evidentemente os nossos patrões – ou os patrões de vocês, porque não são mais os meus – estão também nesta Casa buscando os seus direitos enquanto empregadores. Então é importante que vocês saibam que é a mobilização de vocês que respalda o Plenário para uma votação, porque a minha bancada não tem maioria, o meu Governo não tem maioria. Se tivesse, teríamos aprovado nesta Casa o Código Florestal, a PEC do Trabalho Escravo e tantos outros projetos que o Governo tem perdido. Então, falo, sim, como integrante da bancada do Partido dos Trabalhadores, como integrante da bancada de sustentação deste Governo, que não é o melhor, também não é o pior, mas é diferente – não é a escola de samba do Salgueiro, não, mas é assim. Quero só colocar que o Governo não tem maioria. Ele precisa articular, porque às vezes temos rupturas na própria base governamental, dependendo da matéria. Também temos o direito até de defender interesses particulares, do ponto de quem nos elegeu. Mas desejo, realmente, que eu possa cumprir o prazo dado pela Comissão, aprovado pela Comissão, e que possamos manter o bom entendimento que estamos mantendo com o Governo, porque tudo o que desejo na minha vida é ver, definitivamente, esta matéria sendo votada. Mas que vocês tenham realmente uma conquista, e não apenas alguma coisa bonita escrita em um papel, sem nenhuma utilidade. Desculpem-me.

CÂMARA DOS DEPUTADOS Manifestação sobre a PEC das Domésticas

(SEXTA-FEIRA, 09 DE NOVEMBRO DE 2012)

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, nós temos discutido vários assuntos nesta Casa. Eu tenho tratado, como Relatora, de um grande assunto, que é a PEC das trabalhadoras domésticas. Todos sabem que ontem, na Comissão Especial presidida pelo Deputado Marçal, tivemos o relatório aprovado. Aqui da tribuna quero fazer um agradecimento a todos os Deputados titulares e suplentes que naquela Comissão apoiaram o relatório. Cabe agora ao Colégio de Líderes a decisão de colocá-lo no plenário desta Casa para ser votado em regime de urgência. Sabemos que essas trabalhadoras, na sua maioria mulheres negras, vêm desde a escravidão num processo de trabalho sem remuneração adequada, sem direito adquirido, sem nenhuma proteção contra despedida arbitrária, trabalhando em subempregos. Agora elas têm esses direitos, que se iniciaram na Constituição de 1988 e agora se estendem com a proteção 313 contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, com o seguro-desemprego, com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, com a garantia de salário-mínimo, com remuneração do trabalho noturno superior à do trabalho diurno, consideradas as horas extras, com a proteção do salário, constituindo-se em crime a retenção desse salário. Nós conhecemos os processos históricos de deter o salário dessas trabalhadoras para obrigá-las a continuar no emprego, às vezes em cárcere privado, sem poderem visitar seus familiares, principalmente quando oriundas de outros Estados. Nós conhecemos muito bem essa história. É importante a fixação da jornada de trabalho de 44 horas, porque o trabalho doméstico tem hora para começar, mas não tem hora para terminar. Nós estamos aqui para fazer um apelo a esta Casa, a todos os Líderes, para que conversem com suas bancadas e digam que este projeto é urgente. Ele é importante e é digno. Estaremos tratando de 7 milhões de trabalhadoras e trabalhadores que não têm seus direitos garantidos. Eu agradeço a V. Exa., Sr. Presidente Inocêncio, que tem acompanhado o nosso trabalho e tem nos ajudado muito nesta Casa. Espero que V. Exa. possa pedir ao seu Líder que também assine a urgência, para que esse projeto venha ao plenário e possamos aprová-lo. Muito obrigada, Sr. Presidente. [...] Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, tenho tratado, como Relatora, de um grande assunto, que é a Proposta de Emenda à Constituição que dispõe sobre a ampliação dos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores domésticos. Na Comissão Especial presidida pelo Deputado Marçal Filho, o relatório do meu parecer foi aprovado ontem. Lembro-me de todo o trabalho que tivemos, em grande parte muito exaustivo. Realizamos vários debates, contamos com a articulação por parte do Executivo, com o apoio de sindicatos, associações, federações, organizações não governamentais, da sociedade civil, do Partido dos Trabalhadores e até mesmo da imprensa, que trabalharam pela divulgação da proposta e a favor dela. Amadurecemos as nossas relações, e aproveito este momento para agradecer a todos a contribuição e, acima de tudo, a confiança, a determinação e por acreditarem que daria certo. O Brasil caminha mais uma vez rumo à justiça. O resultado dessa votação é um avanço para essa classe de trabalhadores que há tempos luta pela ampliação de seus direitos. Eles são responsáveis por um serviço tão humano e familiar que não há nenhum salário que pague, mas podemos pagar com o nosso devido respeito e reconhecimento a essa classe. Historicamente, sabemos que essas trabalhadoras, na maioria mulheres negras, vêm de um processo, desde a escravidão, em que não tinham seus direitos garantidos. Mas agora elas 314 têm esses direitos, que se iniciaram na Constituinte e que se estendem agora com uma proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, que trata do seguro-desemprego, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, da garantia do salário mínimo, de remuneração do trabalho noturno superior à do trabalho diurno, considerando as horas extras, da proteção de salário, constituindo até crime a retenção do salário. São processos históricos que todos nós conhecemos. Muitos já detiveram o salário dessas trabalhadoras domésticas, para que elas continuassem no emprego, às vezes trabalhando em regime de cárcere privado. É fundamental assegurar a jornada de trabalho de 44 horas para elas, porque, muitas vezes, elas têm hora pra entrar, mas não tem hora pra sair. Quero fazer um apelo a todo o Colégio de Líderes, no sentido de que votem a favor da PEC. É digno, é urgente e importante para esta Nação votarmos a favor dessa Proposta de Emenda à Constituição, afinal, trata-se de 7 milhões de trabalhadoras e trabalhadores domésticos de todo o Brasil. Muito obrigada.

CÂMARA DOS DEPUTADOS Votação em Primeiro Turno da PEC das Domésticas

(QUINTA-FEIRA, 22 DE NOVEMBRO DE 2012)

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, venho à tribuna, neste momento, dizer da minha satisfação e alegria por poder, mais uma vez, contribuir com esta Casa de Leis. Tive a honra de ser a Relatora da emenda constitucional apresentada pelo Deputado Carlos Bezerra e pela Comissão Especial criada para tratar da matéria, sob a Presidência do Deputado Marçal Filho. Na qualidade de Relatora, pude fazer uma retrospectiva até o momento da Constituinte, quando aqui estiveram as trabalhadoras domésticas e quando tivemos a oportunidade de reconhecer, na Constituição Federal, aquela categoria profissional, ainda que então não pudéssemos avançar no que dizia respeito aos seus direitos. Naquele momento, esta Casa deu uma demonstração de que não iríamos discriminar, de forma alguma, qualquer trabalhador ou trabalhadora, principalmente aquele segmento advindo de histórias profundas, do processo de colonização brasileiro, das senzalas – escravos e escravas que, com a Lei do Ventre Livre, a Lei do Sexagenário e a própria Lei Áurea, após 1888, após a Abolição da Escravatura, viram-se livres, mas sem emprego, sem carteira assinada, sem possibilidade de caminhar na sua trajetória. 315

Esta Casa resgata, por intermédio dessa PEC, a possibilidade de ampliarmos os direitos dessa classe, equiparando-os aos direitos dos demais trabalhadores. Na época, como agora, alguns diziam que iríamos criar um grande desemprego para essas pessoas. Nós provamos que não, porque estamos lutando para que todos os trabalhadores e trabalhadoras tenham os seus direitos garantidos. Esta Casa, comprovadamente, já votou jornadas de trabalho, e continuamos votando aqui inclusive piso salarial. Não era possível, portanto, discriminarmos uma parcela que hoje é de mais de 7 milhões de trabalhadores, dos quais sequer 10% estão com a sua situação legalizada do ponto de vista dos seus direitos. É isso o que esta Casa resgata nesta tarde. A iniciativa do Deputado Carlos Bezerra de apresentar essa emenda constitucional teve o cuidado de nos dar a oportunidade, nesta tarde, de fazer justiça a essa categoria e trazer para este Plenário a possibilidade de promover empregabilidade e trabalho legal – e disso que trata essa emenda. Mais ainda: temos aqui a probabilidade de, daqui a pouco mais, referendar a Convenção nº 189, da Presidência da República, que está acompanhando essa emenda e a aprova – haja vista a articulação feita com o Governo, com a federação das trabalhadoras e com as centrais sindicais, que estão muito bem articuladas e apoiadas por esta Comissão Especial. Nas muitas audiências públicas que fizemos, puderam ser compreendidas e incorporadas as sugestões que ali chegaram do mundo jurídico, do mundo do trabalho e do mundo dos movimentos das trabalhadoras e dos trabalhadores. Meus agradecimentos, sem dúvida alguma, principalmente à Beatriz, que nos acompanhou nesta Relatoria como consultora, e ao Presidente Marçal Filho, que, com muita propriedade, conduziu os trabalhos. Parabéns ao Carlos Bezerra pela iniciativa e pelo cuidado na apresentação dessa emenda. Peço aos nobres pares – e já vi ali no painel a unanimidade – que nós possamos, então, expressar essa unanimidade no voto. Digitem e votem “sim”.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS Votação em Segundo Turno da PEC das Domésticas

(QUARTA-FEIRA, 05 DE DEZEMBRO DE 2012)

Sr. Presidente, antes de falar a respeito da PEC 478, gostaria de dizer que nós somos favoráveis aos defensores públicos, porque entendemos que eles fazem parte de todo um processo, assegurando a cidadania, sobretudo no que se refere aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e à inclusão social; por isso o nosso apoio aos defensores públicos da União. Mas eu gostaria de agradecer a esta Casa e a este Plenário esta segunda votação. Tenho certeza de que esta Casa está fazendo justiça, não apenas por reparar a discriminação que é praticada contra uma categoria profissional há séculos neste País; também estamos tendo a oportunidade de tratar desse trabalho como um trabalho legal, um trabalho que é igual a qualquer outro. Portanto, esses direitos devem estar garantidos. Está de parabéns esta Casa. Já estamos com 344 votantes. É preciso que os demais venham a este plenário votar, porque daremos a essas trabalhadoras um grande presente enviando essa PEC ao Senado e ajudando a articular no Senado sua tramitação, para que eles possam votar tal como a Câmara tem votado, e então a nossa Presidenta Dilma possa sancionar essa emenda. É de interesse do Governo. A nossa Ministra está aqui nesta Casa. A Ministra das mulheres também está apoiando esse projeto, porque 70% dessa categoria são mulheres trabalhadoras domésticas.

CÂMARA DOS DEPUTADOS Manifestação em Comemoração à Promulgação da PEC das Domésticas

(QUARTA-FEIRA, 03 DE ABRIL DE 2013)

Sr. Presidente, hoje é um dia muito especial, porque será promulgada a PEC que amplia os direitos das trabalhadoras domésticas. Esta é uma conquista histórica, pela qual lutamos nesta Casa desde a Constituinte. Quero agradecer aos meus pares nesta Casa e no Senado, que não mediram esforços para que, ainda no mês de março, fosse concluída a votação da matéria, o que nos permitirá participar, hoje, às 18 horas, da cerimônia de promulgação da matéria. Na verdade, mais que um fato histórico, isto é um resgate, é uma justiça que se faz a trabalhadoras que, sem dúvida, até pouco tempo eram submetidas a uma situação que simbolizava a escravidão e a exploração do trabalho. 317

Quero em breve ter mais tempo para fazer nesta tribuna um discurso apropriado a propósito desta data histórica. Muito obrigada, Sr. Presidente. [...] Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, primeiro quero agradecer à minha companheira Deputada Iriny Lopes, que, enquanto Ministra, também foi uma das promotoras das articulações e da mobilização de nós, mulheres, para que, hoje, pudéssemos promulgar a nossa grande Emenda Constitucional nº 72. Muito obrigada. O dia de hoje, sem dúvida, para mim, é especial. Comemoramos, Deputado Amauri, 70 anos das leis trabalhistas, e, após 25 anos de muita luta, desde a Constituinte, hoje haverá a promulgação da Emenda Constitucional nº 72, de 2013. Viramos uma página na história da justiça social do Brasil, garantindo a ampliação dos direitos trabalhistas a mais de 7 milhões de trabalhadoras e trabalhadores domésticos. Acredito que, a partir de agora, com a promulgação da emenda, o Brasil, maior empregador dessa categoria, será referência para os demais países. Conseguimos resgatar uma dívida social. É um avanço histórico relativamente à situação de exclusão de direitos e de subemprego deixada pela Lei Áurea para os ex-escravos no Brasil. Não concordo com o desemprego em massa nessa área. Os artigos que vão ser regulamentados buscarão adequar as condições de empregabilidade. Ainda teremos novos desafios, é o que expressará a promulgação. O Brasil está vivendo uma crescente superação da informalidade em todas as áreas. A PEC das Domésticas expressa exatamente isto, a formalização das relações de trabalho dos empregados e empregadas domésticas e o advento de uma nova realidade social, mais justa e moderna. Meus agradecimentos, pelo apoio, ao Governo Federal, às Ministras Luiza Bairros, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, e Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos. Agradeço principalmente à Câmara e ao Senado, que se empenharam pela aprovação dessa matéria, e ao Presidente , que cumpriu sua palavra ao colocar na pauta do Plenário do Senado a votação da proposta no mês das mulheres (março). Agradeço ainda, de coração, muito emocionada, as homenagens que todos fizeram à minha pessoa durante a votação em segundo turno, na Câmara e no Senado. Não cabe em muitas palavras, de forma nenhuma, a emoção que sinto neste momento. Apenas expresso minha sincera gratidão em nome de todos os trabalhadores e trabalhadoras 318 domésticas deste País. Minha gratidão, porque minha emoção é muito maior do que pode a minha razão expressar neste momento. Ministra Iriny, Deputado Amauri, todos os Deputados e Deputadas que, desde a Constituinte, viram a luta dessas mulheres, lembro-me da nossa companheira Lenira, em Pernambuco, que nesta Casa encheu as galerias, dos que passaram noites indormidas nesta Casa para fazer valer o direito das trabalhadoras domésticas, Deputado Luiz Alberto. Muitas emoções acumuladas! Hoje, Creuza está comandando esse processo, esse movimento. A Bahia tem sim, agora eu posso dizer, muita responsabilidade com essa mobilização. Quero cumprimentar também a Relatora no Senado, a nossa Senadora Lídice da Mata, que conosco na Casa, enquanto Deputada Federal, pôde também acompanhar esse processo. Eu poderia estar pecando em não dizer o nome de muitas outras pessoas que contribuíram para esse resultado. O Deputado Simão Sessim, que preside agora a sessão, foi um dos que ajudou para que eu fosse Relatora nesta Casa da PEC que originou essa emenda. Foi muito difícil – o Deputado Luiz Alberto acompanhou o processo – que me escolhessem para Relatora da matéria. Isso ocorreu por uma trajetória histórica nesta Casa como ex- trabalhadora doméstica. Mas o mérito não é só meu, o mérito é de todos que nesta Casa contribuíram de alguma forma, inclusive o nosso Deputado Carlos Bezerra, que propôs a emenda. Eu, enquanto Relatora, pude promover uma ampliação. Entendemos que não podíamos apenas retirar o parágrafo único do art. 7º da Constituição e equiparar os direitos aos dos demais trabalhadores. Vimos que era preciso regulamentar artigos que dessem aos empregadores condições de contratar empregados domésticos em seus lares, com taxas que não podem ser comparadas às das grandes empresas. Portanto, fiquem tranquilos os empregadores, porque o Governo propiciará, em breve, pela Previdência, pelo Ministério do Trabalho, o equilíbrio, para que todos possam pagar em dia o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e tudo o mais. O empregador certamente terá a sua trabalhadora e o seu trabalhador com qualidade no seio de sua família. Muito obrigada, Sr. Presidente, pela tolerância.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS Manifestação sobre o Encaminhamento da PEC das Domésticas

(SEXTA-FEIRA, 26 DE ABRIL DE 2013)

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, eu gostaria de dizer que acabo de sair da Comissão, no Senado, onde o Senador Romero Jucá iria fazer a leitura do seu Relatório em relação à regulamentação da PEC das Trabalhadores Domésticas. Isto não foi possível, dado que o Governo pediu para esperar um pouco mais. Mas eu já estava com o meu pronunciamento pronto para esta tarde. A ampliação dos direitos das trabalhadoras domésticas tem sido alvo de riquíssimo debate, seja para elogiar o Congresso Nacional, seja para a disputa política com aqueles que sempre defenderam os direitos dos trabalhadores. Eu estou me referindo à regulamentação dos itens que darão proteção contra demissão arbitrária, seguro desemprego, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, pagamento das horas extras, e um salário família para estas trabalhadoras, como também a pré-escola e seguro contra acidentes de trabalho. Desde a promulgação da Constituição de 1988, vários Parlamentares vêm apresentando nesta Casa – Câmara e Senado – projetos de lei, propostas de emenda à Constituição para garantir aos trabalhadores domésticos igualdade de direitos. Pois bem, eu tive esta oportunidade de voltar a esta Casa quase após 20 anos e de ser pelo meu partido escolhida para estar na Comissão Especial que examinou a PEC de iniciativa do Deputado Carlos Bezerra, que tratava do parágrafo único do art. 7º da Constituição, para que nós ali tivéssemos a oportunidade de retirá-lo da Constituição, como uma discriminação feita às trabalhadoras domésticas. Naquele momento, dado o trabalho que fizemos ali, nós conversamos com as trabalhadoras domésticas, com os sindicatos, com as centrais sindicais, com o Governo e todos os movimentos sociais que levantaram essa bandeira. E chegamos à conclusão, juntamente com o Deputado Marçal Filho, Presidente da Comissão Especial, que nós não deveríamos, de forma nenhuma, retirar o parágrafo, e sim ampliar esses direitos. E são esses os direitos que estão sendo discutidos. Digo isso porque as pessoas estão desinformadas e estão até preocupadas que haja grande desemprego. Não haverá. E também o empregador terá todas as garantias e informações necessárias para que eles possam cumprir a lei, até porque sabemos que não temos nem um terço, oficialmente, de carteira assinada em relação a esses trabalhadores. 320

Estamos vivendo um novo momento e todos temos que estar adequados aos novos momentos deste País. Eu digo que a Presidenta Dilma Rousseff não está fazendo campanha nem pegando carona, porque, desde 1987, o Partido dos Trabalhadores, nesta Casa, vem defendendo os trabalhadores e, particularmente, as trabalhadoras domésticas. E é justo, é pertinente e é da competência do Poder Executivo regulamentar, principalmente quando nós temos que fazer cálculos, quando temos que estabelecer taxas para que o empregador possa cumprir com a sua parte. Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigada.

PRONUNCIAMENTO ENCAMINHADO Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, a ampliação dos direitos das trabalhadoras domésticas tem sido alvo de riquíssimo debate, seja para elogiar o Congresso Nacional, seja para disputa política com aqueles que sempre levantaram bandeiras de direitos dos trabalhadores. Diante dos últimos acontecimentos, tenho manifestado preocupação em relação à desinformação que determinadas atitudes podem causar, que desnorteiam a população, quando na verdade deveriam tranquilizá-la, já que sabemos que está tudo sob controle, combinado, acordado, articulado, prometido e é apenas uma questão de tempo. Refiro-me à regulamentação dos itens que darão proteção contra demissão arbitrária, seguro desemprego, FGTS, pagamento de horas extras, salário família, pré-escola, seguro contra acidentes de trabalho. Desde a promulgação da Constituição de 1988, vários Parlamentares vêm apresentando projetos de lei, propostas de emenda constitucional para que fosse garantida a igualdade de direitos. Pois bem, tive a oportunidade de apresentar desde 1987 várias proposições, na Constituinte, na Câmara e no Senado. Quase 20 anos depois volto à Câmara dos Deputados pelo Partido dos Trabalhadores, o meu partido, e sou indicada para representá-lo na Comissão Especial criada para examinar a PEC 478/2110 sobre o trabalho doméstico, de iniciativa do Deputado Carlos Bezerra, que trataria exatamente do parágrafo único do art. 7º da Constituição brasileira onde, pela primeira vez, constitucionalmente, as trabalhadoras domésticas foram reconhecidas, porém com direitos limitados, diferenciados dos demais trabalhadores. Após várias audiências públicas e entendimentos com a categoria, com as centrais sindicais, com o Governo Federal (Casa Civil, Ministérios do Planejamento, da Fazenda, da Previdência Social e do Trabalho, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, da Secretaria de Assuntos Institucionais, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), na condição de Relatora, juntamente com o Presidente da Comissão Especial, Deputado Marçal Filho, e demais membros, chegamos à conclusão de que não deveríamos retirar o parágrafo único do art. 7º da Constituição, que assegura direitos aos trabalhadores domésticos, e sim ampliar esses direitos. O Partido dos Trabalhadores foi incansável, desde a Constituinte, na defesa dos direitos dos trabalhadores e pôde, mais uma vez demonstrar sua capacidade de articulação junto à base aliada e até mesmo Parlamentares de oposição, para que fôssemos vitoriosos na aprovação do Relatório na Comissão e posteriormente na votação no plenário da Câmara. Portanto, a Presidenta Dilma Rousseff acompanhou o tempo todo a tramitação e aprovação da PEC das Trabalhadoras Domésticas, prestando o devido apoio e atenção, principalmente por meio da Ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, que se fez presente com sua equipe durante as audiências 321 públicas da Comissão Especial, transmitindo segurança, tranquilidade em sua participação. Durante esse período, o Governo constituiu o núcleo ministerial não só para acompanhar, mas também para que, logo depois de sancionada a nova lei, pudesse enviar projeto de lei de sua competência para regulamentação dos dispositivos ampliados, que não são aplicáveis de imediato. Agradeço à Presidenta Dilma por toda a dedicação que tem dado a esta causa, a causa da igualdade de direitos para as trabalhadoras domésticas. Não tenho dúvidas de que nossa Presidenta foi fundamental para que sua equipe agilizasse o projeto de lei do Executivo. Sua manifestação de apoio, seu pedido de divulgação desses novos direitos à população se confundem com o seu compromisso em dar estabilidade a mais de 7 milhões de pessoas, regulamentando esses benefícios. Tenho a certeza que, no dia 27 de abril, Dia da Trabalhadora Doméstica, e nesse 1º de Maio, Dia do Trabalhador, temos o que comemorar. Era o que tinha a dizer.

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ANEXO V

DISCURSOS DO DEPUTADO FEDERAL JAIR BOLSONARO (PROGRESSISTAS-RJ)

CÂMARA DOS DEPUTADOS Trecho de Manifestação Favorável à Reforma Política

(SEXTA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO DE 2005)

[...] Talvez eu tenha sido o primeiro a protocolar minha candidatura. Tenho boas propostas, como outros também têm. Reforma política não é só no momento de crise. Pode ser discutida aqui a redução do número de Parlamentares no Brasil. Acho também que não se pode permitir que qualquer um possa votar. Para votar nas eleições pelo Brasil afora, o eleitor deveria ter, no mínimo, uma carteira de trabalho, um contracheque, um emprego; caso contrário, as eleições são decididas pelos alijados, os chamados excluídos, que darão seu voto pela inclusão no Bolsa Família ou por uma cesta básica. A idéia de muitos é que essa grande massa de miseráveis deve crescer para que poucos demagogos permaneçam no poder. Nesse sentido é que deve haver a reforma política. [...]

CÂMARA DOS DEPUTADOS Trecho de Manifestação Contrária à Adoção das Listas Pré-Ordenadas nas Eleições

(QUINTA-FEIRA, 07 DE JUNHO DE 2007)

Sr. Presidente, como dificilmente terei tempo para discutir a matéria, peço atenção especial aos colegas que estão no gabinete e que apóiam a lista fechada nas eleições. Deputado Sarney Filho, temos que começar a desconfiar da situação. O PT tem ambição pelo poder e praticamente fechou questão no tocante à lista fechada. Tudo pelo poder! Ele tem um eleitorado diferente do nosso. A massa eleitoral do PT são aquelas pessoas que vivem do Bolsa-Família, são ligadas ao MST, ao movimento pela redução da maioridade penal, pelos direitos humanos, como discursou um Deputado há pouco, aos presidiários. Então, todos os vagabundos, mais aqueles que não raciocinam, que pensam apenas com o estômago, apóiam o PT. Não tenho dúvida disso. Nosso eleitorado vai inventar uma maneira de não votar em mim, porque haveria um picareta ou um envolvido num escândalo qualquer do passado em meu partido ou coligação: “Não vou votar na lista em que está o Bolsonaro, porque ela pode eleger fulano de tal”. 323

Analisem, meus colegas, como serão as eleições em 2010. PT vai ter 30 milhões de votos, Deputado Ciro Gomes. O Lula, que é uma pessoa carismática, vai conduzir o voto para o 13. O pessoal não vai raciocinar, vai pensar apenas com o estômago. Eles vão colocar no mínimo 300 Deputados Federais aqui dentro. Daí, vai ser apenas um único partido. Não mais vai existir Oposição. Pensem nisso, antes de votar pela lista fechada. Eu poderia estar interessado, porque seria o primeiro da lista em meu Estado. Esta é a advertência que faço, Sr. Presidente. [...]

CÂMARA DOS DEPUTADOS Trecho de Manifestação Crítica ao Governo Dilma Rousseff

(QUINTA-FEIRA, 10 DE FEVEREIRO DE 2011)

[...] O político brasileiro deveria parar de pensar que, quanto mais pobre e ignorante, melhor é para conseguir voto, para conseguir poder. Este Governo tem interesse em políticas nesse sentido. Basta prestarmos atenção na mensagem presidencial lida na semana passada, nesta Casa, pela Presidente da República. Ela quer dar ênfase a quê? À erradicação da miséria. Com o quê? Com o Bolsa Família. O Bolsa Família nada mais é do que um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder. Ou seja, quem está no poder, ao brigar por educação e pelo fim da miséria, deixará de ter votos de miseráveis. E nós devemos colocar, se não um ponto final, uma transição a projetos como o Bolsa Família. Na questão da educação ocorre o mesmo: são 3 milhões de crianças de zero a 3 anos em creches no Brasil. E a garotada hoje em dia vai à escola pública mais em troca da merenda escolar do que em troca de conhecimento. Assim sendo, Presidente , devemos ter essa preocupação, e não ficar agendados pelo Poder Executivo sobre o que devemos votar, o que devemos ou não aprovar, ou agendados pela própria imprensa. Nós sempre estamos correndo da imprensa. Quando um repórter nos liga, alguns até se preocupam: O que será que existe contra mim? Estamos sempre expostos a ações do Executivo, às vezes até para manter o nosso mandato. Não há independência para que o Legislativo realmente trabalhe para um país melhor. E o grande medo que eu tenho atualmente está relacionado às políticas adotadas no Brasil. 324

Temos aqui o Deputado Quartiero, chegado agora de , que trabalhou contra a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, da maneira como foi proposta pelo Governo do PT. Com toda certeza, foi contra a demarcação da reserva ianomâmi, também proposta pelo Governo anterior. Estamos deixando lá, além de água potável, de reservas minerais, de reservas de gás e de biodiversidade, grandes espaços vazios. Estamos deixando em aberto espaços que potências nucleares de primeiro mundo, que têm bilhões de habitantes, podem um dia vir a ocupar. Outra grande preocupação minha, Sra. Presidente, é com a questão da democracia. Este Governo que está aí e o anterior não têm preocupação com a democracia e com o País. A preocupação é perpetuar-se no poder. Fiquei preocupado com outro ato lido pela Mesa, há poucos momentos, sobre uma Comissão Especial para tratar da reforma política. Srs. Deputados, se o Governo aprovar na Casa, numa reforma política, uma proposta como lista fechada, imaginem em 2014 Lula candidato a Presidente!? Pelo que tudo indica, pelo carisma dele, com certeza vai ser reeleito. Ele pode pedir voto para Deputado Federal na lista do número 13 em cada Estado, e o partido poderá colocar, com essa reforma política, no mínimo, 300 Deputados aqui dentro. A mesma coisa ocorre no tocante ao voto facultativo. Por quê? Quanto aos eleitores esclarecidos, dada a carga negativa contra o Congresso, a tendência é que eles não votem. Se não o fizerem, vão comparecer maciçamente, como sempre comparecem, os beneficiados do Bolsa Família. E o PT pode colocar 300 Deputados aqui dentro e criar um sistema semelhante ao de Hugo Chávez – um sistema consultivo, plebiscitário –, em que tudo pode ser aprovado. Depois de aprovada uma proposta de emenda à Constituição sobre plebiscito, tudo pode passar: uma previdência universal, um desabamento amplo e geral da população brasileira, um Imposto de Renda progressivo, e por aí afora. Sra. Presidente, nos 10 minutos que me restam, quero falar sobre uma grande preocupação dos militares: a questão da tal Comissão da Verdade. Os militares querem a verdade – eu digo que a fé está para o cristão como a verdade está para os militares –, mas não uma comissão imposta como esta, que terá seus sete integrantes designados pela Presidente da República. Nós não podemos aceitar isso! Mais ainda, Sra. Presidente. Diz a proposta que essa comissão será composta de brasileiros de reconhecida conduta ética. Como eu disse, é a Presidente Dilma que vai indicá- los. Não podemos esquecer que, em 2000, Lula afirmou que Fidel Castro é um exemplo superior de conduta ética. 325

Diz ainda o projeto que esses integrantes têm que ser identificados com a defesa da democracia. Lula também, em 2005, disse que na Venezuela pode faltar tudo, menos democracia. Então é com essa gente que vamos aceitar uma comissão dita da verdade para humilhar os militares, que tantos serviços prestaram ao País desde a criação do Exército, em especial em 1964? Quero fazer a leitura de algumas manchetes de jornais dos dias 1º, 2 e 4 de abril de 1964 para mostrar um pouquinho do que ocorreu, não a V. Exas., que dispõem de uma biblioteca à disposição e entre os quais muitos conhecem a história do que foi 1964, mas ao nosso jovem que está nos assistindo, que não tem noção do que foi e está apenas impregnado com a palavra “ditadura” em sua cabeça, com tortura, com desaparecimento, e por aí afora. Olhem o que diz a manchete do Jornal do Brasil de 1º de abril de 1964: “Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade...”. O Globo, de 2 de abril de 1964: “Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos”. O Dia, de 2 de abril de 1964: “A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército”. A combativa Tribuna da Imprensa, também de 2 de abril de 1964: “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas- sindicalistas”. O Globo, de 4 de abril de 1964: “Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos”. Jornal do Brasil, de 1º de abril: “Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa- pátria”. Correio da Manhã, de 2 de abril: “Lacerda anuncia volta do país à democracia”. O Globo, de 5 de abril: “A revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista”. Está mais do que claro que os militares evitaram que nos transformássemos em uma Cuba. Estado de Minas: “Os militares não deverão ensarilhar suas armas antes que emudeçam as vozes da corrupção e da traição à Pátria", o que, infelizmente, não foi feito. Jornal do Brasil: "Pontes de Miranda diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la!”. 326

Jornal do Brasil, de 18 de abril: “Castelo Branco garante o funcionamento da Justiça”. É sinal de que ela não funcionava. O Brasil vivia uma balbúrdia. Digo mais: o primeiro parágrafo do editorial do jornal O Globo, assinado por Roberto Marinho, no dia 7 de outubro de 1984, diz o seguinte: “Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. Hoje parece que estamos vivendo situação pior do que essa. Volto à Comissão da Verdade. A dita Comissão da Verdade define que tipo de crimes eles querem apurar. Eles querem apurar torturas, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres. A dita Comissão da Verdade não quer apurar, porque o PT tem medo da verdade, sequestro, em especial de autoridades internacionais, como o do embaixador americano, praticado por Franklin Martins e Gabeira – de forma secundária, mas participou; de atentados à bomba, como no Aeroporto de Guararapes, que matou um jornalista e um almirante; em São Paulo, um carro-bomba contra o Quartel General do II Exército que matou o soldado Mario Kozel Filho; como latrocínios praticados por um Ministro do Governo, Carlos Minc; como justiciamentos no Araguaia, onde inclusive há 11 justiçados pelo grupo do PCdoB. Enfim, os militares, ao aniquilarem a guerrilha, evitaram que lá se transformasse numa FARC. Ainda há o dinheiro recebido de Cuba, que, com dólares recebidos da União Soviética, financiava a luta armada no Brasil. Ou seja, só quem é desprovido de inteligência pode um dia acreditar que Cuba queria impor uma democracia em nosso País. Assaltos a banco... Concluindo meu tempo, Deputado Arolde de Oliveira, o pessoal do PT não quer apurar o caso de sequestro, tortura e execução de Celso Daniel, fato esse conhecido de todos nós, ocorrido em Santo André. Assim sendo, Sra. Presidente, o apoio que pedimos aos Parlamentares é para que participem da elaboração do projeto da Comissão da Verdade, e que lá tenhamos também integrantes do Clube Militar, do Clube da Aeronáutica, do Clube Naval, porque essa Comissão inclusive passa a ter mais poderes do que uma CPI. Para concluir, Sra. Presidente, não vou passar do meu tempo. Agora, vou pegar o repique do Arolde de Oliveira e dizer que Karl Marx iria comprar da burguesia a corda para enforcá-la. E eu digo: se não abrirmos os olhos, o PT vai comprar aqui no Congresso 327

Nacional a reforma política para expurgar daqui os integrantes do PP, meu partido, do DEM, do PMDB e do PR. Quanto à reforma política, todos têm de ter a grande preocupação de não deixarmos que se aprove somente o que o Governo quer. Caso contrário, eles vão impor a ditadura do proletariado pelo voto aqui dentro.

CÂMARA DOS DEPUTADOS Manifestação no Primeiro Turno da Votação da PEC das Domésticas

(QUINTA-FEIRA, 22 DE NOVEMBRO DE 2012)

Sr. Presidente, eu sei que vou ser aqui execrado – e talvez a mídia use os mais variados adjetivos se referindo a mim. Não sou Governo, o meu voto não vai interferir em nada, está todo mundo votando “sim”, mas eu quero alertar esta Casa para o fato de que certos direitos têm que ser concedidos aos poucos. Não estou contra empregada doméstica, não. Tenho duas lá em casa, inclusive uma babá. Pela PEC que está aqui, eu vou ter que pagar creche para a babá do meu filho, ou melhor, três creches para a babá de um único filho. Eu posso pagar, mas a massa de trabalhadores do Brasil não tem como arcar isto aqui. A previsão é a de que há 7 milhões de empregadas domésticas no Brasil. Pelo amor de Deus! V. Exas. vão colocar na rua pelo menos 4 milhões de pessoas, que irão talvez para o Bolsa Família. Pelo amor de Deus, meus companheiros! Peço às pessoas que estão nas galerias me ouvindo que, se eu estiver errado, façam um sinal de negativo, ajudem-me aqui, porque talvez eu esteja perdido! Pelo amor de Deus! E, uma vez que o colega governista está me criticando aqui, proponho que o Governo dê Fundo de Garantia também para os militares das Forças Armadas. Dê o exemplo, Deputado! Por que não pagar o Fundo de Garantia para os militares das Forças Armadas? Vamos ser a única classe sem isso? A previsão dos encargos trabalhistas para o trabalhador brasileiro vai crescer 100%. Uma empregada doméstica hoje em dia ganha, em média, R$ 900,00. É quase outro salário por mês. V. Exas. vão botar na rua pelo menos 4 milhões de mulheres. V. Exas. não estão fazendo o bem para a empregada doméstica. Eu quero o bem da empregada doméstica! Uma, inclusive, cuida de uma filha minha, e ninguém mais do que eu quer o bem dela. Eu vou mantê-la empregada comigo. Não há 328 problema nenhum. Aprovada essa PEC, eu vou mantê-la empregada. Mas, pelo menos 4 milhões de outras mulheres, V. Exas. vão botar no olho da rua, porque o trabalhador brasileiro não tem como pagar. Não tem como pagar! Sr. Presidente, obrigado pela deferência e pelo tempo. Não vamos mudar o placar que está ali, o painel. Creio que não convenci ninguém que está aqui, mas fico feliz em poder falar a verdade e não votar de forma demagógica. E digo para as empregadas domésticas: eu amo vocês, por isso usei a palavra neste momento!

CÂMARA DOS DEPUTADOS Manifestação Identificando as Razões do Voto Contrário à Aprovação da PEC Referente à Extensão de Direitos Trabalhistas às Empregadas Domésticas

(QUARTA-FEIRA, 12 DE DEZEMBRO DE 2012)

Sr. Presidente, eu posso ser o único certo ou o único errado. Há algumas semanas, votamos aqui a PEC da Cultura. É fácil criar encargos para os outros pagarem a conta. Eu fui o único voto contrário à PEC da Cultura. Por quê? Porque ela obriga o empregador cujo trabalhador ganha até 5 salários mínimos a despender mais 50 reais para fins de atividades culturais, ou seja, para ir ao teatro, ao cinema, etc. É um crime o que aprovaram aqui para com o empregador brasileiro. Mas crime maior foi o da semana passada: a PEC da Empregada Doméstica. Se qualquer Parlamentar tiver dúvida no tocante a isso, basta consultar os sites dos sindicatos dos empregadores domésticos ou entrar no site das associações de empregadores domésticos. Eles são praticamente unânimes em dizer que o desemprego será maciço e que elas todas vão se transformar – quem conseguir emprego, logicamente – em diaristas. E quem não conseguir vai para informalidade ou vai se pendurar no Bolsa Família. Esse foi mais um voto meu isolado aqui. Foram dois, mas eu conversei agora, no gabinete do outro Deputado, de São Paulo, que votou contra, e ele teria justificado que errou na hora de digitar o voto. Então, de novo, eu fui o único voto contrário à PEC da Emprega Doméstica. Certos sites de sindicatos de trabalhadores domésticos fazem simulações: uma doméstica que, por exemplo, ganhe 900 reais por mês, ao final do ano, caso seja demitida, receberá encargos trabalhistas que ultrapassam a casa de 12 mil reais. Ou seja, quem tem duas empregadas, vai botar uma para fora; quem tem uma, vai reduzir o salário. 329

Esse foi o ato benevolente que esta Casa concluiu na semana passada, um crime contra o trabalhador brasileiro. Eu não sei como este Presidente ou esta Presidenta não tomaram a providência de analisar. São 7 milhões de empregadas domésticas em nosso País. Eu jamais votaria contra quem quer que seja nesta Casa. O meu voto isolado e solitário foi a favor dessa classe, mas a demagogia fala muito mais alto. Tudo pelo voto. Quem está pagando a conta não é ele. Quero saber se esses que votaram a favor já vêm pagando esses encargos trabalhistas às suas empregas domésticas em casa. Não vêm, principalmente os do PT, que patrocinaram essa causa. Chega a ser um absurdo o seguinte: se minha babá, por exemplo, tiver um filho até 6 anos de idade, eu tenho que pagar creche para o filho da babá do meu filho. É inexplicável a irresponsabilidade. Obrigado pela oportunidade, Sr. Presidente. Eu teria muito a falar aqui, mas obrigado pela oportunidade.

CÂMARA DOS DEPUTADOS Manifestação sobre os Efeitos da Aplicação Simultânea das PECs a Respeito do Combate ao Trabalho Escravo e da Extensão de Direitos Trabalhistas às Empregadas Domésticas

(QUINTA-FEIRA, 13 DE DEZEMBRO DE 2012)

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, eu quero manifestar a minha preocupação com relação a duas PECs recentemente aprovadas aqui. Refiro-me à PEC do Trabalho Escravo e à PEC da Empregada Doméstica. A primeira, a do Trabalho Escravo, é bem clara: diz que todo aquele que esteja na área rural ou na área urbana e que, porventura, tenha alguém em trabalho escravo ou análogo – e esse conceito é muito amplo – terá sua propriedade expropriada, ou seja, ele vai perder sua propriedade. Agora vou fazer um paralelo com a PEC da Empregada Doméstica. Domingo eu perguntei a uma Deputada do PT, lá do Rio de Janeiro, o que aconteceria se um aposentado, se uma pensionista, se um trabalhador negasse algum direito trabalhista à sua empregada doméstica. E agora está muito amplo esse direito. Perguntei se aquilo poderia ser entendido como um trabalho análogo à escravidão. Ela falou que sim. E eu falei o seguinte: “Se nós associarmos, então, a PEC do Trabalho Escravo 330

à PEC da Empregada Doméstica, esse trabalhador, esse aposentado, que está em um apartamento, em uma casa, aqui na área urbana do nosso País, poderá ter a sua propriedade expropriada”. Isso é claro, é cristalino! Eu não sou advogado, sou apenas um Capitão do Exército Brasileiro, fiz um curso superior, por fora, de Educação Física, mas estou há 22 anos aqui dentro. Está bem claro isso aí. É o fim da propriedade privada. Deputado Miro Teixeira, se eu estiver errado, por favor, os seus conselhos são muito bem-vindos, até para eu não falar demais. No meu entender, é o fim da propriedade privada. Por quê? Um aposentado, cujo teto está em torno de 4 mil reais, não vai poder manter uma empregada doméstica em casa com esse encargo trabalhista, deverá querer negociar por fora. E, ao ser denunciado – com toda a certeza o será, porque é como um casamento, depois que se desfaz, o mundo se acaba... Numa possível demissão, esse patrão aposentado vai ser denunciado. E ele está incurso, sendo enquadrado, não na PEC da Doméstica, mas na PEC do Trabalho Escravo, e poderá ter o seu apartamento, a sua casa ou a sua chácara expropriada. É o fim da propriedade privada. E nós sabemos aqui que o PT trabalha nessa linha. Até sempre digo que o PT critica o que gosta, ditadura e dinheiro, e elogia o que não gosta, pobre e democracia. Essa é a linha. Então, à margem dos escândalos retumbantes de corrupção em nosso País, o PT trabalha aqui na questão ideológica, e o PSDB e o DEM não abrem os olhos para isso. Eu sinto isso, porque são partidos de oposição. Então, pessoal, fiquem atentos, porque o que está em jogo aqui é a manutenção, a perpetuação do poder. E temos um partido que é amante de ditaduras. Se não o fosse, não vivia aconchegado com Fidel Castro, com Ahmadinejad, com Evo Morales, com Chávez, etc. Obrigado pela atenção e pelo tempo, Sr. Presidente.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS Manifestação pela Rejeição da PEC sobre o Estabelecimento da Igualdade de Direitos Trabalhistas entre as Empregadas Domésticas e os Demais Trabalhadores Rurais e Urbanos

(QUINTA-FEIRA, 04 DE ABRIL DE 2013)

Sr. Presidente, eu fui o único Parlamentar, nas duas Casas, que votei contra a PEC das Empregadas Domésticas. Sem bola de cristal, já previa o que está acontecendo: uma explosão de desemprego. Mas compareci ontem na sessão de promulgação da PEC, quando ouvi vários discursos de Parlamentares e, inclusive, de Ministros e Ministras que disseram que essa PEC equivale ao fim da escravatura, por dar novos direitos às empregadas domésticas. Se for assim, por questão de coerência, eu quero dizer a V. Exa. e a todos que estão aqui que os militares das Forças Armadas, os bombeiros e policiais militares de todo o Brasil estão vivendo em condição de escravidão, porque não têm Fundo de Garantia, hora extra, adicional noturno e carga horária de 44 horas semanais. Eu sei das dificuldades, mas vou colher assinaturas para que todos os direitos trabalhistas sejam estendidos a esses militares da União e dos Estados, a fim de que tenham também todos os direitos das domésticas e fujam da escravidão.

CÂMARA DOS DEPUTADOS Manifestação pela Rejeição da PEC sobre o Estabelecimento da Igualdade de Direitos Trabalhistas entre as Empregadas Domésticas e os Demais Trabalhadores Rurais e Urbanos

(SEXTA-FEIRA, 05 DE ABRIL DE 2013)

Sr. Presidente, companheiro Esperidião Amin, do meu partido, fui o único voto contrário nas 2 Casas no tocante à PEC das Domésticas, e os problemas estão aí: explosão do desemprego. Agora, quero dizer uma coisa ao Deputado Esperidião Amin. Nos discursos no Senado, por ocasião da promulgação da PEC, falaram, inclusive a Benedita da Silva estava presente, que as domésticas agora estão deixando de ser escravas porque passaram a ter direitos trabalhistas. Então, quero dizer à Deputada Benedita da Silva que os militares não têm Fundo de Garantia, não têm hora extra, não têm a carga horária de 44 horas por semana. 332

Então, os militares, Benedita da Silva, estão sendo escravizados por este Governo! É o raciocínio lógico. Então, estou colhendo assinaturas semana que vem para dar esses direitos e outros aos militares das Forças Armadas, porque, assim, estaremos fazendo justiça para compensar o da Marinha, o da Aeronáutica e o do Exército. E quero procurar a Benedita da Silva para ser a primeira a assinar essa PEC contra a escravidão nas Forças Armadas. Muito obrigado, Sr. Presidente.