EVOLUÇÃO DO CANCIONEIRO RURAL BRASILEIRO

EVOLUTION OF THE RURAL BRAZILIAN SONGBOOK

Fernando da Conceição1

CONCEIÇÃO, F. da. Evolução do cancioneiro rural brasileiro. Akrópolis Umuarama, v. 21, n. 2, p. 99-110, jul./dez. 2013.

Resumo: O período desta pesquisa se estende de 1929 ao ano 2000. O gênero, hoje, chamado Country sertanejo, é o preferido da classe média brasileira. O gênero foi perdendo a autenticidade de suas ra- ízes, não só por força do desenvolvimento econômico e social, mas pelo uso de equipamentos de alta tecnologia e pelas novas formas de compor, harmonizar e interpretar que resultam sons e estilos novos de música, parecidos com a fonte original. Os grandes nomes da cons- telação country se tornaram grifes de roupas, acessórios e perfumes, são os artistas mais caros do país. Esta investigação procura produzir um estudo que abarque essa trajetória mutante. Palavras-chave: Músico; Cancioneiro rural; Country sertanejo.

Abstract: The period of this study extends from 1929 to 2000. Today the genre called Country sertanejo is the most favorite of the Brazilian middle class. The genre was losing the authenticity of its roots, not only by force of economic and social development, but by the use of high- -tech equipment and new ways to compose, harmonize and interpret resulting sounds and new styles of music, similar to the original source. The big names of country became constellation brands of clothes, ac- 1Docente do curso de história da UNIPAR. cessories and perfumes, are the most expensive artists in the country. This research aims to produce a comprehensive study involving this mutant trajectory. Keywords: Musician; Rural Songbook; Country backcountry.

Recebido em Março de 2014 Aceito em Maio de 2014

Akrópolis, Umuarama, v. 21, n. 2 p. 99-110, jul./dez. 2013 99 CONCEIÇÃO, F. da

INTRODUÇÃO nejo e caipira. A música caipira de raiz tem como instrumento de solo e acompanhamento, a viola. As manifestações musicais, por mais tradicionais que sejam, estão em transformação [...] semelhante ao violão, mas de menor permanente. Os gêneros musicais se desdo- tamanho, com cinco ou seis pares (ordens) bram por força da evolução urbana, econômica, de cordas metálicas dedilhadas, com afina- cultural, tecnológica e ganham novas roupagens ção variável. Originária de Portugal, onde é conhecida em certas regiões como “Viola e denominações. A música caipira, hoje bastan- de arame”, a viola é característica da músi- te alterada, é chamada de country sertanejo. O ca sertaneja brasileira... (Dicionário Grove, termo country sertanejo já era adotado desde o 1994, p.996). começo do século XX para os gêneros não ur- banos. Impregnando-se de signos que a afasta- Segundo Almir Sater, a viola é um instru- riam de suas origens, acaba por receber a atual mento difícil de tocar, de afinações complexas. denominação. A inter-relação entre os gêneros Os mais diferentes gêneros musicais podem ser musicais torna difícil distinguir um rock de um acompanhados pela viola, caso do caruru no in- brega, de um samba, de um sertanejo. terior de São Paulo, ou a catira em Minas. Gênero quase esquecido no atual mo- Hoje, todas as músicas, independentemente mento comercial de nossa música teve larga do gênero, usam computadores, guitarras e preferência na área cultural caipira. O antropólo- teclados eletrônicos. Com isso, passaram a disputar o mesmo público. As músicas ser- go atribuiu à formação caipira ao tanejas feitas por roqueiros acabaram en- esgotamento radical do ouro na área de mine- gendrando um novo estilo: o pop-nejo. Doce ração de Minas Gerais. O Centro-Sul entra em mistério, cantada por Leandro e Leonardo é estagnação e, no local, a população que se se- um bom exemplo (MASSON, 1998, p.140). dentarizou atingia níveis mínimos de satisfação de suas necessidades. Doce mistério, interpretada pela dupla na trilha sonora da novela O rei do gado, de autoria Acaba por esparramar-se, falando afinal a de Luiz Chiavon, ex-tecladista do grupo RPM. língua portuguesa, por toda a área florestal e Luiz, em reportagem de Veja, afirma que “há dez campos naturais do Centro-Sul do país, des- anos, seria impensável que um roqueiro tivesse de São Paulo, Espírito Santo e estado do , na costa, até Minas Gerais e Ma- uma de suas músicas gravadas por uma dupla toGrosso, estendendo-se ainda sobre áreas sertaneja”. vizinhas do Paraná (RIBEIRO, 1996, p.383).

EVOLUÇÃO DO CANCIONEIRO RURAL BRA- A música caipira, partiu do interior de SILEIRO São Paulo, tendo como celeiro de artistas as regiões de Araraquara, Piracicaba e Sorocaba, Discussões que procuram caracterizar o que demandaram à capital paulista para as pri- caipira e diferenciá-lo do sertanejo se assentam meiras gravações na década de 20. A moda de no fato de que os temas das letras são diferen- viola tem andamento lento, com versos mais tes. tenta estabelecer diferenças. falados que cantados, encaixados em melodias que se repetem. É cantada geralmente em duo [..]. aquela (a sertaneja) só canta sobre a de vozes terçadas e paralelas, herança da modi- vida no campo, incluindo histórias de bicho, chegando muitas vezes a ser fábula musi- nha portuguesa do século XVIII. A permanência cada (embora, acrescentamos, posso falar das duplas e das vozes em terça é das poucas de “causos” ligados à região e de entreve- características ainda vivas na herdeira, hoje ros resultantes do contraste entre pessoas chamada country sertanejo. ou coisas caipiras e urbanas). Já a música Apesar do desinteresse das gravadoras, sertaneja, feita na cidade, mais dramática e porque se restringe a segmento pequeno de pú- negativa, com perdições, traições, adultérios blico, a música caipira continua viva por quase (Enciclopédia da Música Brasileira, 1998, todo o Brasil. Grandes violeiros continuam sur- p.545). gindo. Almir Sater em 1989 deslumbrou os mú- Vejamos, indistamente os termos serta-

100 Akrópolis, Umuarama, v. 21, n. 2 p. 99-110, jul./dez. 2013 Evolução do cancioneiro rural... sicos americanos ao gravar seu disco Rasta poesias, contos, pesquisas sobre música, lin- Bonito. Renato Andrade (1932), Roberto Corrêa guagem e anedotas caipiras. Respeitado pelos (1943) e Ivan Vilela (1949) são virtuosos desse intelectuais, encenou em 1910, na Universidade instrumento primitivo e difícil de executar. Con- Mackenzie em São Paulo, um velório típico do servatórios musicais de muitas cidades do Bra- interior paulista. sil, como de Goiânia, Curitiba, São Paulo e Ma- Desde 1914, fazia conferências divul- ringá, ensinam tocar tanto música erudita como gando a arte caipira e apresentando artistas ser- caipira. A maioria dos violeiros sobrevive no in- tanejos. Ao contrário de Lobato, ironizou o citadi- terior à custa de shows e gravações efetuadas no que se julgava mais inteligente que o caipira. em selos pequenos como Movie Play, Paradox, O grã–fino era a vítima. O seu maior feito foi ter Atrações, cujas vendas dificilmente alcançam publicado o primeiro disco de música, anedotas dez mil cópias. e causos caipiras a despeito da recusa da gra- Os temas explorados pelo gênero caipira vadora em fazê-lo. Então ele próprio pagou a surgiram no contexto cultural interiorano. A ca- prensagem dos discos, lançando a série caipira minhada tropeira propiciou ao gênero muita ins- Cornélio Pires, com o número especial 20000 e piração para centenas de composições: O meni- um selo vermelho, também especial (Enciclopé- no da porteira (Teddy Vieira e Luizinho), Os três dia da Música Brasileira, 1998, p.632). boiadeiros (Analecto Rosa Júnior), O rei do gado As suas expensas mandou prensar 6 mil (Teddy Vieira, Luiz Bonam e Serafim Gomes), discos e ele mesmo os vendeu. O sucesso foi Sina de violeiro (Renato Teixeira), Boi craúna total. Passou a ser procurado pelas gravadoras (domínio público), apenas para citar algumas. para produzir outros discos. De 1929 a 1943, fo- Os rios também foram lembrados em ram prensados pela Colúmbia outros 43 discos. modas violeiras – Chalana (Mário Zan e Arlindo Cornélio Pires, na década de 30 fazia Pinto), Boiero Nobileque (Almir Sater), referên- shows por todo o interior, patrocinado pelo gua- cia ao rio Corumbá, Casinha Branca (Elpídio dos raná Antártica. Todos os artistas do gênero que- Santos), referência ao rio Paraná, Tietê (Corné- riam fazer parte da sua caravana. Raul Torres, lio Pires - 1912), Rio Tietê (João Pacífico e Pas- Mariano e Caçula, e Paraguaçu, gravaram o soca). gênero pela primeira vez para a série de Corné- A figura do caipira, tratada como ignoran- lio Pires. Pires produziu como independente até te por Monteiro Lobato, quando escreveu Uru- 1931, 49 discos, totalizando 98 gravações. pês em 1918, cujo personagem o Jeca Tatu ficou Outro expoente da música sertaneja foi reduzido a um homem de cócoras, vai estere- o sobrinho de Cornélio Pires, Ariovaldo Pires otipar o tipo, com reflexo imenso no sertanejo (1907–1979), conhecido por Capitão Furtado. moderno que quer esquecer sua origem. Foi secretário da gravadora Colúmbia em 1929, Chitãozinho e Xororó relutaram em acei- participou de programas de rádio, como a Rádio tar os nomes escolhidos por acharem-no caipira São Paulo e a Cruzeiro do Sul, foi coordenador demais. Moradores da periferia de São Paulo to- artístico de filmes. De 1939 a 1956, apresentou cavam guitarra e tinham os cabelos compridos, o programa Arraial da Curva Torta, que revelou rejeitavam o caipira até no nome. muitos artistas, dentre os quais Tonico e Tinoco, Mesmo em um rápido retrospecto do gê- Blecaute e a apresentadora , que nero caipira, alguns nomes não podem ser omi- na época formava com sua irmã a dupla caipira tidos pela importância histórica que tiveram na Rosalinda e Florisbela. Ariovaldo Pires, com um modalidade. microfone na mão, improvisava versos humo- Cornélio Pires foi o maior divulgador da rísticos e ganhava o público. Foi considerado o música caipira nas primeiras décadas do século melhor apresentador de programas caipiras que XX. Intrigava-o o fato de os nordestinos fazerem o Brasil teve. Foi compositor, escritor de enque- sucesso no Rio e em São Paulo, com os Turunas tes caipiras e rádio-ator. Fez a toada Coração da Mauricéia que gravaram em 1928, enquanto (1929), com Marcelo Tupinambá, seu conterrâ- o gênero do interior de São Paulo era recusado neo de Tietê SP. pelas gravadoras. Cornélio Pires (1884–1958) O ponto alto da carreira do Capitão Fur- de Tietê SP, dono de olaria, sempre freqüentou tado ocorreu quando, a partir de 1936, passou rodas de violeiros e espetáculos de declama- a apresentar-se no Rio de Janeiro com a dupla dores. Entre 1910 e 1945, publicaram obras de Alvarenga e Ranchinho. Compôs com a dupla, a

Akrópolis, Umuarama, v. 21, n. 2 p. 99-110, jul./dez. 2013 101 CONCEIÇÃO, F. da moda de viola Itália e Abissínia. Fato destacado No mourão da porteira (1942) e Pingo d’água de sua brilhante carreira ocorreu em 1937, quan- (1944), foram os de maior sucesso. A letra de do gravou Natal do Sertão (Lucinha Guimarães, Chorando baixinho, gravação de Abel Ferreira, Vila Lobos e Luís Guimarães), com um coro de é de sua autoria. Boldrin o considerava o Noel crianças que tinha entre seus membros Luís Rosa da música caipira. No início do ano 2000, Bonfá e Lúcio Alves. Produziu a peça de teatro o ator Antônio Fagundes gravou o disco Tributo O tesouro do sultão em 1939, apresentada até a João Pacífico. Atualmente, a vida e a obra de em países vizinhos. João Pacífico são temas de dois documentários Orlando Silva gravou dele a valsa E o em São Paulo, que estão em fase de captação vento levou. Dirigiu a Rádio Excelsior e a Rá- de recursos. dio Cultura de São Paulo. Trabalhou de 1963 a Ari Barroso (1903–1964), na década de 1966, na Rádio Bandeirante de São Paulo. O 30, também fez músicas de temática sertaneja seu programa, contratado pela Alpargatas, via- que se tornaram clássicas, caso de No rancho jou, apresentando-se no interior em diversas fundo (com Lamartine Babo), Por causa desta emissoras. Foi coordenador da área de música cabocla, gravado por Sílvio Caldas. Em 1937, sertaneja na primeira edição da Enciclopédia da Lamartine Babo foi sucesso nacional com Serra Música Brasileira da Publifolha. da Boa Esperança; Heckel Tavares e Joracy Ca- João Pacífico (1909-1998), natural de margo haviam se consagrado em 1933, com a Guararema SP, compositor referência da músi- célebre Guacyra, lugarejo num pé de serra. Sau- ca caipira, que traduziu o Brasil rural, bucólico, dades de Matão estourou em 1938, gravada por romântico, rude, de onde viera. Foi o introdutor Torres e Mariano. A autoria dessa música gerou da declamação antecedendo a canção. A mú- discussão, mas Torres escreveu a letra. sica Chico Mulato foi a primeira gravada com A expansão do rádio na década de 30 declamação, interpretada por Torres e Pacífico. ajudou a divulgar o gênero e aumentar a deman- Pacífico fez uma sinopse da letra para ser decla- da no meio artístico, tal como aconteceu com a mada antes do canto, mas enfrentou dois tipos MPB em geral. O rádio revelou para o Brasil o de resistência. A primeira foi que, com a decla- maior apresentador do gênero, o Capitão Furta- mação, não caberia no 78 rotações, e a segun- do, sempre à frente de um programa, a quem já da, de parte do diretor da gravadora Mr. Evans, fizemos referências. que não acreditava na fórmula. Jararaca e Ratinho vieram do nordeste para o Rio de Janeiro, em 1922, exibindo ritmos Os autores não arredaram pé de mantê-la típicos como cocos, emboladas e baiões. Fize- como estava e o homem foi à fábrica pedir ram cerca de 300 gravações, sendo os maiores que se reduzisse a distância entre os sulcos sucessos Espingarda pá, pá, pá (arranjo de Ja- para que Chico Mulato coubesse no disco. raraca, tema folclórico), Sapo no saco (Jarara- Quando a música começou a tocar no rádio, ca), o Saxofone por que choras? (Ratinho) Mr. Evans chamou Pacífico para lhe pedir que fizesse outras mais, do mesmo tipo, “cantada e o maior de todos os sucessos, a marchinha e declamada”. Cabocla Teresa, de 1940, com Mamãe eu quero, gravada por Jararaca na Ode- a mesma fórmula, batizada de toada histó- on, em 1937. A marchinha Mamãe eu quero, de rica, foi provavelmente o maior sucesso da Jararaca e do maestro Vicente Paiva, se torna a dupla (BARROSO, 1999, p.241). mais famosa da MPB em todos os tempos. Rati- nho era um excelente saxofonista, compôs mui- A sua obra é extensa e expressiva: tos , enquanto Jararaca era um inigualá- vel criador de letras absurdas. Jararaca foi um Pacífico compôs por volta de 300 músicas e dos mais espetaculares comediantes do país. foi gravado por cerca de mil intérpretes, entre Barroso (1999), nos conta: eles , Inezita Barroso, Jair Ro- drigues, Sérgio Reis, Rolando Boldrin e ou- A dupla começava suas apresentações com tros (SANTOS, Folha de São Paulo, 28 fev. causos e piadas e sempre com improvisos 2001, p.E.8). fantásticos de Jararaca. ... No final dos anos 20, adorava (o público) diálogos como esse: Entre os anos de 30 e 40, Pacífico e Tor- - O cumpadri. Sabe que lá na minha cidade res fizeram com sucesso, inúmeras gravações, fizeram uma torre tão arta, mas tão arta, que tiveram que virá a ponta dela?

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- Pra que cumpadri? e 6 LPs. Muitos de seus sucessos compôs com - Pra lua podê passá, porque tava engancha- João Pacífico. Muito bom para compor e cantar da! emboladas. Pisei no rabo do tatu (1933) e Sururu - O cumpadri! Na minha terra tem um trem no galinheiro (1934), foram as mais conhecidas. tão ligeiro, tão ligeiro, que quando ocê entra Excursionou com o seu grupo pelo Paraguai em nele já tem que comprá o bilhete de vorta! - Que mentira cumpadri, trem ligeiro tem na 1935, onde aprendeu a guarânia e o rasqueado minha terra! O sujeito brigou com o chefe da paraguaio, é por isso, considerado o introdutor estação, foi dá um tapa nele e acertô no che- do gênero na MPB. Ganhou posição de estrela fe da outra estação, distante 30 Km! (BAR- dividindo microfones com , Sílvio Cal- ROSO, 1999, p.252). das, Lamartine Babo e outras expressões da dé- cada de 1930. A valsa Saudades de Matão tem Alvarenga e Ranchinho, o primeiro mi- a letra reconhecida como de sua autoria, mas neiro e o segundo paulista, formaram a dupla gerou muitas discussões. Teve muitos parceiros em 1933 e se tornaram atores, humoristas e com os quais gravou em dupla. Com Pacífico dupla de cantores do gênero caipira. O sucesso compunha e gravava. Cabocla Teresa e Pingo veio quando se mudaram para o Rio de Janei- d’água foram as mais representativas da dupla. ro, juntamente com o Capitão Furtado em 1936, Gravou com o barretense Florêncio e também que apresentava programas na Rádio Nacional. com Serrinha, seu sobrinho. Torres e Pacífico Durante dez anos trabalharam em shows no adaptaram do folclore mineiro Moda da mula Cassino da Urca. Nesses shows, revelaram-se preta, gravada com muito sucesso em 1948, por extraordinários na arte de fazer sátiras muito cô- Torres e Pacífico. Outros grandes sucessos de micas. Criticavam as trapalhadas dos políticos, o Torres foram Boi amarelinho, Meu cavalo zaino casamento, o racionamento de gasolina, assun- e Chico mulato, todos em parceria com Pacífico. tos da atualidade. Nas décadas de 1940 e 1950, com a cri- se do café, particularmente dolorosa em 1929 Presos quatro vezes pelo Departamento de e muito sentida durante toda década de 30, Imprensa e Propaganda no governo (Var- acentuou a migração para as cidades. Cornélio gas), foram um dia chamados ao palácio Pires, Jararaca e Ratinho, Alvarenga e Ranchi- por Alzira, filha dileta do “baixinho”- como nho, Raul Torres e Pacífico, continuaram em ple- era tratado pela dupla. Rodeado pelo seu na atividade nas duas décadas, com o gênero Estado Maior, chefe do DIP e tudo o mais, o presidente lhes pediu que cantassem todo sendo consumido nas cidades em larga esca- o repertório de sátiras ao seu governo. En- la. Uma sucessão de nomes e de sucessos vai cabulados, constrangidíssimos obedeceram. acontecer nos anos que medeiam o século XX, Ao final da apresentação, Vargas gargalha- cujos principais detalharemos. va. “Podem fazer o que quiserem ninguém Palmeira e Biá formaram dupla em 1952, mais vai incomodá-los”, decidiu. (BARRO- atuaram durante oito anos e se consagraram em SO, 1999, p.289). 1956 com Boneca cobiçada (de Biá e Bolinha), além de Nova flor (Palmeira e Mário Zan), que Itália e Abissínia (com Capitão Furtado) se tornou trilha sonora da novela de Janete Clair, e o cateretê Liga das Nações, feitos em 1936, Pecado Capital. Palmeira (Diogo Mulero 1918– foram sucessos. Receberam o título de “Milioná- 1967), fez tanto sucesso com Boneca cobiçada rios do Riso”. Em 1940, lançaram o sucesso, Ro- que recebeu o posto de diretor artístico da Chan- mance de uma caveira (com Chiquinho Sales). tecler. Fizeram paródias de músicas como Disparada José Fortuna (1923-1993) era o versio- (Vandré), Adios Muchachos (Júlio C. Sanders e nista mais famoso da música sertaneja, com os César Vedani) e Nervos de aço (Lupicínio Rodri- versos de Índia e de Meu primeiro amor, que gues). Fizeram muito sucesso na televisão entre lançaram Cascatinha e Inhana em 1955. José 1950 e 1963. Fortuna foi um dos principais compositores de Raul Torres (1906 –1970), de Botucatu guarânia, sendo a mais famosa Paineira velha, SP, é outro nome histórico de nossa música ser- que gravou em dupla com Zé do Fole, sanfonei- taneja. Em 1927, já trabalhava na Rádio Educa- ro, com quem fez dupla durante 25 anos. dora (depois Gazeta) e depois em vários outros Mário Zan (1920), italiano, é outro nome prefixos. Gravou 456 músicas entre 78 rotações consagrado da época. Estudou acordeom e é

Akrópolis, Umuarama, v. 21, n. 2 p. 99-110, jul./dez. 2013 103 CONCEIÇÃO, F. da tido como o introdutor do instrumento no gêne- Na década de 50 surgiu Mazzaropi ro. Mário Zan e o Capitão Furtado, em excursão (Amácio Mazzaropi 1912-1981), que no cinema pelo interior do Brasil, chegaram até Mato Gros- personificou o tipo caipira em seus filmes e apre- so e daí atingiram o Paraguai, no ano de 1943. sentou música popular, inclusive sertaneja. Na Em Corumbá, Mário Zan compôs o rasqueado década de 60, gravou alguns discos com suces- Chalana. Tornaram-se amigos do presidente pa- so como Amarela Nhá Carola (Petit) e o xótis raguaio e fizeram nessas andanças fluviais vá- O azar é a festa (Ado Benatti e Zé do Rancho). rios shows. Reivindicou a introdução do rasque- Elpídio dos Santos compositor natural de São ado na música brasileira, mas esta primazia foi Luiz do Paraitinga, foi autor das músicas de 23 sem dúvida de Raul Torres, que em sua obra re- filmes, de um total de 32, que Mazzaropi pro- gistra Rio Paraguai, Cavalo zaino, Viola fandan- duziu. Na década de 50, com a urbanização, o gueira, Mineirinha, Morena linda. Zan e Nhô Pai tipo caipira de chapéu de palha desfiada, botina, (1912-1988), também fizeram muitas guarânias pernas emperradas e falar típico, já estavam em como Cidade do Mato Grosso, Ciriema do Mato decadência. Grosso, Orgulhosa e Iracema. Mário Zan conhe- A década de 50, marcada pelo avanço do ceu o verdadeiro sucesso ao gravar o dobrado rádio, da televisão e da popularização do disco Quarto Centenário, comemorativo ao aniversá- como produto de consumo, foi muito boa para o rio da cidade de São Paulo, sucesso absoluto do gênero, agora chamado de sertanejo. ano de 1954. Bob Nelson (Nelson Perez ), nascido em A sanfona, muito comum no cancionei- Campinas em 1918, é tido como o primeiro in- ro regional nordestino, se incorporou à viola térprete a fazer a ligação sertanejo-country. Em nas modas caipiras. Despontam no sudeste-sul 1943, adotou o estilo que o caracterizou, apre- grandes sanfoneiros como Riellinho, Castelinho, sentando-se como cover de Gene Autry e Roy Mário Zan, Pedro Raimundo (parceiro de Luís Roger, cantando rancheiras. Em 1943, fez uma Gonzaga). versão de Oh! Suzana, executando em falsete o Em 1943, no programa do Capitão Furta- famoso Tirole – iiiiiii –tiiii. Suas músicas fizeram do, surgiram os irmãos Perez que venceram um muito sucesso, entre elas O boi Barnabé (com concurso. O Capitão mudou o nome da dupla Afonso Simão), Eu tiro o leite (com Sebastião para Tonico e Tinoco, que gravaram pela primei- Lima). ra vez em 1945, e emendaram uma sequência A música em geral, na década de 50, foi de sucessos que se estendeu por toda década influenciada pelo clima de otimismo econômico de 1950. Os principais sucessos foram Sertão que se vivia, o qual permitiu o surgimento de do Laranjinha (motivo popular adaptado pelo várias gravadoras no Brasil, caso da Colúmbia, Capitão Furtado), Canoeiro (Zé Carreiro), Cana Continental, Todamérica (criada por verde (autoria da dupla), Chico mineiro (com em 1950) e a Chantecler, criada em 1958. Francisco Ribeiro), principal sucesso da dupla. Foram também inúmeros os nomes de Em 1946, vieram Rei do gado (Teddy destaque como Luizinho e Limeira, Palmeira e Vieira) e Boi de carro (Anacleto Rosa Júnior). Biá, Irmãs Cavalcante, Venâncio e Corumba, Em 1950, foi a vez de Arrasta pé na tuia e Baia- Jacó e Jacozinho, Zé Tapera, Silveira e Barri- ninha (ambas de autoria da dupla). A partir de nha, Leôncio e Leonel, Torrinha e Canhotinho, 1949 e até a década de 60 (meados), fizeram o Zé Bétio, Zico e Zeca, Zilo e Zalo, Zé Carreiro e programa Na beira da tuia pela Rádio Nacional Carreirinho. do RJ, e na década de 70, pela Rádio Bandei- No fim da década de 50, foi nítida a in- rantes SP. Gravaram na década de 50, sucessos fluência das rancheiras mexicanas no mundo como Chofer de caminhão (Tonico e Ado Benat- musical sertanejo. Pedro Vargas, Tito Martinez ti), Gaúcha alegre (Tonico e Zé Carreiro), Meu e outros astros mexicanos tiveram larga pene- sertão (Tonico e José Lopes). A partir de meados tração. O gênero mariachi chegou ao auge na da década de 60, começaram a sofrer pressão década de 70 com Milionário e José Rico. Os das gravadoras para incluir guitarras elétricas e temas dramáticos e os chapelões foram adota- pararam de gravar. Tonico morreu em 1994. A dos, não se incluindo apenas o pistom das ran- obra da dupla atingiu 1400 músicas lançadas, 50 cheiras. milhões de discos vendidos, 15 mil shows e 6 filmes. No final de 50, nessa mistura de México e

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Paraguai, filmes de Roy Rogers, bolerões diferente na viola, de traz para frente, misturou e emboladas, a velha moda de viola ainda ritmos de gêneros como o coco e o calango e era a base da música sertaneja. Todas aque- deu o nome de pagode caipira. A música Rio de las influências entravam como ingredientes Lágrimas foi gravada por dezenas de intérpre- nesse caldo cada vez mais grosso, já com tes, sendo uma das mais cantadas no gênero. o sabor original alterado (BARROSO, 1999, Rolando Boldrin foi outro que se desta- p.148). cou na década de 70, apesar da decadência do gênero. Foi pioneiro em programas de televi- Na década de 50, grande destaque do são dedicados à música brasileira autêntica, de gênero, já influenciado pelo caldo paraguaio, cunho regionalista. Apresentou durante vários foi a dupla Cascatinha e Inhana, responsáveis anos os programas Som Brasil (TV Globo), Em- pelo primeiro “boom” do mercado. As versões pório Brasil (TV Bandeirantes) e Empório Bra- de Zé Fortuna para Índia e Meu primeiro amor, sileiro (SBT). Participou de dezenas de novelas vendeu 500 mil cópias. Noches del Paraguay e da extinta TV Tupi. Em seus programas de tele- Recuerdos de Ypacaray também venderam mui- visão, exigia que as atrações se apresentassem to. Inhana tem sido considerada pelos críticos da com vestimenta natural e cantassem apenas MPB, uma das melhores cantoras brasileiras do músicas de inspiração regional. Suas principais século XX. gravações, apesar de nunca atingirem grande Compositor consagrado do período foi vendagem mantêm fidelidade ao gênero:O can- Teddy Vieira (1920–Buri SP), autor de mais de tadô (1974), Êta mundo (1976), Longe de casa cem modas de viola como O menino da porteira (1978), Rio abaixo (1979) e alguns outros. (com Luizinho), Arreio de Prata (com Roque de Em 1966, no II Festival da Música Popu- Almeida e Mário Bernardino), Rei do gado, Preti- lar Brasileira, Heraldo do Monte, guitarrista de nho aleijado, Geada do Paraná. Teddy Vieira foi renome, surpreendeu o público acompanhando um compositor que abordou temas sociais que com uma viola caipira de dez cordas, Geraldo envolveram gente humilde. Vandré e Théo de Barros, na música premiada, Inezita Barroso (1925, São Paulo SP), Disparada. que ainda criança estudou piano e violão é uma A juventude urbana dos anos 70 tinha grande divulgadora do gênero, pois mantém preconceito em relação à viola. Sérgio Reis, de desde 1980 o programa Viola, minha viola, na formação caipira, bom violeiro, é um exemplo. TV Cultura de São Paulo. Trabalhou em vários Chegou a gravar em 1967, Coração de papel, prefixos de rádio, fez teatro e cinema como atriz, para competir com Roberto Carlos. Em 1973, fez representou o Brasil em festivais internacionais sucesso com Menino da Porteira (Teddy Vieira de música. Tornou-se personalidade nacional e Luizinho) e depois com João de Barro (Teddy em 1953, ao lançar seu primeiro disco em 78 Vieira e Muíbo Cury) e acabou se fixando no gê- rpm, com a faixa Marvada Pinga, de Laureano. nero. Adotou o chapelão de vaqueiro, introduziu Os anos 60 marcam a modernização da a gaita, flauta, violas coral e muito mais em suas música brasileira. Bossa nova, Tropicália e iê, gravações. É um dos modernizadores do gêne- iê, iê afloram em detrimento de gêneros tradicio- ro. Sua voz é diferente dos cantores do gênero, nais. O tema sertanejo também vai se alterando, muito macia, não tem vibratos e agudos. o motel entra na cena romântica. Léo Canhoto e Robertinho contribuí- Tião Carreiro (1934–1993), natural de ram para alterar as características do gênero. Montes Claros, Minas Gerais, destacou-se na Misturaram trajes de boiadeiro com roqueiros, década 60, apesar da decadência do gênero. medalhões psicodélicos pendurados no peito, Fez sucesso cantando com Pardinho (1932), pulseiras, cabelos compridos. Exibiram motos com o qual tinha total incompatibilidade de gê- nas capas dos discos e empunharam guitarra. nios. A dupla gravou vários discos na década de Chegaram a gravar 15 LPs, quase todos na dé- 60, e conseguiram vender a quantia de 100 mil cada de 70. Gravaram Motorista de caminhão, cópias com a música Rio de Lágrimas (Piraci, Vou tomá um pingão, e principalmente temas Lourival dos Santos e Tião Carreiro), também inspirados em bangue-bangues italianos. Da es- conhecida por Rio de Piracicaba. Tião Carreiro é pecialidade “dólar furado” são: Jack o matador e considerado um dos melhores tocadores de viola O homem mau. caipira que o Brasil já teve. Inventou um batidão Milionário e José Rico, introdutores do

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México em nossa música caipira, gravaram nes- cos se dedicaram ao manejo da viola caipira. sa linha em 1975, o LP Estrada da vida, que ven- Outros como Renato Andrade (Renato Rodri- deu 700 mil cópias. A música Estrada da vida é gues–1932), mineiro de Abaeté, embora tenha de José Rico, considerado pela crítica um gran- estudado violino, definiu-se pela viola caipira de cantor, possuidor de admirável falsete e vi- até para tocar obras de Johan Sebastião Bach. brato natural. Em 1977, gravou A fantástica viola de Renato Andrade na música armorial mineira. Renato in- Nas últimas duas décadas, ela foi deixando fluenciou Almir Sater que, com 21 anos, fez du- gradativamente de ser aquela música das pla para gravar a coletânea Renato Andrade e modas de viola de Tonico e Tinoco conhecida Almir Sater (Continental, 1986). como “caipira”- palavra, aliás, que os serta- Almir Sater, nascido em 1956, natural de nejos detestam. O som anteriormente rústico Campo Grande MS, reabilitou junto ao grande foi incorporando em seus arranjos os sinteti- zadores. Os chapéus de palha de Jeca Tatu, público a viola caipira. Sustentou em suas com- as camisas xadrez que definiam o gênero posições os temas sertanejos e pontaneiros. “caipira” foram pouco a pouco sendo substi- Gravou seu primeiro disco em 1981, com a par- tuídos pelos ternos de grife ou pelas roupas ticipação de Tião Carreiro. Pesquisou os costu- de couro de vaqueiro texano (MASSOM E mes e as músicas do povo mato-grossense, es- MEZZAROBA, 1998, p.128). pecialmente do Pantanal. Em 1989, abriu o Free Jazz Festival. Gravou em Nashville, misturando Apadrinhados pelo radialista Geraldo o banjo americano com a viola caipira. Ganhou Meirelles, Chitãozinho e Xororó gravaram seu popularidade nacional ao participar da novela primeiro disco em 1970, com destaque para Ga- Pantanal, da Manchete. Participou logo depois lopeira, gravado pela Copacabana. Com uma de Ana Raia e Zé Trovão, outra novela da Man- série de gravações feitas na década de 70, fica- chete. A popularidade obtida através da televi- ram razoavelmente conhecidas em todo Brasil. são lhe permitiu gravar de 1990 a 1997, quatro Os irmãos sempre pretenderam dar à música CDs e diversas coleções. Em 1996, participou sertaneja o som da jovem guarda. Em 1982, lan- da novela O rei do gado da TV Globo, fazendo çaram o oitavo álbum, Somos apaixonados, que com muito sucesso o personagem Pirilampo. As alterou a sorte da dupla, pois continha a faixa músicas de Almir Sater misturam viola com vio- Fio de cabelo, que puxou a venda de um milhão lão de doze cordas, violinos e harpas paraguaias de cópias. e as pegadas do blues, conseguindo chegar ao A partir desse oitavo LP, Homero Bétio, grande público com a viola. Uma de suas mais filho do consagrado radialista Zé Bétio, passou a expressivas músicas é O violeiro toca. Gravou produzi-los e fez a carreira da dupla deslanchar. Cabecinha no ombro (Guarânia dos anos 50), Importaram dos EUA, equipamentos de som e Chalana (Mário Zan e Arlindo Pinto), Estradeiro luz cada vez mais potentes, sofisticaram o figuri- (com Simões ) e Boiada (com Renato Teixeira). no e fizeram mega espetáculos sertanejos. Gra- Sater declarou que não faz músicas como as varam intensamente na década de noventa e que ouvia no rádio, mas que tem influências do suas produções atingiram sempre a marca milio- interior do Brasil nária superior a um milhão de cópias vendidas. Renato Teixeira, nascido em 1945, na- Gravaram até em espanhol com o nome de Jose tural de Santos SP, tem como música mais co- Y Durval e injetaram prestígio e muito capital na nhecida, Romaria, gravada em 1977, por Elis carreira dos filhos de Xororó, Sandy e Júnior. Regina. Em 1998, lançou com Pena Branca e Xavantinho o CD Pena Branca e Xavantinho & Desde 1991, Sandy & Júnior já venderam 10 Renato Teixeira que ganhou o prêmio Sharp. milhões de discos. De duo infantil acaipirado. Participaram do disco Grandes Cantores Serta- eles se transformaram em ídolos dos ado- nejos (Kuarup), ao lado de Sivuca (1950), Cida lescentes brasileiros. Até o final de 2001, a Moreira (1951), Geraldo Azevedo (1945) e ou- gravadora Universal pretende lançar Sandy e Júnior no mercado mundial, cantando em tros. Suas músicas apesar de sertanejas têm re- inglês (MARTINS, 2000, p.142). cursos poéticos sofisticados. Gravou 16 discos entre LPs e CDs. Apesar do baixo nível do gênero, povo- Sucesso de Renato Teixeira foi Sina de ado de composições simplórias, grandes músi- Violeiro (gravada por Sérgio Reis) e Tocando

106 Akrópolis, Umuarama, v. 21, n. 2 p. 99-110, jul./dez. 2013 Evolução do cancioneiro rural... em frente, em parceria com Almir Sater. Zé Ra- em seqüência, outros sucessos como Coração malho (1949), que estava com a carreira qua- está em pedaços, Saudade bandida, Vem cuidar se paralisada (1996) foi surpreendido com o de mim e Salva meu coração. A Maior parte dos sucesso da música Admirável gado novo, que sucessos da dupla é de autoria do próprio Zezé compôs na década de 70. Incluída como tema Di Camargo que recebeu nos EUA o título de da novela O rei do gado, lançado em disco pela melhor compositor latino de 1996. Inovaram na Som Livre, acabou por se constituir na trilha de coreografia de palco. Sem exibirem instrumen- novela mais vendida até hoje. “A música de Zé tos, imitam os integrantes das bandas de rock e Ramalho é a locomotiva que puxa o enorme su- de axé, correndo no palco e executando evolu- cesso do disco da novela, recordista absoluto de ções e movimentos para arrebatar o público. trilhas sonoras no Brasil, com 1,7 milhão de có- Dupla mineira premiada pela crítica ca- pias vendidas”(REVISTA VEJA, n.40, out. 1996, tegorizada do Brasil é Pena Branca e Xavanti- p.120). nho, naturais de Cruzeiro dos Peixotos, comarca Helena Meirelles, nascida em 1924, na- de Uberlândia MG. Vieram para São Paulo em tural de Rio Pardo MS, morou em regiões fron- 1968, e conseguiram gravar apenas em 1980, teiriças aos Estados de Mato Grosso do Sul, depois que foram ouvidos em Aparecida, por um trabalhando em retiros, cantando e tocando de irmão de Renato Teixeira, que gostou da dupla. graça, em troca de pouso e comida. Tocava até No primeiro LP, destaque para as faixas Cio da em zona do baixo meretrício, como em Drace- terra ( e ) e Ve- na SP. Teve três maridos. Tendo se mudado de lha morada. Cio da terra, LP de 1987, com a par- Aquidauana para Santo André, com o marido e ticipação de Milton Nascimento, Tavinho Moura um filho, lá se tornou popular com o pessoal do e Marcus Viana, foi a maior vendagem, com 300 lugar que se reunia para ouvi-la tocar. mil LPs. Em 1988 lançaram o LP Canta Violeiro, Um sobrinho músico gravou uma fita sua com a participação de Fagner, Tião Carreiro, Al- e esta foi parar, através de um amigo, na reda- mir Sater, com destaque para a faixa Mulheres ção da revista Guitar Player nos EUA. A matéria da terra (Xavantinho e Moniz). elogiosa publicada pela revista propiciou-lhe a Em 1990, ganharam o prêmio Sharp de oportunidade de gravar pelo selo Eldorado. Gra- melhor música, Casa de barro (Chavantinho e vou três CDs e vendeu 80 mil cópias, número Moniz), melhor disco, Cantadô do mundo afo- muito bom para discos instrumentais. A revista ra, Luar do Sertão (João e Catulo Guitar Player a considera uma das melhores da Paixão Cearense), Pingo d’água, Tristeza do palhetas do mundo, como Jimmi Hendrix, B. B. Jeca (Angelino de Oliveira), Flor do cafezal (Luiz King, Eric Clepton e outros de projeção mundial. Carlos Paraná), foram sucessos regravados na década de 90 pela dupla. Xavantinho sofreu um A maior parte do repertório que Helena toca acidente de carro em 1982, o que o levou alguns até hoje ela aprendeu nos anos 30, com vio- anos depois, a se locomover numa cadeira de leiros paraguaios, o irmão mais velho e um rodas, e a ter uma saúde precária. Morreu em tio. Seus solos são espetaculares. Não se li- outubro de 1999. A crítica os valorizou por terem mitam a bordar sobre a viola caipira. Extraiu feito a ponte entre o sertanejo e o urbano sem de suas cordas sons que lembram o canto dos pássaros, como o guaxo e a araponga deteriorar o gênero, cantando em terças, obras (MASSON, 1994, p.118). dos melhores valores da MPB. João Paulo e Daniel, dupla formada em Nos anos 90, vão surgir duplas boas de 1981 em São Paulo, gravou sem sucesso des- vendagem que superam os modernizadores do de1985, mas só em 1994 se projetou com o CD gênero, Chitãozinho e Xororó. que levou o nome da dupla, incluindo Dia de vi- Zezé Di Camargo e Luciano, goianos de sita (Moacir Franco), Cuida de mim (Edinho da Pirinópolis, formaram a dupla em 1988. Devido à Mota e Silmara Perini), que conquistou disco de dificuldade inicial que tinham para gravar ofere- ouro e de platina. Em 1996 saiu o sétimo álbum ciam suas músicas para os cartazes do momen- da dupla, que puxado por Estou apaixonado, to, como Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leo- vendeu 700 mil discos. No mesmo ano lançou nardo e Sula Miranda. Em 1991, logo no primeiro Os 14 maiores sucessos de João Paulo e Da- LP, o Brasil cantou com eles É o amor. Em 1993, niel e vendeu 500 mil cópias. Em 1997, gravou o a dupla assinou contrato com a Sony e surgiram volume 8, de João Paulo e Daniel e, no mês de

Akrópolis, Umuarama, v. 21, n. 2 p. 99-110, jul./dez. 2013 107 CONCEIÇÃO, F. da setembro, o cantor João Paulo morreu quando vender perto de 3 milhões de unidades do sua BMW capotou entre São Paulo e Brotas. CD que leva o nome da dupla e contém a inesquecível Pense em mim... Leonardo Em menos de 30 dias o CD vendeu 230 mil saboreou a façanha de ser o maior vende- cópias; o mesmo CD que levou cinco me- dor de discos do país em 1999 – seus dois ses para vender 350 mil cópias. O sucesso lançamentos, Tempo e Ao vivo, bateram nos póstumo sempre ocorre quando morre uma 2,8 milhões de cópias. Os três últimos traba- estrela, especialmente porque a mídia e as lhos do rapaz (Daniel) atingiram a marca de gravadoras exploram esse comportamento 1,85 milhões de discos vendidos (MARTINS, (MASSON, 1997, p.155). 2000, p.118).

A dupla Leandro e Leonardo foi constitu- Elementos tradicionais que permanecem ída em 1983. O sucesso veio com o LP, Leandro vivos nos temas tratados pela música sertaneja e Leonardo volume 3, com a faixa Entre tapas e são o boi e o peão. Isso se deve aos rodeios beijos (Nilton Lemos e Antônio Bueno), que ven- que são realizados em quase todas as cidades deu um milhão de cópias. O LP seguinte Pense do país. A primeira festa de Barretos, de 1955, em mim, puxado pela faixa do mesmo nome, dos estimulou o surgimento de outras. compositores Douglas Maio, Zé Ribeiro e Mário Gilberto e Gilmar, Christian e Ralf, Rick Soares, vendeu 2,5 milhões de exemplares. O e Renner, Bruno e Marrone, Felipe e Falcão, sucesso não parou mais até que Leandro fale- Clayton e Camargo, Ataíde e Alexandre, César e ceu em São Paulo em junho de 1998, vítima de Paulinho, Milionário e José Rico, Gian e Giovani, câncer. O CD lançado dois meses antes do seu são presenças constante nos palcos de rodeio, falecimento vendeu 3 milhões de cópias. do seleto clube da primeira divisão do country.

Em Goiânia, onde foi sepultado, o corpo de Hoje em dia os rodeios são responsáveis Leandro foi levado ao cemitério por um corte- pelos maiores shows do Brasil. São 1200 jo de 150 mil pessoas. Estima-se que 60 mil eventos desse tipo por ano e, destes, 600 delas passaram em frente do caixão do can- têm shows musicais. Somados, juntam um tor durante o velório em Goiânia. (MASSON; público maior do que o total do campeonato MEZZAROBA,1998, p.126). brasileiro. Nos maiores shows de rodeio, o público chega a 80 mil pessoas (MARTINS, Os remanescentes Daniel e Leonardo 1998, p.117). são produzidos pelas gravadoras às quais se O professor que pretenda introduzir mú- vinculam para serem os substitutos de Rober- sicas sertanejas à audição do aluno, deve estar to Carlos. Apresentam-se no Olímpia, local das atento para o palavrório chulo das canções. Cé- magnas atrações e adotam o estilo mauricinho. sar e Paulinho detêm um dos maiores sucessos Oscilam entre o sertanejo country e o popular ro- da arena, o “hit” Pé de bode (Praense e Done mântico. Limitadíssimos como intérpretes, mes- Feiria) que usa expressões como “puta que pa- mo assim são dos cartazes mais caros da MPB, riu”, “ vamos tudo pro saco” e outras, de “artísti- na atualidade. Os astros são marcas comerciais. cos” versos. Na música caipira de raiz a mulher Têm grifes de roupas, acessórios e perfumes. era tratada de forma respeitosa, na de hoje é um Chitãozinho e Xororó, Leonardo, Zezé Di Ca- tal de “amassa mamão”. “Um tapinha não dói”, margo e Luciano, constituem os grandes suces- expressão funk é muito menos ofensiva à mu- sos da música sertaneja no momento. lher e muito mais condenada. Em reportagem publicada na revista Veja Apesar do desprezo à riqueza da música (nov. 2000), esta avalia o sucesso comercial do sertaneja, os que experimentam a volta ao estilo gênero. caipira têm-se dado bem. Sérgio Reis, recente- Hoje, além de lotar casas de espetáculos chi- mente, gravou com sucesso o disco Marcando ques, os artistas que nasceram nesse filão Estrada. Chitãozinho e Xororó se deram bem ao respondem por 15% do mercado fonográfico lançar música caipira no CD Clássicos Sertane- nacional. Em dez anos de carreira, Zezé Di jos. Camargo e Luciano já venderam 17 milhões de discos. Leandro e Leonardo deixaram a [...] que em duas semanas já vendeu 700 mil indústria de olhos arregalados em 1991, ao cópias, chama atenção por seu repertório

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brasileiro até a medula – de primeira. Estão LEI diretrizes e bases da educação nacional. ali, Luar do sertão, Asa branca, Tristeza do São Paulo: Saraiva, 1997. Jeca, Cabocla Teresa e mais uma dezena de canções que fazem juz a palavra clássicos MARTINS, S. Clássicos sertanejos. Revista (MARTINS, 1996, p.102). Veja, São Paulo, v. 29, n. 34, p.102,1996.

Um disco desse que incluiu acordeom, ______. O rodeio é sertanejo. Revista Veja, teve a participação de Sérgio Reis, Ney Mato São Paulo, v. 29, n. 35, p. 117, jul. 1998. Grosso e Simone, deve ser submetido à escuta do aluno. Esse disco possibilita à nova geração ______. Sertanejo é campeão de vendas. entrar em contato com aquilo que de melhor os Revista Veja, São Paulo, v. 33, n. 48, p.118, mestres da moda de viola produziram, caso de nov. 2000. Athos Campos, Raul Torres, Angelino de Oliveira e Serrinha. ______. Reino eletrônico. Revista Veja, São Paulo, v. 30, n. 20, p.137, maio, 1997. REFERÊNCIAS ______. Morte de João Paulo ajuda a vender. ADORNO, T. W. et al. Teoria da cultura de Revista Veja, São Paulo, v. 30, n. 41, out. p. massa. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 155, 1997. 1982. 340 p. ______. Raspa do tacho. Revista Veja, São BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria Paulo, v. 31, n. 0, p. 145, abr. 1998. de Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - Arte / Secretaria da ______. Roqueiro de gibão. Revista Veja, São Educação Fundamental. 2. ed. Rio de Janeiro: Paulo, v. 29, n. 30, p.140, ago. 1998. Do & A, 2000, v. 6. MOREIRA, A. F.; SILVA, T. T. da. Currículo, DICIONÁRIO Grove de música. Rio de Janeiro: cultura e sociedade. 2. ed. São Paulo: Cortez. Zahar, 1994. 1048 p. 1995.

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EVOLUCIÓN DEL CANCIONERO RURAL BRASILEÑO

Resumen: El período de esta investigación se extien- de de 1929 a 2000. El género, hoy, llamado Country saltanejo, es el preferido de la clase media brasileña. El género fue perdiendo la autenticidad de sus raíces, no sólo por fuerza del desarrollo económico y social, sino por el uso de equipamientos de alta tecnología y por las nuevas formas de componer, armonizar e interpretar lo que resultan en sonidos y nuevos esti- los de música, parecidos con la fuente original. Los grandes nombres de la constelación country se hicie- ron en grifes de ropas, accesorios y perfumes, son los artistas más caros del país. Esta investigación ha buscado producir un estudio que abarque esa trayec- toria mutante. Palabras clave: Músico; Cancionero rural; Country saltanejo.

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