Sociedade & Natureza ISSN: 0103-1570 [email protected] Universidade Federal de Uberlândia Brasil

Irineu Barreto Fernandes, Paulo LOURENÇO, L. A. B. O Triângulo Mineiro, do Império à República: o extremo oeste de na transição para a ordem capitalista (segunda metade do século XIX). Uberlândia: EDUFU, 2010. Sociedade & Natureza, vol. 23, núm. 2, mayo-agosto, 2011, pp. 361-363 Universidade Federal de Uberlândia Uberlândia, Minas Gerais, Brasil

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RESENHA

LOURENÇO, L. A. B. O Triângulo Mineiro, do Império à República: o extremo oeste de Minas Gerais na transição para a ordem capitalista (segunda metade do século XIX). Uberlândia: EDUFU, 2010.

Paulo Irineu Barreto Fernandes Professor de Filosofi a da IFTM - CGE/Campus Uberlândia Doutorando do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Geografi a da UFU. Uberlândia/MG – Brasil [email protected]

Resenha recebida para publicação me 31/03/2011 e aceita para publicação em 08/07/2011.

O livro “O Triângulo Mineiro, do Império qual, no ano seguinte, foram anexados os julgados do à República: o extremo oeste de Minas Gerais na Desemboque e Araxá. transição para a ordem capitalista (segunda metade Em 1834, a aprovação do Ato Adicional à do século XIX)” é a publicação, com adaptações, Constituição conferiu maior autonomia às provín- da tese de doutoramento do Professor Luís Augusto cias, que passaram a contar com as Assembléias Bustamante Lourenço, defendida no Programa de Legislativas e, desde então, as comarcas passaram a Pós-Graduação em Geografi a da Universidade de ser criadas por leis provinciais. Nos últimos anos do São Paulo (2005). Nele, o autor apresenta o pano- século XIX, a mudança da nomenclatura pejorativa rama histórico-geográfi co no qual se constituiu, nos “Sertão da Farinha Pobre” para a nova nomenclatura aspectos político e sócio-econômico, a região do “Triângulo Mineiro”, ocorrida com a chegada Triângulo Mineiro, no extremo oeste do Estado de dos trilhos da Mogiana e com a Proclamação da Minas Gerais. República, não só estava alinhada com os novos Em uma breve apresentação, o autor descreve tempos, mas também, como bem observa Lourenço, os objetivos do trabalho. Entre os quais se destacam: refl ete o lema do momento: “Ordem e Progresso”. entender a natureza da transição que tornou possível O destaque regional, naquele período, foi a cidade o surgimento do Triângulo Mineiro, enquanto região de , importante centro mercantil que ainda e defender a possibilidade de construção de um mo- contava com outra vantagem geográfi ca: estava delo de análise geográfi ca fundamentado na noção de localizada na intersecção que ligava Mato Grosso, e formação sócio-espacial. o próprio Triângulo, à região e Rio O primeiro capítulo, sobre a formação terri- de Janeiro; e a Estrada dos Goiases, que unia Goiás torial, aborda as mudanças ocorridas no território que a São Paulo. culminaram com a formação do Triângulo Mineiro. No segundo capítulo, sobre a rede urbana, Ou seja, a transição de sertão para região. Ao tecer o professor Luís Bustamante, após considerações considerações sobre a noção de região, o autor destaca a respeito do conceito de cidades-polo, seguida de a maneira como, a partir do século XVIII, o recorte uma análise de um modelo para a história das redes territorial, e das comarcas, passou a ser feito de ma- urbanas, parte para o estudo da centralidade da cida- neira administrativa e não mais cultural ou econômica. de de Uberaba, a partir da década de 1830. Um dos Segundo Lourenço, o marco decisivo para a fatores que contribuíram ainda mais para fortalecer a existência futura do que denominamos, hoje, “Triân- centralidade da cidade, foi a implantação da primeira gulo Mineiro”, foi a descoberta das minas do Paracatu. agência postal da Farinha Podre, no ano de 1857, o Em 1744, o que acarretou uma nova divisão territorial que obrigava as populações vizinhas a se deslocarem que, em 1815, passou a ser a Comarca de Paracatu, à até lá, quando chegavam os malotes.

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Segundo Lourenço, a primazia de Uberaba da região, Lourenço parte do quadro geral da posse teve o seu fi m entre 1889 e 1897, com a chegada dos e uso do solo anterior a 1880. Um dos pontos obser- trilhos da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, vados pelo autor foi o fato de ter havido infl ação no que deu um novo aspecto à região. Com a chegada dos país, sobretudo no preço da terra nos primeiros anos trilhos a Uberabinha (Uberlândia) e Araguari, a cidade da República, em virtude da política de desvalori- de Uberaba passou a compartilhar a sua centralidade. zação cambial. Este fato, no entanto, não impediu a A chegada da ferrovia, além disso, selou o destino do ampliação dos negócios com terras neste período. A Triângulo: área de abastecimento das regiões mais modernização própria do fi nal do século XIX (telé- dinâmicas do país. Entre os fatores impulsionados no grafo, trem de ferro, dentre outros) ainda se deparava momento, destaca Lourenço, encontram-se a opção com um elemento que impedia a transição defi nitiva pela criação de gado Zebu, importado da Índia e a para o sistema capitalista: a dependência da escravi- industrialização do algodão produzido na região. Além dão e o forte apego à mesma, por parte dos grandes disso, merece destaque o fato de que a região estava, latifundiários. defi nitivamente, mais ligada a São Paulo do que ao No quarto capítulo, escravidão e trabalho próprio interior e centro do Estado das Minas Gerais. livre, Lourenço estabelece, a princípio, um panorama Junto com os trilhos da Mogiana, chegaram os fi os da dependência e apego que os grandes proprietários telegráfi cos, o que transformou o Triângulo em uma de terra nutriam pela escravidão. O destaque é para rede de múltiplos circuitos, ao fi nal do século XIX. o Congresso Agrícola de 1878, no Rio de Janeiro, no No terceiro capítulo, sobre a posse da terra, qual os fazendeiros mineiros expressaram forte inquie- Lourenço, estabelecendo um percurso do geral para tação diante da possibilidade do fi m da escravidão. o particular, faz uma análise da questão fundiária no O autor identifi ca três fatores conclusivos no que se Brasil do século XIX, para depois adentrar na questão refere aos últimos anos da escravidão no Triângulo Mi- fundiária no Triângulo, no mesmo período. Segundo neiro: uma população cativa menor do que a existente o autor, a estrutura fundiária brasileira foi resultado em outras partes da província; capacidade reduzida de combinações entre grandes domínios e pequenas de importação de escravos e aumento do tráfi co para posses. Destacam-se, nas primeiras décadas do século Uberaba, no fi nal da década de 1880, em virtude do XIX, a expansão das áreas de abastecimento interno crescimento econômico e do boom cafeeiro em São e o crescimento demográfi co, fazendo com que a de- Paulo. A transição para o trabalho livre, no entanto, manda por terras aumentasse em grande parte do país. era inevitável e demandava um substituto para o braço Acrescente-se a isto, as pressões vindas da Inglaterra escravo, papel que coube ao imigrante. contra o tráfi co negreiro. O fi m do tráfi co só de seu em Digna de nota é a análise feita por Lourenço 1850, juntamente com a aprovação da Lei de Terras, deste período da História e da Geografi a do Triângulo, projeto que restringia o acesso dos trabalhadores livres no que se refere à transição do trabalho escravo para à terra, forçando-os a trabalhar para os fazendeiros. o trabalho livre, tema ainda pouco explorado pelos Lourenço alerta para o fato de que a Lei de Terras pesquisadores, segundo o próprio autor. Destaca-se, fracassou no que se refere à instituição de uma forma neste momento, o papel exercido pelos “jornaleiros” moderna de propriedade fundiária, mas teve êxito ao (ou “camaradas”, citados por Saint Hilaire durante estimular a imigração. Quanto à realidade do Triângu- sua passagem na Farinha Podre), trabalhadores que lo Mineiro, no fi nal da década de 1880, destacam-se, ofereciam serviços aos proprietários de terra em tro- segundo Bustamante, três mudanças estruturais sig- ca de pagamento diário. Merece destaque também, nifi cativas, no que se refere à questão fundiária, duas sobre este período, o trabalho de autores citados por de âmbito nacional e outra de caráter local: a abolição Lourenço, como Douglas Libby e Ana Lúcia Lanna. da escravatura e o advento da República e, no âmbito O cenário acima, somado a alguns empreendimentos local, a chegada da estrada de ferro Mogiana. capitalistas e à chegada da Mogiana, infl uenciaram, Para analisar a maneira como estes fatos segundo o autor, a organização de unidades produtivas agiram sobre a economia rural e a estrutura fundiária que abriram as portas para o modelo capitalista.

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No quinto capítulo, sobre a fazenda mineira, cenário repetia-se em localidades como , o professor Luís Bustamante, retornando ao fi nal do Araxá, Pium-í, dentre outras. O autor, citando Brau- século XVIII, caracteriza a fazenda mineira, marcada, del, destaca a integração entre os ambientes rural e por um lado, pela redução dos custos de produção e, urbano das cidades da América colonial, em geral, e por outro, pela busca de fl exibilidade diante de mudan- brasileiras, em particular. Esta integração torna difí- ças conjunturais de mercado e segurança nos períodos ceis e controversos todos os critérios de defi nição e de retração. Constituíam também a fazenda mineira: separação entre população urbana e rural. a indústria, em sentido lato, ou seja, a presença da Ao abordar a evolução urbana no Triângulo manufatura artesanal (com destaque para a fi ação e a Mineiro do fi nal do século XIX, Lourenço parte de tecelagem), os moinhos e os engenhos de cana, ainda uma análise mais geral, citando Murilo Marx, ao falar dependentes da força humana e animal. do processo de laicização do espaço urbano vivido no Nas primeiras décadas do século XIX, com a Brasil, nesse período. Entre os exemplos citados pelo instalação da Corte Portuguesa no Brasil, em 1808, com autor, destaca-se a perda da condição de capital da a Independência, em 1822, e com a expansão da cafeicul- província sofrida por Ouro Preto, cidade colonial, para tura pelo interior fl uminense, a partir de 1830, a província a republicana , em 1897. Surgia uma do Rio de Janeiro viveu um processo de desenvolvimento urbanização mais racional, que transformava a terra e muito rápido (de 80 mil para 274 mil habitantes em cerca o espaço em valor. Nas cidades do Triângulo Mineiro de 70 anos) e passou a ser um grande mercado para a aconteceram eventos semelhantes. O destaque é para a produção de alimentos de Minas Gerais. Tornando-se maneira como a chegada da Mogiana, nas cidades de parte da rede de abastecimento formada desde então, o Uberaba, Uberabinha (Uberlândia) e Araguari, defi niu Triângulo Mineiro passou a ser um grande fornecedor de os traços da centralidade urbana, modifi cando eixos gado bovino para o Rio de Janeiro e região, chegando esta anteriormente traçados. Recorrendo aos testemunhos a ser a principal forma de realização do excedente gerado dos memorialistas e aos inventários post mortem, Lou- na região. Lourenço, citando Bergard, informa que uma renço realiza uma análise bem profunda da urbanidade estimativa de 1855 indicava que 5.000 cabeças de gado, da cidade de Uberaba. 7.000 porcos e 4.000 couros eram enviados anualmente Nas considerações fi nais, Luis Bustamante de Araxá, Uberaba e Patrocínio para o Rio de Janeiro. Lourenço conclui que na transição para a ordem A chegada dos trilhos da Mogiana, no fi nal do capitalista, a região do Triângulo Mineiro apresentou século XIX, fez aumentar a acumulação no Triângulo tanto modernização, nas esferas viária, técnica e ur- e também possibilitou o escoamento dos excedentes bana; quanto sinais de estagnação, no que se refere, produzidos na província de Goiás. Os destaques agora, sobretudo, à questão fundiária e a uma maior concen- segundo Lourenço, fi cam também com o avanço da tração de riqueza nas fortunas não capitalistas. Ou cafeicultura em terras triangulinas, principalmente em seja, a elite se manteve tradicional quanto a manter o Sacramento e Uberaba e a introdução do gado Zebu, seu prestígio e domínio e soube realizar as mudanças na década de 1890, trazendo uma importante inovação necessárias para garantir a reprodução do status quo. pecuária para a região. Apesar de todos os avanços, o O autor conclui o texto transferindo para trabalhos autor conclui o capítulo atestando a falta de inovações futuros o estudo das consequências, no século XX, nas técnicas de manejo agrícola. desta modernização conservadora. Será o prenúncio No sexto e último capítulo, sobre o espaço de uma próxima pesquisa? urbano, Lourenço avalia, inicialmente, a situação Cabe ainda, nesta resenha, uma referência à ri- urbana da cidade de Uberaba, que, segundo o autor, queza documental, estatística e bibliográfi ca do texto. ainda exibia, no início da década de 1870, paisagens Enfi m, todos os elementos aqui abordados, somadas urbanas típicas das aglomerações sertanejas do Brasil ao aprofundamento nos temas e à originalidade da colonial, centradas na religiosidade: adro retangular no pesquisa, tornam obrigatória a leitura do livro, tanto centro, dominado por Igreja e ladeado por edifi cações para pesquisadores, quanto para os interessados pela de taipa ou adobe e arruamento perpendicular. Este História, Geografi a e Cultura do Triângulo Mineiro.

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