No Cerrado de São Domingos-GO: a luta do camponês 1

Maria Ângela Barros Moraes2

Resumo: O presente artigo analisa as transformações ocorridas no modo de produção da agricultura familiar dos camponeses de São Domingos no Estado de Goiás, a partir da criação do Parque Estadual de Terra Ronca. Analisando o processo vivenciado pelo campesinato ao longo da história e baseando- se na expansão capitalista compreendeu-se que houve uma dispersão espacial da produção com privilégio para algumas áreas e descaracterização de outras, especialmente da agricultura familiar e as contradições ocorridas na vida camponesa a partir da década de 1970 na região Centro-Oeste. Isto significa que, mediante esse processo, o município de São Domingos passou a ter nova ordenação territorial social e produtiva que interferiram no modo de vida e trabalho dos pequenos produtores rurais, sobretudo em relação a desintegração organizacional rural. Frente ao novo modelo econômico produtivo que se constituiu, os trabalhadores rurais, a partir de suas condições objetivas de vida resistiram ao capital para manter sua forma peculiar de organização social, cultural e econômica. Como referenciais teóricos que fundamentam a concepção de camponês foram adotados autores clássicos da teoria social como CHAYANOV (1981) e SHANIN (1980).

Palavras chaves: agricultura familiar, capitalismo, desintegração organizacional rural, economia familiar, latifúndio.

The expansion of capital and resistance peasant from São Domingos - GO

Abstract: The present article analyzes the occurred transformations in the way of familiar crop production of São Domingos territory in the Goiás State peasants, since Parque Industrial de Terra Ronca creation. Analyzing the process lived deeply by rural people throughout history and basing on the changes due to new situation the capitalist expansion specially understood that there was space production dispersion with privilege for some areas and disintegration for others as for familiar agriculture observing deep contradictions in the peasant life from 1970 decade in the Center-West Region. This means that due to this process of changes in the people traditional welfare, the São Domingos City started to have new social and productive ordinance territorial that has intervened with the way of life and work of small agricultural producers, over all in relation to the agricultural organizational disintegration. Front to the new productive economic model that was constituted, the agricultural workers, from the traditional objective life conditions has resisted the capital to keep the people in the peculiar form of social, cultural and economic normal organization. As referential theoreticians who based on peasant conceptions classic authors experts in social theory were adopted as Chayanov (1981) and Shanin (1980). Key words: Agricultural organizational disintegration. Capitalism. Familiar agriculture. Local economy. Large landed state.

1 Este texto são considerações da dissertação (Mestrado em Geografia): A unidade de produção familiar e a política pública de desenvolvimento sustentável no município de São Domingos/Goiás: o caso Baru. NPGEO/UFS, São Cristóvão/SET DEZ/2004. 2Professora Substituta do DGE/Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe e Professora/Pesquisadora do CESAD - Centro de Ensino Superior a Distância. E-mail: [email protected]

Revista Faculdade Montes Belos, v. 4, n. 1, set. 2011

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1. Introdução O agricultor familiar do Município de São

Domingos de Goiás, especificamente, aquele Localizada no domínio morfológico do localizado na área do Parque Estadual de Terra Planalto Central Brasileiro a cidade de São Domingos Ronca3 como sujeito principal da agricultura está situada 600km a nordeste da capital do Estado capitalista, reflete e demonstra as diversas situações (Goiânia). Elevada a condição de município em 1854, pelas quais passam e passaram os camponeses no São Domingos ocupa uma área territorial de processo contraditório de sua destruição e recriação ao 3.296Km2. Segundo dados do IBGE (2000) a longo do processo histórico desta categoria social. população rural (5.175) supera a urbana (4.430) Estas situações proporcionam o entendimento de sua perfazendo o município um total de 9.605 habitantes. presença no atual sistema econômico, considerando De economia voltada para a pecuária extensiva (maior sua peculiaridade de produção da agricultura familiar parte), possui a maior área de pastagem nativa do para manutenção de sua família e a sua permanência Estado de Goiás; a mineração e turismo. Atividade de no espaço rural, para tanto relatamos um pouco da incipiente valor econômico, por que pouco divulgada evolução da agricultura no Estado de Goiás. se comparada a outras áreas turísticas do país, a Sendo a agricultura a principal atividade atração turística é representada pelo lago formado econômica da Região Centro-Oeste, o Governo de com as águas represadas da Usina Hidrelétrica de São Getúlio Vargas em 1940, iniciou os incentivos para Domingos, pelo conjunto de cavernas e cachoeiras nas uma política de ocupação, direcionando a criação de quais se pratica desde esportes radicais até a romaria colônias agrícolas em Goiás e Mato Grosso. Assim a católica a Bom Jesus da Lapa, a qual acontece partir da década de 1960 quando se torna referência anualmente atraindo romeiros de todo o Brasil para a nacional em rizicultura, há uma maior definição das Gruta da Lapa de Terra Ronca e a Serra Geral de áreas, não só pelo aumento da demanda, mas também Goiás a qual divide os Estados de Goiás e Bahia. em decorrência da implantação da nova capital do A área do nordeste goiano, a Serra Geral de país no Planalto Central. Goiás e adjacências recebeu, durante as décadas de Contudo a partir dos anos 1970 é que se inicia 1930 a 1950 maior número de migrantes, do sul de o desenho da nova estrutura fundiária para a região, Goiás e Bahia, em busca de terras a fim de realizarem motivado pelo ciclo modernizador do espaço agrícola as atividades produtivas para a sobrevivência da do Cerrado. Programas e projetos oficiais como família camponesa. Polocentro, Prodecer e outros proporcionaram maior

intensificação da produção, definindo claramente o 2. Breve leitura da agricultura familiar de São predomínio das grandes propriedades, que nos anos Domingos.

3 Criado pela Lei Nº 10.879 de 07/07/1979, localizado dentro da Área de Proteção Ambiental da Serra Geral de Goiás.

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3 M. A. Moraes. No Cerrado de São Domingos-GO: a luta do camponês

80 já definia a agricultura intensiva da região, com Para ele, “(...) o agricultor sempre deve produzir seus viabilização tecnológica do cultivo da soja. próprios meios de subsistência, independentemente, Conseqüentemente, os agricultores familiares dessa como trabalhador isolado com a sua família. (...) Essa região sofreram mudanças em decorrência do propriedade mesma, constitui aqui a base para o processo de mudanças tecnológicas, sociais e desenvolvimento da independência pessoal” (MARX, econômicas impostas pelas políticas públicas e ações 1984, P. 1026). do latifúndio. Analisando a situação destes agricultores Então, pode-se afirmar que na base da queremos acreditar que as transformações ocorridas estrutura fundiária regional, persiste um quadro de em suas vidas, não poderão subjugá-los além da grandes propriedades, o que favorece o agravamento posição atual. Mas, restituir-lhes a condição de do problema da concentração de terras, com a proprietários, cidadãos produtores com capacidade de conseqüente expulsão dos pequenos proprietários. manterem suas famílias dignamente. O discurso do As áreas produtivas do sudoeste goiano onde eco-turismo e proteção de biodiversidade possui faces predominava a agricultura familiar no final da década diversas, porém a que nos interessa é a manutenção do de 1920 até a década de 1940, bem como o sul da agricultor familiar produzindo em suas terras o Bahia, foram esvaziadas pelo latifúndio mantenedor equivalente necessário ao sustento de suas famílias. da monocultura extensiva/intensiva e mecanizada, De acordo com SHANIN (1980), a economia fruto do ciclo modernizador do espaço agrícola da era camponesa caracteriza-se pela forma extensiva de Vargas. Em conseqüência os agricultores ali residente ocupação, ou seja, trabalho familiar com controle dos migraram para áreas até então pouco habitadas, o próprios meios de produção, estabelecendo equilíbrio nordeste goiano que recebeu os migrantes goianos e entre a agricultura (maior ênfase), atividade extrativa baianos. e o artesanato. Sendo a unidade básica de produção e meio de vida social. 3. Um olhar sobre a condição de vida camponesa. Para CHAYANOV (1981), a unidade camponesa de produção é aquela que emprega a mão- MARX aponta a unidade camponesa de de-obra familiar para obtenção dos bens para consumo produção, como a oficina individual que contém próprio. A quantidade de sua produção é determinada economia total e constitui o centro de produção pela necessidade, que é medida pelo tamanho da independente, classificando a agricultura familiar família. O grau de explotação e o ponto de equilíbrio quanto às suas atividades/relações de trabalho onde a interno são muito variáveis e podem ser alcançados exploração, ou seja, a ação de tirar proveito pelas condições reais de produção, sua situação de econômico de recursos naturais de determinada área mercado e pela localização da unidade em relação aos tem por princípio fundamental a propriedade da terra, mercados. Assim, o grau de esforço/fadiga de trabalho como tem o instrumento para a atividade artesanal. é determinado pelo tamanho e necessidades de

4 M. A. Moraes. No Cerrado de São Domingos-GO: a luta do camponês consumo da família. Para o autor a unidade marginalização ocorre simultaneamente pela ação dos camponesa de produção tem estrutura econômica capitalistas rurais e urbanos, tornando os camponeses diferente daquelas outras unidades de produção da em proletários rurais nos termos da teoria clássica do sociedade capitalista. capitalismo. A organização e os problemas de interações Quanto à subordinação da agricultura familiar políticas dos camponeses em diferentes regiões e ao sistema capitalista é importante ressaltar como países são muito semelhantes, também suas relações ocorre este processo. Em relação à propriedade rural com os proprietários de terras e/ou representantes das familiar, onde realiza a produção camponesa, burocracias nacionais. As formas de produção, das refletimos sobre a posse da terra (meio de produção) e unidades básicas camponesas e suas características de a condição de manutenção da mesma. organização social, também são semelhantes no Ao arrendar uma porção de terra para mundo todo. É também semelhante, em todo o produção dos bens, mesmo que seja de consumo e mundo, a sua postura subserviente dentro da rede sobrevivência, a renda é um pagamento feito pelo mais ampla de dominação política, econômica e direito de uso da terra. Assim a terra possui valor de cultural. uso e valor de troca. As melhorias feitas na terra são A luta do camponês para manter sua forma resultado de trabalho humano. Aquela parte da renda peculiar de organização estranhando a sociedade que que estabelece o pagamento puro da terra, sem levar o circunda é, segundo MOURA (1988), uma das em conta estas melhorias, MARX denomina-a de razões dos diversos estudos sobre esta unidade de renda da terra. produção que se mantém alheia ao modo de produção Os pagamentos da renda são feitos pela terra, capitalista, pois possui e controla a terra sem ser pois a renda não cresce no solo. Para estes possuidor de capital. Ratificando que atualmente o pagamentos é necessária a troca de mercadorias, ou campesinato passa por violentas crises de seja, completa monetarização da economia e todos sobrevivência, enfrentando a ameaça de expropriação aditamentos legais e jurídicos da propriedade privada definitiva, que implica a perda total de suas condições da terra. de produção ou a expropriação que a cada dia o torna CHAYANOV (1981) explica em seu plano mais explorado e mais dependente da economia organizativo, na unidade de exploração não capitalista. monetária, que a necessidade de consumo possui A transformação capitalista da agricultura caráter qualitativo. Mas, se esta unidade ingressa no possui três tendências principais em diferentes regiões mercado monetário, o caráter da produção passa a ser do mundo, chamados de processo de diferenciação, quantitativo. A intensidade da entrada de capital é pauperização e marginalização. A diferenciação é estabelecida pelo tamanho da família. refletida pela mudança estrutural nas unidades Quando a atividade econômica perde seu camponesas e conseqüentemente a pauperização e caráter qualitativo e desenvolve a natureza monetária

5 M. A. Moraes. No Cerrado de São Domingos-GO: a luta do camponês de valor, a relação que passa a se estabelecer na fração de classe. Assim, a renda absoluta é resultante unidade de produção familiar é a capitalista. A da elevação dos preços dos gêneros alimentícios economia familiar era considerada como modo de acima do preço de produção desses gêneros produção pré-capitalista, pois a socialização ou a principalmente por ação dos monopólios. nacionalização do solo significa forçar o camponês a Ao latifundiário é possível assim monopolizar modificar a natureza de sua exploração, o objetivo a produção na agricultura, conseqüentemente a deveria ser a reorganização da economia camponesa. agricultura camponesa consegue com a sua produção A transformação capitalista propiciou a apenas uma renda diferencial não capitalizada, ou mudança na sociedade camponesa, ou a seja, apenas aquela que resulta da diferença de descamponesação, como foi tratada por alguns fertilidade (natural) do solo e a localização das terras. teóricos do século XIX. “O principal motor da Segundo SOUZA, na discussão da análise de transformação capitalista da sociedade rural foi a Lênin sobre a desintegração do campesinato, a total indústria, que sobrepujou, subordinou e finalmente subordinação do camponês ao mercado capitalista, destruiu a agricultura camponesa” (SHANIN, 1980, p. produzindo para seu consumo e exercendo suas 54). atividades de trabalho, aponta como novos tipos de Ora, se não a desintegrou totalmente, as população rural, a burguesia rural, ou campesinato relações mercantis, a divisão do trabalho e a rico, o proletariado rural (que são os operários diferenciação de classes, com ênfase na relação assalariados que possuem um lote comunitário, ou os mercantil em detrimento da produção e capacidade de que não possuem terra), tipicamente representados exploração pelos camponeses mais ricos indicava uma pelo assalariado agrícola, o diarista, o peão etc. polarização dos camponeses em ricos e pobres, ou Dos agricultores de São Domingos, aqueles seja, em capitalistas rurais e proletários rurais. que possuíam propriedades com áreas de tamanhos Não é necessária a abolição da propriedade equivalentes comumente praticavam o sistema de privada para a organização da economia camponesa, trabalho de mutirão à época do plantio e colheita da mas que seja feita uma regulação estatal para roça. Para aqueles com famílias mais numerosas e que organizar a agricultura através de sistema fiscal e o tamanho de sua propriedade e o rendimento da suporte técnico. produção não são suficientes para atender às suas Em contraponto, SOUZA relata que: “No necessidades vendem sua força de trabalho em dias de capítulo III do Programa Agrário a preocupação de serviço nas propriedades maiores. Outra estratégia é a Lênin é explicar a renda absoluta para justificar a venda da produção excedente para aquisição de bens e necessidade da eliminação da propriedade privada da serviços necessários à demanda familiar. terra” (1991, p. 20). O preço da terra, e as condições em que o Para OLIVEIRA (1986) a renda absoluta é a camponês adquire esta é determinado pelo grau de que resulta do monopólio da terra por uma classe ou equilíbrio que esta unidade econômica possa

6 M. A. Moraes. No Cerrado de São Domingos-GO: a luta do camponês conseguir, dependendo da situação do mercado de família conforme a tradição camponesa proporcional terra, ou seja, a quantidade e a urgência de demanda às necessidades de consumo da família, atingindo o de terra entre os camponeses com pouca terra e do nível mais elevado de bem estar. número de terras ofertadas/disponíveis por uma razão qualquer. Entretanto, o nível de preço da terra não 4. O ambiente e o camponês sob o signo dialético. depende também da densidade de povoação daquela região, ou seja, quanto maior o número de produtores A produção para sobrevivência familiar é a camponeses ali estabelecidos maior será o preço da condição básica do pequeno agricultor, que diante das terra e menor serão as condições de acesso a esta adversidades impostas pela natureza ou pela terra. sociedade que o circunda não o esmorece para o Os camponeses pauperizados persistem trabalho. enquanto categoria, sem dissolverem-se em unidades Os agricultores da região de São Domingos, de produção agrícolas menores e mais carentes que desapropriados de suas terras, quando da criação estruturalmente, em relação àquelas existentes do Parque Estadual de Terra Ronca, ainda residem nas anteriores ao avanço do capitalismo na agricultura. mesmas, pois o poder público ainda não efetivou os Entretanto, torna-se marginalizado dentro da pagamentos das indenizações. Apenas as propriedades economia nacional, pois a sua agricultura perdeu a maiores de 200 hectares receberam os pagamentos importância no cenário econômico do capital. integralmente. Assim, aos pequenos agricultores foi O sistema capitalista na apropriação privada permitido apenas residir nas terras enquanto aguardam dos meios de produção provoca a concentração a indenização, ou seja, não podem realizar suas fundiária, favorecendo o latifúndio e assim atividades de subsistência. Diante desta situação subordinando o pequeno agricultor, ou até mesmo realizam trabalho braçal em outras propriedades expulsando-o de sua propriedade destituindo-lhe a maiores, são guias de turismo no Parque, e trabalham qualidade de proprietário, subordinando sua existência no extrativismo de espécies naturais como o fruto do à condição de trabalhador empregado. Baru (Dypteryx alata Vog.) e da Faveira Diversos estudos sobre o futuro do (Dimorphandra mollis Benth). campesinato apontam para a sua desintegração, visto Os frutos colhidos Baru e Faveira são que ele dentro do sistema capitalista não constitui uma repassados a uma Organização Não Governamental categoria, portanto não há espaço para este segmento que fazendo uso do discurso do desenvolvimento social na atual economia. Assim, torna-se necessário a sustentável, promete a “sustentabilidade4” destes reprodução de sua posição, a fim de buscar uma camponeses através da comercialização dos referidos integração com a estrutura econômica da sociedade 4 De acordo com FERREIRA (1988, p. 619) dentre diversos capitalista. Certamente este agricultor não poderá significados de sustentar consta: Conservar; manter; alimentar física ou moralmente; impedir a ruína ou queda de; amparar; deixar de ser autônomo, dirigindo os trabalhos da resistis a; animar; servir de escora a; pelejar e favor de.

7 M. A. Moraes. No Cerrado de São Domingos-GO: a luta do camponês frutos. No entanto, os resultados da pesquisa agricultores, denominados pela ONG de demonstraram que esta ONG se configura em outro agroextrativistas, e os dados fornecidos também pela braço do capital na expropriação destes camponeses. ONG, verificou-se uma alternância de insucessos Os temas “prioritários” do Centro de passível de ser compreendida pela insatisfação Desenvolvimento Agroecológico do Cerrado – demonstrada. CEDAC são: formação, experimentação e assessoria –Ainda não recebemo toda a safra de baru que colhemo em 2001, a processadora em é em agroecologia; uso sustentável da muito devagar, porque os fruto é muito duro e as mulheres que trabalham na quebra estão sociobiodiversidade do Cerrado; comercialização reclamando muito da dificuldade de quebrá os fruto. Aí produz pouco por dia, quase que só pra solidária; com abrangência de atuação em municípios atender o que precisa pra Prefeitura de Goiânia de Goiás5, Minas Gerais6 e Bahia7. Sua missão, (JR, 29 anos). –Eu entrei na associação no início, mas depois vi conforme Resumo do CEDAC é: que não compensava e percebi que este CEDAC tem muita conversa, saí e hoje trabalho de ajudante Colaborar na construção de estratégias que aqui nesta pousada, faço de tudo, melhor o assegurem e promovam a inserção dos agricultores emprego. Hoje em dia pra manter a família ta familiares e agroextrativistas do cerrado, num difícil e a gente não pode viver de baru não (GCS, projeto de desenvolvimento rural sustentável, 36 anos). fortalecendo os valores sócio-político-econômicos –Então só baru e a faveira não dá pra gente e culturais locais. (...) como objetivo geral sobreviver né, porque eles produzem só uma vez assessorar e apoiar as estratégias de por ano, e a quebra do fruto é demorada, aí o desenvolvimento local sustentado, baseado nos dinheiro vai entrando pra gente pingado demais e princípios da agroecologia, tendo como muito pouco, o que nós colhemos em 2002 ainda protagonistas os agricultores familiares e nem foi mexido para quebrar, de 2001 ainda tem agroextrativistas (2003, p. 5). fruto para quebrar (GLS, 45 anos, presidente E assim passaram a desenvolver pequenos AESC8). projetos voltados à “sustentabilidade” do Cerrado e Vislumbra-se o grau de dependência e anseios de pequenos agricultores, recrutando, para coleta do de uma comunidade de camponeses que, na condição fruto do Baru, agricultores familiares em diversos de isolados do modo de produção capitalista, agora municípios de Goiás: , Aruanã, estão descobrindo uma nova face do trabalho, diante Caldazinha, , São Domingos e Silvânia. da maior subordinação da terra onde sempre viveram Segundo a coordenadora técnica da ONG CEDAC –Orientamos os agricultores de cada município a ao capital. A novidade e o horizonte lá fora são muito criarem uma associação para organizar os diferentes de sua vivência passada. Tornaram-se trabalhos e através dela receber nossa assessoria (AKS – ONG CEDAC, pesquisa de campo). subordinados e manipuláveis pelos políticos e O resultado da pesquisa confirmou a políticas até agora voltadas para a proteção do bioma contradição existente no termo “prioritário” dessa Cerrado proibindo-os de trabalharem em suas terras ONG, pois de acordo com depoimentos dos definitivamente. Suas atividades estão impondo modificações 5 Araguapaz, Aruanã, Caldazinha, Cidade de Goiás, Damianópolis, Divinópolis, Formosa, Guarani de Goiás, Jandaia, produtivas num determinado espaço, resultando em Mambaí, Orizona, , Piranhas, Posse, São Domingos, São Miguel do Araguaia, e Silvânia. repercussões noutros espaços. Sendo que do ponto de 6 , Ibiaí, Lassance e União de Minas. 7 Município de Cocos. 8 Associação dos Extrativistas Sustentáveis do Cerrado.

8 M. A. Moraes. No Cerrado de São Domingos-GO: a luta do camponês vista econômico há espaços dominantes e espaços Estima-se que existem cerca de seis mil espécies de subordinados. Assim, situamos os agricultores em árvores, cálculos apontam que mais de 40% das nova divisão social do trabalho espacializada, onde espécies de plantas lenhosas são endêmicas e as incorporam nova relação no relacionamento gramíneas constituem mais de cinco centenas, a homem/natureza e homem/espaço. Pois, no maioria também endêmica. relacionamento homem/natureza ao longo do tempo, o Ora, mesmo o Cerrado apresentando grande homem altera os instrumentos utilizados por ele para obter biodiversidade tanto em espécies animais, como a sobrevivência. E estas modificações na relação espécies vegetais, as políticas governamentais apenas homem/natureza acabam por redefinir continuamente a protegem o bioma e excluem os homens. Não há uma relação homem/espaço. política governamental voltada para a utilização Assim, o agricultor familiar deste estudo está racional do seu potencial e que também proporcione atualmente inserido nas ações governamentais de benefício ao pequeno produtor (o camponês). políticas globais, voltadas para o eco-turismo, o que lhe traz profundas transformações sociais, econômicas 5. Na guisa de concluir: permanência ou e na sua relação com o espaço. Entendendo que a decadência? situação proporciona consecução ao processo de acumulação e reprodução ampliada do capital. Visto o O benefício da permanência do camponês no interesse crescente por parte do capital e da ciência, espaço rural deve ser pensado ressaltando a na manutenção da diversidade biológica. importância da agricultura familiar no cenário O Cerrado é um bioma pertencente ao grupo mundial. Na relação homem/natureza, os homems que de savanas tropicais, com área contínua localizada na instituíram a idéia de dominação da natureza são região do Planalto Central, constitui-se a segunda aqueles que têm como princípio o sistema capitalista maior formação vegetal brasileira, e atualmente detém que dita a forma de dominação e submissão do uma posição privilegiada, quanto aos recursos homem pelo homem. Pois, embora a natureza hídricos. Nele encontram-se as nascentes das três apresente uma dinâmica regida por processos maiores bacias hidrográficas da América do Sul, quais próprios, ela é produzida socialmente, sob os sejam a do Rio amazonas, do Rio São Francisco e do interesses do sistema vigente. Rio da Prata. As áreas consideradas patrimônio As relações produzidas pelos homens Natural da Humanidade pela UNESCO – Organização considerando o sistema de produção nas formas de das Nações Unidas para a Educação, Ciência e apropriação da natureza/meios de produção (sic), as Cultura, são três: Parque Nacional das emas, Parque relações de trabalho, distribuição e troca de produtos, nacional da Chapada dos Veadeiros e o Pantanal implicam diretamente no comportamento das forças Mato-Grossense. O cerrado é um bioma produtivas. É evidente que a estrutura das relações de extremamente rico em sua diversidade biológica. produção está amparada pela megamáquina

9 M. A. Moraes. No Cerrado de São Domingos-GO: a luta do camponês antropossocial, conhecida como superestrutura CAUME, David José. A Agricultura Familiar no ideológica, com a qual se dá a terceira contradição Estado de Goiás. Goiânia: Editora UFG, 1997. desse macrossistema. CHAYANOV, Alexandre V. Sobre a Teoria dos O Estado - esta superestrutura ideológica - Sistemas Econômicos não capitalistas. In: apresenta papel fundamental no processo de A questão Agrária. (org) José Graziano da Silva e ampliação e concentração do capital, utilizando as Verena Stalcke, São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 133- relações jurídico-políticas e ideológico-culturais, para 163. responder pela ordem legal e política, na formação da SOUZA, Alexandrina Luz Conceição. A Genealogia consciência social que induz o trabalhador a do Debate: Lênin e Chayanov. In: A questão submeter-se ao jogo de interesses dos detentores dos Camponesa: O olhar sob o signo dialético. meios de produção, em troca da manutenção de seus Dissertação (Mestrado em Geografia) NPGEO/UFS: empregos. São Cristóvão/SE: 1991. No Brasil a agricultura familiar conta com HARVEY, David. La Teoria de la Renta. México: mudanças significativas – sofrendo exclusão pelo fondo de Cultura Econômica, 1990. p. 333-375. latifúndio, cuja produção é voltada para atender aos KAUSTY, Karl. O Caráter Capitalista da programas de exportações de grãos, com ampla Agricultura Moderna. In: A questão Agrária. participação no mercado internacional. No entanto a Tradução de Otto Erich Walter Mãos. Brasília: Linha sociedade e o Estado não devem ignorar a importância Gráfica Editora, 1998, p. 91-135. da pequena produção, seja em termos sociais quanto LENIN, Ilicht. A desintegração do Campesinato. In: econômicos, pois a sua produção de alimentos tem O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia. papel fundamental no abastecimento do mercado (Cap.II), São Paulo: Abril Cultural, 1982, p.35-121. – interno. (Coleção Os Economistas). OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo 6. Referências Bibliográficas: Capitalista de Produção e Agricultura. São Paulo: ALENTEJANO, Paulo Roberto. In: TADESCO, João Série Princípios. Editora Ática, 1986. Carlos (org.) Agricultura Familiar: realidades e SHANIN, Teodor. A definição de Camponês: perspectivas. Passo Fundo: Editora da UPF, 1999, p. Conceituações e Desconceituações. In: Cadernos 148-173. Cebrap. São Paulo: 1980, p. 43-79. CARLEIAL, Liana M. da F. A questão regional no VEIGA, José Eli da. Expansão da Agricultura Brasil contemporâneo. In: LAVINAS, Lena (et all). Familiar. In: A face rural do desenvolvimento: Reestruturação do espaço urbano regional no natureza, território e agricultura. Porto Alegre: Ed. Brasil. São Paulo: Hucitec, 1993, p.35-58. Universidade/UFRGS, 2000. p.117-120. CASSETI, Valter. Contra a Correnteza. Goiânia- GO: Kelps, 1999.

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