ENTREVISTA REVISTA INTERFACIS

REVISTA INTERFACIS: Você tem uma produção semelhante a de outros artistas brasileiros, que se situam entre a literatura e as letras de música. Esses dois âmbitos da sua criação textual exigem uma forma específica de organização e desenvolvimento do trabalho?

Brisa Marques: Eu encaro a poesia como um exercício de liberdade. Sinto que posso transgredir a realidade através dela. O poema pode ter forma ou não. Pra mim, o poema está fora da linguagem cotidiana. Ser poeta é existir de uma maneira incomum. Em qualquer palavra habita o som e também o silêncio. Em qualquer palavra habita a música. Ao ouvir um dia um poema meu se transformar em música, mesmo “fora de forma”, entendi que ali havia um caminho. E só tive mais intimidade com as formas literárias através da música. Assim aprendi a compor. Há mais de dez anos, comecei a encaixar as palavras nas linhas melódicas, a pensar no sentido do som, nos arranjos, nas intenções. No início desse processo, ainda me perdia entre uma coisa e outra. Hoje, mesmo encontrando musicalidade nos poemas, consigo saber quando faço uma letra para uma canção e quando escrevo um poema. Ao meu ver, esse é um processo eterno. Chego algumas vezes a deixar a música chegar, sem escrever. Ela vem pronta. Noutras, busco uma música sem forma. Creio não ter um método específico nem para compor músicas, nem para escrever poemas.

REVISTA INTERFACIS: Você ocupa, atualmente, o cargo de Diretora Artística da Rádio Inconfidência e apresenta um programa na emissora, o Lusofonia, que explora pontos de contato musicais e culturais entre o Brasil e outros países de Língua Portuguesa. Considerando a literatura, e levando em conta que seu livro Entre as veias de fato foi lançado em Portugal, que relações você destaca entre a poesia contemporânea produzida nos países de Língua Portuguesa? 102

INTERFACIS, Belo Horizonte, v. 4, n. 1, 2018.

Brisa Marques: Eu amo a língua portuguesa. E isso não significa exclusivamente a língua de Camões, mas tudo o que a precede e dela brota. Sou encantada com as variantes linguísticas infinitas que achamos nas culturas dos países onde a língua portuguesa é falada. O Brasil é o exemplo concreto disso: falamos muitas línguas em uma só. Convivemos com expressões indígenas, africanas, europeias. Usamos gírias, americanizamos as palavras. A antropofagia nasceu aqui. Temos Oswald de Andrade, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Alice Ruiz, Ana Cristina César, Carolina de Jesus, , Ana Martins Marques, Julia Hansen, Roberta Estrela Dalva. Quando estive em Portugal, me senti na terra onde os escritores são valorizados. Ser poeta é importante. Portugal respira poesia. Foi onde lancei meu primeiro livro e pretendo voltar sempre. , Maria Gabriela Llansol, Herberto Helder, José Luis Peixoto, Valter Hugo Mãe, Agostinho da Silva, António Ramos Rosa, Florbela Espanca. África não conheço ainda pessoalmente, mas, no berço do mundo, tudo me encanta. Grandes nomes da literatura contemporânea estão ali. Em Moçambique, . Em Angola, José Eduardo Agualusa e Ondjaki. Vera Duarte em Cabo Verde. Ainda há muito o que se descobrir sobre nós.

REVISTA INTERFACIS: Você pode citar e comentar algumas influências estéticas que, em alguma medida, dialogam com a sua poesia?

Brisa Marques: Talvez o Leminski... Tentei ser curta e grossa nesse livro...

REVISTA INTERFACIS: Você tem formação em Jornalismo e, como já mencionado, atua em uma emissora de rádio. Comente sobre a relação do escritor com outras formas de difusão da literatura (para além do próprio livro impresso), sobretudo levando em conta as mídias digitais e a possível contribuição desses meios na formação e ampliação de público leitor.

Brisa Marques: Tem um capítulo do “corpo-concreto” em que assino com o pseudônimo “brisabot”. Fiz isso porque durante uma época recente da minha vida, descobri um aplicativo no Facebook chamado “what would i say” que mistura postagens feitas pelo usuário da rede social e gera mensagens com novos sentidos. O “bot” é uma espécie de robô que reorganiza as frases ditas por você de modo aleatório. Achei aquilo cômico. Hoje em dia as ideias chegam prontas. Não se precisa pensar muito. Com um clique, se baixa um livro. Não precisamos 103

INTERFACIS, Belo Horizonte, v. 4, n. 1, 2018. mais virar a página para ler o próximo capítulo. Basta rolar a barra do mouse ou tocar a tela do computador ou Ipad, sei lá. Tem um poema meu que diz: “liguei o computador só para assistir ao pôr-do-sol em live-strem”. Estamos isolados e ao mesmo tempo repletos de “amigos”. Pegar um livro e interagir com ele fisicamente é uma ato revolucionário. Quase não se tem mais tempo pra isso hoje em dia. Isso me faz querer tê-lo em mãos. Isso me faz querer que as pessoas queiram sentir o “peso” do “corpo-concreto”, não virtual. É claro que não podemos olhar a moeda apenas de um lado. O acesso à informação foi democratizado sim e isso também é revolucionário. O público lê e também publica. As pessoas dão as suas opiniões. Se posicionam sobre tudo. As informações são fáceis, mas há que se resguardar a fonte. Enfim... Essa pergunta é um bom ponto de partida para uma pesquisa prolongada. Eu andei escrevendo “poemicros para se ler na privada” nesse livro. Quero concorrer com a Internet.

Brisa Marques é poeta, atriz, jornalista, compositora e produtora cultural. Em sua jornada pela Europa, foi segunda colocada do primeiro Poetry Slam, em Portugal, realizado em junho de 2009, ocasião em que foi convidada a participar da edição alemã do evento, em outubro. No mesmo mês, participou do que chamamos hoje de Spoken World, durante o Farrago Slam Poetry, em Londres. É co-autora dos livros "Me conte a sua história 1" e "Me conte a sua história 3", publicados pela editora brasileira Saraiva e autora do livro "Entre as veias de fato", publicado pela editora portuguesa Corpos. E-mail: [email protected]

Entrevistada por Márcio Ronei Cravo Soares, membro da equipe editorial da revista eletrônica Interfacis*, da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Belo Horizonte.