ISS \ IS I(-4!T BraSiliananúmero 13 / janeiro de 2003 / RS 7,00 REVESTX QUADRIMI-TSTRAL DA ACADEMIA BRASILEIRA DE XIÚSIC
„Ãoldr''
A Estética Intertextual na Belkiss Carneiro de Mendonça Música Contemporânea na Academia Brasileira de Música
Uma sonata, alguns enigmas José Maria Neves e Padre Penalva
Lembrando Luiz Heitor Lançamentos de CDs e Livros Ácademia (Brasileira de Música Desde 1945 a serviço da música no Brasil.
Diretoria: Edino Krieger (presidente), Roberto Duarte (1 " secretario), Jocy de Oliveira (2" secretario), Ricardo l'acuchian ( I° tesoureiro). Ernani Aguiar (2 ° tesoureira) Comissão de contas: Titulares: Amaral Vieira, Aylton Escobar e Vasco Alariz. Suplentes: Ernst Mahle e Norton Morozowicz.
Cadeira Patrono Fundador Sucessores 1. José de Anchieta illa-Lobos Ademar Nóbrega - Marlos Nobre J. Luiz Álvares Pinto Fructuoso Vianna Waldemar Henrique - Vicente Salles 3. Domingos Caldas Barbosa Jayme Ovalle e Radamés Gnattali Bidu Sayão - Cecilia Conde 4. J. J. E. Lobo de Mesquita Oneyda Alvarenga Ernani Aguiar 5. José Maurício Nunes Garcia Fr. Pedro Sinzig Pe. João Batista Lehmann - Cleofe Person de Mattos 6. Sigismund Neukommm Garcia de Miranda Neto Ernst Mahle 7. Francisco Manuel da Silva Martin Braunwieser Mercedes Reis Pequeno 8. Dom Pedro I Luis Cosme José Siqueira - Arnaldo Senise 9. Thomáz Cantuária Paulino Chaves Brasílio Itiberê - Osvaldo Lacerda 10. Cândido Ignácio da Silva Octavio Nlaul Armando Albuquerque - Régis Duprat Domingos R. Mossorunga Savino de Benedictis Mário Ficarelli 12. José Maria Xavier Otavio Bevilacqua José Maria Neves 13. José Amat Paulo Silva e Andrade Muricy Ronaldo Miranda 14. Elias Álvares Lobo Dinorá de Carvalho Eudóxia de Barros 15. Antônio Carlos Gomes Lorenzo Fernandez Renio Massarani - J. A. de Almeida Prado 16. Henrique Alves de Mesquita Ari José Ferreira Henrique Morelenbaum 17. Alfredo E. Taunay Francisco Casabona Yara Bernette - Belkiss Carneiro de Mendonça 18. Arthur Napoleão Walter Burle Marx Sonia Maria Vieira Rabinovitz 19. Brasílio Itiberê da Cunha Nicolau B. dos Santos Helza Cameu - Roberto Duarte 20. João Gomes de Araújo João da Cunha Caldeira Filho Sérgio de Vasconcellos Corrêa 21. Manoel Joaquim de Macedo Claudio Santoro Luiz Paulo Horta 22. Antônio Callado Luiz Heitor Corrêa de Azevedo Jorge Antunes 23. Leopoldo I\ liguez Mozart Camargo Guarnieri Laís de Souza Brasil 24. José de Cândido da Gama Malcher Florêncio de Almeida Lima Norton Morozowicz 25. Henrique Oswald Aires de Andrade Junior Aylton Escobar 26. Euclides Fonseca Valdemar de Oliveira Anna Stella Schic Philippot 27. Vicenzo Cernicchiaro Silvio Deolindo Frois Francisco Chiafitelli - Pe. Jaime Diniz - José Penalva 28. Ernesto Nazareth Furio Franceschini Aloisio Alencar Pinto 29. Alexandre Levy Samuel A. dos Santos Enio de Freitas e Castro - Ricardo Tacuchian 30. Alberto Nepomuceno João Batista Julião Mozart de Araújo - Mário Tavares 31. Guilherme de Mello Rafael Baptista Ernst Widmer - Manoel Veiga 32. Francisco Braga Eleazar de Carvalho Jocy de Oliveira 33. Francisco Valle Assis Republicano Francisco Mignone - Lindembergue Cardoso - Raul do Valle 34. José de Araújo Vianna Newton Pádua César Guerra-Peixe - Edino Krieger 35. Meneleu Campos Eurico Nogueira França Jamary de Oliveira 36. J. A. Barrozo Netto José Vieira Brandão Lutero Rodrigues 37. Glauco Velasquez João Itiberê da Cunha Alceo Bocchino 38. Homero Sá Barreto João de Souza Lima Turíbio Santos 39. Luciano Gallet Rodolfo Josetti Rossini Tavares de Lima - Maria Solvia T. Pinto -Amaral Vieira 40. Mário de Andrade Renato Almeida Vasco Mariz
Membros honorários: Gilberto Mendes e I lans-Joachin Koellreutter. Membros correspondentes: Aurélio de la Veja (Cuba/USA): David Appleby USA 1, Gaspare Nello \feiro (Itália), Gerhard Doderer (Alemanha/Portugal). Gerard Béhague (França/EUA): Robert Stevenson (EUA) e Stanley Sadie (Inglaterra).
Academia Brasileira de Música Praia do Flamengo, 172/ 110 andar - Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP 22210-030 - Telefax: (21) 2 205-3 8 79 / 2205-1036 - irunv.abninsica.org.br - [email protected]
REVISTA BRASILIANA - ISSN 1516-2427 Conselho Editorial: EDINO KRIEGER, LUIZ PAULO HORTA, MERCEDES REIS PEQUENO, RÉGIS DUPRAT, RICARDO TACUCHIAN E VASCO MARIZ (COOR- DENADOR). Assessora Técnica: VALÉRIA PEIXOTO. Projeto Editorial e Edição: HELOISA FISCHER. Editoração: HYBRIS DESIGN. Capa: SONATA, ACRÍLICO SOBRE TELA (91x61, 1990), DE REALI SERVADEI. Produção: ANDREA FRAGA D'EGMONT. Versões em inglês: LAURA RÓNAI. Revisão: CRISTIANE DANTAS. Fotolitos: MERGULHAR. Distribuição: PAULO GARCIA. 'Tiragem desta edição: 1.000 EXEMPLARES. Os textos para publicação devem ser submetidos ao conselho editorial, sob a forma de disquete ou enviados por correio eletrônico (editor de texto Word 6.0 ou versão mais nova, máximo 12 laudas de 25 linhas com 70 toques, incluí- dos exemplos, ilustrações e bibliografia). As opiniões e os conceitos emitidos em artigos assinados são de exclusiva responsabilidade de seus autores. eke ee e e e e e e c>5.eri~c>5.:,:x=,5c,c>54::,c,SooSoc>5.:pc,Soc,Soc,Soc,S,r,c:Soc75,:pc5,-Dc
47---"ristezas e alegrias são certamente condimentos naturais da vida. É com profunda tristeza que registramos, neste número, a perda recente de dois ilustres Acadêmicos: o padre José Penalva, em 20 de outubro último, e em cuja homenagem a ABM realizou uma Sessão Solene no dia 19 de novembro, e o nosso querido presidente, José Maria Neves, cuja luta tenaz contra uma longa e cruel enfermidade se encerrou no dia 27 de novembro, e que foi homenageado em Sessão Solene no dia 17 de dezembro. São duas lacunas irreparáveis não só para a Academia como para a própria música brasileira, que perde duas figuras luminares nos campos da criação, do ensino e da musicologia. Em cumprimento ao que determina o Regimento da ABM, o vice-presidente assume a presidência da entidade na falta de seu presidente, para completar o mandato da atual diretoria, procedendo-se à eleição de um acadêmico para a vaga da vice- presidência. Em meio à tristeza, uma nota de alegria, da qual ainda teve oportunidade de participar o presidente José Maria Neves: a aquisição, em novembro, da sede própria da ABM, um conjunto de 10 salas no 12° andar do N°120 da rua da Lapa, em pleno Centro Histórico da cidade, tendo como ilustres vizinhos a Academia de Música Lorenzo Fernandez, a Sala Cecília Meireles e a Escola de Música da UFRJ. Um espaço privilegiado adquirido com recursos próprios gerados pelos direitos autorais de nosso grande patrono Villa-Lobos, que certamente compartilharia conosco dessa alegria. Nesse novo e amplo espaço, a ABM poderá cumprir com mais eficiência, a partir de 2003, a missão que lhe cabe como instituição máxima da música brasileira. Cabe finalmente agradecer as valiosas colaborações dos nossos articulistas e a bela capa gentilmente oferecida pela artista plástica Silvia Reali Servadei.
Edino Xrieg er (Presidente da ✓tcademia 'Brasileira de .Música
SUMÁRIO
A ESTÉTICA INTERTEXTUAL NA MÚSICA OBITUÁRIO CONTEMPORÂNEA: CONSIDERAÇÕES ESTILÍSTICAS José Maria Neves pág. 31 (Por Ilza Nogueira pág. ( 2 Padre José (Penalva. 09. 33 UMA SONATA, ALGUNS ENIGMAS BRASILIANAS Pág. 30 'Por 'Flávio Silva Pág. 14 RESENHAS LEMBRANDO LUIZ HEITOR pág, 32 (Por Luiz 'Nulo .7-(orta pág. 22 LANÇAMENTOS Pd9. 34
BELKISS CARNEIRO DE MENDONÇA NA ACADEMIA RESUMOS EM INGLÊS (ABSTRACTS) pág. 35 BRASILEIRA DE MÚSICA (Por 'Ricardo cracuchian 09- 24 COLABORAM NESTA EDIÇÃO pág. 36
PERFIL DOS ACADÊMICOS Cadeiras 25, 26, 27 e 23 Pá.9. 27 Tstética Intertextud na ,Illísfra Contemporânea: Considerafdes Tstillstfrasl
ILZA NOGUEIRA
Neste artigo, a autora observa a intertextualidade na composição musical, propondo uma compreensão da diversidade de estilos intertextuais, a qual toma como referencial a teoria elaborada por Affonso Romano de Sant'Anna em seu ensaio "Paródia, Paráfrase & Cia." (São Paulo: Ática, 1985). A exemplificação analítica se concentra em obras de compositores brasileiros contemporâneos, para os quais a intertextualidade exerce um papel essencial na definição de seus estilos: José Alberto Kaplan (1935), Lindembergue Cardoso (1939-1989), Ilza Nogueira (1948) e Wellington Gomes (1960). O objetivo é mostrar e avaliar motivações e propósitos diversos no uso da apropriação intelectual, tais como expressão ideológica e recurso estilístico.
esde o início do século XX, o uso da empreendido por Lúcia S. Barrenechea e Cristina (Dintertextualidade com função ideológica C. Gerling sobre a influência de Chopin em Villa- ou como recurso estilístico começou a Lobos'. ter um peso considerável na estética Desconheço, entretanto, estudos que busquem contemporânea. Em decorrência, surgiram novas uma compreensão da estética intertextual per se; isto teorias literárias', as quais, por sua vez, têm influído é, a compreensão do tema da intertextualidade em no pensamento musicológico moderno. amplas categorias estilísticas, aplicáveis a A compreensão da complexidade na composição compositores de todo e qualquer período ou intertextual tem sido preocupação e ocupação da cultura. Creio que o meu lado de compositora, que musicologia sistemática recente, conduzindo à encontrou na estética das apropriações intencionais revisão de conceitos tradicionais como "plágio" e um recurso adequado a suas intenções criativas "inspiração", à concepção de teorias sobre a tanto semânticas quanto sintáticas, instigou o lado influência musical', e ao desenvolvimento de musicológico a refletir sobre o assunto. metodologias analíticas dialógicas, que integram a A reflexão iniciou pelos critérios de classificação. teoria, a história e a crítica musical. Tais teorias Critérios para a classificação de estilos intertextuais, observam a obra de arte antes como um evento pensei, devem ser procedentes da do tipo de relativo do que como uma entidade auto-suficiente e trabalho intertextual: de re-contextualização ou de hermética'. transformação dos textos apropriados. A questão se Os trabalhos existentes geralmente objetivam desdobra em dois caminhos, quando se considera revelar a influência de compositores-em outros, a que re-contextualizar ou transformar suscitam as presença de obras em outras. Um exemplo recente perguntas "como" e "quanto". na literatura musical brasileira é o estudo A primeira questão é essencialmente qualitativa,
janeiro 2003 2 e sugere a observação do que se toma ou renova do desenvolvido por Affonso Romano de Sant'Anna em ponto de vista dos diferentes parâmetros da seu ensaio "Paródia, Paráfrase & Cia." (São Paulo: composição musical. Uma classificação decorrente Ática, 1985) pareceu-me plenamente satisfatório8. desse tipo de análise conduz, obviamente, à Por isso o adotei como marco teórico. definição da intertextualidade rítmica, melódica, harmônica, textural, melódico-harmônica, etc. A I - MARCO TEÓRICO questão do "quanto" o intertexto adere ou se Segundo Sant'Anna, diversos graus de integração distancia do texto original é independente do meio ou desvio de sentido ou estilo entre um texto e de expressão em que a intertextualidade ocorre; não intertextos atuantes, resultantes do propósito da é exclusiva da música. Uma classificação procedente semelhança ou da diferença, distinguem quatro desse ponto de vista pareceu-me significativa, pois tipos de intertextualidade, que se situam entre o que se aplica aos vários campos da criação artística: hibridismo e a fusão estilística, isto é, entre a sonora, visual, literária, plástica, etc. É, pois, uma ambigüidade resultante do uso de fórmulas e classificação "intertextual" por natureza, no sentido estruturas identificáveis em contextos estranhos e mais amplo do termo. incoerentes, e máxima aproximação entre o objeto Desejando compreender a questão de estilos apropriado e o contexto receptor, de forma que não musicais intertextuais sob parâmetros relativos a haja estranhamento. Os tipos intertextuais toda e qualquer linguagem intertextual, isto é, a reconhecidos por Sant'Anna são: a apropriação, a considerar a questão numa amplitude paródia, a estilização e a paráfrase. A descrição multidisciplinar, decidi investigar a existência de seguinte provém integralmente da obra citada. algum modelo classificatório na literatura, onde os A apropriação é uma técnica de articulação de estudos intertextuais estão avançados. O modelo textos alheios num contexto diverso, como numa colagem ou montagem. Desvinculados de seus