BALDUINIA. n.13, p. 1-14, IS-IV-2üüS

ANATOMIA VEGETATIVA DE ANTIACANTHA BERTOL. (, )1

GRETAALINEDETTKE2MARIAAUXll.IADORAMILANEZE-GUTIERRE3

RESUMO Este estudo objetivou a análise anatômica dos órgãos vegetativos de Bromelia antiacantha Bertol. As folhas desta espécie são hipoestomáticas e cobertas por escamas, as quais exibem dimorfismo, mais abun- dantes na face abaxial e na região basal. As demais células epidérmicas são lignificadas, contendo corpúscu- los silicosos. O mesofilo mostra-se composto por hipoderme espessa junto às faces adaxial e abaxial, parênquima aqüífero desenvolvido, parênquima clorofiliano e colunas de aerênquima (células braciformes) entre os feixes vasculares, sempre colaterais. O caule apresenta parênquima homogêneo, com cavidades mucilaginosas e idioblastos cristalíferos. O rizoma está composto por córtex espesso, com grãos de amido, e uma porção mais interna, onde se concentram os feixes vasculares. O sistema radical desta espécie é amplo e fasciculado. O velame diferencia-se em epivelame, formando pêlos nas raízes jovens, enquanto que no córtex há expressivos canais de ar e na endoderme observam-se espessamentos em "U". No cilindro central há pólos de xilema e floema intercalados, estando a porção central altamente lignificada. Palavras-chave: Bromelia antiacantha, Bromeliaceae, anatomia vegetal, órgãos vegetativos.

ABSTRACT [Vegetative anatomy of Bromelia antiacantha Berto!. (Bromeliaceae, Bromelioideae)]. This study aimed to analyze the anatomy of the vegetative organs of Bromelia antiacantha Bertol. The leaves are hypostomatic and covered by scales, which exhibit dimorphism, being more abundant in the abaxialleaf side and in the basal area. The other epidermal cells are lignified, containing silica bodies. The mesophyll is composed by a thick hypoderm in the adaxial and abaxial sides, with well developed aqüiferous parenchyma, chlorophyllous tissue and aerenchyma columns (braciform cells) among the collateral vascular bunches. The stem shows homogeneous parenchyma, with mucilaginous cavities and crystalliferous idioblasts. The rhizome is composed by a thick cortex with starch grains and a more internaI portion, where occurs the vascular bundles. The radical system is wide and fasciculate. The velame differs in epivelame, forming hairs in the young roots, while in the cortex there are expressive air canaIs and "U" form thickenings in the endoderm. In the central cylinder there are xylem poles and inserted phloem, being highly lignified in the central portion. Key words: Bromelia antiacantha, Bromeliaceae, anatomy, vegetative organs.

I Recebido em 30/03/2008 e aceito para publicação em 10/05/2008. 2 Bióloga, bolsista CAPES, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Botânica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. CEP 91501-970, Porto Alegre (RS). [email protected] 3 Bióloga, Dra., Professora Adjunta do Departamento de Biologia, Universidade Estadual de Maringá, CEP 87020-900, Maringá (PR). [email protected] INTRODUÇÃO e com alta taxa de germinação, mesmo após A farm1iaBromeliaceae é predominantemen- longo período de estocagem (Dettke & Milaneze- te neotropical, incluindo cerca de 60 gêneros e Gutierre,2004). 3000 espécies, distribuídas em três subfarm1ias Bramelia antiacantha é utilizada como cerca bem definidas: Pitcairnoideae, Tillandsioideae e viva, na confecção de cordas e tapetes, e seus Bromelioideae (Smith & Downs, 1979). No Bra- frutos e folhas são usados na medicina caseira. sil, ocorrem cerca de 40 gêneros e 1200 espéci- Segundo Andrighetti-Frbhner et alo (2005), os es amplamente distribuídas (Souza & Lorenzi, frutos são utilizados como emoliente e 2005), principalmente na Mata Atlântica (Reitz, expectorante em infecções respiratórias, bem 1983). como para asma e bronquite. O gênero Bramelia conta com aproximada- De acordo com Reitz (1983), a espécie de- mente 47 espécies (Smith & Downs, 1979), des- senvolve-se, principalmente, nos solos muito de o norte do México até o Uruguai e norte da úmidos de florestas, na restinga e vegetação Argentina (Reitz, 1983). secundária, formando sempre densos agrupa- Bramelia antiacantha' Bertol., conhecida mentos de forma descontínua, pelos diversos popularmente como caraguatá ou gravatá, ocor- ambientes que ocupa. Segundo Cogliatti-Carva- re naturalmente do Espírito Santo ao Rio Gran- lho et alo (2001), a espécie é encontrada nas de do Sul (Reitz, 1983). Trata-se de uma espé- áreas de vegetação fechada pós-praia e em mata cie terrestre de grande porte, podendo atingir 2- periodicamente inundada, o que sugere certa 3 m de altura (Figura 1).Possui caule curto, gros- tolerância à alta salinidade. so, emitindo rizomas também grossos e No Paraná, a espécie é freqüente às mar- recobertos por folhas de até um metro de com- gens da planície de inundação do Alto rio Paraná, primento, responsáveis pela ampla propagação permanecendo submersa em períodos curtos de vegetativa da espécie. Do caule e rizoma sur- cheia (alguns dias até dois meses), fato que in- gem raízes adventícias, pouco profundas e bas- dica tolerância a este tipo de estresse. Também tante ramificadas. As folhas, muito numerosas, está associada a ambientes bastante úmidos no encontram-se dispostas em roseta bastante den- Rio Grande do Sul (Meira, 1997). sa, sem formar cisterna. A lâmina foliar é rija- Os estudos morfológicos, anatômicos e fisi- mente ereta, canaliculada, coberta de escamas ológicos das Bromeliáceas têm revelado adap- esbranquiçadas e com margens espinhosas tações que tomam possível sua sobrevivência (Reitz, 1983). em ambientes estressados. No presente estudo, Do centro das folhas de B. antiacantha objetivou-se analisar a anatomia dos órgãos emerge a inflorescência, composta por 150-350 vegetativos de B. antiacantha, fornecendo sub- flores ornitófilas e meliófilas. Durante o período sídios para futuros estudos ecofisiológicos com de floração (dezembro-fevereiro), as folhas cen- a espécie. trais e brácteas assumem uma coloração ver- melha intensa (Canela & Sazima, 2005). Os fru- MATERIAIS E MÉTODOS tos são bagas ovaladas de cor amarela, odor O material estudado, proveniente de semen- agradável, polpa comestível e com muitas se- tes coletadas na vegetação ripária do Alto rio mentes; estas se revelam fotoblásticas neutras Paraná (Porto Rico, PR), resulta de cultivo no Horto Didático de Plantas Medicinais "Prof Irenice Silva", da Universidade Estadual de I Do grego anti (contra) e ácantha (espinho), como refe- Maringá (VEM), e encontra-se depositado no rência à disposição dos espinhos, que, na parte basa! da lâmina foliar, estão dirigidos para baixo, ao contrário da herbário da mesma universidade, sob o regis- parte superior. tro HUEM12l58.

2 FIGURA 1 - Espécime em floração de Bromelia antiacantha Bertol.

Para a análise histológica foram preparadas 10%, para substâncias fenólicas (Johansen, seções anatômicas em diversos planos, à mão 1940). livre, com auxílio de lâmina de barbear, a partir Os desenhos foram elaborados com o auxí- de fragmentos de material vegetativo maduro, lio de câmara clara e as ilustrações obtidas com utilizando-se tecidos frescos. Em seguida, fo- fotomicroscópio Olympus (modelo BX51) e pro- ram descoradas em hipoclorito de sódio 33%, grama Image Pro Express, projetando-se, nas por cinco minutos, coradas com azul-de-astra e mesmas condições ópticas, as escalas corres- safranina (Kraus & Arduin, 1997), e montadas pondentes. em gelatina glicerinada, como lâminas semi-per- manentes. RESULTADOS E DISCUSSÃO Para os testes microquímicos utilizou-se so- As características anatômicas reveladas por lução de lugol, para a identificação dos grãos de Bromelia antiacantha corroboram, em geral, amido; cloral hidratado 60%, em solução com as informações apresentadas, por diversos au- ácido sulfúrico 25% em etanol absoluto, para tores, para espécies da família Bromeliaceae. revelar a presença de oxalato de cálcio; celulo- As folhas de B. antiacantha apresentam-se se e lignina, diferenciadas pelo cloreto de zinco com ambas as faces foliares recobertas por es- iodado (Kraus & Arduin, 1997); Sudan IV, para camas peItadas (Figuras 2a-c). As escamas es- a cutina e demais substâncias lipídicas; fenollí- tão inseridas em fIleiras paralelas seguindo o eixo quido, para a detecção de sílica; e cloreto férrico longitudinal da folha, em depressões da

3 FIGURA 2 - Escamas peitadas da folha de Bromelia antiacantha Berto!. Face adaxial (a). Face abaxial (b). Região basal do limbo (c). Escala a,b = lOO!J.m;c = SOO!J.m.

4 epiderme, como também observados por outros escamas das outras partes da folha, como ob- autores, tais como Souza et ai. (2005), Proença servado neste estudo; no entanto, Braga (1977) & Sajo (2004), Aoyama & Sajo (2003) e Braga encontrou escamas menores na região basal, em (1977), para outras espécies de Bromeliaceae. algumas espécies analisadas. Segundo Scatena Estas escamas foliares apresentam diferenças & Segecin (2005), a presença de escudo de tamanho e morfologia, conforme a região do assimétrico estaria relacionada ao aumento da limbo analisada. Na face adaxial, são menores, captação de água e nutrientes nela dissolvidos, menos abundantes e não se sobrepõem (Figura pelo aumento da superfície em contato com o 2a). Na face abaxial, são maiores e mais abun- fluído, o que seria importante para a espécie em dantes, cobrindo os poros estomáticos e se so- estudo, já que suas folhas não formam cisterna. brepondo (Figura 2b). Embora as escamas As células epidérmicas de B. antiacantha foliares de B. antiacantha estejam presentes são pequenas, quadrangulares ou retangulares, nas duas superfícies, no presente trabalho ob- possuindo paredes sinuosas, altamente espes- servou-se maior abundância na superfície sadas e lignificadas, com exceção da parede abaxial, à semelhança do que ocorre em espéci- periclinal externa, que permanece fina e es de Aechmea (Bromelioideae) estudadas por recoberta por uma fina cutícula (Figuras 3a-b). Souza et ai. (2005). De acordo com Strehl (1983), No interior das células epidérmicas comuns ob- estes caracteres são mais conservativos na su- serva-se um corpúsculo esférico de sílica. perfície abaxial do que na adaxial, a qual está mais As células epidérmicas mostram as estrutu- exposta às variações macroclimáticas. A região ras características de toda a faIlli1ia, segundo da folha que mostra maior quantidade de escamas Tomlinson (1969), incluindo parede periclinal ex- é a região basal, como também ressaltado por terna delgada, paredes anticlinais e periclinal in- Braga (1977) e Proença & Sajo (2004). terna espessas, lume pequeno e com um corpo As escamas possuem uma célula basal e o silicoso esférico em seu interior, sendo as célu- pedículo é formado por duas células alongadas las da epiderme superior de estrutura semelhante e outras duas células aproximadamente cúbicas às da epiderme inferior. Características da (Figura 3a), cujas paredes celulares possuem de- epiderme, como espessamento e presença/au- posição de compostos lipídicos. O escudo é sência de corpos silicosos, são freqüentemente freqüentemente assimétrico, sendo que as duas utilizados como caracteres para a distinção de células centrais também possuem deposição de espécies de Bromeliaceae (Aoyama & Sajo, substâncias lipídicas em suas paredes. Em tor- 2003; Scatena & Segecin, 2005). no destas, estão 3-4 camadas de células com Os corpos silicosos são encontrados nas célu- paredes celulósicas de formato ovalado, tenue- las epidérmicas de todas as regiões do limbo foliar mente ligadas entre si e dispostas concentrica- e, de acordo com Baumert (1907 apud Braga, mente em tomo das centrais (Figuras 2a-b). 1977), sua presença atenuaria a incidência direta Na região da base foliar, onde as folhas en- dos raios solares, por reflexão, evitando o aqueci- contram-se firmemente imbricadas, há grande mento e a conseqüente perda de água dos tecidos. quantidade de escamas assimétricas, em ambas Os estômatos encontram-se organizados em as faces foliares (Figura 2c). As células perifé- fIleiras paralelas longitudinais, as células-guar- ricas do escudo são alongadas e formam uma da apresentam paredes espessadas e a cutícula cauda, freqüentemente ultrapassando 1 milíme- se projeta formando cristas (Figura 3b), à se- tro de comprimento, sendo suberifIcadas as pa- melhança do observado por Proença & Sajo redes de todas as suas células. (2004) em espécies de Aechmea. As células De acordo com Tomlinson (1969), as esca- subsidiárias encontram-se subjacentes às célu- mas da base em geral são maiores do que as las-guarda, possuindo paredes finas (Figura 3b),

5 FIGURA 3 - Seções anatômicas transversais da face abaxiaI da folha de Bromelia antiacantha Berto!., mostrando a região de inserção de uma escama peitada (a) e um estômato (b). ar: aerênquima, cb: célula basal, cs: células subsidiárias, ec: escama peitada, ep: epiderme, et: estômato, hp: hipoderme, pd: pedículo. Escala a,b = SOl-lm.

6 impregnadas por substâncias lipídicas e sem celulares com células alongadas anticlinalmente corpos silicosos em seu interior. Os estômatos e paredes levemente sinuosas na região media- de B. antiacantha são recobertos pelo escudo na. Estas diminuem gradualmente de tamanho das escamas, o que, de acordo com Tomlinson conforme distam do bordo foliar, onde ocorrem (1969), seria uma adaptação para evitar a perda somente células isodiamétricas. de água para o ambiente. Também, na espécie Na região mediana da folha, o parênquima em estudo, os estômatos ocorrem em depres- aqüífero apresenta a mesma distribuição da re- sões da epiderme, fato que Sousa et ai. (2005) gião basal; este, porém, ocupa até cerca de um não consideram relacionado ao ambiente seco, terço do mesofilo, composto por 3-6 estratos visto que espécies de ambientes mais úmidos celulares. Na região apical, este tecido se reduz também apresentam a mesma característica, à a 1-2 estratos celulares, geralmente com a au- semelhança da espécie em estudo. sência de células alongadas, ocupando menos Subjacente à epiderme adaxial encontra-se de um quarto do mesofilo. a hipoderme mecânica, composta por 2-3 estra- O parênquima c1orofiliano ou clorênquima tos celulares (Figura 4a). Suas células têm lume ocorre logo abaixo do parênquima aqüífero e nele bastante reduzido, pontuações evidentes e pa- estão imersos os feixes vasculares colaterais, redes lignificadas. Na face abaxial, esta formando uma série única no limbo foliar, onde hipoderme encontra-se melhor desenvolvida, se alternam feixes de maior calibre com feixes constituída de 5-6 estratos celulares (Figura 4b). menores (Figuras 4c-d). Os feixes vasculares Também possui paredes celulares espessas e de maior calibre e os da região da borda são lignificadas, porém não forma uma camada con- totalmente envoltos por fibras pericíclicas, ao tínua, como a hipoderme adaxial. É regularmen- passo que os menores apenas as possuem como te interrompida por depressões da epiderme, por calotas adjacentes aos pólos de floema e xilema. ocasião da inserção das escamas e ocorrência Ainda nesta porção, podem ser encontrados de estômatos (Figuras 3b e 4a), dando à face canais secretores de origem esquizógena (Figu- abaxialo aspecto ondulado (Figura 4c). Na re- ra 4d), semelhantes aos que eventualmente ocor- gião do bordo foliar, a hipoderme é composta rem na medula das raízes, e idioblastos com por mais camadas de células espessadas que se ráfides de oxalato de cálcio. conectam com os espinhos. Na face abaxial, interiormente à hipoderme, Conforme observações de Tornlinson (1969), encontra-se um parênquima aqüífero cujas cé- a hipoderme esc1erificadaem Bromeliaceae é con- lulas possuem c1oroplastos, porém em menor tínua e uniforme na face adaxial e descontínua na quantidade do que o clorênquima propriamente face abaxial, onde se apresenta interrompida pe- dito (Figuras 4b-d). Nesta região ocorrem ca- las câmaras subestomáticas; ainda segundo o au- nais de ar preenchidos por células braciformes tor, esse tecido apresenta células maiores nas ca- (oito braços), que se comunicam com as câma- madas do bordo foliar que se projetam para o inte- ras subestomáticas dos estômatos subjacentes rior dos espinhos, estando de acordo com as ob- (Figuras 4c-e), conforme também relatado por servações de B. antiacantha. Tornlinson (1969), Braga (1977), Aoyama & Sajo Internamente à hipoderme adaxial, forma-se (2003), Proença & Sajo (2004), Scatena & um parênquima aqüífero, variável em sua cons- Segecin (2005) e Souza et ai. (2005), para ou- tituição segundo a região da folha analisada. Este tras espécies de Bromeliaceae. tecido é composto por células de paredes finas O caule de B. antiacantha é muito reduzido e sem c1oroplastídeos (Figuras 4a e 4c). Na re- em relação ao tamanho da planta, com cerca de gião basal da folha, ocupa até cerca da metade 3 cm de altura e 4 cm de diâmetro. Seus entrenós, do mesofilo, sendo composta por 9-12 estratos muito curtos, dificultam a observação da

7 FIGURA 4 - Seções anatômicas transversais da folha de Bromelia antiacantha Bertol. Face adaxial (a). Face abaxial (b). Aspecto geral do limbo na região mediana (c,d). Detalhe das células braciformes do aerênquima (e). ab: face abaxial, ar: aerênquima, ca: canal secretor, ec: escamas peitadas, fb: calota de fibras, fv; feixes vasculares, hp: hipoderme, pa: parênquima aqüífero, pc, parênquima clorofiliano. Escala a = lOOllm; b, e = SOllm; c,d = 2S01lm.

8 epiderme, que é uniestratificada e recoberta por de fibras e outras células esclerenquimáticas, [ma cutícula. É formado por um parênquima ho- com paredes espessas e lignificadas, formando mogêneo, de células aproximadamente um cilindro quase contínuo; nesta porção tam- isodiamétricas (Figura 5a). Por todo o caule es- bém estão presente feixes vasculares. Interna- tão dispersas cavidades mucilaginosas de ori- mente distingue-se uma região de parênquima gem lisígena, assim como feixes vasculares des- homogêneo com muitos feixes vasculares tituídos de fibras e idioblastos com ráfides. colaterais, dispersos aleatoriamente e envoltos O rizoma de B. antiacantha, de formato ar- por fibras pericíclicas (Figura 5d). Idioblastos redondado a oval em seção transversal, está com ráfides são pouco freqüentes neste órgão, recoberto por escamas foliares secas. Atinge estando dispersos aleatoriamente. Amido é en- até cerca de um metro de comprimento antes contrado como substância armazenada neste de formar novas raízes adventícias e uma nova órgão, o que certamente garante a propagação planta, sendo desprovido de ramificações. vegetativa da espécie. As escamas foliares que cobrem o rizoma Bromelia antiacantha apresenta raízes são constituídas por epiderme lignificada em intracorticais (internas) e raízes adventícias (ex- ambas as faces, preenchidas por parênquima ternas). As raízes intracorticais originam-se de homogêneo, no qual são encontrados feixes camadas de células meristemáticas do periciclo vasculares colapsados e totalmente escle- situadas entre o córtex e o cilindro central do rificados (Figura 5b). Todas as regiões da esca- caule e do rizoma, que, segundo Tomlinson ma encontram-se impregnadas por substâncias (1969), garantem a sustentação de espécies de lipídicas. bromélias. O rizoma é recoberto por uma periderme As raízes adventícias apresentam uma pluriestratificada, com 7-9 estratos celulares de epiderme pluriestratificada, constituindo um ve- paredes bastante espessas, lignificadas e lame (Figura 6a), cuja camada periférica encon- suberificadas, tendo o lume formato arredonda- tra-se diferenciada em epivelame. As células do do ou retangular, em seção transversal (Figuras epivelame têm formato de longos pêlos 5b-c). Nessas paredes celulares estão eviden- unicelulares na região apical das raízes (Figura tes pontoações, freqüentemente ramificadas. 6b). Na região mediana e basal das raízes ad- Em B. antiacantha, a presença de um rizoma ventícias, os pêlos freqüentemente se rompem. com súber e coberto por escamas foliares, tam- O velame é composto por 6-8 camadas celula- bém com impregnação de substâncias lipídicas res, apresentando estratificação em algumas de todas as suas células, deve estar relacionado regiões e impregnação de lipídeos em suas pa- com a proteção mecânica e, principalmente, com redes. a restrição de perda de água por este órgão, O velame, primariamente reconhecido em funcionando como um isolante térmico, confor- raízes de orquídeas, foi relatado por Pita & me indicado por Segecin & Scatena (2004). Menezes (2002) para espécies terrestres de Internamente à periderme, é possível distin- Dyckia e de Encholirium, e por Segecin & guir três regiões (Figura 5b e 5d). A região ex- Scatena (2004) para espécies epífitas de terna é composta por 20-30 camadas de Tillandsia. De acordo com Benzing (1990), este parênquima homogêneo, com células de pare- tecido tem a capacidade de se embeber com des celulósicas finas e poucos feixes vasculares soluções que depositam-se sobre as raízes, dis- colaterais dispostos aleatoriamente, eventual- ponibilizando-as para os tecidos internos, além mente acompanhados por fibras em seus pólos. de fornecer proteção mecânica. Esta estratégia A região mediana compreende 10-15 estratos seria importante para B. antiacantha, já que a

9 FIGURA 5 - Seções anatômicas transversais do caule e rizoma de Bromelia antiacantha Bertol. Aspecto do parênquima caulinar (a). Visão geral do rizoma (b). Detalhe da periderme pluriestratificada do rizoma (c). Detalhe das células esclerenquimáticas e feixes vasculares interiores do rizoma (d). ef: escama foliar, fv: feixe vascular, po, parênquima homogêneo, pp: epiderme pluriestratificada, ri: região interna, sc: esclerênquima. Escalas a,c = IOO~m; b,d = 500~m.

10 espécie encontra-se freqüentemente sobre so- 6a) que, de acordo com Meyer (apud Pita & los arenosos, que retém pouca umidade no perí- Menezes, 2002), teriam a função de transportar odo seco. água por capilaridade. O córtex radical encontra-se dividido em A endoderme de B. antiacantha é unis- córtex externo, córtex mediano e córtex interno seriada, com estrias de Caspary evidentes pró- (Figura 6a). ximo à região apical da raiz. Na região mediana O córtex externo, subjacente ao velame, está e basal das raízes, as células da endoderme apre- constituído por células de formato aproximada- sentam espessamento celulósico nas paredes mente hexagonal, com paredes secundárias e anticlinais e periclinal interna, caracterizando o primárias espessas e lignificadas e lume bastan- espessamento em forma de "U" (Figura 6c). te reduzido (Figura 6b). De acordo com Pita & Internamente à endoderme encontra-se o Menezes (2002), o córtex externo seria forma- periciclo, constituído por uma camada de célu- do pela exoderme (ou hipoderme) e parte do las isodiamétricas, de paredes finas. córtex subjacente que adquire espessamento O cilindro vascular é poli arco, com aproxi- parietal nas porções mais diferenciadas das madamente 27-29 cordões de xilema alternan- raízes, sendo estas regiões de difícil distinção. do-se com cordões de floema, na região basal Segundo as autoras, isso pode ser comprovado da raiz (Figura 6a e 6c). As células da medula pela presença somente da hipoderme nas regi- são fibras de paredes espessadas, com deposi- ões menos diferenciadas, confirmando as ob- ção de lignina e lume reduzido; nas porções mais servações deste estudo. Em Bromelia antia- diferenciadas também se encontram substânci- cantha, a exoderme é formada por duas cama- as fenólicas, integrando estas paredes. Apresen- das celulares na região apical da raiz, sendo es- tam-se bastante alongadas axialmente e com tas interrompidas por células de passagem. pontoações evidentes. Por vezes, na região cen- As células do córtex externo reagem rapida- tral da medula encontra-se um canal secretor mente à presença do oxigênio no ato do corte de origem esquizógena, que percorre toda a ex- histológico, tornando-se escuras. Testes mi- tensão da raiz. croquímicos indicaram a presença de compos- Testes histoquímicos com Sudan IV indica- tos fenólicos em suas paredes celulares, suge- ram a presença de substâncias lipídicas nas pa- rindo uma proteção adicional para as raízes, con- redes primárias das células da endoderme e tra os organismos patogênicos do solo. Ainda medula. nesta porção cortical encontram-se grandes As raízes intracorticais apresentam a mes- idioblastos (Figuras 6a-b), freqüentemente con- ma constituição e organização de tecidos das tendo ráfides de oxalato de cálcio, com parede raízes adventícias, diferindo destas pela ausên- celular fina e formato aproximadamente cia de velame e pêlos absorventes. Há somente isodiamétrico ou alongado. uma epiderme bi ou trisseriada externamente ao Na região mediana do córtex, as células apre- córtex externo, que é mais desenvolvido. Pita & sentam paredes celulósicas finas, de formato Menezes (2002) também observaram tais ca- prismático a isodiamétrico, e diminutos espaços racterísticas como diferenciais entre raízes ad- celulares. Freqüentemente encontra-se amido ventícias e intracorticais de outras espécies de nas células desta porção. bromélias terrestres. Outra característica que a As células do córtex interno são maiores em distingue da raiz adventícia é a presença de relação às do córtex mediano, arredondadas e lignina nas paredes das células componentes da têm espaços intercelulares maiores. Intercalam- endoderme. se com grandes canais de ar, dispostos concen- B. antiacantha apresenta diversas estrutu- tricamente em torno do cilindro central (Figura ras semelhantes a outras espécies de

11 FIGURA 6 - Seções anatômicas transversais da raiz de Bromelia antiacantha Berto!. Esquema geral da distribuição de tecidos radicais (a). Detalhe da região superficial próximo ao ápice radical (b). Detalhe dos tecidos condutores do cilindro central (c). cc: cilindro central, ce: córtex externo, cm: córtex mediano, cr: canais de ar, em: endoderme, ev: epivelame, fl: floema, id: idioblastos, md: medula esclerificada, rnx: metaxilema, px: protoxilema, vI: velame. Escala a = lmm; b = 200f.lm; c = 50f.lm.

12 Bromeliaceae estudadas por diversos autores, Canela, M. B. F., Sazima, M. The pollination of Bromelia tais como suculência foliar e presença de gran- antiacantha (Bromeliaceae) in Southeastem Brazil: de quantidade de tecidos mecânicos, salientan- Ornithophilous versus melittophilous features. Plant Biology, Stuttgart, v. 7, n. 4, p. 411-416, 2005. do-se fibras e órgãos armazenadores de Cogliatti-Carvalho, L., Freitas, A. F. N., Rocha, C. F. D., carboidratos, como o rizoma. Como caracteres Sluys, M. Variação na estrutura e na composição de úteis na diagnose desta espécie citam-se a pre- Bromeliaceae em cinco zonas de restinga no Parque sença de escamas peItadas distintas, conforme Nacional da Restinga de Jurubatiba, Macaé, RJ. Rev. a região foliar; a constituição e distribuição dos Bras. Bot., São Paulo, v. 24, n. I, p. 1-9,2001. tecidos foliares; a presença de canais secretores; Dettke, G. A., Milaneze-Gutierre, M. A. Germinação de Bromelia antiacantha Bertoloni (Bromelioideae - e a distribuição dos tecidos no rizoma e raiz. Bromeliaceae): influência da estocagem, fotoperíodo As características acima apresentadas es- e temperatura. In: Resumos da I Mostra de traba- tão relacionadas, em parte, com ambientes lhos científicos de graduação e pós-graduação em xerofíticos, onde a presença de água e nutrien- Agronomia. Maringá, 2004. tes é escassa, como sucede em terrenos areno- Johansen, D. A. Plant microtechnique. New York: sos onde esta espécie é encontrada, sendo ne- Mcgraw-Hill, 1940. 523p. cessário o desenvolvimento de estruturas que Kraus, J., Arduim, M. Manual básico de método em morfologia vegetal. Seropédica: EDUR, 1997. 198p. permitem a economia e/ou o armazenamento Meira, M. S. Distribuição espacial e estrutura de po- destes elementos nos períodos secos. pulações de bromeliáceas terrestres em um Outra característica que merece menção é mosaico de floresta e campo. Porto Alegre: a eventual submersão dos indivíduos em perío- UFGRS, 1997. 96f. Dissertação (Mestrado). dos curtos de cheia (no caso de populações lo- Pita, P. B" Menezes, N. L. Anatomia da raiz de espécies de calizadas na planície de inundação do Alto rio Dyckia Schult. f. e Encholirium Mart. ex Schult. & Paraná). A ocorrência de canais de ar em seu Schult. f. (Bromeliaceae, Pitcaimioideae) da Serra do Cipó (Minas Gerais, Brasil), com especial referên- sistema radical poderia ser uma estratégia para cia ao velame. Rev. Bras. Bot., São Paulo, v. 25, n. 1, a sua sobrevivência em condições de anoxia. p. 25-34, 2002. No entanto, são necessários maiores estudos de Proença, S. L., Sajo, M. G. Estrutura foliar de espécies de ecofisiologia, a fim de se comprovar esta possí- Aechmea Ruiz & Pav. (Bromeliaceae) do Estado de vel tolerância. São Paulo, Brasil. Acta Bot. Bras., Porto Alegre, v. 18, n. 2, p. 319-331, 2004. BIBLIOGRAFIA Reitz, R.. Bromeliáceas e a malária-bromélia endêmica. In: Flora Ilustrada Catarinense (R. Reitz, ed.), Andrighetti-Frohner, C. R. et aI. Antiviral evaluation of Herbário Barbosa Rodrigues, ltajaí. 1983. from Brazilian Atlantic Tropical Forest. Fitoterapia, v. 76, p. 374-378, 2005. Scatena, V. L., Segecin, S. Anatomia foliar de Tillandsia L. Aoyama, E. M., Sajo, M. G. Estrutura foliar de Aechmea (Bromeliaceae) dos Campos Gerais, Paraná, Brasil. Ruiz & Pav. subgênero Lamprococcus (Beer) Baker Rev. Bras. Bot., São Paulo, v. 28, n. 3, p. 635-649, e espécies relacionadas (Bromeliaceae). Rev. Bras. 2005. Bot., São Paulo, v. 26, n. 4, p. 461-473, 2003. Segecin, S., Scatena, V. L. Morfoanatomia de rizomas e Benzing, D. H. Vascular epiphytes, general biology and raízes de Tillandsia L. (Bromeliaceae) dos Campos related biota. Cambridge: Cambridge University Gerais, PR, Brasil. Acta Bot. Bras., Porto Alegre, v. Press, 1990. 18, n. 2,p. 253-260, 2004. Braga, M. M. N. Anatomia foliar de Bromeliaceae da Cam- Smith, L. B., Downs, R. 1. Bromelioideae (Bromeliaceae). pina. ActaAmazonica, Manaus, v. 7 (supl.), n. 3, p. Flora Neotropica Monographies, New York, v. 1-74,1977. 14, p.1604-1724, 1979.

13 Souza, G. M., Estelita, M. E. M., Wanderley, M. G. L. Anatomia foliar de espécies brasileiras de Aechmea subg. Chevaliera (Gaudich. ex Beer) Baker, Bromelioideae-Bromeliaceae. Rev.Bras. Bot., São Paulo, v. 28, n. 3, p. 603-613, 2005. Souza, V. c., Lorenzi, H. Botânica Sistemática: guia ilustrado para identificação das famílias de Angiospermas da flora brasileira, baseado no AGP 11. Nova Odessa, São Paulo: Instituto Plan- tarum.2005. Strehl, T. Forma, distribuição e flexibilidade dos tricomas foliares usados na filogenia de Bromeliaceae. Iheringia, Série Botânica, Porto Alegre, v. 31, p. 105-119, 1983. Tornlinson, P.B. Commelinales-Zingiberales. In: Anatomy of the (R. C. Metcalfe, ed.). Oxford: Clarendon Press, 1969. 1449 p.

14