Abril Maio/2014

ANO IX n° 57 a aVEntUra DE PUBLICar maLBa Um LIVro tahan Alan Viggiano Romeu Jobim

enho à minha frente quatrocentos exemplares de A fortuna poética de João Carlos Taveira, Professor Júlio César de Melo e que acabo de imprimir na Gráfi ca e Editora Ideal, de propriedade do casal Gisélia-João Fer- Sousa, o famoso Malba Tahan, para reira, empreendedores que emprestam seu esmero e sua cordialidade aos autores de traba- ser mais completo Ali Yesid Izz lhosT de que são encarregados. Estou lambendo a cria. Caprichei nesse livro como se fosse um fi lho. OEdin Ibu Hank Malba Tahan, pseudônimo Continua na página 7 ou heterônimo por ele criado, foi, como consabido, autor de livros admiráveis que enriquecem nossa literatura, com histórias inesquecíveis a partir da cultura oriental, PEDro naVa – o ESCrItor como Amor de Beduíno, Lendas do Deserto, Jarbas Maranhão Lendas do Oásis, Lendas do Céu e da Terra, A Sombra do Arco-íris, Maktub! e muitos outros, mais de cem. Continua na página 10

edro Nava fez desenhos, pin- turas e versos, deixando, por PoESIa E último, essas artes, nas quais Pnunca se fi xou, para ser o grande rEaLIDaDE memorialista que foi, afi rmando seu sentimento de artista, a índole de poeta. hUmana Diz Miguel de Almeida que Eugênio Giovenardi ele surpreendeu os amigos ao lançar em 1972 seu primeiro livro Baú de época é de novidades tecnológicas. O Ossos; que os assustou pela catártica ser humano experimenta sensação de qualidade, ampliando a dimensão orgulho diante do que pode. Manipu- da memorialística, a ela dando con- Ala com magia os elementos oferecidos pela na- tornos fundamentais, reservados tureza. Descobre truques inacreditáveis para apenas ao romance. melhorar seus conhecimentos, debelar doen- ças, transmitir imagens com a velocidade da Continua na página 3 luz. Continua na página 9 DrUmmonD na BULGÁrIa Rumen Stoyanov

itabirano entrou no país balcânico não diretamente do Brasil, senão deu uma voltinha pela Suécia, onde chegou graças a Artur Lundkvist, membro da Academia Sueca de Literatura, a mesma que outorga o Prêmio (leia-se o dinheirão) Nobel. Em 1960 a Editora do Conselho Nacional da Frente Pátria (obviamente não se podia botar um nome mais curto) publicou o livro de viagens Continente vulcânico, traduzido por Margarita Popzlateva. ONele Lundkvist conta o que viu pela Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Chile, Bolívia, Argentina, Paraguai, Uruguai, Brasil. A este último dedica o texto que vai entre as páginas 323 e 378. Sob o título de “O poeta no arranha-céu” lê-se: “(...) Eu me limitarei a dar algumas impressões dum poeta brasileiro, talvez o mais interessante no momento: Carlos Drummond de Andrade. Além de po- eta ele é também um enérgico trabalhador cultural e crítico, incansavelmente funcionando no Rio, mesmo que na sua personalidade encarne tudo o que compõe as contradições desta cidade linda, animada. Continua na página 4 2 Associação Nacional de Escritores Jornal da ANE Abril / maio – 2014 Entre o mar e a montanha Soneto Danilo Gomes do Mês

eu coração, que é boêmio de lon- um pobre marujo cujo nome se perdeu num ga data, balança entre o mar e a naufrágio esquecido. montanha, entre o mar e o cam- Ah, meu gosto pela música sertaneja Mpo. Tanto me faz bem a visão do oceano ba- do saudoso Pena Branca, que conheci em tendo na praia – e neste momento estou em Brasília. Ah, minha paixão pelo mar. Con- Cabo Frio, na panorâmica Praia do Forte – templo em silêncio a beleza e a grandeza como a gostosa sensação de estar na mon- do mar, sobre cujas águas sopra o Espírito tanha, no campo, na roça, que conheci na sempiterno. É como se eu chegasse numa infância, já remota, no tempo dos trens-de- caravela ibérica. Quero chegar, quero partir, -ferro, as marias-fumaça. o coração aventureiro de um Fernão Men- Meu lado country, sertanejo, ranchei- des Pinto, um Ponce de León, um Cabeza ro, roceiro, convive bem com minha banda de Vaca... oceânica, carente sempre do murmúrio das Meu coração aventureiro quer o mar, ondas, do marulhar das águas verde-azula- quer a montanha e o que está atrás da mon- A MARIA IFIGÊNIA das que vêm de tão longe. tanha. Sou desse jeito. Às vezes sou solar, Meu coração não-ateu pertence às matinal, às vezes sou crepuscular, noturno, Alvarenga Peixoto águas e à terra, simultaneamente, sem con- lunar, penumbroso. Tropeiro e marinheiro, flitos. Como diriam Cecília Meireles, Ma- ando por este mundo de Deus Nosso Se- nuel Bandeira e Mário de Andrade: meu nhor, até que Ele decrete o fim desta minha Amada filha, é já chegado o dia, coração é múltiplo, pertence ao mundo, que atual peregrinação. Estou sob o sol da ma- Em que a luz da razão, qual tocha acesa, é vário e cheio de nuances, mistérios e abis- nhã dourada; estou caminhando solitário Vem conduzir a simples natureza, sais silêncios. pelo vale da sombra da morte. É hoje que o teu mundo principia. E é em silêncio que, sentado numa ca- Em silêncio e meditação, contemplo deira de praia, de camisa branca, calça com- o mar de Cabo Frio, como um náufrago, A mão que te gerou, teus passos guia, prida e mocassim sioux, contemplo a beleza cuja consolação é o marulhar, mais a luz Despreza ofertas de uma vã beleza, do mar-oceano e sinto a bênção de sua bri- do dia, e a esperança de sobreviver, que E sacrifica as honras e a riqueza sa. Sou um rancheiro acostumado ao cheiro a vida é um dom de Deus. Ao longe, sur- Às santas leis do Filho de Maria. de estrume dos currais de minha infância, ge um trivial navio mercante, talvez um mas sou também um marinheiro que andou graneleiro, em direção ao porto. Mas é Estampa na tu’alma a caridade, com as frotas da Descoberta, que sofreu como se fosse uma caravela para resgatar Que amar a Deus, amar aos semelhantes, com as calmarias e se alegrou com as desci- o náufrago e o levar de novo a uma velha São eternos preceitos da verdade; das à terra, em busca de aguadas, caça, fru- taberna de Lisboa, onde contará suas pe- tos silvestres e, quem sabe, uma bonita Ira- ripécias mar afora. Tudo o mais são ideias delirantes; cema, uma tristonha Potyra de cabelos mais Digo mais: meu coração sente uma Procura ser feliz na eternidade, negros que as asas da graúna. Sou Rodrigo saudade mourisca da Alhambra, uma coisa Que o mundo são brevíssimos instantes. de Triana na nau que levava Colombo em que vem de Granada. Meu coração não tem 1492; sou Aires Gomes que veio com Cabral jeito, senhora, é uma nau sem rumo no mar- (Seleção de Napoleão Valadares) e naufragou na caravela que regressava; sou -oceano desta vida.

Associação Nacional de Escritores Jornal da ANE no 57 – abril / maio de 2014

SEPS EQS 707/907 Bloco F – Edifício Escritor Almeida Fischer Editor Conselho Editorial CEP 70390-078 – Brasília – DF Afonso Ligório Pires de Carvalho Anderson Braga Horta Telefone: (61) 3244-3576 – Fax: 3242-3642 (Reg. FENAJ nº 286) Danilo Gomes E-mail: [email protected] Revisão Programação Visual 25a DIRETORIA 1° Tesoureiro: Marco Coitelli 2013‑2015 2° Tesoureiro: Eugênio Giovenardi José Jeronymo Rivera Cláudia Gomes Diretora de Biblioteca: Thelma Rocha Pinheiro Presidente: Kori Bolivia Diretor de Cursos: Wílon Wander Lopes 1° Vice-Presidente: José Carlos Brandi Aleixo Diretor de Divulgação: Jacinto Guerra Composição e impressão: Centro Editorial e Multimídia de Brasília. 2° Vice-Presidente: Fontes de Alencar Diretor de Edições: Afonso Ligório SIG. Qd. 8 - Lote 2356 - CEP: 70610-480 / Brasília - DF - (61) 3344-3738 Secretário-Geral: Fabio de Sousa Coutinho Conselho Administrativo e Fiscal: Alan Viggiano, www.thesaurus.com.br 1ª Secretária: Maria Célia Nacfur Anderson Braga Horta, Danilo Gomes, José Jeronymo Rivera, 2º Secretário: Ariovaldo Pereira de Souza José Santiago Naud, Napoleão Valadares e Romeu Jobim. Toda colaboração não solicitada será submetida ao Conselho Editorial. Jornal da ANE Associação Nacional de Escritores 3 Abril / maio – 2014 ALHOS E BUGALHOS Fabio de Sousa Coutinho

Em memória de Victor Nunes Leal (1914-1985), quadra de limitação artística, de exílio dos gran- membros do Senado Federal, restabeleceu, post no centenário de seu nascimento des e vassalagem dos pequenos. Estes últimos, mortem, o mandato do Presidente João Goulart, o de cócoras para a tutela fardada que se nos im- estadista deposto em 1º de abril de 1964, no pleno utointitulado de revolução, o coup d’état pôs, escancararam sua verdadeira face, a do civil exercício de múnus constitucional conferido pelas castrense de 1º de abril de 1964 não pas- servil, elemento nocivo à sociedade, à família e urnas de 3 de outubro de 1960. Trata-se, no âmbi- sou, melancolicamente, de um golpe no à própria vocação histórica de nosso povo. Al- to do século XXI, da mais importante decisão do piorA estilo do vizinho continente americano. Suas guns desses répteis e sua espúria descendência Legislativo, ombreando-se a outros marcos his- trágicas consequências ainda se fazem sentir até política ainda nos espreitam e assombram, inse- tóricos daquele Poder, tais como as Assembleias esta parte, como atestam os depoimentos presta- ridos que se encontram na vida contemporânea Constituintes de 1946 e de 1987/88, na centúria dos à Comissão Nacional da Verdade, para espan- do Brasil, cínicos locatários da curta e generosa passada. to e horror da cidadania. memória pátria. Agora, inda que com meio século de atra- No segmento cultural, a quartelada do Hoje, decorridos cinquenta anos da es- so, a Constituição da República prevaleceu, a dig- Dia da Mentira, a exemplo do que ocorreu em critura daquela página negra, ela está irrever- nidade política pontificou unânime e sem reser- diversos outros setores da vida brasileira, repre- sivelmente virada, sendo objeto do desprezo vas mentais, ensejando a concretização do mais sentou um duro retrocesso, institucionalizando da maioria absoluta e incontrastável dos cida- feliz e completo dos encontros democráticos, o da a censura, a delação e o medo num território em dãos brasileiros, que reconquistaram a democra- legalidade com a legitimidade. Ganhamos todos que a criatividade humana só funciona à base de cia, o estado de direito e seus corolários inafas- os brasileiros, libertamo-nos do abominável fardo autonomia, independência e liberdade. Recém- táveis, com destaque, no campo intelectual, para da imoralidade golpista, expurgamos a nódoa que saídos de um período luminoso nas artes, com as liberdades de expressão e de manifestação do maculava a história recente de uma nação livre, o advento, entre outras conquistas imortais, da pensamento e das ideias. ciente e consciente da distinção entre revolução e bossa nova, da literatura rosiana e do cinema A aprovação, pelo Congresso Nacional, do golpe, entre alhos e bugalhos, entre respirar e su- novo, ingressamos, então, numa longa e trevosa PRN 4/2013, recente e crucial iniciativa de dois focar. Continuação da página 1 PEDRO NAVA - O ESCRITOR Jarbas Maranhão

arlos Drummond esclarece: E alude, em seguida, a três características de palmilhar as securas desérticas da verdade, que fazem das Memórias um monumento literário: ora nadar nas possibilidades oceânicas de sua “Uns poucos sabíamos que Nava escrevia o gênio criador capaz de conferir às lembranças interpretação.” Cprosa de altíssimo teor, em que a linguagem se o estatuto de criação ficcional; o intenso sentido enriquecia de matizes estéticos oferecidos pela nacionalista da obra; e o sensorialismo do estilo, Foi motivo por que Carlos Drummond de convivência com as artes plásticas, a música e pois ele escrevia com os cinco sentidos e chegara Andrade referiu que ele não somente começou a a ciência.” ao ápice de sua trajetória. contar a história de sua vida como a história social Wilson Martins afirma que: Pedro Nava analisou sua vida e a de outras e cultural do Brasil no século XX. pessoas; disse de entidades; fez roteiros de lugares O memorialista é realmente mestre no seu “Com as suas memórias ele passou sem tran- e sítios históricos; integrou­-se no tempo e na ofício. Senhor de uma técnica e de um estilo per- sição da categoria algo ambígua de autor bis- paisagem, retratando-os; interpretou um período sonalíssimo, de muito encanto, absorvente do leitor. sexto para o plano mais rarefeito dos grandes brasileiro; e, tudo isso, com muita beleza, numa O saudoso Prudente de Morais Neto assi- escritores.” obra luminosa, que consumiu muitas horas, no nala não se encontrar em nossa literatura docu- empenho de realizá-la. mento equivalente, proustiano pelo processo Mário Pontes reafirma Escreveu por um impulso do espírito, como de reconquista do passado graças à memória “que poucas vezes na literatura brasileira a clas- uma necessidade intelectual. Revelou: involuntária. sificação grande escritor terá sido tão apropria- Pedro Nava tinha o dom de sentir, em pro- “O ato de escrever me desoprime, é mesmo uma fundidade, e expor, minuciosamente, as reações dos damente empregada.” E aponta em sua prosa o libertação... Só escrevo o que penso... Meu único sentido inovador. homens; de focalizar, com nitidez, quadros naturais critério é ser fiel a mim mesmo, dizer sempre a ou urbanos; de caracterizar o físico e o espírito Não porque persegu1sse a novidade a qualquer verdade.” preço, mas pelo espírito lúdico que trazia em si: das personalidades evocadas; de ajuizar costumes a prosa de Nava é a de um homem que nunca foi Ora, o apreço pela verdade é a qualidade sociais e as tendências de seu tempo. Não tivesse abandonado pelo entusiasmo juvenil.” básica do memorialista. sido também um poeta e um pintor. Talvez por isso não haja optado pelo ficcionis- As páginas sobre a moça que se suicidou, Ressalta, também – o crítico do Jornal do mo, campo em que, penso, teria também brilhado, com um tiro no coração — após o diagnóstico Brasil – em sua vida e obra, afinal inseparáveis, as pois é evidente, em sua obra, um grande poder de de leucemia — e que ele amou com o arrebata- lições de autenticidade, coragem e recusa à unidi- imaginação, aliado à capacidade de descrever cená- mento da mocidade, são de uma rara beleza, mensionalidade. rios, de penetrar na alma humana e definir tipos e como expressão de sentimentos delicados, de Para assinalar a importância do escritor cito personalidades, atuando num espaço e sob as impli- estados d’alma e da contemplação de uma cidade ainda Nogueira Moutinho: cações da época. Ele mesmo confessou que e seus hábitos. Mostram a agudeza da inteligência e a pe- “Com a morte de Guimarães Rosa, a literatura “transfigurar, explicar, interpretar o aconteci- netrante sensibilidade do intelectual, o cultivo das brasileira sentia a ausência de um criador de artes e estudos literários, o gosto dos devaneios, alcance universal: foi esse vazio que Pedro Nava mento é que é a arte do memorialista... forma anfíbia de historiador e ficcionista, e que ora tem as fantasias do escritor e toda a vitalidade de um passou a ocupar por direito de conquista.” homem de sentimento e espírito. 4 Associação Nacional de Escritores Jornal da ANE Abril / maio – 2014 Continuação da página 1 DRUMMOND NA BULGÁRIA Rumen Stoyanov

le nasce há 55 anos na pequena cidade de Hoje ele veio mais perto, enche o campo lúdica e faiscante. Tão dominada, moderada, tão Itabira, no Estado de Minas Gerais, situa- de visão dum modo completamente outro. Sua certa, mas perto da chama e do êxtase. No poema do no alto e rico em minérios. Parece algo poesia é mais ampla e mais válida, com fortes “Confissão” diz-se: inermédioE entre um mestre-escola faminto e um razões políticas e sociais. Pessoal, originalmen- engenheiro ossudo. Seco e duro, como talhado em te aguda ela nunca foi. O que se acrescentou é Não amei bastante meu semelhante, madeira, com um rosto côncavo de cavalo, com um verdor mais rico, um frescor mais profundo, não catei o verme nem curei a sarna. um sombrio ar puritano. A gente espera que, ao de manancial, uma circulação de sangue mais Só proferi algumas palavras, mover-se, em derredor dele algo ranja. Tudo nele ampla. melodiosas, tarde, ao voltar da festa. parece contido, deprimido, negado. Ele fala baixo, Ao querer encontrar-me com ele, mandam- não claro, rápido, como se o que diz não mere- -me ao Ministério de Educação e Cultura, no ex- Dei sem dar e beijei sem beijar. cesse ser ouvido. Em derredor dele não se espalha pediente. Andrade está no meio dum arranha-céu (Cego é talvez quem esconde os olhos a auto-suficiência típica do homem dos trópicos. numa sala administrativa de caoba escura, onde embaixo do catre.) E na meia-luz Ele é crítico e irônico em toda sua natureza, hesi- parece que se dedica a um trabalho de arquivo. tesouros fanam-se, os mais excelentes. tante e pessimista para consigo mesmo. Ele faz girar a cadeira, me olha dum jeito pene- Mas ele não é apenas o que parece. Ele é um trante através dos óculos, logo se lembra onde nos Do que restou, como compor um homem e tudo que ele implica de suave, cavalo de trabalho, porém com asas, com inspira- tínhamos encontrado da vez anterior. Me oferece de concordâncias vegetais, murmúrios ção. Em meio da sua modéstia e discrição nota- dados exatos, aponta títulos de livros importantes de riso, entrega, amor e piedade? -se uma segurança, uma dureza dominante. Ele para mim. Sim, na literatura tudo está aproxima- representa não só uma vontade fina, tensa, tenaz damente como antes. O Brasil mudou em outro Não amei bastante sеquer a mim mesmo, ou uma faca que fende: ele é uma rocha de vincos aspecto. contudo próximo. Não amei ninguém. profundos e fecundos, ele brota cada vez mais e Drummond tem uma coluna constante de Salvo aquele pássaro – vinha azul e doido – mais num florescer surpreendente e formidável. crítica e comentários atuais num dos jornais ma- que se esfacelou na asa do avião. Ele se guia por um sentimento inquieto, forte. tutinos do Rio. Notas objetivas, vigilantes, qua- Este homem pujante esconde em si um poeta ex- dros inesperados. Olho que não perde nada, com No seu arranha-céu Drummond de Andra- traordinariamente intenso. um raio luminoso de ironia. Drummond de An- de vive em meio da sociedade, está rodeado de Eu encontrei Drummond de Andrade antes drade consegue também escrever frequentemente pessoas e trabalho, olha longe afora por cima de uma vez, a meados dos anos 40. Lembro-o como versos, apesar dos muitos degraus e dos corredo- terra e mar.” um perfil agudo, uma gravura seca. Uma pessoa res compridos no arranha-céu. Muitos dos seus Ignoro se Continente vulcânico saiu em fraca e calada. Então Jorge de Lima (agora defun- versos aparecem nos jornais e desaparecem: ver- português ou pelo menos o trecho relativo ao Bra- to) foi o primeiro em atrair para si o interesse e as sos do momento. Outros são reunidos em poemá- sil, a Drummond. Por isso resolvi dar a conhecer simpatias, que esquentava com seus olhos gran- rios: tomos sólidos como A rosa do povo e Claro o que Lundkvist escreveu sobre o mineiro, pois des, cor café, com sua cor de folhas de fumo e café enigma ou coletâneas mais pequenas, como Viola trata-se da imagem deste na Suécia, na Bulgária, com leite. Ele era o mestre meigo e paradoxalmen- de bolso e Fazendeiro do ar. das relações literárias do Brasil com os dois países, te combinado: médico, moralista, católico, revo- E o que é o especial na poesia dele? Ela, da projeção internacional do itabirano. lucionário, surrealista e grande poeta. Junto a ele sobretudo nas condições brasileiras, é extraordi- Segundo meu livro Drummond e a Bulgária agrupavam-se colegas poetas, como o grande je- nariamente não retórica, sem uma distância en- (Editora UnB, 2007, 294 páginas) em nosso idioma suíta Murilo Mendes e Frederico Schmidt, redon- tre palavras e essência, entre roupa e corpo, entre conhecemos o escritor a partir de 1962. Com pra- do à maneira dum diretor, igualmente católicos, sentimento e objeto. Ela tem um tom pessoal ca- zer corrijo-me: resulta que o encontro aconteceu místicos e espíritos de consciência social. Sobre o racterístico, direto, penetrante, exato. Ao mesmo dois anos antes, com um poema e um comentário. fundo, algo para si mesmo, estava Drummond de tempo tem um acento livre e espontâneo, elasti- Coisas da vida: o primeiro Drummond búlgaro é Andrade. cidade, e agrada. Ela fala com pureza e clareza, é made in sueco. A POESIA DO CERRADO João Carlos Taveira poesia de Emerson Vaz Borges, pelo cenário que descortina e pelos Nesse livro, meio arqueológico, meio documental, perpassa tam- temas que apresenta, pode lembrar em uma primeira leitura o uni- bém a visão saudosista de quem sabe dos alvoroços surgidos na sociedade verso do poeta mato-grossense Manoel de Barros. Depois, entretan- contemporânea com relação às políticas de preservação das florestas em to,A o leitor é conduzido para outras paragens menos minimalistas. Emerson nosso país. Suas mensagens procuram, todavia, o registro do que é belo procura contato com paisagens e personagens de um mundo em expansão, e necessário à perpetuação das espécies no planeta. Por esse ângulo, é enquanto Manoel de Barros se detém num terreno típico de ciscos e gravetos um canto de louvor ao homem simples da região e ao habitat natural de — microuniverso que, muita vez, escapa ao olhar humano. São ambos poetas outros seres, que também veem ameaçadas sua casa, sua vida, sua sobre- do Centro-Oeste brasileiro, mas com suas temáticas distintas e equidistantes vivência. no reino das palavras. Escritos em versos livres, com rimas consoantes e toantes, os poe- Emerson Borges canta a fauna e a flora do cerrado, com seus verbos ner- mas que compõem esta coletânea trazem, junto ao título, em latim, o nome vosos e inquietos, regidos por preocupação ambiental e movidos unicamente científico de cada espécie referida (vegetal ou animal) e, ao pé da página, por instinto de defesa. E assim, seu livro O cerrado vive em mim percorre, adver- um verbete dos significados etimológicos de cada termo. O poeta compete, so à contenção da forma, os caminhos de uma eloquência verbal muito próxima assim, com o notável botânico Pio Corrêa, em seu magistral Dicionário de da crônica de costumes. São árvores, flores, frutos, rios, lagos, pássaros, insetos Plantas Úteis do Brasil. Trata-se de um trabalho minucioso, de importância a testemunhar a evolução do homem — da infância até a idade adulta — pelos literária e ambiental, que há de enriquecer a leitura em diversos níveis de caminhos da natureza, em perfeita sintonia com o ambiente em que foi criado. abordagem. Jornal da ANE Associação Nacional de Escritores 5 Abril / maio – 2014 Das mortes em vida Flávio R. Kothe

odos nós teremos como nossa última vi- transformamos, como tudo o que existe. Quem não Às vezes alguma peça se movia, um vência o próprio morrer. Isso é indelegável. renasce, regride, torna-se vegetativo. Como dizia bispo indo comer um cavalo (o xadrez é um jogo Ninguém pode morrer a morte de outrem, Fernando Pessoa: um cadáver adiado que procria. indecente e impiedoso, o peão é capaz de comer a cadaT um tem de morrer a sua, já dizia o filósofo Depois de um ano fazendo a oitava revisão rainha na frente do rei) e naquela casa se abria uma caxiense Gerd Bornheim, que descobriu um dia do que espero vá ser o livro Arte Comparada, na tela com uma bela pintura; noutra casa, outra tela que estava com um tumor no cérebro e teria pou- noite de 30 de dezembro concluí as 550 laudas. se abria. Daí o jogo voltava a congelar e eu nada cas semanas de vida. Nosso amigo Enio Squeff A sensação era de enviar um longo e-mail sem podia fazer. De repente uma peça se movia — foi visitá-lo no Rio, assaram uma picanha e Gerd destinatário e sem esperar resposta; a fantasia, de clique/claque — e na casa ocupada se abria uma reconheceu com lucidez: “no meu caso, não tem estar concluindo algo como uma sinfonia, em que cápsula com notas musicais que saíam pelo ar e cuja jeito”. Morreu como um estoico. Na última vez todos os instrumentos tinham de combinar até melodia eu podia ouvir. Faziam sentido. que me visitou, além de falar bastante do filho e o fim. Poucas horas depois comecei a me sentir As luzes da UTI me feriam a vista. Eu de pintura, deu-me seu livro sobre Brecht, A Es- muito mal. fechava os olhos, sabia que devia ficar tudo tética do Teatro. Ele foi estoico ao longo da vida Passei o Ano Novo na UTI com septicemia escuro, mas não! Eu continuava vendo, só que também, pois embora tenha sido perseguido pela aguda, com mais de 50% de chance de defuntar. ora uma parede de barro em que escorriam ditadura militar, tendo perdido o posto de profes- Uma bactéria anônima queria me assassinar. Eu filetes de água, como se fossem o sangue a correr sor na UFRGS, tido de sobreviver na França como estava decidido a não dar, porém, tanta alegria entre os músculos, ora uma paisagem verde, com porteiro e passado por diversas mazelas, não fica- aos inimigos. Os médicos não descobriram um regato cheio de peixinhos coloridos ou um va se queixando. Sua obra foi uma vitória sobre os qual a bactéria que se apaixonou por mim nem canal pantanoso em que moluscos dançavam carrascos. por quê. Mas conseguiram tratar. O que refuta enfileirados como se fossem um corpo de baile. Como não mais seremos nós ao não mais o pragmatismo americano que achava que se Entre mim e a morte, havia abrigos provisórios estarmos aí, nós nada temos a temer. Nada mais vai soubermos o que funciona na prática já se sabe cheios de imagens, como se fossem catedrais acontecer conosco, pois não mais haverá o nosso eu toda a verdade. submersas. para que lhe aconteça algo. Olvido ou fama, ódio ou Na UTI, com 39º de febre, eu não conseguia A mente humana é muito estranha. Eu boas lembranças, isso restará enquanto alguém se me mexer. Todas as forças do corpo estavam no sabia que estava tomado pela fantasia, mas nada lembrar de nós, mas já não há de nos afetar. Todos campo de batalha que era eu mesmo. Entre o eu e podia fazer. Ela era mais forte que eu. Assim ela me aqueles que ocuparem os nossos espaços terão como a doença, entre o eu e o mundo, a doença construiu livrava da doença, do perigo mortal que eu talvez sua reserva exclusiva também o próprio morrer. um delírio que fazia parte dela. Era um barato estar corresse. Os médicos e enfermeiras me curaram Ao longo da vida, várias vezes temos de entregue às baratas. Eu via um jogo de xadrez num e o barato acabou. A vida ficou mais cara. Ela é, chutar o balde e dar a volta por cima: morremos computador, mas congelado, no empate técnico de afinal, a única coisa que temos para sustentar o que uma situação, para ressuscitarmos diferentes dois exércitos. Eu não queria que fosse assim, mas temos e não temos. Antes um burro vivo que um em outra. Não somos mais os mesmos, nos assim era. sabichão morto. Menino Saudade Emanuel Medeiros Vieira Para Cida e Arnoldo “E por amor de ti, em guerra o tempo enfrento. Alberto Bresciani Quanto ele em ti suprime, é quanto te acrescento.” (William Shakespeare) I Aqui não estás (mas “sinto” a tua presença imanente). Não vi o primeiro dente, os cabelos aparecendo Essa ampla presença mas estás aqui, no lado esquerdo do peito falta no corpo teu sorriso inunda a casa sempre restará a memória, Fugitivo de insultos e parece tão pouco e do esfriamento não esqueço do teu sorriso, menino, II da tua imensa ternura apenas um ser – e sempre um ser Apenas? Por dentro, tua boca Colho uma pitanga no meio destes verdes – percebo que esse amor respira em mim vai à eternidade, e no exato momento desta escrita, alguns pássaros estão cantando. (hemorragia inversa, É cedo. tontura e asfixia). Ou é muito tarde – sempre Amo-te menino – nada deterá esse amor. Nele não existe oblívio – estaremos juntos: para sempre. 6 Associação Nacional de Escritores Jornal da ANE Abril / maio – 2014 EM ROMA COM PEDRO, CYRO E AFONSO Edmílson Caminha

uando cheguei ao apartamento de João Cabral de Melo Neto para Pedro Rogério: “Já é bem conhecido o dito de que a melhor viagem é aquela entrevistá-lo, quem primeiro perguntou foi o poeta, sobre o livro que fazemos dentro de nós mesmos. A viagem dentro da viagem. Xavier de com que se levantara da poltrona para receber-me: Maistre a fez ‘em torno do seu quarto’ e escreveu um livro clássico. Quem se Q— Já leu? dispõe a ter um diário, registra a viagem se conseguir vencer a barreira do Disse-lhe que ainda não, e ele: tom confessional.” — Estou encantado! Que painel magnífico da história, da cultura, das Sobrevivente de uma espécie brasileira em extinção – a dos jornalis- artes e dos homens que tornam única essa grande cidade! tas que sabem escrever –, o autor conta boas histórias como se estivesse en- Era o Amor a Roma, de de Melo Franco, que depois tre amigos. Uma delas se passou com o polêmico dono da Construtora CR fascinaria a mim e a leitores refinados como Pedro Rogério Moreira, a quem Almeida, conhecido por negociatas com o Governo: “Num dia em que fui inspirou para escrever “Amor a Roma”, amor em Roma (Brasília : Thesaurus, almoçar na casa de dom Cecílio Rego Almeida, em Curitiba, contei-lhe a pas- 2013). Antes, o jornalista e escritor mineiro já colhera elogios com Bela noite sagem do Boissier sobre a frequência com que Júlio César visitava as tendas para voar (2005), em que faz de Juscelino Kubitschek um atraente persona- dos empreiteiros. Dom Cecílio escutou com atenção. Ao fim do meu relato, gem que se desloca da realidade para a ficção, sem que claramente se distin- ele, com aquele pragmatismo de altíssimo grau (sua empresa era uma das ga, por mérito do autor, o que é biográfico do que é fantasia. Assim também ‘sete irmãs’, assim chamadas as maiores construtoras do Brasil), comentou, a neste novo livro, quando Pedro Rogério volta a Roma para a emoção, que sério, para a minha despudorada gargalhada: — Está vendo? Está vendo? Se jamais cansa, de rever praças, monumentos e palácios, de ir a restaurantes César, em vez de ir para o Senado, tivesse ido para a casa dos empreiteiros, para o gozo dos melhores vinhos e para a fruição da boa mesa – maior ainda estaria vivo até hoje!” se na doce companhia de Chiara, amiga italiana que assume o papel de guia. Outra se deu com a bela e jovem mulher de um embaixador do Brasil Invenção do escritor ou mulher de carne e osso, não importa: valem a força e em Roma, durante recepção ao senador José Sarney. Todos se surpreende- a verossimilhança da personagem, que lhe conferem grandeza humana e bri- ram quando a embaixatriz declarou, com a maior naturalidade, ser a favor da lho literário. Não queiramos saber se Chiara mantém, sobre a nudez forte da poligamia. Ao que um diplomata brasileiro comentou baixinho, com discri- verdade, o véu diáfano da fantasia, como propunha Eça de Queiroz, uma das ção e bom humor: “Pois eu prefiro a monotonia...” paixões literárias do autor. Real para uns, fictícia para outros, nessa instigante Ao despertar em um hotel que lhe reservou a amiga, anota Pedro Ro- diferença está uma das riquezas da literatura. gério: “Medito sobre o ato de escrever. Não sou profissional da palavra; já fui, Além do Amor a Roma, o narrador carrega na bagagem O amanuense como repórter e editor. Tenho uns livrinhos por aí. Considero o escrever um Belmiro, romance de – bem diverso do primeiro, com que impulso de vaidade. É o pecado do qual peço perdão quando me confesso, faz criativo contraponto. A obra admirável de Afonso o leva pelas colinas mesmo por telepatia, como ontem em Assis. Já escrevi isto? Perdão, cometo romanas, pelos bastidores do Vaticano, pelos pórticos imperiais, que Pedro seguidamente os mesmos pecados.” Entre esses deslizes veniais não se inclui, contempla como os milhares de visitantes que diariamente os admiram; já podemos estar certos, o de escrever mal. “Amor a Roma”, amor em Roma é a machadiana história de Belmiro o induz a voltar-se para si, de modo que livro que se lê prazerosamente, pela correção da linguagem, pela riqueza das nele se harmonizem os dois espécimes caracterizados pelo filósofo francês ideias e pela elegância do estilo. Como se, convidados por Chiara, estivésse- Michel Onfray, na sua Teoria da viagem: o turista, que olha para fora, e o mos à mesa de um café romano com três mineiros luminosos: Pedro Rogério viajante, que olha sobretudo para dentro de si mesmo. A propósito, comenta Moreira, Cyro dos Anjos e Afonso Arinos de Melo Franco.

O EROTISMO, O DIVINO E BRENNAND Marco-Aurélio de Alcântara

anto Isidoro de Sevilha, tantas vezes citado E a propósito, recebeu uma visita na sua Porto do Recife (e sabemos quem foi) – faz en- por José Luis San Pedro (da Real Acade- Oficina da Várzea de uma Senhora estrangeira tender que a eternidade se manifesta através do mia Española de La Lengua), em seu livro (quem?) que lhe enviou um e-mail, mais tar- corpo (e da reprodução) e há que se perpetuar a sobreS lesbianismo e travestismo (“El Amante de, pela sua filha Helena Viktória. Foi “uma alma por intermédio do corpo. Se o poeta César Lesbiano”), apontava que o erotismo estava até experiência desconcertante e reveladora – diz. Leal estivesse vivo – acrescenta o artista – logo nos êxtases dos Santos – ele próprio um Santo. O meu reencontro com o elo perdido, a minha lembraria Dante e o amor que faz mover o sol e E o corpo humano é princípio da Divindade; e o reconsideração da fé... Brennand me fez enten- as outras estrelas.. Não se trata da apologia do Erotismo, queiram ou não zelotes protestantes e der nessa carta que a eternidade se manifesta Erotismo ou do Pornográfico (a escultura Bren- ortodoxos católicos, está associado ao Erotismo através do corpo. Há que se perpetuar a alma nandiana), como gritava aquele político pro- sob todas as suas formas. Há uma escola filosófi- por intermédio do corpo, na concepção dos vinciano, em altos brados, no Gabinete do líder ca que diz que quando dois corpos se penetram descendentes. Enquanto houver reprodução, do PFL na Câmara dos Deputados, arvorando- estão realizando a utopia dos pólos contrários, haverá garantia de eternidade”. Pela primeira -se de moralista “sans peur et sans reproche”. E própria da divindade, cujo maior atributo é ser vez, fiquei grata – diz a senhora – e emociona- o que espantava era a sua carapaça de Tartufo um em dois. Brennand escreve-me: da pelo trabalho de um artista. Brennand presta (1664), saído das páginas de Molière. Tartu- um serviço monumental à humanidade com a fo, personagem de Molière, apresenta-se como “Mircea Eliade concebia a sexualidade sua obra. Desmitifica, sem prejudicar o misté- homem piedoso, de ar submisso, dirigindo aos como um sinal particular de toda e qualquer re- rio. Ensina apologia, sem patrulha, sem levan- Céus as suas orações e súplicas e suspirava, as- alidade viva... o mundo inteiro, tanto o mundo tar bandeira”. Brennand – apesar da mediocri- pergindo água benta. Para ele tudo é pecado. E ‘natural’ como o dos objetos e ferramentas fabri- dade provinciana dos que em governo passado, enquanto moraliza, olha, com concupiscência, cados pelo homem, apresenta-se como sexuado.” tentaram “censurar” suas esculturas no Cais do as mulheres dos outros. Jornal da ANE Associação Nacional de Escritores 7 Abril / maio – 2014 Continuação da página 1 A aventura de publicar um livro Alan Viggiano

uando dou o título de “aventura” à pu- ça ainda a claridade explícita de uma conclusão Timótio, Antonio Carlos Osorio, Antônio Ro- blicação de um livro de poesia, não onde o fazer literário, iniciado a partir do limite berval Miketen, Antônio Olinto, Ático Vilas- Qpretendo comparar o feito com esca- pessoal, ascende a instâncias da realidade dimen- -Boas da Mota, Altino Carlos, Antônio Carlos lar montanhas ou surfar em águas tenebrosas; é sões infinitamente superiores. No cerne desta e Luís Carlos (irmãos), Arthur Eduardo Bene- muito mais que isso. mensagem, indubitavelmente humana, afeita o vides, Antonio Machado, Aglaia Souza, Agri- Em primeiro lugar. Procurar as editoras poder do verbo, – exímio e escrito com sabedo- pino Grieco, Alphonsus de Guimaraens Filho, comerciais será em vão; quase todas elas decla- ria, – desvela-se a exatidão de uma forma unívo- , Albert Vonn Brum, ram, em seus sítios, que não publicam livros de ca e absolutamente original de dizer. André Quicé Editor, Afonso Felix de Sousa, Al- poesia. Mas na realidade algumas fazem exce- Inúmeras afirmações críticas de óbvia timar Pimentel, Ariadne Paixão, Aricy Curvelo, ções e o meio com que chegam a isso é um mis- constatação ilustram a certeira trajetória de Ta- Antônio José de Queirós, Alexandre Marino, tério, deixa pra lá. O resultado é que temos de veira, e já se encontram afiançadas por nomes Affonso Romano de Sant’Anna, Affonso Helio- publicar por nossa conta, como, aliás, sempre prestigiosos. A relação dos títulos é consisten- doro, Altino Caixeta de Castro, Antenor Bogéa, fizeram os poetas em todos os tempos. te e bastariam as publicações, a que o poeta Afrânio Coutinho, Adriana C. Lopes, Baden Empenho mesmo eu tive foi na elabo- prestou o concurso de suas invenções e juízo Powell, Bo Wildeberg, Berta Singermann, Cyl ração e na revisão de originais. A extensão e de valor, para consagrar o seu esforço e confir- Galindo, Cyro dos Anjos, Cassiano Nunes, Car- a qualidade das apreciações sobre a poesia de má-lo como autor de franca projeção. Coevo los Alberto Abel, Carlos Nejar, Carlos Scliar, João Carlos Taveira tomaram um ano inteiro de de quantos se firmaram na década de 1980, é Cecília Meireles, Chico Nóbrega, Cláudio Fel- trabalhos forçados; ­mais do que isso, pois exi- lídimo herdeiro de experientes gerações pre- dman, Darcy Damasceno, Domingos Carvalho giu principalmente empenho intelectual não gressas e antecipa os achados mais felizes de da Silva, Dona Emília (mãe), Dilermando Ro- só meu, como do João Carlos Taveira; e do José expressões subsequentes. Valha aqui uma refe- cha, Dalila Teles Velas, Domingos Pereira Net- Santiago Naud que, além de revisar, escreveu o rência que o singulariza: sua afeição à música to, Danilo Gomes, Esmerino Magalhães Júnior, magnífico texto de apresentação do livro. erudita e atenção assídua a concertos seletivos Erich Quierbach, Edson Guedes de Morais, Quanto à revisão, só eu fiz umas cinco ou a discografia de clássicos e contemporâne- Enéas Athanásio, Eduardo Rangel, Eugênio e espero que pelo menos erros graves tenham os podem explicar muito bem o harmonioso Giovenardi, Flávio T. Lyra, Fábio Lucas, Flávio sido evitados. Isso faz lembrar a anedota anti- resultado em seus poemas – exatos na técnica René Kothe, Fernando Mendes Vianna, George ga daquele escritor que caprichou na revisão de (menos por ela do que pela essência verbal e Durand, Gisélia e João Ferreira, Gerson Valle, um livro seu e, quando percebeu que chegara à plenos de expressiva sonoridade). Firma por Grácia Cantanhede, Hildo Honório do Couto, perfeição, escreveu no fim: “Este livro não com- si próprio o melhor que se produziu na poesia Heitor Humberto de Andrade, Heitor Martins, porta eratas.” A atividade de revisor requer, an- brasileira. A hermenêutica do Alan não tergi- Henriques do Cerro Azul, Hilda Mendonça, tes de tudo, humildade. versa. Diz, textualmente: Haroldinho Mattos, Ivan Junqueira, Ildebrando Eis o magnífico texto com que José San- David de Souza, Jaime Sautschuk, José Apare- tiago Naud apresenta o livro A fortuna poética “Verdadeira aula universitária e uni- cido de Oliveira, Jorge Antunes (maestro),Juan de João Carlos Taveira: versal sobre a Poesia (...) lembrando a ur- Ramon Jimenez, Jotta Marinho, José Santiago gência de retomarem as faculdades esse Naud, José Geraldo Pires de Mello, José Manuel Encontro primoroso de fervor e inteli- estudo, para superação das carências mi- Guedes,José Maria Leitão, Jarbas Júnior, José gência, este registro literário agora publicado diáticas, ao encontro da alma de Minas, Jeronymo Rivera, José Godoy Garcia, Jacinto reúne dois importantes escritores residentes do Brasil e da alma universal.” Guerra, Jorge de Lima, Joanyr de Oliveira, José na capital federal, Com grande felicidade vem Hélder de Souza, Jurema Barreto de Souza, Joa- comprovar, em prosa e verso, a prestigiosa posi- Andou bem, inclusive, ao reproduzir nas quim Cardozo, J. Galante de Souza, Kori Bolivia, ção de Alan Viggiano e João Carlos Taveira no primeiras páginas do seu estudo a capa do livro Leda Maria Vilaça Ferrer, Luís Manzolillo, Luís cenário das letras nacionais. Alan desenvolve Arquitetura do homem, a obra síntese do Costa Velho, Luís Carlos Guimarães da Costa, aqui a sua conferência pronunciada na ANE o poeta, escrita após um jejum de doze anos, mas Miguel Iano de Andrade, Magalhães da Costa, ano passado quando com amplitude já aborda- reflexo de uma vida inteira votada à Poesia. Ali, Margarida Patriota, Maria Hele na, Maria Iza- ra personalidade e valores estéticos na obra do com a inspiração do “homem vitruviano”, geo- bel Brunacci, Mário Quintana, Mário Hermes poeta Taveira. Ressalte-se a virtude de riquezas metricamente inscrito nas figuras do quadrado Viggiano, Mário Gibson Barboza, Maria Braga primordiais oriundas na província e orientadas e do círculo, evoca-se o pensar de Leonardo da Horta, Micaela Guitescu, Manuela Alegria, Me- a partir da originária Caratinga ou Inhapim, Vinci, provavelmente o espírito mais completo nezes y Morais, Marco Polo Haikel, Napoleão ampliada em dimensão de universo. surgido na espécie humana. Soma de visível e Valadares, Nilto Maciel, Newton Rossi, Nicolas A identidade brilhante dos autores, so- invisível, o Céu e a Terra em conjunção perfeita Behr, Omar Brasil, Osmar Kraus, Olga Savary, mando interesses afins, confirma circunstâncias para a excelsa harmonia entre Mundo e Ser. Paulo Bertran, Paulo Iolovitch, Perpétua Flores, singulares que destacam então coletivamente É assim. João Carlos Taveira confirma sua Pedro Lyra, Paulo Gontijo, Roberto Corrêa, Ro- toda a sinergia da terra mineira, movida à ma- vida entre imagem e palavra. Augura-nos, além meu Jobim, Ronald Figueiredo, Ronaldo Costa nifestação da mais viva nacionalidade. Assim, a das sombras do agouro, a suspensão contingen- Fernandes, Ronaldo Cagiano, Ronaldo Mousi- estrutura coerente do livro faculta-nos o ingresso te pelo sopro do cósmico. nho, Rui Gonçalves Doca, Rosana Crispim, Sa- fecundante num denso e extenso território lírico, José Santiago Naud lomão Sousa, Sílvio Barbato, Solimar de Olivei- plenamente construído com toda a probidade. A ra, Tânia Kerr, Tânia Mendes Vianna, Turma do confidência objetiva do estudo reproduz profu- Eis a lista das personalidades que, de uma Pererê (Ziraldo, Tininim, Galileu, Saci, Geral- samente a fortuna crítica do poeta, situando ou forma ou de outra, estão envolvidas com o livro dinho, Moacyr, Pedro Vieira, Paulo Nogueira), reproduzindo seus versos fiéis ao evoluir cro- A fortuna poética de João Carlos Taveira: An- Viriato Gaspar, Victor Alegria, Wilson Pereira, nológico e segundo precisa bibliografia. Alcan- derson Braga Horta, Aloísio Santana, Agnaldo Yanderson Rodrigues, Yolanda Jordão. 8 Associação Nacional de Escritores Jornal da ANE Abril / maio – 2014 A POESIA DE NORMA ETCHEVERRY Ronaldo Cagiano

oeta e jornalista argentina nascida em Ran- A FRÁGIL e nosso nada no tempo chos (Pcia. de Buenos Aires) em 1963, é ou melhor ainda de nossa máxima aspiração: que formada em Letras e Filosofia em La Plata, Era um pássaro ou uma ondeP reside. Integra antologias nacionais e estran- a noite e não chovia criança geiras. Publicou Máscaras del tiempo (1998), As- as luzes e os automóveis na estrada pouse alguma vez paldiko (2002), La ojera de las vanidades y otros vasos de plástico rodando pelo asfalto em seus ramos. poemas (2010) e Lo manifesto y lo latente (2011). os trilhos da ferrovia Como afirma o poeta, ensaísta e crítico César Coltrane INSETOS I Cantoni, a autora “se vale da palavra poética para e as gotas de água que caíram pregadas nos vidros indagar sobre sua condição de mulher e intentar que lástima sua pele, seu cheiro Os pequenos insetos dançam em círculo conhecer a si mesma. É esta uma tarefa que em- seu abraço colidem uns com os outros cegados pela luz preende desde sua realidade doméstica, enquan- “escrevo com lápis, é possível que que artificialmente to lava, passa ou prepara receitas de cozinha com um dia desses venha e o apague” desenha suas prematuras sombras. eróticos adereços. O legado ancestral, a infância, disse Suas breves vidas se deslumbram os laços famíliares, o amor e a morte se apropriam à primeira vez. num giro após o outro de seus poemas e mostram as marcas que a vida inutilmente. vai deixando nela.” Assim os homens O POEMA DEVERIA SER ALGO QUE SE por demasiada lucidez ou demasiada leveza RELEITURAS PLANTA sucumbem. Anseio teu olhar no papel O poema não é algo que se constrói de onde costumávamos decifrar mas algo que se planta. INSETOS II os sinais Miguel Torga desta vigília permanente Então cai a noite tenho saudade desses pequenos costumes O poema deveria ser algo que se planta e não somos mais que sombras chinesas agora como um arbusto sobre o mundo que seus olhos se desviam de mim uma sebe uma macieira cemitério de nada e se parecem mais do que nunca com a parede que é irrigada sem saber os riscos flores quietas nua que construímos juntos, O que fica em segundo plano sob o golpe efêmero da água na qual, após o assombro inicial, o que vem à luz Cada manhã, como as borboletas sabíamos escrever “te amo” somente deveria dar conta da nossa pequenez insetos de luz e outras sobre a terra voltamos a crer na mundana concupiscência vulgaridades de estilo. da nossa imperceptível sombra dos dias. Como nasce um livro Carlos Magno de Melo

stava com Victor Alegria, ambos sentados onde o havia publicado. Claro, era apenas um ma- Nasceu entre mim e Victor Alegria uma sóli- em poltronas de plástico, em um barco. O nuscrito. Victor sorriu aberto e me disse com o so- da amizade. Viajamos, grupos de intelectuais, Victor cheiro salgado vinha do mar. Tomávamos taque português que não o abandona, embora more e eu, então como escritor, a Portugal por duas oca- Evinho tinto acompanhado de presunto defumado. no Brasil desde antanho, que eu lhe mandasse o meu siões. Palestras, tardes de autógrafos, intercâmbio Falávamos da língua romena. Falávamos de Oví- livro quando chegássemos ao Brasil. Se o conselho cultural e, claro, vinho. dio, poeta romano que morou em Bucareste. A bri- editorial da editora o aprovasse, ele o publicaria. Pu- Agora, semana passada, chegou à minha sa nos refrescava. Estávamos navegando o Danúbio blicou. casa o editor. Veio me apresentar um projeto, e adentrávamos o delta, rumo ao Mar Negro. Nós Assim nasceu “Bar Castelo”, isso em 2000. sobre o qual falamos em Brasília há uns meses. e mais quarenta e nove brasileiros. Estávamos na Depois vieram “O Espírito do rabo do fogão”, “Mata Victor me encomendou um romance. Queria me Romênia. Eles, com o objetivo de divulgar a nos- Serena”, “Longe da mão do rei”, “Livramento Pente- apresentar o ponto de vista de editor. Falou sobre sa literatura e nossa arte. Eram escritores, artesãos, costes”, “O manuscrito de Madri”, “Canção da água” aspectos de divulgação, estratégia, arte de capas, pintores e intelectuais que participavam da “Pri- e “Uma canção de ninar para o diabo”. A Thesaurus diagramação e desejou ouvir as diretrizes que eu mavera Romena”, evento idealizado por Victor Ale- Editora, pode-se dizer, então, descobriu-me como havia tomado para a ideia do romance (sim, será gria, buscando estreitar relações artístico-culturais. escritor. E eu e o meu editor estávamos tomando um romance). Ficamos quatro dias discutindo o Eram pois, embaixadores das artes de Brasília e do um vinho muito conhecido na Romênia e comía- projeto. Claro, tomamos vinho, falamos sobre po- Brasil naquele remoto país, nas portas da Europa mos presunto. Navegávamos o Danúbio rumo ao lítica, história, literatura valenciana, poesia, arte e Central. O único não, digamos, artista, era eu. Fora delta, ao Mar Negro. E eu com um manuscrito na mulheres, pois que ninguém toma vinho sem falar com o objetivo de fazer prospecção para negócios gaveta. Um manuscrito que convenceu o conselho nelas. Pois é, e assim nasce um livro, mesmo antes envolvendo pequenos empresários do Distrito Fe- editorial da editora e me abriu o caminho para a de ser grafada uma única letra. deral na Romênia. publicação. Outros três livros foram editados por Sagaz, Victor me presenteou com uma caneta Em dado momento, falei ao Victor que havia outras duas editoras. Mas, é aquela história: lugar e, para que eu não me esqueça do tempo, também escrito um romance. Ele me olhou e me perguntou certo, hora certa e estar preparado. com um relógio... Jornal da ANE Associação Nacional de Escritores 9 Abril / maio – 2014 Continuação da página 1 POESIA E REALIDADE Dois poemas de HUMANA Antônio Carlos Eugênio Giovenardi Santini o âmbito da convivência social, no entanto, vessia oceânica. Menos da metade dos embarcados na mal saímos das cavernas. Há que dominar fe- África completavam a viagem com vida. ras, domesticar animais, transformar florestas Descrente de que se pudesse implorar clemên- Nem campos de soja. Onde o anúncio da grandeza hu- cia aos traficantes de homens, mulheres e crianças e mana ainda não encontrou ouvintes é em si mesmo. O aos messiânicos da nova civilização ocidental e cristã, homem continua sendo o lobo do homem. dirige-se em tom de desespero e frustração ao Todo- Noturno (2) O planeta é uma vasta arena onde se batem com -poderoso: barbarismo e soberba tecnológica os mesmos seres hu- manos que amam, riem, choram e morrem. A história “Dizei-me vós, Senhor Deus! humana em sua grandeza é feita de tragédias cantadas Se é loucura... se é verdade Caminhamos na noite. O itinerário em versos ou gravadas nas paredes rupestres habitadas Tanto horror perante os céus?! Não tem luar no trânsito noturno. por nossos ancestrais. No canto dessas tragédias que Ó mar, por que não apagas Espinhos quebram sob o teu coturno cobrem de pessimismo e angústia o viver, poetas ame- Co’a esponja de tuas vagas nizam a frustração e a morte num apelo harmônico à De teu manto este borrão?... Enquanto buscas pelo teu fadário. gravidade dos fatos e à singeleza da vida. Astros! noites! tempestades! Dão voz à realidade essencial da igualdade con- Rolai das imensidades! Na escuridão, o pensamento é vário, tra a ganância, a imposição, a dominação de uns sobre Varrei os mares, tufão! outros, dos fortes sobre os fracos. Alertam os leitores. A vontade inconstante, o humor soturno, Contestam a barbárie. Lamentam a incompreensão de Quem são estes desgraçados Mas a ninguém podes ceder o turno cidadãos da mesma pátria. Repreendem a ousadia pre- Que não encontram em vós De encenar a tragédia no cenário. valecida dos prepotentes. Comprometem-se com o que Mais que o rir calmo da turba há de mais nobre na humanidade sem a pretensão da Que excita a fúria do algoz?” poesia engajada. Ouves o coro? Escutas a sibila? Trago, neste contexto, “O Canto do Piaga”, de Creio que poucos poetas como Gonçalves Dias Vaticinam o fim da tua argila Gonçalves Dias, escrito em sua juventude. Em três sé- e pintaram na tela imensa do Brasil a sen- culos de Brasil, a atrocidade quase extinguira as tribos sibilidade da alma brasileira. O índio e o negro conti- Esmagada aos pisões de um deus cruel... tupis. Vinha-se de longe a destruir civilizações mile- nuam sendo a ferida de nossa pele resistente ao anti- nares. Na ânsia de despertar no índio a luta pela so- biótico da convivência igualitária da essência humana. Mas a Graça que levas sobre os ombros brevivência, o poeta previu-lhes a desgraça que a nova O romantismo poético mergulhado no indivi- civilização lhes traria: dualismo, na solidão, na melancolia, na frustração do Há de injetar a Vida em teus escombros amor e na inevitabilidade da morte recebeu um novo E arremessar-te acima do teu céu! “Vem trazer-vos algemas pesadas, tema civilizatório: o respeito ao ser humano construído Com que a tribo Tupi vai gemer; sobre a mesma estrutura biológica e o mesmo destino Hão de os velhos servirem de escravos final. Mesmo o Piaga inda escravo há de ser. Mas a convivência social é tanto mais harmo- M niosa e compreensiva quanto mais a diversidade de Fugireis procurando um asilo, vidas existentes na natureza estiverem presentes como Triste asilo por ínvio sertão; exercício do diálogo entre as pessoas. O respeito por Anhangá de prazer há de rir-se, todas as formas de vida é o fundamento da convivência Viagem Vendo os vossos quão poucos serão.” humana. As árvores, as flores, os pássaros, os animais têm em comum com a espécie humana o elemento Vê, na resistência do índio, a dignidade de mor- vida. Tudo aquilo que vive é sempre vário. rer lutando. Chora o índio porque chorar é humano. Completo este breve passeio poético lem- Se alguma coisa vive, sempre muda: No quase épico “Y-Juca-Pirama”, cujo significado é brando o singelo poema do contemporâneo poeta “aquele que é digno de ser morto”, o poeta interpreta os João Carlos Taveira ironizando a inveja humana. O tronco deixa a pele e se desnuda, sentimentos do guerreiro. Com certeza, os nomes das aves do poema (“Peque- A cruz ressurge sem o seu sudário... Ante a morte, sabendo-se escravo e dominado, na fábula sobre a inveja”) o poeta poderia substi- recupera a dignidade de homem livre antes do fim: tuir por outros humanos desfazendo a ironia para expor a realidade do cotidiano. Ah! Tudo flui e segue o necessário “Não vil, não ignavo, Ciclo vital na pressa mais aguda: Mas forte, mas bravo, O jaburu fala mal do pavão, Serei vosso escravo: porque a beleza o incomoda. A cigarra da casca se desgruda Aqui virei ter. E a fonte vai rolando ao estuário. Guerreiros, não coro O pavão fala mal do tucano, Do pranto que choro; porque não sabe voar. Se a vida deploro, Não sou mais quem eu fui: minha alma é vaga Também sei morrer.” O tucano fala mal do sabiá, porque não sabe cantar. Que se agita e ondeia e agride a fraga Contemporâneo do poeta indianista, Castro Al- Na revolta de quem não quer barragem... ves tomou as dores do negro, tido como etnia inferior E o sabiá, por sua vez, na sociedade e sem valor mítico para a nova civilização. não fala mal de ninguém. “O Navio Negreiro – Tragédia no Mar” – foi concluído E, acendendo vulcões dentro do peito, quase vinte anos depois da promulgação da Lei Eusé- No Renascimento, a intuição de quem imor- Meu rio salta longe de seu leito bio de Queirós, de 4 de setembro de 1850, que proibiu talizou Mona Lisa sinalizou o mistério da vida invi- o tráfico de escravos. A proibição legal, no entanto, não sível: “Chegará o dia em que os homens conhecerão E recomeça a inédita viagem... impediu que navios entulhados de negros semimortos o íntimo dos animais e, nesse dia, um crime contra chegassem aos portos do Brasil. Castro Alves denuncia qualquer um deles será considerado um crime con- a miséria a que eram submetidos os africanos na tra- tra a humanidade”. 10 Associação Nacional de Escritores Jornal da ANE Abril / maio – 2014 Continuação da página 1 MALBA TAHAN Romeu Jobim Brasília revisitada ascido em 6/5/1895, no Rio de Janeiro, e Minha terra tem palmeiras, falecido em 18/6/1974, em Recife, após Onde canta o sabiá! João Carlos Taveira uma de suas inumeráveis palestras, le- Cosseno a, cosseno b, Ncionou em diversos estabelecimentos, sempre Cosseno b, cosseno a! A Adirson Vasconcelos utilizando seus métodos de descomplicar o en- sino, em razão deles sendo hoje um dos ícones Exatamente nesse instante, começa um Que sei de ti? da Escola Nova, que vai ao encontro dos interes- barulho na cobertura de palha do prédio. To- Que sei de mim? ses do aprendiz, motivando-o para o exposto nas dos olharam para cima. Era uma enorme ma- Volto às origens aulas. Ensinou Geografia e Física, mas sobretudo riposa ou borboleta que, acordando, procurava de tudo: barro. Matemática, em colégios como a Escola Normal escapar para fora do prédio. Vendo de que se Tumulto e barro do Rio de Janeiro, Pedro II e outros. tratava, Júlio César disse que Malba Tahan, um mal comprimidos A ideia de um sábio persa a contar as his- dia, passara por situação semelhante. E pros- no largo espaço tórias que criava, lhe surgiu, como forma de dar seguiu: do meu espanto. a volta por cima, em face da dificuldade em colo- – Vejam como suas cores são bonitas. car seus artigos nos jornais da época. Por inter- Trata-se, evidentemente, de um lepidóptero, que Vagas lembranças médio de Malba Tahan, com biografia nos livros, veio da floresta próxima, ali do morro, a fim de de um pé-de-vento cada qual mais apreciado, sob a forma de contos passar a noite aqui em nossa cobertura de palha. e o redemunho e romances, pode-se dizer, com relação à nossa Homem de grande saber, continuou a varrendo sonhos. literatura, que terá feito mais do que os próprios falar de borboletas e mariposas, com a mesma orientais, chegando suas obras ao número de 120. desenvoltura como expunha o que estava dizen- Desde o começo Foi Humberto de Campos, intrigado, do antes. De repente, cerca de cinco minutos desta epopeia, como todos, com aquele extraordinário sábio decorridos, a visitante encontrou a saída que homens e bichos persa, quem descobriu e revelou sua identidade. procurava e ganhou a liberdade. Imediatamen- se circunscrevem Malba Tahan – proclamou aos quatro ventos – te, Júlio César, ou Malta Tahan, como queiram, em puídos mapas, era o professor e escritor carioca Júlio César de voltou tranquilamente ao assunto que estava em utopias Melo e Sousa! desenvolvendo, antes do aparecimento da bor- de sonhadores “O professor de Matemática – costumava boleta ou mariposa. do amanhã. dizer Melo e Sousa, em suas palestras – é geral- Em concluindo a palestra, uns quinze ou mente um sádico”, conceito que, por vezes, tive vinte minutos após, o ilustre professor, reportan- Volto ao passado, e certamente teve o leitor ensejo de confirmar... do-se à visita que tivemos, frisou que, no decurso vejo o presente Em meados da década de 1950, termina- de uma aula, nada se deve perder. E, como não e a solidão va o Curso de Magistério na Faculdade Nacio- podia deixar de ser, ao final ganhou merecida sal- frutificada. nal de Filosofia, quando assisti a uma palestra va de palmas dos alunos-mestres e de todos os de Malba Tahan (vale dizer Melo e Sousa) para presentes. M alunos-mestres. Foi a primeira e única vez que Lembrando aqui a figura de Malba Tahan, o vi. Nossas aulas, geralmente, eram em um gal- recorda-me que, anos mais tarde, assistia eu a pão grande, coberto de palhas, perto do Largo uma solenidade literária e tive ocasião de me be- do Machado, no Rio de Janeiro. A sala, naquele neficiar da presença de espírito do saudoso mes- Sonho dia, estava cheia, graças, por certo, ao autor da tre. É claro que não me referi a ele. palestra. Fazendo parte da mesa, como magistrado Vili Santo Andersen Pois bem, depois de falar sobre o charme acaso presente, deram-me a palavra. Tomado de da Escola Nova, em que o professor não transmi- surpresa, ainda houve que meu celular (ou tele- O sol, por todo o dia, trabalha e me te conhecimentos, mas leva o estudante a apren- móvel, como estão dizendo os portugueses), no- faz cansar. A lua, à noite, passeia, me embala e me faz sonhar. der, mediante o próprio interesse e a motivação, vidade da época, tocou precisamente quando me o palestrante explicava que, na Matemática, além levantei. O sol de deduzir, temos de saber algumas fórmulas de Atendi ao telefone, sem nada dizer antes à cor. Passou, então, a mencionar recursos práti- plateia, certifiquei-me de que o assunto do telefo- ao fim da tarde cos, que davam certo. nema não requeria urgência e, voltando-me para bate o ponto – Vejamos a fórmula do cosseno – pros- os presentes na sala, disse-lhes, com tranquili- fecha o turno segue ele –, em que, depois de deduzir formula- dade, algumas palavras sobre a Tecnologia que, apaga a luz ções, temos de lembrá-las, com facilidade. Ora, afinal de contas, não devia prejudicar, mas ajudar e vai dormir. é só recorrermos, exemplificando, ao poema de a literatura. Em seguida, superada, como o foi, a Gonçalves Dias, que todos conhecem: distração de ter deixado o telefone ligado durante Da longa caminhada a solenidade, e após meditar de permeio sobre o põe-se a descansar. Minha terra tem palmeiras, que devia falar na ocasião, pude dizer, com segu- Onde canta o sabiá! rança, tudo que a mim e a todos pareceu oportu- Eu não. As aves que aqui gorjeiam, no sobre o evento. Deito-me com a lua Não gorjeiam como lá! E até, como Malba Tahan, ganhei palmas e durmo para sonhar. E dizemos, então: ao final! Jornal da ANE Associação Nacional de Escritores 11 Abril / maio – 2014 Nathalie Sarraute entre elogios e favores (Nilto Maciel)

anete Clair tem me visitado. Na véspera de Na- soletrar. “Se você puder escrever resenha ou artigo – não por cento) se preenchia com prosas e versos de sujeitos tal, esteve em minha casa. Não trouxe um litro precisa ser longo...” desconhecidos ou alheios ao nosso trabalho caseiro de Jde aguardente (que ela tem ciência da minha abs- Janete Clair me espiava, embasbacada, como se revisão e arrumação das composições nas páginas em temia) ou um broche de ametista (pois me considera ouvisse dos lábios de Cristo, ou outro sábio antigo, a Ver- branco. Quase tudo terminava no cesto do lixo. (Não, homem íntegro); entregou-me, sim, exemplar de Na- dade Única. Interrompi o discurso: “Quer mudar de as- não cometia esse delito, em respeito à natureza; sempre thalie Sarraute. Imaginem vocês o título. Não fazem sunto, falar da ressurreição da carne, da vida eterna?” Ela aproveitei, ao máximo, todo e qualquer papel, principal- ideia? Serei presto: Disent les imbéciles. Eu não sabia se equilibrou no sofá: “Não, professor, não estou disposta mente para neles praticar o pecado da criação). da existência dessa obra. Aliás, só li um romance de a falar. Só desejo ouvi-lo”. (As meninas e os meninos das Minha pupila parecia cochilar no assento. Eu fe- Nathalie: Infância. Leitura de muitos anos atrás. Nem universidades me têm como professor, eu que nunca me chava os olhos e a supunha enroscada em si mesma, feito me lembrava dela, embora não seja um desmemoriado. postei de costas para a lousa, o quadro negro ou verde, e gatinha manhosa. Ao abrir, eu me sentia mais enganado do Confuso, afastei-me da discrição, sem perceber: “Por sempre estive encolhido no mais recôndito e escuro re- que antes da criação de Eva: ela se encontrava tão atenta que você me dá isto?” Tentei consertar o erro: “Quero canto da sala de aula.) quanto rato em cozinha abandonada. “E onde entra o bene- dizer: por que você escolheu esta autora?” Ela não se Retomei o sermão (não da montanha, mas da fício?” Expliquei-lhe: Alguns sujeitos costumavam mandar deixou enredar às malhas de meu palavrório: “Porque patranha) e fiz a garota se extasiar: “Nunca recebi versinhos, historietas, artigos sem verbos e sem advérbios. o senhor é um erudito”. louvores desse tipo – e com a constância desses – dos Os mais cínicos diziam: “Publicado o meu texto, me envie Não gosto de receber elogio e, muito menos, favor lábios ou das mãos de escritores do nível de Moreira uns dez exemplares. No próximo número de minha revista literário. Para mim, por trás de toda frase pomposa (ou no Campos, Francisco Carvalho, Anderson Braga Horta”. sairá um conto seu”. Os inescrupulosos agiam em sentido seu bojo) vem um bando de marimbondos venenosos. São Ajeitei-me na cadeira de balanço e dei prossegui- contrário aos cínicos. Primeiro difundiam trecho de minha como aquele cavalo dos gregos. Estou sempre de sobrea- mento à lamúria: Toda exaltação falsa me deixa abatido. obra (sem autorização), juntavam a uns exemplares do im- viso. Não, não se trata de mania de perseguição, paranoia Ser sujeito de graça ou favorecimento literário me pa- presso seus papéis borrados e os endereçavam a mim. Por ou outra perturbação psíquica. A vida me ensinou a ser rece demasiadamente incômodo. Durante anos, mantive cima de tudo, como invólucro, vinha cartinha ou bilhete: assim desconfiado. Toda glorificação exagerada me soa uma “revistinha de fundo de quintal” (como disse um “Terei muita honra em ser editado por você. Veja estas po- como adulação e me faz ficar com pulga atrás da orelha, leitor). Chamava-se Literatura. Não perderei tempo com esias”. A fim de evitar essas especulações pecaminosas, sobretudo se vinda de quem não me conhece ou de novato lamentações tardias. Não lembrarei os prejuízos, nem nunca remeti (de vontade própria) colaborações a donos de no mundo das letras. Não me refiro a frases simples e sim o tempo perdido a revisar escritos repletos de erros de periódicos literários. Cometi esse erro, sim, nos primeiros ao uso desmedido de adjetivos do tipo “singular” e “ex- todo tipo. Não adianta chorar o leite derramado. Pelo tempos, quando ainda não me tornara impressor de palan- cepcional”, ou vocábulos como “melhor”, “maior”, “princi- contrário, preciso ver o lado bom de tudo: a publicação frórios e de saltérios. A muito custo, faço chegar meus es- pal”. Se acontecesse uma vez, eu não suspeitaria de nada. se mantinha às minhas custas e de alguns amigos (Aricy critos às mesas de jornais e blogues. Sinto-me mal quando as bajulações se tornam repetitivas, Curvello, Astrid Cabral, Batista de Lima, Dimas Mace- Como a noite se anunciasse em pios estridentes dia após dia. Pois o emissor da lisonja se acha no direito do, Enéas Athanázio, Francisco Miguel de Moura, João nas árvores da rua, abri o livro de Nathalie Sarraute e li, de exigir, em troca, louvações estapafúrdias, como recom- Carlos Taveira, José Peixoto Júnior, Sérgio Campos, em voz alta, umas frases. Não me lembro mais nem dos pensa ou pagamento. E expede pelo correio (sob registro, Soares Feitosa e outros menos constantes nas participa- verbos, se aimer, se savoir. Se j’aime, se je sais. Janete com garantia de chegada) um livrinho chinfrim, desses ções). A maior parte das páginas ocupávamos nós, os Clair sorriu e não me chamou de erudito. Talvez eu tenha de deixar qualquer analfabeto sem vontade de aprender a colaboradores regulares. A parte menor (cerca de vinte ouvido um murmurante “coitado!”. OS INTELECTUAIS NO MONTE OLIMPO Jolimar Corrêa Pinto

ualquer avaliação sobre o desempenho das clas- Estamos vivendo de um passado que não mais “Sem dúvida. E é por essa razão que observa- ses dominantes em um país – sem a perspectiva existe, presos a “verdades” já revogadas, defendendo mos na paisagem político-social da Terra as aberra- histórica – corre o risco de estar impregnada de posições que não se coadunam com as necessidades do ções, os absurdos teóricos, os extremismos, operando paixão,Q de interesses contrariados e, portanto, sem a ne- momento, defendendo deuses já caídos, trocando elo- a inversão de todos os valores. cessária isenção – obrigatória no âmbito científico. gios nem sempre merecidos, trilhando sendas povoa- “Excessivamente preocupados com as suas ex- A análise das condições econômicas, sociais e po- das de almas penadas, fazendo de conta que não temos travagâncias, os missionários da inteligência trocaram líticas do Brasil atual vem sendo realizada por políticos, a obrigação de analisar criticamente as instituições que o seu labor junto ao espírito por um lugar de domínio, cientistas políticos, jornalistas e economistas, além de nos governam – aqui e agora – naturalmente sem pai- como os sacerdotes religiosos que permutaram a luz representantes dos setores profissionais de empregados e xões partidárias. da fé pelas prebendas tangíveis da situação econômi- ca. Semelhante situação operou naturalmente o mais empregadores, todos defendendo seus próprios interesses Não podemos nos aprisionar em um academicis- alto desequilíbrio no organismo social do planeta, e, ou pontos de vista vis-à-vis com os fatos correntes; são mo vicioso – por mais que o queiramos virtuoso – sob como prova real desse asserto, devemos recordar que opiniões contaminadas com o calor dos debates e das con- pena de sermos acometidos futuramente de sofridos re- a guerra de 1914-1918 custou aos povos mais inte- veniências, cientificamente imprestáveis. morsos pela não participação, pela abstenção no momento lectualizados do mundo mais de cem mil bilhões de E os intelectuais? parece-me que estamos insta- em que o mundo – carente, não de palavras consoladoras, francos, salientando-se que, com menos da centésima lados confortavelmente em um “Monte Olimpo”, indife- tranquilizantes, confortadoras, pacificadoras, sedativas, parte dessa importância, poderiam essas nações haver rentes aos dramas, aos questionamentos, às vicissitudes, mas de convocação para a formulação de novos preceitos expulsado o fantasma da sífilis do cenário da Terra.” às alegrias e tristezas que pairam sobre a humanidade. Es- tendentes a inibir essa atual tendência à prática da vio- taríamos perplexos face aos terríveis, inexplicados, tene- lência como forma de se impor, seja na política quanto Os religiosos bem intencionados se dizem salva- brosos comportamentos – das pessoas simples até os líde- na religião ou nos relacionamentos comuns do dia-a-dia. dores das almas, cabe-nos procurar mostrar à humanida- res de todos os matizes, chefes de Estados e de governos, Somos – os intelectuais – pessoas cuja formação, de como tomar atitudes visando ao próprio bem-estar, e partidos políticos, líderes religiosos, grandes complexos vivência, criatividade, senso agudo de observação e co- prescindir dos comandos de lideranças carismáticas, cujos empresariais e militares? Por que estaríamos silentes, não municação, obriga-nos a exercitar o sacerdócio da salva- propósitos inconfessáveis estão preponderantemente a ser- partícipes – na condição de naturais formadores de opi- ção da humanidade enquanto seres vivos, de carne e osso, viço dos interesses próprios ou grupais; e costumam levar nião – quando as massas revoltosas, ignaras, mal forma- sem cometer hipocrisias ou estelionatos (o “conto do vi- os países a sangrentas revoluções destruidoras e fratricidas. das, maltratadas, enganadas, encurraladas eleitoralmente gário”). Há uma carência que nós não podemos ignorar e Compromissados apenas com a busca da verdade, estão carentes de uma orientação bem intencionada, que a cujo atendimento não nos é dado faltar. isentos de paixões ou interesses subalternos, cuidemos de esteja interessada apenas no crescimento intelectual e so- Ao ser questionado sobre se a decadência intelec- dar um vade retro à nossa olímpica indiferença, quando cial, na libertação de seres humanos acorrentados por es- tual poderia prejudicar o equilíbrio do mundo, respondeu nada para estimular o debate elegante de questões mal re- molas analgésicas? um cidadão ilustre, Publius Lentulus Cornelius: solvidas que estão atribulando nossas vidas.

12 Associação Nacional de Escritores Jornal da ANE Abril / maio – 2014 SONETOS E XILOGRAVURAS Fontes de Alencar

- O século XX não vencera o primeiro quar- quanto no área pictural. Terra adentro, mar mesmo na França esteve presente em poucos tel. João Ribeiro, de cultura resplendente, afora! (Aracaju: Banese, 2009) é álbum que poetas. Nem podemos esquecer, no poeta cea- entregou aos coetâneos, em 1917, seu livro reproduz quadros seus. Criações suas espa- rense, as notas herdadas do Simbolismo, para I Folk-lore (Estudos de literatura popular) – Rio lham-se pelo Brasil, a velha Europa e Estados não falar do Romantismo subjacente. O pró- de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos – Livrei- Unidos da América. prio poeta costumava classificar-se como um ro-Editor. Cinco decênios escoaram-se até que III - Ato-me, ora, ao bardo Otacílio de Aze- essa meritória obra fosse republicada: O Folclore vedo, que assim cantou sua terra: parnasiano-simbolista”. – Rio: Organização Simões, editora, 1969; con- Otacílio de Azevedo ocupou na mencio- tendo Introdução de Joaquim Ribeiro. Daquela Sob o claro esplendor de amplo céu de cobalto nada instituição academial a cadeira 26, de que primeira edição colho: Mais de setenta anos há que arde aos beijos do sol que ilumina a amplidão é patrono o filólogo Manoel Soares da Silva que apareceu pela primeira vez a palavra folk- dentro do circulo de pedras de um planalto, Barbosa, e ali foi saudado por Jader de Carva- -lore, em um artigo do Athenaeum de Londres. fulge, alegre e feliz, radiosa, Redenção! lho. Eis, leitor, aqueles dois sonetos de Otacílio Propunha-o W. Toms, como expressão téc- de Azevedo, que primeiramente estão em nica apropriada ao estudo das lendas, tra- seu poemário Réstia de Sol, editado em dições e da literatura popular. 1942: A palavra teve a boa fortuna de se di- fundir igualmente pelos povos latinos cujas O CAMALEÃO línguas não possuem a faculdade plástica de criar neologismos senão em condições No corruscante olhar a hirta pupila acesa, raras. Em geral recorremos ao grego e o cujos raios visuais são fontes de atração, termo demologia seria o corresponden- ante os sáurios que há dentre a imensa natureza, te literal de folk-lore. O alemão seguiu a outro não há que se compare ao camaleão. mesma corrente inglesa com os vocábulos Volkslehre e Volkskunde. Transmuda-se-lhe o dorso em safira, turquesa, E trago ainda: Os animais são como esmeralda, topázio e fulge à combustão, deuses familiares para o homem primitivo. numa espécie incomum de arco-iris, que a riqueza As primeiras histórias são naturalmente das cores faz vibrar da luz a refração... histórias de animais, ou fábulas, como se Para o inseto atrair à ígnea boca, a distância disse depois. fica imóvel, e estende a língua prenhe de ânsia, Que muito! se todos os selvagens, cujo extremo se curva, à aparência de anzol... quase todos, tinham o seu totem, se re- putavam descendentes de um bicho; se os E quando quer fugir a inimigo que assoma, brasões dos seus avós se confundiam com o numa metamorfose, um novo corpo toma bestiário das suas paisagens nativas! e esconde-se através de uma réstia de sol... Impende aqui o registro de ter Hermes Fontes (1888-1930) publicado em 1919 seu O PAVÃO livro Microcosmo – Elogio dos insetos e das flores (Rio: Livraria Leite Ribeiro e Mau- De uma piscina ao sol, sobre o friso doirado, rillo). Nessa coletânea estão O Grilo, O Lou- sob o pálio aromal de amplo caramanchão, va-deus e O Mosquito – quatorzetos. Otacílio de Azevedo com o porte varonil de um príncipe encantado, II - A Confraria dos Bibliófilos do flóreo leque distende à frouxa viração. Brasil promoveu em 2013 a publicação de Bestiário da Poesia Brasileira – Xilogravuras Em Fortaleza foi publicado em 1986 Tri- Da água no úmido espelho o seu corpo estampado de Leonardo Alencar, com cinqüenta descri- go Sem Joio (Seleção de Poemas) do redencio- à luz que o faz fulgir ao calor do verão ções de animais, sonetos de distintos poetas. nista com introdução de Sânzio de Azevedo, de esmeraldas rubis, safiras, o irisado Da Costa e Silva aparece com quatro peças; incêndio faz supor, em perfeita ignição! membro da Academia Cearense de Letras. Hermes Fontes, com três; Otacílio de Azeve- do, Bastos Tigre e Jorge Faleiros, com duas, Nesse texto seu ilustre filho registra que ele Como o delito a expiar de estranho crime impune, cada qual. Humberto de Campos, Lêdo Ivo, foi “parnasiano, pela sua formação e, sobre- num surto de desdém todas forças reúne, Luís Delfino, Júlio Maciel, Júlio Salusse, Ola- tudo pela época em que floresceu sua poesia e desta o metal da mais roufenha voz, vo Bilac, Antonio Sales, Augusto dos Anjos e no Ceará. Mas parnasiano no sentido brasi- também estão na antolo- leiro do termo, raras vezes pagando tributo cujo som convulsiona em círculos amargos todo o tanque, ora azul, onde os cem olhos Argos gia. Um soneto, uma xilogravura de Leonar- à chamada impassibilidade, que deveria ter do Alencar, artista a pleno, tanto na xilografia ardem-lhe à cauda real num turbilhão de sóis. caracterizado o Parnasianismo francês e que