BRUNA GRASIELA DA SILVA RONDINELLI

MARTINS PENA, O COMEDIÓGRAFO DO TEATRO DE SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA: UMA LEITURA DE O JUDAS EM SÁBADO DE ALELUIA, OS IRMÃOS DAS ALMAS E O NOVIÇO

CAMPINAS, 2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

BRUNA GRASIELA DA SILVA RONDINELLI

MARTINS PENA, O COMEDIÓGRAFO DO TEATRO DE SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA: UMA LEITURA DE O JUDAS EM SÁBADO DE ALELUIA, OS IRMÃOS DAS ALMAS E O NOVIÇO

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Orna Messer Levin

Dissertação de mestrado apresentada ao instituto de estudos da linguagem da universidade estadual de campinas para obtenção do título de mestra em teoria e história literária, na área de história e historiografia literária.

CAMPINAS, 2012

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA POR CRISLLENE QUEIROZ CUSTODIO – CRB8/8624 - BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM - UNICAMP

Rondinelli, Bruna Grasiela da Silva, 1985- R668m Martins Pena, o comediógrafo do Teatro de São Pedro de Alcântara: uma leitura de O judas em sábado de aleluia, Os irmãos das almas e O noviço / Bruna Grasiela da Silva Rondinelli. -- Campinas, SP : [s.n.], 2012.

Orientador: Orna Messer Levin. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

1. Pena, Martins, 1815-1848 - Crítica e interpretação. 2. Teatro João Caetano (, RJ). 3. Teatro brasileiro (Comédia). 4. Cultura - História. 5. Imprensa. I. Levin, Orna Messer, 1960-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em inglês: Martins Pena, the comediograph of the São Pedro de Alcântara Theater: a reading of O judas em sábado de aleluia, Os irmãos das almas and O noviço. Palavras-chave em inglês: Pena, Martins, 1815-1848 - Criticism and interpretation João Caetano Theater (Rio de Janeiro, RJ) Brazilian drama (Comedy) Culture - History Press Área de concentração: História e Historiografia Literária. Titulação: Mestra em Teoria e História Literária. Banca examinadora: Orna Messer Levin [Orientador] Elizabeth Ferreira Cardoso Ribeiro Azevedo André Luís Gomes Data da defesa: 04-12-2012. Programa de Pós-Graduação: Teoria e História Literária.

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Para Neusa e Duilio, por acreditarem em meus sonhos.

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AGRADECIMENTOS

Concluído este trabalho, resta-me agora agradecer a todos que o tornaram possível e contribuíram para o seu melhor desenvolvimento. Primeiramente, agradeço à Prof.ª Dr.ª Orna Messer Levin pela excelente orientação, por acreditar nesta pesquisa, pelas leituras atentas de meus escritos e por contribuir para transformar o Mestrado em um passo importante em minha caminhada profissional e pessoal. Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela concessão da Bolsa Regular de Mestrado, que me permitiu dedicar tempo integral à pesquisa, e da Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE), que financiou a minha estadia na França, entre abril e junho de 2012, possibilitando-me consultar obras e documentos nas bibliotecas e arquivos de Paris, e obter o texto do melodrama Fabio le Novice (1841), de Charles Lafont e Noël Parfait. Ao Prof. Dr. Jean-Claude Yon, do Centre d'Histoire Culturelle des Sociétés Contemporaines (CHCSC), da Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines (UVSQ), por ter orientado o meu projeto de estágio de pesquisa, "Martins Pena e o Melodrama Romântico Francês" (BEPE/FAPESP), durante a minha estadia na França. Sou imensamente grata pela extensa bibliografia que o Prof. Yon me forneceu sobre o teatro francês do século XIX. Ao Prof. Dr. Jean-Yves Mollier (CHCSC/UVSQ) por ter se prontificado a esclarecer as minhas dúvidas sobre o dramaturgo Noël Parfait. À Prof.ª Dr.ª Anaïs Fléchet (CHCSC/UVSQ), pelas dicas de sobrevivência em Paris. À Claude Chauvineau, diretora da Bibliothèque des Études Théâtrales – Gaston Baty (Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3), que atendeu à minha solicitação de reprodução do melodrama Fabio le Novice. Ao Prof. Dr. Jefferson Cano (IEL/UNICAMP), pelo debate enriquecedor durante a banca de qualificação desta dissertação.

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Aos professores titulares da banca, Prof.ª Dr.ª Elizabeth Ferreira Cardoso Ribeiro Azevedo (ECA/USP) e Prof. Dr. André Luís Gomes (UnB), por lerem e debaterem o meu trabalho. E às professoras suplentes, Prof.ª Dr.ª Vilma Sant'Anna Arêas (IEL/UNICAMP) e Prof.ª Dr.ª Larissa de Oliveira Neves Catalão (IA/UNICAMP). Aos membros do projeto temático "A Circulação Transatlântica dos Impressos: a globalização da cultura no século XIX" (FAPESP), em especial à Prof.ª Dr.ª Márcia Azevedo de Abreu, que conhece a minha trajetória acadêmica de perto e sempre contribuiu com valiosas sugestões. Aos funcionários do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL/IFCH/UNICAMP), sempre solícitos e atenciosos no atendimento aos pesquisadores. Não poderia deixar de mencionar a grande amiga Danielle Crepaldi Carvalho, a quem sou eternamente grata por, há seis anos, ter acreditado em meu potencial de realizar pesquisas nos periódicos oitocentistas. Foi aí que tudo começou... Por fim, agradeço ao apoio de meus familiares, sempre orgulhosos de meu trabalho. Especialmente ao Duilio, por compreender as extensas horas dedicadas à pesquisa, por ouvir e debater, com paciência, as minhas ideias sobre o teatro, e, simplesmente, por estar ao meu lado, sempre.

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"Le théâtre est un point d'optique. Tout ce qui existe dans le monde, dans l'histoire, dans la vie, dans l'homme, tout doit et peut s'y réfléchir, mais sous la baguette magique de l'art".

Victor Hugo, Prefácio de Cromwell, 1827.

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RESUMO

Este estudo reconstitui as condições em que foram representadas as peças de Martins Pena (1815-1848) no Teatro de São Pedro de Alcântara, entre os anos de 1838 e 1855, a partir de informações recolhidas nos anúncios de espetáculos, crônicas teatrais e cartas de espectadores publicadas pela imprensa fluminense oitocentista. A contextualização dos espetáculos – levantamento de dados acerca da mise en scène, do repertório, dos programas e artistas atuantes – iluminou assuntos e propôs respostas possíveis a questionamentos sobre a produção dramática de Martins Pena, tais como as motivações para a composição de suas comédias e as condições em que estas foram recebidas pela crítica e público. Martins Pena escreveu um total de 22 peças cômicas; destas, 18 estrearam entre outubro de 1838 e dezembro de 1846 no São Pedro de Alcântara, em sua grande maioria nos programas de espetáculos beneficentes em favor de atores, dentre os quais Estela Sezefreda (1810-1874), esposa de João Caetano (1808-1863), e os portugueses Manoel Soares (?-1859) e Ludovina Soares (1802-1868). O Judas em Sábado de Aleluia, Os Irmãos das Almas e O Noviço foram as suas comédias mais encenadas durante as décadas de 1840 e 1850. Essas peças, tecidas por recursos farsescos, dialogam com a estética do melodrama francês, adaptam discussões trazidas pelos periódicos do Rio de Janeiro e satirizam as ordens religiosas, a polícia, as leis civis e criminais do Império. A reconstrução do contexto de criação das obras de Martins Pena nos permite concluir que o comediógrafo foi influente na constituição dos benefícios teatrais oferecidos pelos artistas do São Pedro de Alcântara, espectador dos programas desse teatro, leitor e censor de seu repertório, e um autor que, além da busca de divertimento, tinha uma mensagem social para transmitir à plateia.

Palavraschave: Martins Pena; Teatro de São Pedro de Alcântara; Comédia; História Cultural; Imprensa.

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ABSTRACT

This study reconstitute the conditions in which Martins Pena (1815-1848) plays were represented at the São Pedro de Alcântara Theater, during the years 1838 to 1855, using information gathered from spectacles' announcements, theatrical chronicles and letters from spectators published in the fluminense press of the eighteenth century. The contextualization of the exhibitions – data acquisition about the mise en scène, the repertory, the programs and the acting artists – illuminated issues and proposed possible answers to questions about the Martins Pena's dramatic production, such as the motivations to compose his comedies and how was the public and critic reception. Martins Pena wrote 22 comic plays; 18 of these were first time staged between October of 1838 and December of 1846 at the São Pedro de Alcântara Theater, mostly during the programs of the spectacles in benefit of actors, as Estela Sezefreda (1810-1874), wife of João Caetano (1808-1863) and the portuguese Manoel Soares (?-1859) and Ludovina Soares (1802- 1868). O Judas em Sábado de Aleluia, Os Irmãos das Almas and O Noviço were his most staged comedies during the decades of 1840 and 1850. These plays, woven with farcical means, dialogue with the french melodramas' esthetic, adapt discussions present in the Rio de Janeiro daily journals and satirize the religious orders, the police, the civil and criminal laws of the Empire. The reconstruction of the Martins Pena's creation context allowed us to conclude that the comediograph had influence on the organization of theatrical programs in benefit of actors at São Pedro de Alcântara Theater, were spectator of these programs, reader and censor of their repertory, and an author who searched not only to give entertainment to the audience, but also to transmit a social message.

Keywords: Martins Pena; São Pedro de Alcântara Theater; Comedy; Cultural History; Press.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO - UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES TEATRAIS DAS COMÉDIAS DE MARTINS PENA ...... 01

CAPÍTULO 1 - MARTINS PENA, O TEATRO DE SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA E A IMPRENSA: CAMINHOS QUE SE CRUZAM ...... 11 1 A Trajetória do Teatro de São Pedro de Alcântara ...... 11 1.1 De Real Teatro de São João a Teatro de São Pedro de Alcântara: história, repertório e companhias teatrais ...... 12 1.2 O Ator João Caetano e os Diletantes ...... 19 1.3 Os Espetáculos do Teatro de São Pedro de Alcântara: a plateia, os bilhetes e os cambistas ...... 23 2 Um Comediógrafo Brasileiro no Teatro de São Pedro de Alcântara ...... 29 2.1 O Juiz de Paz da Roça e A Família e A Festa da Roça: o início ...... 30 2.2 O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas: uma fase de transição ... 42 2.3 O Auge das Estreias de Martins Pena (1845-1846) ...... 45 2.4 Na Trilha do Melodrama: enredo histórico, cenários europeus e personagens nobres ...... 61 2.5 Martins Pena se Despede do Teatro de São Pedro de Alcântara ...... 63 2.6 Para Além do Palco: as comédias de Martins Pena na tipografia de Paula Brito . 66 3 As Reprises das Comédias de Martins Pena e o Novo Panorama Teatral na Corte (1850-1855) ...... 69

CAPÍTULO 2 - A FESTA RELIGIOSA, A POLÍCIA E AS LEIS CIVIS EM O JUDAS EM SÁBADO DE ALELUIA ...... 81 1 Os Temas, o Enredo e as Personagens ...... 81 2 O Teatro de São Pedro de Alcântara e a Quaresma ...... 89 2.1 As Comédias de Martins Pena e as Festas Religiosas ...... 94

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3 A Autoridade Policial e os Direitos Civis ...... 95 3.1 O Autoritarismo Policial: a corrupção e o abuso de poder ...... 96 3.2 O Direito de Liberdade ...... 98

CAPÍTULO 3 - AS IRMANDADES RELIGIOSAS E A MAÇONARIA EM OS IRMÃOS DAS ALMAS: UMA BUSCA DOS DIREITOS DOS HOMENS ...... 103 1 Os Temas, o Enredo e as Personagens ...... 103 2 O Dia de Finados: religiosidade e festividade ...... 108 3 As Irmandades Religiosas, a Maçonaria e os Direitos dos Homens ...... 111

CAPÍTULO 4 - O IMPACTO DO MELODRAMA EM O NOVIÇO: PARÓDIA E SÁTIRA ...... 121 1 Os Temas, o Enredo e as Personagens ...... 121 2 Martins Pena e o Melodrama Romântico Francês ...... 126 2.1 Fabio le Novice: a peça, a mise en scène e a recepção em Paris ...... 128 2.2 O Noviço e Fabio le Novice: uma leitura ...... 132 3 A Sátira em O Noviço: o convento, o patronato e as leis criminais ...... 137

CONSIDERAÇÕES FINAIS - MARTINS PENA E SUAS COMÉDIAS: UMA MENSAGEM À PLATEIA ...... 143

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 147

ANEXOS ...... 159 Um Episódio de 1831 ...... 161 Contos e Crônicas de Martins Pena no Correio das Modas ...... 167 Representações de Martins Pena em Números ...... 189 Preços dos Bilhetes dos Espetáculos Teatrais no Rio de Janeiro (1840-1855) ...... 191 A Festa e A Família da Roça (Comédia original) ...... 193 As Estreias de Martins Pena em Espetáculos Beneficentes ...... 199

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Anúncios das Encenações de Uma Mulher Feia ...... 201 Sequenciamento de Cenas de O Judas em Sábado de Aleluia ...... 205 Sequenciamento de Cenas de Os Irmãos das Almas ...... 209 Sequenciamento de Cenas de O Noviço ...... 213 Anúncio da Estreia de Fabio o Noviço ou A Independência de Milão ...... 219 Fabio le Novice ...... 221

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INTRODUÇÃO

UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES TEATRAIS DAS COMÉDIAS DE MARTINS PENA

Hoje podemos dizer com segurança que as comédias e farsas estão longe da simplicidade.1

Luís Carlos Martins Pena nasceu no Rio de Janeiro a 05 de novembro de 1815. Além dos estudos na Escola de Comércio, teve aulas de línguas estrangeiras com professores particulares e cursou literatura, pintura, música e canto na Academia Imperial de Belas Artes. Após os estudos, atuou, simultaneamente, como funcionário público, dramaturgo e cronista teatral. Em setembro de 1838, Martins Pena foi nomeado amanuense da Mesa do Consulado da Corte; em abril de 1843, tornou-se amanuense da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros; e, em outubro de 1847, adido de primeira classe à Legação Brasileira em Londres. A nomeação foi divulgada pela Gazeta Oficial do Império e reproduzida pelo Diário do Rio de Janeiro: "Lê-se na Gazeta Oficial: 'O Sr. Luís Carlos Martins Pena, amanuense da secretaria de estado dos negócios estrangeiros, foi nomeado adido de 1ª classe da legação imperial em Londres'".2 No mesmo mês, o autor embarcou para Londres, deixando a filha, Julieta Pena, nascida de sua relação com uma atriz, aos cuidados de familiares. Em 1848, tentou retornar ao país, devido à tuberculose pulmonar que contraíra. Com a saúde já debilitada, faleceu em Lisboa, a caminho do Brasil, em 07 de dezembro de 1848.3

1 ARÊAS, Vilma. "Relendo Martins Pena". In: PENA, Martins. Martins Pena: comédias (1833-1844); (1844- 1845); (1845-1847). Edições preparadas por Vilma Arêas. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. X. 2 Diário do Rio de Janeiro, 04 de outubro de 1847. 3 As informações biográficas foram consultadas nas biografias: VEIGA, Luís Francisco. "Luís Carlos Martins Pena: o criador da comédia nacional". In: Dionysos, Rio de Janeiro, MEC, Serviço Nacional de Teatro, n. 01, ano I, p. 57-68, Out./1949 (publicada, inicialmente, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,

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No jornalismo literário, Martins Pena publicou no periódico Gabinete de Leitura, em 08 de abril de 1838, o conto histórico "Um Episódio de 1831".4 Entre os meses de janeiro e abril de 1839, redigiu para o Correio das Modas – um jornal de modas e literatura, de inspiração francesa e direcionado a um público feminino –, os contos de temas amorosos "A Sorte Grande" e "O Poder da Música", e as crônicas cômicas "Minhas Aventuras numa Viagem nos Ônibus" e "Uma Viagem na Barca de Vapor".5 Nestas, o narrador relata, em primeira pessoa, as experiências engraçadas vividas como usuário dos meios de transporte público da cidade do Rio de Janeiro. Em suas primeiras narrativas publicadas pela imprensa, Martins Pena já adotava um estilo literário particular que dava voz à fala popular e, de modo bem humorado, satirizava a vida cotidiana na Corte em suas relações sociais mais diversas; procedimento que, anos mais tarde, garantiria o sucesso de suas comédias nos palcos fluminenses. Martins Pena foi também crítico teatral. Entre setembro de 1846 e outubro de 1847, publicou seus folhetins semanais no Jornal do Commercio. Estes tratavam dos espetáculos da Corte, principalmente dos líricos, com análises da mise en scène, da atuação dos artistas, do repertório e das políticas teatrais. Os folhetins são de grande valia para a compreensão da dramaturgia do autor, pois revelam "alguém profundamente conhecedor do palco, crítico competente e com uma postura artística e política bastante clara, em certos aspectos avançada para a época".6 Para o teatro, Martins Pena compôs um total de 27 peças, sendo 18 comédias de um ato e quatro de três, somadas a cinco dramas históricos. Do conjunto de sua obra dramática, 19 peças – 18 comédias e o drama Vitiza ou O Nero de Espanha – estrearam entre outubro de 1838 e dezembro de 1846 no Teatro de São Pedro de Alcântara,7 a

vol. XL, segunda parte, 1877, p. 375-407); MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Martins Pena e Sua Época. 2. ed. São Paulo: LISA, 1972; HELIODORA, Bárbara. Martins Pena: uma introdução. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2000. 4 Ver o anexo "Um Episódio de 1831", que traz o texto integral publicado no Gabinete de Leitura. 5 Ver o anexo "Contos e Crônicas de Martins Pena no Correio das Modas", que apresenta os textos que o autor publicou nesse periódico. 6 ARÊAS, Vilma Sant'Anna. Na Tapera de Santa Cruz: uma leitura de Martins Pena. São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 01. 7 O Teatro de São Pedro de Alcântara manteve essa denominação até 1923, quando foi renomeado Teatro João Caetano. A edificação datada do século XIX foi demolida em 1928 e, em seu lugar, construída uma nova sala de espetáculos, existente até hoje ao lado da Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, com o mesmo nome.

2 principal casa de espetáculos do Rio de Janeiro na época. Sua produção cômica divide-se em três fases de estreias: a primeira, entre 1838 e 1840, quando foram representadas as comédias roceiras O Juiz de Paz da Roça e A Família e A Festa da Roça; o período de início da abordagem do ambiente urbano, em 1844, quando subiram ao palco O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas; e a fase mais prolífica de encenações, ao longo de 1845 e 1846, quando foram criadas 14 comédias, dentre elas O Noviço. Os textos cômicos de Martins Pena possuem uma fortuna crítica consolidada, que culminou na canonização do autor, na história literária, como o precursor da comédia nacional de costumes. Desde o final do século XIX e início do XX, Sílvio Romero e José Veríssimo reconheceram o valor documental das comédias e o sucesso que estas obtiveram diante de um público que se via reconhecido nos palcos.8 Os estudos críticos subsequentes destacaram Martins Pena como o primeiro comediógrafo brasileiro que, com maestria, soube observar tipos sociais (escravos domésticos, comerciantes, irmandades religiosas, funcionários públicos de baixo escalão), costumes (festas religiosas, danças populares) e aspectos político-econômicos (tráfico de escravos, contrabandos, circulação de dinheiro falso) referentes à vida cotidiana na capital do Império.9 Nesse sentido, as comédias revelam "um pendor quase jornalístico pelos fatos do dia, assinalando em chave cômica o que ia sucedendo de novo na atividade brasileira cotidiana, com destaque especial para a cidade do Rio de Janeiro".10 Em seu estudo pioneiro da produção dramática de Martins Pena, Vilma Arêas defende que o comediógrafo articula no jogo cênico os recursos, temas e personagens da tradição cômica clássica, do entremez português, da comédia francesa, da ópera lírica e do

8 ROMERO, Sílvio. "Martins Pena". In: BARRETO, Luiz Antonio (Org.). Autores Brasileiros. Rio de Janeiro; Aracajú, SE: Imago, 2002, p. 339-414; VERÍSSIMO, José. "Martins Pena e o teatro brasileiro". In: Estudos de Literatura Brasileira: 1ª série. São Paulo: Edusp, 1976, p. 115-126. 9 Foram consultadas as histórias literárias: AMORA, Antonio Soares. "Martins Pena". In: A Literatura Brasileira: o Romantismo. Vol. II. 4. ed. São Paulo: Cultrix, 1973, p. 309-330; CANDIDO, Antonio. "Martins Pena". In: Presença da Literatura Brasileira: das origens ao Romantismo. Vol. I. 7. ed. São Paulo: DIFEL, 1976, p. 220-221; CARVALHO, Ronald. "O teatro". In: Pequena História da Literatura Brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1922, p. 285. E os estudos de história teatral: FARIA, João Roberto. Ideias Teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2001, p. 82-83; MAGALDI, Sábato. Panorama do Teatro Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Global, 2001, p. 42; SOUSA, João Galante de. O Teatro no Brasil. Vol. I. Rio de Janeiro: MEC: INL, 1960, p. 171-175. 10 PRADO, Décio de Almeida. História Concisa do Teatro Brasileiro: 1570-1908. São Paulo: Edusp, 1999, p. 57.

3 melodrama – que constituem as ações cômicas e produzem o riso –, completando-o "com a série sociológica, com a construção de modelos penetrantes da realidade nacional"11 – que contextualizam os enredos das peças. Essa série sociológica não se resumiria em um retrato da sociedade imperial, com seus costumes e vícios, como propuseram Sílvio Romero e José Veríssimo. Significa "uma tomada de consciência de um momento da história de nosso país, que recém adquiria uma limitada independência, e uma tentativa de pensar criticamente nossa cultura, com as restrições que o contexto impunha ao trabalho intelectual".12 Se a historiografia literária e teatral sempre privilegiou o estudo descritivo dos temas sociológicos presentes nas peças de Martins Pena, tal perspectiva deixou lacunas quanto à recepção crítica e às condições de representações desses textos teatrais nos palcos oitocentistas; contexto que, obviamente, interferiu em seus processos de criação. A partir da abordagem da história cultural dos espetáculos, pretendemos iluminar assuntos e propor respostas possíveis a questionamentos sobre a produção cômica de Martins Pena, tais como as motivações para a composição das peças, as condições em que estas foram representadas e recebidas pela crítica e público, e qual o papel desempenhado pelo comediógrafo na atividade teatral da capital do Império. Para tanto, torna-se necessária a contextualização do repertório, das políticas administrativas e estéticas concernentes ao universo dos espetáculos no Rio de Janeiro, durante as primeiras décadas do século XIX. Adotamos o pressuposto de que o teatro, uma atividade do campo socioeconômico e cultural, é o resultado de um trabalho conjunto, que inclui, além do escritor e seu texto literário, os praticantes de teatro (diretor e ator, por exemplo) e os espectadores, constituindo o campo da representação teatral:

Escrever para o teatro não é escrever para a prática econômica da livraria, é escrever para uma prática socioeconômica que é a da cena, e que supõe um lugar cênico, atores, público, despesas no início, estruturas materiais cujas exigências se revertem para a escritura.13

11 ARÊAS, 1987, p. 133. 12 Ibid., p. 264. 13 UBERSFELD, Anne. Para Ler o Teatro. Tradução José Simões. São Paulo: Perspectiva, 2010, p. 67.

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Martins Pena foi um homem de teatro (dramaturgo, crítico, censor e espectador), não apenas conhecedor do jogo cênico e da tradição dramática, mas também uma figura atuante na atividade teatral fluminense, em sua política administrativa e na constituição dos espetáculos. O comediógrafo abordou temas garimpados no repertório exibido pelo São Pedro de Alcântara, casa de espetáculos onde as suas peças estrearam e foram frequentemente reprisadas. Do mesmo modo, foi observador e crítico dos divertimentos populares, introduzindo, em suas comédias, celebrações religiosas tradicionais na capital do Império. Tendo em vista tais considerações, propomos uma leitura da obra cômica de Martins Pena advinda dessa relação estreita que o autor manteve com a cultura de divertimentos teatrais, mais especificamente com os artistas, os programas e o repertório do São Pedro de Alcântara. A imprensa oitocentista foi um importante guia no acompanhamento da trajetória da atividade teatral e dos divertimentos populares oferecidos pela capital do Império. No século XIX, os jornais divulgavam anúncios de espetáculos, crônicas e artigos críticos dos programas exibidos, comentários espontâneos de espectadores e comunicados de atores. Além dos periódicos Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822), Diário do Rio de Janeiro (1827-1855) e Jornal do Commercio (1838-1855), também foram consultados diversos jornais literários e teatrais – alguns efêmeros –, que ilustram o ambiente cultural da Corte, apresentando crônicas que narram os espetáculos oferecidos pelos teatros, notícias sobre atores, músicos e bailarinos, matérias sobre literatura, música e festas religiosas. Foram lidos os seguintes periódicos: A Aurora (1851), A Caricatura (1851), A Rabequinha (1851), Coruja Teatral (1840-1841), O Álbum Semanal (1851-1853), O Artista (1849), O Beija-Flor (1850), O Bodoque Mágico (1851), O Clarim dos Theatros (1851), O Corsário (1851), O Corsário Vermelho (1851), O Estandarte (1851), O Gosto (1843), O Guasca na Corte (1851), O Jornal das Senhoras (1852-1855), O Martinho (1851), O Montanista (1851) e O Orsatista (1851). O contato com a imprensa fluminense da primeira metade do século XIX, além de oferecer elementos que nos ajudaram na caracterização do repertório, dos programas e das políticas do São Pedro de Alcântara, nos fez pensar em Martins Pena não somente como um homem de teatro. O comediógrafo parece ter sido um atento leitor de jornais

5 cotidianos, a exemplo do Jornal do Commercio e do Diário do Rio de Janeiro. Antenado com as discussões políticas, econômicas e culturais do dia-a-dia na cidade do Rio de Janeiro, levou para as suas comédias, em forma de denúncia social, discussões de interesse público que ocupavam as páginas dos periódicos, com temas que trilhavam pelo sucesso das récitas de óperas italianas, o métier da medicina, a produção e circulação de dinheiro falso, e a maçonaria. Somamos ao homem de teatro e leitor assíduo de jornais, a faceta de um leitor- revisor de textos teatrais. Diante dessa hipótese, lançamos um novo olhar sobre o trabalho que Martins Pena desenvolveu, entre 1843 e 1846, como segundo secretário e censor do Conservatório Dramático Brasileiro, que lhe permitiu entrar em contato com o texto de peças de diferentes gêneros – melodramas, comédias e vaudevilles –, integrantes do repertório dos teatros da Corte. Essa leitura contínua pode tê-lo auxiliado em seu estudo da arte dramática e no desenvolvimento da composição e do jogo cênico de suas comédias. Assim, vislumbramos uma nova perspectiva acerca da atuação de Martins Pena no Conservatório Dramático: não a de um "censor censurado", como o quis seu biógrafo Magalhães Júnior,14 mas a de um leitor de textos teatrais de diferentes gêneros e diversos autores estrangeiros. Esta dissertação, organizada em quatro capítulos, pretende reconstituir as condições das representações teatrais (estreias e reprises) das peças de Martins Pena na primeira metade do século XIX, e propor uma leitura das comédias que foram mais encenadas no período. O primeiro capítulo, "Martins Pena, o Teatro de São Pedro de Alcântara e a Imprensa: caminhos que se cruzam", sustenta a hipótese de que o autor manteve contato direto com esse teatro e sua companhia dramática; relação que se refletiu no processo criativo e nas representações de suas peças. A fim de verificar os elementos motivadores da composição de sua obra dramática e a recepção ante a crítica e a plateia, restabelecemos historicamente o contexto teatral em que as peças foram representadas no palco do São

14 MAGALHÃES JÚNIOR, 1972, p. 100-112.

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Pedro de Alcântara, entre 1838 e 1855.15 A reconstituição dos espetáculos levou em consideração a configuração dos programas, o repertório, os acompanhamentos musicais, os dançados, os artistas atuantes e a composição social do público que frequentava o São Pedro de Alcântara. As informações foram obtidas em anúncios de espetáculos, crônicas teatrais e comunicados de espectadores e atores, publicados pelos periódicos cotidianos e literários. Essa investida na imprensa oitocentista nos permitiu configurar o espaço que a obra de Martins Pena ocupou no Rio de Janeiro, por meio do olhar de suas próprias testemunhas, isto é, o público, os artistas e os cronistas de teatro. A proposta de pesquisa da obra do autor, considerando-se o contexto histórico-cultural em que esta foi produzida e recebida, contribui não apenas para a compreensão da realização pessoal de Martins Pena como comediógrafo, mas também para o desvelamento de uma fase da arte teatral na Corte brasileira, com seus pressupostos literários, artísticos e político-econômicos. A reconstituição das estreias e a verificação da recepção crítica e de público respaldaram a nossa leitura da obra dramática de Martins Pena, conjuntamente aos estudos dos textos (composição formal e cômica)16 e das referências a elementos sociais da capital do Império. Elegemos as comédias O Judas em Sábado de Aleluia, Os Irmãos das Almas e O Noviço para serem analisadas, já que estas estão entre as produções de Martins Pena mais encenadas nos principais teatros da Corte.17 O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas iniciam uma fase de transição da escrita dramática do autor, marcando o momento em que este passa a ambientar as suas peças no cenário urbano. O auge foi em 1845, quando Martins Pena redigiu e encenou a maior parte de sua obra, incluindo O Noviço, sua peça mais exibida nos teatros fluminenses do período.

15 A periodização adotada para este estudo leva em consideração, como início, o ano de estreia da primeira composição de Martins Pena, O Juiz de Paz da Roça, em 1838, e como término, o ano de criação do Teatro Ginásio Dramático, em 1855, quando a comédia realista começou a ser representada na cena teatral fluminense. 16 Para o estudo dos recursos de construção da comicidade, nos baseamos nos elementos cômicos conceituados por Vladímir Propp. (PROPP, Vladímir. Comicidade e Riso. Tradução Aurora Fornoni Bernardini & Homero Freitas de Andrade. São Paulo: Ática, 1992). Consultamos também a obra O Riso, de Henri Bergson. (BERGSON, Henri. O Riso: ensaio sobre a significação da comicidade. Tradução Ivone Castilho Benedetti. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007). 17 Ver o anexo "Representações de Martins Pena em Números", que apresenta uma tabela com a quantidade estimada de exibições das peças de Martins Pena, nos principais teatros da Corte, entre 1838 e 1860.

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O Judas em Sábado de Aleluia, Os Irmãos das Almas e O Noviço apresentam, em comum, temáticas religiosas, evidenciadas pelos seus títulos: a Festa do Sábado de Aleluia e o ritual de malhação do Judas; as procissões de irmandades religiosas que arrecadavam esmolas a favor de santos; e as doutrinas vivenciadas pelos noviços nos conventos. Como veremos nas análises dessas comédias, o tema religioso relaciona-se ao objetivo principal de Martins Pena de transmitir uma mensagem de conteúdo político e social à plateia. Mensagem que construiu por meio da adaptação de debates presentes na imprensa fluminense da época, pela sátira religiosa e política, e pela recriação de temas e personagens do repertório francês encenado no palco do São Pedro de Alcântara. O segundo capítulo, "A Festa Religiosa, a Polícia e as Leis Civis em O Judas em Sábado de Aleluia", estuda, primeiramente, os elementos textuais e cômicos da peça. Em seguida, discute a presença da festa do Sábado de Aleluia como pano de fundo do enredo. Por fim, se dedica à análise do conteúdo social de O Judas em Sábado de Aleluia, que, por meio da sátira política, denuncia a ação corrupta e o abuso de autoridade cometidos por membros da Guarda Nacional, e o desrespeito das leis civis do Império, instituídas pelo Artigo 179 da Constituição de 1824. O terceiro capítulo, "As Irmandades Religiosas e a Maçonaria em Os Irmãos das Almas: uma busca dos direitos dos homens", examina a composição formal da peça, a presença dos recursos cômicos e sua temática de conteúdo social, que satiriza as irmandades religiosas e a maçonaria na capital do Império. Contemporaneamente à comédia Os Irmãos das Almas, os preceitos da maçonaria eram debatidos pelos cronistas da imprensa diária e pela peça Os Dois Francos-Maçons, tradução da obra francesa Les Deux Francs-Maçons (1808), de Pelletier-Volméranges, representada no palco do São Pedro de Alcântara. Assim, defendemos que, utilizando o registro farsesco, Martins Pena reinterpreta o tema da maçonaria, conhecido por sua plateia, e lhe confere novos significados, recriando-o no contexto do Rio de Janeiro. O quarto capítulo, "O Impacto do Melodrama em O Noviço: paródia e sátira", analisa os elementos dramáticos, os recursos cômicos e a temática social da peça, que satiriza a autoridade desempenhada pela Igreja, instituição tradicional no Rio de Janeiro, e o patronato, sustentado pelo Estado Imperial. O capítulo discute também o

8 impacto do melodrama francês, amplamente encenado no palco do São Pedro de Alcântara, na composição de O Noviço, que parodia elementos do melodrama romântico Fabio le Novice (1841), de Charles Lafont e Noël Parfait. Em Na Tapera de Santa Cruz, Vilma Arêas destacou que a pintura de "um quadro geral do teatro no Brasil sob a perspectiva do espetáculo, condições de encenações, tipos de público, espetáculos populares, etc.", por meio de "um levantamento sistemático do material enterrado nos jornais, revistas ou ficção"18 do século XIX, possibilitaria apreciações adequadamente enquadradas da obra de um dramaturgo oitocentista. É essa abordagem que norteou este estudo da produção cômica de Martins Pena, o São Pedro de Alcântara, seu repertório, artistas e ideias teatrais. Isso nos permitiu lançar novos olhares sobre aquele que é considerado, pela historiografia literária, o criador da comédia nacional de costumes, partindo de uma proposta que o coloca em diálogo direto com a atividade teatral praticada no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX, "em uma época em que o povo pede teatro, e é todo teatro".19

18 ARÊAS, 1987, p. 263. 19 A Reforma, 10 de janeiro de 1852.

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CAPÍTULO 1

MARTINS PENA, O TEATRO DE SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA E A IMPRENSA: CAMINHOS QUE SE CRUZAM

ANINHA: – Mas então o que é que há lá tão bonito? JOSÉ: – Eu te digo. Há três teatros, e um deles maior que o engenho do capitão-mor. ANINHA: – Oh, como é grande!1

1 A Trajetória do Teatro de São Pedro de Alcântara

Quando Martins Pena surgiu na cena teatral da capital do Império, em 1838, o Teatro de São Pedro de Alcântara figurava entre os principais centros de entretenimento dos habitantes fluminenses, juntamente com os pequenos e médios teatros particulares, e com as igrejas, que abrigavam festas religiosas populares em seus contornos. Ao longo da primeira metade do século XIX, o São Pedro de Alcântara, cuja história é marcada por frequentes incêndios, reconstruções e alterações em sua denominação, ocupou espaço de destaque na Corte brasileira. Criado por ordem do Estado, foi em seu palco que, a partir da década de 1830, o ator João Caetano dos Santos (1808- 1863) representou os grandes sucessos do repertório neoclássico e romântico europeu; sua plateia assistiu às peças dos primeiros dramaturgos brasileiros – as tragédias de Gonçalves de Magalhães e as comédias de Martins Pena –; companhias dramáticas francesas, espanholas, inglesas e italianas ali aportaram para longas temporadas de sucessos. Desde a sua criação, o São Pedro de Alcântara manteve um caráter oficial e monarquista, visível em suas denominações, nos programas de seus espetáculos – que incluíam o hino nacional e os elogios dramáticos em homenagem à Família Imperial –, e

1 PENA, Martins. "O Juiz de Paz da Roça". In: Teatro de Martins Pena: comédias. Vol. I. Edição crítica por Darcy Damasceno. Rio de Janeiro: MEC: INL, 1956, p. 30.

11 em seu repertório, repleto de dramas históricos e melodramas alusivos às realezas europeias. Muito mais que um espaço privilegiado de entretenimento e reunião social,2 o teatro desempenhava também um importante papel político de legitimação do Estado Monárquico brasileiro. Antes de tratarmos do período áureo do São Pedro de Alcântara, quando Martins Pena estreou as suas comédias, entre a Regência e os primeiros anos do reinado de D. Pedro II, voltemos ao início, ao momento de sua criação na Corte de D. João VI.

1.1 De Real Teatro de São João a Teatro de São Pedro de Alcântara: história, repertório e companhias teatrais

Em 1808, D. João VI aportou no Rio de Janeiro, trazendo consigo a Corte portuguesa, que acrescentava 20 mil novos habitantes na cidade que, até então, contava com 60 mil.3 Aos poucos, a Família Real e sua Corte investiram em infraestruturas que buscaram organizar e moldar, na cidade tropical, uma capital de Império à europeia. Entre os assuntos em pauta na agenda modernizadora do Estado, estava uma revisão na política cultural, principalmente no que se referia ao divertimento público oferecido pelos teatros.4 Na época, havia uma casa de espetáculos no Rio de Janeiro: o teatro de Manuel Luís. No entanto, devido ao pequeno porte e aos parcos recursos de que dispunha, esse teatro não atendia à demanda de uma cidade que se tornara a sede do Império português. Por isso, em decreto de 28 de maio de 1810, D. João VI reconheceu a necessidade da construção de um teatro de grandes dimensões, que oferecesse entretenimento à Corte portuguesa que ali se instalara, de modo semelhante aos espetáculos teatrais oferecidos pelo Real Teatro de São Carlos, em Lisboa:

2 Segundo Ubiratan Machado, o público frequentava o São Pedro de Alcântara por razões variadas: pelo entretenimento e evasão, pelo puro diletantismo e moda, ou, ainda, pela afirmação de sua classe social. (Cf. MACHADO, Ubiratan. A Vida Literária no Brasil Durante o Romantismo. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001, p. 283). 3 Cf. SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 35-36. 4 Cf. CAFEZEIRO, Edwaldo & GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 112-113.

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DECRETO de 28 de maio de 1810 Permite que se erija um teatro nesta Capital. Fazendo-se absolutamente necessário nesta capital que se erija um teatro decente, e proporcionado à população, e ao maior grau de elevação e grandeza em que hoje se acha pela minha residência nela, e pela concorrência de estrangeiros e de outras pessoas que vêm das extensas províncias de todos os meus Estados, fui servido encarregar o Doutor Paulo Fernandes Viana, do meu Conselho e Intendente Geral da Polícia, do cuidado e diligência de promover todos os meios para ele se erigir.5

Um terreno em frente à Igreja da Lampadosa foi escolhido como o local que acolheria o teatro protegido pelo Rei português, e denominado, em sua homenagem, Real Teatro de São João. O financiamento não foi exclusivamente estatal; uma parte dos custos foi assumida pelo empresário Fernando José de Almeida, que cedeu o terreno e, por isso, tornou-se o proprietário do teatro até 1829, ano de sua morte.6 Em 1811, objetivando arrecadar fundos para a finalização da obra, o Estado autorizou uma loteria,7 dentre as que estavam previstas no decreto de 1810.8 Esta seria a primeira das inúmeras loterias que, a partir de então, tornar-se-iam a principal subvenção estatal ao teatro, destinando-lhe 12% dos prêmios pagos pelos jogos.9 Inicialmente, o teatro estava autorizado a ofertar loterias mensais. Contudo, durante o Segundo Reinado, as subvenções diminuíram: o governo passou a conceder ao São Pedro de Alcântara apenas quatro loterias anuais, totalizando uma renda de três contos e 600 mil réis mensais.10 Em 1813, com o teatro edificado, só faltavam artistas para nele representar. A companhia dramática portuguesa de Mariana Torres foi contratada para se apresentar, exclusivamente, no teatro recém-construído.11 O espetáculo de inauguração do Real Teatro

5 "Decreto de 28 de maio de 1810". In: Coleção das Leis do Brasil de 1810. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 112. 6 Cf. SOUSA, 1960, vol. I, p. 139. 7 "Participamos ao público que, para continuação do Real Teatro de S. João, que se está edificando nesta cidade e Corte do Rio de Janeiro, foi o Príncipe Regente nosso Senhor servido, a representação do Intendente Geral da Polícia, conceder uma loteria". (Gazeta do Rio de Janeiro, 09 de março de 1811). 8 "(...) depois que entrar a trabalhar, para seu maior aceio, e mais perfeita conservação, se lhe permitirão seis loterias, segundo o plano que eu houver de aprovar, a benefício do mesmo teatro". ("Decreto de 28 de maio de 1810". In: Coleção das Leis do Brasil de 1810, 1891, p. 112). 9 A informação sobre o porcentual de lucro obtido pelo teatro, a partir das loterias que concedia, foi localizada em artigo publicado pela Gazeta do Rio de Janeiro a 11 de maio de 1816. 10 Informação veiculada pelo Jornal do Commercio, em 12 de setembro de 1850. 11 Os seguintes artistas integravam essa companhia dramática: Maria Amália da Silva, Estela Joaquina de Morais Paiva, Maria Cândida de Souza, Victor Porfírio de Borja, Antônio José Pedro, José Evangelista da Costa e Domingos Botelho. (Cf. CAFEZEIRO & GADELHA, 1996, p. 115).

13 de São João, que contou com a presença do Imperador D. João VI e de sua família, ocorreu a 12 de outubro de 1813, com muita pompa. O programa, composto especialmente para a noite de gala, apresentou o drama lírico O Juramento dos Numes, do português Gastão Fausto da Câmara Coutinho (1772-1852), como nos narra uma crônica publicada pela Gazeta do Rio de Janeiro:

Terça-Feira 12 do corrente, dia felicíssimo por ser o natalício do sereníssimo senhor D. Pedro de Alcântara, Príncipe da Beira, se fez a primeira representação no Real Teatro de S. João, a qual S. A. R. foi servido honrar com a sua real presença e a sua augusta família. Este teatro, situado em um dos lados da bela praça desta Corte, traçado com muito gosto e construído com a magnificência ostentava naquela noite uma pomposa perspectiva, não só pela presença já mencionada de S. A. R., e pelo imenso e luzido concurso de nobreza, e das outras classes mais distintas, mas também pelo aparato de formosas decorações, e pela pompa do cenário. Começou o espetáculo por um drama lírico, que tem por título O Juramento dos Numes composto por D. Gastão Fausto da Câmara Coutinho, e alusivo à comédia, que se devia seguir. Este drama era adornado com muitas peças de música de composição de Bernardo José de Souza e Queirós, mestre e compositor do mesmo teatro, e com danças engraçadas nos seus intervalos. Seguiu-se a aparatosa peça intitulada Combate do Vimeiro. A iluminação exterior do teatro, ordenada com esquisito gosto, realçava o esplendor do espetáculo. Ela representava as letras J. P. R. alusivas ao augusto nome do Príncipe Regente nosso senhor, cuja mão liberal protege as artes como fontes perenes da riqueza e da civilização das nações.12

D. João VI e sua família compareciam com frequência ao teatro, especialmente em dias festivos, como no espetáculo em comemoração ao casamento de D. Pedro de Alcântara com Carolina Josefa Leopoldina, Arquiduquesa austríaca, em agosto de 1817. A presença do governante supremo em récitas no teatro perdurou ao longo do século XIX, incluindo o reinado de D. Pedro I e, principalmente, o de D. Pedro II. A partir do Segundo Reinado, as datas comemoradas em espetáculos de gala no teatro foram ampliadas: além dos nascimentos, casamentos e aniversários de membros da Família Imperial, dias religiosos e históricos, como o do Ano-Bom (01 de janeiro) e o da Independência, passaram a integrar a agenda. Os programas desses espetáculos especiais recebiam grande atenção da direção do teatro, que privilegiava o repertório lírico. Durante a semana comemorativa à coroação de D. Pedro II, foi oferecido, a 19 de julho de 1841, um espetáculo repleto de

12 Gazeta do Rio de Janeiro, 16 de outubro de 1813.

14 pompa, descrito por um privilegiado espectador, em correspondência enviada ao Diário do Rio de Janeiro:13

O teatro de S. Pedro de Alcântara, na noite de 19 do corrente, oferecia à vista a mais encantadora, a pompa e a magnificência com que estava preparado, o brilho que lhe dava as inumeráveis famílias ricamente adornadas que estavam nos camarotes, tudo contribuiu para o tornar digno de receber a augusta personagem que o honrou! Foi com o 1º ato da ópera A Italiana em Argel, e com o novo baile O Amigo Fiel, que a direção festejou o majestoso ato da sagração e coroação de S. M. I. Não cabe à nossa mesquinha pena descrever a alegria e entusiasmo que se divisava no grande número de espectadores que aí concorreram e que esperavam com ansiedade o momento de verem o seu anjo salvador, o guarda de suas leis, o defensor de seus direitos! Apenas as músicas marciais anunciaram a chegada de S. M. I. e de suas augustas irmãs, divisou-se no semblante de todos o prazer e o desejo de verem e saudarem o monarca americano! Logo que S. M. I. e suas augustas irmãs apareceram na Imperial tribuna, romperam os vivas de todos os lados, seguindo-se diversas poesias, que foram recitadas de diferentes camarotes, todas em louvor e glória ao chefe do Império de Santa Cruz!14

De sua inauguração até o final da década de 1820, o repertório do Real Teatro era composto por peças portuguesas, trazidas pela companhia de Mariana Torres, e por óperas clássicas italianas, como A Vestal (La Vestale, 1810) e A Caçada de Henrique IV (La Caccia di Enrico IV, 1809), de Vincenzo Pucitta (1778-1861), e La Cenerentola (1817), de Gioachino Rossini (1792-1868).15 Os programas se constituíam por uma peça principal, que poderia ser uma comédia – no repertório constava Dever e Natureza, do comediógrafo português Antônio Xavier Ferreira de Azevedo (1784-1814) –, ou uma tragédia neoclássica – Nova Castro (1788), de João Batista Gomes Júnior (?-1803), foi muito encenada –, ou uma ópera lírica. Entre os atos da peça principal era apresentado um

13 Os espectadores cariocas enviavam cartas aos redatores dos periódicos, nas quais emitiam opiniões espontâneas sobre diversas questões envolvendo a atividade teatral, como a administração das casas de espetáculos, o preço dos bilhetes, a atuação dos artistas e o repertório exibido pelos programas. As cartas não eram assinadas com o nome verdadeiro dos remetentes. Estes preferiam o anonimato, anotando apenas as iniciais do nome ou criando pseudônimos, tais como "Um verdadeiro fluminense", "O respeitador do mérito" e "O diletante". 14 Diário do Rio de Janeiro, 28 de julho de 1841. 15 As traduções de tais óperas eram comercializadas pela loja da Gazeta, que vendia por 800 réis cada exemplar, como nos indica o anúncio publicado pela Gazeta do Rio de Janeiro a 11 de outubro de 1820: "A Vestal, tragédia que está em cena no Real Teatro de S. João, se acha impressa em português, e se vende na loja da Gazeta por 800 réis".

15 entremez,16 um dançado ou uma pantomima, desempenhados pela companhia de baile dirigida por Lourenço Lacombe, que tinha Auguste Toussaint como primeiro dançarino. Os bailados eram musicados por Marcos Portugal (1762-1830), o músico-compositor do teatro. Em 25 de março de 1824, o teatro sofreu o primeiro incêndio devastador, o que levou o Estado Imperial a interferir ainda mais em sua administração e na organização dos espetáculos. D. João VI, em alvará de 10 de maio de 1808, havia criado a Intendência Geral de Polícia, que tinha como atribuição, dentre outras, a de fiscalizar os espetáculos teatrais. Após o incêndio, Francisco Alberto Teixeira de Aragão – Intendente Geral de Polícia da Corte entre 1824 e 1827 – regulamentou a inspeção do teatro no edital interventivo de 29 de novembro de 1824, que traçava deveres institucionais e normas de conduta a serem adotados, obrigatoriamente, pelo diretor do teatro e espectadores. O conjunto de 19 normas elencadas no documento demonstrava a necessidade de medidas de segurança e da presença de autoridade policial durante os espetáculos:

Faço saber que sendo conveniente ao bem público estabelecer e regular as medidas de segurança e polícia que devem observar-se em todos os teatros que nesta capital se instituírem, para evitar deste modo as desordens e irregularidades que privam os povos da utilidade que este divertimento deve produzir-lhes quando é bem ordenado; e imitando nesta parte as providências que as nações mais civilizadas da Europa tem adotado, ordeno que no teatro se executem os seguintes artigos (...).17

Os artigos exigiam que o Real Teatro, e todos os que futuramente fossem construídos na capital do Império, se munissem dos equipamentos necessários ao combate de incêndio e que iniciassem os espetáculos, pontualmente, no horário anunciado ao público. Aos espectadores, era proibida a entrada na plateia portando armas, bengalas e chapéus de chuva, assim como, proibia-se qualquer barulho que atrapalhasse a

16 De origem ibérica, o entremez (do espanhol entremés) trata-se de uma peça teatral breve, com personagens populares, tom gracioso e, por vezes, musicada, encenada entre os atos de uma peça maior. Sobre a entrada dos entremezes nos palcos brasileiros, consultamos LEVIN, Orna Messer. "A rota dos entremezes: entre Portugal e Brasil". In: ArtCultura (UFU), vol. 7, p. 09-20, 2006; LEVIN, Orna Messer. "O entremez nos palcos e folhetos". In: ABREU, Márcia & SCHAPOCHNIK, Nelson (Orgs.). Cultura Letrada no Brasil: objetos e práticas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2005, p. 413-420. 17 Diário do Rio de Janeiro, 01 de dezembro de 1824.

1 representação das peças. Ademais, os espetáculos seriam vigiados por um oficial de polícia, que deveria ser obedecido por todos:

Haverá na plateia um Oficial da Intendência Geral da Polícia, que se fará conhecer, quando for necessário, por uma medalha com a inscrição POLÍCIA DO TEATRO. Toda pessoa, sem exceção, deve obedecer provisoriamente ao Oficial de Polícia; e por isso, quando este intimar a alguém que saia da plateia, o deve imediatamente fazer, apresentando-se ao Ministro Inspetor a expor-lhe as circunstâncias e razões do acontecimento sobre o que o dito Ministro dará providências.18

Algumas medidas do edital, que vigorou por longo período nos teatros da Corte, foram regulamentadas pelas leis do Império. O Capítulo I da lei nº 261 de 03 de dezembro de 1841, que reformava o Código do Processo Criminal, reorganizou as atividades incumbidas à polícia da Corte. Dentre as competências da instituição policial, estava a inspeção dos teatros:

Art. 4º. Aos Chefes de Polícia em toda a Província e na Corte, e aos seus Delegados nos respectivos Distritos, compete: (...) § 6º Inspecionar os teatros e espetáculos públicos, fiscalizando a execução de seus respectivos Regimentos, e podendo delegar esta inspeção, no caso de impossibilidade de a exercerem por si mesmos, na forma dos respectivos Regulamentos, às Autoridades Judiciárias, ou Administrativas dos lugares.19

A autoridade policial vistoriava os teatros para impedir desordens e agrupamentos políticos contrários à ordem monárquica. Martins Pena via com maus olhos a presença da polícia no teatro; acreditava que tal procedimento eliminava a elegância e a civilidade pretendida pelos espetáculos teatrais, provocando situações constrangedoras aos espectadores. O autor comentou o assunto, por diversas vezes, em seus folhetins no Jornal do Commercio, nos quais criticava, com frequência, o comportamento inapropriado dos pedestres – representantes do baixo escalão da polícia civil –, responsáveis por impedir agitações nos teatros, além de policiar ruas e capturar escravos fugidos:

18 Diário do Rio de Janeiro, 01 de dezembro de 1824. 19 "Lei nº 261 de 03 de dezembro de 1841 - Reformando o Código do Processo Criminal". In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1841. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1842, p. 101-102.

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Os pedestres e todos os perdigueiros policiais escolhem o caminho mais curto, e como não é sempre este o que tomam os criminosos, segue-se que desta vez ainda se desencontram; mas como os agentes policiais hão de por força agarrar, porque é seu ofício, os ditos pedestres engalfinharam-se a um pobre e inocente homem que tranquilo descia do seu camarote, e o levaram à presença do juiz que, conhecendo o engano, o mandou soltar.20

Após a reconstrução do edifício, destruído pelas chamas do incêndio de 1824, o teatro foi reinaugurado a 04 de abril de 1826, como Imperial Teatro de São Pedro de Alcântara, em homenagem a D. Pedro I. O teatro se manteve fechado em abril de 1831, devido às agitações políticas decorrentes do retorno do Imperador a Portugal. Reabriu em 03 de maio do mesmo ano, rebatizado como Teatro Constitucional Fluminense. Nessa fase, apresentava-se em seu palco uma companhia dramática lisboeta que aportara no Rio de Janeiro em julho de 1829, trazendo artistas como a trágica e primeira dama Ludovina Soares da Costa,21 seu irmão, o ator cômico Manoel Soares (?-1859), e ainda, José Joaquim de Barros (?-1844) e Gertrudes Angélica da Cunha.22 Integravam o repertório dessa companhia os elogios dramáticos, que vangloriavam o regime monárquico e a situação política brasileira, como O Memorável Dia Sete de Abril no Campo da Honra ou A Nova Regeneração do Brasil, e os entremezes portugueses, a exemplo de A Parteira Anatômica, de Antônio Xavier, e O Chapéu Pardo. Além da companhia dramática e do corpo de baile, uma companhia lírica italiana representava óperas clássicas no palco do Constitucional. A partir de 1834, uma nova fase se iniciou no Constitucional. João Caetano assumiu o comando da companhia dramática do teatro – composta por artistas portugueses e brasileiros –, e passou a introduzir o repertório romântico europeu, constituído, principalmente, por dramas históricos e melodramas franceses, portugueses e espanhóis, tais como Catarina Howard (Catherine Howard, 1834), de Alexandre Dumas Pai (1802- 1870), Os Sete Infantes de Lara (Les Sept Infants de Lara, 1836), de Félicien Mallefille

20 PENA apud SOUZA, Silvia Cristina Martins. As Noites do Ginásio: teatro e tensões culturais na Corte (1832-1868). Campinas, SP: Editora da UNICAMP: CECULT, 2002, p. 164-165. 21 Ludovina Soares da Costa (1802-1868) acumulou grandes glórias no teatro brasileiro da primeira metade do século XIX. No palco do São Pedro de Alcântara, onde permaneceu por vários anos, encantou a plateia carioca e construiu sólida carreira como protagonista de tragédias e dramas históricos, sempre ao lado de João Caetano. 22 Gertrudes Angélica da Cunha (1794-1850), além de atriz, foi também autora de peças: compôs a tragédia Norma e as farsas A Mudança de Sexo ou Quanto Podem As Boas Maneiras, O Noivo do Algarve ou Astúcias de Dois Ladinos e A Atriz, todas encenadas no São Pedro de Alcântara. (Cf. SOUSA, vol. II, 1960, p. 202).

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(1813-188, Um Auto de Gil Vicente (1838, de Almeida Garrett (1799-1854), e A Conjuração de Veneza (La Conjuración de Venecia, 1830), de Francisco Martínez de la Rosa (1789-1862).23 Esse repertório marca não somente a trajetória artística de João Caetano nos palcos do Rio de Janeiro, mas também uma etapa de representações no principal teatro da Corte que, em julho de 1837, foi nomeado, definitivamente, Teatro de São Pedro de Alcântara.

1.2 O Ator João Caetano e os Diletantes

O período áureo dos espetáculos no São Pedro de Alcântara teve início com a chegada de João Caetano na supervisão da companhia dramática do teatro, em 1834. A boa fase adentrou a década de 1840, quando Luiz Manuel Álvares de Azevedo e José Antônio Tomás Romeiro foram os diretores da casa de espetáculos.24 Em 1851, João Caetano retornou como administrador e primeiro ator da companhia dramática, mantendo-se no São Pedro de Alcântara até a sua morte, em 1863. Ao longo desses 12 anos, o ator-empresário revigorou os espetáculos e os programas, representando peças europeias inéditas, como Os Nossos Íntimos (Nos Intimes, 1861), do francês Victorien Sardou (1831-1908), e obras de autores brasileiros, a exemplo de O Fantasma Branco (1851), Cobé (1859) e Amor e Pátria (1859), de , e de outros dramaturgos, atualmente desconhecidos e não canonizados. A trajetória de João Caetano, desde os primeiros anos do decênio de 1830 até 1863, se confunde com a própria história do teatro no Rio de Janeiro. Em 02 de dezembro de 1832, ele estreou profissionalmente no Teatro Niteroiense25 com uma companhia

23 Sobre o repertório romântico encenado por João Caetano no Constitucional Fluminense, futuro São Pedro de Alcântara, e em outros teatros cariocas, consultamos a biografia do ator, redigida por Décio de Almeida Prado. (PRADO, Décio de Almeida. João Caetano: o ator, o empresário, o repertório. São Paulo: Perspectiva: Edusp, 1972, p. 35-52). 24 Na época, o diretor de teatro exercia múltiplas tarefas: ele era o responsável pela seleção do repertório a ser encenado, submetia as peças à censura do Conservatório Dramático Brasileiro, fiscalizava as receitas dos espetáculos e os preços dos bilhetes. 25 O Teatro Niteroiense, edificado em Niterói no ano de 1827, foi reformado na década de 1840 por iniciativa de João Caetano que, como recompensa, obteve o direito de usufruí-lo por 12 anos. A reinauguração ocorreu

19 dramática composta integralmente por artistas brasileiros. Fato considerado primordial para a consolidação do teatro nacional, pelo menos em relação aos artistas, já que, até então, duas companhias dramáticas inteiras haviam sido importadas de Portugal. O público carioca honrava os trabalhos artísticos de João Caetano, devido à sua iniciativa pioneira que contribuíra para o desenvolvimento do teatro brasileiro:

Era justamente nesse tempo em que a populosa cidade do Rio de Janeiro, para ter espetáculos dramáticos, mandava engajar artistas, que (salvos as honrosas exceções) eram pessoas inábeis e grande parte daqueles que no teatro de Lisboa não passavam de puxadores de vistas, iluminadores etc. (...) Sim, hoje, 02 de dezembro de 1852, fazem 20 anos que nasceu a nossa companhia dramática nacional, festejando nesse dia o 7º aniversário natalício de S. M. o Imperador, o Sr. D. Pedro II, em um pequeno teatro na Vila Real da Praia Grande (hoje cidade de Niterói) no mesmo local em que está edificado o Teatro de Santa Tereza. Um jovem brasileiro sem literatura, sem vastos conhecimentos, entendeu que o querer era poder, pondo-se à testa da revolução dramática do seu país como agente principal na sua realização começou a obra da reforma, e nós sabemos quanto de então para cá tem havido de saliente, de harmônico e de progressivo, estendendo este jovem os benefícios dessa revolução até às nossas províncias, por onde hoje se acham disseminados imensos de seus discípulos.26

Dois anos após a estreia profissional, João Caetano se instalou no São Pedro de Alcântara e organizou uma nova companhia dramática, incluindo os artistas brasileiros que já o acompanhavam e alguns portugueses que ali permaneceram e não se transferiram para o Teatro da Praia de D. Manuel, futuro Teatro de São Januário.27 A Companhia Nacional, como foi chamada, encenava um repertório neoclássico e romântico, de origem ibérica e francesa. Além do repertório estrangeiro, João Caetano abriu espaço para as peças de dramaturgos brasileiros: foi sob a sua direção que estrearam as tragédias Antônio José ou O

a 02 de dezembro de 1842 e o teatro passou a ser denominado Teatro de Santa Tereza, em homenagem à noiva de D. Pedro II, a princesa Tereza Cristina Maria de Bourbon. (Cf. HESSEL, Lothar & RAEDERS, Georges. O Teatro no Brasil sob Dom Pedro II. Porto Alegre: Ed. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1979, p. 285-286). 26 Diário do Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1852. 27 Em 1833, a companhia dramática de Ludovina Soares erigiu, com apoio governamental, o Teatro da Praia de D. Manuel. No ano seguinte, muitos artistas portugueses, que se apresentavam no Constitucional Fluminense, se transferiram para o novo teatro. Quatro anos depois, a casa de espetáculos se transformou no Teatro de São Januário, em homenagem à princesa Januária Maria, filha de D. Pedro I. Na década de 1840, o teatro esteve sob a direção de João Caetano que, além de diretor, também atuava na companhia dramática. (Cf. HESSEL & RAEDERS, op. cit., p. 279).

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Poeta e A Inquisição (1838) e Olgiato (1839), de Gonçalves de Magalhães, e as comédias O Juiz de Paz da Roça (1838) e A Família e A Festa da Roça (1840), de Martins Pena. Segundo Décio de Almeida Prado, a técnica de representação de João Caetano era embasada na escola do melodrama, caracterizada pela intensa comunicação com o público e por efeitos emocionais:

A escola do melodrama teve grande importância na formação de João Caetano, explicando as suas qualidades, a fácil e intensa comunicação com o público, e também os seus defeitos, a tendência para o exagero, a busca do patético a qualquer custo. Era uma representação extrovertida, solta, explicitada, de intenções marcadas, de gestos largos, de efusões emocionais, de arroubos oratórios, sem preocupação com a elegância ou com a pureza estilística, romântica na medida em que a espontaneidade e a autenticidade do sentimento contavam mais do que os requintes da técnica.28

Com sua técnica de atuação, que lhe permitiu eternizar no palco os protagonistas de melodramas e dramas românticos, João Caetano acumulou glórias e encantou os diletantes, que enviavam inúmeras correspondências à imprensa, declarando grande admiração pelo ator. Em 1852, um diletante publicou no periódico Diário do Rio de Janeiro um poema dedicado a João Caetano:

Soneto improvisado no Teatro de São Januário, no dia 20 do corrente, e dedicado ao Sr. João Caetano dos Santos.

Se um nome não tivesses conquistado Que não teme o poder do tempo insano, Este dia bastara (eu não me engano) Para dar-te valor, tornar-te amado.

No Kean tu fizeste admirado; Em Otelo sondaste divo arcano; Mas hoje com poder além de humano Te mostras um artista consumado.

Ah! Não temas, não temas zoilo infame Que busca marear teu brilhantismo, Embora, qual possesso, irado clame.

28 PRADO, 1972, p. 116. Sobre as técnicas interpretativas adotadas por João Caetano, consultamos também a obra João Caetano e A Arte do Ator, de Décio de Almeida Prado. (PRADO, Décio de Almeida. João Caetano e A Arte do Ator. São Paulo: Ática, 1984).

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Despreza as pretensões do pedantismo; Um nobre, um santo orgulho hoje te inflame, Que és rei da cena, e causas fanatismo. Por J. A. C.29

João Caetano também era apreciado pelos críticos teatrais que escreviam folhetins veiculados pela imprensa. Ao destacar os méritos do ator, os cronistas não deixavam de desaprovar a sua postura cênica, tida como exagerada:

Eis o nosso predileto ator! É o melhor que temos tido e, talvez, tão cedo não tenhamos outro igual. Tudo que nele admiramos é natureza! Sua figura é esbelta, seu pisar, elegante, seus acionados, tão magníficos como o som de sua voz cadente e forte; veste-se sempre bem e à caráter; em certos papéis interessa-se tanto, que toca a meta do sublime; entretanto, exagera algumas vezes o caráter das personagens que tem a imitar, cometendo assim um grave erro.30

As manifestações públicas de espectadores e críticos não se limitavam aos temas acerca da atuação de João Caetano nos palcos; fora deles, o ator protagonizou diversas intrigas, polêmicas e competições teatrais, que dividiram, na imprensa, seus simpatizantes e oponentes. A sua demissão do São Pedro de Alcântara, em janeiro de 1841, motivada devido aos desentendimentos com Luiz Manuel Álvares de Azevedo, o diretor do teatro, foi o estopim para uma longa contenda nas páginas dos periódicos da Corte: vários artigos de cronistas e correspondências de espectadores trataram da questão.31 A crônica "Trovoada Teatral" narra o tumulto provocado pelos simpatizantes de João Caetano, durante o espetáculo ocorrido a 24 de janeiro de 1841, no São Pedro de Alcântara. Na ocasião, o ator Germano Francisco de Oliveira havia sido escalado para desempenhar o papel principal – que sempre fora de João Caetano – no drama romântico Os Dois Renegados (1839), do português José da Silva Mendes Leal (1820-1886):

(...) rebentou a estrepitosa trovoada – Fora o ator Germano! Venha o ator João Caetano que está em casa pronto para representar! Foram os altos gritos ouvidos por espaço de meia hora no meio da mais violenta pateada. (...) a pateada

29 Diário do Rio de Janeiro, 22 de junho de 1852. 30 O Bodoque Mágico, 10 de maio de 1851. 31 A imprensa não era apenas um meio de divulgação e crítica teatral, mas também um espaço privilegiado de contendas. Os espectadores e, até mesmo os próprios artistas, emitiam suas opiniões e travavam extensas discussões, em cartas publicadas pelos periódicos.

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continua cada vez mais viva, os foras se reproduzem e as moedas de 40 rs. chovem em abundância sobre o tablado onde se acharam mudos e quedos os infelizes e inculpados atores. (...) o alarido continuou, a desordem progrediu. Ordenaram então as autoridades que descesse o pano e se desse por findo o espetáculo (...). Frustrados assim os seus mais caros desejos, que eram de fazer vir à cena o Talma do Rocio, os admiradores deste gênio entenderam dever vingar-se por qualquer modo: pagou então o pobre lustre as custas, quebrando-lhe uns poucos vidros; as cadeiras sofreram também estrago; os candeeiros dos corredores igualmente mereceram a pública atenção (...).32

Após a "trovoada" no teatro, os simpatizantes de João Caetano organizaram um abaixo-assinado pedindo a sua readmissão pelo São Pedro de Alcântara. Mas de nada adiantou. Juntamente com alguns artistas que o seguiram, o "Talma do Rocio" formou uma nova companhia dramática que passou a se apresentar no Teatro de São Francisco.33 Na segunda metade do decênio de 1840, o ator acumulou a direção do Teatro de São Januário e do Teatro de Santa Tereza. Retornaria ao São Pedro de Alcântara somente em 1851.

1.3 Os Espetáculos do Teatro de São Pedro de Alcântara: a plateia, os bilhetes e os cambistas

Os espetáculos no São Pedro de Alcântara se iniciavam em torno das 19h30 ou 20h00, estendendo-se até a meia-noite. As sextas, sábados e domingos eram os dias típicos de espetáculos, mas também havia representações ao longo da semana, em dias alternados. O teatro oferecia, aproximadamente, 10 programas mensais. Essa quantidade quase duplicava quando uma companhia lírica italiana era contratada. Esta revezava as encenações, igualmente, com a companhia dramática permanente do São Pedro de Alcântara.

32 Diário do Rio de Janeiro, 03 de fevereiro de 1841. 33 O francês Jean Victor Chabry inaugurou, em 1832, o Teatro de São Francisco, localizado na Rua São Francisco de Paula. Na década de 1840, João Caetano reformou o teatro e o revitalizou na cena teatral da Corte, oferecendo espetáculos semanais. Em 1851, o ator Florindo Joaquim da Silva ali organizou uma nova companhia dramática, com atores demitidos do São Pedro de Alcântara. Sua companhia se apresentou até outubro de 1852. Depois, em 1855, o teatro transformou-se no Ginásio Dramático e permaneceu, até 1861, sob a direção de Joaquim Heliodoro Gomes dos Santos. (Cf. HESSEL & RAEDERS, 1979, p. 279).

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O teatro almejava ser o centro do bom entretenimento na Corte. Por isso, em outubro de 1838, os administradores fecharam as suas portas para reformas de ampliação e decoração. A quantidade de camarotes foi aumentada, e uma seção com cadeiras, instalada. Após as melhorias, o São Pedro de Alcântara passou a oferecer 23 camarotes de primeira ordem, 22 de segunda, 26 de terceira, 30 de quarta, 235 cadeiras e 130 lugares na plateia.34 A reabertura ocorreu a 07 de setembro de 1839, quando o teatro já estava em mãos de particulares, dividido em inúmeras ações vendidas a acionistas cariocas, dentre eles o próprio João Caetano, que investia cada vez mais em sua carreira empresarial. No dia anterior à reinauguração, um cronista publicou suas impressões da sala, cuja decoração era digna das grandes casas de espetáculos europeias:

O teto é admirável de composição, de formas e colorido. As musas em torno do lustre, entregando-se à todos as suas graças e atrativos, formam um variado círculo, à cuja organização e composição presidiu apurado talento. Em torno delas, os bustos dos principais poetas dramáticos e dos mais insignes músicos (...). O pano da base do teatro, assemelhando-se ao dos principais teatros de Paris, é belo e próprio.35

Os espectadores do São Pedro de Alcântara representavam a diversidade da sociedade fluminense do período. O público era constituído por trabalhadores livres (profissionais liberais, assalariados do comércio, funcionários públicos de baixo escalão), pela aristocracia refinada (literatos, diletantes, políticos, famílias com títulos de nobreza e do convívio próximo de D. Pedro II) e, até mesmo, pela própria Família Imperial. O preço variado dos bilhetes, devido aos diferentes tipos de acomodações, possibilitava que os diversos grupos sociais assistissem às récitas, constituindo, assim, uma plateia de composição social heterogênea. Em 1840, estes eram os valores dos bilhetes para um espetáculo no São Pedro de Alcântara: um assento na plateia custava 640 réis; cadeira, um mil réis; camarote de primeira ou terceira ordem, 2.400 réis; e camarote de segunda ordem, 3.200 réis.36 Os preços não permaneceram congelados. Em março de 1845, o diretor Luiz Manuel Álvares

34 Informação obtida em correspondência de um espectador publicada pelo Jornal do Commercio, em 12 de setembro de 1850. 35 Diário do Rio de Janeiro, 06 de setembro de 1839. 36 Valores informados em anúncio teatral veiculado pelo Diário do Rio de Janeiro a 05 de outubro de 1840.

24 de Azevedo aumentou os valores dos bilhetes, usando como justificativa os gastos expressivos com a companhia lírica italiana de Augusta Candiani, que começara a se apresentar no teatro em janeiro de 1844. O reajuste se destinou aos bilhetes de todos os espetáculos oferecidos pelo teatro, tanto os líricos quanto os dramáticos. As vendas de assinaturas, que incluíam 50 espetáculos, recebiam um desconto que variava entre 10% e 20% do valor total, dependendo do tipo de camarote comprado.37 Os preços se mantiveram inalterados até o início de 1851, quando João Caetano assumiu a administração do São Pedro de Alcântara. Nessa época, os valores das cadeiras e da plateia continuaram os mesmos, porém os dos camarotes tiveram um pequeno aumento.38 Comparando as tarifas do São Pedro de Alcântara com as que eram praticadas pelos outros teatros da Corte, percebemos uma diferença apenas nos preços dos camarotes. No Teatro de São Francisco e no Teatro de São Januário, duas importantes salas de espetáculos do Rio de Janeiro, os valores das cadeiras e da plateia geral eram os mesmos cobrados pelo São Pedro de Alcântara: dois mil e um mil réis, respectivamente. Uma pequena variação se dava nos preços dos camarotes, ligeiramente mais baratos no São Francisco e no São Januário. O mesmo pode ser verificado com os valores praticados pelo Teatro Ginásio Dramático, quando este surgiu em abril de 1855: os bilhetes das cadeiras e da plateia custavam dois mil e um mil réis, e os preços dos camarotes também eram inferiores aos do São Pedro de Alcântara.39 No Teatro Provisório, que posteriormente foi renomeado Teatro Lírico Fluminense, onde as companhias italianas passaram a se apresentar a partir de 1852, os bilhetes das cadeiras e da plateia geral custavam, respectivamente, os mesmos dois mil e um mil réis.40 Os valores dos camarotes eram iguais aos do São Pedro de Alcântara, com algumas variações, dependendo da importância do

37 Informação presente no comunicado de Luiz Manuel Álvares de Azevedo, publicado pelo Diário do Rio de Janeiro a 14 de março de 1845. 38 Informação obtida na cláusula sétima do contrato firmado entre João Caetano e o Estado, divulgado na íntegra pelo Jornal do Commercio a 20 de janeiro de 1851. 39 Valores presentes em anúncio teatral veiculado pelo Jornal do Commercio a 08 de abril de 1855. 40 Os bilhetes dos espetáculos circenses também custavam um e dois mil réis, valores praticados, por exemplo, pelo Circo Americano, localizado na Rua da Ajuda.

25 espetáculo: em récitas de gala ou em que estrearia uma nova ópera, os preços eram mais elevados.41 Temos uma dimensão dos valores mencionados, quando os comparamos, por exemplo, com os preços de produtos alimentícios. A arroba42 da carne seca custava 2.800 réis; a de toucinho, 3.200; a do açúcar refinado, quatro mil; a do café, 3.700; a saca43 de arroz, seis mil réis.44 Assim, um bilhete de plateia equivalia a 10 Kg de arroz ou a 5 Kg de carne seca. Dois bilhetes de cadeira valiam o mesmo que, aproximadamente, 15 kg de açúcar refinado. Um bilhete do camarote de quarta ordem do São Pedro de Alcântara, que custava quatro mil réis em 1851, ultrapassava em 300 réis o valor de, quase, 15 Kg de café. Os bilhetes da plateia e das cadeiras, com preços mais baixos que os dos camarotes, poderiam ser adquiridos pelos assalariados do comércio, trabalhadores livres e pequenos funcionários públicos. Conscientes de que precisavam dessa parcela do público, os teatros não alteravam os valores dos bilhetes mais populares. Tal medida garantia que as famílias de baixa renda os frequentassem, pelo menos uma vez por mês, possibilitando as "enchentes" (termo utilizado na época para traduzir "casa cheia") nos espetáculos oferecidos. Porém, nem todos eram bem-vindos ao São Pedro de Alcântara. Os espectadores monarquistas e tradicionalistas se irritavam com a presença dos criados de D. Pedro II, que se sentavam ao lado do Imperador na tribuna. A irritação com os criados chegou a tal ponto que motivou uma advertência publicada pelo Diário do Rio de Janeiro:

Aos Criados de S. M. I. Roga-se aos criados de S. M. I. que tem de ir hoje ao Teatro de São Pedro de Alcântara, acompanhar seu Augusto Amo, tenham a bondade de se não sentarem na tribuna, como costumam fazer, por ser tal procedimento contrário à etiqueta e ao bom senso. Os criados não se sentam em presença dos amos. No tempo do Sr. D. Pedro I nenhum dos criados ousava preterir estas regras de decência e de respeito.45

41 Ver o anexo "Preços dos Bilhetes dos Espetáculos Teatrais no Rio de Janeiro (1840-1855)", que traz uma tabela com os valores dos bilhetes praticados pelos principais teatros da Corte. 42 Uma arroba equivale a 14,69 Kg. 43 A saca equivale a 60 Kg. 44 Valores consultados na seção "Parte Comercial - Pauta Semanal", veiculada pelo Diário do Rio de Janeiro a 18 de novembro de 1850. 45 Diário do Rio de Janeiro, 07 de setembro de 1840.

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A presença de escravos ou libertos também incomodava alguns espectadores, os quais acreditavam que o teatro não era o lugar de servos. O folhetinista de O Guasca na Corte narra, inconformado, um episódio no São Pedro de Alcântara, em que um espectador negro foi hostilizado por membros da plateia:

Existia em um camarote da 4ª ordem um indivíduo de cor preta, com outras pessoas de outras cores, etc., eis que da plateia surdiram gritos de fora, etc., para o dito camarote, que obrigaram o tal indivíduo a retirar-se. Inda repetimos, achamos mui reprovado semelhante proceder dos ditos espectadores... Pois em um país constitucional como o nosso, onde todos são iguais perante a lei, e por consequência com os mesmos direitos, não poderão ir ao teatro os homens de cor preta?46

Esses trechos, recolhidos na imprensa, são indicativos da separação das ordens sociais no interior do São Pedro de Alcântara, o que pode ser comprovado também pelos valores variados dos bilhetes, entre um e 12 mil réis. Na plateia geral e nas cadeiras, se acomodavam os indivíduos de baixa renda, e nos camarotes, as famílias mais abastadas e refinadas. A cada um competia ter a consciência de seu devido lugar. É o que constatamos em uma carta publicada pelo Diário do Rio de Janeiro, na qual seu autor, um frequentador do camarote do São Pedro de Alcântara, roga a João Caetano que suprima os assentos da plateia próximos aos camarotes, para que o público da "parte de baixo" não encarasse as famílias reunidas nos camarotes de primeira ordem:

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Com toda a generosidade confirmaremos os elogios que fez o Sr. Progressista na sua publicação do Diário de 07 do corrente, tanto ao Sr. João Caetano, como ao Sr. Sobral; só falta que este rogue àquele para que mande tirar os assentos da plateia que estão próximos aos camarotes, para que se possa por aí transitar livremente; então jactaremos dos melhoramentos para o cômodo público, substituindo aos ditos assentos com aumento de cadeiras, não prejudicará a casa, e evitará que os imprudentes trepados encarem as famílias que se acharem na primeira ordem. O Justo.47

No romance A Moreninha (1844), de Macedo, quando Augusto lê a divertida carta do jovem estudante Fabrício, em que este narra ao amigo sua ida ao São Pedro de Alcântara para "entabular um namoro romântico", ilustra-se perfeitamente o ar aristocrático

46 O Guasca na Corte, 26 de junho de 1851. 47 Diário do Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1852.

27 dos camarotes.48 Como lhe interessava uma bela moça pertencente a uma família de condição social elevada, que frequentasse o teatro "quatro vezes no mês", Fabrício nem cogita acomodar-se na plateia; ele se dirige à parte superior, isto é, aos camarotes, para ali encontrar sua parceira romântica ideal:

Mas, enfim, maldita curiosidade de rapaz!... Eu quis experimentar o amor platônico, e dirigindo-me certa noite ao teatro São Pedro de Alcântara, disse entre mim: esta noite hei de entabular um namoro romântico (...). Nessa noite fui para a superior; eu ia entabular um namoro romântico; não podia ser de outro modo. Para ser tudo à romântica consegui entrar antes de todos; fui o primeiro a sentar-me quando ainda o lustre monstro não estava aceso; (...) vi se irem enchendo os camarotes; finalmente eu, que tinha estado no vácuo, achei-me no mundo; o teatro estava cheio. (...) concluí que para portar-me romanticamente, deveria namorar alguma moça que estivesse na quarta ordem.49

Os bilhetes para todos os tipos de assentos (plateia, cadeiras e camarotes) eram vendidos na bilheteria do São Pedro de Alcântara. Os espectadores que não se antecipavam à compra, ficavam à mercê dos cambistas que, na época, agiam na Praça Tiradentes, e esgotavam rapidamente os bilhetes, revendendo-os a preços abusivos. O Estado e a polícia da Corte não conseguiam impedir tal atividade e nem se esforçavam para adotar medidas eficientes de combate. Na imprensa, os críticos teatrais condenavam a ação dos cambistas, a exemplo do cronista de O Bodoque Mágico:

Judas são esses malditos cambistas teatrais que ferram de unha o pobre povo, e atravessam um dos mais inocentes divertimentos públicos, privando a certas classes da sociedade desta honesta e útil distração; por isso, que nem todos podem dar cinco e dez mil réis por um bilhete de cadeira, e três e quatro por um de geral; não falando dos camarotes, cujas comissões sobem até às nuvens.50

Em correspondência veiculada pelo O Montanista, o espectador "O admirador dos teatros" narra um episódio em que os cambistas esgotaram, em poucas horas, os bilhetes de um programa especial em comemoração ao aniversário da Imperatriz:

48 Andrea Marzano usa a mesma carta do romance para demonstrar que o teatro era um espaço elegante de "flerte aristocrático". (MARZANO, Andrea. Cidade em Cena: o ator Vasques, o teatro e o Rio de Janeiro (1839-1892). Rio de Janeiro: Folha Seca: FAPERJ, 2008, p. 45-46). 49 MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. São Paulo: Ática, 1995, p. 21-22, (grifos meus). 50 O Bodoque Mágico, 19 de abril de 1851.

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Senhores que entendem das obrigações de administrações teatrais! Porque será, que no dia do espetáculo pelo aniversário natalício de nossa Imperatriz, se achavam tantas pessoas queixosas por não haverem à venda no teatro às dez horas da manhã desse dia, bilhetes de camarotes, e para poderem outras pessoas, em grande número, obterem plateias, precisavam empurrarem e atropelarem-se uns aos outros; sendo o resultado dessa logração ao respeitável público, os cambistas do teatro serem bem aquinhoados na partilha, e rirem-se dos que não tiveram bilhetes... Por que será? – As administrações dos teatros devem muito ao respeitável público, que de boa fé esperam a observância das leis teatrais, para evitar-se o – porque será que os cambistas não deixam o saguão do teatro? O Admirador dos Teatros.51

Em uma versão manuscrita da comédia O Judas em Sábado de Aleluia, Faustino afirma que não pudera comparecer a um espetáculo no teatro por causa da ação dos cambistas, que esgotaram os bilhetes colocados à venda. Martins Pena mostra preocupação com os problemas que envolviam a atividade teatral de sua época e não hesita em colocá-los em cena, sem abandonar o seu costumeiro humor:

FAUSTINO: – E finalmente, se não fui ao teatro no dia em que lá estiveste, foi por não achar um só bilhete. Os cambistas tinham comprado todos. Mas tranquiliza-te, que também já lhes declarei guerra. Ontem comprei dois meirinhos e ao sair daqui comprarei um cento para darem com toda essa súcia na cadeia, com suas mulheres, seus filhos e seus escravos.52

2 Um Comediógrafo Brasileiro no Teatro de São Pedro de Alcântara

Martins Pena iniciou sua carreira dramática quando o São Pedro de Alcântara ocupava posição de destaque na cena teatral da Corte, constituindo-se como o centro do entretenimento, onde os habitantes do Rio de Janeiro assistiam ao repertório neoclássico e romântico europeu, às peças de autores nacionais, aos artistas portugueses, italianos e brasileiros. É em meio a esse panorama que o autor construiu sua trajetória no palco do São Pedro de Alcântara, estreando 19 peças entre 1838 e 1846, as quais, seja pelas temáticas, seja pelas cenas ou personagens, dialogam com o contexto cultural do teatro.

51 O Montanista, 19 de março de 1851. 52 PENA, vol. I, 1956, p. 156-157.

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Entre os oito anos em que contribuiu como dramaturgo dessa casa de espetáculos, destacamos três fases de representações de suas obras: o début, de 1838 a 1840, caracterizado pelas criações das comédias roceiras; a fase de transição às inúmeras estreias, em 1844, com as peças O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas; e o momento mais prolífico, entre 1845 e 1846, quando estreou a maior parte de suas peças cômicas em um ato, a primeira comédia em três atos, O Noviço, e o primeiro e único drama encenado, Vitiza ou O Nero de Espanha.

2.1 O Juiz de Paz da Roça e A Família e A Festa da Roça: o início

A primeira comédia de Martins Pena, O Juiz de Paz da Roça, estreou a 04 de outubro de 1838, como parte do programa teatral em benefício da atriz Estela Sezefreda,53 integrante da companhia dramática do São Pedro de Alcântara, dirigida por seu esposo, o ator João Caetano. O anúncio referente à estreia traz informações detalhadas sobre a programação do espetáculo, que exibiu como peça principal o drama espanhol A Conjuração de Veneza:

Teatro S. Pedro de Alcântara. Estela Sezefreda faz benefício quinta-feira, 04 de outubro do corrente ano, com o novo drama romântico, em 3 atos, denominado Conjuração de Veneza. Esta composição, de um gênero novo, não deixará de agradar, e o título dá uma ideia do quanto deve ser interessante, porque ele se acha gravado nas páginas da história italiana. Respectivamente a cenário e vestuário, será segundo a época. A nova farsa O Juiz da Roça, que termina por uma tocata e dança própria do lugar, porá fim ao espetáculo. A beneficiada tendo de se retirar da cena, no dia 15 de outubro do corrente, em consequência do teatro ter de fechar-se, espera que um público tão ilustrado, quanto generoso, a proteja pela última vez. Os bilhetes acham-se na casa da sua residência, Rua dos Ciganos n. 42.54

53 Estela Sezefreda (1810-1874), artista brasileira, começou sua carreira teatral, em meados da década de 1820, como bailarina do corpo de dança de Auguste Toussaint, no Real Teatro de São João. Nos anos de 1833 a 1855, atuou nas companhias dramáticas dirigidas por João Caetano, protagonizando dramas e comédias. Assim a descreve um artigo dedicado aos artistas dos teatros da Corte, publicado pelo periódico literário e teatral O Bodoque Mágico a 10 de maio de 1851: "pisa bem e veste-se com gosto; o som de sua voz é melodioso, e seria perfeitíssimo se não tivesse o defeito de assobiar muito nos ss (talvez por donaire antes que por hábito), é boa atriz e tem desempenhado certos papéis em que se lhe não pode dar rivais". 54 Jornal do Commercio, 02 de outubro de 1838.

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A comédia foi divulgada anonimamente pela imprensa; prática comum nos anúncios de peças cômicas em um ato, as quais, quase sempre, não tinham sua autoria indicada. Estas, a exemplo de O Juiz de Paz da Roça, ocupavam um espaço raramente modificável dentro do programa teatral, encerrando os espetáculos após a exibição da peça principal, cujos atos eram entremeados com apresentações musicais e dançados. O anúncio de estreia faz referência à última cena da comédia de Martins Pena, em que há a exibição de uma "tocata e dança própria do lugar",55 denominada no enredo o "Fado da Tirana":

TOCADOR (Cantando) Ganinha, minha senhora, Da maior veneração; Passarinho foi-se embora Me deixou penas na mão.

TODOS Se me dás que comê, Se me dás que bebê, Se me pagas as casas, Vou morar com você. (Dançam)

TOCADOR (Cantando) Em cima daquele morro Há um pé de ananás; Não há homem neste mundo Como o nosso juiz de paz.56

A comédia foi novamente representada no dia 10 de outubro de 1838, finalizando o espetáculo em benefício da atriz Isabel Ricciolini57 e de sua filha, a bailarina Clara Ricciolini, que teve como peça principal a tragédia Ackmet e Rakima.58 Cinco dias depois, João Caetano ofereceu um benefício em que foi encenado o melodrama Os Dois

55 Jornal do Commercio, 02 de outubro de 1838. 56 PENA, 1956, vol. I, p. 44-45. 57 Isabel Rubio Ricciolini (1790-1850), artista portuguesa, veio ao Rio de Janeiro em 1817, juntamente com seu esposo, o barítono italiano Gaetano Ricciolini (1778-1850), para integrar a companhia lírica do Real Teatro de São João. Ambos os artistas pertenceram à companhia dramática do São Pedro de Alcântara e atuaram em inúmeros espetáculos entre as décadas de 1830 e 1840. 58 Adaptação portuguesa de Antônio Xavier da peça espanhola Acmet, el Magnánimo, cuja autoria é desconhecida. (Cf. HESSEL & RAEDERS, 1979, p. 37).

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Francos-Maçons (Les Deux Francs-Maçons ou Les Coups du Hasard, 1808), de Benoît Pelletier-Volméranges, seguido de O Juiz de Paz da Roça, tida nos anúncios como "a bem aceita farsa".59 Este foi o último espetáculo do ano promovido pelo São Pedro de Alcântara, que fecharia para reformas. Dias após o benefício, João Caetano publicou um comunicado na imprensa, agradecendo ao público que comparecera ao espetáculo:

João Caetano dos Santos desejoso de dar um testemunho público de sua gratidão às pessoas que o honraram, muito além do seu merecimento, vem por intermédio de sua folha agradecer os obséquios que recebeu no dia 15 do corrente, por ocasião do seu benefício. (...) 'Não tenho expressões para testemunhar a minha gratidão ao respeitável público desta capital, que tanto me tem animado com seus aplausos e proteção: é esta uma dívida que nunca poderei pagar, mas cuja lembrança ficará sempre gravada na minha ideia.'60

A seguinte representação da comédia roceira ocorreu a 25 de novembro de 1838, no Teatro Niteroiense, desempenhada pela companhia dramática de João Caetano, que estava se apresentando em Niterói devido ao fechamento temporário do São Pedro de Alcântara.61 O repertório do espetáculo foi integralmente constituído por peças de autores brasileiros: além da comédia de Martins Pena, foi encenada a tragédia Antônio José ou O Poeta e A Inquisição, de Gonçalves de Magalhães. O aparecimento de dramaturgos brasileiros não passou despercebido pelo público. Se o Estado e os literatos buscavam impulsionar a produção de peças nacionais, como forma de tornar o campo teatral uma expressão legitimadora da cultura da recente nação, tal iniciativa era abraçada pela plateia que frequentava os espetáculos e acolhia bem as peças escritas por brasileiros. Na seção Revista Dramática do Jornal do Commercio, o crítico, assinado por "A.", atribui à sociedade da Corte um papel fundamental no desenvolvimento da arte dramática. "A." afirma que a proteção do público às obras literárias de autores fluminenses contribuiria para o aparecimento de novos dramaturgos e atores:

59 Jornal do Commercio, 13 e 15 de outubro de 1838 e Diário do Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1838. 60 Jornal do Commercio, 22 de outubro de 1838. 61 O Juiz de Paz da Roça voltou ao São Pedro de Alcântara a 06 de agosto de 1840, em espetáculo que exibiu, como peça principal, o melodrama Catarina Howard, de Alexandre Dumas.

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A nova importância que o público deu ao teatro, fez aparecer algumas peças de composição nacional. Se é verdade que a arte dramática civiliza as nações, é preciso também reconhecer que as disposições prévias do público influem muito para a aparição de bons autores e atores. (...) O gosto geral, o espírito de crítica literária, o movimento intelectual da sociedade favorecem muito as direções e o esforço do talento.62

O Juiz de Paz da Roça pode ter inspirado composições de outros autores brasileiros contemporâneos a Martins Pena, como as comédias O Juiz de Paz Abdicando, de Joaquim José Teixeira,63 encenada no São Pedro de Alcântara a 13 de outubro de 1840, e O Novo Juiz de Paz na Roça (1853), de autoria desconhecida. Em sua comédia, Martins Pena delineia um painel da vida de uma família roceira dos arredores da Corte e satiriza a Justiça Imperial, apresentando um Juiz de Paz corrupto e descomprometido com suas atividades, que se resumem a casos corriqueiros envolvendo brigas entre vizinhos e familiares. O comportamento do Juiz é satirizado em cenas e diálogos que o expõem ao ridículo:

JUIZ: – Vamo-nos preparando para dar audiência. (Arranja os papéis) O escrivão já tarda; sem dúvida está na venda do Manuel do Coqueiro... O último recruta que se fez já vai me fazendo peso. Nada, não gosto de presos em casa. Podem fugir, e depois dizem que o Juiz recebeu algum presente. (Batem à porta) Quem é? Pode entrar. (Entra um preto com um cacho de bananas e uma carta, que entrega ao Juiz. Juiz lendo a carta) 'Ilmo. Sr. – Muito me alegro de dizer a V. Sa. que a minha ao fazer desta é boa, e que a mesma desejo para V. Sa. pelos circunlóquios com que lhe venero.' (Deixando de ler) Circunlóquios... Que nome em breve! O que quererá ele dizer? Continuemos. (Lendo) 'Tomo a liberdade de mandar a V. Sa. um cacho de bananas-maçãs para V. Sa. comer com a sua boca e dar também a comer à Sra. Juíza e aos Srs. Juizinhos. V. Sa. há de reparar na insignificância do presente; porém, Ilmo. Sr., as reformas da Constituição permitem a cada um fazer o que quiser, e mesmo fazer presentes; era, mandando assim as ditas

62 Jornal do Commercio, 30 de outubro de 1838. 63 Joaquim José Teixeira (1811-1885) foi deputado, advogado, poeta, romancista, dramaturgo e tradutor. (Cf. SOUSA, 1960, vol. II, p. 539-540). Apesar de o anúncio teatral lhe conferir a autoria da peça, Teixeira publicou um comunicado na imprensa informando que o texto encenado modificara, profundamente, a sua composição: "Rogo ao Sr. Victor Porfírio de Borja que não continue a apresentar-me como autor de obras alheias, pois que não gosto de cobrir-me senão com vestes minhas. É certo que eu me lembro de haver escrito para S. S. a seu pedido uma farsa com o título Um Juiz de Paz Abdicando; mas também me cumpre confessar que não reconheci minha obra em aquela que com o mesmo título foi representada em noite de 13 do corrente. Algumas cenas desta em verdade parecem-se com aquelas que saíram da minha pena, porém nego que seu todo fosse escrito por mim, pois nele achei faltas de cenas, figuras estranhas, entradas e saídas incompetentes, ditos estúpidos e, sobretudo, um final que eu me envergonharia uma vez de compor. E aproveito esta ocasião para declarar mui formalmente que nunca mais hei de escrever para os nossos teatros públicos, por isso que alguns dos Srs. atores são verdadeiros dramático-coveiros. Joaquim José Teixeira". (Diário do Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1840).

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bananas, que diz minha Teresa Ova serem muito boas. No mais, receba as ordens de quem é seu venerador e tem a honra de ser – Manuel André de Sapiruruca.' – Bom, tenho bananas para a sobremesa. Ó pai, leva estas bananas para dentro e entrega à senhora. Toma lá um vintém para teu tabaco. (Sai o negro) O certo é que é bem bom ser Juiz de Paz cá pela roça. De vez em quando temos nossos presentes de galinhas, bananas, ovos, etc., etc.64

O modo, nada cortês, com o qual o comediógrafo deu vida ao Juiz de Paz, desnudando suas corrupções e vícios, não agradou ao censor André Pereira Lima, do Conservatório Dramático Brasileiro.65 Em maio de 1844, o censor reprovou a representação da comédia no São Pedro de Alcântara, por acreditar que a peça feria a credibilidade das instituições brasileiras:

O Juiz de Paz da Roça é uma farsa escrita em baixo cômico, destituída de tudo quanto se pode desejar quer para o entretenimento do espírito quer para o melhoramento dos costumes. Ofende infinitamente as instituições do país, choca a dignidade delas e por isso a considero em circunstância de não ser representada. Rio de Janeiro, 19 de maio de 1844. André Pereira Lima.66

Dois dias após a reprovação, Joaquim Norberto de Sousa e Silva (1820-1891), o segundo censor da comédia, aprovou-a para ser representada. O impasse foi resolvido pelo presidente do Conservatório Dramático, o português Diogo Soares da Silva de Bivar (1785- 1865), que, em 22 de maio de 1844, autorizou a peça para subir ao palco do São Pedro de Alcântara.

64 PENA, 1956, vol. I, p. 34-35. 65 Em maio de 1843 foi criado o Conservatório Dramático Brasileiro, uma instituição governamental que objetivava promover os estudos dramáticos, impulsionar a produção dos dramaturgos brasileiros e garantir a qualidade da cena teatral, por meio da análise prévia das obras que seriam encenadas nos teatros da Corte. Essas análises buscavam zelar pela moralidade nos palcos, proibindo a presença de quaisquer "assuntos e expressões menos conformes com o decoro, os costumes e as atenções que em todas as ocasiões se devem guardar, maiormente naquelas em que a Imperial Família honrar com a sua presença o espetáculo". (Aviso de 10 de novembro de 1843). Contudo, o órgão atuava como um instrumento oficial que controlava os divertimentos públicos e censurava aqueles considerados inconvenientes, isto é, que ferissem a ordem monárquica e os bons costumes. Nas avaliações realizadas pelos censores, as peças poderiam ser totalmente aprovadas, reprovadas ou advertidas com indicações de modificações no texto. Segundo dados da própria instituição, em 1850 foram submetidas 169 peças para julgamento, sendo 97 licenciadas, 15 reprovadas e 43 encaminhadas para modificações. (Dados divulgados pelo Conservatório no Diário do Rio de Janeiro, em 09 de julho de 1851). Isso demonstra a interferência do Conservatório no trabalho criativo dos dramaturgos. 66 "Martins Pena e a censura: extratos de pareceres de censura: notas várias", Biblioteca Nacional, Coleção Darcy Damasceno, I - 26, 02, 75.

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Tal fato foi comentado pelo cronista do folhetim Revista Teatral, que mostrou- se indignado com os critérios de censura adotados pelo Conservatório Dramático. O crítico revela a implicância da instituição censora com as comédias O Juiz de Paz da Roça e Bertrand e Raton (Bertrand et Raton ou L'Art de Conspirer, 1833), de Eugène Scribe (1791-1861):

Porém, meu Deus, que faz aí o Conservatório Dramático: sua sábia comissão, ou quem quer que lá figure, que tanto cortou na comédia Bertrand e Raton por ofensiva à monarquia e à moral, que proibiu O Juiz de Paz da Roça, por ofensiva às nossas autoridades territoriais; mas que licenciou A Festa da Roça que é bem moral, que não ofende nosso culto etc. etc., que faz, dizemos nós, que não interpõe sua sabença, sua profunda erudição na correção desses dramas que lá lhe levam para levar o selo? Talvez não seja de sua alçada. Sendo assim esperamos que um dia haja quem nos governe e que esmerilhe bem esse negócio de traduções para rejeitar as que forem ruins e buscar assim quem saiba o que é traduzir bem e com gosto.67

Após O Juiz de Paz da Roça, Martins Pena estreou uma nova comédia roceira: A Família e A Festa da Roça. A segunda comédia do autor se passa na casa de um pequeno fazendeiro rústico que se dedica aos trabalhos em sua lavoura. Duas temáticas principais são abordadas pelo enredo da peça: o tema amoroso, envolvendo dois jovens enamorados, Quitéria e Juca, e a contraposição entre a vida tradicional no campo e a organização social na capital do Império, o centro dos divertimentos públicos, da moda e do bem viver. A comédia estreou a 01 de setembro de 1840, em espetáculo beneficente a Estela Sezefreda. Novamente, João Caetano e sua esposa, a atriz beneficiada, incluíram uma peça inédita de Martins Pena em um programa teatral. Tal informação nos faz crer que os dois artistas mantinham contato com o novato comediógrafo. O anúncio da estreia de A Família e A Festa da Roça menciona que o autor desta comédia é o mesmo de O Juiz de Paz da Roça, recuperando, assim, a boa recepção pelos espectadores e convidando-os para uma noite de entretenimento que lhes agradaria:

Teatro de S. Pedro de Alcântara. O benefício de Estela Sezefreda, anunciado para o dia 29 do corrente, fica por justos motivos transferido para terça-feira 1º de setembro. Subirá à cena o drama em 4 atos, Joana de Flandres, nova tradução cingida ao original francês, composição dos Srs. Fontan e Herbin. (...) A Família

67 Diário do Rio de Janeiro, 16 de julho de 1844.

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e A Festa da Roça, comédia em um ato, composta ultimamente pelo mesmo autor do Juiz de Paz da Roça, finalizará o espetáculo. Estela Sezefreda será grata às pessoas que se dignarem obsequiá-la. Os bilhetes acham-se à venda na Praça da Constituição n. 89.68

O espetáculo foi comentado em uma crônica publicada pelo Jornal do Commercio em 05 de setembro de 1840, na qual o crítico, anônimo, avalia a trama da peça, seu autor e a mise en scène.69 O enredo da comédia é considerado inverossímil, principalmente devido à suposta falha na caracterização dos tipos roceiros e do escravo. A verossimilhança de uma peça teatral é entendida pelo cronista como adequação ao espaço- real referenciado. Nesse caso, Martins Pena não teria representado veridicamente o modo de vida socioeconômica de uma família roceira dos arredores da Corte. Preocupado com a verossimilhança, o cronista se esquece que um dos recursos da farsa é, exatamente, compor caricaturas, que produzem o humor por meio do exagero e da não realidade.

O enredo da comédia é fraco, com alguma dose de inverossimilhança. Domingos João, ou coisa que o valha, tem uma filha um pouco simplória, mas muito garrida para uma roceira (...). Não apareceu ele [Antônio do Pau-d'Alho] de pés no chão e botas penduradas em um pau? Não fazia gestos despropositados? Não contava a seu modo o que vira na Corte? Não há dúvida, mas não basta trazer os pés descalços e as botas penduradas para caracterizar o roceiro, e um roceiro de serra acima. Esse tal senhor, cujo nome nos não lembra [Antônio do Pau-d'Alho], possuía um sítio e quarenta escravos, e desafiamos a que nos mostrem um roceiro de serra acima gozando de tal abastança, que venha à cidade fazer destacamentos, e caminhe, pé descalço, até o seu sítio. (...) Demais, o nosso fazendeiro é mais um senhor feudal que um roceiro ordinário, e Domingos João não pode, nem pelas suas maneiras, nem pela rapidez com que revoga sua palavra, mudando de genro com tanta facilidade, ser colocado naquela classe. (...) Se foi jocosa a entrada do moleque, posto mal caracterizado por vir de calças, não deixou de ser estranhável a corrida que lhe deram, e o não aparecimento de imensa negraria, quando Quitéria teve seus faniquitos. Na cidade, sim, corre-se com as crias para não escutarem o que se diz; mas na roça! Não é possível. O moleque é um ente

68 Diário do Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1840. 69 Embora ainda não produzissem uma crítica teatral sistemática, os folhetinistas divulgavam suas impressões e opiniões sobre as peças encenadas nos teatros da capital do Império, em crônicas veiculadas pelos periódicos diários e literários. Os cronistas apresentavam o programa do espetáculo; resumiam o enredo da peça principal e, esporadicamente, o da farsa, avaliando as obras a partir de alguns critérios, tais como a verossimilhança, o desenvolvimento da trama, a constituição das personagens e cenas, e se agradou ou não a plateia; em seguida, analisavam a tradução – quando a peça era originalmente em língua estrangeira –; e por fim, discorriam sobre a mise en scène, destacando o desempenho dos atores, a qualidade artística dos cenários e a adequação dos figurinos. Sobre os atores, de modo geral, os críticos verificavam a conformidade das atuações com os sentimentos das personagens.

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necessário, indispensável, que se acha em casa do fazendeiro em todos os cantos; é como o ar que se encontra em toda a parte, como o sol que tudo vê e observa.70

O cronista detecta certos equívocos na representação cênica de A Família e A Festa da Roça, principalmente na atuação de Manoel Soares, ator que desempenhou o papel do lavrador Domingos João. Para o crítico, a adequação e a conformidade com os indivíduos sociais reais, aos quais a peça fazia referência, garantiriam a performance natural dos artistas que representavam tais personagens no palco:

Os nossos roceiros de serra acima, que cumpre não confundir com os de serra abaixo, tem outro modo de falar; seu dialeto é antes espevitado, como o falar à mineira, do que descansado e com tantos hiatos. Suas maneiras, se pecam, é, por algum tanto acanhadas e contrafeitas, que não por abrutalhadas. O Sr. Manoel Soares representou mais como um campônio de Portugal do que como um roceiro do Brasil.71

Apesar dos erros na caracterização dos tipos roceiros, o folhetinista afirma que o comediógrafo mostrou originalidade e certa fidelidade aos costumes típicos da roça, o que garantiu que a peça fosse bem recebida e agradasse ao público, tanto que "excitou longa hilaridade e obteve repetidos aplausos".72 Considerando que o principal objetivo do autor ao compor a comédia teria sido esboçar certos costumes do povo da roça, o cronista acredita que tal atitude era positiva, pois, segundo ele, os dramaturgos brasileiros da época ignoravam elementos da história e da sociedade nacional. Nesse sentido, em um discurso nacionalista que entrevê no escritor a função, por meio do teatro, de legitimar a nação e a cultura brasileira, o cronista deposita grandes esperanças na carreira teatral de Martins Pena – ainda no anonimato –, o qual, sendo integrante de uma nova geração de escritores que despontava no campo literário, poderia ser um dos responsáveis por resgatar aspectos históricos e socioculturais, revelando ao público os tesouros da recém-criada nação "que parecem bradar por quem os roube ao esquecimento em que jazem sepultados".73

70 Jornal do Commercio, 05 de setembro de 1840. O anexo "A Festa e A Família da Roça (Comédia original)" traz o texto integral da crônica. 71 Idem. 72 Idem. 73 Idem.

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A Família e A Festa da Roça encerrou outros espetáculos no ano de 1840. Foram três exibições no São Pedro de Alcântara: a 08 de setembro, após a apresentação do melodrama Joana de Flandres (Jeanne de Flandre, 1835), de Victor Herbin e Louis-Marie Fontan; a 19 de setembro – espetáculo que contou com a presença, na tribuna, da Família Imperial –, depois da exibição da comédia em dois atos A Lua de Mel ou A Correção Singular, em que estreou a atriz Maria Amália da Silva, recém-chegada de Lisboa; e no programa de 06 de outubro, em benefício da atriz Maria Cândida de Souza, que teve como peça principal a comédia Casanova no Forte de Santo André (Casanova au Fort Saint- André, 1836), de Charles Varin (1798-1869), Étienne Arago (1802-1892) e Desvergers, seguida da apresentação de uma ária, cantada por Margarida Lemos, e de uma fantasia do compositor português Antônio Luis Miró (1815-1853), mestre do Real Teatro de São Carlos, em Lisboa. Nos anúncios desses espetáculos, a comédia de Martins Pena é considerada a "bem aceita"74 e "muito aplaudida farsa".75 Em julho de 1844, a peça finalizou um espetáculo em benefício da atriz Ludovina Soares, em que estreou, como título principal do programa, a comédia A Filha de Fígaro. Esta havia sido submetida por Martins Pena, em 20 de maio, à avaliação censória do Conservatório Dramático.76 Nos anúncios que antecederam ao benefício, Abel ou O Retrato Respeitado era a peça anunciada para o encerramento do espetáculo. Porém, um dia antes da apresentação, para agradar a alguns espectadores e diletantes de sua amizade, Ludovina Soares optou por A Família e A Festa da Roça. A mudança na escolha da obra que finalizaria o programa nos revela que a comédia de Martins Pena fazia parte do gosto do público e que o autor mantinha contato direto com a companhia dramática do São Pedro de Alcântara, cujos atores escolhiam suas farsas para o encerramento de espetáculos beneficentes.77

74 Jornal do Commercio, 06 de outubro de 1840. 75 Diário do Rio de Janeiro, 22 de setembro de 1840. 76 Informação obtida no documento: "Encaminhamento do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro de pedido para exame censório da peça A Filha de Fígaro, para ser encenada no Teatro São Pedro d'Alcântara", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 01, 53. 77 A Família e A Festa da Roça retornou ao palco do São Pedro de Alcântara a 20 de maio de 1845, em espetáculo beneficente ao ator português Antônio José Pedro, que teve como peça principal a comédia A Mulher Vingativa.

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Teatro de S. Pedro de Alcântara. Terça-Feira, 09 de julho de 1844, benefício da primeira atriz Ludovina Soares da Costa. Subirá à cena em primeira representação a interessante comédia em 5 atos: A Filha de Fígaro ou A República Francesa. Terminará o espetáculo com a muito jocosa farsa: A Família e A Festa da Roça. N. B. – A beneficiada, querendo satisfazer os desejos de algumas pessoas de sua amizade, preferiu a Festa da Roça ao drama de um ato já anunciado. O mais divertimento será anunciado pelos cartazes. Os Srs. que se quiserem prevenir de bilhetes, hajam de dirigir-se à casa da beneficiada, Rua do Cano n. 72, 1º andar.78

***

As primeiras composições dramáticas de Martins Pena – O Juiz de Paz da Roça e A Família e A Festa da Roça – estrearam, e foram frequentemente encenadas, no encerramento de espetáculos beneficentes a atores do São Pedro de Alcântara, em programas teatrais que apresentaram, como peça principal, dramas românticos, melodramas e comédias de autores portugueses, espanhóis e franceses. Com as peças cômicas roceiras, Martins Pena representou e satirizou cenários, personagens e costumes da sociedade de sua época, temas inexistentes, até então, no palco do São Pedro de Alcântara. Nestas obras, destaca-se o diálogo que o comediógrafo estabeleceu com o seu momento cultural, objetivando representar a vida rústica na roça, concebida como o lugar mantenedor de tradições, em contraposição ao progresso da Corte, o espaço dos grandes divertimentos públicos, a exemplo dos espetáculos no teatro. Entre as décadas de 1830 e 1840, a capital do Império passava por um processo de modernização, motivada pela política do Estado que pretendia conferir uma imagem de progresso à recém-criada nação. A cidade se transformara em um centro irradiador de decisões políticas, regras de etiqueta, modas literárias, hábitos no vestuário, no gestual e na linguagem.79 As medidas visando à civilidade social se refletiam nas manifestações culturais, incluindo os espetáculos oferecidos pelo São Pedro de Alcântara. Nas duas primeiras peças de Martins Pena, a cidade é idealizada pelos roceiros e associada às imagens de civilidade, liberdade e alegria. O tema do rústico que conhece a

78 Diário do Rio de Janeiro, 08 de julho de 1844. 79 Cf. SCHWARCZ, 2010, p. 155.

39 capital e fica admirado com o progresso, um dos mais antigos do teatro,80 é empregado pelo autor em ambas as comédias. Estas apresentam uma personagem caipira – José da Fonseca em O Juiz de Paz da Roça e Antônio do Pau-d'Alho em A Família e A Festa da Roça – que passa um tempo na Corte e se maravilha com o que lá vivencia. José da Fonseca descreve a Aninha, sua amada, os cosmoramas que invadiam as ruas, as performances equestres nas arenas, os espetáculos dramáticos e as apresentações mágicas no São Pedro de Alcântara, teatro "maior que o engenho do capitão-mor". A moçoila, que não conhece a capital, se encanta com os divertimentos e a grandeza da cidade:

JOSÉ: – Eu te digo. Há três teatros, e um deles maior que o engenho do capitão- mor. ANINHA: – Oh, como é grande! JOSÉ: – Representa-se todas as noites. Pois uma mágica... Oh, isto é coisa grande! (...) Uma árvore se vira em uma barraca; paus viram-se em cobras, e um homem vira-se em macaco. (...) Pois o curro dos cavalinhos! Isto é que é coisa grande! Há uns cavalos tão bem ensinados, que dançam, fazem mesuras, saltam, falam, etc. Porém o que mais me espantou foi ver um homem andar em pé em cima do cavalo. (...) Além disto há outros muitos divertimentos. Na Rua do Ouvidor há um cosmorama, na Rua de São Francisco de Paula outro, e no Largo uma casa onde se veem muitos bichos cheios, muitas conchas, cabritos com duas cabeças, porcos com cinco pernas, etc. (...) ANINHA (só): – Como é bonita a Corte! Lá é que a gente se pode divertir, e não aqui, onde não se ouve senão os sapos e as intanhas cantarem. Teatros, mágicos, cavalos que dançam, cabeças com dois cabritos, macaco major... Quanta coisa! Quero ir para a Corte!81

Em A Família e A Festa da Roça, Antônio do Pau-d'Alho, após quatro meses de trabalho na Guarda Nacional, retorna à roça repleto de novidades extraordinárias acerca do que vira em sua estadia na Corte. A personagem se encanta com o progresso da cidade, visualizado, principalmente, em seus divertimentos públicos nos teatros, como os espetáculos de mágica, que maravilham os olhos do ingênuo sertanejo:

ANTÔNIO DO PAU-D'ALHO: – (...) a cidade está muito adiantada. Eu estive quatro meses destacado e posso dizer alguma coisa, porque quando não estava de guarda, passeava. Vá vendo quantas coisas boas. (...) Veja. Há um teatro aonde

80 Cf. ARÊAS, 1987, p. 116. 81 PENA, 1956, vol. I, p. 30-31.

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vai este homem, que é muito bonito, porque tem umas mesas bordadas de prata, luzes amarelas, vermelhas e de todas as cores. Chega ele, como ia dizendo, a este teatro, chama um homem, este vai para onde ele está, e trepando em cima de uma mesa, fica assim. (Ajoelha-se) E depois, o mata-gente, levantando a espada, corta-lhe a cabeça e o homem cai assim. (Deita-se de bruços) Faça agora de conta que eu não tenho cabeça, e que ela anda na mão do sujeitinho para ser mostrada a quem quer ver.82

Martins Pena aborda a cultura de divertimentos de sua época, para representar, de forma satírica e com humor, o progresso e a civilidade da Corte. O comediógrafo leva ao palco do São Pedro de Alcântara os espetáculos que estavam em cartaz nos teatros e nas ruas da cidade, que convidavam os espectadores para longas horas de entretenimento. Os divertimentos públicos, mencionados pelo autor nas duas comédias roceiras, como os cosmoramas e os espetáculos de mágica, eram anunciados diariamente nas páginas dos periódicos cariocas:

Cosmorama e teatrinho Rua da Vala. Sete magníficas vistas no Cosmorama, e três superiores danças no teatrinho, formam o divertimento deste espetáculo, e no fim das danças se verá fazer o equilíbrio da roda de sege sobre a testa, feita por um sertanejo, vestido e armado ao uso do sertão; sairá de entre os bastidores dançando, fazendo o equilíbrio e executando dificultosas atitudes que farão admirar, sem perder sua grande firmeza.83

FRANCÊS Domingo, 04 do corrente, Mr. Leroux, físico-mor prestidigitador de S. M. o Rei dos franceses, dará lugar à sua vigésima quinta representação, se o tempo o permitir. Primeira Parte – Física experimental. À pedido geral será repetida a linda recreação da máquina aeroestática. Segunda Parte – Prestidigitação. O relógio e o pão – a lira do gênio de Aladim – o maravilhoso nascimento instantâneo das flores. Terceira Parte – A cena da decapitação. Quarta Parte – Jogos hidráulicos, ornados de fogos de cores. Quinta Parte – Fogos diamantinos, tudo será novo. Os bilhetes acham-se à venda no Teatro Francês, lado de São Francisco de Paula, e na Rua do Ouvidor n. 60.84

O diálogo que o comediógrafo estabelece com o universo de divertimentos, os quais ocupavam os teatros, as ruas e os arredores das igrejas, não se configura apenas como uma fotografia descritiva e inerte do Brasil de sua época. Por meio das duas peças roceiras, e de outras em que o autor representa as festividades religiosas populares da Corte, como

82 PENA, 1956, vol. I, p. 79-80. 83 Diário do Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 1837. 84 Diário do Rio de Janeiro, 03 de agosto de 1839.

41 em O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas, ou os espetáculos líricos no São Pedro de Alcântara, em O Diletante, "tomamos conhecimento dos espetáculos que divertiam seus habitantes (a ópera, o teatro de bonecos das praças, os ofícios religiosos), e assistimos a uma reposição das relações sociais que os governam".85

2.2 O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas: uma fase de transição

Martins Pena não estreou nenhuma peça entre 1841 e 1843, afastando-se, momentaneamente, do teatro. Em 1844, retornou aos palcos com duas comédias, O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas, que dialogam com a cultura popular e religiosa da Corte: a primeira representa as festividades do Sábado de Aleluia, e a segunda, as irmandades religiosas, o Dia de Finados e a Festa dos Ossos. Assim como as suas primeiras composições, essas peças estrearam no encerramento de espetáculos dedicados ao benefício de atores do São Pedro de Alcântara. Apesar do anonimato, comum aos autores de pequenas peças cômicas, as obras de Martins Pena eram anunciadas na imprensa juntamente com a referência às outras comédias que o autor já havia escrito, recuperando, assim, a boa aceitação pelo público e convidando-o para prestigiar as novas composições. A peça O Judas em Sábado de Aleluia foi encenada, pela primeira vez, a 17 de setembro de 1844, no espetáculo em benefício do ator Manoel Soares, que teve como obra principal a comédia Os Casados em Segredo. Cinco dias depois, foi representada em um programa que exibiu a tragédia Nova Castro, do português João Batista Gomes Júnior. As outras representações ocorreram a 09 de abril de 1845, no benefício da dançarina Irene York, em que foi encenado o drama O Amor de um Padre ou A Inquisição em Roma, de Louis Antoine Burgain,86 seguido de um dueto da ópera A Colomella e de um bailado; a 25 de julho de 1845, após o drama Fernando Teles; a 03 de agosto do mesmo ano,

85 ARÊAS, 1987, p. 223. 86 Louis Antoine Burgain (1812-1877), também conhecido como Luís Antônio, nasceu na França e veio ainda jovem ao Brasil. Foi poeta, dramaturgo e membro do Conservatório Dramático Brasileiro. Compôs inúmeras peças, dentre as quais se destacam os dramas Glória e Infortúnio ou A Morte de Camões, A Última Assembleia dos Condes Livres e Pedro Sem, Que Já Teve e Agora Não Tem. (Cf. SOUSA, 1960, vol. II, p. 139-140).

42 arrematando o programa que exibiu O Homem da Máscara Negra (1840), drama de Mendes Leal, cujos atos foram entremeados com as apresentações de um dueto lírico e da dança A Caxuxa; a 29 de janeiro de 1846, no espetáculo em benefício do ator Francisco de Paula Dias, em que foi encenado o melodrama O Marinheiro de São Tropez (La Dame de Saint-Tropez, 1844), de Auguste Anicet-Bourgeois (1806-1870) e Adolphe Dennery (1811- 1899), seguido do dançado A Polca;87 e a 27 de janeiro de 1847, em benefício do ator José Candido da Silva. Os Irmãos das Almas estreou a 19 de novembro de 1844, no encerramento do espetáculo beneficente ao ator José Candido da Silva. O programa exibiu o drama O Amor de um Padre ou A Inquisição em Roma, de Burgain, seguido de um número musical desempenhado pelo compositor e rabequista português Fernando de Sá Noronha88 e da comédia O Judas em Sábado de Aleluia:89

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Terça-Feira, 19 de novembro de 1844, benefício do ator José Candido da Silva. Depois que a orquestra houver executado A Batalha de Almoster, representar-se-á o aparatoso drama em 4 atos, intitulado O Amor de um Padre ou A Inquisição em Roma. (...) No fim da peça o Sr. Noronha, por obséquio ao beneficiado, executará na sua rabeca umas lindas variações de sua composição. Seguir-se-á a muito aplaudida comédia em 1 ato: O Judas em Sábado de Aleluia. Terminará o espetáculo com a linda e nova comédia em 1 ato, intitulada Os Irmãos das Almas, composição do autor do – Juiz de Paz da Roça, Festa da Roça e Judas – peças que todas gozam do favor público. A cena passa- se no Rio de Janeiro, no ano de 1844, em Dia de Finados. Tal é o divertimento que o beneficiado oferece ao respeitável público, com a bem fundada esperança de obter ainda uma vez a sua valiosa proteção. Os bilhetes de camarotes e plateias acham-se à venda em casa do beneficiado, no Largo da Carioca n. 5.90

A peça Os Irmãos das Almas foi representada, novamente, em 15 de dezembro de 1844, encerrando o espetáculo que exibiu a comédia A Filha de Fígaro. Em 1845,

87 O mesmo programa foi reprisado em 08 de fevereiro de 1846. 88 Fernando de Sá Noronha veio ao Rio de Janeiro, em meados da década de 1840, para trabalhar como compositor e músico do São Pedro de Alcântara. Em 1848, partiu em viagem para se apresentar na Europa e Estados Unidos. Retornou ao São Pedro de Alcântara em junho de 1851, como regente de orquestra. (Informações presentes em uma pequena biografia, publicada pelo periódico A Aurora em 22 de junho de 1851). São de sua composição inúmeras valsas, cançonetas, modinhas e lundus, como o Romance Sem Palavras, Lundu das Moças, Souvenir, Schottische e Romance, cujas partituras foram publicadas pelo Jornal das Senhoras, entre 1852 e 1855. 89 O mesmo programa foi reapresentado em 24 de novembro de 1844, porém sem a peça Os Irmãos das Almas. 90 Diário do Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1844.

43 obteve as seguintes representações: a 06 de abril, após a comédia A Mão de Ferro ou As Educandas de S. Ciro (Les Demoiselles de Saint-Cyr, 1843), de Alexandre Dumas Pai, que foi entremeada com um terceto e o dançado Os Boleiros; a 27 de abril, em um programa que apresentou a farsa O Novo Criado de Dois Amos, o baile trágico Mahomed ou O Falso Profeta e Os Dois ou O Inglês Maquinista; a 27 de julho, após o drama Fernando Teles; e a 01 de novembro, em um programa que exibiu o drama Edite ou A Viúva de Southampton e os coros da ópera La Prigioni di Edimburgo (1838), de Federico Ricci (1809-1877). Em 1846, foi encenada a 17 de fevereiro, em benefício da viúva e dos filhos do finado ator português José Joaquim de Barros, em um programa que apresentou o drama Fernando Teles e uma ária da ópera Nabucodonosor (1842), de Giuseppe Verdi (1813-1901). No ano seguinte, finalizou o benefício do ator João José do Amaral a 12 de novembro, após a exibição do drama D. Afonso III (1840), do português Henrique Guilherme de Sousa. Em 1848, encerrou dois programas: a 17 de setembro, após o drama O Marinheiro de São Tropez, seguido de exibições musicais e de dançados; e a 14 de dezembro, em benefício das obras de construção da Igreja Nossa Senhora da Lampadosa, espetáculo que exibiu o melodrama O Sineiro de São Paulo (Le Sonneur de Saint-Paul, 1838), de Joseph Bouchardy (1810-1870). Os nomes dos atores da companhia dramática do São Pedro de Alcântara citados na primeira edição de Os Irmãos das Almas, publicada na década de 1840 por Francisco de Paula Brito (1809-1861), devem ser, muito provavelmente, os artistas que atuaram nas representações que mencionamos anteriormente. Assim, nessas encenações, as personagens foram desempenhadas pelos seguintes atores: Mariana – Gertrudes Angélica da Cunha; Eufrásia – Maria Amália da Silva; Luísa – Gabriela da Cunha de Vecchy; Jorge – Luis Antônio Monteiro; Tibúrcio – Manoel Soares; Sousa – José Joaquim Pimentel; e Felisberto – Pedro Joaquim da Silva.91

91 Os nomes dos atores e as personagens que representaram foram consultados em PENA, Martins. Os Irmãos das Almas. Série Teatro Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Imparcial de F. de Paula Brito, [184?].

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2.3 O Auge das Estreias de Martins Pena (1845-1846)

Ao longo de 1845 e 1846, Martins Pena estreou 14 comédias no São Pedro de Alcântara, sendo 11 em um ato – Os Dois ou O Inglês Maquinista, O Diletante, O Namorador ou A Noite de São João, Os Três Médicos, O Cigano, O Caixeiro da Taverna, Quem Casa, Quer Casa, Os Ciúmes de um Pedestre, Os Meirinhos, As Desgraças de uma Criança e O Segredo de Estado –,92 e três maiores – O Noviço, As Casadas Solteiras e A Barriga de Meu Tio.93 Após Os Irmãos das Almas, foi encenada, pela primeira vez, em 28 de janeiro de 1845, Os Dois ou O Inglês Maquinista, peça na qual o autor expõe o tráfico ilegal de escravos africanos. O anúncio de estreia contextualiza o enredo da comédia, que tem como referente real a cidade do Rio de Janeiro durante a Noite de Reis do ano de 1844. A menção a essa festividade do Império é extremamente significativa, já que a peça estreou em janeiro, mesmo mês em que se homenageiam os Reis Magos e, tendo em vista que a plateia do teatro se constituía por indivíduos de uma sociedade, majoritariamente, católica e de raízes culturais portuguesas, Os Dois ou O Inglês Maquinista era um convite ao público, que veria no palco a representação de uma ordem sociocultural da qual integrava e de elementos simbólicos que compartilhava.

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Terça-Feira, 28 de janeiro de 1845, em benefício do ator Francisco de Paula Dias. Subirá à cena o aparatoso drama em 5 atos intitulado A Última Assembleia dos Condes Livres. Findo o drama terá lugar a muito aplaudida cena mímica O Parricida. Rematará o espetáculo a primeira representação da graciosa comédia em um ato, intitulada Os Dois, composição do acreditado autor do Juiz de Paz da Roça, Festa da Roça, Judas e Irmão das Almas. A cena é passada no Rio de Janeiro, em 1844, em Noite de Reis. Os bilhetes vendem-se na Rua da Alfândega n. 207, casa do beneficiado, e no teatro.94

92 Das comédias em um ato escritas pelo autor, Um Sertanejo na Corte, O Jogo de Prendas e a Comédia sem Título são as únicas que não foram representadas. 93 Martins Pena compôs quatro comédias em três atos. Destas, apenas O Usurário, cujo protagonista é um avarento clássico da farsa, não foi representada. 94 Jornal do Commercio, 27 de janeiro de 1845.

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Ainda em 1845, a comédia foi reapresentada em inúmeros espetáculos: a 22 de abril, finalizando o benefício da atriz Gertrudes Angélica da Cunha, após a encenação da comédia O Médico Raimundo ou A Família de Villar Henriques;95 a 27 de abril, em um programa que apresentou a farsa O Novo Criado de Dois Amos, o baile trágico Mahomed ou O Falso Profeta e Os Irmãos das Almas; a 22 de maio, encerrando um espetáculo variado, no qual houve a exibição da comédia O Braço Misterioso, seguida pelas apresentações de um dueto da ópera Lucrezia Borgia (1833), de Gaetano Donizetti (1797- 1848), da tonadilha espanhola96 O Poeta e O Músico (El Músico y El Poeta), do espanhol Ramón Carnicer (1789-1855), e do baile Mahomed ou O Falso Profeta; a 01 de junho, em um programa variado que incluiu as farsas Os Irmãos das Almas e O Capitão Sem o Ser,97 um dueto da ópera lírica A Colomella e a dança Os Boleiros; a 15 de junho, após a exibição do drama O Homem da Máscara Negra; a 19 de junho, rematando um espetáculo lírico em que foi exibida, pela companhia italiana, a ópera Clara de Rossemberg (Chiara di Rosembergh, 1834), de Luigi Ricci (1805-1859); a 20 de julho, em um espetáculo variado que apresentou o vaudeville Uma Rapaziada98 e a comédia em um ato O Aventureiro das Espanhas, seguida de exibições do dueto da ópera A Colomella e da tonadilha O Poeta e O

95 Em 07 de abril de 1845, Martins Pena incumbiu-se da tarefa de avaliar e emitir um parecer censório da comédia O Médico Raimundo ou A Família de Villar Henriques. A peça foi por ele aprovada para a encenação no São Pedro de Alcântara. (Consultamos o documento "Designação censória do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro ao mesmo, para examinar a peça O Médico Raymundo, a ser encenada no Teatro São Pedro d'Alcântara", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 02, 76). 96 A tonadilha é um gênero de comédia musical satírica, de curta duração, que foi muito popular na Espanha do século XVIII. "En nuestro teatro del siglo XVIII, la jácara, el entremés y el sainete, concluían frecuentemente con un número cantado que no era ciertamente – como nos indica Subirá –, el único en estas obras. Esta pieza final fue gradualmente aumentando, a la vez que se desentendía del asunto principal, terminando por desligarse del sainete. Por lo tanto, de apéndice de un intermedio teatral, parcialmente cantado y hablado, se transforma en independiente composición literario-musical, aceptando la música en su totalidad, al menos durante la segunda etapa – de juventud [entre 1758-1770] – de su desarrollo histórico". (VARELA DE VEGA, Juan Bautista. "Origen y desarrollo histórico de la tonadilla escénica". In: Revista de Folklore, Valladolid, Caja España, Fundación Joaquín Díaz, n. 13, tomo 02a, p. 26, 1982). 97 No Conservatório Dramático, Martins Pena foi o responsável por designar, em 02 de maio de 1845, um censor para avaliar a peça O Capitão Sem o Ser. (Consultamos a "Designação censória do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro ao censor Ernesto Pires Camargo, para examinar a peça O Capitão Sem o Ser, a ser encenada no Teatro São Pedro d'Alcântara", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 02, 80). 98 O vaudeville foi enviado a Martins Pena em 18 de abril de 1845, para este emitir seu parecer censório. A peça foi por ele aprovada para representação no São Pedro de Alcântara. (Informação obtida no documento "Designação para Martins Penna examinar o vaudeville Uma Rapaziada, a ser representada no Teatro São Pedro d'Alcântara", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 22, 80).

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Músico; a 31 de julho, na abertura do benefício da dançarina Francisca Farina, que teve em seu programa os dançados A Polca e A Caxuxa, a representação de Os Irmãos das Almas e números musicais que incluíram uma ária da ópera O Barbeiro de Sevilha (Il Barbieri di Siviglia, 1816), de Rossini, e duetos das óperas O Pirata (Il Pirata, 1827) e Os Puritanos (I Puritani, 1835), ambas de Vincenzo Bellini (1801-1835). Segundo Vilma Arêas, Martins Pena nutria especial encantamento pelo Barbeiro de Sevilha, tanto que o teria motivado a inserir elementos dessa ópera-bufa em O Judas em Sábado de Aleluia e n'As Desgraças de uma Criança.99 Seu gosto pelo Barbeiro de Sevilha pode ser também justificado pela inclusão de árias dessa composição lírica, e de outras óperas cômicas de Rossini, em programas teatrais que exibiam as suas peças. Nesse caso, podemos admitir que Martins Pena exercia certa influência na composição dos programas em que suas comédias eram representadas. O Diletante, peça na qual satiriza os muitos diletantes da Corte que travavam incansáveis contendas na imprensa em defesa das divas líricas italianas, foi a sua seguinte estreia. A comédia, que traz referências às encenações da ópera Norma (1831), de Bellini, no São Pedro de Alcântara, recebeu duas representações nesse teatro: a 25 de fevereiro e a 02 de março de 1845. A estreia foi em benefício da atriz Gabriela da Cunha de Vecchy,100 espetáculo que teve como peça principal o drama trágico Norma, uma adaptação, em versos, feita pela atriz Gertrudes Angélica da Cunha, mãe da beneficiada, do libreto da ópera homônima de Bellini. A releitura incluía personagens e adornava o enredo com novos coros compostos por João Victor Ribas, músico-regente da orquestra do teatro. Um dia antes do espetáculo, o Jornal do Commercio publicou uma nota, assinada por "O Artista", que comenta o programa escolhido pela atriz. Sobre a estreia da comédia de Martins Pena, destaca a dedicação do autor em compor comédias populares que

99 Cf. ARÊAS, 1987, p. 242. 100 A atriz portuguesa Gabriela da Cunha de Vecchy (1821-1882) integrou a companhia dramática do São Pedro de Alcântara até 1855, quando se transferiu para a companhia de Joaquim Heliodoro, no Teatro Ginásio Dramático. Gabriela de Vecchy se destacava por sua beleza nos palcos, como aponta o artigo publicado em O Bodoque Mágico a 10 de maio de 1851: "É delicada e também bonita; compreende os papéis de que se incumbe, traja bem e à caráter, pisa com bastante graça, a sua voz é na verdade fraca, o que é pena, pois que se não fora isso seria muito melhor atriz; esforça-se sobremaneira para agradar ao público, merecendo por isso todos os elogios e contemplações".

47 levavam ao palco os "vícios" da sociedade brasileira, o que agradava à plateia do São Pedro de Alcântara:

Uma nova comédia O Diletante subirá também à cena nessa noite. O Diletante depois da Norma! Magnífica lembrança. O público tem reconhecido com aplauso todas as composições do autor do Juiz de Paz da Roça; e faz justiça aos esforços por ele empregados para introduzir nos nossos teatros a comédia popular brasileira. Este gênero de composição agrada sempre ao povo, que vê distintamente no tablado os vícios e ridículos da sociedade, no meio da qual vive, e que passam para ele desapercebidos no lidar de sua vida agitada; mas o poeta cômico apodera-se desses vícios e ridículos e, impiedoso, os expõe à hilaridade pública, e assim os estigmatiza. Avante! O campo é largo, e a colheita imensa. Ridendo castigat mores. Damos os parabéns à Sra. D. Gabriela pela escolha do espetáculo. O Artista.101

A comédia, divulgada no anúncio de estreia como "tragi-farsa"102 – provavelmente, devido à morte da personagem José Antônio na última cena –, foi encomendada pela beneficiada, que organizou um programa em homenagem à Norma, a ópera mais representada no São Pedro de Alcântara, em 1845, pela companhia lírica italiana da soprano Augusta Candiani. Esta desempenhava o papel de Norma, ao passo que a mezzo-soprano Margarida Deperini, o de Adalgisa.103 As duas divas arrancavam suspiros e elogios dos diletantes cariocas que, extasiados com suas vozes, estendiam até a imprensa suas contendas em defesa das intérpretes.104 Em O Diletante, José Antônio, amante de óperas, revela a presença marcante de Norma no cotidiano do Rio de Janeiro. A ópera, que estreara no São Pedro de Alcântara a 17 de janeiro de 1844 e, desde então, integrava as récitas semanais, era também o assunto nas rodas de conversa e cantada por todos nas ruas da cidade:

JOSÉ ANTÔNIO: – Hoje havemos de cantar alguns pedaços da Norma. (Lendo uma música) Qual cor tradiste... Há de ser este dueto. Que música? (Põe à parte)

101 Jornal do Commercio, 24 de fevereiro de 1845. 102 Jornal do Commercio, 08 de fevereiro de 1845. 103 A companhia lírica italiana, contratada em janeiro de 1844, era constituída, além da soprano Augusta Candiani e da mezzo-soprano Margarida Deperini, pelos baixos Archangelo Fiorito e Francisco Massiani, os tenores Angelo Graziani e Giuseppe Deperini, e o bufo cômico Giuseppe Galetti. Em 1845, Clara Delmastro foi agregada à companhia. 104 Luís Antônio Giron reconstitui a disputa em torno das cantoras líricas, travada na imprensa pelos diletantes e críticos teatrais, ao longo das décadas de 1840 e 1850. (GIRON, Luís Antônio. Minoridade Crítica: a ópera e o teatro nos folhetins da Corte (1826-1861). São Paulo: Edusp; Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 119-206).

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O pior é não termos um tenor... Arremediarei. (Lendo outra música) Nel cor più non mi sento... Xi, que isto é velho que é o diabo! (Joga para o lado e procura de novo) Não acho a cavatina. Josefina? Ó Josefina, vem cá. (...) Que fizeste da Casta Diva? JOSEFINA: – Está sobre o piano. (...) Se é para eu cantar, não procuro. Já não posso aturá-la. É maçada! JOSÉ ANTÔNIO: – Que dizes, bárbara? A Casta Diva maçada? Esta sublime produção do sublimíssimo gênio? JOSEFINA: – Será sublimíssima, mas como há algum tempo para cá que eu a tenho ouvido todos os dias cantada, guinchada, miada, assobiada e estropiada por essas ruas e casas, já não a posso suportar. Todos cantam a Casta Diva – é epidemia! JOSÉ ANTÔNIO: – E o mais é que tens razão! Ouve-se daqui: (canta a Casta Diva com voz fanhosa). Ouve-se dali: (canta com voz muito fina). Mais adiante um moleque: (assobia-a). Estragam-na! Assassinam-na! Mas tu cantas bem. (...) JOSÉ ANTÔNIO (só): – É uma louquinha; mas tem bom coração. Por isso quero que encontre um marido que a faça feliz como merece. O amigo Marcelo é homem rico, honesto e bom, ainda que rústico. Coitado, nunca saiu de S. Paulo! É a primeira vez que vem à Corte; anda espantadiço. Só uma coisa desgosta-me nele: o não gostar da música. Levei-o ontem ao teatro para ouvir Norma e dormiu a sono solto durante toda a representação. Dormir, quando se canta a Norma! Isto só faz um paulista dos sertões! Dormir, quando se pode ouvir esse canto incomparável do Cisne da Itália! Infeliz mancebo! Bellini inimitável, rei das almas sensíveis, portento de harmonia, morreste, e tão pouco nos deixaste! Morreste... A terra te seja... Melodiosa!105

Em março de 1845, durante o período da quaresma, Martins Pena estreou O Namorador ou A Noite de São João, comédia cujas ações se desenvolvem durante uma festividade popular de raiz católica, a Festa de São João Batista. A peça fora anunciada para o encerramento do espetáculo beneficente em favor do ator Germano Francisco de Oliveira, a ocorrer no dia 04 de março de 1845;106 no entanto, com o cancelamento da apresentação, devido ao adoecimento da atriz Ludovina Soares,107 a estreia deu-se a 13 de março, em um programa que exibiu, como peça principal, a tragédia Fayel (1770), do francês François-

105 PENA, 1956, vol. I, p. 215-216. 106 "Teatro de S. Pedro de Alcântara. Terça-Feira, 04 de março de 1845. Em benefício do artista dramático Germano Francisco de Oliveira, representar-se-á a muito acreditada tragédia em 5 atos: Fayel. Terminando o espetáculo com a nova comédia em um ato, escrita pelo hábil autor do Juiz de Paz da Roça, Judas em Sábado de Aleluia, Irmãos das Almas, Os Dois e O Diletante, que tem por título: A Noite de S. João. A cena passa-se no Rio de Janeiro em uma chácara; e além de sua distribuição, finaliza com um pequeno mas lindo fogo de artifício. O beneficiado espera merecer a proteção do público, a quem se confessa agradecido. Os bilhetes acham-se à venda em casa do beneficiado, Rua do Núncio n. 12, loja". (Jornal do Commercio, 01 de março de 1845). 107 "Teatro de S. Pedro de Alcântara. Em consequência de se achar incomodada a primeira atriz Ludovina Soares da Costa, não pode ter lugar hoje, 04 de março, o benefício do ator Germano Francisco de Oliveira, que se acha anunciado, o qual fica transferido para quinta-feira, 13 do corrente". (Diário do Rio de Janeiro, 04 de março de 1845).

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Thomas-Marie de Baculard d'Arnaud (1718-1805). Martins Pena, um mês antes, em 02 de fevereiro de 1845, como segundo secretário do Conservatório Dramático, designara a si próprio para a avaliação censória de Fayel, aprovando a peça para representação no São Pedro de Alcântara.108 O Namorador ou A Noite de São João teve apenas mais uma exibição, a 18 de janeiro de 1846, finalizando o programa em que foi encenado o drama Luis de Camões, de Burgain. Os Três Médicos foi a seguinte estreia do comediógrafo. A peça, que satiriza a medicina dos alopatas, hidropatas e homeopatas, estreou a 03 de junho de 1845, no espetáculo em benefício da atriz Ludovina Soares, após a exibição do drama português O Homem da Máscara Negra. A temática em torno da homeopatia havia sido encenada no palco do São Pedro de Alcântara em espetáculo de 18 de maio de 1843, quando estreou o vaudeville A Homeopatia (L'Homéopathie, 1836), de Narcisse Fournier (1809-1880) e Edmond de Biéville (1814-1880). Martins Pena reconstruiu o tema, conhecido por sua plateia, a partir da sátira das teorias medicinais e das propagandas de serviços médicos e de remédios veiculadas pelas páginas do Jornal do Commercio. A personagem Cautério, um médico adepto da medicina tradicional, comenta sobre as matérias trazidas pelo periódico fluminense, que divulgavam, por exemplo, as técnicas medicinais extravagantes dos homeopatas, os quais seriam, a seu ver, "charlatães":

CAUTÉRIO (levantando-se): – E essa súcia de inovadores, magnetizadores, hidropatas e homeopatas com que lutamos todos os dias? (Tira um Jornal do Comércio da algibeira) Aqui estão nestas colunas as mais nojentas diatribes, os mais asquerosos insultos que esses charlatães cospem em nossa face. LINO: – Nunca gostei destas descomposturas...109

Em Os Dois ou O Inglês Maquinista, Felício, um jovem funcionário público que lia, assiduamente, o Jornal do Commercio, se sente incomodado com os inconvenientes classificados de remédios milagrosos, que tanto invadiam as páginas do periódico:

108 Informação obtida no documento "Designação censória do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro ao próprio, para examinar a peça Fauyel, a ser encenada no Teatro de São Pedro d'Alcântara", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 02, 66. 109 PENA, 1956, vol. I, p. 248.

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FELÍCIO (largando o Jornal sobre a mesa com impaciência): – Irra, já aborrece! CLEMÊNCIA: – O que é? FELÍCIO: – Todas as vezes que pego neste jornal, a primeira coisa que vejo é: "Chapas medicinais e Unguento Durand." Que embirração! NEGREIRO: – Oh, oh, oh! CLEMÊNCIA: – Tens razão, eu mesmo já fiz este reparo. NEGREIRO: – As pílulas vegetais não ficam atrás, oh, oh, oh!110

Após Os Três Médicos, a comédia O Cigano, que expõe o enriquecimento ilícito de Simão, vendedor de produtos contrabandeados, estreou a 15 de julho de 1845, em benefício do ator Florindo Joaquim da Silva.111 O programa apresentou o drama Ângelo, Tirano de Pádua, entremeado por um terceto lírico cantado por York, Farina e Henriqueta Pessina. O reprise da peça ocorreu dois dias depois, a 17 de julho, com o mesmo programa. O Noviço, primeira comédia de Martins Pena em três atos, estreou a 10 de agosto de 1845, como parte principal do programa teatral:

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Companhia Dramática. Domingo, 10 de agosto de 1845. 47ª Récita da assinatura. 1ª Representação da comédia original em 3 atos O Noviço pelo autor do Juiz de Paz da Roça, Os Dois, Os Irmãos das Almas e de outros. A cena passa-se no Rio de Janeiro, em 1845. No fim da comédia a cantora Candiani executará, acompanhada de coros, a brilhante ária da ópera Nabucodonosor. Terminará o espetáculo com o novo drama em 1 ato, traduzido do original francês, e entremeado de música, intitulado O Complacente ou O Vestuário de Palhaço, em qual cantarão os atores Manoel Soares, Monteiro, José Candido e Caqueirada, e as atrizes Gertrudes, Maria Amália e Clotilde. Os bilhetes vendem-se no escritório do teatro. Principiará às 7 horas e meia.112

A comédia voltou a ser encenada em três espetáculos no ano de 1845: a 17 de agosto, em um programa finalizado pela estreia da pequena peça cômica A Mania de Representar; a 25 de setembro, em benefício do ator João José do Amaral, espetáculo que incluiu, nos entreatos de O Noviço, duetos das óperas La Cenerentola e L'Italiana in Algeri (1813), de Rossini, cantados por Augusta Candiani, José Candido, Francisco Massiani e

110 PENA, 1956, vol. I, p. 97-98. 111 O ator brasileiro Florindo Joaquim da Silva (1814-1893) trabalhou na companhia dramática do São Pedro de Alcântara até o final da década de 1840. Em 1851, organizou, no Teatro de São Francisco, uma pequena empresa teatral. Sobre sua atuação, assim nos informa O Bodoque Mágico de 10 de maio de 1851: "É um dos nossos melhores atores. Tem muita queda para papéis trágicos e abnegação para os ternos e amorosos; tem conhecimento da cena; sua voz é mui forte e sonora, sua figura é comportável; verdade é que tem alguns defeitos mímicos nos transportes, porém, a prática e seus bem conhecidos esforços hão de emendá-los". 112 Jornal do Commercio, 09 de agosto de 1845.

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Eckerlin, e no encerramento, a farsa O Recrutamento na Aldeia; a 09 de novembro, em um programa que recheou seus entreatos com a exibição de uma ária de Roberto Devereux (1837) e um dueto de O Elixir de Amor (L'Elisir d'Amore, 1832), óperas de Donizetti, e concluído pela farsa dançada As Três Polcas. Em 1846, a peça O Noviço foi representada a 03 de junho, em caridade à Imperial Sociedade Amante da Instrução, instituição que acolhia e educava crianças órfãs. No programa, os intervalos da comédia foram recheados com árias e duetos de óperas italianas.113 No ano seguinte, foi reprisada a 07 de agosto, em benefício da Irmandade de Nossa Senhora do Socorro da Capela de São Cristóvão, em um programa repleto de números musicais – cantados por membros da companhia lírica italiana –, e encerrado pela comédia Quem Casa, Quer Casa. O ator Manoel Soares organizou um benefício a 18 de novembro de 1845, incluindo em seu programa duas comédias inéditas de Martins Pena: Bolingbroch e Comp. ou As Casadas Solteiras114 e O Caixeiro da Taverna.

113 "Teatro de S. Pedro de Alcântara. Quarta-Feira, 03 de junho de 1846. Terá lugar o benefício concedido à comissão de caridade da Imperial Sociedade Amante da Instrução, em favor dos alunos órfãos e pobres socorridos e educados pela mesma Imperial Sociedade e ilustrado povo fluminense. A companhia dramática, depois da orquestra executar a ouverture da Batalha de Almoster, representará o belo drama, em 3 atos, intitulado O Noviço, composição do Sr. Pena, e que tem sempre merecido os aplausos do público. Nos intervalos, a Sra. D. Augusta Candiani cantará a ária do Barbeiro de Sevilha; os Srs. Massiani e Eckerlin cantarão o dueto das Pistolas; e o Sr. Carlos Wynen tocará lindas variações na rabeca; a Sra. Candiani e este Sr. prestam-se por sua reconhecida bondade e obséquio. Terminará o espetáculo com a jocosa e sempre aplaudida farsa O Recrutamento na Aldeia. A comissão de caridade da Imperial Sociedade Amante da Instrução, sempre reconhecida à bondade e filantropia do público, espera ter mais esta ocasião para renovar os seus protestos de estima e de agradecimento. O resto dos bilhetes acham-se à venda no escritório do teatro". (Diário do Rio de Janeiro, 03 de junho de 1846). 114 As Casadas Solteiras é uma imitação de Martins Pena, com adaptações dos cenários e modificações no enredo, da peça francesa Les Trois Dimanches (1838), dos irmãos Cogniard e de Jules Cordier. (Cf. ARÊAS, 1987, p. 203). Na atividade teatral fluminense da época, eram comuns as imitações de peças francesas. Uma imitação não era uma pura tradução; muito era acrescentado, suprimido ou modificado do enredo original, a exemplo das adaptações pelas quais passou o melodrama francês A Graça de Deus (La Grâce de Dieu ou La Nouvelle Fanchon, 1841), de Adolphe Dennery, em montagem realizada pelo Teatro de São Francisco, em fevereiro de 1845. Seus versos foram trocados por uma tradução em "vulgar" e as canções, substituídas por composições de Noronha: "A Graça de Deus é por ventura um dos dramas do repertório francês que muito tem agradado, sempre que se representa em qualquer teatro, com muita concorrência e aplausos (...). O Sr. João Caetano dos Santos, querendo descansar das tragédias, fez-lo traduzir em vulgar, e a entregou ao Sr. Noronha para a ornar de música, pois que, além daquela com que se representa no Teatro Francês, quis mais, e aquela a achou mesquinha para as situações. (...) O Sr. Noronha nada conservou da música antiga; e, ou porque assim o quisesse o tradutor, ou este de combinação com o compósito, o certo é que ela tem muito mais música, e toda em situações admiravelmente adequada". (Jornal do Commercio, 11 de fevereiro de 1845).

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Teatro de S. Pedro de Alcântara. Récita a benefício do ator Manoel Soares. Terça-Feira, 18 de novembro de 1845. Primeira representação da comédia em 3 atos Bolingbroch e Comp. ou As Casadas Solteiras. Imitação por L. C. M. Pena. O 1º ato passa-se em Paquetá – A festa de S. Roque. O 2º ato, na Bahia – A fugida. O 3º ato, na corte – Vingança e reparação. Depois da comédia, a Sra. D. Gabriela da Cunha de Vecchy e o Sr. José Candido da Silva, em obséquio ao beneficiado, cantarão uma engraçada Tirana Espanhola. Os mais intervalos serão anunciados pelos cartazes. Dará fim ao espetáculo a comédia em um ato O Caixeiro da Taverna, pelo mesmo autor. O beneficiado, escolhendo um espetáculo todo de composição de um autor nacional, que tantos aplausos tem merecido do ilustrado público desta capital em suas diversas produções, julgou granjear a aprovação do mesmo público, e de seus amigos, de quem espera proteção. N. B. Os bilhetes acham-se à disposição do público na casa do beneficiado, Rua do Piolho n. 85.115

As duas peças foram novamente exibidas a 23 de novembro, cinco dias depois da estreia. Nos intervalos de As Casadas Solteiras, os cantores líricos Angelo Graziani, Augusta Candiani e Francisco Massiani interpretaram duetos das óperas O Barbeiro de Sevilha e A Colomella. O Caixeiro da Taverna retornou ao palco do São Pedro de Alcântara em mais três exibições, que ocorreram a 30 de novembro de 1845, em um espetáculo que apresentou o drama A Justiça de Deus; a 25 de janeiro de 1846, após o drama Luis de Camões, de Burgain; e a 06 de dezembro de 1846, finalizando o programa que teve como peça principal a comédia As Memórias do Diabo. Em O Caixeiro da Taverna, Martins Pena coloca em foco os caixeiros, funcionários de estabelecimentos comerciais, responsáveis pelos pagamentos e cobranças. Na peça, o caixeiro Manoel administra com mãos de ferro a taverna da viúva Angélica, cobrando os clientes devedores, até mesmo, em anúncios publicados no Jornal do Commercio. Novamente, o comediógrafo leva a imprensa ao palco teatral, expondo à plateia as várias funções que os periódicos desempenhavam na vida urbana: além de instrumentos que se destinavam à informação político-econômica dos fluminenses, também eram facilitadores de práticas comerciais, fontes de entretenimento e divulgadores de manifestações culturais. Martins Pena era, sem sombras de dúvida, um leitor assíduo do Jornal do Commercio. Sabiamente, retirava de suas páginas, nos anúncios e artigos, questões para serem representadas e satirizadas nas comédias, que abordavam no palco do

115 Jornal do Commercio, 12 de novembro de 1845.

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São Pedro de Alcântara uma galeria de personagens, costumes e comportamentos reconhecíveis pelos espectadores. A primeira edição de O Caixeiro da Taverna, publicada na década de 1840, traz os nomes dos atores da companhia dramática do São Pedro de Alcântara que desempenharam os papéis dessa comédia. Assim, os seguintes artistas podem ter atuado nas representações que mencionamos anteriormente: Manoel, caixeiro – Manoel Soares; Angélica – Gertrudes Angélica da Cunha; Deolinda – Maria Amália da Silva Monteiro; Francisco – Luis Antônio Monteiro; Quintino – Pedro Joaquim da Silva; Antonio – Joaquim Monteiro Ramos.116 Como a comédia foi encomendada por Manoel Soares, o artista beneficiado, Martins Pena pode ter feito uma brincadeira ou homenagem ao nomear os protagonistas da peça com os nomes próprios dos atores que os desempenharam: Manoel e Angélica. A comédia-provérbio Quem Casa, Quer Casa, que trata com muito humor dos conflitos de convivência entre os membros de uma família, estreou a 05 de dezembro de 1845, no encerramento do espetáculo beneficente ao ator José Candido da Silva, que teve como peça principal o drama francês A Chave Falsa ou O Filho Ladrão, seguido da exibição de um dueto da burleta O Sapateiro e do dançado A Polca. A comédia foi reapresentada em 07 e 14 de dezembro de 1845 e em 01 de janeiro de 1846 – espetáculo de gala em comemoração ao Ano-Bom –, com o mesmo programa da estreia, variando apenas o repertório musical. Posteriormente, teve uma exibição a 21 de maio de 1846, após o drama francês O Ambicioso Político; a 07 de agosto de 1847, em benefício da Irmandade de Nossa Senhora do Socorro, finalizando a encenação de O Noviço; e a 26 de outubro de 1848, em benefício do ator João José do Amaral, em um programa que apresentou o drama Inês ou A Queda de um Ministro, seguido de apresentações líricas. Em Quem Casa, Quer Casa, Martins Pena dialoga novamente com os espetáculos do São Pedro de Alcântara. Depois de levar ao palco do teatro cenas cômicas e personagens que faziam referências aos espetáculos mágicos, em O Juiz de Paz da Roça e A Família e A Festa da Roça, e às óperas românticas italianas, em O Diletante, agora, o

116 Os nomes dos atores e as personagens que representaram foram consultados em PENA, Martins. O Caixeiro da Taverna. Série Teatro Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Imparcial de F. de Paula Brito, [184?].

54 comediógrafo se volta aos rabequistas, os quais, desde 1844, se apresentavam no São Pedro de Alcântara, como o português Fernando de Sá Noronha. Em sua comédia, o autor dá vida a Eduardo, um rabequista amador que se espelha nos músicos que se exibiam no teatro e sonha em se tornar um célebre compositor, aplaudido por toda a Europa. Porém, Eduardo não logra sucessos, nada consegue compor de original em sua rabeca, apenas desafinados acordes e um modo inusitado de tocá-la:

EDUARDO: – Ah, desde a noite em que pela primeira vez ouvi no Teatro de S. Pedro de Alcântara os seus harmoniosos, fantásticos, salpicados e repinicados sons, senti-me outro. Conheci que tinha vindo ao mundo para artista rabequista. Comprei uma rabeca – esta que aqui vês. Disse-me o belchior que a vendeu, que foi de Paganini. Estudei, estudei... Estudo, estudo... (...) Até agora esses aprendizes de rabeca desde Saëns até Paganini, coitados, têm inventado somente modificações do modo primitivo: arco para aqui ou para ali... Eu, não, inventei um modo novo, estupendo e desusado: eles tocam rabeca com o arco, e eu toco a rabeca no arco – eis a minha descoberta! (Toma o arco na mão esquerda, pondo-o na posição da rabeca; pega nesta com a direita e a corre sobre o arco) É esta a invenção que há de cobrir-me de glória e nomeada e levar meu nome à imortalidade... Ditoso Eduardo! Grande homem! Insigne artista!117

A seguinte composição de Martins Pena, Os Ciúmes de um Pedestre, foi impedida de estrear no São Pedro de Alcântara, em espetáculo a 29 de janeiro de 1846, devido à censura do Conservatório Dramático.118 O anúncio do programa comunicou aos espectadores, dois dias antes da exibição, a escolha de O Judas em Sábado de Aleluia para ser representada em seu lugar:

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Quinta-Feira, 29 de janeiro de 1846. Em benefício do ator Francisco de Paula Dias, terá lugar o seguinte espetáculo: depois de uma escolhida sinfonia, abrir-se-á a cena para a primeira representação do excelente drama em 5 atos: O Marinheiro de Saint-Tropez ou O Envenenamento. Denominação dos atos: 1º – O credor e o consórcio; 2º – A estalagem e o encontro; 3º – A intriga; 4º – O envenenamento; 5º – O crime em flagrante. Logo que termine a representação do drama, os atores José Candido da Silva, Gabriela da Cunha Vecchy, Germano Francisco de Oliveira e Maria

117 PENA, 1956, vol. I, p. 478-479. 118 A partir da Resolução Imperial de 28 de agosto de 1845, o Conservatório Dramático passou a desempenhar uma censura ainda mais ferrenha. O impedimento de representação tornava-se obrigatório "quando as obras censuradas pecarem contra a veneração à nossa Santa Religião, contra o respeito devido aos Poderes Políticos da Nação e às Autoridades constituídas, e contra a guarda da moral e da decência pública". Essa resolução vinha transcrita no formulário entregue aos censores do Conservatório Dramático, para estes emitirem seus pareceres sobre as obras dramáticas avaliadas.

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Amália Monteiro, por especial obséquio, dançarão a engraçada e aplaudida Polca. Seguindo-se, para terminar o espetáculo, a representação da comédia em 1 ato: O Judas em Sábado de Aleluia. Não podendo dar-se a outra que foi anunciada, em consequência de ter sido proibida pela autoridade policial do teatro. Os bilhetes vendem-se em casa do beneficiado, Rua da Alfândega n. 207.119

Os dois censores do Conservatório que analisaram Os Ciúmes de um Pedestre, Luiz Honório Vieira Souto e André Pereira Lima, acreditavam que a peça parodiava a tragédia Otelo, colocando João Caetano, o grande intérprete dessa personagem nos palcos, em situação embaraçosa diante de seu público. Os censores justificaram a reprovação, afirmando também que a comédia de Martins Pena fazia alusões diretas a eventos reais ocorridos na Corte e noticiados pela imprensa, como a deportação de um português que fora pego no telhado de uma casa tentando invadi-la para capturar uma moça de família, e o caso judicial de um proprietário de escravos que jogara ao mar, enrolado em um saco, um escravo de sua posse que morrera.120 Pelo excesso de verossimilhança, imoralidades e por ridicularizar a atuação cênica de João Caetano em Otelo, a peça foi reprovada por duas vezes. Martins Pena, em carta ao amigo e primeiro secretário do Conservatório Dramático, José Rufino Rodrigues de Vasconcelos, lamenta a censura da comédia, e com o humor costumeiro em suas peças, critica a insustentável justificativa dada pelos censores:

Amo. Rufino Seruí, 05 de janeiro de 1846. Muito boas festas, e a toda a tua família. Aí te reenvio a comédia o Pedestre, com as emendas pedidas pela censura. Deus me dê paciência com a censura! Muito custa a ganhar a vida honradamente... Melhor é roubar os cofres da Nação, para isso não há censura. À vista temos que conversar sobre a destanhatória censura desta coitada! Julgo que está com catarata na inteligência, pois viu um ataque a João Caetano, onde não havia senão uma simples paródia do Otelo; paródia que se permitem em toda a parte do mundo... É verdade que estas partes de mundo estão mais civilizadas, ou a literatura não está enleiada... Tinha muito que dizer mas não estou para isso... Logo que o Bivar tiver licenciado a comédia peço-te encarecidamente que a remetas pelo correio a Paulo Dias [ator Francisco de Paula Dias, da companhia

119 Diário do Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1846. 120 Cf. SOUZA, 2002, p. 161-163.

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dramática do São Pedro de Alcântara], que deve estar aflitíssimo... Sem paciência com esta encomenda.121

Após modificações no texto, sugeridas pelo Conservatório, a comédia, renomeada O Terrível Capitão do Mato, foi submetida por Martins Pena, pela terceira vez, ao órgão censor. Com a aprovação, em 30 de março de 1846, a peça estreou a 05 de julho do mesmo ano, em um espetáculo que exibiu como peça principal o drama O Roubo do Diamante ou A Filha do Proscrito. A segunda exibição ocorreu 14 dias depois, a 19 de julho, finalizando o programa que representou o drama Dinheiro, Glória e Mulheres. Nessas apresentações, o ator Luis Antônio Monteiro desempenhou o papel do Capitão do Mato. A comédia Os Meirinhos estreou no encerramento do espetáculo beneficente em favor da atriz Grata Nicolini,122 que exibiu a comédia O Amigo Grandet, árias de óperas e um dançado. O espetáculo, que deveria ocorrer a 10 de fevereiro de 1846,123 foi adiado para o dia 14 do mesmo mês. Com certa frequência, os espetáculos teatrais eram cancelados, por causa do mau tempo, do adoecimento de artistas, ou devido ao atraso no preparo das peças (ensaios dos atores, confecção dos cenários e figurinos). A comédia foi reapresentada no dia seguinte, a 15 de fevereiro, finalizando o programa que teve como peça principal o drama O Marinheiro de São Tropez. As Desgraças de uma Criança124 foi somente encenada em sua estreia, a 10 de maio de 1846. O programa apresentou como título principal o drama A Carteira ou As Duas Famílias. O protagonista da comédia de Martins Pena foi confiado ao ator Victor

121 "Carta a José Rufino Rodrigues de Vasconcelos sobre a censura de Os Ciúmes de um Pedestre", Biblioteca Nacional, Coleção Martins Pena, I - 06, 27, 14, nº 01. 122 A atriz portuguesa Grata Nicolini, que se apresentara em teatros do Porto e de Lisboa, debutou no São Pedro de Alcântara a 10 de março de 1844. (Informação obtida em anúncio publicado pelo Diário do Rio de Janeiro a 09 de março de 1844). 123 "Teatro de S. Pedro de Alcântara. Terça-Feira, 10 de fevereiro de 1846. Benefício da atriz Grata Nicolini. Depois de executada a ouverture da ópera Guilherme Tell, terá lugar a primeira representação da comédia em 3 atos O Amigo Grandet ou Guerra às Namoradeiras. Seguir-se-á pelo Sr. Massiani, a interessante ária com coros, da ópera As Prisões D'Edimburgo. Depois da qual, os Srs. José Candido da Silva, Luis Antônio Monteiro e as Sras. Gabriela Augusta da Cunha e Clotilde Benedita dançarão a sempre aplaudida Polca. Rematará o espetáculo com a primeira representação da comédia em 1 ato, pelo Sr. L. C. M. Pena, intitulada Os Meirinhos. N. B. – Os bilhetes podem ser procurados em casa da beneficiada, Rua do Piolho n. 18, 2º andar". (Diário do Rio de Janeiro, 09 de fevereiro de 1846). 124 A comédia foi anunciada pelo Jornal do Commercio, em 09 de maio de 1846, como As Desgraças de uma Criancinha.

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Porfírio de Borja, que retornava à companhia dramática do São Pedro de Alcântara, depois de se ausentar por um curto período, quando integrou a companhia de outro teatro fluminense. Martins Pena redigiu a comédia O Segredo de Estado, imitação de uma peça estrangeira, para ser representada em benefício da atriz Ludovina Soares, a 29 de julho de 1846. A obra cômica é atualmente desconhecida, pois nunca foi publicada e nem seu manuscrito encontrado. Ludovina Soares se esforçara para promover um programa que agradasse ao público; para tanto, incluiu um melodrama inédito, Maria Joana ou A Mulher do Povo (Marie-Jeanne ou La Femme du Peuple, 1845), de Adolphe Dennery e Mallian.125 A seguinte e última exibição de O Segredo de Estado foi a 02 de agosto de 1846, com o mesmo programa teatral.

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As peças de Martins Pena estrearam, e foram frequentemente reprisadas, em espetáculos dedicados ao benefício de atores da companhia dramática do São Pedro de Alcântara, tais como Ludovina Soares, Manoel Soares, José Candido da Silva e Francisco de Paula Dias.126 Isso demonstra a estreita relação que o autor mantinha com os artistas do teatro, que lhe encomendavam peças cômicas para compor os programas beneficentes. Então, concluímos que suas comédias agradavam a plateia, socialmente heterogênea, do São Pedro de Alcântara, pois, em espetáculos beneficentes, os atores procuravam encenar obras que fossem apreciadas pelos espectadores, para assim atraí-los ao teatro e garantir uma boa receita com a venda dos bilhetes.

125 "Teatro de S. Pedro de Alcântara. Quarta-Feira, 29 de julho de 1846. Benefício da primeira atriz Ludovina Soares da Costa. Haverá o espetáculo seguinte: uma escolhida sinfonia servirá de prelúdio à primeira representação do drama em 5 atos e 6 quadros Maria Joana ou A Mulher do Povo, original francês, por M. M. Dennery e Mallian. Denominação dos atos: 1º – Os dois casamentos; 2º – O roubo; 3º – Ela está louca; 4º – A doida com juízo; 5º – O médico desmascarado. Os entreatos serão preenchidos com agradáveis overturas e terminará o espetáculo a 1ª representação do drama em 1 ato O Segredo de Estado. Imitação pelo Sr. L. C. M. Pena. A beneficiada sempre cuidadosa em merecer a atenção do público desta corte jamais deixará de empenhar todas as suas forças para bem agradar-lhe. Os bilhetes acham-se à venda em casa da beneficiada, Rua do Cano, n. 72". (Diário do Rio de Janeiro, 29 de julho de 1846). 126 O anexo "As Estreias de Martins Pena em Espetáculos Beneficentes" traz uma tabela que identifica os espetáculos beneficentes em que estrearam as comédias de Martins Pena.

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Além dos benefícios, suas comédias foram representadas em espetáculos comuns e em programas de gala, a exemplo de Quem Casa, Quer Casa, encenada a 01 de janeiro de 1846 em comemoração ao Ano-Bom – festividade oficial do Império –, e Os Dois ou O Inglês Maquinista, exibida a 19 de junho de 1845 no encerramento de um programa que teve como peça principal uma ópera lírica italiana. As obras cômicas de Martins Pena se inseriam no modelo de programa teatral típico apresentado pela companhia dramática do São Pedro de Alcântara. O espetáculo iniciava-se com a ouverture de uma ópera, desempenhada pela orquestra do teatro: geralmente, prelúdios de La Gazza Ladra (1817), Guillaume Tell (1829), La Cenerentola e L'Italiana in Algeri, óperas de Rossini; e de A Batalha de Almoster, uma sinfonia portuguesa. Em seguida, exibia-se a peça principal em três ou cinco atos, que poderia ser uma comédia, um drama histórico, um melodrama ou uma tragédia. O repertório era constituído, principalmente, por obras portuguesas, espanholas e francesas; no entanto, desde o final da década de 1830, o São Pedro de Alcântara já encenava peças escritas por autores brasileiros, como as tragédias Antônio José ou O Poeta e A Inquisição e Olgiato, de Gonçalves de Magalhães, os dramas do franco-brasileiro Louis Antoine Burgain e as comédias em três atos de Martins Pena. Os entreatos das peças principais eram recheados com coros, árias, duetos e tercetos de óperas clássicas e românticas, cantados pelos artistas italianos Augusta Candiani, Clara Delmastro, Angelo Graziani e Francisco Massiani. Com muita frequência, também eram desempenhadas tonadilhas espanholas, dançados e pantomimas. Às vezes, esses números musicais e de dança, apresentados como intermezzo, subiam ao palco após o final da peça principal, a depender da extensão dos atos e quadros desta. Por fim, a representação de uma farsa encerrava a noite de entretenimento. É esse espaço, o das pequenas peças cômicas, que Martins Pena passou a ocupar a partir da estreia de O Juiz de Paz da Roça, levando ao palco do São Pedro de Alcântara o cotidiano sociocultural de sua própria plateia, por ele satirizada. O diálogo que travou com a cultura de divertimentos públicos – espetáculos teatrais e comemorações de dias santos –, somado ao fato de que a grande maioria de suas comédias foram encomendadas por atores, demonstram o caráter circunstancial de suas obras cômicas,

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"escritas para serem imediatamente representadas – e de fato o foram, com grande sucesso, como o provam os comentários nos jornais e as representações".127 Martins Pena não era apenas o comediógrafo do São Pedro de Alcântara, que redigia comédias sob encomenda dos atores, mas também um participante crítico das decisões tomadas pela diretoria e companhia dramática dessa casa de espetáculos. Em carta ao amigo José Rufino, opina sobre a escolha da atriz Grata Nicolini para representar um papel no lugar da célebre Ludovina Soares:

E a "noite de Castillo?" É uma sina esta nossa! Tanto trabalhamos para tanto nos desgastarmos. Não será sofrível darem o papel da Ludovina a Grata? Lá falaremos no domingo que pretendo estar na cidade. Há quinze dias que estou fora da cidade e não sei o que se passa lá pelo teatro. É preciso pôr-me em dia para podermos falar. Até lá.128

Ao que tudo indica, o autor também exercia certa influência na organização dos programas que exibiam as suas comédias, escolhendo as óperas que seriam cantadas nos intervalos das peças principais. Não nos esqueçamos que Martins Pena tinha formação musical e conhecia muito bem o repertório lírico italiano, como ficou evidente em seus folhetins do Jornal do Commercio. Nos programas que encenavam O Noviço, os entreatos da comédia eram recheados com exibições líricas, especialmente duetos e árias de óperas de Rossini, compositor muito exibido no São Pedro de Alcântara, e cujas obras, como O Barbeiro de Sevilha, eram apreciadas pelo comediógrafo. Ademais, Martins Pena encaminhava ao Conservatório Dramático, para análise censória, peças a serem encenadas no São Pedro de Alcântara, tais como A Filha de Fígaro, Fayel, O Velho Perseguido e diversas farsas.129 O autor seria o tradutor dessas obras que submetia à censura? Sobre isso, nada podemos afirmar com total certeza, mesmo sabendo que não seria algo impossível, tendo em vista que o comediógrafo era proficiente em francês e trabalhara, anos antes, como tradutor no periódico Gabinete de Leitura. Sabemos

127 ARÊAS, 1987, p. 142. 128 "Carta a José Rufino Rodrigues de Vasconcelos sobre a censura de Os Ciúmes de um Pedestre", Biblioteca Nacional, Coleção Martins Pena, I - 06, 27, 14, nº 01. 129 Dentre as farsas que Martins Pena encaminhou à censura do Conservatório Dramático, citamos: O Tolo, Astúcias de Sanguizarra, A Banda Vermelha e O Cirurgião Ana Tonico, os Ladrões e Defuntos Vivos. (Os títulos foram consultados na Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, depositada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro).

0 que, ao submeter tais peças ao Conservatório Dramático, Martins Pena, o segundo secretário dessa instituição, ali representava os interesses da companhia dramática do São Pedro de Alcântara. Como censor, aprovou inúmeras peças que recebia para avaliação, submetidas pelo diretor do teatro, José Antônio Tomás Romeiro, a exemplo do drama Paulo e Virgínia.130

2. Na Trilha do Melodrama: enredo histórico, cenários europeus e personagens nobres

O São Pedro de Alcântara possuía um extenso repertório de melodramas franceses e portugueses, encenados com muita frequência. Inspirado por essas composições, Martins Pena enveredou pelo gênero, compondo cinco peças: Fernando ou O Cinto Acusador (1837), D. João de Lira ou O Repto (1838), Itaminda ou O Guerreiro de Tupã (1838), D. Leonor Teles (1839) e Vitiza ou O Nero de Espanha (1840-1841).131 Apesar de tê-los escrito, somente Vitiza ou O Nero de Espanha foi representado. A peça, que segue a linha típica de enredo dos melodramas históricos, apresentando um fio condutor de temática amorosa, personagens históricas, cenários europeus faustosos e assassinatos cometidos por um nobre tirano, foi tida como uma aposta de sucesso pela direção do São Pedro de Alcântara, que não poupou esforços para levá-la à cena com toda a pompa que fizesse jus ao seu texto teatral:

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Consta-nos que se acha em ensaios, e que brevemente subirá à cena no Teatro de S. Pedro, um drama original em 5 atos e em verso, pelo autor das comédias O Noviço, O Inglês Maquinista, Irmão das Almas, etc. Esse drama, que se intitula Vitiza ou O Nero de Espanha, é extraído das crônicas espanholas do tempo dos reis Godos. Afirmam-nos que o Sr. Romeiro, inspetor de cena, desvela-se em que o drama suba à representação com todo o primor e pompa, e que assim dirigido fará grande efeito em cena, tanto pelo interesse e vivacidade da intriga, como pelo aparato de todos os seus atos. Ansiosos esperamos pela noite da representação, e

130 Informação obtida no documento "Designação para Luís Carlos Martins Pena examinar a peça Paulo e Virgínia", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 03, 14, nº 09. 131 As datas de composição dos melodramas de Martins Pena foram consultadas em DAMASCENO, Darcy. "Introdução". In: PENA, 1956, vol. I, p. 09-10.

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sem dúvida o público acostumado a rir-se com as graciosas comédias do mesmo autor, nos acompanhará nesse desejo curioso de ver como escreve ele no gênero trágico. É sem dúvida digna de louvor a diretoria do Teatro de S. Pedro, por animar e proteger a escritores nacionais. Só assim teremos um teatro brasileiro; e a nosso ver é esse o mais valioso documento que a diretoria pode exibir, quando requer ao corpo legislativo loterias para manutenção do teatro nacional. C.132

A estreia do drama ocorreu a 21 de setembro de 1845, sob forte empenho da companhia dramática, que investira na montagem: o figurino e o cenário eram novos, produzidos especialmente para a representação da obra. Na época, raramente as peças recebiam tão dedicada atenção para serem levadas ao palco. Neste caso, pesava o fato de Martins Pena estar entre os poucos autores brasileiros que compunham obras para o teatro e ser um comediógrafo conhecido e apreciado pela plateia fluminense.

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Companhia Dramática. Domingo, 21 de setembro de 1845. 8ª Récita de assinatura. Grande espetáculo. Primeira representação do drama original em 5 atos e 1 prólogo, em verso: Vitiza ou O Nero de Espanha por L. C. M. Pena. O vestuário é inteiramente novo e a representação será enriquecida de todo o aparato necessário. Parte histórica do drama... Não se descuidou Vitiza de passar a Lusitânia imediatamente, depois de estar associado na coroa, e pôr a sua corte na cidade de Braga. Tinha gênio ardente e impetuoso, e contudo soube recatar a inclinação que o arrastava ao vício todo o tempo que seu pai viveu; mas uma vez que com a morte de Égica se viu senhor absoluto do trono, o furor das paixões que até então estiveram represadas, o levaram de rojo rapidamente aos mais vergonhosos excessos de devassidão, e deu-se a eles tão soltamente, sendo tão feios os seus vícios, que lhe puseram por apelido o Nero de Espanha. (...) Os bilhetes vendem-se no escritório do teatro. Principiará às 8 horas.133

A quantidade de cinco encenações que Vitiza ou O Nero de Espanha recebeu, em um curto espaço de tempo de um mês,134 é razoável, se considerarmos a grande concorrência que os dramaturgos brasileiros enfrentavam com o repertório teatral europeu. A peça de Martins Pena, que já na segunda exibição, dois dias após a estreia, era divulgada nos anúncios como "aparatoso e muito aplaudido drama original",135 logo foi incluída pela

132 Jornal do Commercio, 15 de setembro de 1845. 133 Jornal do Commercio, 21 de setembro de 1845. 134 As outras quatro representações aconteceram a 23 de setembro, 28 de setembro, 05 de outubro e 26 de outubro de 1845. 135 Diário do Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1845.

2 plateia no rol de dramas inéditos que pareciam inaugurar uma nova fase de espetáculos oferecidos pela companhia dramática do São Pedro de Alcântara:

É incontestável que a companhia dramática do Teatro de S. Pedro caminha com rápidos progressos! Se até agora adormecida, quem sabe se de propósito para que sobressaísse a companhia italiana, ela parecia achar-se com os últimos instantes de uma existência até então brilhante e gloriosa; hoje que, graças aos seus esforços e ao enterramento de estropiados cantores, os seus trabalhos marcham com regularidade, ela despertou, compreendendo toda a força de sua importante tarefa. Os novos dramas, ultimamente representados, provam a veracidade do que acabamos de dizer. Vitiza ou O Nero de Espanha, esse drama que tanta honra faz ao seu ilustre e digno autor, Fernando Teles, A Torre de Ferrara, constituem o triunfo dos artistas que os desempenham.136

Contrariamente à ideia de que os dramas de Martins Pena nada agregaram de positivo ao seu nome literário,137 destacamos que foi a partir da estreia de Vitiza ou O Nero de Espanha que o autor abandonou o anonimato: os anúncios teatrais, veiculados pela imprensa, passaram a divulgar o seu nome – "L. C. M. Pena" ou "Sr. Pena" –, conferindo- lhe a autoria das comédias que, anteriormente, haviam sido anunciadas anonimamente.

2.5 Martins Pena se Despede do Teatro de São Pedro de Alcântara

Martins Pena construiu, ao longo do decênio de 1840, importante carreira como comediógrafo do São Pedro de Alcântara. A imprensa destacou, em anúncios teatrais, correspondências de espectadores e artigos de opinião, não apenas as qualidades cênicas e textuais de suas comédias – consideradas "apreciáveis", "(sempre/muito) aplaudidas", "engraçadas" e "graciosas" –, mas também o fato de o autor ter contribuído para o nascimento da comédia brasileira.

136 Jornal do Commercio, 21 de outubro de 1845. 137 Sábato Magaldi afirma que os dramas de Martins Pena não contribuíram para a construção de seu nome literário: "Os cinco dramas completos nada acrescentaram ao nome literário de Martins Pena". (MAGALDI, 2001, p. 58).

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Depois de se consagrar com as inúmeras peças cômicas e um melodrama histórico, a comédia Uma Mulher Feia138 – possível tradução de Martins Pena da peça francesa Une Femme Laide (1845), de Jules de Prémaray (1819-1868) –, e A Barriga de Meu Tio – obra cujo texto é atualmente desconhecido – marcaram sua última estreia no palco do São Pedro de Alcântara. Ambas as comédias estrearam no espetáculo beneficente em favor do ator Manoel Soares, a 17 de dezembro de 1846. No anúncio, Uma Mulher Feia é noticiada sem a indicação do autor da tradução, prática comum na divulgação das peças traduzidas:

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Quinta-Feira, 17 de dezembro de 1846. Benefício do ator Manoel Soares. Dará princípio ao espetáculo a comédia em dois atos: Uma Mulher Feia. Se o título desta comédia é por si só um motivo de curiosidade, o seu entrecho é tão interessante e delicado, que o beneficiado julga ter feito nela uma boa escolha. Denominação dos atos: 1º O retrato. 2º O baile mascarado. Subirá à cena em seguida, e pela primeira vez, a comédia burlesca em 3 atos, escrita expressamente para o beneficiado: A Barriga de Meu Tio, por L. C. M. Pena. Denominação dos atos: 1º A receita. 2º O veneno. 3º O poço. O ator Manoel Soares, escolhendo este espetáculo para seu benefício, conta com a valiosa proteção de seus amigos e do ilustrado público. Os bilhetes vendem-se na Rua do Núncio n. 3. Os Ilms. Srs. acionistas e assinantes que pretenderem os seus camarotes poderão deixar os seus nomes no escritório do teatro, até o dia 8 do corrente.139

O mesmo programa, com as duas comédias, voltou a ser exibido três dias depois, a 20 de dezembro de 1846. Depois dessa encenação, A Barriga de Meu Tio não subiu mais ao palco. Uma Mulher Feia foi reprisada a 27 de janeiro de 1847, em espetáculo beneficente ao ator José Candido da Silva, encerrado por O Judas em Sábado de Aleluia. A quarta exibição da comédia ocorreu a 21 de setembro de 1848. O anúncio desse espetáculo informa, pela primeira vez, que a peça é uma imitação realizada por Martins Pena:140

138 Em seu estudo precursor dos espólios de Martins Pena, Darcy Damasceno encontrou um manuscrito incompleto de uma peça sem título, constituído apenas pela apresentação das personagens e as cinco cenas iniciais. O crítico classificou a obra como drama e a denominou Drama Sem Título. (DAMASCENO, 1956, vol. I, p. 13). A partir dos anúncios teatrais veiculados pela imprensa, foi possível atribuir o título à peça (Uma Mulher Feia), verificar as suas encenações no palco do São Pedro de Alcântara e, assim, localizar a peça original (Une Femme Laide). 139 Jornal do Commercio, 05 de dezembro de 1846. 140 Ver o anexo "Anúncios das Encenações de Uma Mulher Feia", que traz os anúncios dos espetáculos que exibiram a comédia Uma Mulher Feia.

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Companhia Dramática. 17ª Récita de assinatura. Quinta-Feira, 21 de setembro de 1848, subirá à cena a 1ª representação da interessante comédia em 2 atos: O Duelo na Véspera do Casamento ou Os Desafios. (...) Terminará o espetáculo com a linda comédia em 2 atos, imitação do Sr. Pena, Uma Mulher Feia. Personagens: Sir Tockley...... Sr. Pedro Joaquim O duque...... Sr. Florindo Davidson...... Sr. Paula Dias Pistole, criado de Tockley...... Sr. Monteiro Um criado...... Sr. Jacomo Alice, filha de Davidson...... Sra. D. Gabriela Catarina criada...... Sra. D. Maria Amália. Os bilhetes vendem-se no lugar do costume. Principiará às 7 horas e meia.141

Une Femme Laide, vaudeville em dois atos, estreou no Théâtre du Palais- Royal, em Paris, a 16 de dezembro de 1845. O enredo, ambientado na Inglaterra do século XVIII, apresenta vários recursos cômicos que tecem quiproquós e provocam o riso, tais como esconderijos, disfarces, travestimentos, enganos e apartes. Davidson é um viúvo que cuida de Alice, sua única filha; ele a esconde em uma casa, localizada no interior de uma floresta e afastada da Corte inglesa, para que ninguém a veja, pois uma feiticeira lhe predizera que a jovem teria a honra maculada por um homem sedutor e desonesto que a abandonaria antes do casamento. Como Alice era desconhecida pelas pessoas do reino, o mistério fez todos pensarem que a menina era muito feia, por isso o pai a privava do convívio social. No entanto, Alice era uma bela e romântica moçoila que sonhava com os virtuosos heróis dos romances de cavalaria. Após muitos quiproquós, Alice e o nobre Sir Tockley se casam, e a antiga profecia da feiticeira não se realiza. O manuscrito de Uma Mulher Feia, depositado na Coleção Martins Pena da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, encontra-se incompleto: constam apenas as cinco cenas iniciais do primeiro ato. A peça traduzida foi submetida ao Conservatório Dramático, sem indicação do tradutor, no dia 03 de outubro de 1846, pelo ator Manoel Soares; se aprovada, a comédia seria encenada em seu benefício. No mesmo dia, o primeiro secretário, José Rufino, designou Martins Pena para o exame censório da peça. O comediógrafo deu o

141 Diário do Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1848.

seguinte parecer: "Li a comédia acima mencionada e a julgo nas circunstâncias de subir à cena. 04 de outubro de 1846".142 A partir dos indícios que levantamos, duas hipóteses são possíveis: Martins Pena traduziu a comédia francesa e a julgou no Conservatório Dramático em causa própria; ou a tradução de Uma Mulher Feia não foi feita por ele, podendo ter sido realizada pelas mãos do próprio Manoel Soares, responsável pelo benefício. Não seria absurda a possibilidade de Martins Pena ter sido o adaptador da peça, já que era fluente em francês. Assim, não assumiu a autoria como artifício para driblar a censura e ter a chance de ser o censor da própria peça. Conheceríamos, então, uma nova faceta do dramaturgo, a de adaptador de peças do repertório dramático francês. Contudo, não podemos ignorar o fato de que Uma Mulher Feia estreou anonimamente, sem ter sido atribuída a Martins Pena, quando este já assinava as suas composições dramáticas e era aplaudido pelos espectadores fluminenses. Desse modo, não haveria motivos para omitir o seu nome, a menos que o autor quisesse ter a oportunidade de ser o censor da peça. Se Martins Pena não foi o adaptador da comédia, esta lhe foi atribuída, erroneamente, em 1848. O processo de avaliação censória praticado pelo Conservatório Dramático explicaria a presença do manuscrito na Coleção Martins Pena, da Biblioteca Nacional, uma vez que os censores da instituição recebiam uma cópia manuscrita da peça que estavam incumbidos de analisar.

2. Para Além do Palco: as comédias de Martins Pena na tipografia de Paula Brito

Em fins da década de 1840, sete peças de Martins Pena haviam sido publicadas: O Juiz de Paz da Roça (1842 e 1843); A Família e A Festa da Roça (1842); O Judas em Sábado de Aleluia (1846); Os Irmãos das Almas (1846); O Diletante (1846); Quem Casa, Quer Casa (1847) e O Caixeiro da Taverna (1847).143 O responsável pelas publicações foi o editor e livreiro Francisco de Paula Brito, cuja tipografia, "Loja de chá, do melhor que

142 "Requerimento ao Conservatório Dramático Brasileiro, solicitando exame censório para a peça Uma Mulher Feia", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 04, 66. 143 Cf. DAMASCENO, In: PENA, 1956, vol. I, p. 14.

há", localizava-se no número 64, próximo à Praça da Constituição. O tipógrafo era um entusiasta e colaborador da atividade teatral na Corte. Além da publicação das comédias de Martins Pena e de libretos das óperas italianas que estavam em cartaz, sua livraria era uma segunda bilheteria, onde o público carioca podia comprar os bilhetes dos espetáculos beneficentes aos atores, como os oferecidos, regularmente, pelo São Pedro de Alcântara. Em 1846, após já ter editado O Juiz de Paz da Roça e A Família e A Festa da Roça, Paula Brito iniciou um projeto que pretendia preparar uma edição coletiva, intitulada Teatro Brasileiro, com 12 comédias de Martins Pena, impressas em série. Em janeiro desse ano, anunciou no Diário do Rio de Janeiro a publicação do primeiro volume, cujo preço era acessível, inferior a um bilhete de teatro para a plateia:

O Judas em Sábado de Aleluia, belíssimo drama do Sr. Pena, acha-se publicado, e é o 1º da coleção do Teatro Brasileiro do dito autor. Vende-se a 600 rs. nas lojas dos Srs. Teixeira, Ourives n. 21, (tipografia e loja de papel); Alfândega n. 05; Laemmert, Quitanda n. 77; Passos, Ouvidor n. 152; e Paula Brito, editor proprietário, Praça da Constituição n. 64 (loja do chá do melhor que há), um lindo folheto em bom papel e tipo.144

Ao nomear a coleção de Teatro Brasileiro, e não "comédias de Martins Pena", por exemplo, Paula Brito buscava destacar o caráter nacional das peças publicadas, tendo em vista que o repertório estrangeiro estava tão em voga, não apenas no teatro, mas também nas livrarias da capital do Império.145 Em março de 1846, Paula Brito lançou O Diletante, o segundo volume da coleção. No anúncio de divulgação da peça, o editor comunicou que o valor da subscrição da coleção completa custaria cinco mil réis:

O Diletante, 2º drama da coleção Teatro Brasileiro do Sr. Pena; 1º n. Judas em Sábado de Aleluia; 2º n. O Diletante; 3º n. (no prelo) Irmão das Almas.

144 Diário do Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1846. 145 As livrarias do Rio de Janeiro, na época, comercializavam inúmeros títulos de peças teatrais, em sua grande maioria, do repertório clássico e romântico francês e português. Eram vendidas tragédias de Racine, comédias de Molière, dramas de Mendes Leal e melodramas de Alexandre Dumas Pai. O repertório de peças escritas por autores brasileiros constituía-se, além das comédias de Martins Pena, pela tragédia Antônio José ou O Poeta e A Inquisição, de Gonçalves de Magalhães, publicada por Paula Brito, e pelos dramas do franco- brasileiro Louis Antoine Burgain, como A Gitana, A Última Assembleia dos Condes Livres, A Morte de Camões e Fernandes Vieira ou Pernambuco Libertado, publicados, em 1844, pela Casa do Autor/Agra e Cia.

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Subscreve-se a 5$ rs. pela coleção (12 dramas) e vendem-se avulsos a 600 rs. cada um.146

O terceiro volume, Os Irmãos das Almas, foi publicado em julho de 1846. Na divulgação da obra, a subscrição da coleção completa já apresentava uma elevação no valor, passando a custar oito mil réis. O próximo volume, Quem Casa, Quer Casa, foi anunciado em setembro de 1847, juntamente com as peças da coleção que já haviam sido publicadas anteriormente, acrescidas de O Juiz de Paz da Roça:

Quem Casa Quer Casa lindo drama do Sr. Pena e 4º publicado da coleção dos 12 do Teatro Brasileiro, vende-se por 600 rs., na loja do editor Paula Brito, Praça da Constituição n. 64. Há do mesmo autor: Juiz de Paz da Roça; O Diletante; Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas.147

Paula Brito não completou a produção seriada das comédias de Martins Pena. Levando-se em consideração que a última peça, O Caixeiro da Taverna, foi publicada no final de 1847, quando o autor se mudou para Londres e abandonou a atividade dramática no São Pedro de Alcântara, o livreiro, provavelmente, optou por interromper o projeto editorial, já que o dramaturgo estava ausente da cena teatral fluminense. Posteriormente, na primeira metade da década de 1850, Paula Brito reeditou as comédias O Judas em Sábado de Aleluia (1852), Os Irmãos das Almas (1852), A Família e A Festa da Roça (1853) e O Juiz de Paz da Roça (1855), e produziu a primeira edição de O Noviço (1853).148

146 Diário do Rio de Janeiro, 24 de março de 1846. 147 Diário do Rio de Janeiro, 17 de setembro de 1847. 148 Os mesmos títulos foram republicados, na década de 1870, pelo editor carioca Cruz Coutinho. (Cf. DAMASCENO, In: PENA, 1956, vol. I, p. 14). Em 1898, a editora H. Garnier editou essas peças em uma edição coletiva denominada Teatro Brasileiro de Martins Pena (comédias) com um estudo crítico sobre o teatro no Rio de Janeiro e sobre o autor, organizada por Melo Morais Filho e Sílvio Romero. Apesar dessas publicações, somente em 1956 passamos a conhecer a obra completa de Martins Pena, a partir do importante trabalho realizado por Darcy Damasceno nos manuscritos do autor. O crítico organizou, com apoio do Ministério da Educação e do Instituto Nacional do Livro, dois volumes contendo os dramas e as comédias do dramaturgo.

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3 As Reprises das Comédias de Martins Pena e o Novo Panorama Teatral na Corte (1850-1855)

Ao longo do decênio de 1850, apesar da mudança administrativa e das graves crises financeiras pelas quais passou, o São Pedro de Alcântara manteve seu repertório, o modelo de programa teatral e a maior parte dos artistas que já compunham a companhia dramática desde a década precedente. Assim, as comédias de Martins Pena continuaram a ter espaço nos espetáculos ali oferecidos. Entre 1850 e 1855, as encenações de suas peças ocorreram em números semelhantes aos anos anteriores. No entanto, somente cinco títulos permaneceram em cartaz: A Família e A Festa da Roça, O Judas em Sábado de Aleluia, Os Dois ou O Inglês Maquinista, Os Irmãos das Almas e O Noviço. O São Pedro de Alcântara adentrou o ano de 1850 revezando os espetáculos entre as exibições líricas de óperas românticas e os programas dramáticos. O repertório era constituído, essencialmente, pelas peças representadas na década anterior, com esporádicas estreias, tais como a composição O Cego (1849), de Macedo, Os Homens de Mármore (1854) e O Homem de Ouro (1854), de Mendes Leal, e traduções de obras francesas. Em 22 de março de 1850, devido à epidemia de febre amarela reinante na cidade do Rio de Janeiro, o teatro publicou um comunicado na imprensa informando que, "por ordem superior", fecharia as suas portas. Acreditava-se que o acúmulo de pessoas em recintos fechados propagaria ainda mais a doença que, na época, não tinha o seu modo de contágio conhecido. O teatro só ofereceu novos espetáculos no início do mês de maio. Se não bastasse a epidemia – que levou à morte alguns artistas, dentre eles o cenógrafo italiano Scarabeloto –, a má administração do presidente da diretoria, José Bernardino de Sá, fez com que o São Pedro de Alcântara enfrentasse dificuldades financeiras, que culminaram no atraso dos salários dos artistas. Estes, com exceção de João Caetano, que recebia uma subvenção estatal, contavam apenas com os salários e a renda obtida com os benefícios que ofereciam. Os salários dos artistas e dos profissionais técnicos que trabalhavam por detrás da cena variavam consideravelmente. Augusta Candiani, a lírica italiana de grande sucesso no palco do São Pedro de Alcântara, recebia 700 mil réis mensais; a cantora italiana Ida Edelvira, que permaneceu na Corte por curta temporada,

9 ganhava o maior salário, no valor de um conto e 250 mil réis;149 Ribas, o regente da orquestra, recebia 130 mil réis; o contrarregra, por sua vez, ganhava míseros 60 mil réis.150 Como os artistas do teatro eram totalmente dependentes dos salários, a situação chegou a um ponto extremo que, em 01 de março de 1850, os próprios atores encaminharam uma petição à Câmara dos Deputados, pedindo que, sob a forma da lei, obrigassem o diretor a cumprir os seus contratos de trabalho.151 Em novembro de 1850, com a crise já instalada no teatro, o Estado resolveu contratar uma nova empresa para administrá-lo. Dentre as condições que impôs, estavam regras administrativas e financeiras referentes aos contratos dos artistas, à organização dos espetáculos e ao comprometimento do novo diretor em importar da Europa, o mais rápido possível, uma companhia lírica completa.152 João Caetano e Justiniano José da Rocha se candidataram ao cargo. Nosso já conhecido ator-empresário saiu vitorioso. O primeiro programa que João Caetano ofereceu no São Pedro de Alcântara ocorreu em março de 1851. Nesse intervalo de tempo, entre a crise administrativo-financeira e a nova direção de João Caetano, o teatro representou três comédias de Martins Pena em seis espetáculos. O Judas em Sábado de Aleluia recebeu três encenações no ano de 1850: a 20 de junho, "a pedido de muitas pessoas",153 em benefício do ator Pedro Joaquim da Silva Amaral, após a exibição do drama A Pobre das Ruínas (1846), de Mendes Leal; o mesmo programa foi reapresentado a 30 de junho, com a inclusão de uma ária da ópera Le Domino

149 Em Quem Casa, Quer Casa, Eduardo e Paulina discutem sobre os reais interesses dos artistas estrangeiros que vinham se apresentar no Brasil. Para a moça, eles eram motivados pelo interesse econômico, pois tão logo se enriqueciam, abandonavam os palcos brasileiros e retornavam à Europa: "PAULINA: – E depois das algibeiras cheias, safa-se para as suas terras, e comendo o dinheiro que ganhara no Brasil, fala mal dele e de seus filhos". (PENA, 1956, vol. I, p. 478). Processo semelhante ao descrito por Paulina aconteceu com a lírica Ida Edelvira, que se apresentou por poucos meses no São Pedro de Alcântara. 150 As informações sobre os salários foram obtidas em artigo publicado pelo Jornal do Commercio a 12 de setembro de 1850. 151 "Teatro de S. Pedro de Alcântara. Representação à Câmara dos Deputados. Augustos e digníssimos senhores representantes da nação: 'Os abaixo assinados, atores da companhia dramática do Teatro de S. Pedro de Alcântara, vêm pedir-vos alguma providência legislativa que, pondo um dique às arbitrariedades e despotismo do atual presidente da diretoria do mesmo teatro, o comendador José Bernardino de Sá, garanta aos suplicantes a fiel execução de seus contratos e o devido pagamento de seus trabalhos". (Jornal do Commercio, 08 de março de 1850). 152 As condições exigidas pelo Estado foram consultadas em artigo publicado pelo Jornal do Commercio a 16 de novembro de 1850. 153 Jornal do Commercio, 20 de junho de 1850.

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Noir (183, do francês Daniel Auber (1782-1871), e um dueto de Beatrice di Tenda (1833), de Bellini; e a 27 de outubro, após o drama O Marinheiro de São Tropez. No ano seguinte, a comédia foi reprisada no encerramento do espetáculo de 11 de maio, que exibiu em seu programa o vaudeville Gringalet ou O Filho de Dois Pais, seguido da tonadilha O Poeta e O Músico. A comédia Os Irmãos das Almas foi exibida a 19 de maio de 1850, em um espetáculo que teve como peça principal o melodrama Genoveva de Brabante (Geneviève de Brabant, 1838), de Anicet-Bourgeois. Os Dois ou O Inglês Maquinista foi representada a 16 de maio de 1851, em um programa que encenou a tragédia Hamleto (1769), adaptação de Ducis (1733-1816) da obra shakespeariana, seguida da exibição de uma polca e do entremez Manuel Mendes (1812), de Antônio Xavier. João Caetano não teve muita sorte no início de sua administração do São Pedro de Alcântara. Na madrugada de 09 de agosto de 1851, após o espetáculo em benefício do ator João Antonio da Costa, que teve como peça principal o drama português O Cativo de Fez (1841), de Antonio Joaquim da Silva Abranches (1810-1868), o teatro sofreu outro incêndio devastador, deixando-o em ruínas. As chamas consumiram mobiliários, o guarda- roupa e o arquivo do teatro, que conservava os textos das peças e as partituras de canções. Os periódicos noticiaram a tragédia com muito pesar, lamentando o destino da casa de espetáculos e de seus artistas, fadados a desastres e flagelos:

Teatro de S. Pedro. Retiramos o artigo de revista que estava no prelo a respeito deste teatro para substituir pela seguinte fatal notícia. Já não existe! As chamas de um fogo intenso o devoraram na madrugada de sábado, e o Teatro de S. Pedro acabou em cinzas! Confrange-nos o peito de dor e aos altos juízos de Deus entregamos tudo quanto quiséramos dizer. Pobres artistas, que mal fado os tem acompanhado! Do teatro apenas se pode salvar mesas, livros e coisas insignificantes da casa do bilheteiro; do camarim de SS. MM. salvou-se tudo o que havia de melhor, que foi guardado em casa do Sr. Faria até segunda ordem.154

Um acontecimento horroroso acaba de ter lugar. O Teatro de S. Pedro de Alcântara foi pasto das chamas na madrugada de sábado (09)! Em menos de duas horas já o incêndio lavrava com a maior intensidade por todo o edifício; pois que não havendo às 2 ½ hora (segundo dizem) o menor indício de fogo, quando eram 4 ½ o incêndio achava-se na sua maior força, e o fogo havia-se apoderado de todo o combustível. Agora tudo é cinza e ruína, e só existem em pé as quatro paredes mestras, ameaçando cair a do fundo por se achar toda rachada! Este fato tão

154 O Martinho, 10 de agosto de 1851.

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deplorável nos tem de tal sorte impressionado, que nos impossibilita o fazer-lhe comentários.155

O Jornal do Commercio cogitou a hipótese de um incêndio criminoso, ao tomar conhecimento de uma denúncia feita à polícia. No entanto, esta não se empenhou na averiguação das informações, e o incêndio que destruiu o teatro não teve as suas causas esclarecidas, fato lamentado pela redação do periódico A Reforma, que denunciou o descaso e a ineficiência da polícia da Corte com o caso:

O tempo porém vai correndo, e (...) não há quem saiba ainda os resultados da denúncia, que fora dada: que esforços tem posto em ação, que empenho há mostrado a polícia na averiguação de um fato de tão grande importância?... Ainda se estará prosseguindo em indagação, ou essa terrível catástrofe, que a todos nos consternou, já foi lançada no túmulo do esquecimento?... Uma de duas: ou a polícia, contra todos os seus hábitos, tem andado com tão notável habilidade, com tanta cautela nesse negócio, que caminhando com pés de lã, ninguém ainda conseguiu perceber o mais leve ruído de seus passos (...); ou então, segundo o costume, nada se tem feito para averiguar a matéria da denúncia, e consequentemente, queremos usar de nosso direito fustigando-a com justas censuras.156

O Estado não ajudou na reconstrução do São Pedro de Alcântara, preferindo financiar a edificação de um teatro lírico no Campo de Santana: o Teatro Provisório, inaugurado em 14 de março de 1852. Abandonado pelo Estado, João Caetano formou, em novembro de 1851, uma associação de acionistas para a reconstrução de seu teatro. No total, foi arrecadada a quantia de 100 contos de réis, distribuída em 200 ações de 500 mil réis cada uma. Os acionistas, a depender da quantidade de ações adquiridas, teriam os seguintes direitos nos espetáculos oferecidos pelo teatro no decorrer de quatro anos: uma ação garantiria uma cadeira cativa; duas ações, um camarote de quarta ordem; três ações, um camarote de primeira ou terceira ordem; quatro ações, um camarote de segunda ordem.157 Com o dinheiro em mãos, João Caetano deu início à reconstrução, que ficou a cargo do engenheiro inglês Mr. Olivier. O projeto do novo São Pedro de Alcântara, ambicioso e inovador à época, incluía a iluminação a gás, e não mais a óleo, canalização de

155 A Aurora, 10 de agosto de 1851. 156 A Reforma, 29 de outubro de 1851. 157 O projeto de associação assinado por João Caetano foi consultado no Diário do Rio de Janeiro de 22 de novembro de 1851.

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água para as quatro ordens de camarotes, e uma exclusiva decoração interior, assinada por dois artistas estrangeiros, Ouvier e Hox. Enquanto as obras de construção estavam em andamento, a troupe de João Caetano se transferiu, temporariamente, para o Teatro de São Januário. Finalizada a reedificação, o São Pedro de Alcântara foi reaberto a 18 de agosto de 1852 – 12 meses após o incêndio –, com a exibição do drama O Livro Negro, de Leon Gaston, traduzido por Joaquim Antônio da Costa Sampaio.158 Devido ao fechamento temporário do São Pedro de Alcântara para a reconstrução, as peças de Martins Pena só voltaram a ser ali encenadas em 1853. Nesse ano, O Judas em Sábado de Aleluia finalizou o espetáculo de 10 de abril, após a estreia da comédia francesa O Chapéu de Palhitinha da Itália (Un Chapeau de Paille d'Italie, 1851), de Eugène Labiche (1815-1888). Os atores Maria Amália e Luis Antônio Monteiro desempenharam os protagonistas da peça de nosso comediógrafo, como sempre ocorrera nas encenações desde 1850. Os Irmãos das Almas recebeu seis exibições no decorrer de junho a julho de 1853: nos dias 13 e 19 de junho, após a encenação de O Noviço; em 29 de junho, em um programa que teve como peça principal o drama O Homem da Máscara Negra; a 17 de julho, encerrando a representação de O Noviço; e nos dias 22 e 24 de julho, após Os Ovos de Ouro, tradução da féerie La Poule aux Œufs d'Or (1848), de Clairville e Dennery. O Noviço, comédia de Martins Pena mais encenada postumamente, foi exibida 10 vezes em 1853: a 13 de junho, como peça principal do espetáculo beneficente em favor de Manoel Soares, que apresentou, também, um dançado, Os Irmãos das Almas e o vaudeville Inocêncio ou O Eclipse de 1821; o mesmo programa foi reapresentado a 19 de junho, em benefício de João Caetano; a 20 de junho, em benefício do dançarino Júlio Toussaint, em um programa que se iniciou com o vaudeville Um Marido Que se Desmanda, seguido de árias das óperas Beatrice di Tenda, de Bellini, e Hernani (1844), de Verdi, do dançado As Odaliscas, e da cena fantástica O Diabo e A Camponesa, composta pelo beneficiado; o mesmo programa foi reapresentado a 26 de junho; a 03 de julho, finalizando o espetáculo que teve como peça principal o melodrama Teckely ou O Cerco de Mongatz

158 Informação obtida em anúncio publicado pelo Diário do Rio de Janeiro, em 14 de agosto de 1852.

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(Tékéli ou Le Siège de Mongatz, 1803), de Guilbert de Pixerécourt (1773-1844); a 17 de julho, como peça principal do programa que exibiu canções líricas, dançados e a comédia Os Irmãos das Almas; a 15 de agosto, após o drama histórico português Frei Luís de Sousa (1843), de Almeida Garrett, uma ária e um dançado; a 21 de agosto, rematando o espetáculo que exibiu o melodrama Madalena (Madeleine, 1843), de Anicet-Bourgeois; a 01 de outubro, tendo seus entreatos recheados por árias e um dançado, e encerrado pela farsa Emília Travessa; a 25 de outubro, em benefício das Irmandades de Santo Antônio dos Pobres e de Nossa Senhora dos Prazeres, em um programa que apresentou o drama português O Cativo de Fez, e que recheou os entreatos de O Noviço com a exibição da sinfonia A Partida do Marinheiro, de Fernando de Sá Noronha, e um dançado. Em 1854, O Noviço recebeu quatro representações: a 16 de março, no encerramento do espetáculo beneficente em favor do ator Manoel De Giovanni, em um programa que exibiu o drama musicado A Esmeralda, seguido de um dançado; a 19 de março, após a tragédia Nova Castro; a 24 de abril, em espetáculo beneficente a uma artista não identificada pelos anúncios, após o drama O Cativo de Fez e o dançado Os Boleiros de Cadiz; a 28 de maio, rematando um programa que apresentou o drama O Desertor Francês, seguido de uma polca. Nessas montagens de 1853 e 1854, o ator Martinho Corrêa Vasques159 desempenhou o papel do noviço Carlos, enquanto o cômico Manoel Soares, o do ardiloso Ambrósio. Com esse balanço de representações, concluímos que as comédias de Martins Pena, com especial destaque a O Noviço, não caíram no esquecimento da companhia dramática do São Pedro de Alcântara, principalmente do ator português Manoel Soares, que sempre atuava nas encenações das peças do comediógrafo. No início da década de 1850, os literatos e os críticos teatrais ansiavam por mais peças brasileiras nos palcos da Corte. Os autores que compuseram obras dramáticas nos anos anteriores, como Martins Pena, Gonçalves de Magalhães e Macedo, passaram a ser vistos como fundadores e desenvolvedores do teatro nacional. Martins Pena era concebido como um importante comediógrafo – por ser o primeiro a levar ao palco fluminense personagens e temas da sociedade brasileira –, e suas comédias eram tidas como

159 Martinho Corrêa Vasques (1822-1890) foi ator da companhia dramática do São Pedro de Alcântara entre 1843 e 1863.

74 uma opção de representação no lugar das peças estrangeiras que dominavam os programas dos teatros. Em uma crônica publicada pela imprensa, o folhetinista "D. M." defende a encenação das obras do autor, ao invés do repertório europeu:

E vem aqui bem a pêlo falar do teatro do defunto Pena – desse gênio que lá foi acabar em plagas estranhas, tão moço e já tão cheio de glórias, e que tanto mais prometia ao seu país – dessa verdadeira flor das terras virgens do Brasil. Por que não vão as suas peças, em vez de Sociedade dos Treze, Pagar o Mal Que Não Fez, Rainha das Flores e outras quejandas e insulsas composições? Por que não fazer vantagem e animação à compositores brasileiros? (...) D. M.160

A carreira teatral trilhada por Martins Pena na década de 1840 motivou outros dramaturgos brasileiros a compor pequenas peças cômicas para o encerramento dos espetáculos no São Pedro de Alcântara. Em 1851, Macedo estreou a comédia musicada O Fantasma Branco que, inicialmente, era encenada como peça principal do programa, mas logo começou a ser exibida no final do espetáculo. O Fantasma Branco fez os espectadores se recordarem de A Família e A Festa da Roça, e os críticos acreditarem que Macedo compôs "uma comédia no gênero da Festa da Roça, do defunto Pena".161 Muitas outras farsas de autores brasileiros estrearam no São Pedro de Alcântara. No entanto, infelizmente, não podemos identificar a autoria de algumas, devido ao anonimato do escritor, como é o caso da peça Morrer para Ter Dinheiro, estreada em benefício da atriz Ludovina Soares, a 25 de setembro de 1855. Ou ainda, mesmo com a indicação do nome do autor, este nos é desconhecido, porque, provavelmente, teve uma carreira teatral efêmera e sem muito prestígio, a exemplo de Santos Neves e sua peça Uma Comédia no Teatro de São Pedro, estreada a 07 de agosto de 1855.162 Apesar de apresentar composições novas de autores brasileiros, o São Pedro de Alcântara reprisava com frequência os melodramas e comédias do repertório estrangeiro,

160 Diário do Rio de Janeiro, 01 de julho de 1851. 161 O Martinho, 29 de junho de 1851. 162 Em outros teatros da Corte também estrearam farsas brasileiras. No Teatro de São Januário, a 22 de janeiro de 1851, estreou a comédia-provérbio Quem Casa não Considera, Quem Considera não Casa, de um autor fluminense não nomeado. No Teatro de São Francisco, quando neste atuava a companhia de Florindo Joaquim, estreou a farsa Destes Há Muitos, de autoria desconhecida, que critica, com muito humor, os jovens brasileiros que iam estudar na Europa e, quando retornavam, esqueciam a língua portuguesa e só falavam nas maravilhas da França, cheios de francesismos. (Informação obtida em crônica publicada pelo O Martinho, em 17 de agosto de 1851).

75 que haviam obtido sucessos na década anterior. Tal linha adotada pelo teatro dividiu os críticos teatrais, que defendiam opiniões bem díspares. Enquanto alguns cronistas o viam como o teatro "predileto dos habitantes do Rio de Janeiro, e ou seja pelo local, ou pela recordação de agradáveis noites aí passadas, esse teatro tem em si uma magia que atrai, mas que se não pode definir";163 outros o consideravam um teatro de repertório "velho" e de artistas decadentes, como é o caso do cronista de O Martinho:

A companhia de S. Pedro representa para nós a velhice: todas as suas figuras estão caducas e gastas, e se ela não se aumentar com algumas figuras novas e que tragam em si a esperança de um melhoramento futuro, a sorte que a espera deve- lhe ser bem fatal.164

Os críticos mais extremistas se fixaram na ideia da decadência do teatro nacional e de seu maior símbolo, o São Pedro de Alcântara. Eles culpavam João Caetano pela aparente situação deplorável da cena teatral na Corte:

Quando em nosso segundo artigo analisamos o estado do teatro e mostramos sua rápida decadência, e bem assim qual a causa dessa decadência injustificável, e lamentando que tendo ele em si os elementos de seu desenvolvimento e engrandecimento, o Sr. João Caetano dos Santos, seu mais forte e tenaz esteio, visse impassível morrer a arte que tanto tem ilustrado; finalizamos que, sabendo ele quais os meios de remover as causas de semelhante atraso, por que não os aplicava?165

Se uma crise existia no teatro, ela era mais financeira que artística. O São Pedro de Alcântara, após a reconstrução de 1852, viu a sua receita cair drasticamente, devido aos direitos dos acionistas que, ao frequentarem gratuitamente os camarotes, diminuíam o lucro obtido com a venda dos bilhetes. Sempre que oferecia espetáculos livres, isto é, programas em que os acionistas não tinham direito aos bilhetes gratuitos, João Caetano era questionado e agredido verbalmente, na imprensa, pelos diversos donos de ações. No entanto, a crise não afetara os espetáculos do teatro, que eram oferecidos com regularidade, a companhia dramática continuava, essencialmente, a mesma da década anterior, e cada vez

163 Diário do Rio de Janeiro, 19 de agosto de 1853. 164 O Martinho, 13 de julho de 1851. 165 Diário do Rio de Janeiro, 27 de agosto de 1853.

7 mais surgiam peças inéditas de autores brasileiros. Com exceção aos assuntos financeiros, o São Pedro de Alcântara não transparecia quaisquer sinais de decadência artística. Aos que propagavam a derrocada do São Pedro de Alcântara, a inauguração do Teatro Ginásio Dramático,166 em 12 de abril de 1855, pareceu ser, à primeira vista, a salvação da cena teatral brasileira. De inspiração realista francesa, o Ginásio Dramático propôs novos caminhos à arte dramática, apresentando um programa diferente do exibido pelo São Pedro de Alcântara, com dramas de casaca e comédias de riso contido e moralizante. Em seu repertório, constavam peças realistas de autores francesas e brasileiros, como José de Alencar e Quintino Bocaiúva. Para a crítica teatral da época, o Ginásio Dramático simbolizava o novo, pois trazia peças inéditas e esteticamente diferentes dos melodramas e dramas históricos do São Pedro de Alcântara. Isso fica evidente nas palavras do folhetinista do Jornal do Commercio:

O ginásio prossegue no empenho de agradar ao público que o frequenta; nos dramas do seu repertório não há gritos de maldição, nem punhais, nem envenenamentos; mas, a falar a verdade, há muita coisa que faz rir e que diverte a gente. Tenho minhas predileções por aquele Ginásio; pelo menos ainda não é bananeira que já deu cacho.167

Disputando o público fluminense com os espetáculos oferecidos pelo recém- criado Ginásio Dramático, o São Pedro de Alcântara reprisou, em 1855, três comédias de Martins Pena: O Judas em Sábado de Aleluia, A Família e A Festa da Roça e Os Dois ou O Inglês Maquinista. A peça O Judas em Sábado de Aleluia foi representada em três espetáculos: a 06 de maio, após o melodrama Martinho e Bambocha (Martin et Bamboche, 1847), de Eugène Sue (1804-1857), traduzido por Mendes Leal; a 09 de setembro, finalizando o programa que exibiu O Homem de Ouro, o mais recente drama de Mendes Leal;168 a 11 de setembro, após o drama português Afonso III. A comédia A Família e A

166 Em 1854, o empresário teatral Joaquim Heliodoro arrendou de João Caetano o Teatro de São Francisco. Após reformá-lo, inaugurou-o no ano seguinte como Teatro Ginásio Dramático, em alusão ao Gymnase Dramatique de Paris. No espetáculo de estreia foi encenada a peça O Primo da Califórnia, de Macedo. 167 Jornal do Commercio, 20 de maio de 1855. 168 Como vemos, o nome de Mendes Leal é recorrente nos programas teatrais. De fato, entre as décadas de 1840 e 1850, as peças desse autor português, representante da tendência romântica no teatro, alimentaram o palco do São Pedro de Alcântara, com frequentes encenações em programas finalizados pelas comédias de Martins Pena. Mendes Leal é um dos mais prolíficos dramaturgos portugueses do século XIX; são de sua

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Festa da Roça também recebeu três encenações em 1855: a 19 de julho, em benefício do anão-artista Roberto de Albuquerque Melo, em um programa que teve como peça principal o drama A Gargalhada (L'Éclat de Rire, 1840), de Jacques Arago (1790-1854); a 24 de julho, em benefício da família de um artista não identificado pelos anúncios, após o drama O Homem da Máscara Negra, seguido de uma quadrilha e duetos de polcas; a 08 de agosto, rematando a exibição de A Gargalhada. Por sua vez, a comédia Os Dois ou O Inglês Maquinista foi representada a 05 de julho de 1855, em um programa que exibiu como peça principal o drama O Homem da Máscara Negra, seguido de números ilusionistas, apresentados pelo mágico Jorge W. Vaughan. Nessa montagem de Os Dois ou O Inglês Maquinista, o ator Antônio Areas169 desempenhou o papel de Gainer, ao passo que Manoel Soares, o do negreiro. Com o aparecimento da estética realista nos palcos, logo surgiram seus críticos defensores na imprensa. Quintino Bocaiúva, José de Alencar e , adeptos das ideias teatrais realistas e simpatizantes do Teatro Ginásio Dramático, publicaram crônicas que discutiram os pressupostos teóricos das correntes dramáticas.170 Dentre os autores e gêneros que estudaram, encontram-se Martins Pena e a farsa. A leitura realizada pelos dramaturgos realistas nos é indicativa do modo como a produção do comediógrafo foi recebida na década seguinte à sua fase de estreias, quando uma nova estética era assumida pelos homens de teatro. Devido ao seu caráter farsesco, oposto à estética cômica realista, as peças de Martins Pena foram consideradas pelos críticos realistas, especialmente por José de Alencar, desprovidas de valor literário e social.

autoria, aproximadamente, 50 peças, entre originais, imitações e traduções. (Cf. REBELLO, Luiz Francisco (Org.). Teatro Romântico Português: o drama histórico. Lisboa: Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 2007, p. 229-231). Estreou no teatro, em 1839, com o drama Os Dois Renegados, que logo atravessou o Atlântico e alcançou grande sucesso no São Pedro de Alcântara, sendo protagonizado por João Caetano. Na década de 1840, seus dramas históricos e melodramas, como O Homem da Máscara Negra e A Pobre das Ruínas, foram frequentemente representados no teatro carioca. No decênio seguinte, suas novas composições dramáticas, como Os Homens de Mármore e O Homem de Ouro, tiveram, igualmente, boa recepção junto ao teatro e ao público fluminense. 169 O português Antônio José Areas (1819-1892) veio ao Brasil, em 1837, para trabalhar como pintor. Posteriormente, tornou-se amador no Teatro de Valongo e, em 1841, passou a integrar a companhia dramática de João Caetano. 170 Em seu estudo do teatro realista no Brasil, João Roberto Faria trata da crítica teatral produzida por Quintino Bocaiúva, José de Alencar e Machado de Assis. (FARIA, João Roberto. O Teatro Realista no Brasil: 1855-1865. São Paulo: Perspectiva: Edusp, 1993, p. 141-158).

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Em abril de 1857, Quintino Bocaiúva publicou, no periódico Correio Mercantil, todos os capítulos de seu livro Estudos Críticos e Literários: lance d'olhos sobre a comédia e sua crítica. Para o autor, o teatro tinha como papel a educação e a regeneração da sociedade, não devendo, apenas, diverti-la. O crítico considera que o ridículo, objeto de derrisão nas comédias farsescas, poderia conquistar popularidade e até agradar ao público, mas isso seria efêmero e desapareceria "tão breve como o riso que promove".171 Por isso, condena os recursos cômicos do gênero farsesco, tais como o ridículo de personagens, o faceto de situações, os trocadilhos, as obscenidades e as expressões ambíguas. Quintino Bocaiúva apresenta a receita para o que seria uma adequada comédia:

Ela precisa de espírito para ser compreendida ligeira mas profundamente; de graça, para entreter e amenizar a atenção do espectador; de moral filosófica, para não mentir a seu fim; de propriedade na escolha de seu objeto, de simplicidade e decência em seu estilo, de penetração e vivacidade em sua sátira; de verdade em sua crítica; de elevação em seu pensamento; finalmente de energia e colorido em suas descrições.172

Outro dramaturgo realista a tratar da comédia farsesca foi José de Alencar. Na crônica A comédia brasileira, publicada pelo Diário do Rio de Janeiro, em 14 de novembro de 1857, Alencar discute a produção cômica nacional. A certa altura, o cronista afirma que as peças de Martins Pena abordaram os costumes brasileiros sem os criticar, pois visavam "antes ao efeito cômico do que ao efeito moral".173 Para Alencar, Martins Pena, desejoso "dos aplausos fáceis, (...) sacrificou talvez suas ideias ao gosto pouco apurado da época".174 Machado de Assis, o seguinte crítico a analisar a obra cômica de Martins Pena, reconheceu o sucesso das comédias do autor nos palcos da capital do Império. Na Marmota Fluminense dos dias 09 e 23 de abril de 1858, o cronista assinou o artigo O passado, o presente e o futuro da literatura, no qual menciona que as peças do comediógrafo agradavam aos espectadores, pois atendiam aos seus gostos.175

171 BOCAIÚVA, Quintino. "Estudos críticos e literários: lance d'olhos sobre a comédia e sua crítica". In: FARIA, 2001, p. 452. 172 Ibid., p. 459. 173 ALENCAR, José de. "A comédia brasileira". In: FARIA, 2001, p. 470. 174 Idem. 175 ASSIS, Machado de. "O passado, o presente e o futuro da literatura". In: FARIA, João Roberto (Org.). Machado de Assis: do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008, p. 113.

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Assim como verificado por Machado de Assis, em sua crônica de 1858, e conforme constatamos neste capítulo, as comédias de Martins Pena conheceram grande número de representações e agradaram ao público do São Pedro de Alcântara. Nas próximas páginas, veremos que as comédias do autor com maior quantidade de reprises durante as décadas de 1840 e 1850 – O Judas em Sábado de Aleluia, Os Irmãos das Almas e O Noviço – dialogam com temas e personagens do repertório exibido pelo São Pedro de Alcântara, e apresentam uma mensagem de conteúdo social, construída por meio da adaptação de temas debatidos, contemporaneamente, pela imprensa fluminense, e da sátira política e religiosa, que denuncia o abuso de poder policial, o não cumprimento das leis civis e criminais, e a corrupção de ordens religiosas.

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CAPÍTULO 2

A FESTA RELIGIOSA, A POLÍCIA E AS LEIS CIVIS EM O JUDAS EM SÁBADO DE ALELUIA

FAUSTINO: – Um cidadão é livre... Enquanto não o prendem.1

1 Os Temas, o Enredo e as Personagens

O Judas em Sábado de Aleluia estreou a 17 de setembro de 1844, em benefício do ator cômico Manoel Soares, frequente encenador das comédias de Martins Pena no Teatro de São Pedro de Alcântara, entre as décadas de 1840 e 1850. É a partir dessa comédia em um ato que Martins Pena começa a ambientar as suas peças em lares de famílias urbanas da capital do Império, oferecendo um extenso painel de relações a nível familiar, repletas de detalhes do cotidiano. São três os temas presentes em O Judas em Sábado de Aleluia: o amoroso e o religioso, que assumem o segundo plano da peça, e o referente à má conduta da Justiça, representada pela instituição policial. Os temas, como veremos, apesar de ligados à tradição cômica, estão intimamente relacionados ao contexto de Martins Pena e à sua proposta teatral. Como em grande parte da produção cômica do autor, mais de um fio dramático compõe o enredo, sendo um deles o amoroso que, apesar de presente em todas as comédias, não assume o primeiro plano destas. A intriga amorosa, em O Judas em Sábado de Aleluia, encena os namoros das duas filhas de José Pimenta, constituídos pelo triângulo amoroso "Faustino – Maricota – Capitão Ambrósio", no qual poderíamos inserir os outros admiradores da moçoila (um Tenente dos Permanentes; um janota, apelidado de cavalo

1 PENA, "O Judas em Sábado de Aleluia", 1956, vol. I, p. 135.

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rabão; um estudante de latim; um amanuense da Alfândega; um inglês; um empregado da diplomacia que estivera na Europa), e pelo casal "Chiquinha – Faustino". A temática amorosa não é idealizada romanticamente; pelo contrário, o comediógrafo faz uma "paródia do clima e tom melodramático"2 comuns às cenas patéticas dos melodramas, satirizando as lamentações exageradas de suas personagens. A sátira do elemento patético constrói a comicidade da cena quatro: enquanto declama seus lamentos pelo amor não correspondido por Maricota, Faustino arranca os cabelos; mas logo depois, os penteia novamente, e dá continuidade à declamação de seus lamentos de amante não correspondido e desenganado pela vida, à beira da morte:

FAUSTINO: – Maricota, minha vida, ouve a confissão dos tormentos que por ti sofro. (Declamando) Uma ideia esmagadora, ideia abortada do negro abismo, como o riso da desesperação, segue-me por toda a parte! Na rua, na cama, na repartição, nos bailes e mesmo no teatro não me deixa um só instante! Agarrada às minhas orelhas, como o náufrago à tábua de salvação, ouço-a sempre dizer: – Maricota não te ama! Sacudo a cabeça, arranco os cabelos (faz o que diz) e só consigo desarranjar os cabelos e amarrotar a gravata. (Isto dizendo, tira do bolso um pente, com o qual penteia-se enquanto fala) Isto é o tormento da minha vida, companheiro da minha morte!3

O segundo fio que compõe a comédia encena os negócios ilícitos praticados pelas personagens, a saber: a cobrança de propina por membros da Guarda Nacional e a circulação de dinheiro falso. O enredo, construído por esses dois fios, articula-se em 12 cenas, alternadas entre nove de conjunto e três isoladas, o que garante o desenvolvimento da trama e possibilita a sua eficiência cênica no palco, apesar da aparente simplicidade de sua situação dramática. As cenas isoladas se constituem pelos monólogos recapitulativos, explicativos e/ou progressivos, em que as personagens sintetizam o que ocorreu anteriormente e informam à plateia o que pretendem fazer a seguir. As cenas de conjunto apresentam diálogos entre duas ou mais personagens, e concentram os diversos recursos cômicos no palco, como quiproquós, disfarces, esconderijos, equívocos e enganos.

2 ARÊAS, 1987, p. 196. 3 PENA, 1956, vol. I, p. 136.

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Durante as três primeiras cenas, são apresentados os dados fundamentais do enredo, tais como o espaço, o tempo e a condição inicial das personagens. As ações da comédia se passam no Sábado de Aleluia de 1844, na casa de José Pimenta, no Rio de Janeiro. O pouco mobiliário do cenário cumpre um papel funcional, a exemplo da mesa de jacarandá, descrita na primeira didascália da cena um, onde Faustino esconde o boneco Judas, e Pimenta, o dinheiro falso. Pimenta, pai de Maricota e Chiquinha, é alheio ao que acontece em seu lar, preocupando-se apenas com o seu trabalho como cabo de esquadra da Guarda Nacional, emprego que lhe garante melhor renda, em comparação a que recebia quando era sapateiro. Em uma versão manuscrita da segunda cena, Pimenta atribui o mal pago que ganhava como profissional do comércio à invasão de artesãos e comerciantes estrangeiros no Rio de Janeiro, os quais ocupavam os mais variados ofícios (alfaiataria, sapataria, barbearia, medicina, odontologia etc.). Segundo a personagem, os estrangeiros europeus rivalizavam com os trabalhadores livres brasileiros, roubando-lhes a clientela e o sustento: "PIMENTA: – A Rua da Quitanda, a dos Ourives, a do Ouvidor estão cheias de lojas de calçado feito – mas todas são de estrangeiros, e os sapateiros do país, ou deixam o ofício, como eu, ou morrem de fome".4 De fato, a denúncia de Pimenta poderia ser verificada no comércio da capital do Império, como constatamos em uma crônica publicada pela imprensa:

Não é só o estado exclusivo do comércio que atormenta os nacionais, e que faz haver imensos queixumes, em toda a classe média de nossa sociedade, digo desta grande porção de brasileiros, que deixam de arranjar-se no comércio de nosso Brasil, como já temos dito em nossos números anteriores, não, não é só este exclusivismo que se torna um flagelo; não, ainda há um outro a que podemos dar o título de Clamor, e vem a ser o monopólio; que anos a esta parte se introduzira entre todo nosso Brasil, na parte em que diz respeito às artes e ofícios, pois até neste ramo de indústria se faz barreira aos brasileiros!!! Ou seja por infelicidade nossa, como já dissemos, pois que este ramo de indústria nacional está quase que no todo entregue aos estrangeiros em geral, pois estes estão na posse quase de todas as casas de fabrico, ou oficinas que já vou mencionar, como por exemplo,

4 PENA, 1956, vol. I, p. 154. A questão também é tematizada pelo autor em As Desgraças de uma Criança: "MANUEL: – Os ofícios cá na nossa terra já nada dão; a concorrência de estrangeiros é grande". (PENA, 1956, vol. I, p. 546). Em seu ensaio sobre o inglês nas comédias de Martins Pena, Marlyse Meyer trata da presença estrangeira no comércio da Corte brasileira. (MEYER, Marlyse. "O inglês nas comédias de Martins Pena". In: Pireneus, Caiçaras... da Commedia Dell'Arte ao Bumba-Meu-Boi. 2. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1991, p. 98-101).

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as oficinas de alfaiate, sapateiro, carpinas, pedreiros, marceneiros, ourives de prata, cordoeiros, calceteiros, etc., etc.5

O cronista lamenta a situação precária de muitos trabalhadores liberais do Rio de Janeiro que, não tendo escolha, optavam por servir na Guarda Nacional para receberem um salário; situação semelhante àquela vivida pelo cabo de esquadra José Pimenta, de O Judas em Sábado de Aleluia:

Vendo-se, pois por esta circunstância imperiosa para os filhos do nosso país, à recuarem desta indústria e a mendigarem por outra maneira os meios de sua subsistência e de suas famílias. Oh! Sorte! Sujeitando-se uns a irem empenharem- se com fulano; outros a preferirem o trabalho de arrumadores, ou serventes da Alfândega; e outros a servirem na Guarda Nacional como ganhadores, saindo de uma guarda, entrando em outras, rondando, etc., para assim, terem pão para si e suas famílias, isto não é horrendo?... Isto não é miséria?6

As jovens filhas de Pimenta possuem valores morais bem diferentes: Chiquinha é casta e sensata, ao passo que Maricota é uma ardilosa namoradeira que teme morrer solteira. O funcionário público Faustino, um dos namorados de Maricota, é perseguido constantemente pelo Capitão Ambrósio, que também morre de amores pela moça. A partir da cena quatro, após a apresentação inicial das personagens, o enredo ganha novo ritmo com o disfarce de Faustino, que se veste de Judas. Entre as cenas cinco e oito, há o estabelecimento dos conflitos da trama. Faustino, sob a máscara do boneco Judas, descobre os ardis de Maricota, o abuso de poder e a corrupção dentro da Guarda Nacional, envolvendo o Capitão Ambrósio e Pimenta. Em seguida, há o monólogo de Faustino na cena nove, em que a personagem declara saber os segredos do corrupto Capitão e as enganações de Maricota, prometendo vingar-se de ambos. Os dois fios da peça, o amoroso e o referente aos atos ilícitos, se encontram e garantem a progressão das ações da comédia. Os atos de vingança e justiça de Faustino promovem uma mudança no rumo da história, encaminhando-a para o seu fim. No entrecho da peça, entre as cenas 10 e 12, Faustino descobre que é amado secretamente por Chiquinha e lhe declara o seu amor. Seus oponentes – Capitão Ambrósio, Pimenta, Antônio e Maricota – têm os seus desejos

5 O Guasca na Corte, 22 de maio de 1851. 6 Idem.

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malogrados, restando-lhes apenas consentir com as punições propostas por Faustino: "CAPITÃO: – Será servido. (À parte) Que remédio; pode perder-me!";7 "PIMENTA: – O que lhe hei de eu fazer, senão consentir!"8 Os delitos das personagens, alguns mais graves, como as ações tiranas do Capitão Ambrósio e os negócios ilícitos de Antônio, e outros mais corriqueiros, como os enganos de Maricota, são levados ao julgamento de Faustino, que as punem não conforme a lei instituída e outorgada pelo Estado, ineficiente a seu ver, mas segundo o código de justiça da própria personagem: "FAUSTINO: – Esta pena não vem no Código; mas não admira, porque lá faltam outras muitas coisas".9 A ardilosa e namoradeira Maricota é prometida ao velho Antônio Domingos, e o corrupto Capitão Ambrósio é obrigado a desistir de perseguir Faustino. O juiz simbólico, uma personagem fantasiada de Judas, ironicamente aquela que não cometeu nenhum delito ou traição na peça, pune e faz justiça de forma bem humorada. Na cena final, há a inversão de papéis: os que antes cometiam atos ilegais e eram os perseguidores, agora, são perseguidos e castigados; os negócios ilícitos são desmantelados; e os enamorados se unem. Um happy ending que, com certeza, agradava ao público, como ainda hoje o agrada. Formalmente, o enredo de O Judas em Sábado de Aleluia é construído pela estrutura farsesca, com amplo uso de recursos produtores da comicidade, que originam e sustentam os quiproquós.10 O disfarce de Faustino como Judas possibilita o desenvolvimento de toda a trama, pois, uma vez disfarçado, ele descobre os delitos das personagens e ouve a confissão do amor verdadeiro de Chiquinha. A repetição de um equívoco – tanto Faustino quanto o Capitão Ambrósio acreditam que Maricota os ama – é a mola propulsora do fio amoroso, centrado nas mentiras contadas pela moça, que finge afeição a ambos, enganando-os. O recurso da repetição também está presente nos diálogos, como na recorrente indagação do Capitão Ambrósio que, logrado por Maricota, age como um bobo ao procurar por um gato inexistente na casa de Pimenta: "CAPITÃO: – Pois o

7 PENA, 1956, vol. I, p. 150. 8 Idem. 9 Idem. 10 Ver o anexo "Sequenciamento de Cenas de O Judas em Sábado de Aleluia", que traz uma tabela com os dados referentes à construção formal de cada cena da comédia, marcando as entradas e saídas das personagens e o uso dos recursos cômicos.

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senhor não tem um gato? (...) E nunca os teve? (...) Nem suas filhas, nem seus escravos? (...) Com que nem seu pai, nem a sua irmã e nem seus escravos têm gato?"11 No entanto, a comédia de Martins Pena não se resume a reprodução de fórmulas consagradas que provocam o riso. O enredo une assuntos, personagens e ações provenientes da convenção cômica a elementos políticos e sociais do Rio de Janeiro do Segundo Império, como a Guarda Nacional e a circulação de dinheiro falso. É essa articulação entre a convenção cômica e a sátira de aspectos sociais da época do autor que caracteriza as suas peças:

Pode-se dizer que a veia cômica e satírica de Martins Pena é a feliz simbiose da mecânica bem-ajustada da comédia à francesa, e da seiva popular luso-brasileira, afiado instrumento que lhe permitirá fazer viver no palco homens, mulheres, crianças, situações, escravos-coisas, manias, vícios, costumes do mundo que o cerca e soube observar. O mundo da sociedade móvel, em plena elaboração, solicitado por tensões diversas, que caracteriza o Rio de Janeiro da década de 1840.12

As personagens de suas comédias não são apenas tipos e caricaturas (moça namoradeira/casta, pai bouffon, velho, jovem) que provocam o riso; elas também argumentam a favor de determinados valores morais e civis. Apresentam, então, uma dupla condição: além de máscaras de comportamentos, fortemente codificadas pela tradição farsesca, as personagens, principalmente as heroicas,13 representam e defendem ideias que discutem a organização social e a prática dos direitos civis na capital do Império. Na galeria feminina de O Judas em Sábado de Aleluia, temos Maricota e Chiquinha, duas moças que apresentam argumentos em defesa do que acreditam ser o correto comportamento moral e civil da mulher. Na primeira cena, um pouco extensa, se considerarmos que esta é a menor comédia em um ato escrita por Martins Pena, Chiquinha e Maricota dialogam sobre o namoro e o casamento. Em suas falas, as duas irmãs defendem códigos de conduta sobre o papel da mulher na instituição familiar.

11 PENA, 1956, vol. I, p. 140. 12 MEYER, 1991, p. 97-98. 13 Adotamos a concepção de herói definida por Anne Ubersfeld: "Se em um texto dramático contarmos o número de aparições de uma personagem, o número de réplicas, e até mesmo o número de linhas de seu discurso (mesmo quando a ponderação dos três algarismos forneça uma solução incontestável), teremos encontrado a personagem principal, o 'herói' da peça". (UBERSFELD, 2010, p. 42).

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Na época, toda moça de família tradicional, que quisesse garantir um bom casamento, deveria possuir um dote razoável. Em famílias abastadas, isso não era um problema. Porém, como Pimenta era um funcionário do baixo escalão da Guarda Nacional, não detinha bens, e suas filhas não possuíam dote. Isso preocupava Maricota, levando-a a garimpar um bom casamento todos os dias em sua janela. A condição social inferior de sua família motiva as suas ações ardilosas, fazendo-a namorar a todos os rapazes que demonstrassem condições de lhe garantir um matrimônio vantajoso. Ela vê no casamento uma possibilidade de ascensão social, ou pelo menos, uma garantia de sustento e uma colocação social melhor da que desfrutava sendo filha de Pimenta. Nesse sentido, Maricota não é apenas a moça namoradeira, tipo convencional da farsa, ela representa também a situação desfavorável de jovens mulheres, em idade de se casar, sem dote e nem status social. Maricota defende a ideia de que a mulher sem dote precisa abandonar a castidade para garantir a si mesma um futuro melhor. Ela diz à irmã: "MARICOTA: – Minha cara, nós não temos dote, e não é pregada à cadeira que acharemos noivo".14 Essa filosofia move as suas ações em relação às formalidades do casamento, considerado por ela uma loteria. Chiquinha, o oposto da irmã, concorda que o futuro de "filhas-famílias" era esperar pelo casamento, e expõe as diferenças no meio para se atingir tal fim: haveria um modo prudente e honesto, adotado por ela, e um insensato, como o de Maricota. Chiquinha é cúmplice do modelo de mulher guardiã do lar, responsável pelos afazeres domésticos e pela imagem pública da família. Suas ações dentro da comédia se resumem a coser o seu vestido e a assistir, passivamente e distante, ao desenrolar das peripécias. As duas irmãs colocam em cena situações-problema envolvendo o código de conduta da mulher ante a sociedade e a seus deveres com a família. Para Maricota, há dois tipos de mulheres: as sonsas e as sinceras. A diferença entre elas estaria no fato de que as moças francas, como ela, namoravam abertamente, enquanto as que se faziam de sonsas e dissimuladas namoravam às escondidas. Nos argumentos de Maricota, em seu extenso diálogo com a irmã ao longo da primeira cena, a moça defende um comportamento moderno para a mulher, que incluía o direito de escolher o esposo, ou simplesmente, de namorar em público sem sofrer reprimendas dos pais ou ser condenada pela sociedade.

14 PENA, 1956, vol. I, p. 130.

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Chiquinha desaprova o comportamento da irmã, pois acredita não ser correto a uma moça namorar publicamente a muitos rapazes, correndo o risco de ser desacreditada pela sociedade: "CHIQUINHA: – Não vês que te podes desacreditar?"15 Para ela, "os homens têm mais juízos (...); com as namoradeiras divertem-se eles, mas não se casam".16 No início da peça, Chiquinha prevê o destino punitivo da irmã: "CHIQUINHA: – (...) se por fim encontrares um velho para marido".17 A punição da moça namoradeira é uma regra no final dos enredos farsescos. Maricota não foge à convenção cômica: ela é obrigada a se casar com o velho Antônio. Na galeria de personagens masculinas de O Judas em Sábado de Aleluia, temos homens ardilosos que empregam todo tipo de artifício para realizarem as suas vontades: Ambrósio usa a patente de Capitão da Guarda Nacional para perseguir Faustino, seu rival na conquista de Maricota; Pimenta cobra propina de recrutas da Guarda Nacional e efetua prisões ilegais, para assim, manter o seu salário de cabo de esquadra; Antônio Domingos mente para Pimenta acerca dos efeitos negativos que a circulação de dinheiro falso trazia ao povo. Faustino, por sua vez, é um herói cômico e justiceiro. Assim como Chiquinha, não comete delitos, apesar de no entrecho da peça, chantagear as personagens para atingir aos seus objetivos, como deixar de servir na Guarda Nacional e se casar com a amada. Martins Pena contextualiza essas personagens e suas ações em um Sábado de Aleluia na capital do Império. No último sábado da Semana Santa, que simboliza o fim da quaresma, ocorria na Corte a tradicional festa de malhação de bonecos que representavam Judas Iscariotes, tido na tradição cristã como um grande traidor. O uso do Sábado de Aleluia para contextualizar a comédia não é uma tentativa do autor de pintar e exaltar uma das mais importantes festividades religiosas da cidade, e nem uma medida gratuita ao enredo, e isso veremos o porquê.

15 PENA, 1956, vol. I, p. 131. 16 Ibid., p. 133. 17 Idem.

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2 O Teatro de São Pedro de Alcântara e a Quaresma

A sociedade imperial mantinha um extenso calendário de datas religiosas decretadas oficiais pelo Estado, como o Dia de Reis, o Dia de Finados e a Semana Santa, que incluía a Quarta-Feira Santa – 40 dias após o Carnaval –, a Quinta-Feira Santa, a Sexta- Feira da Paixão, o Sábado de Aleluia e o Domingo de Páscoa, dias que marcam o fim da quaresma. As datas eram comemoradas com procissões nas ruas e festas nos arredores das igrejas, as quais ocorriam sob grandes multidões e em ambiente de feira, com atrações musicais e circenses, fogos de artifícios, leilões de prendas, e diversos tipos de comidas e bebidas. Cada festividade religiosa caracterizava-se por um ritual católico: no Sábado de Aleluia, malhava-se o Judas; no Dia de Finados, os irmãos das almas saíam em procissões para a coleta de esmolas; no início de janeiro, a folia de Reis; na festa do Divino, a coroação de um Imperador simbólico.18 D. Pedro II estava presente nas mais importantes festas religiosas da capital do Império. Estas constituíam-se em um elemento legitimador do regime monárquico de um Imperador escolhido divinamente e apoiado na religião. Nas palavras de Lilia Schwarcz, uma "realeza sacralizada pela Igreja Católica, elevada pela releitura popular".19 Durante os dias santos, amplas discussões eram travadas na imprensa sobre o caráter profano do teatro e a eventual proibição dos espetáculos dramáticos. Os espectadores mais tradicionalistas não aprovavam as representações e o oferecimento de bailes mascarados em datas religiosas de retiro e reflexão do católico, como é o caso do período da quaresma. Essa foi a opinião defendida por um espectador anônimo que enviou uma correspondência ao Diário do Rio de Janeiro:

As Representações Teatrais na Quaresma. Rogamos respeitosamente à autoridade competente, que se digne embaraçar a continuação dos espetáculos teatrais durante o tempo da quaresma, que é inteiramente impróprio para esses divertimentos; proibição que seria apoiada pelos exemplos que nos oferece Roma e Inglaterra (...). Pedimos também licença

18 Sobre a descrição das festas religiosas na Corte, consultamos ABREU, Martha. O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: FAPESP, 1999, p. 47-100; ARÊAS, 1987, p. 33-36; SCHWARCZ, 2010, p. 247-294. 19 SCHWARCZ, 2010, p. 290.

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à dita autoridade para observar, que, se na cidade católica por excelência se fecham os teatros no tempo da quaresma, e mesmo durante as novenas de S. Pedro, na cidade protestante (Londres), e aonde talvez seja desonra o catolicismo, os teatros também se fecham durante a quaresma, e só concertos de música são permitidos, em lugar especial. Fala-se de um baile mascarado em a noite do Sábado Santo, ou Sábado de Aleluia! Deus tenha misericórdia daquele que teve tal lembrança, e de quem tolerou que se pusesse em prática, se por desgraça nossa assim acontecer.20

A carta refere-se ao baile mascarado que a cantora italiana Clara Delmastro pretendia oferecer no Teatro de São Januário, a 18 de março de 1846. A iniciativa da artista chocou alguns habitantes da Corte, que emitiram suas opiniões nos periódicos: "(...) quando e que se viu dar-se um baile mascarado na quaresma? E no Rio de Janeiro?"21 Os contestadores do baile acreditavam que o bispo capelão-mor deveria intervir, e o chefe de polícia impedir tal sacrilégio e desaforo:

Confiamos pois que o Exm. desembargador chefe de polícia, que com tanta dignidade tem desempenhado aquele oneroso emprego, não há de consentir um semelhante abuso. Agora a V. Ex. Revm. Sr. bispo conde capelão-mor, rogamos de interpor o seu valimento com as autoridades competentes, a fim de que não se leve a efeito um abuso de tal natureza; é esta nossa opinião, deixaremos todavia ao público ilustrado de nos convencer do contrário.22

Em outra correspondência publicada pelo mesmo periódico, o autor, anônimo, argumenta a favor da proibição dos bailes mascarados e propõe que as leis regulamentadas pelo Estado salvaguardassem as leis divinas (dogmas, orientações da Igreja e lições da Bíblia):

O Baile Mascarado. 'Perdoe-lhes, Senhor, porque eles não sabem o que fazem'. Estas memoráveis palavras pronunciadas pelo Salvador do mundo no Golgolha na hora extrema da vida, e que hoje tomamos por epígrafe, bem cabem em aplicação aos que concorreram para que houvesse bailes mascarados na quaresma, na quadra consagrada por excelência pela igreja para recordações de seus mistérios, para a oração, jejum e contrição; porque esses infelizes não têm reminiscências de passadas épocas (...). Escrevendo pois estas linhas, nosso intuito é despertar as autoridades da profunda letargia em que jazem mergulhadas, pedir-lhes o desagravo da lei fundamental do Estado, e com ela a conservação ilesa do legado que nossos pais nos

20 Diário do Rio de Janeiro, 06 de março de 1846. 21 Diário do Rio de Janeiro, 17 de março de 1846. 22 Idem.

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transmitiram. Não permitam elas que entre nós se reproduzam as cenas da prostituída Roma no reinado de Diocleciano.23

Contudo, nem todos os habitantes do Rio de Janeiro eram contrários aos bailes mascarados durante a quaresma. Em resposta aos que eram a favor da proibição, "O católico sem hipocrisia" admite, em carta veiculada pelo Diário do Rio de Janeiro, que a cidade teria o direito de oferecer os bailes, assim como ocorria nas grandes capitais europeias modernas:

Tenho lido no Diário do Rio duas ou três correspondências em que se estigmatizam os bailes mascarados, mormente o do meio da quaresma, firmadas nas doutrinas dos nossos apóstolos; na verdade é bem curioso ver se combater os bailes mascarados com aquelas doutrinas, pois na existência dos apóstolos ainda não havia esses bailes, que são puramente modernos, e inventados pelos próprios católicos. (...) parece ser um passatempo inocente e bem lícito, tanto assim que em Roma, de onde deve partir o exemplo para os católicos, se faz um baile mascarado no meio da quaresma, assim como em toda a Itália, e mesmo em Paris, (...) daí se conclui que é lícito e justo para os católicos terem um baile mascarado no meio da quaresma. O católico sem hipocrisia.24

Após muitas cartas com opiniões díspares e súplicas às autoridades policiais e religiosas, este foi o final da polêmica história em torno do baile de Clara Delmastro: o evento ocorreu no São Januário, no dia anunciado, "com aumento da música (...) e a iluminação melhorada",25 iniciado às 20h30 e findado às 4h00 da manhã. Apesar de a opinião pública mostrar-se dividida quanto à censura dos bailes mascarados, um requerimento foi encaminhado ao Conservatório Dramático, solicitando que a instituição intervisse e proibisse os bailes, conforme noticiou o Diário do Rio de Janeiro em abril de 1846:

No Jornal de 26 do mês findo, lemos entrados do maior gaúdio o extrato da ata do conselho do Conservatório Dramático, concernente à proposta do Sr. doutor Miranda, em que requeria, que protestasse aquela tão útil instituição contra a inauguração dos bailes mascarados por dentre nós, que foi aprovada com a discrepância de um só dos seus membros.26

23 Diário do Rio de Janeiro, 16 de março de 1846. 24 Diário do Rio de Janeiro, 18 de março de 1846. 25 Diário do Rio de Janeiro, 17 de março de 1846. 26 Diário do Rio de Janeiro, 02 de abril de 1846.

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Em votação, o Conservatório Dramático sinalizou a favor da proibição, mas, ao que tudo indica, a proposta não se transformou em lei, uma vez que os bailes mascarados continuaram a ser oferecidos. Nos anos seguintes a 1846, principalmente nas temporadas de 1850 e 1851, os bailes viraram moda e foram frequentemente realizados, não apenas nos teatros, mas também em salões, como no Salão da Floresta, situado na Rua da Ajuda, e no Paraíso, antigo Teatro Tivoly, localizado no Campo da Aclamação. Para não agredir e ofender a sua plateia – majoritariamente católica –, e o Estado Imperial – que lhe destinava subvenções –, o São Pedro de Alcântara optava, no período da quaresma, por representar dramas-sacros, a exemplo dos títulos Betúlia Sitiada e Triunfante ou A Corajosa Judith e As Relíquias de São Marcos,27 em espetáculos que contavam com a presença da Família Imperial em sua tribuna exclusiva. Nos dias santos, como o Sábado de Aleluia e o Dia de Finados, o próprio teatro decidia permanecer de portas fechadas. Se na década de 1840, a proibição se dava em circunstâncias de um pacto não formalizado e convencionado entre o teatro, seu público e o Estado, na década de 1850 a proibição de espetáculos teatrais em dias de festividades religiosas foi formalmente instituída. Em janeiro de 1851, quando assumiu a administração do São Pedro de Alcântara, João Caetano assinou um contrato com o governo. A cláusula segunda o impedia de oferecer exibições nas seguintes datas oficiais e religiosas:

2º Não haverá espetáculo algum nos dias 16 de janeiro, 24 de setembro e 11 de dezembro, na quarta-feira de Cinza, em todos os domingos e sextas-feiras da Quaresma, na Semana Santa desde o domingo de Ramos até o Sábado de Aleluia inclusive, e no dia de Finados. Fora destes dias poderá haver sempre espetáculo, menos por algum desgraçado acontecimento imprevisto, ou por ordem expressa do governo.28

Na primeira metade do século XIX, as discussões sobre o caráter profano do teatro incluíam, além dos bailes mascarados, os melodramas e as farsas. Tais gêneros dramáticos eram considerados imorais: o primeiro, por encenar episódios de assassinatos violentos e, o segundo, por desnudar os vícios dos homens em situações grotescas. Várias

27 Dramas-sacros representados, respectivamente, no período da quaresma de 1841 e 1844. 28 Jornal do Commercio, 20 de janeiro de 1851.

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correspondências de espectadores, publicadas pelo periódico Diário do Rio de Janeiro, julgavam imorais o enredo e a linguagem de melodramas e farsas. Exemplificamos com o texto assinado por "O brasileiro":

Os teatros são a fonte da moral, são a escola dos costumes; os teatros contribuem grandemente para a civilização do povo; eles nos distraem da monotonia da vida, suavizam-nos o cansaço do trabalho diário, adoçam-nos os costumes. Tudo isso assim é; mas, para que os teatros produzam todos estes salutares efeitos, é mister que não sejam profanados por impuras e horrorosas representações. Que efeito útil podem produzir nos espectadores essas peças, onde toda a moralidade consiste em cenas continuadas de imoralidades e de horrores? (...) Eu, portanto, aconselho aos diretores dos teatros que fossem mais escrupulosos na escolha das peças, e farsas, que tivessem de levar à cena.29

Como o período da quaresma exigia do católico a abstinência e o decoro, Antonio José de Araújo, censor do Conservatório Dramático, não aconselhou, em março de 1851, a representação de O Judas em Sábado de Aleluia, argumentando que a comédia colocava em cena um moedeiro falso, um "crime tão odioso à sociedade":

Não posso achar conveniente a representação deste drama ao tempo da quaresma, principalmente pela circunstância de aparecer em cena um moedeiro falso, crime tão odioso à sociedade, e que no drama não apresenta o lado moral da punição; e serve tão somente como meio para conseguir-se um trecho da obra, isto, ficando entre nós, têm aparecido inúmeros de notas falsas, parece-me de grande desconveniência; mesmo sem ser em tempo de quaresma não seria (no meu entender) razoável a representação deste drama sem que fosse substituída esta parte do drama por outra de igual efeito, que aliás refuto fácil de substituir. Alargo-me nesta opinião, porquanto acho bem escrito e bem delineado este drama e pesar tenho que tenha esse defeito.30

Além das acusações de imoralidade e profanação, não podemos nos esquecer de uma questão prática que, certamente, reprovava os espetáculos teatrais em dias de festividades religiosas. Se fossem exibidas peças nas mesmas datas em que ocorriam as tradicionais festas apoiadas pelo monarca, estas sofreriam concorrência de público com os teatros, já que os habitantes da Corte teriam outra opção de entretenimento. D. Pedro II não

29 Diário do Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 1839. 30 "Martins Pena e a censura: extratos de pareceres de censura: notas várias", Biblioteca Nacional, Coleção Darcy Damasceno, I - 26, 02, 75.

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desejaria que sua plateia estivesse no teatro, enquanto ele honrava com a sua presença as festas populares nas ruas e igrejas do Rio de Janeiro.

2.1 As Comédias de Martins Pena e as Festas Religiosas

Em seu trabalho sobre as festividades do Divino Espírito Santo, no Rio de Janeiro oitocentista, Martha Abreu apresenta um minucioso panorama dessas festas, que misturavam "em doses variadas uma devoção religiosa, uma corte imperial plebeia e muitas diversões profanas".31 É esse caráter festivo que encontramos na última cena de A Família e A Festa da Roça, que representa as comemorações ao Divino Espírito Santo com música, dança e um leilão de prendas:

UM FOLIÃO (Cantando) A pombinha está voando Pra fazê nossa folia, Vai voando, vai dizendo: Viva, viva esta alegria.

(Dançam e todos aplaudem com palmas, bravos e vivas)

FOLIÃO (Cantando) Esta gente que aqui está Vem pra vê nosso leilão, Viva, viva a patuscada E a nossa devoção!32

A comédia O Judas em Sábado de Aleluia tem como pano de fundo uma festividade religiosa popular no Rio de Janeiro do século XIX: trata-se da celebração ao Sábado de Aleluia, dia que antecede a Páscoa. Provavelmente, a festa era semelhante à do Divino, porém em proporções menores e com as especificidades da data, que encena uma ritualística católica, de origem portuguesa: a malhação ou queimação do Judas. Além de

31 ABREU, 1999, p. 65. 32 PENA, 1956, vol. I, p. 93.

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simbolizar a punição de Judas Iscariotes, conhecido na cultura cristã como o traidor de Jesus Cristo, Ático Vilas-Boas Mota acredita que a malhação do boneco também representaria a perseguição aos judeus na época da Inquisição europeia.33 Ao anunciar na imprensa e em cartazes espalhados pela cidade uma peça escrita por um autor fluminense, cujo título fazia referência a uma festividade religiosa tradicional no Rio de Janeiro, o teatro despertava a curiosidade do público e o atraía ao espetáculo:

Terça-Feira, 17 de setembro de 1844. Benefício do ator Manoel Soares. Finda uma das melhores ouverturas, abrirá a cena para a representação da nova comédia em 5 atos: Os Casados em Segredo. (...) Terminará o espetáculo a nova farsa, escrita pelo autor do Juiz de Paz e A Festa da Roça, intitulada: O Judas em Sábado de Aleluia. O beneficiado tendo feito escolha de um espetáculo todo novo e todo jocoso, persuade-se de ter concorrido da sua parte para que fiquem satisfeitas aquelas pessoas que se dignarem protegê-lo.34

Contudo, apesar de o Sábado de Aleluia aparecer no título da comédia, não pode ser considerado o seu tema central, pois o autor não oferece à plateia a pintura de um quadro de costumes em torno dessa festividade. O fato de caracterizar o tempo de sua comédia durante o Sábado de Aleluia pode ser entendido, além da função cênica de propiciar situações para quiproquós, como uma crítica de Martins Pena ao sistema de leis policiais e religiosas que regularizavam os espetáculos teatrais, proibindo as representações de peças, principalmente farsas, em datas tidas como sagradas. O comediógrafo vai além e problematiza a autoridade arbitrária desempenhada pela Guarda Nacional, que ameaçava os direitos civis dos habitantes do Rio de Janeiro, como a liberdade de ir e vir.

3 A Autoridade Policial e os Direitos Civis

Atualmente, ao lermos O Judas em Sábado de Aleluia podemos pensar que se trata de uma comédia despretensiosa, repleta de cenas engraçadas sobre namoros, trapaças e uma festa religiosa popular no Rio de Janeiro oitocentista. No entanto, o ridículo de

33 Cf. MOTA, Ático Vilas-Boas. Queimação de Judas: catarismo, inquisição e judeus no folclore brasileiro. Rio de Janeiro: MEC: INL, 1981, p. 113. 34 Diário do Rio de Janeiro, 06 de setembro de 1844.

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personagens e as situações risíveis tecem uma sátira social, que problematiza a contradição em torno das leis civis do Império,35 as quais, apesar de existentes, não eram respeitadas, devido, principalmente, ao abuso de poder e à ação corrupta de membros da polícia do Estado, a Guarda Nacional. A peça encena quadros que abordam leis integrantes da Constituição, outorgada em 25 de março de 1824, e itens do Código Criminal do Império, promulgado em 16 de dezembro de 1830. Essas discussões, apresentadas em forma de denúncia social, informam e alertam os espectadores, convidando-os à reflexão. Na última cena, Faustino dirige-se à plateia e a adverte: "FAUSTINO: – Queira Deus que aproveite o exemplo!"36

3.1 O Autoritarismo Policial: a corrupção e o abuso de poder

Instituída em 18 de agosto de 1831, a partir de uma legislação própria,37 a Guarda Nacional, ou milícia cidadã, como também era conhecida, estava presente tanto nas cidades quanto nas pequenas vilas. A instituição organizava-se conforme a hierarquia militar, com cargos de guardas, cabos, capitães, sargentos etc. Os guardas nacionais, que constituíam o mais baixo escalão, faziam rondas, participavam de paradas cívicas e efetuavam prisões. A Guarda Nacional mantinha, principalmente em cidades maiores, a exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro, uma estruturada rede de alistamento, obrigatório para homens de idades entre 21 e 60 anos. O alistamento, efetuado por inscrição domiciliar, destinava-se a compor o serviço ativo – que durava quatro anos – e o quadro de reservas.38 O alistamento na Guarda Nacional aparece em O Judas em Sábado de Aleluia como uma moeda de troca, utilizada pelo Capitão Ambrósio a fim de cobrar propinas dos

35 Na época de Martins Pena, as leis civis existentes baseavam-se nas Ordenações Filipinas portuguesas, de 1603, na Lei da Boa Razão pombalina, de 1769, e em alguns isolados adventos legislativos, acrescidos pelos brasileiros após 1822, como o Artigo 179 da Constituição de 1824. (Cf. FONSECA, Ricardo Marcelo. "A cultura jurídica brasileira e a questão da codificação civil no século XIX". In: Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, vol. 44, n. 0, p. 61-76, 2006). 36 PENA, 1956, vol. I, p. 150. 37 "Lei de 18 de agosto de 1831 - Cria as Guardas Nacionais". In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1831. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1875, p. 49-75. 38 Cf. CASTRO, Jeanne Berrance de. A Milícia Cidadã: a Guarda Nacional de 1831 a 1850. São Paulo: Ed. Nacional; Brasília: INL, 1977, passim.

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guardas que não queriam ser convocados. Para as personagens da peça, a Guarda Nacional não passa de um "'cabide de emprego' e oportunidade de corrupção".39 É essa ideia, partilhada pelo Capitão e Pimenta, que constatamos na versão manuscrita da cena oito:

PIMENTA: – Os que não pagam para a música devem sempre estar prontos. Aqui está o dinheiro da música, que cobrei hoje. (Dá alguns bilhetes do Banco ao Capitão, que os conta, enquanto ele continua a falar) Alguns são muito remissos. CAPITÃO: – Ameace-os com o serviço. PIMENTA: – Já o tenho feito. Digo-lhes que se não pagarem prontamente, o senhor Capitão os chamará de novo para o serviço. (O Capitão dá um bilhete dos que tem na mão a Pimenta, este o guarda) Obrigado, Sr. Capitão. Faltam ainda oito que não pagaram este mês, e dois ou três que não pagam desde o princípio do ano. CAPITÃO: – Avise a esses, que recebeu ordem para os chamar de novo para o serviço impreterivelmente. Há falta de gente. Ou paguem ou trabalhem.40

Além do caráter corrupto, Martins Pena desnuda o lado autoritário e repressor da instituição policial.41 Faustino compara o Capitão Ambrósio a Gengis-Khan e Tamerlan, grandes imperadores e conquistadores mongóis dos séculos XIII e XIV, conhecidos pelos seus governos tirânicos. O Capitão, corrupto e opressor, utiliza sua patente e o poder bélico para ameaçar e coagir os seus oponentes: "CAPITÃO: – Aos insultos respondem-se com as armas na mão! Tenho uma patente de capitão que deu-me o governo, hei de fazer honra a ela!"42 Em O Judas em Sábado de Aleluia, uma polícia corrupta e autoritária ameaça o direito de liberdade dos indivíduos da capital do Império, principalmente daqueles pertencentes à classe menos favorecida, a exemplo de Faustino. Martins Pena questiona até que ponto as leis da época poderiam garantir o direito mais primordial do cidadão: sua liberdade individual. Nessas discussões, não são incluídos o tema abolicionista e nem personagens de ordem social nobre. Então, nos parece ser coerente afirmar que a mensagem sobre os direitos civis, levada ao palco pelo comediógrafo, se destinava aos homens livres

39 ARÊAS, 1987, p. 163. 40 PENA, 1956, vol. I, p. 141 e 159. 41 Em seus folhetins de "A Semana Lírica", que também poderiam ser denominados "A Semana Policial", Martins Pena, em várias crônicas, mostra irritação com as injustiças cometidas pela polícia do Império. (Cf. ARÊAS, op. cit., p. 48-53). 42 PENA, op. cit., p. 149.

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de baixa renda do Rio de Janeiro – trabalhadores do comércio e pequenos funcionários públicos –, cujas condições sociais eram semelhantes às de Faustino.

3.2 O Direito de Liberdade

A trama de O Judas em Sábado de Aleluia discute a liberdade do indivíduo, a partir da abordagem do Artigo 179 da Constituição de 1824, que se refere aos direitos civis dos cidadãos brasileiros, e de itens do Código Criminal de 1830. Sobre o conjunto de leis criminais, são duas as alusões trazidas pela peça: a lei que punia a cobrança de propinas por funcionários públicos e a condenação de moedeiros falsos.43

TÍTULO V - Dos crimes contra a boa ordem, e administração pública SEÇÃO IV - Concussão Art. 135 Julgar-se-á cometido este crime: 1º Pelo empregado público, encarregado da arrecadação, cobrança, ou administração de quaisquer rendas, ou dinheiros públicos, ou da distribuição de algum imposto, que direta, ou indiretamente exigir, ou fizer pagar aos contribuintes, o que souber não deverem. Penas - de suspensão do emprego por seis meses a dois anos. No caso, em que o empregado público se aproprie o que assim tiver exigido, ou o exija para esse fim. Penas - de perda do emprego; prisão por dois meses a quatro anos, e de multa de cinco a vinte por cento do que tiver exigido, ou feito pagar.44

TÍTULO VI - Dos crimes contra o Tesouro Público, e propriedade pública CAPÍTULO II - Moeda Falsa Art. 174 Fabricar, ou falsificar qualquer papel de crédito, que se receba nas estações públicas, como moeda; ou introduzir a moeda falsa, fabricada em país estrangeiro. Penas - de prisão com trabalho por dois a oito anos, e de multa correspondente à metade do tempo, além da perda sobredita.45

43 Casos de circulação de moedas falsas eram divulgados pela imprensa carioca. Os exemplares do Jornal do Commercio de 27 de junho e 07 de julho de 1845 noticiaram um caso policial de circulação de cédulas falsas na província do Maranhão. O crime ganhou grande destaque, a ponto de o tesoureiro da província dirigir-se à Corte para dar maiores explicações ao governo sobre o acontecido. 44 "Lei de 16 de dezembro de 1830 - Código Criminal do Império do Brasil". In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1830. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1876, p. 168. 45 Ibid., p. 176. A lei nº 52 de 03 de outubro de 1833 endureceu a punição contra o crime: "Art. 8º Os fabricadores, e introdutores de moeda falsa, serão punidos pela primeira vez com a pena de galés para a Ilha de Fernando, pelo duplo do tempo de prisão, que no Código Criminal está designada para cada um destes crimes; e nas reincidências serão punidos com galés perpétuas para a mesma Ilha, além do dobro da multa".

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Ao representar no palco crimes puníveis por leis instituídas, Martins Pena questiona a eficiência destas no combate de tais infrações, já que nem o corrupto Capitão Ambrósio e nem os atravessadores de dinheiro falso, Pimenta e Antônio, são presos, apesar de conscientes dos crimes que cometiam e temerosos com as suas penas. Em relação ao Artigo 179 do Título 8º, integrante da Constituição de 1824, a comédia faz alusão aos itens que garantiam o direito de propriedade e de igualdade civil, e que impediam prisões arbitrárias efetuadas por membros da polícia. Na cena 12, Pimenta declara que o lar de uma família é inviolável, configurando um crime a sua invasão: "PIMENTA: – Ocultar-se em casa de homem de bem, de um pai de família, é ação criminosa: não se deve praticar! As leis são bem claras; a casa do cidadão é inviolável!"46 A personagem refere-se ao item sete da referida Constituição, que garantia o direito de propriedade e a inviolabilidade do lar doméstico:

TÍTULO 8º Das Disposições Gerais, e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros. Art. 179 A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. (...) VII Todo o Cidadão tem em sua casa um asilo inviolável. De noite não se poderá entrar nela, senão por seu consentimento, ou para o defender de incêndio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar.47

Ao mencionar a lei, Martins Pena leva ao palco a discussão acerca da fronteira entre o que se refere ao público e ao privado, tema presente em grande parte de suas comédias. As cenas, que se passam no interior de casas de famílias urbanas, apresentam um fluxo contínuo de assuntos que circulam por entre a rua – o espaço público – e o lar – representativo do ambiente privado. Isso justifica a repetição dos cenários de suas peças: geralmente, portas e janelas, por onde se dão a entrada e a saída de personagens para a rua.

("Lei nº 52 de 03 de outubro de 1833". In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1833. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1872, p. 59). 46 PENA, 1956, vol. I, p. 148. 47 Coleção das Leis do Império do Brasil de 1824. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886, p. 31-32.

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A comédia discute também o item oitavo do Artigo 179, que tratava das condições de prisão e impedia que pessoas inocentes fossem aprisionadas de modo arbitrário:

VIII Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Vilas, ou outras Povoações próximas aos lugares da residência do Juiz; e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a Lei marcará, atenta a extensão do território, o Juiz por uma Nota, por ele assinada, fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes do seu acusador, e os das testemunhas, havendo-as.48

O tirano e corrupto Capitão Ambrósio ameaça os seus oponentes com o encarceramento. Ele usa a patente, que, a seu ver, o colocava acima de qualquer lei, para perseguir Faustino e ordenar, arbitrariamente, a sua prisão:

CAPITÃO: – É preciso fazer diligência para se prender esse guarda, que está ficando muito remisso. Tenho ordens muito apertadas do comandante superior. Diga aos guardas encarregados de o prender que o levem para os Provisórios. Há- de lá estar um mês. Isto assim não pode continuar. Não há gente para o serviço com estes maus exemplos. A impunidade desorganiza a Guarda Nacional. Assim que ele sair dos Provisórios, avisem-no logo para o serviço, e se faltar, Provisório no caso, até que se desengane. Eu lhe hei-de mostrar. (À parte) Mariola!... Quer ser meu rival!49

Faustino é caçado injustamente por uma polícia corrupta e autoritária. Seu direito de ir e vir é ameaçado, fazendo-o crer que a liberdade dos cidadãos estava a um fio da ação arbitrária de membros da Guarda Nacional:

FAUSTINO: – Um cidadão é livre... Enquanto não o prendem. (...) E julgas que um homem faz a sua obrigação quando anda atrás de um cidadão brasileiro com uma ordem de prisão metida na patrona, na patrona? Vê, vê como isto é degradante e humilhante! A liberdade, a honra, a vida de um homem, feito à imagem de Deus, metida na patrona! Oh, só um capitão da Guarda Nacional seria capaz de inventar tal infâmia...50

48 Coleção das Leis do Império do Brasil de 1824, 1886, p. 32-33. 49 PENA, 1956, vol. I, p. 141. 50 Ibid., p. 135 e 155.

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Além do entretenimento de seu público por meio do riso farsesco, Martins Pena buscava encenar uma importante questão de denúncia social, que vislumbrava uma contradição nas leis civis do Império, as quais, apesar de existentes, eram desrespeitadas pela instituição policial. O comediógrafo demonstra conhecer as leis brasileiras e, provavelmente, deve ter lido obras de juristas, já que diferentes livros sobre a Constituição do Brasil, o Código Penal e os direitos civis eram comercializados pelas livrarias cariocas.51 Assim, as personagens de O Judas em Sábado de Aleluia não representam apenas comportamentos convencionados pelos tipos cômicos. Elas levam ao palco uma situação-problema e defendem uma ideia, referentes ao cotidiano social na capital do Império. Se pudermos considerar Faustino como o porta-voz de Martins Pena, certamente este se dirigia à audiência de trabalhadores livres, frequentadores da plateia geral do São Pedro de Alcântara, alertando-os que o poder não poderia emanar de uma instituição policial repressora e corrupta que agia a seu bel-prazer. Faustino idealiza uma melhor organização social ao redor de leis civis consolidadas e protegidas pelo Estado, as quais garantiriam a justiça e o bem-estar social no Rio de Janeiro. O Código Civil, inexistente até então e uma pendência do Artigo 179 da Constituição de 1824,52 poderia proporcionar aos cidadãos brasileiros os direitos mais modernos, a exemplo das nações europeias que, na época, eram um espelho para o Império que tentava civilizar-se. Em uma versão manuscrita da peça, a fala final de Faustino surge como um alerta à plateia: "FAUSTINO: – E se nós não estamos bem constituídos, a culpa não é minha".53

51 Entre os títulos comercializados na época, podemos mencionar o Código do Processo Civil, Código Penal Militar, Constituição do Brasil, Código Criminal e Indicador dos Juízes de Paz, obras editadas pelo livreiro Emile Seignot-Plancher. (Cf. MANÇANO, Regiane. Livros à Venda: presença de romances em anúncios de jornais. 319 p. Dissertação (Mestrado em Teoria e História Literária) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2010, p. 46 e 61). 52 "XVIII Organizar-se-á quanto antes um Código Civil, e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça, e Equidade". (Coleção das Leis do Império do Brasil de 1824, 1886, p. 34). O Código Criminal foi regulamentado em dezembro de 1830, mas o Código Civil só foi formulado em 1916. 53 PENA, 1956, vol. I, p. 165.

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CAPÍTULO 3

AS IRMANDADES RELIGIOSAS E A MAÇONARIA EM OS IRMÃOS DAS ALMAS: UMA BUSCA DOS DIREITOS DOS HOMENS

EUFRÁSIA: – Essa é que é a desgraça: não termos medo ao burro, senão depois do coice.1

1 Os Temas, o Enredo e as Personagens

Os Irmãos das Almas estreou a 19 de novembro de 1844, no encerramento do espetáculo beneficente em favor do ator José Candido da Silva. Além da comédia, o programa exibiu o drama O Amor de um Padre ou A Inquisição em Roma, de Louis Antoine Burgain, seguido de um número musical desempenhado pelo rabequista português Fernando de Sá Noronha, e de O Judas em Sábado de Aleluia. A comédia é tecida por três fios dramáticos (o familiar, o amoroso e o religioso) que abordam satiricamente a instituição familiar, a Igreja e a maçonaria. A trama que perpassa todo o enredo, proveniente da tradição cômica, envolve os conflitos domésticos de um casamento e a convivência entre marido, esposa e sogra: Jorge, que desempenha o caractere cômico do marido covarde e medroso, é dominado e humilhado pela esposa, Eufrásia, e pela sogra, Mariana. A peça coloca em cena os conflitos de convivência, em um mesmo lar, entre essas personagens-tipo, que se enfrentam verbalmente e fisicamente, como ocorre na cena 11, construída pelo recurso farsesco da pancadaria:

JORGE (cerrando os dentes de raiva e metendo a cara diante da de Mariana): – Senhora!... Diabo!... MARIANA: – Ah! (Dá-lhe com o pano de sinapismo na cara. Jorge dá um grito de dor, leva as mãos à cara e sai gritando).

1 PENA, "Os Irmãos das Almas", 1956, vol. I, p. 170.

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JORGE: – Estou cego! Água, água!...2

Os Irmãos das Almas apresenta uma grande quantidade de diálogos caracterizados por uma linguagem de xingamentos e adjetivos depreciativos, responsáveis por gerar a comicidade na maioria das cenas da peça. São várias as ocorrências: "os diabos que as carreguem, corujas do diabo!";3 "pedaço de asno!";4 "grandissíssimo sacripante!";5 "lambisgoia";6 "deslambida".7 Expressões populares, de sentido cristalizado, também são amplamente empregadas: "sou um raio que te parta!";8 "que te leve a breca!";9 "caraminholas que te meteram na cabeça";10 "feito de mim seu gato-sapato";11 "ri-se com gosto quem se ri por último".12 Além da pancadaria e da linguagem popular, Martins Pena também recorre ao recurso farsesco da animalização da figura do marido, da esposa e da sogra, para provocar o humor nos diálogos entre as três personagens. Segundo Propp, a escolha dos animais é determinante para a produção do efeito cômico, por isso é preferível comparar os indivíduos a animais aos quais são atribuídas qualidades negativas.13 Jorge compara a esposa e a sogra a víboras, corujas, tartarugas e lampreias, conferindo-lhes as características negativas desses animais, como a feiura repugnante de uma lampreia e a nocividade das víboras. Devido ao seu comportamento de homem medroso e covarde, Jorge é associado, pela mulher e sogra, à besta, ao sendeiro e ao asno:

EUFRÁSIA: – Sabes tu o que é um marido? É um animal exigente, impertinente e insuportável... A mulher que quiser viver bem com o seu, faça o que eu faço: bata o pé, grite mais do que ele, caia em desmaio, ralhe e quebre os trastes.

2 PENA, 1956, vol. I, p. 179. 3 Ibid., p. 177. 4 Ibid., p. 178. 5 Idem. 6 Ibid., p. 179. 7 Ibid., p. 186. 8 Ibid., p. 178. 9 Idem. 10 Ibid., p. 181. 11 Ibid., p. 189. 12 Idem. 13 Cf. PROPP, 1992, p. 66-67.

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Humilhar-se? Coitada da que se humilha! Então são eles leões. O meu homem será sendeiro toda sua vida.14

A segunda trama de Os Irmãos das Almas é construída por meio da sátira das irmandades religiosas e dos hipócritas da religião. Jorge é um irmão das almas corrupto, que faz uso, em benefício próprio, da verba e prendas que arrecada. Eufrásia participa da Festa dos Ossos não por causa das missas, que acredita serem maçadas, mas porque se trata de uma festividade que reunia muita gente e modelos luxuosos de urnas. A terceira trama da comédia, a intriga amorosa, encena os percalços vividos pelos enamorados Luísa, irmã de Jorge, e Tibúrcio, um maçom. A moça, ao descobrir que o namorado era um membro da maçonaria, sente-se desiludida, pois vê como impossível a sua união com um maçom. No final da peça, desfeitos os enganos e as mentiras, os dois jovens são recompensados e recebem o aval de Jorge para se casarem. O enredo, de tempo linear, transcorre integralmente na sala da casa de uma família urbana, que habita a capital do Império. O cenário é simples, contando apenas com uma mesa, cadeiras, um armário grande e duas portas, uma liga a sala aos outros cômodos da casa, e a outra dá acesso à rua, de onde vem os dobres fúnebres da Festa dos Ossos e a turba que persegue Felisberto, na cena 14, gritando "pega ladrão!"15 As cenas de Os Irmãos das Almas são construídas pela estruturação farsesca, embasada nos quiproquós, os quais, por sua vez, são tecidos pelo emprego dos diversos recursos cômicos, tais como o esconderijo, o disfarce e o equívoco. O grande armário da sala, descrito na primeira didascália da peça, possibilita que quatro personagens nele se escondam, ocasionando o principal quiproquó do enredo, desenvolvido entre as cenas 13 e 18. O quiproquó é mantido pelo uso de outro recurso farsesco, o disfarce. Travestido de irmão das almas, Tibúrcio consegue adentrar a casa de Luísa, para assim, poder falar com a moça. Esse é o mesmo disfarce que permitirá a Felisberto adentrar as casas e furtar um relógio.

14 PENA, 1956, vol. I, p. 170-171. 15 Ibid., p. 183.

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São três os momentos do enredo: uma situação inicial; o texto ação; e uma situação final.16 As primeiras cenas, de exposição, apresentam as personagens, suas características e ocupações. As cenas isoladas, que exibem os solilóquios das personagens, garantem o desencadeamento da trama, explicando as ações anteriores e prevendo as futuras. A partir da cena 14, inicia-se um processo de encontro dos três fios da peça, que culmina em seu clímax e na concentração das personagens em cena. O processo se constitui pela repetição de situação, que causa um extenso quiproquó: quatro irmãos das almas, dois falsos – Felisberto e Tibúrcio – e dois verdadeiros – Sousa e Jorge –, estão escondidos no mesmo armário. A presença da polícia em cena, que, a princípio, garantiria a resolução dos enganos, provoca mais um equívoco, pois os permanentes prendem a pessoa errada, Sousa, enquanto o real ladrão do relógio, Felisberto, consegue escapar. A cena 21 prepara o final do enredo, no qual Jorge conta uma mentira, afirmando ser um maçom, para assim, submeter sua esposa e sogra aos seus mandos.17 A galeria de personagens de Os Irmãos das Almas combina caracteres típicos da tradição farsesca a elementos sociais do Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX. Luísa é a típica boa moça da tradição cômica, assim como Chiquinha de O Judas em Sábado de Aleluia. Ambas são virtuosas moças de família que estão à espera de um casamento. Eufrásia e Mariana representam o papel farsesco da esposa e da sogra interesseiras, que submetem o marido/genro às suas ordens. Felisberto é um homem que "não tem ofício nem benefício",18 um ladrão barato que vadia no Largo do Rocio. Jorge representa o caractere cômico do esposo covarde e medroso. Ele reclama do modo como é tratado por Eufrásia e Mariana, e pelo atrevimento e audácia de Felisberto, que vive de intimidades com Eufrásia. Jorge quer mostrar à esposa e à sogra que é o governador da casa, o senhor de seu lar. Mas, sua condição não lhe é nada vantajosa, já que mora de favor na casa da sogra e teme enfrentá-la:

16 Para a análise formal do texto de Os Irmãos das Almas, nos baseamos no modelo proposto por UBERSFELD, 2010, p. 125-155. 17 O anexo "Sequenciamento de Cenas de Os Irmãos das Almas" traz uma tabela com os dados referentes à construção formal de cada cena da comédia, marcando as entradas e saídas das personagens e o uso dos recursos cômicos. 18 PENA, 1956, vol. I, p. 173.

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LUÍSA: – E por que o sofre, mano? Não é você o homem desta casa? Até quando há de ter medo de sua mulher? JORGE: – Medo? Pois eu tenho medo dela? (Com riso forçado) É o que me faltava! O que eu tenho é prudência; não quero desbaratar... LUÍSA (à parte): – Coitado! (...) (Seguindo-o) Meu irmão, por que não fazes um esforço para saíres deste vexame em que vives? Cobre energia! Mostre que é homem! Isto é uma vergonha! Não se acredita! Que fraqueza! JORGE (parando): – É fraqueza? LUÍSA: – É, sim. JORGE: – Pois quero mostrar-te para que sirvo. Quero mostrar-te que sou homem e que nesta casa governo eu. LUÍSA: – Felizmente. JORGE: – Vou ensiná-las, botar este biltre pela porta a fora! Basta de humilhação! Vai tudo com os diabos! (Caminha intrepidamente e a passos largos para a porta da direita, mas aí chegando, para). LUÍSA: – Então, paras? JORGE (voltando): – Melhor é ter prudência. Tenho medo de fazer uma morte. LUÍSA: – Meu Deus, que fraqueza!19

Nas duas últimas cenas da peça, Jorge engana a esposa e a sogra, contando-lhes uma mentira, ao afirmar que era um maçom. A personagem faz uso do imaginário fantasioso e tenebroso que encobria a maçonaria na época, para causar temor em Eufrásia e Mariana. Desse modo, o covarde Jorge consegue submetê-las à sua autoridade:

JORGE: – Até agora não tenho sido homem, mas era preciso sê-lo. E o que havia eu de fazer para ser homem? (Com exaltação) Entrar nessa sociedade portentosa, universal e sesquipedal, onde se aprendem os verdadeiros direitos do homem. (Faz momices e sinais extravagantes com as mãos). EUFRÁSIA: – O que quer isto dizer? MARIANA: – Ai, o que está ele a fazer? JORGE: – Estes são os sinais da ordem. (Faz os sinais). MARIANA: – Está doido! (...) Misericórdia! EUFRÁSIA: – Jesus!20

A partir da mentira, um recurso de construção da comicidade, e da menção ao imaginário popular fantasioso acerca da maçonaria, Jorge assume o governo de seu lar e submete à sua autoridade a esposa e a sogra. No final da comédia, vemos, então, a inversão do poder, que, agora, é passado para as mãos de Jorge, o homem da casa. No entanto, não se trata de um final educativo que buscava reforçar a autoridade paterna no seio familiar. Martins Pena satiriza o paternalismo, ao colocar em cena um homem medroso e covarde,

19 PENA, 1956, vol. I, p. 173-174. 20 Ibid., p. 188-189.

107 submetido às ordens da esposa e da sogra. Na última fala de Jorge, quando este afirma "Bravo! Sou senhor em minha casa! E eu que pensava que era mais difícil governar mulheres!",21 sua posição não é, de fato, de uma autoridade respeitada e obedecida, mas falsa e frágil. A única forma encontrada por Jorge para ser o senhor em sua casa foi recorrendo ao uso de enganos para amedrontar a esposa e a sogra. Ele usa a tática de plantar o terror e, a partir do medo instalado, governar as mulheres da casa. Jorge não é respeitado por ser uma figura masculina e paternal, o provedor dos recursos financeiros da família. Na cena final da peça, ele não conquista o respeito de Eufrásia e Mariana; pelo contrário, consegue apenas amedrontá-las e, assim, por meio do medo e da ameaça, as submete ao seu poder. Sua autoridade é construída por Martins Pena de forma cômica: ela nasce da sátira da figura paternalista, representada por Jorge, que, ao invés de exibir as características nobres de um homem de família, é covarde, medroso e um irmão das almas desonesto. A autoridade de Jorge depende da manutenção da farsa que ele criou. Para ser visto como homem de poder e temido pelas mulheres de seu lar, ele precisa mentir. Apesar de assumir o governo da casa, ele continua a ser o marido covarde da tradição cômica.

2 O Dia de Finados: religiosidade e festividade

Assim como fizera em O Judas em Sábado de Aleluia, Martins Pena utiliza como pano de fundo de Os Irmãos das Almas uma festa religiosa popular no Rio de Janeiro oitocentista. Sobre a recorrência das festividades religiosas nas peças do autor, Vilma Arêas afirma que elas "foram utilizadas como tempo das comédias pela facilidade de um arremate coerente com música apropriada".22 Contudo, ao analisarmos o contexto do espetáculo de estreia de Os Irmãos das Almas, acrescentamos o caráter circunstancial apresentado pela comédia, tendo em vista a aproximação realizada por Martins Pena entre a temporalidade da ação da peça, cujo enredo se passa no dia 02 de novembro – data anual em que ocorria a Festa dos Ossos em celebração ao Dia de Finados –, e a temporalidade da estreia da mesma,

21 PENA, 1956, vol. I, p. 190. 22 ARÊAS, 1987, p. 168 (grifo da autora).

108 representada no palco do São Pedro de Alcântara no mês de novembro. Essa relação de aproximação entre o tempo da ação do enredo e a data de criação da peça no teatro, estabelecida pelo comediógrafo, é significativa, pois tornava o espetáculo mais próximo do cotidiano do espectador fluminense que frequentava o São Pedro de Alcântara. Desse modo, ao lado das influências formais e temáticas da comédia europeia, a referência aos divertimentos populares da capital do Império brasileiro contribuiu para o senso cômico e o sucesso das peças de Martins Pena, uma vez que se tratavam de festividades familiares à plateia do autor.

O senso cômico de Martins Pena, a par de suas influências europeias, deve certamente muito a esses divertimentos populares, que, além de terem provavelmente marcado sua formação, eram familiares a seu público. Suas comédias trazem-lhe nitidamente o cunho. Não só se referem a muitas dessas festas, como ainda as integra na própria estrutura.23

Em Os Irmãos das Almas, Martins Pena não confere uma dimensão descritiva à Festa dos Ossos. Sua principal intenção não é documentar as missas que ocorriam, anualmente, nas igrejas do Rio de Janeiro durante o Dia de Finados. A festa tampouco cumpre apenas um papel de interligação da peça à tradição cômica europeia. Ao colocar em cena uma celebração religiosa popular, a comédia de Martins Pena satiriza costumes e situações envolvendo os hipócritas da religião e suas falsas aparências. Até mesmo os membros de irmandades religiosas não escapam da pena crítica do autor. Na época de Martins Pena, cada irmandade religiosa do Rio de Janeiro era responsável por organizar as festas em celebração ao seu santo padroeiro, momento em que as esmolas eram pedidas aos moradores da cidade, para financiar as festas e atender aos necessitados. As esmolas poderiam ser em moeda – denominada por Mariana, em Os Irmãos das Almas, o "vintenzinho"24 – ou em produtos alimentícios.25 Jorge, um desmoralizado irmão das almas, toma posse de parte das esmolas que recolhia em favor dos santos. A personagem defende a sua atitude, moralmente condenável, pois esta garantia a sobrevivência de sua família:

23 MEYER, 1991, p. 97. 24 "MARIANA: – (...) vem o moleque ou a rapariga trazer o vintenzinho..." (PENA, 1956, vol. I, p. 176). 25 Cf. ABREU, 1999, p. 36 e 51.

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JORGE: – A colheita hoje é boa. É preciso esvaziar a salva. (Faz o que diz) Guarda metade deste dinheiro antes que minha mulher o veja, que tudo é pouco para ela; e faze-me destes ovos uma fritada e dá estas bananas ao macaco. LUÍSA: – Tenho tanta repugnância de servir-me deste dinheiro... JORGE: – Por quê? LUÍSA: – Dinheiro de esmolas que pedes para as almas... JORGE: – E então o que tem isso? É verdade que peço para as almas, mas nós também não temos alma? Negar que a temos é ir contra a religião, e além disso, já lá deixei dois cruzados para se dizer missas para as outras almas. É bem que todas se salvem. LUÍSA: – Duvido que assim a tua se salve.26

Apesar de satirizar as irmandades religiosas e expor a corrupção praticada pelos irmãos das almas, a comédia de Martins Pena foi representada no Teatro de São Januário, a 11 de dezembro de 1845, em um espetáculo teatral beneficente em favor da Irmandade do Divino Espírito Santo, da freguesia de Santa Rita.27 Isso nos faz pensar que o responsável por organizar o repertório do programa não foi muito cuidadoso e nem era consciente da mensagem de Martins Pena nesta comédia. Por se tratar de um espetáculo beneficente à uma irmandade religiosa, selecionou uma peça cujo título fazia referência a esse tipo de instituição, para assim, atrair o público e obter uma boa renda com a venda dos bilhetes. A comédia de Martins Pena satiriza também os indivíduos que frequentavam as celebrações religiosas mais por exercício de sociabilidade e divertimento que por sentimento e devoção religiosa, a exemplo de Eufrásia:

EUFRÁSIA: – Dizem que este ano há muitas caixinhas e urnas em S. Francisco e no Carmo, e além disso, o dia está bonito e haverá muita gente. LUÍSA: – Sei o que perco. Bem quisera ouvir uma missa por alma de minha mãe e de meu pai, mas não posso. EUFRÁSIA: – Missas não hei de eu ouvir hoje; missas em dia de Finados é maçada. Logo três! O que eu gosto é de ver as caixinhas dos ossos. Há agora muito luxo.28

Daniel Parish Kidder (1815-1892) e James Cooley Fletcher (1823-1901), dois missionários norte-americanos que visitaram o Rio de Janeiro no século XIX, anotaram em seus diários que, durante as celebrações e procissões religiosas, "poucas pessoas parecem

26 PENA, 1956, vol. I, p. 171. 27 Informação obtida em anúncio publicado pelo Diário do Rio de Janeiro, a 11 de dezembro de 1845. 28 PENA, op. cit., p. 169.

110 olhar a procissão com sentimentos elevados. (...) Parece haver pouca solenidade ligada a essas cenas".29 A presença de uma festa religiosa popular no enredo de Os Irmãos das Almas, provavelmente, chamou a atenção da plateia de Martins Pena, assim como ocorrera com as representações de O Judas em Sábado de Aleluia. Nas duas peças, o autor atrai o olhar de seus espectadores para um elemento que lhes é comum e vivenciado no cotidiano da Corte: as festas religiosas. No entanto, estas não se constituem no tema central das comédias. Elas se configuram em um artifício utilizado pelo comediógrafo para fazer a sua plateia ver representados no palco, por meio de um viés cômico, assuntos relacionados ao modus vivendi e ao regime político do Brasil Imperial, baseados na união entre o Estado Monarquista e a Igreja Católica. O gênero da comédia popular em um ato, de inspiração francesa e portuguesa, que apresenta, geralmente, uma festividade, permitiu a Martins Pena harmonizar o assunto abordado com a forma dramática adotada. Desse modo, O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas recriam o modelo formal da comédia farsesca em um ato, a partir da representação de elementos sociopolíticos da capital do Império. De forma cômica, Martins Pena encena no palco do São Pedro de Alcântara situações que problematizam as leis civis e criminais no cotidiano do Rio de Janeiro.

3 As Irmandades Religiosas, a Maçonaria e os Direitos dos Homens

Vilma Arêas acredita que a motivação primeira do enredo de Os Irmãos das Almas seja a penúria econômica das personagens.30 Da situação financeira desfavorável em que se encontram, sem oportunidades de trabalho e de uma renda mensal que lhes garanta o sustento, elas têm os seus direitos civis mais elementares à vida desrespeitados e não

29 FLETCHER, James Cooley & KIDDER, Daniel Parish. O Brasil e Os Brasileiros. São Paulo; Rio de Janeiro; Porto Alegre: Nacional, 1941, p. 167 apud SCHWARCZ, Lilia Moritz. "Viajantes em meio ao Império das festas". In: JANCSÓ, István & KANTOR, Iris (Orgs.). Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. Vol. II. São Paulo: Hucitec: Edusp: FAPESP: Imprensa Oficial, 2001, p. 612. 30 Cf. ARÊAS, 1987, p. 191.

111 garantidos pelo Estado Imperial. Assim, são motivadas a procurar soluções, moralmente ou legalmente condenáveis, para contornar as situações adversas em que vivem. Felisberto, um jovem desempregado, invade uma casa e furta um relógio. Ele comete atos puníveis pelo Código Criminal de 1830: os Artigos 209 a 214 da "Seção VI - Entrada na casa alheia"31 estipulam os casos que figuram como invasão de domicílio; e os Artigos 257 a 268 do "Título III - Dos crimes contra a propriedade"32 descrevem as ações ilícitas classificadas como furto. Jorge e Tibúrcio encontram nas ordens das quais são membros uma forma de sobrevivência. Martins Pena aborda, satiricamente, dois exemplos de instituições estruturadas na coletividade e na fraternidade entre os seus integrantes: as irmandades religiosas e a maçonaria. Os Irmãos das Almas mostra a corrupção instalada no seio das irmandades religiosas, que abusavam das crenças dos habitantes da cidade, ao passo que a maçonaria é envolta por um imaginário popular fantasioso. As irmandades religiosas do Rio de Janeiro oitocentista foram descritas pelos viajantes Kidder e Fletcher. Estes destacam as diferentes funções sociais que as ordens religiosas desempenhavam:

Compõem-se geralmente de leigos, e denominam-se "Ordens Terceiras", como por exemplo a Ordem Terceira do Carmo, da Boa Morte, do Bom Jesus do Calvário etc. (...) Usam uma espécie de vestimenta semelhante à do clero, aos domingos e dias santos, com distintivos, pelos quais se conhece cada Irmandade. Uma joia razoável e uma subscrição anual são exigidas de todos os membros, cada qual ficando com o direito de ser auxiliado pelo fundo geral em caso de doença e pobreza, assim como para os funerais em caso de morte. Os irmãos contribuem para a construção e conservação das Igrejas, providenciam para o socorro dos enfermos, enterram os mortos e mandam dizer missa para as almas. Em resumo, logo depois do Estado, são os mais eficientes auxiliares que sustentam os estabelecimentos religiosos do país.33

Em uma extensa fala, presente em uma das versões manuscritas da comédia, Jorge explica à Luísa os verdadeiros motivos que o levaram a se tornar um irmão das

31 In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1830, 1876, p. 182-183. 32 Ibid., p. 189-191. 33 FLETCHER & KIDDER, 1941, p. 114 apud SCHWARCZ, 2010, p. 262.

112 almas: o trabalho como coletor de esmolas foi a forma que encontrara para sustentar a sua família, em uma cidade que não lhe oferecia oportunidades dignas de emprego:

JORGE: – Que queres então tu que eu faça, Luísa? Há coisa de quatro para cinco anos, que eu era empregado público; demitiram-me porque diziam que eu roubava. Qual roubava! A nação é que me roubava, porque pagava-me menos do que eu merecia. Durante três anos fiz requerimentos sobre requerimentos; assim que aparecia uma vaga, eu rente a pedir o lugar. (...) e vê em que aflições não me veria eu, tendo de sustentar uma irmã e não ganhando real!34

Além das irmandades religiosas, Os Irmãos das Almas aborda também a presença da maçonaria na capital do Império. Na época de Martins Pena, acreditava-se que os maçons, ou os pedreiros-livres, eram "todos aqueles que criticavam o estado absoluto, ridicularizavam os preceitos da religião católica, liam livros considerados proibidos, etc."35 Os que eram contrários à maçonaria conferiam-lhe sentidos de imoralidade, libertinagem e irreligiosidade. Esses aspectos nortearam a opinião defendida por um cronista anônimo, autor de uma série de quatro artigos, denominada "Desmascarando a maçonaria, ela é contrária à religião católica", publicada pelo periódico Diário do Rio de Janeiro, entre setembro e dezembro de 1839.36 O crítico, contrário à disseminação da maçonaria no Brasil, tenta demonstrar "1º que ela [maçonaria] é contrária à religião católica; 2º que ela é política e revolucionária".37 Partindo desses dois argumentos, exemplificados a partir de trechos retirados da obra Biblioteca Maçônica38 – considerada uma fonte de "atrozes

34 PENA, 1956, vol. I, p. 194. 35 BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada e Independência (Brasil, 1790-1822). 374 p. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2002, p. 40-41. 36 Os artigos foram publicados nos seguintes exemplares do periódico: 23 de setembro, 05 de outubro, 04 de novembro e 03 de dezembro de 1839. 37 Diário do Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1839. 38 A Biblioteca Maçônica começou a ser vendida no Rio de Janeiro, em abril de 1838, pela tipografia de R. Ogier. Localizamos o anúncio, publicado pelo Diário do Rio de Janeiro, que divulgava a primeira edição: "Saiu à luz, e acha-se à venda na Tip. e Livraria de R. Ogier e C.ª, Ruas do Rosário n. 84, e do Hospício n. 51: BIBLIOTECA MAÇÔNICA, ou Regulador instrutivo e muito completo do Franc-Maçon. 6 vols. com 24 estampas alegóricas, obra reimpressa sobre a edição de Paris, em 4 vols., e aumentada de 2, e doze estampas, tratando do rito escocês. (Estes 2 últimos volumes estão no prelo). Preço: 6 vols. em brochura. 6U000 " encadernados em papelão. 6U500 " " ricamente. 7U500 Entre as diversas obras maçônicas, que os Editores desta escrupulosamente examinaram, como o Curso completo da Maçonaria pelo Dr. Vassal, antigo secretário Geral do Grande Oriente de França; Franc-

113 blasfêmias"39 –, ele defende a religião católica, a "única, verdadeira, e por felicidade, a religião dos brasileiros".40 O objetivo principal da série de artigos – conforme nos declara o próprio autor – é desestimular os maçons brasileiros, levando-os a abandonar a sociedade maçônica, que seria uma "hipócrita seita"41 de "perniciosos princípios".42 Uma nova série de quatro artigos, denominada "O que é a maçonaria", foi veiculada pelo mesmo periódico, entre os meses de agosto e setembro de 1843.43 O cronista, também anônimo, afirma que, de modo imparcial, esclareceria os fundamentos da maçonaria, instituição que estava em debate naquele momento, dividindo a opinião dos habitantes do Rio de Janeiro. Os textos tratam dos princípios da maçonaria, os quais são considerados criminosos, apesar de "abraçados e seguidos por gente excelentíssima".44 Embora tenha declarado no primeiro artigo que discutiria o tema de forma imparcial, o cronista defende as doutrinas da Igreja Católica, alertando os leitores que esta era a única religião do Estado, reconhecida por lei.

A maçonaria, a sinagoga do erro e da mentira, nunca prevalecerá nem triunfará da Igreja de Jesus Cristo, que se dignou declarar-nos ser a própria verdade. (...) Os maçons querem, segundo dizem, fazer dos homens uma sociedade de irmãos; porém atacam a religião de Jesus Cristo, que estabeleceu como segundo preceito da lei, em tudo igual ao primeiro, o amor do próximo em grau heroico! (...) Os maçons querem universalizar a filantropia; porém matam a caridade, porque dão pouco, dão só aos seus.45

O crítico afirma ainda que muitos livros sobre a maçonaria eram vendidos pelas livrarias do Rio de Janeiro. Como pudemos constatar nos anúncios veiculados pelo Diário do Rio de Janeiro, além da Biblioteca Maçônica, outros títulos eram comercializados. A Tipografia Francesa, situada na Rua de S. José n. 64, e a casa do Sr. Gariot, localizada na

Maçonaria restituída à sua primitiva origem por Lenoir, e outras; nenhuma puderam encontrar que, em volume tão resumido, oferecesse mais erudição histórica, mais exatidão, e em geral, maiores vantagens em sua leitura, que a Biblioteca Maçônica, impressa em Paris em quatro vols." (Diário do Rio de Janeiro, 18 de abril de 1838). 39 Diário do Rio de Janeiro, 05 de outubro de 1839. 40 Diário do Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1839. 41 Idem. 42 Diário do Rio de Janeiro, 04 de novembro de 1839. 43 Os artigos foram publicados nos seguintes exemplares do Diário do Rio de Janeiro: 26 de agosto, 02, 16 e 23 de setembro de 1843. 44 Diário do Rio de Janeiro, 16 de setembro de 1843. 45 Idem.

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Rua do Ouvidor n. 118, vendiam a Moral dos pedreiros-livres, ou pensamentos e máximas dos maçons, por 800 réis, e a Nova guia maçônica, por um mil réis.46 Nas lojas de R. Ogier, situadas nas Ruas do Rosário n. 84 e do Hospício n. 51, os leitores encontravam os seguintes volumes: Coleção dos sete catecismos do rito moderno (400 réis); Catecismos de aprendiz, companheiro e mestres do rito escocês (640 réis); Manual maçônico, ou cobridor de todos os ritos (3 mil réis); Ritual fúnebre, adotado para os enterros e exéquias dos maçons brasileiros (400 réis); Coleção de discursos maçônicos, segunda edição aumentada (640 réis).47 Os debates em torno dos princípios da maçonaria também estavam presentes nos palcos do Rio de Janeiro. De acordo com os anúncios teatrais do final da década de 1830, a maçonaria e os maçons eram, respectivamente, tema e personagens conhecidos pela plateia fluminense. Em 15 de outubro de 1838, João Caetano ofereceu um espetáculo em seu benefício, no São Pedro de Alcântara, cujo programa exibiu, pela primeira vez, Os Dois Francos-Maçons, tradução do fato histórico48 Les Deux Francs-Maçons ou Les Coups du Hasard, de Pelletier-Volméranges, peça estreada em Paris no Théâtre de S. M. L'Impératrice et Reine, em 25 de maio de 1808. O programa foi encerrado pela segunda exibição de O Juiz de Paz da Roça. O anúncio do espetáculo soube atrair o público para assistir à exibição da peça francesa, ao garantir que seu enredo era caracterizado pelo "segredo a toda prova".49 O anúncio também apresentou uma apreciação positiva do tema principal da peça, a maçonaria, afirmando que as "interessantes cenas, (...) transluzem o amor paternal, a caridade bem distribuída, e amizade fraternal".50 Os Dois Francos-Maçons foi reapresentado por João Caetano no Teatro Niteroiense, a 09 de dezembro de 1838, em espetáculo de gala em comemoração ao aniversário de D. Pedro II.51 As ações do enredo de Les Deux Francs-Maçons se circunscrevem no seio de uma família, constituída pelo senhor Oudin, um franco-maçom, pai responsável e amável;

46 Títulos e preços presentes em anúncio publicado pelo Diário do Rio de Janeiro, a 05 de fevereiro de 1839. 47 Títulos e preços anunciados pelo Diário do Rio de Janeiro, em 23 de fevereiro de 1841. 48 A obra foi classificada pelo seu autor como fato histórico. No entanto, ao analisarmos o enredo da peça, concluímos que esta apresenta a estrutura e os recursos do melodrama clássico, gênero muito representado nos palcos parisienses no início do século XIX. 49 Jornal do Commercio, 13 de outubro de 1838. 50 Idem. 51 Informação obtida em anúncio veiculado pelo Jornal do Commercio, a 04 de dezembro de 1838.

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Catherine Oudin, sua esposa, uma mulher de gênio forte, porém íntegra; e Elisabeth, a filha do casal, uma moça corajosa, romântica e amante dos romances franceses. Além do pai nobre, da mãe vigilante e da moça virtuosa, a peça apresenta mais dois tipos: o vilão e o jovem herói. Melchior, o vilão cômico da peça, é um velho de 66 anos, avarento e usurário; ele deseja desposar a jovem Elisabeth e se tornar um franco-maçom, para assim, usufruir desonestamente do dinheiro da instituição e se beneficiar financeiramente. O senhor Foncrennes é o típico herói, um homem virtuoso, honesto e culto. Vejamos um breve resumo da história narrada pela peça francesa, cujo enredo é estruturado pelas tramas familiar e amorosa. O senhor Oudin parte para a América em busca de novas oportunidades de trabalho. Sua família, que permanece em Paris, não fica desamparada: ele incumbe a Melchior, seu amigo, o papel de guardião de sua família e lhe dá uma boa quantia em dinheiro, que garantiria a sobrevivência da senhora Oudin e de Elisabeth, ainda bebê. O ambicioso Melchior toma posse do dinheiro e não o entrega à senhora Oudin, que passa por grandes dificuldades para sustentar a filha. Somente 20 anos depois de sua partida para a América, o senhor Oudin retorna à França. Ele acerta as contas com o velhaco Melchior e assume o posto de patriarca de sua família. Elisabeth fica desobrigada de se casar com Melchior, a quem fora prometida pela mãe como forma de saldar a dívida contraída com o usurário. A moça se casa, então, com o jovem Foncrennes, a quem muito amava. A peça francesa aborda o tema da maçonaria e encena as leis morais e os valores fraternos que regem a instituição e orientam os seus membros, os francos-maçons, que se apoiam entre si financeiramente e moralmente. O senhor Oudin é um membro da ordem maçônica francesa. Isso se torna o motivo de desavenças em seu casamento, pois a senhora Oudin acredita que os maçons são homens desonestos. Por desconhecer os reais objetivos e as leis da maçonaria, ela nutre grande repulsa em relação aos maçons, que lhe causam horror e medo. Seu marido tenta lhe provar que a instituição a que pertence é constituída por homens virtuosos, bondosos e de elevados valores:

MADAME OUDIN (avec force): – Oh! Mon Dieu, oui. Je n'ai jamais pu vaincre l'horreur que ces gens là m'inspirent. On dit...

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OUDIN (avec la plus grande chaleur): – Pourquoi mépriser ce que tu ne connais pas? (...) Si tu savais combien je dois bénir l'heureux jour où je fus admis dans cet ordre respectable! (...) J'ai trouvé dans cette noble réunion, des consolateurs, des protections, des bienfaiteurs (...); partout j'ai trouvé des amis, des frères, qui m'offraient leurs secours, qui auraient répandu leur sang pour me défendre et m'arracher à la mort. Dans tous, j'ai trouvé la vertu, la bienfaisance, l'humanité, et c'est dans mon cœur, comme dans ceux de tous les vrais maçons que sont écrits en traits ineffaçables ces principes sacrés.52

O segundo maçom, indicado no título da peça, é o norte-americano Foncrennes, um homem virtuoso que, em suas falas, exalta a fraternidade no seio da instituição maçônica:

FONCRENNES: – Il n'est pour moi qu'un seul refuge, et j'y trouverai des hommes! J'irai déposer mes peines dans le sein de mes frères; ils me plaindront, et ne me repousseront pas; ils chérissent les infortunés. C'est dans l'asyle de l'indulgence que je trouverai des consolations, des cœurs sensibles et des amis vertueux.53

Assim como a peça francesa, Os Irmãos das Almas também enfoca o imaginário fantasioso e negativo que paira sobre a maçonaria; no entanto, a sua abordagem é satírica, contrapondo-se ao tom sério conferido ao tema por Pelletier-Volméranges em Les Deux Francs-Maçons. Luísa, Eufrásia e Mariana acreditam que o maçom era um homem excomungado, que matava e bebia sangue de crianças, que entregara a alma ao diabo e com ele falava à meia-noite:

LUÍSA: – Considera a coisa mais horrorosa que pode ser um homem. EUFRÁSIA: – Ladrão? LUÍSA: – Pior. EUFRÁSIA: – Assassino? LUÍSA: – Ainda pior. EUFRÁSIA: – Ainda pior que assassino? Rebelde? LUÍSA: – Muito pior! EUFRÁSIA: – Muito pior que rebelde? Não sei o que seja. LUÍSA: – Não sabes? (Com mistério) Pedreiro-livre! EUFRÁSIA: – Pedreiro-livre? Santo breve da marca! Homem que fala com o diabo à meia-noite! (Benze-se).

52 PELLETIER-VOLMÉRANGES, Benoît. Les Deux Francs-Maçons ou Les Coups du Hasard. Paris: Hénée, 1808, p. 43-44. 53 Ibid., p. 24.

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LUÍSA: – Se fosse só falar com o diabo! Tua mãe diz que todos os que para eles se chegam ficam excomungados, e que antes quisera ver a peste em casa do que um pedreiro-livre. (Benze-se; o mesmo faz Eufrásia).54

Tibúrcio desmistifica esse imaginário fantasioso, ao esclarecer que um maçom era um homem comum, que "nunca comeu crianças nem falou com o diabo à meia-noite"55 e que a "maçonaria é uma instituição".56 Jorge, quando exprime o desejo de fazer parte da instituição, enaltece a sua grandiosidade e o respeito que esta nutre pelos direitos civis: "JORGE: – Entrar nessa sociedade portentosa, universal e sesquipedal, onde se aprendem os verdadeiros direitos dos homens".57 Assim, em Os Irmãos das Almas, Martins Pena recria no palco o tema da maçonaria, um assunto contemporâneo, debatido nas páginas dos jornais, presente no repertório dramático estrangeiro exibido pelo São Pedro de Alcântara e conhecido pela sua audiência. O autor se apropria do imaginário alegórico em torno da maçonaria e lhe confere nova significação, ao trazê-la para o contexto do Rio de Janeiro. Por meio de uma abordagem cômica da instituição maçônica, sua peça transmite uma mensagem social ao público: como o Estado Imperial não garantia os direitos civis mais elementares aos cidadãos brasileiros, a filiação a uma irmandade, estabelecida nos preceitos da coletividade, era a forma de sobrevivência encontrada pelas personagens. A comédia mostra que, ao contrário das irmandades religiosas, cujos irmãos das almas eram corruptos e pensavam no benefício próprio, a maçonaria, por sua vez, congregava homens de bem, que se ajudavam reciprocamente, garantindo o bem-estar de seus membros.

***

A obra Os Irmãos das Almas corrobora a nossa ideia de que as produções cômicas de Martins Pena estabeleceram relação direta com o Teatro de São Pedro de Alcântara, onde estrearam e receberam frequentes reprises. Para a composição de grande

54 PENA, 1956, vol. I, p. 170. 55 Ibid., p. 181. 56 Idem. 57 Ibid., p. 188-189.

118 parte de suas peças – muito provavelmente encomendadas pelos atores para serem representadas em espetáculos beneficentes –, além da abordagem de elementos sociopolíticos da capital do Império, o comediógrafo dialogava, satiricamente, com temas e personagens do repertório europeu exibido pelo teatro. Como veremos nas próximas páginas, esse procedimento também foi adotado por Martins Pena na criação de O Noviço, sua peça mais exibida entre as décadas de 1840 e 1850.

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CAPÍTULO 4

O IMPACTO DO MELODRAMA EM O NOVIÇO: PARÓDIA E SÁTIRA

CARLOS: – O respeito e a modéstia prendem muitas línguas, mas lá vem um dia que a voz da razão se faz ouvir, e tanto mais forte quanto mais comprimida.1

1 Os Temas, o Enredo e as Personagens

O Noviço estreou a 10 de agosto de 1845, como peça principal do programa finalizado por O Complacente ou o Vestuário de Palhaço, vaudeville desempenhado pelos atores Manoel Soares, Luis Antônio Monteiro, José Candido, Caqueirada, Gertrudes Angélica da Cunha, Maria Amália e Clotilde. Muito provavelmente, esses artistas devem ter atuado também na encenação de O Noviço, já que constituíam o grupo de atores cômicos do São Pedro de Alcântara e desempenhavam papéis em mais de uma peça do programa de um espetáculo. Em sua primeira comédia em três atos, Martins Pena trilha pelo caminho já adotado para a composição de O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas: os conflitos se instalam no lar de uma família habitante da Corte; a religião católica se configura como um dos temas, intitula a peça e marca o tempo em que as ações ocorrem – neste caso, entre o Domingo de Ramos e a Semana Santa; há o diálogo com o gênero melodrama, que constituía o repertório exibido pelo São Pedro de Alcântara; o enredo apresenta um conteúdo sociopolítico que, por meio da sátira do Estado e da religião, critica o não cumprimento das leis civis. O Noviço apresenta três temas: o religioso, que encena os códigos mantidos pela doutrinação católica; a bigamia, considerada uma infração pelo Código Criminal do

1 PENA, "O Noviço", 1956, vol. I, p. 299.

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Império; e o tema principal, que leva ao palco diversas situações que discutem os direitos civis dos homens livres. Assim como em O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas, a comédia faz alusão às leis instituídas pelo Artigo 179 da Constituição de 1824, que prescrevia os direitos civis, e pelo Código Criminal de 1830, que tratava dos crimes, seus agravantes e penas. Os temas de O Noviço são tecidos por três fios dramáticos. O primeiro refere-se ao relacionamento conjugal entre o casal Florência e Ambrósio, e à bigamia deste. O segundo, o fio amoroso, caracteriza-se pelo namoro entre os primos Carlos e Emília, que se unem no final da trama. O terceiro envolve as peripécias de Carlos no convento da Ordem de São Bento, incluindo suas sucessivas fugas e os castigos sofridos como reprimenda ao seu comportamento transgressor. As ações se passam na sala e no quarto da casa de uma família habitante da Corte. Os cenários são caracterizados de forma simples, com pouco mobiliário, contando apenas com uma mesa, uma cama, um armário e cadeiras, que desempenham um papel funcional no enredo, contribuindo para a efetivação dos recursos cômicos empregados pelo autor. As portas e janelas garantem a entrada e a saída das personagens em cena para outros ambientes do lar ou para a rua. Essa circulação das personagens, além da função cênica, simboliza a relação entre o espaço público – representado pelas relações sociais das ruas – e o espaço privado – concebido pelas vivências domésticas e familiares no interior das casas. O Mestre dos noviços defende, no segundo ato da comédia, o caráter privado das discussões, ou "incômodos", vividos pelas famílias, os quais deveriam permanecer "de muros para dentro".2 O Noviço, assim como as duas comédias em um ato que analisamos anteriormente, apresenta um padrão de construção e sequenciamento de cenas: as entradas e saídas das personagens estão em harmonia com as cenas isoladas e as de conjunto, as quais, por sua vez, são coordenadamente alternadas, garantindo a progressão do enredo. No início do primeiro ato, apresenta-se a posição inicial da trama e das personagens; em sua última cena estabelece-se um clímax, construído por meio da

2 PENA, 1956, vol. I, p. 317.

122 concentração dos recursos cômicos, que provocam grande confusão no palco. No segundo ato, os três fios do enredo se encontram, se desenvolvem e culminam na tensão da cena nove, que o encerra. Após o momento de conflito, o terceiro ato se inicia com um diálogo entre Florência e Emília. As falas de Florência sintetizam o andamento do enredo: ela lamenta ter sido enganada pelo marido que tanto amava e em quem acreditava; informa à plateia que Carlos está preso no convento, e Ambrósio, foragido da polícia. Em seguida, uma série de equívocos prepara o entrecho da comédia, implicando no malogro das artimanhas de Ambrósio.3 Na última cena da peça, as personagens se concentram no palco para o desfecho da trama, que traz um happy ending de retribuição, em que a justiça é feita, os velhacos são punidos, e aqueles que foram injustiçados têm os seus desejos atendidos. Carlos é dispensado do convento e desobrigado a se ordenar padre; ele se une à sua grande paixão, a prima Emília; Florência e Rosa se vingam do velhaco Ambrósio, caçador de heranças, que as enganavam com seu falso amor; o bígamo é preso por um meirinho. Os recursos cômicos da peça se articulam entre si, ao longo das cenas, construindo uma progressão de comicidade que culmina na grande confusão e quiproquó do terceiro ato. Desse modo, o efeito cômico não é localizado e restrito à cena em que o recurso farsesco aparece; pelo contrário, é contínuo e produz equívocos que permeiam mais de uma cena. Os travestimentos e disfarces provocam um ciclo de equívocos: Carlos se veste com as roupas de Rosa; esta se traveste de noviço, o que a faz ser arrastada para o convento; e Ambrósio usa as vestes de frade. Os esconderijos também perpassam a comédia: Ambrósio se esconde no armário; Rosa, em um quarto; Carlos, embaixo da cama de Florência, o que o faz levar uma coça de Jorge, que o confunde com um ladrão; e Florência utiliza uma colcha que a encobre, em meio à escuridão que invade seu quarto na cena 11 do terceiro ato. A comicidade também é construída pelos jogos de palavras presentes nas falas das personagens. A pergunta de Ambrósio a Florência, sobre o lugar onde ela queria que ele pousasse uma de suas mãos, possui um duplo sentido que denuncia a malícia do sedutor

3 Ver o anexo "Sequenciamento de Cenas de O Noviço", que traz uma tabela com os dados referentes à construção formal de cada cena da comédia, com a marcação das entradas e saídas das personagens e a indicação dos recursos cômicos.

123 de viúvas endinheiradas: "AMBRÓSIO: – Florencinha, encanto da minha vida, estou diante de ti como diante do confessionário, com uma mão sobre o coração e com a outra... Onde queres que eu ponha a outra?"4 O aparte aparece em grande quantidade na comédia. Esse recurso informa à plateia as complicações da intriga e evidencia as reais intenções das personagens, desnudando-lhes o caráter ardil ou a ingenuidade, como podemos constatar no seguinte diálogo entre Ambrósio e Florência:

AMBRÓSIO: – Quando eu te vi pela primeira vez, não sabia que eras viúva rica. (À parte) Se o sabia! (Alto) Amei-te por simpatia. FLORÊNCIA: – Sei disso, vidinha. (...) AMBRÓSIO: – Mas agora que me acho casado contigo, é de meu dever zelar essa fortuna que sempre desprezei. FLORÊNCIA (à parte): – Que marido! AMBRÓSIO (à parte): – Que tola!5

Ambrósio é um velhaco, bígamo, interessado na herança de sua segunda esposa, a viúva Florência, que herdara grande soma de dinheiro após a morte do marido e do irmão, pai de Carlos. Movido pela ambição inescrupulosa, a personagem não mede esforços para colocar em ação os golpes que planeja. Em seu monólogo, na primeira cena da comédia, discursa sobre os meios de enriquecimento financeiro do homem:

AMBRÓSIO (só de calça preta e chambre): – No mundo a fortuna é para quem sabe adquiri-la. Pintam-na cega... Que simplicidade! Cego é aquele que não tem inteligência para vê-la e a alcançar. Todo o homem pode ser rico, se atinar com o verdadeiro caminho da fortuna. Vontade forte, perseverança e pertinácia são poderosos auxiliares. Qual o homem que, resolvido a empregar todos os meios, não consegue enriquecer-se?6

Assim como Faustino, de O Judas em Sábado de Aleluia, Carlos possui uma construção híbrida, particular dos heróis das comédias de Martins Pena, devedora, em parte, ao gênero cômico popular, somado a elementos sociais da época do autor. Essas personagens reúnem características do criado ardiloso da tradição farsesca – responsável

4 PENA, 1956, vol. I, p. 319. 5 Ibid., p. 294. 6 Ibid., p. 293.

124 por criar situações cômicas que objetivam atender aos seus interesses e resolver os nós do enredo –, e do malandro brasileiro do século XIX, que, para sobreviver em uma sociedade repleta de contradições e desigualdades, sempre lança mão de um "jeitinho" para contornar as adversidades sociais, sem, no entanto, cometer delitos, cair na ilegalidade ou se tornar um bandido.7 Quando os conflitos da trama se estabelecem, Carlos atribui a si o papel de resolvê-los para, então, realizar os seus desejos: "CARLOS: – Deixa o caso por minha conta. Hei de fazer uma estralada de todos os diabos, verão..."8 Os heróis de Martins Pena não são apenas tipos cômicos que representam máscaras e comportamentos convencionados; pelo contrário, eles defendem um ideal social. Em suas falas e ações, principalmente no questionamento aos seus superiores sobre a doutrinação religiosa, Carlos expõe valores acerca do indivíduo, sua liberdade de expressão e de decisão quanto ao curso de sua história, incluindo a carreira profissional e o casamento. O noviço condena a autoridade exercida pela família, que decide a profissão dos jovens:

CARLOS: – Para que querem violentar minhas inclinações? Não nasci para frade, não tenho jeito nenhum para estar horas inteiras no coro a rezar com os braços encruzados. Não me vai o gosto para aí... (...) Não que a vida de frade seja má; boa é ela para quem a sabe gozar e que para ela nasceu; mas eu, priminha, eu que tenho para a tal vidinha negação completa, não posso!9

A casta Emília participa pouco das ações da peça, apesar de estar presente em muitas cenas. A moça exibe os mesmos valores e comportamentos de Chiquinha, de O Judas em Sábado de Aleluia: ambas são confidentes dos segredos e peripécias dos heróis. Rosa, a primeira esposa de Ambrósio, parte de uma longínqua província nordestina em busca do marido que a abandonara há seis anos. A atuação da atriz que desempenhava seu papel, no palco do São Pedro de Alcântara, pode ter sido decisiva para o caráter cômico da personagem, pois sabemos que, no século XIX, circulava na Corte um

7 Remetemos ao trabalho de Renata Almendra, que analisa as personagens cômicas de Martins Pena a partir da abordagem da História Social e da dialética da malandragem, conceituada por Antonio Candido em seu ensaio "Dialética da malandragem". (Ver ALMENDRA, Renata Silva. Entre Apartes e Quiproquós: a malandragem no Império de Martins Pena (Rio de Janeiro 1833-1847). 141 p. Dissertação (Mestrado em História Social) – Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília, 2006). 8 PENA, 1956, vol. I, p. 301. 9 Ibid., p. 298.

125 imaginário estereotipado e caricato do homem sertanejo, a exemplo do cearense e seu modo de falar.10

2 Martins Pena e o Melodrama Romântico Francês

Vilma Arêas identificou o diálogo de O Judas em Sábado de Aleluia e O Noviço com o melodrama. Para a autora, O Noviço inverte o discurso do gênero francês por meio do registro farsesco, conferindo comicidade aos códigos sérios da estética.11 Ao parodiar elementos formais do melodrama, Martins Pena divertia a plateia fluminense, a esta altura já familiarizada com as convenções do gênero. A paródia literária foi um importante recurso empregado pelo autor na feitura de suas comédias, constituindo-se, segundo Vilma Arêas, em "um de seus expedientes básicos".12 O próprio comediógrafo definiu Os Ciúmes de um Pedestre como uma paródia da tragédia Otelo, referindo-se, provavelmente, à adaptação de Ducis da obra shakespeariana.13 A partir do final da década de 1830, traduções de melodramas românticos e sociais franceses começaram a aportar no São Pedro de Alcântara e a compor a parte principal da maioria dos programas ali oferecidos. Durante os primeiros anos do decênio de 1840, os títulos mais representados nesse teatro foram: Trinta Anos ou A Vida de um Jogador (Trente Ans ou La Vie d'un Joueur, 1827), de Victor Ducange (1783-1833); O Sineiro de São Paulo, de Bouchardy; e O Marinheiro de São Tropez, de Anicet-Bourgeois e Dennery.

10 Luiz Felipe de Alencastro nos informa que, na primeira metade do século XIX, já circulava na Corte um estereótipo do cearense, caracterizado por "um 'vernáculo' cearense e um tipo". (ALENCASTRO, Luiz Felipe de (Org.). "Vida privada e ordem privada no Império". In: História da Vida Privada no Brasil: Império. Vol. II. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 32-33). 11 Cf. ARÊAS, 1987, p. 246. 12 Ibid., p. 232. 13 Em carta a José Rufino, Martins Pena escreveu: "À vista temos que conversar sobre a destanhatória censura desta coitada! Julgo que está com catarata na inteligência, pois viu um ataque a João Caetano, onde não havia senão uma simples paródia do Otelo; paródia que se permitem em toda a parte do mundo". ("Carta a José Rufino Rodrigues de Vasconcelos sobre a censura de Os Ciúmes de um Pedestre", Biblioteca Nacional, Coleção Martins Pena, I - 06, 27, 14, nº 01).

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Martins Pena não foi apenas espectador dos melodramas encenados no palco do São Pedro de Alcântara, mas também censor de tais peças. Meses antes de escrever e encenar O Noviço, analisou para o Conservatório Dramático a peça Fabio o Noviço ou A Independência de Milão, tradução do melodrama romântico Fabio le Novice (1841), de Charles Lafont e Noël Parfait.14 O diretor do São Pedro de Alcântara, José Antônio Tomás Romeiro, encaminhou um requerimento a Martins Pena, em 18 de fevereiro de 1845, juntamente com o manuscrito da obra, solicitando a sua avaliação censória.15 O comediógrafo-censor, que, na época, desempenhava também a função de segundo secretário do Conservatório Dramático, aprovou o melodrama para encenação, mas não devolveu o manuscrito a José Romeiro, que lhe encaminhou novo requerimento solicitando sua devolução: "José Antônio Tomás Romeiro faz os seus cumprimentos ao Ilustríssimo Sr. Luis Carlos Martins Pena, e lhe roga o obséquio de lhe enviar o drama que junto com outros foi para censura, intitulado Fabio o Noviço pois que dele muito precisa".16 A tradução Fabio o Noviço ou A Independência de Milão estreou no São Pedro de Alcântara a 13 de abril de 1845, quatro meses antes da criação de O Noviço, de Martins Pena.17 A segunda encenação ocorreu na semana seguinte, em 20 de abril, sendo anunciado

14 Charles Lafont (1809-1864) estreou em 1834, no Théâtre des Variétés, com o vaudeville Les Deux Scandales. Além do trabalho colaborativo com Noël Parfait, Lafont produziu, em 1839, o melodrama La Branche de Chêne, e em 1840, Le Tremblement de Terre de la Martinique, ambos em colaboração com Charles Desnoyers. Com J. F. A. Bayard, escreveu o vaudeville Un Changement de Main (1845); e com Dumas Pai, o drama Jarvis l'Honnête Homme (1840). De sua própria pena são inúmeras as peças, dentre as quais os melodramas La Famille Moronval (1834), François Jaffier (1836) e Mme de la Verrière (1850); a tragédia Ivan de Russie (1841); e o vaudeville La Petite Fadette (1850). (Cf. LAROUSSE, Pierre. Grand Dictionnaire Universel du XIXe Siècle. Tomo X. Paris: Administration du Grand Dictionnaire, 1865-1876, p. 60; WICKS, Charles Beaumont. The Parisian Stage. Tomo III (1831-1850). Alabama: University of Alabama Press, 1961, passim). Noël Parfait (1813-1896), antes de se dedicar à carreira política, trabalhou em livrarias, foi poeta e crítico teatral do periódico La Presse. Escreveu também o melodrama La Juive de Constantine (1845), em colaboração com Théophile Gautier. (Cf. MOLLIER, Jean-Yves. Noël Parfait (1813- 1896): biographie littéraire et historique. 479 p. Tese Doutorado – Université Sorbonne Nouvelle, Paris 3, 1978, passim). 15 Informação presente no documento "Requerimento ao 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro de exames censórios, para as peças a serem encenadas no Teatro São Pedro d'Alcântara", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 02, 71. 16 "Requerimento ao 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro de devolução da peça Fabio o Noviço, que fora mandada para exame", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 03, 51. 17 O anexo "Anúncio da Estreia de Fabio o Noviço ou A Independência de Milão" traz o anúncio, publicado pelo Diário do Rio de Janeiro, a 12 de abril de 1845, que divulgou a estreia do melodrama no palco do São Pedro de Alcântara.

127 na imprensa como "muito aplaudido e interessante drama".18 A terceira e última exibição foi oferecida a 18 de maio de 1845. Antes de tratarmos do diálogo entre a comédia de Martins Pena e o texto de Fabio le Novice,19 propomos uma breve apresentação do enredo desse melodrama e de sua trajetória no palco do Théâtre de l'Ambigu-Comique, em Paris.

2.1 Fabio le Novice: a peça, a mise en scène e a recepção em Paris

Fabio le Novice apresenta os elementares recursos do gênero melodrama – intriga histórica, tema familiar, personagens tipificadas (herói, vilão, moça virtuosa, bouffon), maniqueísmo, perseguições ao herói, justiça final que recompensa as personagens bondosas –, assim como as características específicas dos melodramas românticos e sociais, que agregam ao tema amoroso questões referentes à nacionalidade, à reivindicação social e à liberdade de expressão.20 Vejamos um breve resumo do enredo de Fabio le Novice. Em 1580, durante a dominação espanhola em Milão, a família Manzoni, da nobreza milanesa, perde seus privilégios e o poder na região, governada pelo Marquês de Leganez. O Conde Manzoni se apaixona por Thécla, filha do Marquês espanhol; um amor impossível, tendo em vista as disputas políticas entre as duas famílias. Os enamorados se casam, secretamente, e da união nasce o menino Fernand. A família milanesa tenta retomar o poder e expulsar os invasores, mas falha. Ottavio, irmão do Conde Manzoni, é decapitado, como represália à rebelião fracassada da qual participara. O Conde jura vingar a morte do irmão; a vingança, se não fosse levada a cabo pelas suas mãos, seria confiada ao seu jovem filho. Thécla não suporta a ideia de ver Fernand apontando uma arma contra a própria família. Ela, auxiliada por

18 Jornal do Commercio, 20 de abril de 1845. 19 O texto integral do melodrama encontra-se no anexo "Fabio le Novice". 20 Os recursos centrais do gênero melodrama foram consultados em THOMASSEAU, Jean-Marie. Le Mélodrame Sur Les Scènes Parisiennes, de "Cœlina" (1800) à "L'Auberge des Adrets" (1823). Lille: Service de Reproduction des Thèses de l'Université, 1974, p. 145-321. Sobre a estética dos melodramas românticos e sociais, consultamos SABATIER, Guy. Le Mélodrame de la République Sociale et Le Théâtre de Félix Pyat. Vol. I. Paris: L'Harmattan, 1998, passim.

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Dom Bernardo, Prior do convento dos Dominicanos, forja a morte de Fernand e o instala no convento, apresentando-o como Fabio, um nome falso. Muitos anos se passam. Fabio, agora um jovem noviço, não apresenta qualquer aptidão para a vida religiosa, o que o leva a fugir do convento. Por acidente, Fabio se envolve em uma conspiração popular contra o governador espanhol; ele é preso como conspirador e condenado à morte. O Conde Manzoni, líder da revolta, foge de Milão. O Marquês de Leganez jura absolver o rebelde que lhe entregasse o paradeiro do Conde milanês. Thécla sabe de seu esconderijo; para salvar Fabio, ela entrega o marido aos espanhóis, que o condenam à morte. Mas, eis que a Providência entra em cena e resolve o nó da trama: o rei Filipe II da Espanha morre e a sentença contra o Conde Manzoni perde o efeito. Findada as perseguições, Fabio reencontra sua família e se casa com a prima Julia, a quem muito amava. Formalmente, Fabio le Novice se constitui em um prólogo, quatro atos e seis tableaux, estrutura comum dos melodramas da fase romântica. O prólogo se divide em cenas de exposição, que apresentam as personagens, e em cenas de estabelecimento de conflitos, que preparam a trama da peça. O primeiro ato se inicia 10 anos após os acontecimentos do prólogo, os quais duram apenas uma noite. As ações dos quatro atos se desenvolvem ao longo de três dias, principalmente durante o período noturno, quando a escuridão é a aliada dos revoltosos milaneses e de Fabio, que foge do convento. Os cenários compreendem espaços do castelo do Conde Manzoni (jardim, sala, vestíbulo), o convento dos Dominicanos, onde Fabio vive, e uma prisão, utilizada pelos espanhóis para aprisionar os revoltosos. A galeria de personagens apresenta os tipos mais recorrentes do gênero melodrama: o herói perseguido e injustiçado; o vilão chantagista e vil; a moça casta e indefesa; e o bouffon, que ameniza as cenas de intensa emoção. O Conde Manzoni é um homem corajoso, defensor da independência nacional de Milão, assim como Fabio, que exibe as mesmas virtudes do pai. O Marquês de Leganez e Dom Garcias são os vilões, responsáveis pelas perseguições aos heróis. As duas personagens femininas, Thécla e Julia, agem objetivando a preservação dos valores maternais e familiares. Gregório, o noviço cúmplice de Fabio, é o bouffon da peça. O Prior, mestre do convento dos Dominicanos, representa os valores religiosos.

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A peça é construída por duplos: são dois casais de heróis; dois vilões; Thécla recusa um marido espanhol para se casar com um italiano, o mesmo acontece com a jovem Julia; e duas são as gerações de revoltosos. O enredo apresenta diversos coups de théâtre: reviravoltas, quiproquós (ocasionados pelos disfarces e pela escuridão da noite), imprevistos e suspensão da ação na última cena de cada ato. Os efeitos espetaculares dominam o palco quando a revolta popular eclode: de acordo com as didascálias do texto, um grande número de personagens deveria estar em cena, travando batalhas contra o inimigo e disparando em armas de fogo. As cenas patéticas, com ações de forte comoção, são reservadas às duas personagens femininas: Julia reza e lê a Bíblia nos momentos de adversidade, e Thécla implora aos tiranos pelo perdão de seus entes queridos. O enredo de Fabio le Novice é tecido por três fios dramáticos: o amoroso, o religioso e o político. O tema amoroso abrange dois casais: o primeiro, formado pelo Conde e pela Condessa Manzoni, está na idade madura do casamento, e o segundo, constituído por Fabio e Julia, encontra-se na fase da juventude. Inicialmente, o amor entre cada casal é representado como impossível: o Conde e a Condessa são como Romeu e Julieta, provenientes de famílias rivais; Fabio e Julia se veem em uma encruzilhada, pois o rapaz é um noviço que segue o celibato. Ao longo dos atos, os casais são perseguidos, passam por percalços, sofrem injustiças e chantagens. No final, os nós se resolvem e eles são recompensados pela fidelidade que cada um mantém à pessoa amada: o Conde e a Condessa reforçam o laço do matrimônio, ao passo que Fabio e Julia se unem. O tema religioso compreende os conflitos vividos por Fabio no convento dos Dominicanos: o jovem noviço não deseja se ordenar padre, ele quer seguir outra profissão e se casar com a sua amada. O tema político, por sua vez, aborda questões que envolvem a independência nacional, os abusos de um Estado autoritário e o poder de revoltas populares. Fabio le Novice estreou no Théâtre de l'Ambigu-Comique,21 em Paris, a 05 de junho de 1841, em um programa iniciado pelo vaudeville La Bonne Aventure. Na estreia, os

21 O Théâtre de l'Ambigu-Comique foi fundado por Nicolas Médard Audinot, em 09 de julho de 1769, no Boulevard du Temple. A sala foi reformada e reinaugurada em 30 de setembro de 1786, oferecendo acomodações para até 1600 pessoas. Um incêndio destruiu o teatro na noite de 14 de julho de 1827. Uma nova sala foi construída na Rue de Bondy, no Boulevard Saint-Martin, com lugares para 1900 espectadores. A inauguração ocorreu em 07 de junho de 1828. O teatro contava com compositores e adaptadores de repertório, copistas, mestre de baile, corpo de balé, decoradores, chefe de orquestra e músicos. O prédio do Ambigu-

130 seguintes artistas da troupe atuaram: Davenay22 desempenhou o papel de Julia; Alexandre Mauzin,23 o de Policastro; Martin, o papel da Condessa Manzoni; Salvador, o de Gregório; e o ator Arthur Albert,24 "le dieu de l'Ambigu-Comique!",25 foi o protagonista Fabio. O anúncio de estreia, publicado pelo periódico La Presse, destaca o atraso no preparo da peça, devido às exigências de modificações no enredo fixadas pela censura teatral:

Théâtres, fêtes et concerts La première représentation de Fabio le Novice, annoncée par l'Ambigu, a été retardée par la nécessité d'opérer de graves modifications exigées par la censure. Elle doit avoir lieu définitivement ce soir samedi.26

O manuscrito de Fabio le Novice foi submetido ao órgão censor por Antony Béraud, diretor do Ambigu-Comique. O parecer foi emitido a 25 de maio de 1841, impondo cortes de cenas e substituições de léxicos e diálogos. A censura, mais política que literária, exigiu que todas as ocorrências das palavras "peuple", "révolution" e "roi" fossem substituídas. As falas em que as personagens cogitavam o assassinato do rei espanhol tiveram que ser suprimidas. O quarto e último ato foi o que sofreu a maior interferência da pena do censor, que fez alterações em todas as cenas. Diálogos inteiros, que tratavam da organização da revolta popular, que objetivava a independência política de Milão, foram eliminados. Provavelmente, a correção desse ato pelos autores foi o fator responsável pelo atraso da estreia de Fabio le Novice no Ambigu-Comique. Segundo Odile Krakovitch, durante a Monarquia de Julho, a censura francesa, de caráter preventivo, proibia que as peças tocassem o regime da realeza, evocassem a Revolução de 1789, fizessem qualquer

Comique resistiu até 1966, quando foi demolido para a construção de um imóvel comercial. (Cf. WILD, Nicole. Dictionnaire des Théâtres Parisiens au XIXe Siècle. Paris: Aux Amateurs de Livres, 1989, p. 34-38). 22 Davenay debutou no Théâtre Gymnase Dramatique em 20 de maio de 1837. Atuou no Théâtre de l'Ambigu- Comique de 1838 a 1841. (Cf. LYONNET, Henry. Dictionnaire des Comédiens Français (ceux d'hier). Tomo I. Paris: Librairie de L'Art du Théâtre, 1904, p. 441). 23 Alexandre Mauzin iniciou a carreira de ator na Comédie Française, em 1830. Atuou no Ambigu-Comique por um longo período; depois, em 1843, se transferiu para o Théâtre de l'Odéon, onde protagonizou diversas peças. (Cf. Ibid., tomo II, p. 410). 24 Arthur Albert (1811-1866), protegido por Frédéric Soulié, debutou no Théâtre de l'Odéon aos 19 anos. Atuou no Théâtre Molière, no Ambigu-Comique e no Théâtre Porte Saint-Germain. Além de ator, Albert também foi dramaturgo. São de sua composição as peças Juliette, Prêtez-moi Cinq Francs, Toniotto, Mari de la Reine e Guerre d'Orient. (Cf. Ibid., tomo I, p. 12-13). 25 Théophile Gautier, In: La Presse, 22 de junho de 1841. 26 La Presse, 05 de junho de 1841.

131 referência às ideias de liberdade ou de independência, pronunciassem nomes próprios ou funções políticas (rei, ministro, senador, prefeito etc.).27 Fabio le Novice obteve boa aceitação pela plateia do Théâtre de l'Ambigu- Comique, atingindo a marca de 52 exibições, entre junho e setembro de 1841.28 A peça também foi recebida positivamente pelos críticos teatrais parisienses.29 Em 22 de junho de 1841, em seu folhetim dramático semanal, publicado pelo periódico La Presse, Théophile Gautier elogiou Fabio le Novice, que se tratava de um "honnête mélodrame, bien écrit, sagement conduit, aussi littéraire que peut le permettre le théâtre de l'Ambigu: l'habitude d'une scène supérieure s'y fait sentir à chaque instant".30 O crítico finalizou a crônica prevendo um grande sucesso de representações: "ce mélodrame intéressant et bien conduit aura de nombreuses et productives représentations".31

2.2 O Noviço e Fabio le Novice: uma leitura

O Noviço revisita os lugares-comuns do gênero melodrama, tais como os tipos (herói, vilão, moça casta), a perseguição incansável ao herói, a punição do vilão, a recompensa aos bons, o roubo de herança e o reconhecimento final, que resolve os nós da trama e distribui a justiça. Igualmente aos heróis do melodrama, Carlos é perseguido ao longo da peça, vítima das artimanhas de seu tio Ambrósio, que, a todo custo, tenta se apoderar de sua herança. Ambrósio, assim como os vilões, é egoísta, cínico e hipócrita.32 Ele aparenta ser o protetor dos jovens filhos de Florência; porém, o seu maior desejo é a

27 Cf. KRAKOVITCH, Odile. Les Pièces de Théâtre Soumises à la Censure (1800-1830) - Inventaire. Paris: Archives Nationales, 1982, p. 30-34. 28 Cf. BERTHIER, Patrick (Org.). In: GAUTIER, Théophile. Œuvres Complètes - Critique Théâtrale (1841- 1842). Tomo III. Paris: Honoré Champion, 2010, p. 131. 29 Os seguintes periódicos e revistas literárias publicaram pareceres positivos sobre Fabio le Novice: Aujourd'hui (1841); Courrier des Vignerons (15 de junho de 1841); La Phalange (13 de junho de 1841); Le Cabinet de Lecture (15 de junho de 1841); Le Constitutionnel (14 de junho de 1841); L'Écho (1841); Le Siècle (10 de junho de 1841); Musée des Familles (junho de 1841). 30 La Presse, 22 de junho de 1841. 31 Idem. 32 As características dos tipos convencionais do melodrama foram consultadas no ensaio "Les bons et le méchant", de Anne Ubersfeld. (UBERSFELD, Anne. "Les bons et le méchant". In: Revue des Sciences Humaines, Lille, n. 162, p. 193-203, Abr.-Jun./1976).

132 conquista da herança destes. O desejo ambicioso que move as ações do velhaco Ambrósio é o mesmo nutrido pelos malvados do melodrama. Como ocorre no entrecho das peças francesas, os planos maquiavélicos do vilão fracassam, mas só após o herói sofrer inúmeras injustiças. No final da comédia de Martins Pena, Ambrósio é preso por policiais, destino frequentemente reservado aos vilões do melodrama. O tipo da moça casta também está presente em O Noviço: Emília é uma jovem prudente e virtuosa, protetora dos valores familiares e matrimoniais. O aparte, recurso comumente empregado nas peças do gênero francês, aparece em grande quantidade no texto de O Noviço, desnudando o real caráter das personagens, principalmente o do ardiloso Ambrósio. Além desses elementos formais da estética do melodrama, Martins Pena inclui temas e personagens de Fabio le Novice, com o intuito de dialogar com a peça, integrante de um gênero que compunha, essencialmente, os programas do São Pedro de Alcântara. O comediógrafo recupera a figura principal da peça francesa: um noviço heroico e órfão. Ao ver Carlos no palco, a plateia do Rio de Janeiro se lembraria da personagem Fabio. Os dois noviços compartilham algumas características, como a astúcia e a inclinação para aventuras. Ambos não se adaptam às doutrinas religiosas, não gostam da vida reclusa e sentem-se inaptos para o noviciado, o que os levam a escapadelas frequentes do convento. Fabio está apaixonado pela prima Julia, e planeja uma fuga do convento para se unir à amada:

JULIA: – Ainsi, monsieur, vous habitez un couvent? FABIO: – Cela vous étonne?... Et moi donc!... On voudrait me faire moine, mais depuis que j'ai vingt ans je me recconais tous les jours un peu moins de goût pour le cloître... Et depuis que je vous aime, je me donnerais au diable plutôt que de... JULIA: – Monsieur... FABIO: – Pardon... Je ne répugne qu'aux voeux monastiques... Quant à mon salut, je le ferais beaucoup mieux avec vous!... JULIA: – La règle de votre couvent n'est donc pas bien sévère? FABIO: – Impitoyable! Mais un de mes amis, longtemps novice comme moi, et que la mort d'un frère aîné a rappelé dans le monde, me prête ces habits et de l'argent... Moyennant quoi je lui promets de me conduire avec discrétion, avec prudence... (...) L'argent me sert à acheter Gregorio, le portier du couvent... Les habits, vous les voyez... Je les porte avec plus de plaisir que ma robe de bure... Quand la nuit tombe, je m'échappe du monastère pour courir la ville et respirer un instant l'air de la liberté! (...) Au fait, c'est vrai! Novice dans un couvent de

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Dominicains, ce n'est pas un parti qu'on puisse avouer... Ma situation n'est pas tenable. Il faut que j'en sorte!33

O noviço francês não pretende seguir o noviciado, ele confessa ter inclinação para a carreira militar:

FABIO: – Je crois qu'il est temps de prendre un parti, que je sache à quoi m'en tenir... Et puisqu'il s'agit de me prononcer, je commence par vous déclarer que je n'ai aucun goût pour le cloître... (...) LE PRIEUR: – Tout homme creuse son sillon sur la terre... A quels travaux voudriez-vous consacrer votre existence?... Aux arts? FABIO: – Non. Il faut y exceller, et je ne suis pas assez sot pour me croire du génie. LE PRIEUR: – Aux sciences? FABIO: – Oh! Elles m'endorment! LE PRIEUR: – Je devine. Avant de faire un choix, vous voudriez vous instruire par la comparaison, et vous avez le goût des voyages... FABIO: – Du tout! Du tout! Au contraire, je tiens fort à rester à Milan. (...) LE PRIEUR: – Mais enfin quelle est la carrière qui répondrait à vos sympathies? FABIO: – Eh bien! Celle des armes!34

Carlos, de O Noviço, também está apaixonado pela prima, um amor considerado impossível, já que o rapaz, assim como Fabio, segue uma carreira religiosa em que o celibato é obrigatório. Na cena sete do primeiro ato, Carlos confessa que não possui aptidão para a vida religiosa e que deseja ingressar na carreira militar:

CARLOS: – E que culpa tenho eu, se tenho a cabeça esquentada? Para que querem violentar minhas inclinações? Não nasci para frade, não tenho jeito nenhum para estar horas inteiras no coro a rezar com os braços encruzados. Não me vai o gosto para aí... Não posso jejuar: tenho, pelo menos três vezes ao dia, uma fome de todos os diabos. Militar é o que eu quisera ser; para aí chama-me a inclinação. Bordoadas, espadeiradas, rusgas é que me regalam; esse é o meu gênio.35

Outra correspondência entre as duas peças refere-se ao tema amoroso que estas apresentam. Em Fabio le Novice, temos dois casais: o Conde e a Condessa Manzoni

33 LAFONT, Charles & PARFAIT, Noël. "Fabio le Novice". In: Magasin Théâtral, Paris, Marchant, 1841, p. 13. 34 Ibid., p. 17. 35 PENA, 1956, vol. I, p. 298.

134 encenam os conflitos no âmbito do casamento; ao passo que Fabio e Julia vivem o amor romântico dos jovens. Na comédia de Martins Pena, também são dois os casais: Florência e Ambrósio representam os conflitos conjugais; Carlos e Emília, os percalços do amor de juventude. Como vemos, existem paralelos entre a comédia de Martins Pena e o melodrama Fabio le Novice. No entanto, o comediógrafo brasileiro não fez uma imitação ou uma tradução pura da peça francesa; trata-se de uma adaptação, baseada na inversão de alguns de seus elementos. Martins Pena confere um tom jocoso ao discurso moralizante apresentado pelo melodrama de Lafont e Parfait, revestindo-o com uma roupagem farsesca e elementos sociais do Rio de Janeiro de sua época. Ao satirizar o comportamento extremamente virtuoso do herói, assim como o exagero dos valores patrióticos e familiares, presentes em Fabio le Novice, Martins Pena recria o noviço-herói. Carlos não é patriótico e nem virtuoso, como o herói da peça francesa. O noviço brasileiro não aceita subordinar-se às ordens do Mestre dos noviços, vive discussões acaloradas com o Dom Abade e cogita atear fogo ao convento:

CARLOS: – Hoje, já não podendo, questionei com o D. Abade. Palavras puxam palavras; dize tu, direi eu, e por fim de contas arrumei-lhe uma cabeçada, que o atirei por esses ares.36

CARLOS: – Ora, para que ateimam comigo? Por fim, lanço fogo ao convento e morrem todos os frades assados.37

O comportamento transgressor de Carlos – herói que apresenta as artimanhas do criado da farsa – é inaceitável para o herói clássico do melodrama. Fabio é audacioso, mas não ultrapassa os limites do decoro social, não age de forma cômica e nem planeja ardis contra os vilões que o perseguem. Em Fabio le Novice, o patriotismo é exaltado e a nação colocada acima de quaisquer interesses individuais ou familiares:

36 PENA, 1956, vol. I, p. 298. 37 Ibid., p. 323.

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LA COMTESSE: – Julia, tombe avec moi aux pieds de ton oncle... Supplions-le de veiller sur sa vie, c'est à nous seules qu'elle appartient! LE COMTE: – Elle appartient d'abord à ma patrie, que j'ai juré de rendre libre!38

POLICASTRO: – Tout tombe devant l'intérêt sacré du pays!39

Ao afirmar a Emília que pretendia ser militar, Carlos satiriza o patriotismo exacerbado, encenando, de modo tresloucado, um soldado em campo de batalha. Isso assusta sua prima, que o crê louco:

CARLOS: – (...) Eu, que quisera viver com uma espada à cinta e à frente do meu batalhão, conduzi-lo ao inimigo através da metralha, bradando: "Marcha... (Manobrando pela sala, entusiasmado) Camaradas, coragem, calar baionetas! Marche, marche! Firmeza, avança! O inimigo fraqueia... (Seguindo Emília, que recua, espantada) Avança!" EMÍLIA: – Primo, primo, que é isso? Fique quieto! CARLOS (entusiasmado): – "Avança, bravos companheiros, viva a Pátria! Viva!" – e voltar vitorioso, coberto de sangue e poeira...40

Em relação ao tema amoroso, os diálogos entre Emília e Carlos não apresentam o decoro da linguagem de Fabio e Julia. Quanto ao tema familiar, a Condessa Manzoni, na peça de Lafont e Parfait, representa os valores mais nobres da maternidade: ela opta por salvar o filho ao invés do esposo. O comportamento de Florência, a figura materna da peça de Martins Pena, é avesso ao ideal proposto pelo melodrama: ela é casada pela segunda vez e, para atender aos desejos do marido, não hesita em causar sofrimentos aos filhos e ao enteado. Em O Noviço, Martins Pena não pretendia somente a diversão da plateia com a paródia das convenções do melodrama. Recorrendo ao registro farsesco, o autor adapta os elementos do gênero francês ao contexto do Rio de Janeiro de sua época. Desse modo, utiliza a paródia como veículo literário para satirizar as ordens e doutrinas religiosas, o sistema do patronato e as leis criminais vigentes no Império.

38 LAFONT & PARFAIT, 1841, p. 26. 39 Ibid., p. 30. 40 PENA, 1956, vol. I, p. 299.

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3 A Sátira em O Noviço: o convento, o patronato e as leis criminais

O Noviço traz ao palco, por meio da personagem Carlos – o porta-voz de Martins Pena –, o questionamento das práticas e doutrinas dos conventos. Na instituição religiosa de Carlos, o convento da Ordem de São Bento, há uma hierarquia que orienta o grau de obediência entre os membros: no alto da pirâmide encontra-se o D. Abade; abaixo, o Mestre dos noviços, uma espécie de capataz responsável por manter a ordem e perseguir os jovens; na base, os noviços, silenciados pela ameaça constante de castigos e punições severas. Ao longo da peça, as personagens que ocupam a posição superior na hierarquia são satirizadas e enganadas pelos ardis de Carlos, um noviço transgressor. A sátira de membros de ordens religiosas já aparecera na crônica Uma Viagem na Barca de Vapor, publicada por Martins Pena no Correio das Modas, em 1839. A certa altura da narrativa, um frade é colocado em uma situação risível:

Depois de eu ter entrado, seguindo sempre as duas moças, entra o frade, seguido da mulher barriguda, trazendo o moleque pela mão; apenas tinham eles posto o pé dentro da barca, que esta avançando-se com uma vaga, bate de encontro da ponte, faz perder o equilíbrio de ambos. O frade cai para trás, e encontrando no meio da queda a mulher barriguda atira-a no chão, e cai assentado em cima da barriga. Ai! Ai! Gritava a pobre mulher estendida como uma tartaruga. Ai! Que morro! O moleque chorava, uns gritavam que acudissem a mulher, outros riam-se; e o frade levantando-se muito desconfiado foi-se assentar junto do leme; a ordem restabeleceu-se; e continuou a entrar mais gente.41

No segundo ato de O Noviço, o Mestre dos noviços narra a confusão que se instalara no convento, quando todos perceberam que ali se encontrava uma mulher. A partir da extensa fala da personagem, Martins Pena satiriza o celibato, que convertia os clérigos em homens de "muito pouca prática de senhoras".42

MESTRE: – Toda a comunidade acorreu e grande foi então a confusão. Um gritava: sacrilégio! Profanação! Outro ria-se; este interrogava; aquele respondia ao acaso... Em menos de dois segundos a notícia percorreu todo o convento, mas alterada e aumentada. No refeitório dizia-se que o diabo estava no coro, dentro dos canudos do órgão; na cozinha julgava-se que o fogo lavrava nos quatro

41 Correio das Modas, 13 de abril de 1839. 42 PENA, 1956, vol. I, p. 315.

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ângulos do edifício; qual, pensava que D. Abade tinha caído da torre abaixo; qual, que fora arrebatado para o céu. Os sineiros, correndo para as torres, puxavam como energúmenos pelas cordas dos sinos; os porteiros fecharam as portas com horrível estrondo: os responsos soaram de todos os lados, e a algazarra dos noviços dominava esse ruído infernal, causado por uma única mulher. Oh, mulheres!43

Em sua comédia, o autor também satiriza os padres que frequentavam, secretamente, os teatros e ironiza a atitude excessivamente conservadora de espectadores que não concordavam com a presença de clérigos nos espetáculos. Carlos comenta que o Frei de seu convento ia ao teatro disfarçado, para não ser reconhecido pela plateia: "CARLOS: – Gosto de teatro, e de lá ninguém vai ao teatro, à exceção de Frei Maurício, que frequenta a plateia de casaca e cabeleira para esconder a coroa".44 Martins Pena encena uma questão vivenciada por sua plateia e que estava em pauta na imprensa. Alguns espectadores, em cartas publicadas pelos periódicos, condenavam a ida de clérigos aos teatros. Em janeiro de 1840, a assídua presença de um padre nos camarotes e na plateia do São Pedro de Alcântara causou a indignação dos mais conservadores. Um inconformado espectador, em carta enviada ao Diário do Rio de Janeiro, comenta que o vigário, em busca de divertimentos mundanos, infringia uma lei religiosa legitimada pela Igreja e escrituras:

Na 4ª dominga do advento, em que no evangelho da missa se lê, João ia discorrendo por toda a terra do Jordão pregando a penitência para remissão dos pecados, é que no teatro se achava em um camarote um padre às contras, e um padre que dizem ser vigário encomendado! Eis como ele observava o que de manhã tinha lido no evangelho, e como praticava a penitência, que talvez pregasse aos outros! Estarão derrogados cânones da igreja e bulas pontificiais que expressamente proíbem aos clérigos assistirem aos teatros? Ou teremos chegado a um tal estado de desmoralização que assim se desprezem as leis mais santas e a decência pública à face da autoridade, civil e eclesiástica?45

Ao que tudo indica, o padre era um amante do teatro e continuou a frequentá-lo, apesar do burburinho presente na imprensa carioca. Outra correspondência, publicada no mesmo periódico, afirma que o padre não fazia uso de disfarces, técnica empregada pelos

43 PENA, 1956, vol. I, p. 316. 44 Ibid., p. 298. 45 Diário do Rio de Janeiro, 09 de janeiro de 1840.

138 clérigos que frequentavam os teatros e não queriam ser vistos, a exemplo de Frei Maurício, de O Noviço:

Será certo (segundo ouvi dizer), que o tal vigário encomendado amante do teatro, foi despachado, e que vai ser colado? Se assim é então bem daria eu outro dia vox clamantis in deserto, porque se um católico Z** ouviu o seu eco, nem o Sr. Ministro da Justiça a ouviu, pois que o despachou, nem o Vigário Capitular porque dormia a sono solto, e nem o tal vigário, que continua a ir ao teatro, como aconteceu domingo passado. Ora, Sr. Redator, como querem que o povo execute as ordens superiores, se ele vê que esses mesmos superiores não executam, nem fazem executar as de Deus? Até aqui se iam padres ao teatro, ao menos era com disfarce, porque temiam afrontar a decência e moral pública, porém esse Sr. vigário encomendado, ou colado (por pecados do povo), apresenta-se ali descaradamente, ora de camarote, ora de plateia, com seus óculos de aproximação.46

Martins Pena aprofunda a temática em torno da instituição religiosa e discute a eficiência das doutrinas pedagógicas mantidas nos conventos, fundamentadas em jejuns, castigos punitivos e encarceramentos. Ao satirizar as longas horas de orações e os jejuns extremados, que tanto assombravam Carlos, o comediógrafo mostra que essas técnicas não garantiam a ordem, como comprova a atitude transgressora do jovem noviço, que questiona o D. Abade e lhe dá uma cabeçada.47 No convento de Carlos, o castigo daqueles que não apresentavam o comportamento desejado pela instituição é empregado como exemplo de punição aos restantes, para assim, impedir a rebeldia dos jovens noviços contra as diretrizes da ordem religiosa: "MESTRE: – Sairá do convento; porém antes será castigado. (...) Não por ele, que estou certo que não se emendará, mas para exemplo dos que lá ficam. Do contrário, todo o convento abalava".48 Além da sátira religiosa, O Noviço apresenta uma sátira política. Pela voz da personagem Carlos, Martins Pena repugna o sistema de apadrinhamento mantido pelo Estado, que resguardava a uma minoria os mais importantes cargos públicos.49 Desse

46 Diário do Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 1840. 47 Ver cena sete do primeiro ato, In: PENA, 1956, vol. I, p. 298. 48 Ibid., p. 325. 49 Em sua obra A Construção da Ordem, José Murilo de Carvalho expõe o funcionamento do processo de ocupação dos mais importantes cargos públicos, tanto os políticos quanto os militares, durante o Segundo Império. De acordo com o historiador, os indivíduos provenientes de famílias tradicionais, detentoras de

139 modo, desconsideravam-se os talentos e as virtudes dos homens para a prática das carreiras públicas, o que ia na contramão daquilo que era proposto pelo Artigo 179 da Constituição de 1824: "XIV Todo o cidadão pode ser admitido aos Cargos Públicos Civis, Políticos, ou Militares, sem outra diferença, que não seja dos seus talentos, e virtudes".50 Carlos defende o direito de oportunidades iguais a todos os homens livres, incluindo os trabalhadores do comércio e os funcionários públicos de baixo escalão.

CARLOS: – Este tem jeito para sapateiro: pois vá estudar medicina... Excelente médico! Aquele tem inclinação para cômico: pois não senhor, será político... Ora, ainda isso vá. Estoutro só tem jeito para caiador ou borrador: nada, é ofício que não presta... Seja diplomata, que borra tudo quanto faz. Aqueloutro chama-lhe toda a propensão para a ladroeira; manda o bom senso que se corrija o sujeitinho, mas isso não se faz: seja tesoureiro de repartição, fiscal, e lá se vão os cofres da nação à garra... Essoutro tem uma grande carga de preguiça e indolência e só serviria para leigo de convento, no entanto vemos o bom do mandrião empregado público, comendo com as mãos encruzadas sobre a pança o pingue ordenado da nação. (...) Que não se constranja ninguém, que se estudem os homens e que haja uma bem entendida e esclarecida proteção, e que, sobretudo, se despreze o patronato, que assenta o jumento nas bancas das academias e amarra o homem de talento à manjedoura.51

Martins Pena discute também a difícil condição financeira do escritor literário no Brasil; condição na qual se incluía, uma vez que não se mantinha financeiramente com as suas produções para o teatro, apesar de já ser um autor conhecido do público e dos artistas do principal teatro da Corte. Para sobreviver, dependia de seu cargo de amanuense da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, que lhe rendia um ordenado mensal estável. Nas críticas palavras de Carlos, sentimos a mão do comediógrafo defendendo as suas próprias ideias:

CARLOS: – Este nasceu para poeta ou escritor, com uma imaginação fogosa e independente, capaz de grandes coisas, mas não pode seguir a sua inclinação, porque poetas e escritores morrem de miséria, no Brasil... E assim o obriga a necessidade a ser o mais somenos amanuense em uma repartição pública e a copiar cinco horas por dia os mais soníferos papéis. O que acontece? Em breve matam-lhe a inteligência e fazem do homem pensante máquina estúpida, e assim terras, escravos e diplomas de estudos superiores, eram os que ocupavam os cargos públicos de alto escalão. (CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 93-142). 50 Coleção das Leis do Império do Brasil de 1824, 1886, p. 33. 51 PENA, 1956, vol. I, p. 299.

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se gasta uma vida! É preciso, é já tempo que alguém olhe para isso, e alguém que possa.52

Assim como vimos em O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas, O Noviço também leva ao palco do São Pedro de Alcântara a problematização de elementos do Código Criminal do Império. A comédia satiriza a ambiguidade e a ineficiência das leis penais, utilizadas, principalmente, para a condenação de indivíduos das camadas sociais menos favorecidas. Na primeira cena da peça, Ambrósio declara fazer de tudo para se tornar rico, inclusive cometer crimes; ele nada teme, pois acredita que "as leis criminais fizeram-se para os pobres".53 A comédia aborda, mais especificamente, o Capítulo III do Código Criminal de 1830, dedicado à manutenção da ordem doméstica. O casamento era um bem social protegido pelos Artigos 247 a 256 do referido Capítulo, que proibia a poligamia, considerada um delito condenável à prisão:

CAPÍTULO III - Dos crimes contra a segurança do Estado Civil e doméstico (...) Seção II - Poligamia Art. 249 Contrair matrimônio segunda, ou mais vezes, sem se ter dissolvido o primeiro. Penas - de prisão com trabalho por um a seis anos, e de multa correspondente à metade do tempo.54

A bigamia de Ambrósio, apesar de ser tratada com muito humor, não deixa de ser declarada como um ato criminoso: "CARLOS: – A bigamia é um grande crime; o Código é muito claro".55 No entanto, por mais que estivesse listada no Código, a bigamia, juntamente com outros pequenos delitos, parecia não receber dedicada atenção da comunidade policial, que se empenhava no combate de crimes que ofereciam maior ameaça à ordem pública, tais como a vadiagem, a desordem e a circulação de pessoas nas ruas em

52 PENA, 1956, vol. I, p. 299. 53 Ibid., p. 293. 54 "Código Criminal do Império do Brasil de 1830". In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1830, 1876, p. 188. 55 PENA, op. cit., p. 303.

141 horários proibidos.56 Quando Rosa pergunta a Carlos se não havia leis que punissem os crimes de Ambrósio, ele responde: "CARLOS: – Há tudo isso, e de sobra. O que não há é quem as execute".57 Na época, os periódicos fluminenses publicavam artigos que representavam a polícia como ineficiente e desacreditada pelos habitantes da cidade. Podemos verificar essa opinião em uma crônica veiculada pelo jornal O Camaradinha:

No amável Guasca na Corte de quinta-feira 07 de agosto, lê-se o seguinte: 'Aos Inspetores de quarteirão compete pôr cobro às inúmeras casas de jogo que por aí formigam.' Na verdade é bem engraçado este pedacinho! Como hão de os Inspetores pôr cobro às casas de jogo, se alguns deles tem a vista curta? A Polícia dorme, e por consequência o seu esquadrão também.58

56 Renata Almendra apresenta dados estatísticos referentes às prisões efetuadas no Rio de Janeiro, entre 30 de maio e 17 de junho de 1831: quase 30% das prisões tiveram como delito desordens e insultos. (ALMENDRA, 2006, p. 105-106). 57 PENA, 1956, vol. I, p. 306. 58 O Camaradinha, agosto de 1851.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

MARTINS PENA E SUAS COMÉDIAS: UMA MENSAGEM À PLATEIA

Manipulando a tradição teatral a seu alcance, e limitado pelo acanhamento do meio, do qual aliás era consciente, Martins Pena reelaborou formalmente a comédia farsesca.1

Este trabalho propôs um retorno ao contexto da atividade teatral praticada na capital do Império no momento em que as peças de Martins Pena estrearam nos palcos. Retorno possível graças à imprensa cotidiana e literária oitocentista, aos manuscritos e cartas do comediógrafo, aos documentos do Conservatório Dramático Brasileiro e aos textos teatrais de autores estrangeiros representados no Rio de Janeiro nessa época. A ideia de acompanhar as condições concretas de representações (estreias e reprises) e a recepção das comédias de Martins Pena, em seu contexto de criação, possibilitou-nos iluminar novas leituras e conexões. Concluímos que a produção dramática de Martins Pena está intimamente ligada à atividade teatral praticada no Teatro de São Pedro de Alcântara, envolvendo os seus artistas e o repertório ali exibido. Configuramos dois momentos de representações das peças do autor nessa sala de espetáculos: a fase de estreias, entre outubro de 1838 e dezembro de 1846; e a de reprises póstumos, na década de 1850. A grande maioria das comédias de Martins Pena estrearam no São Pedro de Alcântara em programas beneficentes em favor de atores da troupe. Apenas quatro peças, dentre as 19 que foram encenadas, não estrearam em espetáculos beneficentes: O Noviço, As Desgraças de uma Criança, Vitiza ou O Nero de Espanha e Os Ciúmes de um Pedestre / O Terrível Capitão do Mato. Tendo em vista que o ator ou a atriz era o responsável por

1 ARÊAS, 2007, p. XXIII.

143 organizar o programa do espetáculo que ofereceria – como pudemos constatar nos diversos exemplos de anúncios teatrais divulgados pela imprensa, e transcritos no Capítulo 1 –, é possível presumir que, muito provavelmente, eles encomendavam comédias a Martins Pena para serem representadas no encerramento dos benefícios. Assim, segundo esta hipótese, o ator português Manoel Soares pode ter sido o artista do São Pedro de Alcântara que mais encomendou obras ao comediógrafo, seguido de Ludovina Soares, Estela Sezefreda e José Candido da Silva. Como não encontramos maiores informações que iluminassem as condições desses espetáculos beneficentes, não temos certeza se Martins Pena recebia algum tipo de remuneração pelas peças que compunha para serem encenadas no São Pedro de Alcântara. O que sabemos, graças aos anúncios de espetáculos, é que os benefícios em favor dos artistas eram uma prática comum na atividade teatral fluminense da época. Os atores e atrizes complementavam os seus salários com a renda obtida pela venda dos bilhetes dos espetáculos que ofereciam. Por isso, se esforçavam para compor um programa que agradasse aos espectadores e que incluísse peças inéditas. Constituído o repertório a ser apresentado, os artistas anunciavam o espetáculo na imprensa, e não deixavam de rogar pela presença dos espectadores. Pesquisas mais aprofundadas acerca da vida profissional desses atores poderiam esclarecer diversas questões referentes aos seus trabalhos nos palcos do Rio de Janeiro, ajudando-nos a melhor compreender como se estruturava o sistema dos espetáculos beneficentes. Ao longo da década de 1840, Martins Pena foi o comediógrafo brasileiro mais encenado no São Pedro de Alcântara. A boa aceitação de suas comédias nos palcos motivou a publicação de algumas peças. O editor e livreiro Paula Brito trouxe à luz os textos de sete obras de Martins Pena: O Juiz de Paz da Roça (1842 e 1843), A Família e A Festa da Roça (1842), O Judas em Sábado de Aleluia (1846), Os Irmãos das Almas (1846), O Diletante (1846), Quem Casa, Quer Casa (1847) e O Caixeiro da Taverna (1847). Apesar da grande quantidade de encenações das comédias de Martins Pena no principal teatro da Corte – o que poderia nos levar a pensar que as representações de suas peças teriam sido temas de diversas crônicas teatrais –, localizamos na imprensa somente uma crítica, referente à estreia de A Família e A Festa da Roça, publicada no rodapé do

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Jornal do Commercio, a 05 de setembro de 1840. Ademais, identificamos uma notícia sobre a montagem do drama Vitiza ou O Nero de Espanha (Jornal do Commercio, 15 de setembro de 1845), uma pequena nota acerca da estreia de O Diletante (Jornal do Commercio, 24 de fevereiro de 1845), e uma correspondência anônima que rogava pela encenação, nos teatros fluminenses, das peças do "defunto Pena" (Diário do Rio de Janeiro, 01 de julho de 1851). Entre 1850 e 1855, Martins Pena não foi esquecido pela companhia dramática do São Pedro de Alcântara, que continuou a representá-lo no mesmo modelo de programa e repertório teatral. Porém, apenas cinco comédias do autor permaneceram em cartaz: A Família e A Festa da Roça, O Judas em Sábado de Aleluia, Os Dois ou O Inglês Maquinista, Os Irmãos das Almas e O Noviço. Na segunda metade da década de 1850, os realistas José de Alencar e Quintino Bocaiúva, em seus ensaios sobre a arte dramática, classificaram as comédias de Martins Pena de baixo cômico, o oposto da comédia realista. Ao criticarem negativamente a obra do comediógrafo brasileiro mais representado no decênio anterior, os adeptos do Teatro Ginásio Dramático também se mostravam contrários ao repertório romântico do São Pedro de Alcântara, onde as comédias de Martins Pena eram encenadas. Aos olhos dos realistas, essa sala de espetáculos representava um repertório ultrapassado. Apesar de alguns críticos propagarem, na imprensa, a falência do São Pedro de Alcântara, fato é que o teatro continuava a oferecer grande quantidade de espetáculos, montava peças inéditas, tanto de autores brasileiros quanto estrangeiros, e em seu palco ainda debutavam artistas novos. Assim, ao que tudo indica, o repertório poderia estar desgastado, devido às frequentes reprises, mas o teatro não demonstrava sinal de crise no que tange à oferta de espetáculos. Em O Judas em Sábado de Aleluia, Os Irmãos das Almas e O Noviço, que estão entre as peças de Martins Pena mais encenadas durante as décadas de 1840 e 1850, identificamos um diálogo com a estética do melodrama francês – gênero que compunha, essencialmente, os programas do São Pedro de Alcântara –, e uma mensagem de conteúdo social, construída por meio da sátira política e religiosa, e da adaptação de temas debatidos pela imprensa fluminense da época, tais como a circulação de moeda falsa, os preceitos da maçonaria e a presença de padres em espetáculos teatrais. Nessas comédias, o autor pensa a

145 modernização da nação a partir da valorização dos direitos civis. As personagens, pertencentes à classe de trabalhadores livres do comércio e ao baixo escalão do funcionalismo público, defendem os direitos à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei, à garantia de ir e vir, de escolher a profissão, de manifestar o pensamento, de ter respeitada a inviolabilidade do lar, como elementos que garantiriam o bem-estar social no Rio de Janeiro. Na análise de O Judas em Sábado de Aleluia, destacamos que as personagens da comédia, principalmente o herói Faustino, representam situações em que os direitos civis são ignorados, devido à atuação de uma polícia autoritária e corrupta. Consciente do funcionamento das novas instituições políticas estabelecidas pelo Estado Imperial, Martins Pena, em noites de entretenimento no São Pedro de Alcântara, não permitia que os espectadores da plateia se esquecessem das leis civis, as quais, apesar de existentes na Constituição de 1824, eram frequentemente desrespeitadas. Discutimos que, nos enredos de Os Irmãos das Almas e O Noviço, Martins Pena se apropriou de temas e personagens de melodramas franceses encenados no palco do São Pedro de Alcântara, adaptando-os ao contexto do Rio de Janeiro. O autor, lançando mão do registro farsesco, parodia os elementos dramáticos centrais da estética do melodrama, familiares à plateia fluminense, invertendo-os comicamente e conferindo-lhes nova significação. A partir do trabalho de reconstituição histórica dos espetáculos, pudemos vislumbrar novas facetas de Martins Pena no contexto da atividade teatral vivenciada no Rio de Janeiro dos anos 1840. Ele não foi apenas o grande comediógrafo, de apurada veia cômica, responsável por fundar a comédia nacional de costumes – como o quiseram a maior parte dos críticos teatrais e os historiadores da literatura –, mas também um autor influente na constituição dos benefícios teatrais oferecidos pelos artistas do São Pedro de Alcântara, espectador dos programas desse teatro, leitor e censor de seu repertório de peças francesas. E, sobretudo, um escritor que obteve sucesso com suas comédias, mas que, além da busca de divertimento, tinha uma mensagem social para transmitir à plateia.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Fontes Primárias

1.1 Periódicos

1.1.1 Rio de Janeiro

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147

O Martinho (1851) O Montanista (1851) O Orsatista (1851)

1.1.2 Paris

Aujourd'hui (1841) Courrier des Vignerons (junho/1841) La Phalange (junho/1841) La Presse (junho/1841) Le Cabinet de Lecture (junho/1841) Le Constitutionnel (junho/1841) L'Écho (1841) Le Siècle (junho/1841) Musée des Familles (junho/1841)

1.2 Manuscritos

1.2.1 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Coleção Conservatório Dramático Brasileiro

"Designação censória do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro ao mesmo, para examinar a peça O Médico Raymundo, a ser encenada no Teatro São Pedro d'Alcântara", I - 08, 02, 76.

"Designação censória do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro ao censor Ernesto Pires Camargo, para examinar a peça O Capitão Sem o Ser, a ser encenada no Teatro São Pedro d'Alcântara", I - 08, 02, 80.

"Designação censório do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro ao mesmo, para examinar a peça Uma Rapaziada, a ser encenada no Teatro São Pedro d'Alcantara", I - 08, 02, 78.

148

"Designação para Martins Penna examinar o vaudeville Uma Rapaziada, a ser representada no Teatro São Pedro d'Alcântara", I - 08, 22, 80.

"Designação censória do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro ao próprio, para examinar a peça Fauyel, a ser encenada no Teatro de São Pedro d'Alcântara", I - 08, 02, 66.

"Designação para Luis Carlos Martins Pena examinar a peça Paulo e Virgínia", I - 08, 03, 14, nº 09.

"Encaminhamento do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro de pedido para exame censório da peça A Filha de Fígaro, para ser encenada no Teatro São Pedro d'Alcântara", I - 08, 01, 53.

"Requerimento ao Conservatório Dramático Brasileiro, solicitando exame censório para a peça Uma Mulher Feia", I - 08, 04, 66.

Coleção Darcy Damasceno

"Anúncio de venda de livros de comédia de Martins Pena: 30/01/1846: notas várias", I - 26, 02, 85.

"Martins Pena e a censura: extratos de pareceres de censura: notas várias", I - 26, 02, 75.

"Questões sobre autoria de censuras e da peça Uma Mulher Feia de Martins Pena, cópias de anúncios de representação da citada peça: notas várias", I - 26, 02, 78.

Coleção Martins Pena

"Carta a José Rufino Rodrigues de Vasconcelos sobre a censura de Os Ciúmes de um Pedestre", I - 06, 27, 14, nº 01.

"Drama Sem Título em Dois Atos", I - 06, 26, 04.

1.2.2 Archives Nationales de Paris

"Fabio le Novice", F/18/943, nº 3706.

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____. O Juiz de Paz da Roça. Rio de Janeiro: Tipografia Imparcial de F. de Paula Brito, 1843.

____. Os Irmãos das Almas. Série Teatro Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Imparcial de F. de Paula Brito, [184?].

____. Teatro Brasileiro de Martins Pena (comédias) com um estudo crítico sobre o teatro no Rio de Janeiro e sobre o autor. Edição preparada por Melo Morais Filho e Sílvio Romero. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1898.

____. Teatro de Martins Pena: comédias. Vol. I. Edição crítica por Darcy Damasceno. Rio de Janeiro: MEC: INL, 1956.

____. Teatro de Martins Pena: dramas. Vol. II. Edição crítica por Darcy Damasceno. Rio de Janeiro: MEC: INL, 1956.

3 Estudos da Obra de Martins Pena

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7 Leis

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Coleção das Leis do Império do Brasil de 1830. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1876.

Coleção das Leis do Império do Brasil de 1831. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1875.

Coleção das Leis do Império do Brasil de 1833. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1872.

Coleção das Leis do Império do Brasil de 1841. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1842.

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ANEXOS

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160

Um Episódio de 18311

Em uma das ruas desta cidade vivia uma pobre e honesta mulher: Rita se chamava ela. Viúva de um simples empregado da alfândega, ela não vivia senão do seu trabalho, pois seu marido tinha sido um empregado probo. A única consolação desta boa mulher era a sua querida filha Mariquinhas; ela era o seu mimo, o seu ídolo. Mariquinhas, a bela Mariquinhas, era em tudo digna de amor de sua terna mãe, era um anjo de doçura, a sua alma era cândida e pura. Oh! Como ela era amável! As suas belas tranças de ébano, os seus belos olhos faziam lembrar as houris do paraíso do profeta, o seu semblante tinha a pureza da virgem de Raphael, e sua boca era uma rosa cheia de pérolas. Mariquinhas teve por companheiro de infância a Julio, afilhado de sua mãe. Julio era filho de um pobre jornaleiro, a sua vinda ao mundo tinha custado a vida a sua mãe. Oh! Como o bom Jerônimo chorou a perda de sua amável companheira, a única consolação nos seus trabalhos! Ah! Pouco tempo teve para chorar, um mês depois da morte de sua mulher, estando a trabalhar na construção de uma casa, caiu do telhado, e só teve tempo de recomendar seu tenro filhinho ao cuidado de sua boa madrinha. Rita o recebeu e o tratou como seu próprio filho. Mariquinhas e Julio juntos cresceram, juntos brincaram, e se amaram. A boa Rita via com prazer a afeição de seus dois filhos, ela pretendia uni-los, mas esperava tempos melhores; nem Mariquinhas, nem Julio tinham fortuna, e ela tinha bastante razão para não consentir na união de seus filhos; união que os faria desgraçados, pois não tinham meios de subsistência. Logo que Julio teve idade suficiente, Rita o fez entrar de caixeiro em uma taverna em frente de sua casa; assim Julio podia ver todos os dias Mariquinhas. Seis anos assim se passaram. Julio já estava sócio de seu amo, e em breve tempo pretendia unir-se à sua Mariquinhas. Todos os momentos que Julio podia roubar a suas obrigações, ele os passava junto de sua amada: todos eram felizes. A boa Rita chorava de prazer quando via os seus dois filhos juntos. Só uma coisa afligia o coração de Julio, era a tristeza em que às vezes achava Mariquinhas sepultada. Em muitas ocasiões perguntou qual era a causa desta tristeza, porém ela sempre iludiu a sua questão.

1 Texto publicado pelo periódico Gabinete de Leitura em 08 de abril de 1838.

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Passava constantemente pela rua aonde morava Mariquinhas um destes homens, que vivem sem se saber de que, vadio por profissão, e frequentador de botequins; um destes fenômenos de nossa sociedade. José não tinha ofício, seus pais nada lhe deixaram, no entanto ele vivia, e vivia bem. As graças de Mariquinhas fizeram impressão em seu coração debochado, e ele jurou a todo o custo possuí-la. Quanto não sofria a pobre Mariquinhas com as continuadas importunações de José! Ah! Se fossem só importunações? Mas não, José conhecia o amor de Mariquinhas por Julio, e tinha jurado vingar-se! Um dia, dia de horror, e execração para todos os brasileiros! Dia 14 de julho! Soldados ébrios e indisciplinados, soldados enfim, que já tinham feito uma revolução, levantaram a voz de sedição!! Dia três vezes maldito! Dia de assassinatos!... Partidas de soldados corriam as ruas da cidade semeando o horror e a consternação: ninguém se julgava seguro em sua casa; as portas eram arrombadas, o direito de propriedade menoscabado, a honra das famílias insultada... A anarquia reinava soberana na capital de S. Cruz! Um bando de 20 a 30 soldados entraram em uma taverna: – Queremos vinho! – foi o grito geral. O caixeiro palpitando de medo corre a buscar o vinho, e o oferece em cima do balcão. – Venha uma mesa! – Apoiado! Apoiado! Venha uma mesa. O pobre caixeiro corre a procura de uma mesa. – Anda mais depressa, senão eu te faço marchar na ponta desta baioneta. Vem a mesa, todos se sentam ao redor. – Venha mais vinho? Venha aguardente, [ilegível], tudo quanto houver [ilegível]. – Viva o nosso sargento! – Viva! – Ó lá, galego, traz um presunto? – Venha o presunto, paios, tudo, tudo quanto houver, nós somos os defensores da pátria! De todos os lados se lançavam sobre os comestíveis, o vinho corria por cima da mesa: as baionetas, e espadas serviam de facas; os dedos de garfos, as barretinas serviam de

162 copos a esta soldadesca indisciplinada, que desprezava as leis da sociedade, e fazia tanto caso da civilização como de um cão morto! Não se ouvia mais, que um tumulto prolongado, amálgama confuso de dentes que estrafegavam a comida, os estalos dos beiços que saboreavam o vinho, depois a bulha dos copos, que batiam uns nos outros e se quebravam, as risadas, as palavras derramadas aqui e ali, as blasfêmias, o som metálico das espadas batendo uma contra a outra! Tudo isto junto fazia um concerto infernal! – Ó lá, galego, vem fazer uma saúde! – Venha o galego pra cima da mesa fazer uma saúde à liberdade! Venha o galego! Venha! Oito braços apoderam-se do mísero caixeiro, quase morto de susto, e o puseram em cima da mesa. – Toma lá esta barretina cheia de vinho, bebe-o todo em saúde da pátria! O desgraçado todo trêmulo pega na barretina, e quer levá-la aos beiços, mas o seu tremor é tal que deixa caí-la!!! – É pé-de-chumbo! Não quer beber a saúde da pátria!!! – Uma baioneta atravessa o peito do infeliz e o faz cair morto sobre a mesa!!!... Seu sangue mistura-se ao vinho, que não deixa por isso de ser bebido!!!!... Era uma orgia! Uma completa orgia!!!... Um só indivíduo passeava pela rua. Ele parecia meditar, seus passos eram desiguais, seus olhos brilhavam com uma luz satânica; enfim tudo nele denotava uma profunda agitação. Este indivíduo era José, o amante desprezado de Mariquinhas. Depois de ter passado três vezes diante da taverna aonde estavam os soldados, diz: – É preciso vingar-me! Ela ama a Julio. Devo aproveitar a ocasião!... Ele [trecho corrompido] para a porta da taverna, e grita: – Camaradas, o vinho desta casa não presta, sigam-me se querem beber bom vinho. – Estas palavras tiveram um poder mágico: todos os soldados se levantaram, porém uns caíam debaixo da mesa, outros rolavam até ao meio da rua. A muito custo José conseguiu que doze o acompanhassem. – Viva a liberdade! – Viva a pátria! – Morte aos chumbos! Vociferava a turba bêbada.

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– Morte aos chumbos! Repetiam os que estavam no meio da rua com a cara na lama. José seguido de seus dignos companheiros dirige-se para a casa de Julio!!!... – Mariquinhas, que gritos são estes? – Não sei minha mãe; talvez sejam os soldados; eu ouvi dizer que eles se tinham revoltado. – Oh! Não admira: cesteiro que faz um cesto, faz um cento. Chega a janela e vê se eles vem pra cá. – Oh! Eles caminham para cá! – Minha filha, faz sinal a Julio que feche a porta! – Eu não o vejo, sem dúvida está dentro. – Tu ouves que gritos dão eles? – Eles gritam – Viva a liberdade! – Oh! Liberdade! Ela é a capa de velhacos! – Morram os chumbos! – Morra Pedro Panaca!!... Julio ouve os gritos dos sediciosos, quer fechar a porta, foi tarde!!!... José à frente dos soldados entra em sua casa. Julio temendo exasperar mais os soldados serve prontamente. – Belo vinho! Diz José, toma dinheiro galego? Na mão esquerda tem um punhado de dinheiro, na direita uma baioneta! Julio estende a mão para receber o dinheiro, no mesmo instante uma baioneta brilha a seus olhos, e antes que ele tenha o tempo de fazer uma reflexão, o ferro atravessa sua mão, e vai cravar-se uma polegada no balcão!!!... Mariquinhas viu tudo de sua janela!!... – Bravo! Bravo! Vociferam os soldados! – O galego é papagaio, está preso! – Dá cá o pé meu loiro? – Infames! Monstros! Eu sou brasileiro! E é assim que me tratam! Gritava Julio! Esforçando-se para arrancar a baioneta. – Morram os pés-de-chumbo! Respondia a turba.

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Mariquinhas tinha visto tudo! Uma [trecho corrompido] não veio refrescar seus olhos! [Trecho corrompido] revolução operou-se em todo o seu ser, o sangue subiu-lhe à cabeça, as veias das fontes pareciam rebentar! E sem atender aos gritos de sua mãe, ela precipita-se na rua, e corre para onde estava Julio. Oh! Como Mariquinhas era digna de compaixão! Os seus belos cabelos caíam desgrenhados pelas suas costas; seus olhos estavam fixos, e no seu semblante via-se uma horrível contração nervosa! Oh! Quanto era digna de piedade!... Ela não podia chorar!... Os soldados a deixam passar, e recuam atemorizados como diante de uma aparição sobrenatural. Mariquinhas, a bela Mariquinhas fazia medo!!! Ela chegava junto a José no momento em que este cravava a baioneta no coração do infeliz Julio... Frenética e furiosa lança-se como um raio sobre José, e enterra seus dentes de pérolas em suas faces!... Dois gritos se ouviram. Um, grito de morte, o outro foi um rugido de hiena, um grito de condenado, um grito como não se ouve senão no inferno!!... Depois uma gargalhada! Uma gargalhada seca, anelante, estridente, uma gargalhada como dão as fúrias quando terminam uma obra de mal!!!... Era Mariquinhas! Horror!!! Ela estava doida!!!!... L. C. M. P.

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Contos e Crônicas de Martins Pena no Correio das Modas

A Sorte Grande1

I

Há na vida do homem momentos, em que este depois de ter perdido todas as esperanças, e combatido o instinto de sua conservação, procura no suicídio um alívio contra a vida que lhe pesa; porém às vezes a Providência, que vela sobre nós, estende a mão para arrancar o infeliz das bordas do abismo que se abre sob seus pés. Foi isto o que aconteceu com um moço, habitante desta cidade. Julio, rapaz bem apessoado e de brilhantes qualidades, tinha herdado de seu pai uma avultada herança, não como ele a desejava, mas sim como seu pai a possuía. O bom velho tinha trabalhado toda a sua vida, e conseguido desta sorte comprar uma extensa fazenda de café com uma numerosa escravatura; tal foi a herança de Julio. Porém este que não sonhava senão com elegantes cabriolets, cavalos de raça, modas, bailes, não podia amoldar-se a ser fazendeiro. Oh! Que detestável vida! Dizia ele: meter-me eu em um deserto, vendo somente negros, e café; de certo, não há nada que seja mais desagradável: o elegante Julio, o querido das moças, ser fazendeiro! Oh! Isto é irrisório: nada, nada Senhor Julio, venda o que seu pai lhe deixou, compre apólices e propriedades, que só assim poderá gozar uma bela vida e possuir a bela Mariquinhas. O que havia de dizer a minha Mariquinhas, se eu a levasse para Rezende! Mas é um sacrilégio privar os bailes de seu melhor ornamento; venda-se, venda-se a fazenda. Assim pensava Julio, e se bem o pensou melhor o fez: a fazenda foi vendida, e o dinheiro guardado enquanto as suas ocupações amatorias não davam tempo a concluir negócio algum. Desgraçado, foi isto a causa de sua primeira ruína! Porém não antecipemos; falemos antes da bela Mariquinhas. Mariquinhas, verdadeiro tipo da beleza brasileira, inspirava amor a todas as pessoas que a ela se aproximavam: sua bela cor morena, que

1 Texto publicado pelo periódico Correio das Modas nos dias 12 e 19 de janeiro de 1839.

167 parecia refletir os dourados raios do sol dos trópicos, seus belos e finos cabelos pretos, seus olhos, oh! Seus cintilantes olhos pretos fariam morrer de amores o mesmo Deus. (Buffon dizia que as maravilhas da criação revelavam um Deus, e eu direi, os olhos das brasileiras revelam um Deus). Julio não pôde ver tantos atrativos sem ficar morto de amor, e jurar possuir tanta beleza. Ele declara a sua paixão: Mariquinhas cora, e seus delicados dedos apertando a mão que Julio tinha sobre uma das suas, revela o segredo do seu coração. Momento delicioso e único na vida do homem! Ah! Porque não morre ele quando sabe que sua paixão é partilhada! Então seria feliz, levava ainda ao túmulo uma ilusão: mas não, o desgraçado vive para sentir os horríveis tormentos do ciúme, e a ingratidão! A ingratidão suplício e inferno das almas amantes... Continuemos. O pai de Mariquinhas consentiu na união de sua filha com Julio, e enquanto se fazem os preparativos do casamento, este passa junto de sua amada os melhores dias de seu noivado; dias de imaginação e esperanças. Uma noite Julio voltava para sua casa, depois de ter estado com Mariquinhas, e ao entrar não deixou de reparar que a porta estava aberta, porém pensou que seria esquecimento seu. Sem mais cuidado sobe, e entra em seu quarto, e a primeira coisa que vê são papéis espalhados para um lado, roupa para outro, e a sua carteira arrombada; ele precipita-se como um louco sobre ela, e conhece que o tinham roubado, que o tinham deixado pobre, e desgraçado!! Pintar-vos o horror de sua posição, me é impossível; o infeliz Julio, depois de terríveis transportes lança mão da pena, e escreve este bilhete: "Mariquinhas. Eu fui castigado pela mão de Deus, pois eu não soube conservar o que meu pai ajuntou com o suor de seu rosto. Roubaram-me tudo quanto eu possuía; ontem rico, hoje pobre, e sem um real! Já não posso ser teu, pois faria a tua desgraça; eu parto para remotos climas a adquirir uma fortuna para te oferecer, e se me juras fidelidade, eu também juro voltar dentro de dois anos, para nos unirmos para sempre. Adeus, Mariquinhas, lastima o desgraçado – Julio." Depois de ter dirigido este bilhete a Mariquinhas, sai como um desesperado e caminha a passos apressados para o Largo do Paço; ia tão cego que não viu uma pobre velha que estava junto do Cais, a qual por pouco ele não atirou ao mar.

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"Meu Senhorzinho", diz a velha levantando-se: "quer comprar um bilhete de loteria: eu o comprei, porém a minha pobre filha está doente, nós precisamos de dinheiro, e a roda não anda tão cedo." "Quanto queres?" "Oito mil réis." "Toma, este é o resto de minha fortuna." A velha recebe o dinheiro, e Julio guarda o bilhete. "Patrão!" Diz Julio, voltando-se para um falueiro: "que navio é aquele?" "É o brigue Vigilante." "Segue viagem?" "Sim Senhor, e para Índia." "Conduze-me a bordo." O falueiro manda armar remos e a falua dirige-se para o brigue. A falua atraca, e Julio acha-se junto do capitão. "Disseram-me que este brigue partia para a Índia, e eu me venho oferecer para marinheiro." "Vós! Mas não combinam os vossos vestidos com semelhante desejo." "Capitão, vos convém ou não a minha proposição; eu sou um miserável?" "Ah! Percebo, vós quereis ter passagem de graça? Está bem, aceito; desde este momento fazeis parte da tripulação do brigue Vigilante." Julio debruça-se na amurada do brigue e lança o relógio ao falueiro. "Tomai pelo vosso trabalho." No outro dia o brigue fez-se vela para Índia.

II

Dois anos depois que Julio tinha partido para Índia, um navio vogava com vento fresco para a baía Niterói. Encostado em um de seus mastros estava um mancebo; sua fisionomia triste e refletida denotava uma alma conhecedora das angústias do mundo. Este mancebo era Julio.

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Dois anos dos mais rudes trabalhos e das maiores privações passou ele entre os povos não civilizados do Indostão; porém a perseverança e inflexível vontade de sua alma enérgica venceram as dificuldades; e no meio de grandes perigos soube ele adquirir uma fortuna. Julio já não era o rapaz efeminado, o frequentador de bailes, ah! Não! A desgraça tinha feito saltar uma faísca de sua existência adormecida, e revelado a triste missão do homem: o sofrimento e trabalho. A adversidade fez aparecer o homem. "Eu vos saúdo, montes de minha pátria", dizia ele contemplando o Corcovado e o Pão de Açúcar, que se desenhavam em linhas severas no azul do firmamento, "eu vos saúdo! Possa a desgraça nunca mais afastar-me de vós! Infeliz, mil vezes infeliz o que vive longe de sua pátria!" O navio corria tão brandamente como um cisne nas águas de um lago: a bordo respirava a maior alegria, e todos esperavam com ansiedade o momento de pisarem em um elemento menos pérfido. "Capitão, capitão?" Grita o marinheiro vigia, "nós estamos em uma corrente, e ela nos leva à costa!" Repentinamente todos empalideceram. O capitão dá as mais terminantes ordens para manobrar o navio, e arrancá-lo da corrente; inúteis esforços! O navio já não cede ao leme, e a cada instante se aproxima mais dos rochedos da fortaleza de Santa Cruz. Com velocidade do raio ele bate nas pedras; seus mastros estalam, e toda a sua armação faz-se em mil pedaços! Desgraçados navegantes! Só um salvou-se, e este foi Julio: um dos mastros foi a sua barca de socorro. Uma hora esteve na praia sem sentidos; porém logo que o seu coração tomou alento, e que suas ideias principiaram a esclarecer-se, levanta-se com arrebatamento, e estendendo os braços para o céu, exclama: "Deus é uma quimera, não há Deus!!... Dois anos de trabalho, e quando ia gozá-lo, quando chego ao porto, tudo se aniquila, tudo se perde! Duas vezes desgraçado! Respondei vós outros que credes em Deus, que me deu ele em troco de tantas desgraças?... E que vale a vida?... Nada, eu agora a desprezo. Ah! Vede, vede como o sol brilha, como a natureza está tranquila, e comparai com os tormentos que eu sofro! Tudo perdi!!... Mariquinhas, ídolo de meu coração, esperança luminosa de minha vida, eu vos

170 perdi para sempre! Oh! Desesperação!! E é possível que haja um Deus? Oh! Não! Deus não existe! Alma, religião! Eternidade, tudo é irrisório; só o homem desgraçado é verdadeiro! Oh! Sim! Só a desgraça é verdadeira, só ela é a partilha de todos os homens!... Adeus, Mariquinhas", continua ele, "adeus! Tu esperas por teu amante, porém debalde, estas frias águas vão ser o seu túmulo! Adeus oh minha pátria! Adeus para sempre!" Corre arrebatadamente para lançar-se no mar, e com o movimento que faz salta- lhe do bolso uma carteira: para repentinamente, e a primeira e única coisa que acha dentro é um bilhete de loteria; bilhete que ele tinha comprado antes de partir do Rio de Janeiro. Um raio de esperança penetra o seu coração; a ideia do suicídio o abandona; e seus pés devoram o caminho que conduz à fortaleza de Santa Cruz. "Quem vem lá?" Grita a sentinela. Julio sem ouvir continua a correr. "Quem vem lá?" Desta vez Julio ouve, e responde continuando sempre a correr. "É um bilhete de loteria!" "Um bilhete!!... Faça alto, senão faço fogo." Porém ele não faz caso da ameaça do soldado, e continua a avançar; a bala parte, e passa a duas polegadas da cabeça de Julio. Uma luta se engaja, o soldado grita "às armas", a guarnição o acode: prendem Julio e o levam perante o comandante. "Vós não sabeis, Senhor", diz o comandante, "que não se penetra assim em uma fortaleza, e que imprudentemente podíeis encontrar a morte?" "Oh! Sim! Eu sei", responde Julio, "porém eu não posso morrer, pois sou um bilhete de loteria." Julio, o desgraçado Julio, estava louco! Nas bordas da sepultura, uma luz de esperança o fez recuar, e uma horrível reação se fez em seu espírito. Em um momento passou lucidamente diante de seus olhos toda a sua vida: os primeiros e felizes dias de sua infância, seus amores, suas desgraças, o naufrágio e, enfim, o bilhete que parecia um lençol cobrindo toda a sua vida. Ele duvida de sua existência, suas ideias se confundem, e de sua confusão surde uma ideia clara, e lúcida. Ele se julga um bilhete de loteria. Bizarra, e

171 estranha aberração do espírito humano! O comandante da fortaleza, conhecendo o estado de alienação de Julio, manda conduzi-lo para um quarto e lá prendê-lo, enquanto não se empregavam os socorros da [ilegível]. Um dos soldados, que o conduziam, arranca com muito custo um papel, que ele apertava em suas mãos, e o entrega ao comandante. Este papel explica de algum modo ao comandante a loucura de Julio; este papel era um bilhete de loteria. Um soldado parte para a cidade com a seguinte carta: "Senhor Tesoureiro das loterias. Tenha a bondade de mandar-me dizer se o incluso bilhete está ou não premiado. Seu venerador. O comandante da fortaleza de S. Cruz." Três horas depois voltou o soldado com esta carta: "Senhor comandante da fortaleza de S. Cruz. Tenho a honra de participar-lhe que o seu bilhete está premiado com a Sorte Grande, a qual poderá receber logo que lhe convier. O Tesoureiro das loterias." O honrado comandante dá a Julio parte desta boa notícia, porém este a ouve como uma notícia sabida. Estranho poder da loucura! As faculdades de um louco concentram-se em uma só ideia fixa, e invariável, e ele parece segui-la mesmo através do futuro. "Ah! Ah!" Responde Julio, rindo-se e com os olhos espantados, isto eu já sabia. "Oh! Deve ser galante ver-se Mariquinhas passeando do braço com um bilhete de loteria. Vede, comandante, vede o número do bilhete", continuava Julio apontando para os olhos e nariz; "então não é um bom número? Ah! Ah! Ah!..." Seis meses durou a loucura deste infeliz; porém, os cuidados e carinhos de Mariquinhas, e de sua família, que tinham sido informados de sua volta e loucura, foram mitigando pouco a pouco a exaltação de seu espírito. No fim de um ano recebeu ele, diante de Deus, por esposa, a sua querida Mariquinhas; pedindo humildemente perdão àquele que tanto ofendeu, e jurando uma inabalável fé em seu Criador. Cercado dos doces frutos do seu amor, e da sua terna esposa, Julio habita em uma das ruas desta cidade. Uma só coisa perturba às vezes a quietação de seu espírito, e

172 isto acontece todas as vezes que ele lê no Jornal do Commercio algum anúncio de loteria; e ainda corre ao espelho para verificar que os seus olhos não são números de bilhete. L. C. M. Pena.

Minhas Aventuras numa Viagem nos Ônibus2

Depois de um baile, o que eu gosto mais é de uma viagem nos ônibus. Lá, como em marmota animada, vê-se cenas sérias, ridículas, engraçadas, enfim, tudo que pode acontecer entre pessoas de diferentes condições. O modesto cruzado faz o que não tem podido fazer imensidade de livros, e sermões; pois nivela as condições e estabelece uma completa igualdade entre todas as pessoas que o possuem e querem fazer uma viagem nos ônibus. Abençoados ônibus! Fiquei tão entusiasmado que estou quase fazendo uma minuciosa pintura deles... porém não; isto levaria muito tempo: vou antes dar a relação da minha última viagem. Eu fui um domingo pela manhã às Laranjeiras com a intenção de voltar à tarde em um ônibus: assim o fiz. Às 6 horas já eu caminhava para comprar o meu bilhete, porém o ônibus ainda não tinha chegado, e eu tive de esperar com mais dois sujeitos que lá estavam. "Oh compadre", dizia um deles para o outro, "o onis não chega, já é muito tarde, e a comadre já deve estar arrenegada." "Não faça caso... Oh! Ele ali vem!" O compadre tinha razão, o ônibus vinha chegando. "É desaforo! Dizia um deles, "estas surpresas (empresas) públicas devem ter horas certas, e não fazerem a gente esperar; há mais de um quarto de hora já nós devíamos estar assentados!" Enfim, o ônibus chega, e cada um de nós comprou seu bilhete. Depois que as pessoas que vinham dentro saíram, eu e os dois compadres entramos, e nos assentamos. Daí

2 Crônica publicada pelo Correio das Modas em 26 de janeiro de 1839.

173 a cinco minutos chegou uma bela menina acompanhada de seu paizinho, e fui tão feliz que ela se assentou junto de mim. Oh! Que deliciosa coisa é estar no ônibus assentado junto de uma bela moça! Sobretudo quando ela não traz chapéu!!... Em menos de dez minutos o ônibus estava com as pessoas que podia levar, e entre elas (ainda me lembra com zanga) estava um rapaz que me pareceu o namorado da minha vizinha, e que tinha-se assentado defronte dela. Eu estive quase furando-lhe os olhos com a bengala; porém contive-me. Já íamos principiar a nossa viagem quando vimos um embrulho rolando pela estrada com direção a nós, e em pouco tempo conhecemos que era uma pobre mulher gorda como uma baleia que corria a botar os bofes pela boca, para poder achar ainda um bilhete. Coitadinha! Ficou lograda! Que caretas que fez! Como eu tive pena dela aconselhei-a que viesse rolando até a cidade, e em troco deste bom conselho deu-me ela uma descompostura formal. E deem lá conselhos! "O Senhor Juca ainda não pagou", disse o recebedor, dirigindo-se para o namorado de minha vizinha. "Aqui está o dinheiro", e puxando por uma nota de 5$ que ele teve o cuidado de fazer com que a sua amada visse, entrega ao recebedor. "Eu já lhe dou o troco." "Não é preciso, não é preciso, eu não faço caso de 5$." E depois de mostrar este heroico desprezo, olhou impavidamente para a sua amada. "Bravo, bravíssimo", disse eu, "isto vai às mil maravilhas! Assim é que se namora!" Por mais esforços que fizesse o recebedor para que o nosso namorado recebesse o troco, não foi possível. Enfim partimos com grande satisfação dos dois compadres, e ainda não tínhamos dado vinte passos, quando o ônibus passando por uma vala deu um forte salto, e a minha vizinha com o solavanco caiu por cima de mim! Se eu fosse administrador dos ônibus, mandava fazer valas por todo o caminho, e morava dentro de um deles. Logo que principiamos a nossa viagem eu senti que me pisavam no pé; no princípio pensei que seria acaso; porém eu recuava o meu pé, e o outro acompanhava-o sempre pisando. Por fim, estando já um pouco zangado com a teima, olho e vejo que era o

174 nosso namorado que porfiava a pisar no meu pé, pensando pisar no da sua amada! Na verdade, tive vontade de dar uma risada; porém achei que era mais divertido desfrutá-lo um pouco, e logo que tive esta ideia, arrumo o pé que estava livre em cima do pé do sujeito. Oh! Se vissem o prazer que brilhou nos seus olhos! Ele fazia trejeitos, revirava os olhos, lambia os beiços, enfim, todas as asneiras que é capaz de fazer um namorado. O brinquedo já não me ia agradando muito, porque os calos principiavam a doer-me; e o namorado achando pouca sensibilidade no pé, pisava cada vez mais forte; por fim já não podendo aturá-lo por ter machucado o meu melhor calo, disse-lhe muito arrebatadamente: "O Senhor pretende alguma coisa? Se me quer falar, não é preciso pisar-me." Todos olhavam espantados para mim, o sujeitinho ficou branco como a cal, e a minha bela vizinha olhou para mim com tanta raiva que quase lhe disse: "Minha bela Senhora, ainda que eu tenha muita sensibilidade nos pés, pode pisar neles todas as vezes que quiser." Porém como não queria envergonhá-la, e como também o paizinho já olhava de través para mim, calei-me, e no meio de seus arrufos, e das ameaças que me fazia o namorado, chegamos ao Largo do Machado. Aí principiou uma contestação entre os dois compadres. "Oh compadre", dizia um deles apontando para uma bandeira holandesa que estava em um mastro, "sabes que bandeira é aquela?" "Sei", respondeu o outro, "é a bandeira francesa." "Pois não é; a bandeira francesa é perpendicular, e esta é às avessas." "Às avessas! Ah! Ah! Essa não é má!", replica-lhe o outro; "assim não é que se diz, compadre. Você deve dizer: a bandeira francesa é perpendicular, e a holandesa oriental." (horizontal). Uma risada geral se apoderou de todas as pessoas que vinham no ônibus, e os dois compadres, desconfiando por isso saíram, e continuaram a sua viagem a pé, fazendo deste modo esperar a comadre. "Para! Para!", gritaram de uma porta na rua do Catete. O ônibus para, e entra uma mulher velha, e feia como uma bruxa; ela se assenta a meu lado; mas enfim havia compensação, se tinha uma velha de um lado, tinha uma moça de outro. "O Senhor gasta?", diz-me a velha puxando pela manga de minha casaca. Eu calado.

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"O Senhor tem tabaco?", torna a insistir a bruxa. Ora, como desta vez eu podia mostrar à minha vizinha, que eu não era nenhum tolo, e que sabia meu bocado de francês, respondo em voz alta: "Je n'en ai pas." "Eu não peço jenipapo, eu peço tabaco", responde-me a velha. Por esta vez fui o alvo das risadas; o nosso namorado achando ocasião de vingar-se, ria como um doido, e a minha vizinha fazia coro. No meio destes, outros muitos acidentes, chegamos ao Largo do Rocio. Cada um tomou para seu lado. A minha ex-vizinha deu o braço ao paizinho, e encaminharam-se para a rua dos Ciganos, e o namorado, que tinha talvez que fazer, e não podia acompanhá- la, ficou olhando com olhos de lula, até que ela desapareceu. Eu fui para casa, jurando passear nos ônibus todas as vezes que pudesse. L. C. M. Pena.

O Poder da Música3

I

Sentada a um piano a bela Henriqueta fazia correr os seus delicados dedos pelo teclado de marfim, e ébano, e uma harmonia doce, e melancólica arrebatava os sentidos das duas pessoas que a ouviam; uma delas era a sua querida mãe, e a outra o seu amante. Deliciosa companhia! Henriqueta tinha recebido de Deus uma alma pura como a dos anjos, e sua beleza era tão perfeita como a sua alma. Quem poderia ver seus ternos olhos azuis sem se confessar vencido! Se a mesma insensibilidade visse as suas faces de rosas, os seus belos cabelos castanhos descendo em largas tranças pelas suas faces, o seu corpo gentil, e flexível, cairia a seus pés, e diria: Henriqueta, a insensibilidade se curva, e te pede mercê!... Como era suave a sua voz! Como seus olhos imploravam amor! Oh! Ela era bela!

3 Conto publicado pelo Correio das Modas a 23 de fevereiro de 1939.

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Encostado sobre a cadeira na qual Henriqueta estava sentada, um mancebo contemplava com a admiração, e poesia das almas amantes, tantas perfeições reunidas, e seu coração batia de prazer quando se lembrava que Henriqueta seria a companheira de sua vida; e então ele se figurava um porvir de rosas. Carlos amava Henriqueta, e era dela amado; suas prendas pessoais, sua posição brilhante no mundo, sua intimidade com a família de Henriqueta, fizeram com que esta o distinguisse de todos os seus adoradores, e confessasse que nenhum outro seria Senhor de sua mão. De todos os sentimentos exaltados de Carlos, só um inquietava Henriqueta, e este era o excessivo ciúme que ele tinha. Ainda que este sentimento era uma homenagem que ele rendia às suas perfeições, contudo ela não o podia suportar por conhecer o amor que ele lhe tinha. – Henriqueta, diz Carlos inclinando-se sobre a sua amante, eu te peço, canta aquela bela modinha que tu cantas tão bem? Tu sabes, a minha favorita. – Eu vou satisfazer o teu desejo, responde Henriqueta com a sua voz meiga. Depois de alguns acordes habilmente ligados, principiou a cantar. A sua voz melodiosa e pura fazia penetrar n'alma um sentimento sem nome, um prazer como devem experimentar os bem-aventurados ouvindo no Céu o coro dos anjos. Ela era qual sabiá, que de entre os ramos de uma florida laranjeira, solta aos ares os seus melodiosos tons. Henriqueta acabou de cantar, e seu amante ficou mudo por alguns instantes; ele tinha-se esquecido do mundo; e mesmo de sua amante! Sublime poder da harmonia!! – Henriqueta, quanto eu te amo! Exclama saindo do êxtase em que estava. A mãe de Henriqueta sorriu-se, por ver o amor que ligava sua filha à pessoa de quem ela esperava a sua felicidade. A noite chegou, e foi forçoso a Carlos deixar a sua amante, pois esta morava em uma chácara no Engenho-Velho, e ele na cidade, e as desordens políticas que assolavam a nossa bela pátria faziam com que os caminhos fossem pouco seguros durante a noite. Depois de se despedir mil vezes, monta a cavalo e parte, e já estava em meio caminho quando se lembrou que tinha esquecido as luvas. Foi bastante este pretexto ainda que insignificante para ele voltar.

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Chega à porta da habitação de Henriqueta, desmonta, e sobe vagarosamente para surpreendê-la; mas qual é o seu espanto ouvindo estas palavras ditas com acento apaixonado: – Amável Henriqueta, tudo eu vos devo; tudo! Até a minha própria existência! Ah! O que seria feito de mim, se não fosse a vossa bondade, e a vossa piedade! Oh! Sim! Meu anjo libertador, enquanto o sangue correr nas minhas veias, tereis no mundo um defensor. O negro e frenético ciúme lançou no coração de Carlos todo o seu fel; e ele entrando impetuosamente na sala vê um belo mancebo ajoelhado aos pés de Henriqueta, beijando com ardor as suas mãos! Henriqueta deu um grito; o mancebo levantou-se rapidamente, e tirou um punhal do seio, e Carlos parou, e ficou imóvel como uma estátua de mármore. – Henriqueta! Exclama Carlos saindo do entorpecimento em que lhe tinha lançado este não esperado acontecimento: Henriqueta! Tu és uma infiel, tu me traíste! Tu és uma infame! Sim! Uma infame! Ainda não há uma hora que tu me dizias: Carlos, eu serei tua até a morte!!... Tu mentiste!!... Tu zombavas de mim!!... Não é assim?... Responde?... Ah! Tu choras!!... Tuas lágrimas são mentirosas como a tua voz!!... E tu que fazes aqui? Continua Carlos voltando-se para o mancebo: Ah! Tu vieste roubar-me o meu bem, pois rouba-me também a vida!!... Uma espada! Uma espada, eu quero vingar-me deste sedutor!! – Vós delirais, Senhor! Dizia o mancebo procurando reter Carlos no seu arrebatamento. – Carlos! Carlos! Eu estou inocente! Dizia Henriqueta chegando-se para ele, e toda banhada em pranto; ouve-me primeiro, e depois me julgarás! – Não! Não! Eu não te quero ouvir! Queres-me enganar de novo!... Deixa-me! Deixa-me! Eu já te aborreço!!... Adeus, nunca mais me tornarás a ver!... Adeus Henriqueta, sê feliz com o teu novo amante!... Carlos sai arrebatadamente, e Henriqueta cai desmaiada nos braços do mancebo.

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II

Quatro dias antes do acontecimento que acabamos de relatar no capítulo antecedente, Henriqueta passeava no seu jardim colhendo rosas, e perseguindo as borboletas, quando repentinamente de entre as folhas de um copado arbusto saiu um mancebo e se lançou a seus pés: ela atemorizada com esta aparição dá um grito e quer fugir; porém o mancebo retendo-a pelo vestido, diz com voz suplicante: – Por piedade, ouvi-me! Ah! Eu não vos quero ofender! Se vós fordes humana como sois bela, já eu tenho achado abrigo! Senhora! Protegei-me, livrai-me de meus perseguidores! – Quem sois vós? Pergunta Henriqueta ainda timorata. – Eu sou um desgraçado proscrito! Eu fui um daqueles, que cansados com a opressão que o governo português fazia pesar sobre nós, soltaram o grito da Independência do Brasil. Eu fui perseguido, e procuro na fuga, livrar-me de meus inimigos. Vós podeis socorrer-me; ocultai-me na vossa casa por alguns dias até que eu possa atravessar os mares, e apartar-me assim de meus perseguidores. Henriqueta ficou por alguns instantes indecisa; porém a sua bondade prevaleceu. – Levantai-vos, diz ela: vós sois desgraçado! Este título basta para que eu vos proteja. Vinde comigo, eu vou apresentar-vos a minha mãe, ela também dará abrigo ao Brasileiro Proscrito. – Vós sois um anjo, responde o mancebo com a maior exaltação. Este mancebo achou um teto hospitaleiro na casa de Henriqueta, e depois de ter estado aí oculto quatro dias, despedia-se de sua benfeitora, quando Carlos entrando sem ser esperado, o surpreende no ato de sua despedida, interpreta mal os sentimentos de Henriqueta, e com a desesperação n'alma, parte sem querer ouvi-la. Quantas vezes as melhores ações da nossa vida são mal recompensadas! Porém Deus nos julga com justiça, e então desprezamos o juízo dos homens.

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Um ano inteiro esteve Carlos em França, procurando esquecer-se de Henriqueta, no meio dos prazeres; porém debalde, a sua imaginação o trazia sempre para sua pátria. Quando ele ia ao teatro, e ouvia as mais célebres cantoras e enquanto o povo as aplaudia, lágrimas de saudades lhe saltavam dos olhos. Ele se lembrava da voz doce, e suave de Henriqueta, e se achava isolado no meio dos homens. Não podendo suportar por mais tempo as angústias de seu coração, ele partiu para o Brasil. E Henriqueta? Ah! Ela foi bem desgraçada! Ela viu desvanecer-se em um instante o sonho da sua vida. Como todas as pessoas sensíveis, ela se tinha entregue ao amor que lhe inspirou Carlos, o seu amor era a sua existência. Em um momento, ela perdeu toda a esperança, e uma resignação melancólica, consequência de seu caráter, apoderou-se dela. Uma noite a lua brilhava no firmamento, uma brisa aromática embalsamava os ares, e a agitação das folhas causava um triste murmúrio. Henriqueta, encostada sobre uma janela, admirava esta bela cena. Pouco a pouco seus olhos se arrasaram de lágrimas, e entre soluços ela proferiu estas palavras: – Ingrato! Assim pagaste o meu amor! Ah! Tu não me conhecias bem, pois me julgaste capaz de trair-te! Eu trair-te? Oh! Não! Meu Deus! Faze com que ele volte, eu irei lançar-me a seus pés, e lhe direi: Carlos, eu vos amo! Eu sempre vos amei! Eu sou inocente; as aparências me criminam, porém ouvi-me, eu quero justificar-me! Tu, sim! Tu não me amas! Mas eu!!... Ah!... As lágrimas corriam pelas suas faces. Depois de ter chorado algum tempo silenciosamente, assenta-se a seu piano. Enquanto Henriqueta lastimava a sua sorte, um mancebo entrava furtivamente pela porta do jardim. Este mancebo era Carlos. Ele tinha voltado de França, e vinha mitigar as suas saudades, e olhando para o teto que abrigava a sua amada: – ele não se animava a aparecer em presença dela. Com precaução caminhava para junto de uma janela, quando o som do piano o faz parar repentinamente, e depois de um triste prelúdio, ouviu distintamente esta modinha cantada por Henriqueta:

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Se os meus suspiros pudessem A teus ouvidos chegar Virias que uma saudade É bem capaz de matar.

O coração de Carlos parecia querer saltar fora de seu peito; uma sensação doce, e triste ao mesmo tempo se apoderou dele: a música desta modinha, que era a sua favorita, lhe fez lembrar os deliciosos momentos passados junto de Henriqueta; esta voz tão conhecida vibrou em seu coração. Carlos estende os braços, e quer exclamar: Henriqueta?! Porém a sua voz emudece; e ela continua a cantar:

Não é do zelo o meu queixume, Nem do ciúme abrasador; É da saudade que me atormenta, Quando se ausenta o meu amor.

A voz de Henriqueta no fim da modinha era fraca e entrecortada, os soluços não a deixaram acabar. Carlos por um movimento involuntário salta pela janela e vem cair de joelhos aos pés de Henriqueta. – Henriqueta! Henriqueta! Perdão!! – Carlos!!... Ela quis levantar-se, porém as forças lhe faltaram, e caiu outra vez assentada, branca como o alabastro. – Henriqueta! Continua Carlos beijando-lhe as mãos; eu não posso viver sem ti! Oh! Não! Isso me é impossível!! Dizei! Dizei que ainda me amais! Eu serei feliz! – Eu sempre te amei! Ingrato! – Eu?!... Tu sempre me amaste!... É isto possível meu Deus! Serei ainda feliz!... Repete, repete o que disseste!... Mas não! Tu me enganas; eu vi que ele te beijava as mãos, eu ouvi as suas expressões apaixonadas! Oh! Meu Deus! E eu não morri!

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– Carlos, eu cumpria um dever de humanidade, eu salvava um Proscrito das garras de seus perseguidores; por ser humana tu me desprezaste! Ouve a minha confissão?! Henriqueta conta a Carlos a história do mancebo, e ele conhecendo a sua injustiça, com o prazer no coração, e as lágrimas nos olhos, faz novos protestos de amor. – Eu juro, diz ele; eu juro pelo Criador do Universo, de te amar até o meu último momento! Eu juro pelos teus olhos de nunca mais desconfiar de teu amor. – Carlos!!!... – Henriqueta!!!... Os dois amantes lançam-se nos braços um do outro, e esqueceram em um instante tantos dias de dor. Um mês depois, Carlos uniu-se à bela Henriqueta, e um terno e sincero amor acompanhou sempre estes dois esposos por toda a sua vida. L. C. M. Pena.

Uma Viagem na Barca a Vapor4

São oito horas e meia, e o almoço ainda não está na mesa! Ó Estulano, apressa- te; só tenho meia hora antes que a barca das 9 parta! Chega o almoço, depois de ter o rapaz quebrado uma xícara com a pressa; assento-me; entorno o prato dos bifes; escaldo a boca com o chá; enfio a casaca, e eis-me na rua andando quase correndo para não ficar logrado. Na verdade, nada há tão desenxabido como o chegar-se na ponte no momento que a barca acaba de largar, fica-se olhando para ela com cara de tolo, como a de uma criança quando vê o passarinho fugir-lhe da mão. Para não me acontecer outro tanto, enfio pela rua da Cadeia como um foguete, atravesso a rua da Misericórdia, passo pela rua do Teatro de S. Januário, e acho-me na Praia D. Manoel; aí esperava-me a maior das tribulações daqueles que pretendem atravessar na barca, falo dos falueiros. Misericórdia! Aí, aí vem! – Senhor vai para S. Domingos? – Pataca e meia, eu passo o Senhô pra Praia Grande.

4 Texto publicado pelo Correio das Modas em 13 de abril de 139.

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– Não quero ir em falua, respondo já de bengala no ombro, vendo vir novo reforço. Em poucos instantes vejo-me cercado sem poder dar um passo. – Falua, Senhor? – A minha é mió. – Entra na minha, fala só uma pessoa; dois vinténs! – Senhó – Senhó! – A barca ainda tarda! – Senhor está com pressa, vem!... Um puxa-me pelo braço, outro pelas abas da casaca; e eu vendo-me impacientado puxo pela bengala, abro caminho às cacetadas, e chego na ponte. Faltava um quarto para às 9; a barca ainda não tinha chegado. A primeira pessoa que vi sentada em um dos bancos da coberta da ponte, foi uma mulher que já se tinha despedido havia muitos anos dos joelhos; tal era o tamanho da barriga. A seu lado um criolinho enfeitadinho como um macaco de feira, brincava; e no fim de alguns momentos deitou-se na barriga da mulher, e dormiu. Um pouco mais adiante estava um velho de calças de ganga amarela, colete de riscado encarnado, e uma casaca que mais perecia capote. Tinha este velho na mão alguns jornais que folheava de diante para trás, e de trás para diante: sem nunca achar o que procurava. Estavam mais algumas outras pessoas dos quais me não recordo. Puxo o meu tostão, compro o bilhete; e encostado na ponte espero que chegue a barca, e vejo assim mais à vontade as pessoas que entram. Três jovens, (como se diz agora) que me pareceram empregados, entravam conversando; porém não pude ouvir senão as palavras: "Pagode, e Madamismo." Pareceu-me que estas duas palavras faziam o fundo da conversa, ainda que não me foi possível adivinhar a que propósito, falavam eles dos Templos da Índia. Um sujeito que estava a meu lado, e a quem fiz esta observação, disse, que esta palavra estava agora muito em moda. Calei-me. Um instante depois entrou uma velha pelo braço de um velho, e precedida de duas belas mocetonas; os quais foram-se assentar junto da mulher barriguda. Chega um frade espanhol; um oficial de Marinha, e outros muitos que pelo número não observei particularmente. – Chega a barca! A este grito todos voltaram a cabeça e encaminharam-se para as grades a fim de espiar.

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A barca vinha correndo com velocidade, deixando no mar um rastilho branco; e um turbilhão de fumaça saiu de seu cano. – Foi bem feliz a invenção das barcas, e carros movidos pelo vapor: disse eu com os meus botões. É pena que não se possa também fazer Ministros de vapor; mesmo assim muitos haviam-se de queixar dos que atiçavam o fogo nos Ministros vaporosos! Esta gente nunca está contente! Atraca a barca; sai a gente que nela vem; abre-se a grade, e encaminhamos-nos todos para tomar lugar. Depois de eu ter entrado, seguindo sempre as duas moças, entra o frade, seguido da mulher barriguda, trazendo o moleque pela mão; apenas tinham eles posto o pé dentro da barca, que esta avançando-se com uma vaga, bate de encontro da ponte, faz perder o equilíbrio de ambos. O frade cai para trás, e encontrando no meio da queda a mulher barriguda atira-a no chão, e cai assentado em cima da barriga. Ai! Ai! Gritava a pobre mulher estendida como uma tartaruga. Ai! Que morro! O moleque chorava, uns gritavam que acudissem a mulher, outros riam-se; e o frade levantando-se muito desconfiado foi-se assentar junto do leme; a ordem restabeleceu- se; e continuou a entrar mais gente. Já estava bom número de pessoas assentadas, quando vi um rancho de moças dirigindo-se para nós; entram; e as minhas duas vizinhas (as mocetonas) levantam-se, e vão ao encontro das recém-chegadas. – Adeus, meus Azedumes! Adeus minhas Teteias!... Meus Enleios, como está! – Sempre veio! – Pois então, não lhe tinha dito! – Ora! Eu pensei que você estava me enganando! – Qual! – Há muito tempo que não lhe vejo, minhas Teteias! – É verdade!... Os beijos ferviam, e eu com inveja de não ser também Teteia das meninas. Depois de falarem muito com todo o desembaraço como se estivessem em suas casas, assentaram-se, e fui tão feliz que fiquei no meio da Azedume e da Teteia. A sineta tocou pela terceira vez, e a barca largou. Dois sujeitos tinham ficado em pé, espiando muito admirados para o maquinismo. Defronte de mim estava um sujeito falando muito alto, e gesticulando fortemente. Pela conversa conheci que era um Deputado Provincial.

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– Sim Senhor! Dizia ele para o seu companheiro, que também me parecia Deputado: façam-se as pontes! – Não te lembras, respondia o outro: não te lembras, que se não podem fazer muitas pontes sem que tragam outras muitas despesas! São preciso estradas, e estas não se fazem com pouco dinheiro. – Não sei disto! Retorquia o primeiro: façam-se as pontes! O Brasil precisa muito de pontes, sem pontes não pode haver prosperidade, e se não fizermos pontes temos breve uma revolução! Eu cá não voto senão pelas pontes!... – E então! Que tal a mania! Deu-lhe para boa coisa! Quer este Senhor que se façam pontes por toda a parte, ainda que não sirvam senão para os veados, e pacas. Cada um sua mania! – Pôm! Pôm!... Volto a cabeça espantado e vejo o oficial de Marinha em pé no meio do convés, explicando a tomada do Forte de S. João de Ulloa. – Aqui é o Forte; dizia ele levando o dedo à boca, e marcando com saliva um lugar no convés: aqui é a esquadra francesa. Rompe o fogo na esquadra! Pôm! Pôm! Pôm! O Forte responde: Pôm! Pômpôm! Pômpômpôm! Pôm! E com as mãos fechadas, o bom do oficial, dava socos no ar, para mostrar mais ao vivo o fogo da artilharia. Depois de meia hora de fogo, continuou ele, uma bomba saiu de um dos navios franceses, e foi pelo ar. Zem! Zem! Zem! Cai no lugar onde se guardava a pólvora no Forte; Prrrampatampampôôôm! Tudo voou pelos ares. Não houve remédio senão renderem-se! Ah! Ah! Ah!... As minhas vizinhas riam com tanto prazer, e tão imoderadamente que o homem-combate foi se esconder atrás da roda do leme. Ouvia-se uma conversação geral de todos os lados da barca; o sussurro que ela ocasionava não deixava distinguir uma em particular, e privado eu deste prazer voltei as vistas para a Teteia que na verdade estava um pouco buliçosa. – Meus Azedumes, você não tem vindo ao teatro? – Ora! É tão incômodo! – É verdade! É muito incômodo. Ainda eu tenho a casa de Maninha aonde ficar. Se tivesse de voltar na mesma noite de certo não iria ao teatro.

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– Como está Maninha? Pergunta a Teteia debruçando-se quase por cima de mim. – Está boa. Ela disse-me que você era uma ingrata, e que não sabia que mal lhe tinha feito para que você não aparecesse. – Não é por ser ingrata! Tenho andado sempre incomodada com os meus ataques nervosos! – Você ainda não está melhor? – Qual! Aqui foi a conversação das meninas interrompida pela voz do velho dos jornais que os lia gritando: "aluga-se uma boa ama de leite própria para cria...". Dois rapazes que estavam junto do velho não o deixaram acabar com as suas risadas comprimidas. O velho guardou os jornais no bolso, com muito mau humor, e disse rosnando: "os rapazes deste tempo são muito mal criados!" Já íamos defronte da Fortaleza de Villegagnon quando "os meus Enleios" principiou a enjoar. Que momos que fez! Que caídos! Que me deixes! – Mamam! Dizia a enjoada com voz compungida. Tudo andava em um reboliço. A mãe toda desgrenhada dando aos diabos a barca, faria chorar mesmo a um boi. Uma puxava daqui, outra dacolá; e no fim de muitos suspiros, e ânsias ficou a menina mais aliviada; e eu fui me escafedendo quando me vi metido no meio de tanta bulha. Mas onde fui eu cair! (Desgraçado de mim!) Entre dois mentirosos. – Olhe, dizia um deles: eu ia uma ocasião para a Costa da África, e quando já estávamos junto da costa o navio deu em um rochedo, e fez-se em pedaços. Morreram todos! Só eu escapei pelo sangue frio que mostrei. Entre outras mercadorias, que levávamos iam alguns potes de barro. Logo que o navio tocou lanço um pote no mar e salto em cima dele em pé, levando outro na mão; boto este no mar um pouco mais adiante, e piso-o com o pé direito, com o esquerdo dou um ponta-pé no pote que ficava atrás, este vem para diante, e eu dou uma passada; o mesmo fiz com o outro pote; e de ponta-pé em ponta-pé cheguei a terra sem ter molhado nem ao menos as solas do sapato.

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– Com efeito esta é boa! Não há dúvida! Responde o outro: porém não se admire do que lhe aconteceu, que a mim aconteceu uma melhor. Um dia vinha eu do Porto da Estrela em uma falua carregada de moringues. Um tufão de vento volta a falua, e todos nós fomos para o mar. Nem eu nem as outras pessoas que vinham sabiam nadar; porém uma circunstância livrou-nos da morte. O mar ficou coalhado de moringues, e cada um de nós agarrou no seu. A água entrava pelos bicos. Glou! Glou! Glou! E quando o moringue se enchia, e ia ao fundo, nós lançávamos mão de outro. Só eu botei ao fundo mais de 50; porém chegamos à terra com vida. – Também é boa! É boa!... Disse o primeiro um pouco desconfiado. No meio destes, e outros casos que a falta de espaço não permite numerar, chegamos à ponte da Praia Grande. Aí ia a mãe das meninas escapando de cair no mar; felizmente só se assustou. A enjoada achou logo o braço de um cavalheiro para ajudá-la a caminhar. Há gente que se aproveita de tudo! Eu caminhei para casa do amigo a quem ia visitar, donde voltei às 5 horas da tarde na barca, e em cuja viagem me aconteceram casos que por outra vez publicarei. L. C. M. Pena.

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Representações de Martins Pena em Números1

Peça 1838-1850 1851-1860 Total O Noviço 07 64 71 Os Dois ou O Inglês Maquinista 20 20 40 O Judas em Sábado de Aleluia 13 26 39 Os Irmãos das Almas 21 18 39 Quem Casa, Quer Casa 08 10 18 A Família e A Festa da Roça 08 05 13 O Juiz de Paz da Roça 13 0 13 O Caixeiro da Taverna 05 06 11 Vitiza ou O Nero de Espanha 05 0 05 O Diletante 02 02 04 As Casadas Solteiras 03 0 03 A Barriga de Meu Tio 02 0 02 O Cigano 02 0 02 O Namorador ou A Noite de São João 02 0 02 O Segredo de Estado 02 0 02 Os Ciúmes de um Pedestre 02 0 02 Os Meirinhos 02 0 02 Os Três Médicos 02 0 02 As Desgraças de uma Criança 01 0 01 Total 120 151 271

1 Os dados estatísticos foram obtidos por meio da análise dos anúncios teatrais divulgados pelo Diário do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio, e do artigo "Martins Pena no Palco", publicado pela revista Dionysos (n. 13, Ano X, p. 79-89, Fev./1966). Trata-se de um levantamento das exibições oferecidas pelas seguintes salas de espetáculo: Teatro de São Pedro de Alcântara, Teatro de São Januário, Teatro de Santa Tereza (antigo Niteroiense), Teatro de São Francisco, Teatro Tivoly e Teatro Lírico Fluminense (antigo Teatro Provisório).

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Preços dos Bilhetes dos Espetáculos Teatrais no Rio de Janeiro (1840-1855) (valores expressos em réis)

Teatro Ginásio São Pedro de Alcântara São Januário São Francisco Provisório Dramático Assento 18401 18452 18513 18454 18445 18526 18557 Plateia 640 1.000 1.000 1.000 1.000 1.000 1.000 Cadeira 1.000 2.000 2.000 2.000 2.000 2.000 2.000 8.000 - 1ª 2.400 8.000 5.000 6.000 10.000 - 12.000 6.000 10.000

2ª 3.200 10.000 12.000 6.000 8.000 12.000 - 15.000 8.000

3ª 2.400 8.000 8.000 4.000 5.000 10.000 - 12.000 4.000

Camarotes (Ordem) Camarotes 4ª * 4.000 4.000 ** ** 4.000 - 6.000 **

* Informação não localizada. ** O teatro não possuía camarotes de 4ª ordem.

1 Valores divulgados em anúncio teatral. (Diário do Rio de Janeiro, 05 de outubro de 1840). 2 Valores estabelecidos pelo comunicado de Luiz Manuel Álvares de Azevedo. (Diário do Rio de Janeiro, 14 de março de 1845). 3 Valores estabelecidos pelo contrato assinado entre João Caetano e o Estado. (Jornal do Commercio, 20 de janeiro de 1851). 4 Valores divulgados em anúncio teatral. (Diário do Rio de Janeiro, 03 de setembro de 1845). 5 Valores divulgados em anúncio teatral. (Diário do Rio de Janeiro, 03 de fevereiro de 1844). 6 Valores divulgados em anúncio teatral. (Diário do Rio de Janeiro, 23 de novembro de 1852). 7 Valores divulgados em anúncio teatral. (Jornal do Commercio, 08 de abril de 1855).

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A Festa e A Família da Roça1 (Comédia original)

Não seremos nós quem vai, por meio de censuras violentas, pear o voo do talento. Bem quiséramos nada dizer acerca desses primeiros ensaios, em que o gênio mede suas forças e o campo imenso que se lhe desdobra à vista, e em que as mediocridades sucumbem exaustas, sem lhes ser possível nada mais tentar; mas, em tal caso, fora nosso silêncio uma reprovação tácita, e não é por certo intuito nosso reprovar a comédia do autor do bem aceito Juiz de Paz da Roça: diremos pois alguma coisa sobre ela. O enredo da comédia é fraco, com alguma dose de inverossimilhança. Domingos João, ou coisa que o valha, tem uma filha um pouco simplória, mas muito garrida para uma roceira, e a pretende casar com um vizinho eminentemente samoco, que possui, além de muita simpleza, um sítio e quarenta escravos. Ora, Quitéria, roceira espevitada, tem seus namoricos com Juca, estudante de medicina, a quem muito estima, e de quem o tal estudante está excessivamente namorado, porque jurou a seus deuses dar a mão de esposo à uma roceira, visto gostarem as moças da cidade só de amantes ricos, que possam levá-las a londrear por esses bailes e partidas. O estudante quer desposar Quitéria; esta não deseja outra coisa, mas está prometida ao samoco, que por cima de tudo é feio como um urso. Que fazer em tais circunstâncias? Aí é que são elas; desta vez, à reputação clássica de que gozam os estudantes na invenção de astúcias, com que se saiam bem de entaladelas, foi, força é dizê-lo, algum tanto comprometida. Entre os expedientes que podiam vir à imaginação, adotou um em que só podia ser pilhado o estimável Domingos João. Disse à moça fingisse grave incômodo quando lhe falassem em casar com o tal samoco, e se mostrasse boa quando lhe fizesse um sinal. Ora, as coisas assim acontecem, e sendo chamado o Sr. Juca para curar a moçoila, diz que ela sofre de uma febre de carbonato de potassa; que é da natureza dessa febre ter amiudados acessos, podendo a menina sucumbir em um deles, se não tiver a seu lado quem entenda de medicina. À vista de tão sólidas razões, Domingos João, sem mais nem menos, para salvar a vida de sua filha,

1 Crônica teatral publicada pelo Jornal do Commercio a 05 de setembro de 1840.

193 revoga a palavra dada ao bocó, e a casa com o estudante. Como é para bem de todos, o futuro cede seus direitos, até porque não quer por esposa mulher que tem eclipses. Talvez pense o leitor que, com esse desfecho, um poucachito inverossímil, terminou tudo; mas qual! Segue-se a festa do Espírito Santo, os foliões, o coreto de barbeiros, o povo que vem assistir à festa, e o leilão, em que, por expiação dos pecados dos espectadores, arremata-se um pão-de-ló, uma galinha, e o cartucho do segredo. Ora, por esse incompleto e mais que humilde esboço da comédia a Festa da Roça, pode o leitor fazer, se bem que incompleta, ideia dessa comédia; falemos agora dos diversos caracteres das personagens que nela figuram. O fim do autor foi sem dúvida esboçar alguns dos costumes dos nossos roceiros. Ampla colheita poderá ele fazer nesse campo, ainda não ceifado pelo gênio: assim como a arte dramática deixou ainda intacta nossa história, assim também não há tirado de nossos hábitos e costumes todo o partido possível. A essa geração que principia a erguer-se agora, tão farta de esperanças, tão ávida de glória, pertence revelar ao público tantos tesouros, que parecem bradar por quem os roube ao esquecimento em que jazem sepultados. Ânimo! Pois, diremos aos que encetam tão brilhante carreira; nada de esmorecer no começo. Não é porém sem muito estudo e meditação, sem muita teima e porfia, que se pode tocar a meta desejada. Mas falemos da comédia. O fim do autor, como vai dito, é esboçar nossos costumes; mas, se nesse empenho, se no desejo de retratar as nossas coisas mostrou originalidade, e até alguma fidelidade no pincel, nem sempre conseguiu o seu fim. O noivo de Quitéria tudo será, em nossa opinião, menos um roceiro de serra acima; mas dir-nos-ão: – Como assim? Não apareceu ele de pés no chão e botas penduradas em um pau? Não fazia gestos despropositados? Não contava a seu modo o que vira na corte? – Não há dúvida, mas não basta trazer os pés descalços e as botas penduradas para caracterizar o roceiro, e um roceiro de serra acima. Esse tal senhor, cujo nome nos não lembra, possuía um sítio e quarenta escravos, e desafiamos a que nos mostrem um roceiro de serra acima gozando de tal abastança, que venha à cidade fazer destacamentos, e caminhe, pé descalço, até o seu sítio. O habitante de serra acima, pelo contrário, é, por gosto e necessidade, cavalheiro; tudo ele

194 sofrerá, não terá trastes em casa, nem duas andainas de roupa, mas, um cavalo! Oh! Há de tê-lo por força. E como o não terá o que possui quarenta escravos? Demais, a maneira por que representou esse papel de roceiro o Sr. Manoel Soares deu o último golpe na verossimilhança que ele podia ter. Os nossos roceiros de serra acima, que cumpre não confundir com os de serra abaixo, tem outro modo de falar; seu dialeto é antes espevitado, como o falar à mineira, do que descansado e com tantos hiatos. Suas maneiras, se pecam, é, por algum tanto acanhadas e contrafeitas, que não por abrutalhadas. O Sr. Manoel Soares representou mais como um campônio de Portugal do que como um roceiro do Brasil. Domingos João não pode ser considerado o tipo dos nossos fazendeiros, se bem que nos cuidados minuciosos que dá nos arranjos domésticos um pouco se lhes aproxime, devendo-se todavia notar que raro é aquele que, gozando de alguma abastança, não incumba desses cuidados privativamente à sua caseira. Todo enlevado na plantação e colheita do café, contado é aquele que dá atenção a essas minudências; até chega a ponto de desdenhá-las, sofrendo muitas vezes as maiores privações por não cuidar, como convém, nos seus arranjos domésticos. Demais, o nosso fazendeiro é mais um senhor feudal que um roceiro ordinário, e Domingos João não pode, nem pelas suas maneiras, nem pela rapidez com que revoga sua palavra, mudando de genro com tanta facilidade, ser colocado naquela classe. Quitéria, tornamos a dizê-lo, é muito espevitada e garrida para uma roceira. O traço principal de nossas patrícias de serra acima é um recato às vezes excessivo. Quitéria, todavia, tem uma tal ou qual ingenuidade de roceira, muito original e bem apanhada. As suas contínuas alusões a S. João de Itaboraí são muito engraçadas, e mereceram os aplausos que obtiveram. O estudante de medicina tem algumas lembranças felizes, se bem que lhe não achássemos muita razão em não gostar das moças da cidade, por escreverem cartas citando Genlis, Staël e Lamartine. Segundo o nosso fraco entender, seria essa uma razão para gostarmos delas. Realmente, mais vale citar qualquer desses autores, do que algum trecho da donzela Theodora ou das aventuras de Bertoldinho. Além do que vai dito, notamos algumas expressões inadequadas. Não sabemos quais os nossos fazendeiros que façam entrar nos seus cálculos as rendas provenientes dos

195 pagamentos de foros. Oxalá que assim fosse! Tantas terras ainda não existiriam por arrotear, e a agricultura muito teria ganho. Se foi jocosa a entrada do moleque, posto mal caracterizado por vir de calças, não deixou de ser estranhável a corrida que lhe deram, e o não aparecimento de imensa negraria, quando Quitéria teve seus faniquitos. Na cidade, sim, corre-se com as crias para não escutarem o que se diz; mas na roça! Não é possível. O moleque é um ente necessário, indispensável, que se acha em casa do fazendeiro em todos os cantos; é como o ar que se encontra em toda a parte, como o sol que tudo vê e observa. O moleque, oh! Como passar sem ele na roça? Não se pede um copo d'água, não se move uma cadeira, não se dá um espirro, que se não veja o moleque ao lado. As cenas finais da festa do Espírito Santo foram muito bem caracterizadas: os foliões, os barbeiros, os moços da cidade, as comitivas, tudo realmente é assim; até no povo havia uma tal ou qual semelhança, que o aparecimento de alguns moleques tornaria completa. Mas a que veio tudo isso? Para que todas essas coisas? A função estava acabada, o enredo da peça terminado; que interesse pois podia excitar nos espectadores toda essa festança? Seria como uma cena de costumes? Mas que relação guardava ela com o enredo da comédia? Em vez de ser colocada no fim da comédia a Festa da Roça, não podia ter lugar em outra qualquer? Antes principiasse a representação pela festa, já que o autor queria descrevê-la por força; antes começassem nela os amores do estudante por Quitéria, ou aí a encontrasse casualmente; enfim, por qualquer maneira que fosse, pouco importa; era necessário ligá-la à ação principal do drama, para não ser considerada necessariamente como uma excrescência escusada. Sendo representada a festa no lugar em que foi, parece que todo o fim do autor foi mostrar a finura do estudante em rematar um pão-de-ló para presentear com ele a sua futura esposa. É ao menos essa a única ocasião em que se fala dessas duas mais importantes personagens da comédia. Em suma, apesar das imperfeições que vão notadas, não negaremos ao autor do Juiz de Paz da Roça lembranças felizes, graça, e certo tato em apresentar em cena o que merece censura e pode interessar os espectadores. O certo é que ao público agradou a comédia, que excitou longa hilaridade e obteve repetidos aplausos. Se não foi feliz o autor

196 na descrição dos nossos fazendeiros, é talvez porque esse tipo necessita ser bem compreendido, bem estudado, para ser devidamente representado. Só um Walter Scott seria capaz de apresentar em todas as suas gradações, quase imperceptíveis, esse tipo tão variado, que procura aliar as tradições do passado às modificações do presente, que une a franqueza ao interesse, o orgulho ao desejo de obsequiar, a afabilidade a essa rispidez de caráter, companheira inseparável daquele a cujo aceno movem-se centenas de escravos!

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As Estreias de Martins Pena em Espetáculos Beneficentes

Estreia em Espetáculo Beneficente ao Peça Ator/Atriz

O Judas em Sábado de Aleluia O Caixeiro da Taverna Manoel Soares As Casadas Solteiras A Barriga de Meu Tio

Os Três Médicos Ludovina Soares O Segredo de Estado

O Juiz de Paz da Roça Estela Sezefreda A Família e A Festa da Roça

Os Irmãos das Almas José Candido da Silva Quem Casa, Quer Casa

Os Dois ou O Inglês Maquinista Francisco de Paula Dias

O Diletante Gabriela da Cunha de Vecchy

O Namorador ou A Noite de São João Germano Francisco de Oliveira

O Cigano Florindo Joaquim da Silva

Os Meirinhos Grata Nicolini

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Anúncios das Encenações de Uma Mulher Feia

Jornal do Commercio, 11 de dezembro de 1846.

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Jornal do Commercio, 20 de dezembro de 1846.

202

Diário do Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1847.

203

Diário do Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1848.

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Sequenciamento de Cenas de O Judas em Sábado de Aleluia

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo .... Lulu Chiquinha - Lulu 1 ...... Chiquinha - Maricota Cenas de exposição: apresentação de dados Pimenta Chiquinha Maricota - Pimenta fundamentais do enredo 2 ...... Pimenta .... (espaço, tempo, condição inicial das personagens) 3 ...... Monólogo de Maricota ....

Repetição de palavra;1 Paródia literária Faustino .... Maricota - Faustino (melodrama);2 Mentira e 4 Engano3 Estabelecimento de conflitos do fio amoroso .... Maricota Monólogo de Faustino Esconderijo e Disfarce4

Monólogo do Cap. 5 Cap. Ambrósio ... Esconderijo Ambrósio

______1 Refere-se à repetição na fala de Faustino, que insinua o seu desejo de estar no mesmo quarto que Maricota: "FAUSTINO: – A mana! Oh, quem me dera ser a mana, para estar sempre contigo! Na mesma sala, na mesma mesa, no mesmo..." (PENA, 1956, vol. I, p. 134, grifos meus). 2 Momento em que Faustino declama os seus lamentos, de modo exagerado, devido ao amor não correspondido por Maricota. 3 A mentira se faz presente nas falas de Maricota, que mente sobre os seus verdadeiros sentimentos por Faustino, enganando-o com falsas esperanças. 4 Faustino se veste com a roupa do boneco Judas e assume o seu posto na sala da casa de Pimenta, escondendo-se das outras personagens.

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Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

Maricota - Cap. Maricota .... Esconderijo; Engano; 6 Ambrósio Fazer alguém de bobo5 e Uso de aparte Estabelecimento de conflitos do fio amoroso (cont.) Pimenta ...... Cap. Ambrósio - Repetição de indagação6 7 .... Maricota Pimenta e Uso de aparte

Estabelecimento de conflitos Cap. Ambrósio e Cap. Ambrósio - do fio referente aos negócios 8 ...... Pimenta Pimenta ilícitos praticados pelas personagens

9 ...... Monólogo de Faustino .... Encontro das tramas / Mudança no rumo do enredo 10 Chiquinha Chiquinha Faustinho - Chiquinha Quiproquó

______5 Maricota engana o Capitão Ambrósio, fingindo amá-lo; em seguida, engana-o, novamente, ao fazê-lo procurar por um gato que não existe. 6 Enganado por Maricota, o Capitão Ambrósio pergunta, repetidamente, a Pimenta sobre a existência de um gato na casa: "CAPITÃO: – Pois o senhor não tem um gato? (...) E nunca os teve? (...) Nem suas filhas, nem seus escravos? (...) Com que nem seu pai, nem a sua irmã e nem seus escravos têm gato?" (PENA, 1956, vol. I, p. 140).

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Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

Pimenta .... Monólogo de Pimenta .... Estabelecimento de conflitos do fio referente aos 11 Antônio .... Pimenta - Antônio Esconderijo; Fazer negócios ilícitos praticados alguém de bobo e pelas personagens (cont.) ...... Pimenta - Cap. Ambrósio Equívoco

Pimenta - Antônio - Cap. Cap. Ambrósio .... Equívoco Ambrósio Chiquinha - Cap. Chiquinha, Maricota, Ambrósio quatro meninos e dois Faustino moleques Chiquinha - Pimenta

12 Faustino - Pimenta Clímax / Final Quiproquó e Malogro da

vontade7 Faustino - Maricota Faustinho e "turba de "turba de garotos e garotos e moleques" moleques" Faustino - Cap. Ambrósio

Faustino - Antônio

______7 Os oponentes de Faustino – Capitão Ambrósio, Pimenta, Antônio e Maricota – têm os seus desejos malogrados na cena final da comédia, restando-lhes apenas consentir com as punições do juiz Faustino: "CAPITÃO: – Será servido. (À parte) Que remédio; pode perder-me!" (PENA, 1956, vol. I, p. 150); "PIMENTA: – O que lhe hei de eu fazer, senão consentir!" (Idem).

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Sequenciamento de Cenas de Os Irmãos das Almas

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo 1 ...... Monólogo de Luísa .... Sátira de costumes1 e 2 Eufrásia Eufrásia Luísa - Eufrásia Animalização do marido2 ...... Monólogo de Luísa .... Sátira religiosa,3 3 Animalização da Cenas de exposição: Jorge .... Luísa - Jorge esposa/sogra4 e apresentação de dados Adjetivação chula5 fundamentais do enredo (espaço, tempo, situação Felisberto Felisberto Luísa - Jorge - Felisberto Caractere cômico de 4 6 inicial das personagens) .... Jorge Luísa - Jorge personagem ...... Monólogo de Luísa 5 .... Mariana Luísa Monólogo de Mariana Sousa Esconderijo e 6 Jorge .... Mariana - Sousa Animalização do (atrás da porta) genro7

1 Martins Pena satiriza os indivíduos que frequentavam as celebrações religiosas por exercício de sociabilidade e divertimento. 2 "EUFRÁSIA: – Sabes tu o que é um marido? É um animal exigente, impertinente e insuportável... A mulher que quiser viver bem com o seu, faça o que eu faço: bata o pé, grite mais do que ele, caia em desmaio, ralhe e quebre os trastes. Humilhar-se? Coitada da que se humilha! Então são eles leões. O meu homem será sendeiro toda sua vida". (PENA, 1956, vol. I, p. 170-171). 3 Martins Pena satiriza as irmandades religiosas do Rio de Janeiro. 4 Jorge compara a esposa e a sogra a víboras. 5 "Mulher linguaruda" e "velho infernal, mexeriqueiro baboso!" (PENA, 1956, vol. I, p. 172). 6 Jorge age como um homem medroso e covarde. 7 "MARIANA: – Só o diabo do marido é que lhe dá desgostos; é uma besta que meti em casa..." (PENA, 1956, vol. I, p. 175).

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Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo Mariana - Sousa - Cenas de exposição 7 Felisberto Mariana Uso de aparte Felisberto (cont.) Caractere cômico de Estabelecimento de Jorge Jorge Sousa - Felisberto - Jorge personagem8 conflitos do fio religioso 8 (referente aos trabalhos .... Sousa e Felisberto Sousa - Felisberto .... de coleta de esmolas pelos irmãos das almas) Animalização da 9 Jorge .... Monólogo de Jorge esposa/sogra9 Caractere cômico de personagem10 e 10 Eufrásia .... Jorge - Eufrásia Estabelecimento de Animalização do conflitos do fio familiar marido11 (referente às relações Mentira,12 domésticas entre Animalização da Mariana Jorge Jorge - Eufrásia - Mariana marido/Jorge, esposa/sogra13 e esposa/Eufrásia e 11 Pancadaria sogra/Mariana) Luísa Luísa Eufrásia - Mariana - Luísa .... Luísa Eufrásia e Mariana

8 Jorge age como um homem medroso e covarde, ao se esquivar de uma luta corporal contra Felisberto. 9 "JORE: – Os diabos que as carreguem, corujas do diabo! (...) Vou ensinar àquelas víboras!" (PENA, 1956, vol. I, p. 177). 10 Jorge teme a aproximação exasperante da esposa, que o indaga, repetidas vezes: "EUFRÁSIA: – "Quem é víbora?" (Ibid., p. 177-178). 11 Eufrásia insulta o marido de "pedaço de asno!" (Ibid., p. 178). 12 Eufrásia mente ao dizer à mãe que Jorge lhe dera uma bofetada. 13 Jorge insulta a sogra e a esposa de "grandissíssima tartaruga" e "grandissíssima lampreia", respectivamente. (PENA, op. cit., p. 178).

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Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo ...... Monólogo de Luísa Disfarce14 e Repetição Luísa - Tibúrcio Estabelecimento de 12 Tibúrcio Tibúrcio de ação15 Monólogo de Luísa conflitos do fio amoroso Tibúrcio .... Luísa - Tibúrcio Esconderijo16 Mariana, Eufrásia Luísa - Mariana - Eufrásia 13 Luísa, Mariana e Eufrásia .... e Sousa - Sousa ...... Monólogo de Sousa .... 14 Felisberto .... Sousa - Felisberto Esconderijo17 Jorge .... Monólogo de Jorge 15 Esconderijo18 Eufrásia Eufrásia Monólogo de Eufrásia Encontro das tramas / Eufrásia e Mariana .... Eufrásia - Mariana 16 Clímax Luísa .... Eufrásia - Mariana - Luísa Quatro permanentes, Eufrásia - Mariana - Luísa Um cabo e quatro 17 Sousa, Felisberto, Cabo e - Cabo - Jorge - Sousa - Quiproquó permanentes Jorge Felisberto Jorge Eufrásia - Mariana - Luísa 18 Eufrásia e Mariana (atrás da porta) - Tibúrcio Desenvolvimento das tramas (fio amoroso e fio 19 .... Luísa Luísa - Tibúrcio - Jorge .... familiar) / Mudança no rumo do enredo

14 Tibúrcio se disfarça de irmão das almas para adentrar a casa de Luísa. 15 Tibúrcio faz três saídas falsas da cena, sempre retornando ao palco. 16 Tibúrcio se esconde no armário da sala. 17 Felisberto e Sousa se escondem no mesmo armário em que se encontrava Tibúrcio. 18 Jorge também se esconde no mesmo armário onde as três personagens (Tibúrcio, Felisberto e Sousa) estavam escondidas.

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Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo Esconderijo19 e Uso de 20 ...... Tibúrcio Jorge aparte Mudança no rumo do Jorge - Mariana - Eufrásia enredo (cont.) 21 Mariana e Eufrásia Mariana e Eufrásia Mentira20 e Quiproquó - Tibúrcio Luísa Jorge - Tibúrcio - Luísa 22 Mariana, Eufrásia .... Jorge - Tibúrcio - Luísa - Quiproquó Final e um irmão das Mariana - Eufrásia - irmão almas das almas

19 Tibúrcio se esconde, novamente, no armário. 20 Jorge mente e diz ser um pedreiro-livre (maçom).

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Sequenciamento de Cenas de O Noviço

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

1 ...... Monólogo de Ambrósio ....

2 Florência .... Ambrósio - Florência Uso de aparte

Juca Juca Ambrósio - Florência - Juca Cenas de exposição: 3 .... apresentação de dados .... Ambrósio Ambrósio - Florência fundamentais do enredo (espaço, tempo, situação 4 ...... Monólogo de Florência inicial das personagens) Emília .... Florência - Emília 1 5 Florência - Emília - Repetição de fala

TO I I TO Ambrósio Ambrósio e Florência

A Ambrósio 6 ...... Monólogo de Emília .... 7 Carlos .... Emília - Carlos .... Estabelecimento de 8 Juca Juca e Emília Emília - Carlos - Juca .... conflitos do fio amoroso 9 ...... Monólogo de Carlos .... 10 Rosa .... Carlos - Rosa Esconderijo Estabelecimento de 11 ...... Monólogo de Carlos .... conflitos referentes à Ambrósio, bigamia de Ambrósio e à Ambrósio, Florência e Carlos - Ambrósio - 12 Florência e Esconderijo fuga de Carlos do Emília Florência Emília convento

______1 Ambrósio repete suas considerações sobre a vida e o convento: "AMBRÓSIO: – O mundo é um pélago de enganos e traições, um escolho em que naufragam a felicidade e as doces ilusões da vida... E o convento é porto de salvação e ventura, único abrigo da inocência e da verdadeira felicidade". (PENA, 1956, vol. I, p. 297).

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Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo ...... Monólogo de Carlos Rosa .... Carlos - Rosa .... 13 Juca Juca Carlos - Rosa - Juca Estabelecimento de Juca Juca e Rosa Carlos - Rosa Engano conflitos referentes à ...... Monólogo de Carlos .... bigamia de Ambrósio e à TO I I TO 14 fuga de Carlos do A Juca Juca Carlos - Juca Travestimento convento (cont.) Mestre dos 15 Noviços e três .... Carlos - Mestre dos Noviços Engano e Quiproquó meirinhos Carlos - Mestre dos Noviços Travestimento; 16 Rosa .... Clímax - Rosa Engano e Quiproquó

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Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo Travestimento e 1 .... Juca e Carlos Carlos - Juca Esconderijo

2 Ambrósio .... Monólogo de Ambrósio ....

Quiproquó; Uso de 3 Carlos Ambrósio Ambrósio - Carlos aparte e Engano Encontro e 4 ...... Monólogo de Carlos .... desenvolvimento dos três Ambrósio .... Carlos - Ambrósio Uso de aparte fios da comédia Quiproquó; Uso de Florência e Carlos - Ambrósio - .... aparte; Engano e Emília Florência - Emília Malogro da vontade2 TO II II TO 5 A Mestre dos Carlos - Ambrósio - Noviços, .... Florência - Emília - Mestre .... meirinhos e dos Noviços permanentes Carlos - Ambrósio - Meirinhos, permanentes e 6 .... Florência - Emília - Mestre .... Carlos dos Noviços

Mudança no rumo do Ambrósio - Florência - 7 .... Mestre dos Noviços .... enredo Emília - Mestre dos Noviços

Ambrósio - Florência - 8 .... Emília Uso de aparte Emília ______2 O plano de Ambrósio de encarcerar Carlos, Emília e Juca em conventos, para assim tomar posse de suas heranças, é frustrado pelos ardis de Carlos, que ameaça revelar a bigamia de Ambrósio.

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Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

...... Ambrósio - Florência Uso de aparte; Repetição de TO II II TO 9 3 Clímax A indagação; Engano Rosa e Meirinhos .... Ambrósio - Florência - Rosa e Duplo sentido4

______3 Florência pergunta, insistentemente, a Ambrósio sobre a identidade da mulher que estava escondida no quarto de sua casa: "FLORÊNCIA: – Sr. Ambrósio, quem era a mulher que estava naquele quarto?" (PENA, 1956, vol. I, p. 318). 4 "AMBRÓSIO: – Florencinha, encanto da minha vida, estou diante de ti como diante do confessionário, com uma mão sobre o coração e com a outra... Onde queres que eu ponha a outra?" (Ibid., p. 319).

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Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo 1 .... Juca Florência - Emília - Juca .... José José Florência - Emília - José 2 .... Cenas recapitulativas e .... Emília Florência - Emília explicativas 3 ...... Monólogo de Florência ....

Carlos .... Monólogo de Carlos .... 4 ...... Monólogo de Florência Esconderijo

5 Emília Emília Florência - Emília .... Desenvolvimento de conflitos referentes à Emília e Mestre Florência - Emília - Mestre fuga de Carlos do 6 Mestre dos Noviços Esconderijo dos Noviços dos Noviços - Carlos convento TO III III TO A Esconderijo e Jogo 7 ...... Florência - Emília - Carlos de palavras5 José José Florência - Emília - José 8 ...... Emília Florência - Emília

9 ...... Monólogo de Florência .... Desenvolvimento de Disfarce e Uso de conflitos referentes à 10 José e Ambrósio José José - Ambrósio aparte bigamia de Ambrósio Quiproquó; Ambrósio - Florência - 11 ...... Esconderijo; Uso de Carlos aparte e Pancadaria

______5 "EMÍLIA: – E para que o prendem? / FLORÊNCIA: – Prendem-no porque ele foge. / EMÍLIA: – E ele foge porque o prendem". (PENA, 1956, vol. I , p. 326).

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Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo Jorge, quatro 12 homens armados Florência e Emília Florência - Jorge - Emília Equívoco e Emília Carlos e quatro homens 13 .... Jorge - Carlos Equívoco Clímax armados Florência e 14 Jorge Jorge - Florência - Emília Equívoco Emília 15 ...... Florência - Emília Equívoco Juca Juca Florência - Emília - Juca 16 ...... Emília Florência - Emília Rosa .... Florência - Rosa Desenvolvimento de Esconderijo e conflitos referentes à TO III III TO 17

A ...... Florência - Rosa - Ambrósio Pancadaria bigamia de Ambrósio Florência - Rosa - Ambrósio 18 Emília ...... - Emília

Florência - Rosa - Ambrósio - Emília - Carlos - Jorge - Carlos, Jorge e Meirinho soldados 19 .... Malogro da vontade Final Todos exclamam

Mestre dos Ambrósio - Carlos - Mestre Noviços dos Noviços

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Anúncio da Estreia de Fabio o Noviço ou A Independência de Milão

Diário do Rio de Janeiro, 12 de abril de 1845.

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Fabio le Novice

PROLOGUE LUDOVIC, entrant. Chère Thécla! Personnages THÉCLA LE COMTE LUDOVIC MANZONI (25 ans) C'est toi!... Oh! Quelle nuit j'ai passée!... THÉCLA, sa femme (20 ans) Attentive au moindre bruit, sitôt que LE MARQUIS DE LEGANEZ, père de j'entendais marcher dans la rue, je m'élançais Thécla (60 ans) vers cette porte, espérant que tu allais y POLICASTRO, ouvrier ciseleur (25 ans) frapper... DON BERNARDO, Prieur du couvent des LUDOVIC Dominicains Pauvre amie! UN OFFICIER ESPAGNOL THÉCLA FERNAND, fils de Thécla Vingt fois déçue, j'avais fini par m'endormir UNE SERVANTE près du berceau de Fernand... Mais quel Soldats espagnols, Hommes du peuple, sommeil pénible!... Tantôt la figure de mon Moines, etc. père apparaissait devant moi, pâle et menaçante... Puis je croyais entendre les gémissements d'un homme qu'on assassine... Milan, 1580 Je reconnaissais ta voix, et tout éperdue... Mais je te revois... Tu n'es pas même blessé... Dans une petite maison occupée par Thécla. Ce n'était qu'un rêve! Une chambre très simplement meublée dans LUDOVIC le goût du seizième siècle. Portes latérales; Et Fernand, a-t-il passé une nuit meilleure porte au fond. À gauche, sur le premier plan, que la tienne? une fenêtre. THÉCLA O pauvre ange! Son sommeil n'a pas été SCÈNE PREMIÈRE troublé un instant... Veux-tu le voir? LUDOVIC, THÉCLA. LUDOVIC On entend frapper à la porte du fond. Non. Je ne résisterais pas au désir de THÉCLA, courant ouvrir. l'embrasser, et je le réveillerais peut-être... Ludovic!

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THÉCLA il était allé avec sa jeune femme à l'église de Mon Ludovic!... Mais maintenant tu vas me Saint-Étienne, lorsque, au sortir de l'office dire les motifs de ton absence... Apportes-tu divin, un flot de peuple les sépara... Après quelque heureuse nouvelle? une heure de recherches inutiles, Ottavio LUDOVIC avait repris le chemin de sa demeure, dans Je te l'aurais déjà dite. l'espoir que Dona Léonor y serait rentrée de THÉCLA son côté... Quand soudain il l'aperçoit qui se Mon père a découvert notre retraite? débat, pâle et tremblante, entre les bras d'un LUDOVIC officier espagnol qui cherchait à l'entraîner... Grâce au ciel, non! THÉCLA THÉCLA Grand Dieu! Oh! Qu'est-ce donc? Tu me ais mourir! LUDOVIC LUDOVIC Cela te révolte, n'est-ce pas?... Voilà pourtant Thécla, tu es espagnole et je suis milanais... où nous en sommes!... Courir à ce misérable, Dieu, qui règle les destinées, avait écrit là- et lui crier de se défendre, ce fut pour Ottavio haut notre mariage, et l'inimitié qui règne l'affaire d'un instant... L'espagnol furieux tira entre nos deux patries ne l'a pas empêché de son épée; mais dans ce duel d'une minute, s'accomplir... Quelle que soit la retraite où tu Dieu a protégé celui dont la cause était juste, vis, tu n'ignores pas l'oppression de l'Espagne et l'offenseur de Dona Léonor est tombé mort sur mon malheureux pays... à ses pieds!... Cependant la foule grossissait, THÉCLA et déjà un détachement de gardes wallones Puis-je l'ignorer, quand mon mari en est une s'avançait vers le théâtre du combat... Mon des plus illustres victimes? frère voulait les attendre... Mais on sait à LUDOVIC Milan ce que c'est que la justice espagnole, et Eh bien! La persécution, un moment ralentie, l'un des nombreux amis d'Ottavio l'a forcé de est sur le point de recommencer... chercher un refuge dans l'église des THÉCLA Dominicains... Voyons, Thécla, toi qui nous Contre toi? conseilles toujours la résignation, la patience, LUDOVIC blâmes-tu mon frère d'avoir tiré vengeance Pas encore; mais contre un autre moi-même, d'un si cruel outrage?... Les espagnols en contre Ottavio Manzoni, mon frère bien- détruisant notre nationalité nous ont rayés de aimé... Oh! Ce n'est pas son imprudence qui a la liste des peuples... Faut-il cesser d'exister provoqué son malheur... Écoute: hier au soir,

222 comme hommes, et leur livrer encore notre LUDOVIC honneur?... C'est la voix de Policastro, cet ouvrier THÉCLA ciseleur dont je t'ai parlé... J'avais besoin de Ah! Je n'exige point un tel sacrifice... Si je lui, et je l'ai fait prévenir par un billet de se t'exhorte à la résignation, c'est qu'avant tout je trouver ici de grand matin... Je vais lui t'aime et que je tremble pour ta vie... Mais ouvrir... Attends-nous là. combien ma belle-sœur doit être Il sort. malheureuse! Du moins, son mari est en THÉCLA, seule. sûreté... Le couvent des Dominicains est un Policastro!... Le fauteur de toutes les asile inviolable, et Don Bernardo, le Prieur, révoltes... C'est à lui qu'il va confier notre est un de nos amis... secret... Ah! Je ne veux pas voir cet homme... LUDOVIC (Elle va pour entrer chez elle et revient ). Je Oui; mais depuis la dernière sédition, un édit suis folle!... du roi Philippe II a établi à Milan un Conseil ************************************ des troubles, digne émule de celui qui a SCÈNE II décimé les Flandres sous la direction du Duc LUDOVIC, POLICASTRO, THÉCLA, un d'Albe... C'est le Marquis de Leganez, ton peu à l'écart. père, qui préside ce conseil, et il n'a que trop POLICASTRO de raisons de hair les Milanais! Je crains que, Monsieur le Comte, quel est cet appartement par ruse ou par violence, on n'arrache mon où vous m'introduisez? frère de l'asile qu'il a trouvé... LUDOVIC THÉCLA Le mien. Le Gouverneur oserait... POLICASTRO LUDOVIC Le vôtre! Cependant il y a deux jours vous Il ose tout! Aussi j'ai tout prévu... ( On entend demeuriez sur la place des Marchands. chanter en dehors ). Mais écoute... LUDOVIC POLICASTRO, en dehors. Oui, chez maltre Simonetta... Mais j'ai deux L'aube vient, la nuit s'envole; logements, l'un public, l'autre secret. Tout s'éveille autour de nous; POLICASTRO Régina, j'ai ta parole: Bonne précaution pour un conspirateur! Je t'attends au rendez-vous LUDOVIC Cette précaution n'a pas le motif que tu supposes... Madame, voici un ami dont je

223 vous ai parlé souvent... Policastro, voilà ma perdu de temps, je vous l'assure, et mes amis femme. sont déjà préparés... POLICASTRO LUDOVIC Votre femme!... Ma foi, monsieur le Comte, Tes amis... je vous en fais mon compliment. POLICASTRO THÉCLA Je n'ai pas eu de peine à les émouvoir en Il y a longtemps, monsieur, que je connais faveur de votre cher Ottavio. D'abord, le duel votre dévouement à la famille de mon mari. a été loyal, et son adversaire était un infâme, J'espère que vous m'accorderez un peu de il n'y a qu'un cri là-dessus... Ensuite, c'est l'affection qu'il vous inspire. d'un Manzoni qu'il s'agit, et voyez-vous, votre POLICASTRO nom est populaire! Vous êtes les rejetons Moi, madame? Ah! C'est déjà fait, je vous d'une famille illustre, qui de tout temps a jure, et vous eussiez pu me demander quelque prodigué ses biens et son sang pour défendre chose de plus difficile à vous accorder. l'indépendance nationale! Ce sang, on l'a vu LUDOVIC couler sur les échafauds, dans les champs de C'est bien; Thécla, laisse-nous. bataille, et partout il était aussi pur!... Nous Elle rentre chez elle. ne l'avons pas oublié, nous autres... J'engage ************************************ donc le Conseil des troubles à respecter l'asile SCÈNE III où s'est réfugié votre frère... S'ils touchaient à LUDOVIC, POLICASTRO. un cheveu de sa tête, malheur à eux!... La POLICASTRO mine est prête, un étincelle peut la faire Je ne reviens pas de ma surprise... Quoi, sauter... monsieur le Comte, vous étes marié? Avant LUDOVIC votre frère ou après? Au risque de ta vie... LUDOVIC POLICASTRO Avant. Bah! Qu'est-ce que ma vie? Elle n'est utile POLICASTRO qu'à ma vieille mère, et si je lui manquais, eh Et pourquoi faire à tout Milan un secret de ce bien! Elle irait se mettre un matin à la porte mariage?... Ah! Pardon. Cela ne me regarde de quelque église, et j'ai assez de foi dans la pas... Occupons-nous de votre frère, car c'est reconnaissance de mes concitoyens pour de lui sans doute que vous désiriez me parler. croire qu'on me laisserait pas mendier Instruit des dangers qu'il courait, je n'ai pas longtemps la mère de Policastro.

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LUDOVIC LUDOVIC Va, je connais ton dévouement, je l'apprécie; Depuis notre mariage ses recherches ont été mais peut-être avant d'agir aurait-il fallu me vaines; mais si elles réussissaient en mon consulter... Peut-être as-tu compromis mon absence, que deviendrais-je?... Tu es mon frère en voulant le servir. meilleur ami; c'est à toi que je confie ma POLICASTRO femme et mon enfant, c'est chez toi qu'ils Comment cela? iront attendre mon retour. LUDOVIC POLICASTRO Milan n'est pas mûr encore pour son Merci, monsieur le Comte, et soyez affranchissement... Attendons... tranquille! POLICASTRO Le Prieur entre tout agité. Attendre... Toujours attendre... Mais votre ************************************ frère?... Songez-vous que d'un moment à SCÈNE IV l'autre on peut l'arracher de son asile? LUDOVIC, LE PRIEUR, POLICASTRO, LUDOVIC puis THÉCLA. Cette nuit je pars avec lui pour la France. LE PRIEUR POLICASTRO Ah! Comte, Dieu soit loué! Vous êtes ici! En est-il ainsi?... Alors je vous LUDOVIC accompagnerai. C'est vous, mon père... Quelle agitation... LUDOVIC POLICASTRO Non; je n'ai de laissez-passer que pour deux Le Prieur du convent des Dominicains?... personnes, et tu dois rester à Milan pour me Mon père, on dit que vous êtes Espagnol, rendre un grande service. mais vous avez accordé un asile au noble POLICASTRO Marquis Ottavio... C'est bien; vous avez mon Parlez... Lequel? estime. Touchez-là. LUDOVIC LE PRIEUR Le vrai motif qui m'oblige à cacher mon Ah! Je n'avais fait que mon devoir, et si le mariage, c'est que le père de la Comtesse droit d'asile dont a toujours joui notre couvent Manzoni ne m'aurait jamais accordé sa fille, a été violé par desmains impies, ce n'est pas et que j'ai été forcé de l'enlever. sur moi que le crime doit retomber! POLICASTRO POLICASTRO Est-il possible? Comment?

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LUDOVIC c'est assez pour tout redouter... Je cours Que dites-vous? intéresser en sa faveur les quelques amis qui LE PRIEUR me restent. Mandé hier au soir auprès d'un malade qui LE PRIEUR attendait de moi les secours suprêmes de la Mon fils, soyez prudent! religion, j'ai dû passer la nuit hors du LUDOVIC couvent... Jugez de ma douleur et de mon Mon père, j'épuiserai d'abord tous les moyens indignation, quand, à mon retour, j'ai appris de la conciliation... Mais si les juges d'Ottavio que des émissaires du Duc de Guatimala sont inflexibles, alors, Policastro, je me livre s'étaient présentés à notre grille et avaient à toi tout entier! réclamé votre frère!... THÈCLA, entrant précipitamment. LUDOVIC Ludovic! Grand Dieu! LUDOVIC LE PRIEUR Je ne puis t'entendre... Don Bernardo Affaibli depuis longtemps par les infirmités et t'expliquera tout... Adieu! Adieu! par l'âge, le père abbé a cédé aux menaces, et Il sort par le fond. le malheureux Ottavio, arraché du sanctuaire THÉCLA, à Policastro. qu'il avait choisi pour refuge, a été livré à la Ah! Monsieur, veillez sur lui; ne le quittez justice du Conseil des troubles. pas, je vous en prie! LUDOVIC POLICASTRO Ah! Malheur! Malheur!... Et savez-vous J'y suis bien forcé, madame; il compte sur les quand il doit y comparaître? grands pour sauver son frère... Mais moi, qui LE PRIEUR les connais, je ne compte que sur le peuple, et Je crains que ce ne soit aujourd'hui même... je cours le retrouver... Tout à l'heure, en passant sur la place du Il sort. Dôme, j'ai vu une foule immense réunie ************************************ autour de la maison de justice, et dans cette SCÈNE V foule profondément agitée, le bruit courait THÉCLA, LE PRIEUR. que le Conseil des troubles s'était réuni dès THÉCLA cinq heures du matin. Ô mon Dieu! Mon Dieu! LUDOVIC LE PRIEUR Ah! Pas un instant à perdre!... Ottavio est Ma fille, vous ignorez ce qui se passe? milanais, et son adversaire était espagnol;

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THÉCLA traîner à ses pieds, je n'aurais jamais celle de Hélas! Non... Quand vous êtes entré, j'ai lui parler! reconnu vos pas et votre voix, je me suis LE PRIEUR approchée de cette porte, et j'ai tout Et moi, je vous dis que votre devoir est de entendu!... Les voici donc arrivés, mon père, vous rapprocher de lui... Le laisserez-vous ces jours que vous m'aviez prédits!... Le mourir sans lui avoir offert un prétexte pour malheur des Manzoni recommence; Ottavio pardonner?... Coupable comme chrétienne, est perdu, et Ludovic voudra le venger. comme fille, comme épouse, vous le seriez LE PRIEUR aussi comme mère! Ottavio n'est pas perdu... Il est une personne THÉCLA dont l'intervention pourrait le sauver. Qui? Moi! THÉCLA LE PRIEUR Qui donc? Oui, madame; car il faut que votre enfant LE PRIEUR nous accompagne... C'est son avenir, ses Vous! Le Marquis de Leganez, votre père, est biens, son rang, que vous allez redemander à président du Conseil des troubles et tout- votre père avec le vie de don Ottavio... puissant sur les délibérations; allons nous THÉCLA jeter à ses pieds et lui demander la grâce du Je ne résiste plus!... Oui, que Fernand nous frère de votre mari... accompagne... Si le remords et l'effroi me THÉCLA font tomber morte aux pieds de mon père, Ah! Ne connaissez-vous donc pas mon père, Fernand tendra vers lui ses petites mais le plus juste, mais le plus sévère des innocents, et peut-être se laissera-t-il hommes?... Ne vous ai-je pas dit vingt fois attendrir... Votre conseil était bon; soyez dans quelles circonstances j'ai fui la maison béni!... ( Elle va pour entrer chez elle et paternelle?... Mon mariage avec le Duc s'arrête ). N'entendez-vous pas une rumeur d'Ossone était au moment de se conclure, les confuse? témoins étaient rassemblés, l'évêque LE PRIEUR, allant à la fenêtre. attendait... Quatre ans se sont écoulés depuis La ville est troublée, cela ne m'étonne pas... Il ce jour terrible; mais ne croyez pas que mon faut nous hàter. père ait pardonné!... Ô Dieu! Me retrouver en THÉCLA face de lui!... Braver quelque malédiction Mon enfant ne courra-t-il aucun danger dans nouvelle!... À cette seule idée ma raison cette foule? m'abandonne; et quand j'aurais la force de me

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LE PRIEUR LE PRIEUR Mon habit vous protégera. Je suis Prieur indigne du couvent des THÉCLA, entrant à droite. Dominicains. Je vais chercher. LE MARQUIS LE PRIEUR, seul. Ah! C'est chez vous que s'était sauvé Ottavio Oui, j'espère beaucoup de cette entrevue... Il Manzoni... Ce meurtrier, ce rebelle... Mon y a longtemps qu'elle aurait eu lieu si l'orgueil père, le roi d'Espagne sera instruit du service du Comte ne s'y était pas toujours opposé. que vous lui avez rendu. ************************************ Il s'assied. SCÈNE VI LE PRIEUR LE PRIEUR, LE MARQUIS DE LEGANEZ. Qu'il ne m'en remercie pas; j'étais absent LE MARQUIS, entrant précipitamment. quand cette violation d'un lieu sacré a été Asile!... Ah! Qui que vous soyez, asile! consommée, au nom du roi catholique... Si LE PRIEUR j'avais été là, on eût démoli notre couvent Qui vous poursuit? pierre à pierre avant que d'en arracher le LE MARQUIS malheureux qui s'y était réfugié! L'horrible chose qu'une populace LE MARQUIS, se levant. déchaînée!... J'étais sorti de la maison de Ce langage... justice par une porte dérohée; mais reconnu LE PRIEUR tout-à-coup, insulté, arrêté... J'allais périr sans Doit vous rassurer... Vous voyez que je suis doute... Un labyrinthe de rues étroites s'est incapable de livrer personne. heureusement offert à mes pas, et je me suis ************************************ jeté dans la première allée... Je crois qu'on a SCÈNE VII perdu mes traces. LE PRIEUR, THÉCLA, LE MARQUIS. LE PRIEUR THÉCLA, au Prieur. En effet, la rue est calme, mais de lointains Nous voici prêts, et quand vous voudrez murmures... partir... LE MARQUIS LE MARQUIS, se retournant. C'est le peuple qui demande ma tête... Oh! Ce Ma fille! peuple de Milan!... Hardi contre un seul THÉCLA homme, lâche contre un seul bataillon!... Oh! Mon père! Je me vengerai!... À quelle règle appartenez- Elle tombe à genoux. vous, mon père?

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LE MARQUIS si vous m'eussiez accordé, non d'être unie à C'est donc le hasard, ce n'est pas ta volonté celui que j'aimais, je n'ai jamais formé de qui devait nous réunir... Est-ce là cette fille vœu si téméraire, mais d'aller finir mes jours dont j'étais si fier et que j'ai tant aimée?... dans un couvent!... Je vous demandais cette Dieu m'avengé, n'est-ce pas?... Tu es bien grâce unique; votre refus me rendit folle, et malheureuse? alors, c'est vrai, c'est un grand crime que j'ai THÉCLA commis... Mais si j'ai oublié un instant que Oh! Oui, oui... Je l'étais de vivre loin de vous j'étais votre fille, est-ce une raison pour vous et sous le poids de votre colère... Mais d'oublier que vous êtes mon père?... Au nom maintenant que j'ai pu embrasser vos genoux, des soins que vous avez eus pour ma si vous daignez tourner leus yeux vers cet être jeunesse... Au nom de ma mère, cette sainte innocent, dont la vue vous touchera peut-être qui est trop tôt retournée dans le ciel, plus que mon repentir; oh! Alors, quels que rétractez cette malédiction qui a été votre soient les misères du présent el les dangers de réponse à toutes mes lettres... Mon père! Mon l'avenir, je serais la plus heureuse des père! Pardonnez-moi! femmes! LE MARQUIS LE MARQUIS Eh! Qu'aurais-je répondu à ces lettres Éloignez cet enfant, dont la naissance devait funestes qui ne m'apprenaient même pas de être pour moi un sujet d'orgueil et n'a été qui je pouvais me venger?... Celui qui t'a qu'un sujet de honte!... Éloignez-le, vous dis- ravie est milanais, et ruiné depuis les derniers je; quelle que soit la main qui me le présente, troubles; je n'en sais rien de plus... Ainsi le je ne puis voir en lui que le fruit d'un crime, sang le plus noble de l'Espagne s'est allié à que l'enfant d'un traître et d'un ravisseur! une famille de vaincus et de rebelles!... Tiens, La servante emmène l'enfant. tu rougis déjà de ton mariage... Je n'en veux LE PRIEUR, s'approchant. qu'une preuve, l'obstination que tu mets à me Mon fils, de la clémence! cacher le nom, de ton époux! LE MARQUIS THÉCLA Mais vous ne savez donc pas à quel point elle J'allais vous le révéler aujourd'hui. est coupable? LE MARQUIS THÉCLA Comment? Ah! Je n'ai rien eu de caché pour lui; il THÉCLA connaît ma faute, mais il voit mes larmes; il Oui, mon père; Don Bernardo m'allait sait que je n'aurais jamais quitté votre maison conduire à votre palais, je voulais faire un

229 appel à votre générosité, à votre justice, et, LE MARQUIS audacieuse que je suis, vous demander grâce Qu'y a-t-il? pour un autre que pour moi! LE PRIEUR LE MARQUIS La rue se remplit de monde... ( À Thécla). Un Je ne te comprends pas. groupe, où je reconnais votre mari, s'arrête THÉCLA devant la maison... ( Clameurs en dehors ). Hier, un jeune homme, un milanais, qui s'était Entendez-vous leurs cris? battu en duel avec un officier espagnol pour THÉCLA venger son honneur indignement outragé, a A qui donc en veulent-ils? été saisi dans le couvent des Dominicains... LE MARQUIS LE MARQUIS A moi... Et maintenant que je suis revenu de Ottavio Manzoni? mon premier trouble, je cours affronter leur THÉCLA fureur; il ne sera pas dit que la ravisseur de Lui-même! ma fille m'aura fait reculer. LE MARQUIS THÉCLA Malheureuse! Est-ce là ton époux? Arrètez! THÉCLA LE PRIEUR Non, mais c'est son frère, et c'est vous qui Les voici!... Monsieur le Marquis, cachez- devez le juger... Oh! Qu'une sentence de mort vous, de grâce! ne sorte pas de votre bouche!... Il y va de mon THÉCLA, indiquant la porte latérale. bonheur, de ma vie!... Et je me trompais en Oui... Là, là! disant que j'allais vous supplier pour un autre, LE MARQUIS ce n'est pas la grâce d'Ottavio, c'est la mienne Je veux attendre ton mari! que je vous demande! THÉCLA LE MARQUIS Oh! Ce peuple vous tuerait!... Allez, je vous Tu demandes sa grâce?... Ah! Tu ignores en supplie, que votre sang ne soit pas versé donc les terribles nécessités que la raison devant moi! d'état nous impose?... Ottavio Manzoni a Le Prieur entraîne le Marquis dans la violé une loi qui importe au salut de chambre. l'Espagne... ************************************ LE PRIEUR, à la fenêtre. Silence!

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SCÈNE VIII TOUT THÉCLA, LUDOVIC, puis POLICASTRO, Leganez! PEUPLE. ************************************ THÉCLA SCÈNE IX Ludovic, c'est toi!... Qu'y a-t-il? LES MÊMES, LE MARQUIS, LE PRIEUR. LUDOVIC LE MARQUIS Ce qu'il y a?... Ne le devines-tu pas à la Me voici; que me voulez-vous? pâleur de mon front, au troublement de ma POLICASTRO voix, aux sanglots qui m'étouffent?... Ce qu'il Misérable! C'est ton arrêt de mort que tu as y a, Thécla? Il y a que mon pauvre frère, prononcé ce matin. arrêté cette nuit, jugé ce matin, vient d'être Il le couche en joue. mis à mort tout-à-l'heure!... Oui, à mort, THÉCLA, se jetant au-devant du Marquis. secrètement, lâchement, dans la cour Ne le tuez pas, c'est mon père! intérieure du palais!... Et l'auteur de ce POLICASTRO meurtre, tu le connais... Ah! Mon frère! Mon Son père! frère! THÉCLA VOIX DU PEUPLE Oui, je suis sa fille. Vengeance! Vengeance! LUDOVIC POLICASTRO, entrant, armé d'une Policastro, ne vous rendons pas coupables du arquebuse. crime que nous voulons punir... Monsieur le Oui, vengeance!... Amis, le meurtrier de celui Marquis, nous avons des comptes terribles à que nous pleurons et de tant d'autres victimes, régler ensemble, mais en ce moment vous l'infâme Leganez, a trouvé un asile dans cette êtes mon hôte et je dois vous protéger... Bas rue, dans cette maison peut-être... Madame, les armes! n'avez-vous pas vu cet homme? THÉCLA THÉCLA Eh bien, mon père...? Moi?... Non, je vous le jure!... Celui que vous LE MARQUIS cherchez ne peut être ici... Va, je le remercierai pas de m'avoir conservé POLICASTRO une vie qu'il m'a rendue odieuse, et nous ne Permettez que je m'en assure. sommes pas quittes... ( Bruit en dehors ). Il va pour entrer dans la chambre, le Marquis D'ailleurs, on vient à mon aide, et maintenant en sort avec le Prieur. c'est à moi de commander.

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VOIX DES SOLDATS ESPAGNOLS LE MARQUIS, à Ludovic. Place! Place! L'arrêté que je viens de recevoir vous exile de LE PEUPLE Milan et de tout le territoire de la Monarchie Les espagnols! espagnole. POLICASTRO LE PRIEUR Amis! Voulez-vous faire dater de ce jour Monsieur le Marquis... l'émancipation de la patrie? THÉCLA LUDOVIC Mon père!... Arrête! Malheureux, tu te perds! LE MARQUIS Entre un officier espagnol, suivi d'une Thécla, je devrais t'oublier; mais tu es escorte. malheureuse, je suis encore assez faible pour L'OFFICIER, au Marquis. te pardonner... Excellence, le Gouverneur, instruit des THÉCLA dangers que vous couriez, m'envoie à votre Ô ciel! secours, et voici un arrêté qu'il a pris contre LE MARQUIS celui qu'on suppose être le principal auteur de A une condition cependant... C'est que tu vas cette révolte. me suivre et que tu signerais une requête que LE MARQUIS j'adresserai au Saint-Père, à l'effet d'obtenir C'est bien. Veuillez faire sortir tout ce monde l'annulation de ton mariage. A ce prix, ton fils et vous tenir à portée de ma voix. Monsieur le sera le mien... Et quand au malheureux qui t'a Prieur, Comte Manzoni, demeurez. perdue... Je ferai révoquer l'arrêt qui l'exile et POLICASTRO, bas, à Ludovic. celui qui a séquestré ses biens... Ainsi vous exigez... THÉCLA LUDOVIC Ludovic, c'est à toi de répondre... Ta fortune Obéis! et ta patrie te sont-elles plus chères que Sortent Policastro, le peuple et les soldats. moi?... ************************************ LUDOVIC SCÈNE X Oh!... ( Il lui tend les bras, elle s'y jette ). LUDOVIC, LE MARQUIS, THÉCLA, LE Leganez, je garde mon fils et ma femme... PRIEUR. Ces biens-là, tu le vois, l'Espagne ne me les ravira jamais!

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LE PRIEUR, au Marquis. SCÈNE XI Mon fils, Dieu a dit à la femme: "Tu quitteras LUDOVIC, THÉCLA, LE PRIEUR. ton père pour suivre ton mari..." THÉCLA LE MARQUIS Dans une mêlée populaire ou sur quelque C'est bien... Ce dernier trait rompt les faibles infâme échafaud!... liens qui m'attachaient encore à elle... Dieu LE PRIEUR, la conduisant à un fauteuil. soit loué! J'ai cessé d'être père! Ma fille, il n'est pas arrivé jusqu'à Dieu ce cri THÉCLA d'une injuste colère... Remettez-vous... Ah! Ne me quittez pas sur ces cruelles LUDOVIC paroles... Que des adieux moins sévères... Thécla, ma bien aimée! Tu viens de sacrifier LE MARQUIS une seconde fois tous les biens de ce monde à Mes adieux! Tu veux les recevoir?... Eh bien! mon amour... Oh! Sois bénie!... Sois bénie!... Les voici... Thécla! La famille où tu es entrée Avec toi, sur la terre d'exil, je puis espérer est animée, depuis cent ans, d'un esprit de encore des jours heureux... Prends courage! rébellion et de vertige... Ton époux en sera la Demain nous partirons pour la France, la victime, comme son frère vient de l'être, et France, où les proscrits oublieraient leur son fils aussi, je te le prédis!... Élevé dans les patrie, si Dieu voulait qu'on pût jamais principes des séditieux, nourri du poison de la l'oublier!... Ma sœur... Pauvre veuve, nous révolte, il subira la destinée de toute sa race, accompagnera... Et je vais sans retard et tu le verras périr dans un mêlée populaire l'instruire du décret qui nous bannit de ou sur quelque infâme échafaud!... Milan... Allons! Sèche tes larmes... Pense à LUDOVIC, se contenant à peine. notre enfant... Marquis! Il se met à une table et écrit. THÉCLA THÉCLA, à part. Ah! Ce que vous dites-là est horrible... Grâce! Mon enfant!... Puis-je y penser sans effroi? Grâce! LE PRIEUR, s'approchant d'elle. LE MARQUIS Mon devoir me rapelle au couvent... Point de grâce pour le rebelles! Point de grâce Permettez-moi de vous quitter pour quelques pour toi! Puisse ton fils te faire éprouver les instants. tourments que tu me causes! C'est la THÉCLA, à demi-voix. vengeance que je demande au ciel... Oh! Non, non... Demeurez, je vous en Il sort. supplie... Ces adieux de mon père... Oh! Ce ************************************ qu'il vient de me dire, je me le suis dit tant de

233 fois!... Demeurez... J'ai des conseils à vous POLICASTRO demander ( Après avoir regardé son mari et Allons donc!... Vous voyez bien que je ne me baissant encore la voix). Un service peut- suis pas fait tuer... être!... Ici commence une musique funèbre qui dure LE PRIEUR jusqu'à la fin de l'acte. Je reste. LUDOVIC, se tournant vers la fenêtre. LUDOVIC, qui a terminé su lettre, allant Ecoute... N'est-ce pas un chant de mort? ouvrir la porte latérale. VOIX LOINTAINES Paquita! (La servante se présente tenant Dies mei sicut umbra declinaverunt: et ego Fernand par la main ). Cette lettre à Dona sicut f œnum arui... Léonor... Vite, allez! POLICASTRO Elle quite l'enfant et sort par la porte du fond En effet, je venais vous l'apprendre... C'est le au moment où Policastro parait. corps du martyr que l'on porte en terre THÉCLA, embrassant son fils. sainte... Pauvre enfant! LUDOVIC, s'élançant à la fenêtre. ************************************ Ottavio! Mon frère! SCÈNE XII LE PRIEUR, s'agenouillant. LES MÊMES, POLICASTRO. Prions pour lui, ma fille! POLICASTRO, jetant à terre son arquebuse. THÉCLA, l'imitant. Oh! Les lâches! Les lâches! Ô mon père! C'était un noble jeune homme! LUDOVIC POLICASTRO Comment? Que veux-tu dire? Voilà tout ce qu'on bien voulu nous accorder POLICASTRO ses bourreaux! Ah! Vous aviez raison, Comte... Les milanais Il s'approche aussi de la fenêtre. n'ont pas encore assez de quatre-vingts ans VOIX, plus rapprochées. d'esclavage... C'est à peine si ma voix a Respexit Dominus in orationem humilium: et trouvé de l'écho dans quelques groupes, que non sprevit precem eorum. les soldats espagnols balayent en ce moment LUDOVIC devant eux! Ô mon frère! Mon frère bien-aimé!... Va LUDOVIC recevoir au ciel la couronne qui t'attend!... Et tu désespères de l'avenir? Moi, sur ton cercueil, je jure haine à tes assassins! Je jure de vivre pour venger ta mort!

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THÉCLA MAÎTRE JEAN SIMONETTA, riche Grand Dieu! marchand POLICASTRO DON BERNARDO Oui, nous la vengerons! DON GREGORIO, portier du couvent LUDOVIC, saissant Fernand, que Thécla GAËTANO, officier espagnol tient devant elle. Nobles, Bourgeois, Hommes du peuple, Et toi, regarde, enfant... ( Il éléve dans ses Arquebusiers suisses, Soldats espagnols, etc. bras ). Vois-tu ces moines et ces flambeaux? Ce drap noir et cette croix blanche, vois-tu? Milan, 1590 C'est ton oncle qu'on enterre! Ton oncle ______Ottavio qui t'aimait tant, il est mort... Tué par ACTE PREMIER les espagnols!... Souviens-toi de ce PREMIER TABLEAU spectacle... Et si je succombe à la tâche que je Les jardins de l'hôtel Manzoni. Mur de m'impose, instruit par mes leçons et par mon clôture au fond. À droite, un pavillon. exemple, grandis, toi, grandis pour le SCÈNE PREMIÈRE venger!... JULIA, DEUX VALETS, MENDIANTS et Il laisse aller l'enfant, qui court se réfugie MENDIANTES. près de sa mère. JULIA, distribuant des aumônes. THÉCLA, à part. Oui, mes amis, le Comte Manzoni, qui donne Oh! Non, non, Ludovic! Tu ne feras pas de ce soir une grande fête, a voulu que les mon fils un martyr! malheureux y fussent aussi conviés, et c'est Les chants reprennent. moi qu'il a chargée de remplir ses généreuses ************************************ intentions... ( À un vieillard ). Votre femme est DRAME tombée malade, bon Matteo?... ( À une PERSONNAGES femme ). Pauvre Juana, ton fils n'est pas LE COMTE MANZONI encore guéri?... Tenez, tenez... Et maintenant LA COMTESSE êtes-vous tous contents? FABIO, novice du couvent des Dominicains LES MENDIANTS (21 ans) Oui, tous... Tous... Merci. POLICASTRO JULIA JULIA, nièce du Comte (18 ans) Allons, au revoir... Adieu. ( Les mendiants se DON GARCIAS, jeune seigneur espagnol retirent, conduits par les Valets ). A present je vais achever ma toilette, donner un dernier

235 coup d'œil a mon miroir... Ce n'est pourtant JULIA, vivement. pas que je veuille briller à cette fête... Oh! Oui... Mais un inconnu l'a sauvé... C'est vous Non! Il n'y sera pas, lui; mais enfin on est peut-être? bien aise de ne faire peur à personne... ( Elle LE MENDIANT se retourne et jette un cri de surprise en Non, non... Et pourtant le ciel m'est témoin apercevant un des mendiants qui est resté que je suis prêt à donner ma vie pour lui, dans le jardin et se tient immobile à quelques comme je l'aurais donnée, il y a dix-huit ans, pas d'elle ). Ah!... Ce mendiant m'a effrayée! pour le seigneur Ottavio, votre père... Eh bien! Mon ami, vous n'avez pas suivi vos JULIA compagnons?... N'êtes-vous pas satisfait des Mon père!... Ô ciel! Vous l'auriez connu? largesses de monsieur le Comte? LE MENDIANT LE MENDIANT Oui, ma belle demoiselle. Au contraire, ma bonne demoiselle!... Plus JULIA que tout autre, j'ai reçu des preuves de sa Vous êtes plus heureux que moi... Quand il générosité... Aussi je voudrais le voir, pour le est mort je n'avais pas encore vu le jour... remercier, pour lui dire... Ne pourrais-je LE MENDIANT parvenir jusqu'à lui? Ne pleurez pas... Si je vous ai rappelé ce JULIA souvenir, c'est pour vous rassurer sur mes Comment vous nomme-t-on? intentions, pour que vous puissiez dire à votre LE MENDIANT oncle... Oh! Mon nom lui est inconnu... Il ne me l'a JULIA pas demandé quand son aumône est tombée Il vient de ce côté avec maître Jean dans ma main et dans celle de mes enfants. Simonetta. JULIA LE MENDIANT C'est qu'aujourd'hui... Vous me permettez de l'attendre? LE MENDIANT JULIA Je conçois votre hésitation... Monsieur le Quand je vous le défendrais... Il n'est plus Comte a le droit de se montrer défiant, n'est- possible de l'éviter... ce pas?... Il a des ennemis nombreux et Le mendiant se retire à quelques pas. puissants... Sa vie, sa vie si précieuse, n'est ************************************ que trop souvent menacée... Et l'avant- SCÈNE II dernière nuit encore, sur le pont du Naviglio, SIMONETTA, LE COMTE, JULIA, LE trois bravi l'ont attaqué... MENDIANT.

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LE COMTE JULIA, en sortant. Eh bien! Tu t'es acquittée de ta mission, mon C'est étrange! bel ange de charité? ************************************ Il l'embrasse. SCÈNE III JULIA LE COMTE, SIMONETTA, POLICASTRO. Oui, mon oncle, oui... LE COMTE SIMONETTA C'est toi, Policastro?... La noble nièce du Comte Manzoni daignerat- POLICASTRO elle agréer les hommages du plus humble de Oui, monsieur le Comte, moi-même, et ses serviteurs et de ses fournisseurs?... toujours le même... Vous êtes étonne de me JULIA revoir... Il y a bien de quoi... Rentrer à Milan, Mon oncle, il y a là un de ces mendiants qui malgré l'arrêt de proscription qui a donné une voudrait vous parler. valeur de mille ducats à ma tête!... Je LE COMTE l'apporte à ceux qui en ont envie, et je Ce soir?... Il choisit mal son heure ( Au recevrai bien les chalands! mendiant) . Revenez plus tard, demain... LE COMTE LE MENDIANT, se découvrant. Malheureux! Je sollicitais activement ta C'est qu'il s'agit de choses qui pressent... grâce, et j'étais peut-être à la veille de LE COMTE, tressaillant. l'obtenir... Faut-il que ton imprudence... Grand Dieu! POLICASTRO JULIA Ah!... Mon retour pressait... Et tout-à-l'heure Qu'est-ce donc? je vous dirai pourquoi... Permettez d'abord LE COMTE que je me félicite de l'heureux hasard qui, dès Rien... Rien... mon arrivée, nous réunit tous trois dans un LE MENDIANT, tendant la main à lieu sûr... Nous n'avons qu'à nous entendre, et Simonetta. les choses vont bien aller! Maître Simonetta... SIMONETTA SIMONETTA Policastro, prenez garde à ce que vous dites... Hein? ( Après l'avoir regardé ) Ah!.. Vous êtes comme l'oiseau sur la branche, qui LE MENDIANT ne tient à rien et qui n'a peur de rien, parce La charité, s'il vous plaît? que d'un coup d'aile il peut se mettre hors de LE COMTE danger... Mais nous autres... Julia, laisse-nous, mon enfant...

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POLICASTRO espagnole, et ne prend pas le même intérêt Vous autres?... Ah ça! Maître Simonetta, ne que nous à l'affranchissement de la vous ai-je pas oui dire vingt fois que les Lombardie. espagnols avaient anéanti vos priviléges et LE COMTE ruiné votre commerce?... Leur gouvernement Policastro, pas un mot contre elle... Je lui dois est-il devenu meilleur depuis que vous avez le peu de bonheur que j'aie goûté sur la terre... fait fortune, et faut-il cesser de compter sur Si tu veux que nous restions amis, commence vous? par la respecter... ( S'asseyant sur un banc ). SIMONETTA Quant aux raisons qui dictent ma conduite, Je ne dis pas cela, mais... juge-les mieux... Des séditions continuelles, POLICASTRO toutes étouffées dès leur naissance, épuisent Et vous, monsieur le Comte, j'augure mal de de sang généreux les veines de la patrie... votre silence... Pour vous aussi la destinée a Depuis cinq ans, depuis ton départ, Milan est changé... A son heure suprême, le Marquis de à peu près calme; ne le replonge pas dans une Leganez, retrouvant un reste de tendresse agitation stérile... Les espagnols n'attendent pour sa fille, obtint du roi d'Espagne que vous qu'un prétexte pour reveler les échaufauds! fussiez rappelé à Milan, qu'on vous rendit POLICASTRO votre rang, votre héritage... Tardive Vous renoncez donc à venger votre frère? restitution! Mais elle serait encore venue trop LE COMTE tôt si à ce prix nos tyrans vous avaient gagné Non; mais je fais passer l'intérêt de mes à leur cause, si vous aviez oublié le sang d'un concitoyens avant mes baines personelles... frère qui demande toujours vengeance, si Et j'attends une occasion favorable... Dieu est enfin la patrie vous semblait libre, parce que juste: elle doit se présenter! vous vous trouvez heureux! SIMONETTA LE COMTE Je suis de l'avis de monsieur le Comte: nous Heureux!... Puis-je l'être après la perte que j'ai attendons une occasion favorable, et je suis faite... Quand je vois mon nom destiné à périr prêt à exposer ma vie... avec moi?... Va, tu ne comprends pas plus POLICASTRO mes opinions que tu ne connais mes Oui... En est-il ansi? sentiments. SIMONETTA, à part. POLICASTRO Quand on pourra le faire sans danger... Je vous demande bien pardon: vos opinions sont excellents, mais la Comtesse est

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POLICASTRO POLICASTRO Alors réjouissons-nous... La nouvelle que En tout cas, d'ici à vingt-quatre heures il j'apporte aura sur vos esprits une influence recevra probablement des nouvelles décisive... Jamais plus belle occasion ne d'Espagne... Profitons du trouble où elles le s'offrira! jetteront... Le nouveau Roi catholique est un SIMONETTA Prince sans résolution et depuis longtemps Comment? amolli par les plaisirs... Hâtons-nous donc! LE COMTE Reculer aujourd'hui ce serait un crime! Que veux-tu dire? LE COMTE POLICASTRO Tu dis vrai, Policastro... Et cette fois je Il y a trois jours j'étais encore à Marseille, où n'hésite plus... ( Lui tendant la main ). Oui, j'ai appris, par une estafette expediée à la cour oui... Je te le promets, nous agirons de de France, que le démon du midi, le tyran concert!... Mais j'entends le bruit des invisible qui du fond de l'Escurial premières voitures que arrivent... Et bientôt appesantissait son bras sur tant de peuples, le les invités se répandront dans le jardin... digne maître enfin de notre infâme Maître Simonetta, conduisez notre ami chez Gouverneur... moi... Et faites-lui quitter ces habits de la LE COMTE misère... Prenez par ce pavillon... Allez! Philippe-Deux... Eh bien? Allez! Je vous le confie! POLICASTRO SIMONETTA, à part. Il vient de mourir subitement, emporté par un Jolie commission! ( Haut ). Mon cher accès de goutte. Policastro... LE COMTE POLICASTRO, au Comte. Mort!... Il est mort! Mais es-tu bien sûr? Quand vous reverrai-je? POLICASTRO LE COMTE Oh! La nouvelle est certaine... Et j'ai fait tant Bientôt, bientôt... Hâtez-vous! de diligence pour venir vous l'annoncer, que POLICASTRO le Gouverneur doit l'ignorer encore... Adieu, Comte Manzoni! Noble cœur, j'avais LE COMTE compté sur vous! Oui, oui, sans aucun doute il l'ignore; car il LE COMTE doit assister à cette fête que je donne suyant Voici la Comtesse; va... Va... son désir, et dans l'espoir d'obtenir de lui la Policastro et Simonetta entrent dans le liberté de quelques malheureux... pavillon.

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************************************ LE COMTE SCÈNE IV Que ne lui en parlez-vous vous-même? LE COMTE, LA COMTESSE, JULIA. LA COMTESSE LA COMTESSE Vous avez plus d'autorité que moi sur son Je vous cherchais, mon ami... Mais je esprit. m'étonne de vous trouver seul... Julia m'avait LE COMTE parlé d'un mendiant... Marier la fille d'Ottavio Manzoni à un parent LE COMTE du Gouverneur! Mais vous le voulez... Je viens de le congédier à l'instant même. JULIA, qui vient de cueillir un bouquet. LA COMTESSE Ma tante, il manque un bouquet à votre Et que voulait cet homme, qui semblait si toilette... impatient de vous voir? LA COMTESSE LE COMTE Merci. Il va chercher fortune en France, où, vous le LE COMTE savez, l'exil nous a fait des amis, et il désirait Reste... Nous parlons de toi. avoir quelques recommandations, que je lui ai JULIA promises... Voilà tout. Et vous en dites bien du mal? LA COMTESSE LE COMTE Bien vrai? As-tu déjà pensé à te marier? LE COMTE JULIA Vous dotez de ma bonne foi? Quelquefois. LA COMTESSE LE COMTE Je doute de votre prudence. Eh bien! S'il se présentait pour t'épouser un LE COMTE cavalier noble, jeune et riche... Comme le Quoi! Toujours alarmée! seigneur Don Garcias, le parent du LA COMTESSE Gouverneur... Il vous serait facile pourtant de me rassurer. JULIA, à part. LE COMTE Ciel! Que faut-il faire pour cela? LE COMTE LA COMTESSE Que dirais-tu? Proporser à votre nièce le mariage dont je JULIA vous ai parlé. Me parlez-vous sérieusement?

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LE COMTE LA COMTESSE Sans doute. Oubli et pardon, voilà le devoir des femmes! JULIA Elle embrasse Julia au front, et sort avec le Eh bien! Mon oncle, je vous dirais que les Comte. espagnols ont tué mon père et fait mourir ma ************************************ mère de chagrin... Don Garcias est espagnol... SCÈNE V Je n'ai pas d'autre réponse à vous faire... JULIA, puis FABIO. LE COMTE, à part. JULIA Elle refuse... Je l'avais prévu. Pauvre tante! Oh! Cela me coûte d'avoir un LA COMTESSE secret pour elle... Car je ne leur ai dit qu'une Julia... des raisons de mon refus... Mais comment JULIA avouer l'autre?... Ce jeune homme, que je ne Ô ma tante! Pardon! Ce que je dis de vos puis me déféndre d'aimer, je le connais à compatriotes ne peut vous atteindre... Vous peine... Il n'y a pas huit jours que je l'ai vu êtes si bonne, et d'ailleurs vous êtes pour la première fois à l'église de Santa- maintenant de la patrie de votre mari... Maria, où Fiametta seule m'accompagne... LA COMTESSE (Entre Fabio masqué ). Mais il a des manières Julia, qui donc remènera la paix sur la terre, si si nobles et si franches, un air si confiant et si les femmes aussi parlent de haîr et de se brave, qu'assurément ce ne peut être qu'un venger?... Le mariage qu'on te propose gentilhomme... ( Apercevant Fabio ). Ah! cicatriserait peut-être des blessures bien FABIO, se démasquant. douloureuses... Peut-être le ciel t'avait-il Ne vous effrayez pas, chère Julia! désignée pour être l'ange de réconciliation JULIA, à part. entre nos deux pays... Je ne veux pas croire C'est lui! que ton refus soit définitif, j'en éprouverais FABIO trop de peine... Combien je bénis le hasard qui m'a amené LE COMTE dans cette partie du jardin! Allons, allons, ne la grondez pas... Je vois que JULIA nos salons se remplissent, et notre absence Vous ici, monsieur! Vous êtes invité? deviendrait une impolitesse... Venez, Thécla; FABIO nous reparlerons de cela. Du tout... Je suis entré sur ma bonne mine. JULIA Je finis mon bouquet, et je vous rejoins...

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JULIA JULIA Comment! Vous n'êtes pas invité, et vous me Comment? le dites si tranquillement!... Mais vous ne FABIO comprenez donc pas toute la témérité de votre Mon Dieu, oui! Je sens là que je suis né conduite? gentilhomme, et on me l'a dit bien des fois... FABIO Mais je ne connais ni mom père ni ma mère... Si fait; mais pour rien au monde je n'aurais Fabio... Tout court... C'est comme cela que voulu manquer une si belle occasion de vous j'ai l'habitude de signer. voir et de vous parler... Oh! Vous ne me JULIA connaissez pas! Cependant, monsieur, vous devez occuper JULIA une position quelconque dans le monde... C'est très vai. Jusqu'à present rien ne m'avait FABIO donné le droit de vous demander votre nom... Assurément!... Je suis novice du couvent des Mais maintenant... Dominicains... FABIO JULIA Vous exigez que je vous le dise?... Allons, il Ah! Que me dites-vous! fallait bien en venir là. FABIO JULIA Vous faites un appel à ma franchise: ne me Autrement je serais forcée de me retirer... blâmez pas de vous dire la vérité. FABIO JULIA Demeurez... La question que vous m'adressez Ainsi, monsieur, vous habitez un couvent? me semble toute naturelle, et je me hâte d'y FABIO répondre... Je m'appelle Fabio. Cela vous étonne?... Et moi donc!... On JULIA voudrait me faire moine, mais depuis que j'ai Fabio...? vingt ans je me reconnais tous les jours un FABIO peu moins de goût pour le cloître... Et depuis Trouvez-vous que ce soit un joli nom? que je vous aime, je me donnerais au diable JULIA plutôt que de... Mais ce qu'il m'importe de connaître, c'est le JULIA nom de votre famille... Monsieur... FABIO Sur cet article-là il m'est absolument impossible de satisfaire votre curiosité.

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FABIO FABIO Pardon... Je ne répugne qu'aux vœux Je ne sais... On me dit qu'une raison puissante monastiques... Quant à mon salut, je le ferais les force à cacher mon existence... Que de beaucoup mieux avec vous!.. mon éloignement dépend le repos d'une JULIA mère... Pauvre mère! Comme elle doit La règle de votre couvent n'est donc pas bien souffrir! sévère? JULIA FABIO D'où le savez-vous? Impitoyable! Mais un de mes amis, FABIO longtemps novice comme moi, et que la mort Par ma nourrice, une brave femme que j'aime, d'un frère ainé a rappelé dans le monde, me que je respecte... Car pour moi, bien que j'aie prête ces habits et l'argent... Moyennant quoi passé, dit-on, mes premières anées près de je lui promets de me conduire avec discrétion, mes parents, je ne me rappelle rien... avec prudence.. Et je lui tiens parole! Absolument rien!... Cette bonne nourrice JULIA vient me voir toutes les semaines... Il y paraît! Quelquefois elle m'apporte une lettre de ma FABIO mère, qui m'exhorte à la résignation... Et je L'argent me sert à acheter Gregorio, le portier me résigne, comme vous le voyez. du couvent... Les habits, vous les voyez... Je JULIA les porte avec plus de plaisir que ma robe de Et vous ne prévoyez pas quand votre position bure... Quand la nuit tombe, je m'échappe du changera? monastère pour courir la ville et respirer un FABIO instant l'air de la liberté!... C'est ainsi que je Hélas, non! vous ai connue, chère Julia... Ce soir, ne vous JULIA voyant pas à l'église, je me suis dirigé vers cet Quel malheur!... On demande ma main... hôtel, j'ai appris que votre oncle donnait un FABIO bal... Et qu'elle soit mille et mille fois bénie Est-il possible? l'idée que j'ai eue de m'y présenter!... JULIA JULIA Et bientôt sans doute je serai forcée de me Assurément il y a bien des choses à reprendre prononcer... Comment voulez-vous que je dans les aveux que vous me faites; mais votre dise... Qu'un autre choix peut-être... sort m'intéresse, je ne puis le cacher... Avez- vous quelque espoir de retrouver vos parents?

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FABIO FABIO, à part, remettant son masque. Au fait, c'est vrai! Novice dans un couvent de Peste soit de l'importun! Dominicains, ce n'est pas un parti qu'on DON GARCIAS puisse avouer... Ma situation n'est pas Restez donc, ne vous dérangez pas... Vous tenable... Il faut que j'en sorte! Demain matin avez tout-à-fait bon air dans cette posture! je dois voir ma nourrice; je la forcerai bien à FABIO s'expliquer... Et pour que je vous fasse part de Il raille, je crois! Monsieur, votre arrivée a été sa réponse, promettez-moi que demain soir inopportune, et votre observation est vous viendrez m'attendre ici... inconvenante; vous auriez mieux fait de JULIA passer votre chemin et de vous taire. Y pensez-vous? DON GARCIAS FABIO Les allées de ce jardin sont ouvertes à tout le Sans aucun doute... Et je cherche déjà les monde. moyens de m'introduire... Ah! Ce mur donne FABIO sur la promenade, je l'escaladerai Il est vrai! Mais un chevalier courtois se facilement!... Oh! Vous viendrez, n'est-ce serait éloigné plutôt que de forcer une femme pas? Ce rendez-vous c'est dans votre intérêt à rougir! que je vous le demande; il importe à votre DON GARCIAS honneur, à votre tranquillité, que vous sachiez J'avais intérêt à m'assurer quelle était cette au plus vite si l'homme que vous préférez est jeune fille. vraiment digne de vous... Ne me refusez pas... FABIO C'est à genoux que je vous en prie! Et quels droits croyez-vous donc avoir sur Don Garcias paraît. elle? JULIA DON GARCIAS Au nom du ciel! Monsieur, relevez-vous! Si Qui êtes-vous pour me le demander? quelqu'un... ( Elle aperçoit Don Garcias). FABIO Ah!... Qui je suis?... C'est une question sur laquelle Elle sort en courant. il me plaît de garder le silence, et que je me ************************************ dispenserai de vous adresser; car à votre SCÈNE VI arrogance, je devine que vous êtes espagnol! DON GARCIAS, FABIO. DON GARCIAS DON GARCIAS N'oubliez pas que les espagnols sont vos A merveille! maîtres!

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FABIO LE COMTE Nos maîtres? C'est ce qu'il s'agit de prouver. Quoi! Vous, seigneur Don Garcias? DON GARCIAS DON GARCIAS Une dernière fois, ton nom, ou j'arrache ton Moi-même, cher Comte, qui m'apprêtais à masque... châtier un insolent... FABIO LE COMTE Je te défie de savoir l'un et de toucher l'autre! On a osé... DON GARCIAS DON GARCIAS En garde donc! Dont vous me direz sans doute le nom, car il FABIO a refusé de me l'apprendre... M'y voici. FABIO, à part. LA COMTESSE, qui a paru depuis quelques Qu'il te le dise, je ne demande pas mieux. instants. LE COMTE, examinant Fabio. Grand Dieu! Cette voix... ( Appelant ). Au Je ne puis deviner... secours! Au secours! DON GARCIAS DON GARCIAS Invitez-le donc à se démasquer sur-le-champ, Téméraire! car cette persistance à rester inconnu FABIO, ferraillant. commence à me devenir suspecte, et ce Diable! Du scandale! Où me suis-je engagé? personnage mystérieux pourrait bien être On accourt de tous côtés. La Comtesse se quelque affidé de cet incorrigible fauteur de masque. troubles, le fameux Policastro, dont on a ************************************ signalé le retour au Gouverneur... SCÈNE VII POLICASTRO, richement vêtu, paraissant à LES MÊMES, LE COMTE, JULIA, la porte du pavillon. INVITÉS, puis POLICASTRO, Déjà! SIMONETTA. LA COMTESSE, à part. LE COMTE Dieu! Policastro est à Milan! Quel est ce bruit? Des épées! Un duel! LE COMTE, s'approchant de Fabio. FABIO, à part. Monsieur, dans toute autre occasion j'aurais C'est là le Comte Manzoni? respecté votre incognito, mais vous voyez JULIA, à part. quels soupçons votre conduite fait naître... Qu'a-t-il fait? Qui êtes-vous?

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FABIO, à part. LA COMTESSE, apercevant Policastro près Lui aussi.. Et de trois! ( Prenant le Comte à d'elle. l'écart ). Avan-hier au soir, dans un péril Ah! Tenez!... extrême, vous avez été défendu par un POLICASTRO, la saluant. homme qui, lui non plus, n'a pas voulu se Madame... faire connaître, et auquel vous avez donné cet LE COMTE anneau... Au bal! Messieurs, au bal! LE COMTE LA COMTESSE, seule, sur le devant du Ah!... théâtre. FABIO Une conspiration nouvelle... Et il était ici... Il désire que son nom reste encore un secret... Oh! Je verrai demain le Prieur. (À part ). Et pour cause! ************************************ LE COMTE, à Don Garcias. DEUXIÈME TABLEAU Seigneur Comte, je réponds de ce jeune L'intérieur du couvent des Dominicains. homme... Veuillez accepter ma caution sans SCÈNE PREMIÈRE le contraindre à se nommer. FABIO, puis GREGORIO. DON GARCIAS On entend un cloche qui sonne. Les moines Par amitié pour vous j'y consens. traversent le théâtre. Fabio, qui se trouve le JULIA, à part. dernier, reste seul en scéne. Ah! Sauvé! FABIO LA COMTESSE, de même. Plus personne? Bon!... Pourvu que mon Qu'a-t-il pu lui dire? homme ne soit pas occupé avec le frère FABIO, s'éloignant. cellerier à goûter le vin du couvent! ( Allant Allons, retournons au couvent! Mais frapper à la porte d'une cellule ). Gregorio! j'éclaircirai mes soupçons, orgueilleux Gregorio!... espagnol, et je te retrouverai! GREGORIO, paraissant. Il sort. Qui m'appelle?... Ah! C'est vous, Don Fabio? LA COMTESSE, à son mari. FABIO Policastro est à Milan... C'était ce mendiant Eh! Pardieu, oui, c'est moi. n'est-ce pas? GREGORIO LE COMTE Seigneur! Quel langage! Non, madame...

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FABIO GREGORIO Allons, voyons, ne t'effarouche pas, et tâche Sans doute.. Mais... de m'écouter attentivement... Es-tu à jeun? FABIO GREGORIO Laisse-moi finir... Elle demandera la suivante Cette question! Encore quelque gros péché Fiametta, qui fera parvenir la lettre à sa que vous allez me faire commettre... Je serai destination et lui donnera probablement une damné à cause de vous, c'est sûr! réponse, que tu m'apporteras en toute hâte. FABIO GREGORIO Bah! C'est déjà fait depuis longtemps... Ta, ta, ta, ta... Gardez, gardez votre lettre... Je Retiens donc bien ce que je vais te dire. vois ce que c'est; je ne veux pas me charger GREGORIO d'une pareille commission. Ainsi soit-il! Mais je ne m'engage à rien... FABIO FABIO Quoi! Tu refuses? Tu vas aller à l'église de Santa-Maria... GREGORIO GREGORIO, étonné. Net! Comment! À l'église? FABIO FABIO Je ne vois pourtant pas le motif... Oui... Près du troisième confessional, à droite, GREGORIO tu trouveras une vieille qui se tient Ah ça! Mais, jeune homme, pour qui me habituellement à cette place... Elle a nom prenez-vous? Et la morale donc!... Savez- Inès... Une mantille noire... Un air qui vous bien que si jamais le Prieur... t'edifiera.. FABIO GREGORIO Eh! Par qui veux-tu qu'il soit instruit? C'est donc une sainte? GREGORIO FABIO D'accord; mais mon caractère... Pas précisément... Tu lui remettras cette FABIO, lui mettant une bourse dans la main. lettre, avec ce ducat... Ne fais donc pas tant le scrupuleux avec moi, GREGORIO que diable! Le tout pour elle? GREGORIO FABIO Ah! Sainte vierge, ne jurez pas comme cela!... Eh non! L'argent seulement... Après quoi tu la FABIO prieras de se rendre à l'hôtel du Comte Allons, tu accepts, n'est-ce pas? Manzoni, dont tu dois avoir entendu parler...

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GREGORIO, soupesant la bourse. plus grande vigilance... Et dans les fonctions Il faut bien en finir... Mais c'est égal, vous me que vous occupez surtout... faites jouer là un rôle... GREGORIO, l'interrompant. FABIO Oh! Quant à ce qui me concerne, n'ayez Si tu préfères me laisser sortir... aucune crainte, mon père: je connais les GREGORIO devoirs de ma charge... En plein jour? Eh bien, par exemple, il ne LE PRIEUR manquerait plus que cela!... Voyons, vite, Cependant j'allais vous dire qu'un novice était donnez-moi votre billet... J'aperçois le sorti clandestinement hier au soir... Prieur... GREGORIO, à part. FABIO, remettant la lettre. Aie! Bonté divine! Encore un sermon... Je me LE PRIEUR sauve... ( En s'éloignant ). Rappelle-toi bien... Et si j'en crois les rapports qui m'ont été faits, Vieille du confessional... La suivante... Et fais la chose aurait eu lieu déjà plusieurs fois... en sorte d'être ici dans une heure! GREGORIO, feignant de se méprendre. GREGORIO Avec des murs de vingt-cinq pieds de haut?... Oui, oui... Allez! Allez! Je crains fort, mon père, qu'on ne vous ait Fabio rentre au couvent. induit en erreur... ************************************ LE PRIEUR SCÈNE II On ne m'a pas trompé, Gregorio... Vous le GREGORIO, LE PRIEUR. savez mieux que personne, car la porte a été LE PRIEUR, à Gregorio, qui s'est dirigé vers ouverte par vous-même à celui dont je veux sa cellule. parler... Gregorio, demeurez un instant... J'ai à vous GREGORIO, troublé. parler. Par moi? GREGORIO, prenant un air d'onction. LE PRIEUR Je vous écoute, mon père. Et celui-là, c'est Fabio! LE PRIEUR GREGORIO, à part. Nous avons dans ce couvent beaucoup de Je me suis enferré!... ( Au Prieur ). Ah! Don jeunes moines dont l'imagination peut être Fabio?... Ah! Oui, mon père, oui, oui, en séduite encore par les choses du monde... Il effet... Je l'ai laissé sortir... Je ne me rapelle importe donc, pour que notre maison ne plus trop quelle raison il m'a donnée... Mais devienne pas un lieu de scandale, de faire la elle m'a paru si concluante, et son éloquence

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était si persuasive, que, sachant d'ailleurs GREGORIO, à part. combien vous êtes bon pour lui, je me suis Quant à la lettre, c'est différent... D'ailleurs laissé entraîner... Moi qui me croyais j'ai promis, et un honnête homme n'a que sa inébranlable, c'est vrai, j'ai fléchi... parole... LE PRIEUR, sévèrement. Il sort. Et vous avez eu tort, grand tort!... Si vous LE PRIEUR, seul. saviez quel intérêt immense repose sur la tête Pauvre femme! Cachons-lui surtout les de ce jeune homme... imprudences de Fabio, et qu'elle ne se doute GREGORIO jamais... Ah! Pardonnez, mon père; j'ignorais... La Comtesse entre précipitamment. On entend un coup de cloche. ************************************ LE PRIEUR SCÈNE III Voyez au guichet quelle visite nous arrive... LE PRIEUR, LA COMTESSE, três (À lui-même, pendant la sortie de Gregorio ). simplement vêtue. Je ne veux pourtant pas ébruiter cette LE PRIEUR affaire... Du reste, je crois en avoir dit assez Mon Dieu! Madame, quelle agitation! Qu'y a- pour qu'à l'avenir... (À Gregorio, qui t-il? reparait ). Eh bien? LA COMTESSE GREGORIO Vous me le demandez!... Où est Fabio? Hier, Une femme... et bien d'autres fois sans doute, il s'est LE PRIEUR échappé de ce couvent... Ne me dites pas le Je sais qui... Faites entrer. contraire, je l'ai vu... Est-il rentré? GREGORIO, à part. LE PRIEUR Tiens, tiens, tiens... Oui, madame... LE PRIEUR, le rappelant. LA COMTESSE Ah! Gregorio... Je veux bien ne pas sévir Ah! Dieu soit loué! Mais que va-t-il faire contre vous pour cette fois... Mais vous dans le monde? S'il allait m'y rencontrer! m'assurez que désormais... Mon père, est-ce là ce que vous m'aviez GREGORIO promis?... Hélas! Rappelez-vous dans quelles Il ne sortira plus... Non, non... Je vous en fais circonstances je vous l'ai confié... Sur le le serment, mon père! cadavre sanglant d'un frère, mon mari venait LE PRIEUR de le vouer, lui, pauvre ange timide, à une Bien... Allez ouvrir. mission de haine et de vengeance, et

249 j'entendais encore retentir ces terribles paroles de Gregorio, Don Fabio est sorti de cette que mon père m'avait jetées pour adieu: "Ton maison, et vous m'en voyez désolé! Mais son fils périra dans une mêlée populaire ou sur absence a été courte, et je crois assez le quelque infâme échafaud!..." Cette prédiction, connaître pour pouvoir assurer que cette je jurai, moi, qu'elle ne s'accomplirait pas, et démarche, imprudente en elle-même, n'a rien votre amitié répéta ce serment... L'avez-vous qui doive vous alarmer. sitôt oublié?... Est-ce en vain que je me suis LA COMTESSE séparée de mon fils, que j'ai feint cet Mon père, nos discordes civiles, un moment enlèvement dont j'osai accuser mon père?... apaisées, sont prés de renaître plus Car, vous le savez, j'eus le courage de le furieuses.... Le Gouverneur a reçu ce matin la calomnier, de verser des larmes fausses... nouvelle de la mort du Roi Don Philippe, et J'étais mère: j'aurais menti à Dieu!... Du Policastro est à Milan! moins, en partant pour l'exil, je ne craignais LE PRIEUR plus pour mon Fernand... Auprés de vous, et Il se pourrait? sous ce nom de Fabio, il devait grandir dans LA COMTESSE l'amour de l'étude et des vertus calmes... Oui... La révolte est dans l'air!... N'attendons Enfin, grâce à cette éducation religieuse, pas qu'elle éclate, je sens là que mon fils y j'espérais pouvoir sans danger rendre plus périrait... tard un fils à son père... Illusion dont je me LE PRIEUR berçais!... Notre exil a fini; mais les haines Craignez-vous donc qu'il n'y participe? survivent, et mon enfant, mon enfant! Ce LA COMTESSE trésor que je cachais comme l'avare cache le Mon père, on peut vous parler sans crainte... sien, le voici tout près de m'échapper... Je l'ai rencontré dans une maison qui est le Quelques jours auront détruit dix-huit années rendez-vous des conspirateurs, et au moment d'efforts!... Voyez si mon désespoir est juste! où il allait se battre en duel avec un espagnol! Depuis hier les larmes m'étouffent... Libre LE PRIEUR enfin, je les répands devant vous, en y mêlant Lui? Don Fabio? mes reproches.... Mon père, qu'est devenu LA COMTESSE notre ouvrage? Qu'avez-vous fait de mon C'est le sang des Manzoni qui se réveille! enfant? LE PRIEUR LE PRIEUR Il faut que je l'interroge à l'instant... Ce que De grâce, calmez-vous, madame! Hier au vous m'apprenez bouleverse tellement toutes soir, en effet, par la complaisance coupable mes idées, toutes mes espérances!... Ne me

250 détournez pas de mon projet, madame; il fera LE PRIEUR cesser l'erreur de l'un ou de l'autre, car vous Depuis quelques jours, Don Fabio, vous êtes allez vous cacher dans cette cellule, d'où vous entré dans votre vingt et unième année... pourrez tout écouter... Bientôt votre noviciat finira... À quel état LA COMTESSE vous croyez-vous appelé? Il est temps de J'y consens... prendre un parti. LE PRIEUR FABIO Je vais le faire prévenir. Mais c'est ce qu'il me semblait aussi, mon LA COMTESSE, sur le devant du théâtre. père... Oui, je crois qu'il est temps de prendre Ah! Quel que soit le résultat de cet entretien, un parti, que je sache à quoi m'en tenir... Et mon parti est arrêté, mes précautions sont puisqu'il s'agit de me prononcer, je prises... C'est une nécessité cruelle, mais il commence par vous déclarer que je n'ai aucun faut encore la subir! goût pour le cloître... LE PRIEUR LE PRIEUR Le voici, madame... J'espère que vos Ciel! Est-il possible? inquiétudes vont cesser... FABIO LA COMTESSE, entrant dans la cellule. Oh! Aucun! Que Dieu vous entende! LE PRIEUR ************************************ Vous pensez donc être plus heureux dans le SCÈNE IV monde? LE PRIEUR, FABIO. FABIO FABIO Je ne sais; mais je veux essayer. On me fait demander? Ma nourrice sans LE PRIEUR doute... Le Prieur! Je croyais l'avoir échappé! Tout homme creuse son sillon sur la terre... A LE PRIEUR quels travaux voudriez-vous consacrer votre Approchez, mon fils. existence?... Aux arts? FABIO, à part. FABIO Quelle émotion! Serait-il instruit?... Non. Il faut y exceller, et je ne suis pas assez LE PRIEUR sot pour me croire du génie. J'ai à vous entretenir de vos intérêts. LE PRIEUR FABIO, de même. Aux sciences? Plus de doute! FABIO Oh! Elles m'endorment!

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LE PRIEUR LE PRIEUR Je devine. Avant de faire un choix, vous Mais qui a pu vous donner ces idées?... Nous voudriez vous instruire par la comparaison, et n'avons pas la guerre... Tout es calme.. vous avez le goût des voyages... L'Italie entière sommeille... FABIO FABIO Du tout! Du tout! Au contraire, je tiens fort à Et croyez-vous qu'elle ne puisse pas se rester à Milan. réveiller? Que notre Lombardie surtout se soit LE PRIEUR résignée pour jamais à la domination Et pourquoi, mon fils? étrangère?... Oh! Non, non... Les espagnols FABIO, à part. ont soulevé contre eux trop de haines, et moi Ne poussons pas trop loin la franchise... Si je qui vous parle, j'en ai tenu un hier au soir... lui parlais de mon amour, il serait capable de LE PRIEUR se trouver mal! Comment! Que dites-vous? LE PRIEUR FABIO, se reprenant. Vous ne répondez pas? Je dis qu'un jour viendra, et peut-être n'est-il FABIO pas loin, où pour les rejeter au-delà de nos Pourquoi je veux rester à Milan? Mais n'est- frontières la patrie aura besoin de ce pas ma patrie et celle de ma mère?... Ma défenseurs... Alors qu'on me donne une épée, mère! Dans quelle autre ville puis-je espérer un drapeau, et en avant! Les espagnols de la retrouver? verront que du fond même des cloîtres il LE PRIEUR s'élance contre eux des soldats!... Mais enfin quelle est la carrière qui LE PRIEUR répondrait à vos sympathies? Ah! Mon fils, quel langage! Est-ce ainsi que FABIO vous payez mes soins? Songez-vous à quelles Eh bien! Celle des armes! angoisses votre mère serait livrée?... LE PRIEUR La Comtesse sort de la cellule. Qu'entends-je?... Et contre qui voudriez-vous FABIO donc vous baître? Ma mère? Hélas! Croyez-vous qu'elle tienne FABIO beaucoup à mon existence, et ne suis-je pas Oh! Soyez tranquille, ce n'est pas contre déjà mort pour elle? vous, mon père! LE PRIEUR Silence! Voici votre nourrice... Devant elle au moins contenez-vous...

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************************************ demain matin, sans plus tarder, tu quitteras SCÈNE V Milan, l'Italie..." ( S'interrompant ). Quitter LA COMTESSE, FABIO, LE PRIEUR. Milan! Et Julia? Jamais! Jamais! ( Reprenant ). FABIO, allant embrasser la Comtesse. "Tu partiras pour la France, où ma vie te C'est toi, nourrice... Que je suis heureux de te suivra... Le Prieur te donnera les moyens de voir!... Mais comme tu viens tard faire ce voyage. Adieu! Mon cœur se brise... aujourd'hui!... Songe que je meurs si demain matin tu n'es LA COMTESSE pas parti!..." ( Cessant de lire ). Ô ma mère! C'est que j'ai de tristes nouvelles à vous Ma mère! Quel sacrifice exigez-vous d'un fils annoncer, mon Fabio, et que la douleur arrive qui ne vous connaît même pas?... Nourrice, tu toujours trop tôt. sais ce que contient cette lettre? FABIO LA COMTESSE Mon Dieu! Qu'est-ce donc?... Tu pleures... A peu près... Eh bien? Oh! Parle! Parle! FABIO LA COMTESSE Je partirai... Eh bien! Mon enfant, depuis hier votre mère LA COMTESSE est dans la désolation... Ô bonheur! FABIO FABIO Ciel! Que dis-tu? Quel nouveau malheur?... Mais à une condition... LA COMTESSE LA COMTESSE Cette lettre vous apprendra tout... Laquelle? FABIO FABIO Donne, donne... ( Il baise la lettre ). Ô ma Je suis las de ne rien comprendre au mystère mère!... qui m'environne... Si on ne me révèle pas le LA COMTESSE, bas, au Prieur. secret de ma naissance, je ne sortirai pas de Secondez-moi. ce couvent! FABIO, lisant. LA COMTESSE "Mon cher enfant, de graves dangers Fabio... Ah! Ce que vous exigez est menacent en ce moment tes jours et les impossible! miens. Plus que jamais il faut redoubler de FABIO prudence, te cacher aux yeux du monde et de Impossible! Et pourquoi?... Qui peut ceux qui veulent ta perte... Fabio, mon Fabio, empêcher une mère de se révéler à son fils? si tu m'aimes et si tu veux me revoir un jour, Que la mienne ait peur de tout le monde, je le

253 comprends... Mais moi, qu'elle a porté dans LA COMTESSE son sein, moi, qui l'aime avec idolâtrie, est-ce Ah! Cessez, mon enfant! Que me demandez- que je suis capable de la trahir?... Oh! Tu ne vous? Puis-je vous livrer un secret qui ne le penses pas, et si tu étais à sa place, nul m'appartient pas? Ce serait une action intérêt, si grave qu'on le suppose, n'aurait pu honteuse, un crime, et vous n'abuserez pas de t'empêcher, j'en suis sûr, d'aller dire à ton fils, votre empire sur moi pour me rendre si à lui seul: devant les hommes, je ne suis rien coupable. pour toi; mais devant Dieu, je suis ta mère! LE PRIEUR LA COMTESSE Écoutez la voix de la raison, mon fils! Ah!.. Ce n'est pas de votre cœur qu'elle se N'exigez pas l'explication d'un mystère dont méfie... Elle craint votre courage et votre vous ne pouvez sonder la profondeur... Vous jeunesse, et toutes les influences enfin de ce nous aviez accoutumés à plus de résignation... sang qui coule dans vos veines et dont FABIO l'éducation du cloître n'a pu modérer Il est vrai, mon père; mais ma patience est à l'ardeur... Vous dire le secret de votre bout. Vous ne avez pas ce que ce départ me naissance! Et si cette révélation faisait fondre coûterait, et ma résolution est irrévocable. sur vous les dangers qu'elle redoute, votre LE PRIEUR mère pourrait-elle s'en consoler?... Malheureuse mère! FABIO LA COMTESSE Mais quels sont ces dangers dont on me parle La mienne aussi, Don Fabio... Et puisque rien toujours et que je ne soupçonne même pas? ne peut vous fléchir... Puisque vous êtes On me sauve la vie, et on me la rend insensible aux larmes de votre mère... insupportable... Cela peut-il durer ainsi? Ô Puisque moi-même vous me repoussez... nourrice! Nourrice! Toi qui m'aimes Adieu, mais adieu pour toujours!... assurément plus qu'elle, prends pitié de moi! FABIO Ce secret qu'elle refuse de m'apprendre, dis- Qu'oses-tu dire? le-moi, dis-le-moi!... Son nom seulement, le LA COMTESSE nom de ma mère! Et je te jure ma foi de Je ne vous reverrai plus!... gentilhomme que je le garderai pour moi seul, FABIO, la retenant. que personne au monde, pas même elle, ne Ah! C'est trop! C'est trop! Je partirai!... soupçonnera ton indiscrétion!

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LA COMTESSE SCÈNE VII Merci, mon Dieu!... Ah! Fabio! Le sacrifice FABIO, GREGORIO. que vous faites à votre mère adoucira bien ses GREGORIO, entrant un peu aviné. souffrances! Voilà! Voilà! FABIO FABIO Je veux lui en faire un dernier, nourrice... Je Ah!... Bien! As-tu trouvé? ne te retiens plus... Va rassurer ma mère, va GREGORIO lui dire que je me soumets à ses volontés... La vieille? Oui, oui, tout de suite... Oh! La LA COMTESSE, avec ravissement. digne femme!... Oh! La sainte femme! Bien!... Bien!... ( Après l'avoir embrassé ). FABIO Adieu!... Non, au revoir!... Bon, bon... Abrége, abrége... FABIO GREGORIO Au revoir! Elle s'est donc chargée du message, et moi je La Comtesse sort, reconduite par le Prieur. suis allé l'attendre prés de la porte Neuve, à ************************************ l'auberge du grand Saint-Ambroise... SCÈNE VI FABIO FABIO, seul, se promenant avec agitation. À l'auberge? Pardieu! Cela se voit de reste... Partir! Partir!... Et Julia, moi qui lui ai GREGORIO promis... Que faire? Que lui dire?... Mais Je m'étais mis sous la protection de ce quoi! Ce rendez-vous, peut-être ai-je tort d'y bienheureux patron de Milan... D'autant plus compter... Peut-être aujourd'hui pas plus que j'éprouvais le besoin de m'étourdir un peu qu'hier elle n'y consentira... Et pourtant, si ma sur la faute énorme... lettre lui parvient, il est une chose que lui fera FABIO, impatienté. désirer de m'entendre... Oui, cette révélation Eh! Je te ne demande pas tout cela... Arrive que je lui promets sur la tentative de l'autre au fait! soir, ce doit être un moyen sûr... Il est vrai GREGORIO qu'elle peut me renvoyer à son oncle ou à sa Bref, au bout de trois quarts d'heure la vieille tante... Oh! Non, non, je connais son cœur... est revenue... Oh! La digne femme! Oh! La Elle craindra l'irritation du Comte, et voudra s... sans doute épargner une douleur à la FABIO Comtesse... Mais voyez un peu si ce Gregorio Encore? Mais allons donc! Allons donc! reviendra! ************************************

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GREGORIO griffonnage?... ( Lisant ). "Mémoire du Il parait qu'on n'était pas trop d'avis de vous cabaretier..." répondre... Cependant... GREGORIO, se fouillant vivement. FABIO Quoi! Serait-il possible? ( Sortant un autre Cependant... Tu as une lettre? papier de sa poche ). Ah! Par exemple, c'est GREGORIO pourtant vrai! Oui, grâce à la suivante... FABIO, prenant la lettre. FABIO Allons, vite! Vite! ( Après avoir lu ). Elle Voyons, donne! Donne! consent! Je l'avais bien jugée!... Ainsi je GREGORIO pourrai lui faire mes adieux... Avant que de Vous lui devez un fameux cierge à la partir, savoir le nom de mon rival!... Je vais la suivante, à ce que m'a dit la vieille... voir, la voir une fois encore! FABIO GREGORIO Ma lettre! Ma lettre! Oui, prenez-y garde! GREGORIO FABIO Attendez un peu que je la cherche... Hein? Que dis-tu? FABIO, à part. GREGORIO Elle m'a écrit... Bonne Julia! Je dis: prenez-y garde! GREGORIO FABIO C'est qu'il y a encombrement dans ma Eh bien! Qu'est-ce que cela signifie? poche... ( En tirant divers objets ). Tenez... GREGORIO Mon livre d'heures... Mon chapelet... La clef Cela signifie qu'on m'a signifié de ne plus de la porte... Comme c'est léger! Portez donc vous laisser sortir... cela sur vous! FABIO FABIO, riant. Comment! On sait donc... Ma foi, j'ai là celle de ma chambre qui ne GREGORIO pèse guère moins... On sait tout! GREGORIO, lui donnant un papier. FABIO Ah! Voici. Qu'entends-je? FABIO GREGORIO Dieu soit loué! Je vais donc savoir enfin... Et j'ai reçu une belle semonce à cause de (Déployant le papier ). Il y en a long! ( Le vous, allez! parcourant des yeux ). Qu'est-ce que ce

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FABIO LE PRIEUR, se tournant vers un des moines. Quand? De qui? Parle! Explique-toi! Frère Antonio, votre zèle m'est connu... C'est GREGORIO à vous que je la confie... Tantôt, du Prieur... Pendant ces paroles du Prieur, Gregorio FABIO fouille à sa poche et en laisse tomber la clef; Ah! Tout est perdu! Fabio, qui se baisse pour la remasser, On entend sonner une cloche. l'échange, par un mouvement rapide, contre GREGORIO une autre clef qu'il tire de sa robe et qu'il Mais voici l'angélus... On va se rendre à la donne à Gregorio. chapelle... Je vous conterai cela plus tard... GREGORIO, au Prieur. FABIO La voici, mon père... Fatal contretemps! Se voir emprisonner dans FABIO, à part. un pareil moment... Ah! J'en mourrai de rage! Oui, celle de ma prison... Mais j'ai la clef des GREGORIO champs! Silence! ************************************ Les moines sortent du couvent. Le Prieur ACTE DEUXIÈME arrive par le fond. Une salle de l'hôtel Manzoni. Ameublement ************************************ dans le style de la renaissance. Grande porte SCÈNE VIII d'entrée au fond. À gauche, deux autres LES MÊMES, LE PRIEUR, MOINES. portes: la première conduisant aux LE PRIEUR, à part. appartements de la Comtesse; la seconde, à la Encore emsemble! Allons, il n'y a plus à chambre de Julia. À droite, une fenêtre à hésiter... ( Haut et s'avançant ). Gregorio, vous balcon. Sur le premier plan, du même côté, êtes dispénse désormais du soin de garder la une table avec une lampe allumée. porte... ______GREGORIO, à part. SCÈNE PREMIÈRE Ciel de Dieu! LA COMTESSE, JULIA, Femmes de la LE PRIEUR Maison, puis LE COMTE. Veuillez en remettre à l'instant la clef... JULIA, à genoux et lisant la Bible. GREGORIO, de même. "La femme forte est la joie de son mari; elle O victime! lui fera passer en paix toutes les années de sa vie. Comme le soleil levant est l'ornement du

257 monde, ainsi le visage d'une femme vertueuse LA COMTESSE est l'ornement de sa maison." Puisse-t-il aussi t'éclairer sur tes intérêts, sur LE COMTE, entrant. ton devoir!... Réfléchis bien au mariage dont Encore ici! je t'ai parlé, et demain tâche de m'apprendre... JULIA JULIA Mon oncle! Je vous l'ai promis, demain je vous répondrai. LE COMTE LE COMTE, à part. Pourquoi la veillée se prolonge-t-elle si tard? Il sera trop tard, je l'espère! JULIA JULIA, à part, en remontant la scène. Demandez-le à ma tante... C'est elle qui l'a Minuit! Il est temps! voulu ainsi, et j'ai vainement insisté... Elle sort. LE COMTE LA COMTESSE , à son mari. Chère Comtesse, êtes-vous raisonnable?... Vous ne me suivez pas? Allons, rentrez dans votre appartement; vous LE COMTE devez avoir besoin de repos... Dans un instant j'irai vous rejoindre... LA COMTESSE LA COMTESSE Moi? Non, je vous assure... Vous attendez quelqu'un?... Policastro peut- LE COMTE être! L'altération de votre visage donne un démenti LE COMTE, souriant. à vos paroles. Vous êtes folle!... N'ai-je pas à faire ma visite LA COMTESSE de tous les soirs... À jeter dans la maison le Ah! Pour que le calme rentre dans mon âme, coup d'œil du maître? le sommeil ne suffit pas!... LA COMTESSE JULIA Ah! Je veux vous croire! Et d'ailleurs à quoi Puis-je congédier vos femmes? serviraient mes remontrances?... Policastro LA COMTESSE est ici, c'est tout dire. Vous ne m'écouterez Oui, oui... plus! À bientôt donc! LE COMTE LE COMTE Va reposer, mon enfant, et que Dieu t'envoie À bientôt! ( La Comtesse rentre dans sa d'heureux songes! chambre ). Libre enfin!... J'ai cru qu'elle ne partirait pas! Il sort précipitamment par la porte du fond, qu'on l'entend fermer à double tour. Julia

258 reparaît à la porte de sa chambre et s'avance SCÈNE III avec précaution. JULIA, FABIO. ************************************ FABIO, entrant par la fenêtre. SCÈNE II C'est égal, me voici! JULIA , seule . JULIA Plus personne... Ah! Je tremble!... Vous, qui Quoi! Monsieur, par la fenêtre!... Vous avez connaissez mes intentions, soutenez-moi, osé...? mon Dieu!... Hâtons-nous de descendre, avant FABIO que mon oncle soit revenu... ( Elle va à la Oh! Le danger n'était pas grand, et je ne m'en porte du fond ). Ciel! Cette porte est fermée! ferai pas un mérite auprès de vous... Par quelle fatalité?... Soupçonnerait-on... Oh! JULIA Mais non... Rien n'a pu me trahir. Que faire? Je veux dire, monsieur, qu'il est sans exemple Que faire?... Et je suis bien sûre qu'il est déjà qu'on agisse de la sorte... arrivé... Qu'il m'attend!... Que va-t-il FABIO penser?... Comment lui faire savoir... ( Se Au contraire: quand les portes sont fermées, diregeant vers la fenêtre ). Ah! Par là... S'il est par où voulez-vous qu'on entre? dans le jardin, je l'apercevrai sans doute... JULIA Oui, oui... Le voilà, sous le balcon... C'est Mais je vous avais dit... bien lui... – Je suis enfermée dans cette salle... FABIO Je ne puis vous voir maintenant... C'est Vous m'avez dit: je ne puis descendre... C'est impossible! – Rien n'est impossible, dites- pour cela que je suis monté. vous?... Je vous reconnais bien là!... Mais JULIA puisque je suis enfermée, comment voulez- Nous nous serions vus demain à Santa-Maria. vous que je descendre?... Demain soir, à FABIO Santa-Maria, nous nous reverrons... Adieu, Demain, Julia? Hélas! Demain il ne sera plus monsieur! Partez, partez vite!... ( Elle revient temps! en scène ). Allons, c'est fini... Et pourtant JULIA j'aurais bien voulu le voir, connaître les Comment? révélations qu'il avait à me faire... Pauvre FABIO jeune homme, je suis sûre qu'il s'en va Je viens vous dire adieu... désolé... JULIA ************************************ Vous partez?

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FABIO JULIA Pour la France! Ma mère l'ordonne, et je dois Vous renoncerez à votre projet, monsieur, obéir. dans votre intérêt, dans l'intérêt de ceux qui JULIA vous aiment... Est-ce donc pour exposer vos Ô ciel! Vous l'avez donc vue, votre mère? jours que votre mère vous envoie en France? FABIO Au contraire, c'est pour les protéger... Quant à Non; mais elle m'a écrit, comme toujours, une moi, mon parti est pris, et si l'on ne force pas lettre pleine de tendresse et de larmes... Où mon consentement, j'attendrai dans un elle m'adjure de partir si je veux assurer son cloître... repos et la connaître un jour... Car je ne la FABIO connais pas encore! Un cloître! JULIA JULIA Quoi! Vous ne savez rien de plus qu'hier? Assez! Assez! N'oublions pas devantage quel FABIO doit être le résultat de cet entretien... Vous Hélas! Non!... disiez avoir des révélations à me faire sur le JULIA guet-apens dont mon oncle a failli être la Ainsi plus d'espoir!... Ah! C'est dommage! victime... Expliquez-vous, ou je vous FABIO accuserai d'avoir cherché un prétexte... Cartainement!... Mais, si vous n'êtes pas trop FABIO pressée, si vous avez la patience de Et quand cela serait, mon amour ne me m'attendre, je vous promets de revenir avec justifierait-il pas? un titre, avec un grade... Car, je ne l'ai pas dit JULIA à ma nourrice, mais je veux m'enrôler dans Jamais, monsieur!... Ainsi vous avouez que les troupes du Roi de France... Et je vous m'avez trompée... parviendrai ou je me ferai tuer. FABIO JULIA Non, Julia. Dieu merci, je ne sais pas mentir... Quelle horreur! Écoutez donc, puisque vous le voulez... FABIO Quand les trois bravi qui avaient assailli votre Que voulez-vous? Mes parents me refusent oncle eurent fui par des rues détournées leur nom, il faut bien que je m'en fasse un devant l'adversaire imprévu qui leur arriva, ce moi-même. défenseur inconnu, qui s'en était allé droit son chemin comme les gens qui n'ont rien à craindre, en passant sur la place du Château

260 les vit entrer dans le palais du Gouverneur!... JULIA Peut-on douter après cela qu'ils n'en fussent Ah! C'est affreux!... Un pareil calcul... Mais partis? non... Ce n'est pas dans le palais du JULIA Gouverneur que ces trois bravi sont entrés... Ciel! Que me dites-vous?... C'est Vous ne pourriez en donner une preuve... impossible... En ce moment le Gouverneur FABIO cherche à s'allier avec ma famille... Il Quelle preuve voulez-vous? Je les ai vus! demande ma main pour son neveu... Don JULIA Garcias... Mais alors c'est donc vous qui avez sauvé?... FABIO FABIO Don Garcias? Cet insolent que j'ai tenu hier à Eh! Mon Dieu, oui... Je ne voulais pas vous le la pointe de mon épée? dire; car c'est tout simple... Mais nous JULIA sommes aussi discrets l'un que l'autre, à ce Ah! Qu'ai-je dit? que je vois... FABIO JULIA Ah! Il est mon rival! Et je pars demain sans Me cacher cela! avoir eu le temps de me venger! FABIO JULIA Allons, allons, ne me grondez pas trop... Et Vous m'effrayez! puisque la vérité m'est échappée, profitez- FABIO en... Dites à votre oncle de se tenir en garde Julia, au nom du ciel, n'épousez jamais cet contre le Duc... Tenez, ce soir même j'ai vu homme; je vous dis que les assassins de votre rôder autour de cette maison des hommes à la oncle ont été soudoyés par le Gouverneur ou démarche suspecte... par Don Garcias lui-même. JULIA JULIA Qui vous ont aperçu peut-être? Mais dans quel intérêt? FABIO FABIO Oh! J'ai eu soin de les éviter... Mais leurs airs Et que sais-je?... Pour que votre fortune fût mystérieux, leurs signes d'intelligence... accrue de celle du Comte, dont vous êtes JULIA l'unique héritière... Comprenez-vous Écoutez... ( Indiquant le fond ). Par là... Il me maintenant? semble avoir entendu...

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FABIO JULIA, rentrant chez elle. En effet, le bruit approche... On se dirige de Mon Dieu! Veillez sur lui! ce côté... ************************************ JULIA SCÈNE IV C'est mon oncle, sans doute... LE COMTE, SIMONETTA, POLICASTRO, FABIO Conjurés. Adieu, chère Julia! Je ne veux pas qu'il nous SIMONETTA, s'avançant avec précaution. trouve ensemble... Pensez quelquefois à Avez-vous bien pris toutes vos précautions, Fabio... Comte? JULIA LE COMTE Oh! Toujours! Toujours!... Mais fuyez et Oui, oui... Fiez-vous en ma prudence. gardez qu'on ne vous voie! SIMONETTA FABIO C'est que vous m'avez entraîné à une Ne craignez rien! ( Au moment de franchir le démarche grave... Très grave!... Et dans ces balcon, il s'arrête et revient ). Ah! Des circonstances-là, je ne me fie guère qu'à moi- hommes en bas... Qui paraissent être aux même... Et encore, qui est-ce qui peut aguets... répondre de soi?... Où mènent ces portes? JULIA LE COMTE Mon Dieu! Qu'est-ce que cela veut dire? Eh! Chez ma femme et chez ma nièce! Comment faire? De quel côté vous échapper? SIMONETTA FABIO Rien que cela! La langue des femmes me fait Cette chambre? frémir!... Pour plus de sûreté, mettons les JULIA verroux... L'appartement de ma tante. LE COMTE FABIO Messieurs, sommes-nous au complet? Celle-ci? LES CONJURÉS JULIA Oui, oui... Le mien!... Mais n'importe! Venez... POLICASTRO, entrant. FABIO Excepté les sentinelles, que je viens de poser Non, Julia, non. Plutôt mourir que de vous moi-même. compromettre!... Là, sur le balcon, derrière LE COMTE cette caisse de fleurs... Oh vient!... Ne C'est bien... Je n'ai pas à vous parler, craignez rien pour moi... Sauvez-vous! messieurs, de l'objet de notre réunion. Jamais

262 entreprise ne fut plus légitime, et les plus SIMONETTA patients d'entre nous ont compris que le Oui, voyons... Car enfin nous ne pouvons pas moment d'agir est arrivé. Depuis près d'un nous lever en masse tout seuls. siècle d'insolents étrangers nous tiennent le LE COMTE fer sur la gorge... Ils nous ont frappés dans Vous parcourrez la ville en annonçant la mort nos fortunes et dans notre honneur... Mais la du Roi d'Espagne, et en criant: aux armes! nationalité milanaise respire encore: POLICASTRO rassemblons-en les tronçons épars! Si l'effort C'est bien, mais ce n'est pas assez. La voix de que nous allons tenter n'est pas une révolte quelques hommes épars pourrait être bientôt partielle, nous sommes sûrs de triompher, car étouffée; et, avec votre permission, j'ai trouvé l'héritage du Roi Philippe Deux est mieux... Pour jeter la terreur parmi les embarrassé de bien des charges, et je vous espagnols, pour éveiller à la fois le peuple de promets l'appui de la France, qui a ses revers Milan et celui des campagnes, je dispose de la Picardie et des Pays-Bas à venger! À d'une voix puissante qui semblera venir du l'œuvre donc! Et que chacun de nous s'y ciel même, et qui, je l'espère, y remontera emploie!... Voici le plan que je viens vous pour intéresser Dieu à notre succès!... Au proposer. Vous, Silvio, Strozzi, Policastro et point du jour, Dame Rolande, la maîtresse tous les vôtres, vous vous répandrez dans les cloche du Dôme, qui n'a pas sonné depuis la différents quartiers de Milan et vous mort de Jean Galéas, fera retentir son glas marcherez à l'attaque de l'Arsenal... Vous, funèbre... C'est nous qui l'avons payée de nos maître Simonetta, suivi de quelques autres épargnes... Que les coups de son tocsin nous bourgeois notables, vous irez vous installer annoncent l'heure de la liberté! chez le podestat et vous y proclamerez LE COMTE l'indépendance nationale... Moi, je reste dans Tu pourrais... mon palais pour y distribuer de l'or et des POLICASTRO armes et recueillir les blessés... Est-ce ainsi Oui, je le peux... J'ai gagné avec votre or un convenu? des sacristains de la cathédrale; il ne faut plus LES CONJURÉS maintenant que deux hommes dévoués qui Oui, oui... aient le courage de s'emprisonner dans le POLICASTRO Dôme, pour y sonner tour à tour et sans J'approuve votre plan, monsieur le Comte; relâche... Pour y attendre la mort, car les mais quel sera le signal de la révolte? espagnols viendront sans doute les y

263 chercher!... L'un de ces hommes, ce sera moi: SIMONETTA, à part. qui veut être mon second? Au fait, j'y songe: si quelqu'un avait eu la TOUS, hors Simonetta. même idée que moi... Si mon nom sortait de Moi!... Moi!... l'urne... Ah! Je ne me sens pas bien. LE COMTE POLICASTRO Bien, mes amis! Bien, Policastro! Mes amis, le sort va prononcer... ( On entend POLICASTRO chanter en dehors; mouvement général ). Allons, je suis enchanté que ma proposition Silence!... ait un pareil succès... Mais qui choisir parmi VOIX du dehors. tant de braves gens? Je ne veux faire injure à Montre-toi comme l'aurore; personne, et le sort en décidera... Que sur un Mais fuis les regards jaloux... bulletin séparé chacun de vous écrive son Regina, fais qu'on ignore nom et le jette, tenez, dans mon chapeau. Le secret du rendez-vous. LES CONJURÉS POLICASTRO Oui, oui... C'est un avertissement des sentinelles... UN DES CONJURÉS, à Simonetta. Qu'auront-elles aperçu? ( Il va ouvrir la Vous ne signez pas? fenêtre ). Trahison!... Un homme caché là. SIMONETTA ************************************ Comment donc... Si fait!... S'enfermer dans le SCÈNE V Dôme et carillonner jusqu'à ce que mort LES MÊMES, FABIO. s'ensuive... C'est charmant!... ( À part ). Ah! Policastro l'amène violemment. Le manteau Tu es si zélé que cela, toi? Bien... Je vais de Fabio se dégage et tombe. mettre ton nom. ( Après avoir écrit ). Bonne FABIO chance! Allons! Pris entre deux feux! LE COMTE, à Policastro. LES CONJURÉS Tu es bien sûr de cet homme qui doit t'ouvrir À mort! À mort! la porte de la tour? FABIO POLICASTRO Plus bas donc, messieurs... Ces cris C'est une ancienne connaissance, un milanais, pourraient vous trahir... un fidèle... D'ailleurs il ne peut que LES CONJURÉS soupçonner mon projet, car je ne lui ai rien À mort! dit de positif, et je me suis abstenu de vous LE COMTE nommer. Arrêtez!... Cette voix...

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FABIO SIMONETTA, à Policastro . Hier au soir, monsieur le Comte, on m'a pris Tout ceci est louche... pour un conspirateur, et l'on me prend LE COMTE maintenant pour un espion... Je joue de Monsieur, votre conduite a été bien légère... malheur. Mais je vous sais homme de courage, et vous LE COMTE crois homme d'honneur... Retirez-vous donc, Messieurs, il y a trois jours, ce jeune homme en nous jurant toutefois... m'a sauvé la vie... FABIO POLICASTRO Oh! Monsieur le Comte, je vous jure... Lui? POLICASTRO LE COMTE Un instant... La chose ne peut se terminer Je le prends donc sous ma protection; mais ainsi, et pour ma part je ne le souffrirai pas... voici la seconde fois que sa présence dans ma Si votre générosité ne faisait courir de risques maison me paraît inexplicable... Que veniez- qu'à vous seul, à la bonne heure... Mais du vous faire ici? silence de cet écervelé depend le sort de FABIO chacun de nous et le salut de la Lombardie... Puisqu'il faut absolument m'expliquer... Hier Car il a tout entendu... et aujourd'hui, la même raison m'a fait FABIO franchir le seuil de cette demeure... Mon plus Ah! Sans perdre une syllabe... Et, par le ciel, grand tort, celui que je ne me pardonnerai mon maître, l'idée que vous avez émise tout- jamais, c'est d'avoir compromis par ma à-l'heure est triomphante, et je vous en fais conduite une jeune fille qui n'a rien fait pour mon compliment! mériter cet outrage. POLICASTRO LE COMTE Il raille... Une jeune fille? FABIO FABIO Non, non... J'approuve! J'approuve tout, vos L'une de celles qui servent madame la projets, votre plan, votre but... Car, si vous Comtesse. tenez à le savoir, les espagnols me sont LE COMTE odieux comme à vous... Comme à vous, la Et son nom, monsieur! Son nom? rougeur me monte au front quand je vois où FABIO ils ont réduit ce glorieux duché des Visconti Vous pouvez me tuer... Je ne le dirai pas. et des Sforce. Que vous dirai-je enfin? Je suis

265 des vôtres corps et âme!... Regardez-moi tous POLICASTRO, entraînant Fabio. en face: ai-je la mine d'un traître? Viens! Viens!... POLICASTRO FABIO Mon cher ami, les mines sont trompeuses, et À la garde de Dieu! pour être sûr de toi, je ne veux plus te Ils sortent. quitter... Si vraiment tu penses comme nous, LA COMTESSE, en dehors. tu ne saurais refuser de nous servir... C'est moi, Comte... Ouvrez! Vous êtes là... Messieurs, le tirage est fait; vos bras sont trop LE COMTE, allant ouvrir la porte de Julia. nécessaires à la cause nationale... C'est ce Evitons sa présence... Que Julia seulement jeune homme qui va m'accompagner auprès puisse accourir à ses cris... de Dame Rolande, et je vous réponds qu'il Il sort par le fond. sonnera bien! ************************************ FABIO SCÈNE VI Moi? JULIA, puis LA COMTESSE. POLICASTRO JULIA Tu as peur? Qui frappe ainsi? Qui appelle?... Mon Dieu! LE COMTE Que s'est-il passé?... Je vous réponds de son courage. LA COMTESSE, frappant de nouveau. FABIO Ouvrez, au nom du ciel! Ouvrez!... A quelle heure serai-je libre? JULIA, courant ouvrir. POLICASTRO Quoi! Ma tante! Oh! Deux heures après le lever du soleil, tu LA COMTESSE seras libre ou mort! C'est toi, tu veillais aussi?... Tant mieux; tu FABIO, à lui-même. vas m'apprendre... Cette salle était pleine de Allons! Courons la chance... C'est le seul monde, n'est-ce pas?... Tu as entendu comme moyen de tenir parole à ma mère... ( À moi des pas, des voix confuses? Policastro ). Je suis prêt. JULIA On frappe violemment à la première porte Oui, oui... latérale. LA COMTESSE LE COMTE Eh bien? La Comtesse! Partez! Partez!... Je vous rejoins...

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JULIA LA COMTESSE Eh bien! Je ne distinguais pas les paroles, Avec toi? mais j'ai reconnu des voix, celle de mon JULIA oncle, puis celle de ce mendiant... En entendant du bruit, il s'était caché sur ce LA COMTESSE balcon, et moi, j'étais rentrée dans ma Policastro! Je l'avais bien dit... Achève. chambre après avoir fermé la fenêtre sur lui... JULIA Mais voilà son manteau, là, par terre... Tout Enfin, tous ensemble ils ont poussé des cris prouve qu'ils l'ont aperçu... Ces cris horribles, de mort. c'est lui qu'ils menaçaient. Ma tante, ma tante, LA COMTESSE je vous dis qu'ils l'ont tué. Contre qui? LA COMTESSE JULIA Grand Dieu! Un tel crime... Mais non, le Je ne sais; mes yeux se sont troublés, mes Comte n'aurait pas souffert qu'en sa genoux ont fléchi, j'ai eu peur! présence... Ah! Pauvre enfant, je te vois si LA COMTESSE, à elle-même. malheureuse que je n'ai la force que de te Ainsi je ne m'étais pas trompée! plaindre... Et ta faute est bien grande JULIA, à part. pourtant. Aura-t-il pu s'échapper?... Comment le JULIA savoir? (Elle aperçoit le manteau de Fabio Hélas! L'amour que j'éprouvais, je n'osais me qui est resté devant la fenêtre ). Un l'avouer à moi-même... La position de ce manteau!... Le sien!... Ah! Ils l'ont jeune homme était si étrange... Seul au découvert!... ( Avec éclat ). Ils l'ont tué!... Ils monde, sans parents, sans avenir, et ce qui l'ont tué! vous étonnera bien plus, élevé dans un LA COMTESSE couvent de Dominicains, d'où il sortait Tué! Qui? Ton oncle? malgré la règle... JULIA LA COMTESSE Non, pas lui... Ah! J'ai mal entendu... Tu ne sais pas la LA COMTESSE portée de tes paroles, et tu vas me rendre folle Qui donc, malheureuse?... Explique-toi. comme toi!... Tu dis que ce jeune homme... JULIA Son nom?... Vite, vite, son nom? Eh bien! Quand ils sont venus, il y avait ici JULIA un jeune homme... Fabio.

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LA COMTESSE toutes deux par les cris de mort que vous avez Fabio!... Ah! Misérable, sois maudite, toi qui poussés contre un témoin indiscret... Que l'as fait venir ici! sais-je? Contre l'un des conjurés... Ces JULIA menaces ont-elles été exécutées?... Répondez, Madame... monsieur; pour que ces lieux ne me fassent LA COMTESSE pas horreur, dites-moi que ce malheureux Sur ce balcon, c'est là qu'il s'était caché... Ah! n'est pas mort! Prédiction de mon père, était-il donc écrit que LE COMTE tu devais t'accomplir? Oui, tu as raison, ils Il vit, madame, et je vous jure que tout mon l'auront découvert, et ces cris de mort... Oh! sang aurait coulé à cette place avant qu'on y Policastro était là! Il est capable de tout, cet répandit une goutte du sien! infâme!... Allons, il faut voler à son secours, JULIA, à part. que faisons-nous ici? Il l'a sauvé! JULIA LA COMTESSE A son secours!... De quel côté? Ah! Comte, merci pour cette parole; vous ne LA COMTESSE savez pas de quel poids elle soulage mon Je n'en sais rien, mais Dieu et mon instinct cœur! me guideront. LE COMTE Elles se précipitent vers le fond, le Comte Mais quel intérêt...? paraît. LA COMTESSE ************************************ Ah! L'humanité, l'amour de votre gloire... SCÈNE VII N'est-ce point assez?... Mais c'est de vous LE COMTE, LA COMTESSE, JULIA. maintenant, c'est de vos périls que je veux LA COMTESSE vous parler... Vous courez à votre perte; à vos Ah! Monsieur, d'où venez-vous?... Est-ce que yeux l'occasion est favorable, et le succès de vous l'avez tué? cette révolte est assuré. Eh bien! Moi je vous LE COMTE dis que les espagnols l'étoufferont, comme Tué! Qui? toutes les autres, dans le sang des JULIA, suppliant. conspirateurs. Ludovic, tu dis que tu m'aimes Madame... encore, au nom de notre amour, renonce à ce LA COMTESSE rêve généreux, qui nous a déjà coûté tant de Vous avez reçu ici les révoltés, ne le niez pas, larmes, et qui cette fois te coûterait la vie!... nous en sommes sûres, et nous l'avons appris Implore la justice du nouveau Roi en faveur

268 de tes malheureux concitoyens... Presse, LA COMTESSE, à part. sollicite, réclame... Mais pas de révolte, tu y Rien! Je ne lui dirai rien! périrais!... Julia, tombe avec moi aux pieds de LE COMTE ton oncle... Supplions-le de veiller sur sa vie, Quel silence!... J'écoute, et le jour monte, et c'est à nous seules qu'elle appartient! aucun bruit ne parvient à mon oreille!... LE COMTE Policastro aurait-il rencontré quelque Elle appartient d'abord à ma patrie, que j'ai obstacle? juré de rendre libre!... Julia, oublies-tu que les ************************************ espagnols ont tué ton père?... Thécla, ne te SCÈNE VIII souvient-il plus qu'ils nous ont ravi notre LES MÊMES, POLICASTRO. enfant? Les cruels m'ont frappé dans ma race, POLICASTRO prouvons-leur qu'ils n'y ont rien gagné, tant Alerte, Comte, alerte!... Nous sommes trahis! que j'existe... Punissons le seul crime peut- LA COMTESSE être qu'il me soit impossible de leur Déjà! pardonner. LE COMTE LA COMTESSE Trahis!... Comment? Par qui?... Eh! Qui te dit qu'un jour ce crime ne doive POLICASTRO pas être réparé?... Mon fils n'est pas mort, je Par ce misérable qui devait nous conduire au te l'ai répété bien des fois, je te le dis encore, clocher... Le traître!... Un ami de vingt ans!... et c'est Dieu qui te parle par ma voix... Jure à Fiez-vous donc aux amis!... Ah! Celui-là, son ce Dieu bon que tu ne feras jamais de ton fils compte est bon, et si je le retrouve jamais!... un instrument de tes vengeances, et qui sait? Enfin, je suis parvenu à m'échapper; moins Aucun miracle ne lui coûte, il peut te le heureux que moi, mon jeune compagnon est rendre dans un moment. resté dans la nasse... Je le crois homme de LE COMTE cœur, mais avec les tortures qu'il a inventées, Thécla, tu t'égares; l'espoir que tu m'offres le Gouverneur ferait parler des statues... avec tant d'assurance... Ah! Le jour, voici le Voyons, monsieur le Comte, il faut vous jour qui paraît!... Avec la nuit s'évanouissent mettre en sûreté! les rêves dont tu me berces... Je me retrouve LA COMTESSE en face de la réalité. Femmes, écoutez: le Malheureux! Voilà votre ouvrage! tocsin va se faire entendre... Il va donner au LE COMTE peuple le signal du combat... Voyez si c'est Ah! Thécla!... l'heure de reculer!

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POLICASTRO JULIA Sur la rive droite de l'Adda, près de Ah! Moi, moi... l'embouchure du grand canal, nous avons un LE COMTE ami, un pêcheur nommé Cristoforo; sa fille Comment? s'est noyée après avoir été déshonorée par le JULIA Guatimala... Si vous n'êtes pas en sûreté chez C'est pour moi qu'il était venu... lui, il faut renoncer à trouver de la bonne foi LE COMTE chez les hommes. Je vais vous y conduire, Tu ne me trompes pas? mais vous n'y resterez pas longtemps, je POLICASTRO, entraînant le Comte vers une l'espère... Cela va bien, très bien!... Et des portes latérales. d'ailleurs, il est possible que notre jeune Je les entends... Partons! recrue refuse de vous nommer. LE COMTE LE COMTE Mais je veux... Pauvre jeune homme, c'est bien malgré lui... POLICASTRO POLICASTRO Vous vous expliquerez plus tard!... Venez, Allons, faites vos adieux, et partons. venez! LA COMTESSE Ils sortent. Des gardes enfoncent la porte du Attendez! Attendez!... Laissez-moi dire... Ce fond. jeune homme arrêté quand vous avez fui, et ************************************ conduit chez le Gouverneur, où vous dites ACTE TROISIÈME qu'il est livré à la torture... Ne l'avez-vous pas Au château de Milan. Un vestibule précédant trouvé là, sur ce balcon? les appartements du Duc. Sur le premier plan LE COMTE de gauche, une fenêtre. Le fond est occupé Oui, madame... par une galerie dont le côté droit mène chez le LA COMTESSE Gouverneur, et l'autre en dehors du palais. Ah! Horreur! Une table avec tout ce qu'il faut pour écrire. Elle tombe évanouie sur un fauteuil. ______JULIA, se jetant aux genoux de la Comtesse. SCÈNE PREMIÈRE Fabio! Fabio! FABIO, GARDES. LE COMTE Fabio est assis près de la table. Les gardes se Évanouie!... Mais ce jeune homme... promènent au fond. On entend sonner quatre Comment savait-elle...? Qui a pu lui dire...? heures.

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FABIO FABIO Quatre heures... Diable! Je commence à me Je croyais qu'en ce moment les affaires de lasser d'attendre... D'autant plus qu'on m'a l'État vous occupaient assez pour que vous donné là deux gardiens fort peu n'eussiez pas de temps à perdre?... communicatifs. ( Se levant ). Ah çà! Pourquoi DON GARCIAS, à part. m'a-t-on ramené ici?... Le Gouverneur Où donc ai-je entendu cette voix? ( Haut, et voudrait-il m'interroger une seconde fois?... considérant de nouveau Fabio ). Vous allez J'en doute. Est-ce donc pour aller à la mort? voir qu'en effet nous n'en avons point perdu, Soit! Mais, dans ce cas, on devrait bien me car, malgré le silence que vous avez gardé dispenser de faire antichambre... La mort! jusqu'ici, nous savons qui vous êtes. Ah! Qui m'eût dit que ma dernière sortie du FABIO couvent aurait des suites si funestes?... Et que Vraiment? deviendra ma pauvre mère en apprenant tout DON GARCIAS ceci? Elle avait bien raison de craindre... Je Vous vous nommez Fabio, et vous appartenez suis resté vingt-quatre heures de trop à au couvent des Dominicains. Milan!... Mais aussi comment des hommes FABIO qui ont vieilli dans les luttes politiques vont- Allons! Vous avez une police habile... Mais ils se fier au premier venu? Car, enfin, j'ai été je proteste qu'aucun des membres de la livré pieds et poings liés!... ( Entrée de Don communauté... Garcias ). Quelqu'un?... Allons, je vais DON GARCIAS, l'interrompant. connaître mon sort... Ne défendez pas les autres... Songez plutôt à ************************************ vous-même! SCÈNE II FABIO FABIO, DON GARCIAS, GARDES. Je laisse à ma conscience le soin de me DON GARCIAS, aux gardes. justifier, comme à mon Dieu celui de Veillez à ce que personne n'approche. m'absoudre. Quant à l'arrêt du Gouverneur, je FABIO, à part. le connais avant de l'avoir entendu, et la seule Don Garcias?... Je l'attendais! grâce que je vous demande, c'est de voir un DON GARCIAS, qui s'est assis près de la instant le Prieur du couvent où j'ai été élevé... table, après avoir un instant considéré Fabio. Me la refuserez-vous? Accusé, je suis commis par Son Excellence DON GARCIAS monseigneur le Duc de Guatimala pour vous Je viens vous offrir la vie... interroger une dernière fois.

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FABIO DON GARCIAS La vie? Parce que je viens de te reconnaître, beau DON GARCIAS coureur d'aventures nocturnes! Nieras-tu À une condition. qu'avant-hier au soir je t'aie rencontré chez le FABIO Comte Manzoni? Quelle est-elle? FABIO DON GARCIAS Tu l'accuses sur cette preuve? C'est que vous indiquerez les noms de vos DON GARCIAS complices. La trouves-tu insuffisante? FABIO FABIO À cette condition-là, je ne voudrais pas voir Malheureux! Mais ce n'est pourtant pas à toi ma mère, – que je n'ai pourtant jamais vue! d'oublier ce qui m'amenait chez lui... DON GARCIAS DON GARCIAS Ainsi vous refusez? L'amour de sa nièce? Prétexte dont je ne suis FABIO pas la dupe! D'ailleurs cette preuve n'est pas Allez vous adresser au lâche qui m'a livré...Il la seule, et ce matin, avant le jour, un ordre pourra vous répondre. d'arrestation a été lancé contre la personne du DON GARCIAS Comte... Il ne peut nous échapper... Celui que vous désignez ainsi, et qui est un FABIO fidèle serviteur du Roi d'Espagne, n'avait eu Lui aussi! Ah! C'est sa vertu seule qui le de relations qu'avec Policastro. désigne à votre vengeance!... Tu renonces FABIO donc à la main de Julia? C'est précisément mon histoire, et je ne sais DON GARCIAS pas plus que lui les noms des autres chefs... Si Erreur! Je ne suis pas le maître ici... La mort toutefois il y en a d'autres. même du Comte ne retomberait pas sur moi, DON GARCIAS et la Comtesse est espagnole... Julia Oui, certes, il y en a d'autres! Je ne faisais que m'appartiendra... le soupçonner, mais maintenant j'en suis FABIO convaincu. Jamais, Don Garcias, car elle te hait, vois-tu FABIO bien! Car c'est moi qu'elle aime, j'en suis sûr! Pourquoi cela? DON GARCIAS Toi?

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FABIO SCÈNE III Oui, moi, sans fortune et sans nom, elle me DON GARCIAS, SIMONETTA, GARDES préfère à toi, parce que tu n'as pas d'âme; au fond. parce que, si tu étais un noble castillan, DON GARCIAS comme tu t'en vantes, après ce qui s'est passé Vous connaissez cet homme? entre nous, tu chercherais à te venger, non SIMONETTA avec la hache du bourreau, mais avec l'épée Moi? Nullement... Par exemple! du gentilhomme! DON GARCIAS, s'asseyant. DON GARCIAS Allons, c'est bien... Écoutez-moi. Vous n'avez rien de plus à me dire? SIMONETTA FABIO Parlez, monseigneur, car j'ai hâte de connaître Tu n'en as pas encore assez? les motifs d'une arrestation... Qui m'étonne... DON GARCIAS DON GARCIAS Gardes, à moi! ( Ils accourent ). Reconduisez Ah! Elle vous étonne? le prisonnier à la tour. SIMONETTA Paraît Simonetta conduit par des gardes. Au dernier point! Pardonnez à cette brusque FABIO franchise... En attendant l'exécution sans doute? DON GARCIAS DON GARCIAS La mort du Roi d'Espagne et les événements Le Gouverneur en décidera. de cette nuit ont mis en grand émoi le FABIO populaire. Vous le savez? Bien. ( À part ). Ô ma mère! Ô Julia! Pour SIMONETTA vous mon dernier vœu. ( Aux gardes ). Oui, oui... C'est-à-dire non, non... Mais Marchons! puisque vous me l'assurez, je le crois. En se dirigeant vers le fond, il se trouve face DON GARCIAS à face avec Simonetta, qui s'est avancé Il se pourrait que la bourgeoisie voulût s'allier jusqu'au milieu du théâtre. aux mécontents pour tenter une révolte, et SIMONETTA, jetant un cri étouffé. comme vous êtes le chef des marchands, nous Ah!... nous sommes assurés de votre personne, afin Fabio s'éloigne sans manifester aucune de vous garder par devers nous comme surprise. otage... C'est une mesure de précaution, vous ************************************ comprenez?

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SIMONETTA réunir une pareille somme... Les capitaux sont Et si, malgré cela, les bourgeois allaient rares par le temps qui court! Son Excellence vouloir se montrer? le Gouverneur ne doit pas ignorer que depuis DON GARCIAS la banqueroute du feu Roi... Alors vous répondriez pour eux, c'est tout DON GARCIAS simple, et vous seriez probablement pendu! Hein? SIMONETTA, à part. SIMONETTA Eh bien! Soyez donc tête de colonne, après Je veux dire qu'à l'étranger nous ne trouvons cela! plus d'argent sur notre signature. DON GARCIAS DON GARCIA, se levant. Mais ce n'est pas tout... Eh! Tout cela nous est fort égal!... Faites un SIMONETTA appel à vos confrères; arrangez-vous comme Comment! C'est pourtant bien suffisant! il vous plaira; mais il nous faut cette somme, DON GARCIAS il nous la faut! Entendez-vous?.. Les vingt Nous avons promis vingt mille ducats à celui mille ducats ou la prison... Choisissez! qui livrera le Comte Manzoni, accusé du SIMONETTA crime de haute trahison... Son Excellence le La prison? Duc de Guatimala, pensant avec raison que DON GARCIAS cette capture intéresse la sûreté générale, a Oui, ici dessous, un cachot très frais... Il n'y a décidé que les vingt mille ducats seraient que cent vingt marches à descendre. Mais nos levés sur les bourgeois de Milan, à titre finances étant en fort mauvais état, vous d'impôt extraordinaire... concevez que nous ne nous amusons pas à SIMONETTA, à part. nourrir nos prisonniers... Très extraordinaire, en effet! SIMONETTA DON GARCIAS C'est-à-dire qu'il faudrait y mourir de faim! Mais nous avons besoin de cette somme DON GARCIAS aujourd'hui même... Et le Gouverneur a jeté Les choses n'iront pas jusque là... Vous êtes les yeux sur vous pour effectuer l'emprunt trop sage... (Entre un officier venant du dont il s'agit. dehors ). Gaëtano!... Eh bien! Quelles SIMONETTA, à part. nouvelles? Cette proclamation qui promet Merci de la préférence! ( À Don Garcias ). vingt mille ducats à celui qui livrera Vingt mille ducats! Mais c'est énorme, Manzoni...? monseigneur!... Je ne saurais sur-le-champ

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GAËTANO reverrai jamais, je serai ruiné!... Que faire, Elle est affichée, monseigneur; mais de toutes mon Dieu! Que faire?... parts on la déchire, et nous n'avons rien Pendant ce monologue, Policastro s'est appris encore sur la retraite du Comte... insensiblement rapproché de Simonetta. DON GARCIAS, à lui-même. L'autre garde continue de se promener au Rien! Rien!... Il faut pourtant en finir avec cet fond. homme, qui si mal payé notre bienveillance... POLICASTRO, à Simonetta, tout en Son arrestation est importante: elle marchant. paralyserait les efforts de la révolte... Refuser l'argent! Voyons! Que le Gouverneur sache du moins SIMONETTA, se retournant. ce qui se passe... ( À Simonetta ). Je vous laisse Hein? ( Reconnaissant Policastro ). Ciel! un quart d'heure pour réfléchir, mon maître... Polic... Vous avez parfaitement compris, n'est-ce POLICASTRO, lui faisant signe de se taire. pas? Il est inutile de vous répéter... Chut! SIMONETTA SIMONETTA Non, non... Ne vous donnez pas cette peine... Comment! Vous ici? DON GARCIAS, en sortant. POLICASTRO Gardes, veillez sur cet homme jusqu'à mon Cela vous étonne? retour... SIMONETTA Il s'éloigne, suivi de Gaëtano, par le côté droit Rien ne m'étonne de votre part... de la galerie. Dans le courant de la scène, on POLICASTRO a relevé les sentinelles. Je me suis engagé dans les arquebusiers ************************************ suisses, jolie troupe! Afin d'observer, SCÈNE IV d'entendre, et de profiter des occasions, s'il y SIMONETTA, POLICASTRO, sous a lieu... Est-ce que vous n'approuvez pas cette l'uniforme des gardes. idée?... SIMONETTA, à lui-même. SIMONETTA Ou les vingt mille ducats ou la prison, et Si, si, vraiment! Au contraire, j'aime cela, quelle prison!... J'ai fort bien compris: si moi... J'aime les gens qui ne doutent de rien. j'entre dans celle-là, je n'en sortirai plus, j'y POLICASTRO, toujours allant et venant. mourrai!... D'un autre côté, si j'ai le malheur Ah! J'ai eu grand tort de me fier à d'autres de lâcher les vingt mille ducats, je ne les qu'à moi... Aussi maintenant j'agirai seul, et si je trouve moyen d'approcher du Gouverneur

275 et de m'emparer de sa personne... SIMONETTA Malheureusement ce sont les espagnols qui Non, non, c'est trop chanceux... Je préfère font le service auprès de lui... Mais il ne faut donner les vingt mille ducats! qu'un moment, et je le guette! POLICASTRO SIMONETTA, à part. Ah! Voilà comme vous entendez votre Voilà un enragé! devoir! Eh bien! Le danger ne m'arrête pas, POLICASTRO moi... Dans un instant, quand on viendra Ah çà! Et vous, j'aime à croire que vous chercher votre réponse, je serai là... Et si elle refuserez ce qu'on vous demande?... Ce n'est n'est pas conforme à ce que veut l'honneur, pas que je craigne pour le Comte: il est en cette arquebuse fera justice d'un traître!... sûreté. Dieu merci! Mais enfin vous ne SIMONETTA, terrifié. pouvez donner de l'or aux suppôts de la Grand Dieu! ( À part ). C'est qu'il est bien tyrannie; ce serait leur fournir des armes capable d'exécuter sa menace! contre nous... Entrent la Comtesse, Julia et le Prieur. SIMONETTA POLICASTRO, à Simonetta, en les C'est aussi la réflexion que je me suis faite... apercevant. Cependant, vous l'avez entendu, si je n'obéis La Comtesse! Julia!... Silence! Je ne veux pas pas tout-à-l'heure, j'irai mourir au fond d'un être reconnu devant mon camarade. cachot... Il remonte le théâtre, en ayant soin d'éviter POLICASTRO leurs regards. Tant mieux! Une victime de plus! Cela ne ************************************ peut qu'assurer le triomphe de notre cause. SCÈNE V SIMONETTA LES MÊMES, LA COMTESSE, JULIA, LE Vous en parlez à votre aise! On voit bien que PRIEUR. cela ne vous regarde pas!... Et ma femme, et LA COMTESSE, au Prieur. mes enfants, et mes échéances donc...? Ô mon père! Je sens la force qui POLICASTRO m'abandonne! Tout tombe devant l'intérêt sacré du pays! LE PRIEUR D'ailleurs, soyez tranquille; les choses ne Du courage, madame! Voici l'instant d'en peuvent durer longtemps ainsi; la ville s'agite, avoir... et bientôt... LA COMTESSE, apercevant Simonetta. Vous, monsieur, vous aussi, vous êtes venu?...

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SIMONETTA LA COMTESSE, se précipitant à sa Oui, madame... Ou plutôt on m'a amené... rencontre. LA COMTESSE et JULIA Ah! Monsieur, vous serez notre sauveur! Arrêté? Vous nous entendrez, n'est-ce pas? SIMONETTA DON GARCIA, froidement. Hélas, oui! Dans un instant, madame... Permettez... LA COMTESSE JULIA, à part. Et pourquoi, mon Dieu? Ô mon Dieu! Quelle froideur! SIMONETTA DON GARCIAS, à Simonetta. Pour deux motifs... D'abord par mesure de Eh bien! Mon maître, avez-vous réfléchi? précaution... On redoute mon influence... SIMONETTA Ensuite... Croyez-vous qu'il y ait un quart d'heure? LA COMTESSE DON GARCIAS Eh bien? Eh! Qu'importe? Vous avez eu le temps! Don Garcias et Gaëtano paraissent dans la Voyons, que décidez-vous? galerie. SIMONETTA SIMONETTA Monseigneur, je... ( Policastro frappe sur la Voici quelqu'un... Séparons-nous. batterie de son arquebuse ). Je refuse! Il s'éloigne de la Comtesse et de Julia. DON GARCIAS ************************************ Quoi! Ne craignez-vous donc ni le cachot ni SCÈNE VI la mort? LES MÊMES, DON GARCIAS. SIMONETTA DON GARCIAS, à Gaëtano. Si, si, si, au contraire! ( Sur un nouveau geste Que cette seconde proclamation soit publiée à de Policastro ). Non, non, non, je me trompe... son de trompe... Allez! Prenez ma tête! Gaëtano sort par la gauche. DON GARCIAS LA COMTESSE et JULIA Alors, au nom du Gouverneur, je vous fais Don Garcias! prisonnier!... Gardes, emparez-vous de cet DON GARCIAS, les apercevant. homme! Que vois-je? POLICASTRO, poussant Simonetta. Marchez donc plus vite... C'est par là... Ils sortent. ************************************

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SCÈNE VII JULIA DON GARCIAS, LA COMTESSE, JULIA, Sauvez-le, monsieur! Sauvez-le! LE PRIEUR. DON GARCIAS LA COMTESSE, à Don Garcias. Vous aussi, mademoiselle?... L'irritation du Oh! Maintenant, monsieur, veuillez écouter Gouverneur est au comble... ma prière! LA COMTESSE, vivement. DON GARCIAS, l'interrompant. Alors, monsieur, conduisez-moi près de lui... Je prévois ce que vous allez me demander, Venez! Je lui parlerai, moi! madame... Mais il ne dépend pas de moi de DON GARCIAS faire cesser les poursuites dirigées contre C'est impossible, madame. votre mari... TOUS LA COMTESSE Impossible! Ah! Monsieur, ce n'est pas pour lui que je DON GARCIAS tremble le plus! Son Excellence a donné l'ordre exprès de ne DON GARCIAS laisser arriver personne jusqu'à elle... Pour qui donc? LA COMTESSE, à part. LA COMTESSE Sortir d'ici sans avoir vu le Gouverneur... Oh! Eh bien! Cette nuit, dans la cathédrale, un Non, non, je l'attendrai là! jeunne homme a été surpris, arrêté... Elle s'assied. Julia s'approche d'elle. DON GARCIAS DON GARCIAS, prenant le Prieur à part. Vous le connaissez? Eloignez-les d'ici, mon père, si vous ne LA COMTESSE voulez pas qu'elles soient témoins de son Ah! C'est un enfant que nous avons vu supplice! ( Montrant la fenêtre ). L'échafaud se grandir, un ami de notre famille! dresse là, sur cette place! LE PRIEUR LE PRIEUR Hélas! Il est mon élève, et je suis sûr que c'est Qu'entends-je? bien malgré lui qu'il a trempé dans cette DON GARCIAS, à part, en sortant. conspiration... Elle l'aime!... DON GARCIAS ************************************ Qu'il le prouve donc, en nommant ceux qui SCÈNE VIII l'ont fait agir... LA COMTESSE, JULIA, LE PRIEUR, puis LA COMTESSE POLICASTRO. Une lâcheté?... Il n'y consentira jamais!

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LE PRIEUR , à lui-même. JULIA et LE PRIEUR Pauvre enfant! Lui mourir! Ciel! LA COMTESSE LA COMTESSE Mon Dieu! Mon Dieu! Donnez-moi donc un Il a promis cela? moyen de le sauver!... POLICASTRO POLICASTRO, paraissant. Sur sa parole de Duc, et il le tiendrait... Mais Libre enfin! d'ici à demain nous aurons triomphé!... Soyez LA COMTESSE, l'apercevant. sans crainte pour votre mari... Que diable! Ce Ah!... Toujours, toujours cet homme! n'est ni vous ni moi qui pouvons le trahir! POLICASTRO LA COMTESSE, à part. Qu'êtes-vous venue faire ici? Un blanc-seing! C'est-à-dire la vie d'un LA COMTESSE homme! Tu me le demandes, toi qui nous as perdus Bruit au dehors. tous?... POLICASTRO POLICASTRO Adieu! J'entends le bruit de la foule qui se Oh! Trève aux récriminations, de grâce! Elles rassemble, et ma place n'est plus ici! n'arrangeraient rien... Vous venez intercéder Il sort en courant. sans doute en faveur de votre mari; mais c'est ************************************ inutile, croyez-moi... Sa retraite est sûre, et je SCÈNE IX connais Cristoforo, il ne livrerait pas le LA COMTESSE, JULIA, LE PRIEUR. Comte, quand le Gouverneur payerait sa tête LA COMTESSE de tout l'or qu'il nous a volé, ce qui n'est pas La foule, a-t-il dit? La foule... ( Se dirigeant peu dire! Aussi malgré leur nouvelle vers la fenêtre ). Mais quel est donc le proclamation... spectacle qu'on lui prépare? TOUS Une proclamation nouvelle? LE PRIEUR, la retenant. POLICASTRO Madame!... Oui, l'offre de vingt mille ducats n'ayant LA COMTESSE produit aucun résultat, le Duc promet Laissez-moi voir, mon père! Laissez-moi d'octroyer un blanc-seing au dénonciateur du passer!... Un échafaud!... Comte, c'est-à-dire telle récompense qui sera JULIA demandée en échange de sa personne... Pour Fabio!...

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LA COMTESSE, à part. (Clameurs au dehors. Elle revient vivement à Pour lui... Pour mon fils! Oh! Non! Non!... Il la fenêtre ). Ah! Ce n'est pas un rêve, une ne mourra pas!... illusion... Je vois, je comprends, j'existe!... Elle se met à la table et écrit. Voilà les gens du Gouverneur qui abattent JULIA, à elle-même. l'échafaud! ( Tombant à genoux ). Merci, mon Oui, oui... Ce sacrifice... Il le faut!... ( Au Dieu! Merci!... Prieur ). Accompagnez-moi, mon père; c'est ************************************ le ciel qui m'inspire... Je le sauverai! SCÈNE XI LE PRIEUR LA COMTESSE, GAËTANO, un papier à la Vous! Comment? main. JULIA LA COMTESSE, courant à lui. En lui sacrifiant mon amour... Venez! Venez! Ah! Pour moi... Donnez! Donnez!... ( Après Ils sortent. avoir lu ). Sauvé! Mon Fabio! Mon fils!... ( À ************************************ Gaëtano ). Écoutez!... Vous allez faire SCÈNE X préparer des chevaux, sans retard... En même LA COMTESSE, puis GAËTANO. temps vous commanderez l'escorte qui doit LA COMTESSE, finissant d'écrire et jetant accompagner la voiture jusqu'à Verceil... les yeux autour d'elle. Allez, monsieur, allez! Où sont-ils?... Partis?... Ah! Tant mieux!... GAËTANO (Elle sonne; Gaëtano se présente ). Cette Vous n'avez rien de plus à m'ordonner? lettre au Gouverneur... Vite, allez!... ( Après LA COMTESSE une pause ). Fabio! Mon Dieu! Maudissez- Non... Seulement, quand tout sera prêt, c'est moi, mais qu'il vive!... C'est mon sang, vous ici que vous viendrez... Il y sera... le savez, que j'eusse voulu donner pour le Gaëtano sort. sien!... Oh! Mais Policastro l'a dit, demain la ************************************ révolte aura triomphé... Oui, oui.... Et là, dans SCÈNE XII un instant, mon enfant... ( Elle s'est approchée LA COMTESSE, puis FABIO. de la fenêtre ). Oh! Cet échafaud... Toujours, LA COMTESSE toujours debout!... Et cette foule immobile, Oui, oui, qu'il parte... Le Duc l'exige... Et foule barbare!... Pas un cri, pas un murmure... moi, oh! Je le veux aussi!... Je vais donc lui Elle attend!... Mais on ne brisera donc pas ces dire adieu pour toujours... Il me quittera sans instruments de mort?... Ô mon Dieu! Mon que je me fasse connaître, et le nom de mère, Dieu! Aurais-je fait deux victimes?

280 ce nom si doux à entendre, je mourrai sans maudits, les fuir sur-le-champ... Dans qu'il me l'ait donné! quelques minutes on va venir vous chercher... FABIO, entrant. FABIO Libre, ont-ils dit? Je suis libre?... Oh! Mais Hélas! c'est un prodige! ( Voyant la Comtesse ). LA COMTESSE Quelqu'un... Toi, nourrice?... Ah! Je Est-ce ainsi que vous accueillez la liberté, la comprends! Je comprends! vie?... Que regrettez-vous donc à Milan?... LA COMTESSE Ah! Oui, j'oubliais... Mais soyez tranquille... Fabio! Elle vous rejoindra! FABIO FABIO Oh! C'est à toi que je dois la vie, n'est-ce pas? Nourrice, de qui parles-tu? Je ne te C'est toi qui m'as sauvé?... Mais ce costume... comprends pas. Ah! Je devine encore, tu l'as pris pour arriver LA COMTESSE jusqu'à moi, et tu as bien fait, car on n'écoute Si fait, si fait!... Vous me comprenez à pas les malheureux!... Mais comment le Duc merveille, et c'est mal de ne pas avoir eu plus a-t-il consenti à pardonner? Qu'as-tu dit? de confiance en moi, nous aurions peut-être Qu'as-tu fait? Parle! évité bien des malheurs!... Allons, vous LA COMTESSE n'avez que des sujets de joie; vous voyez que Laissez-moi jouir à mon aise du bonheur de je ris, Fabio, faites comme moi... Soyez vous voir... Vous saurez assez tôt... Ah! heureux! Pauvre enfant! À quelle extrémité m'avez- FABIO vous réduite! Quelle faute avez-vous Ah! Quand même j'accepterais l'espoir dont commise!... Elle a eu pour vous des suites si tu me flattes, puis-je partir heureux, quand je fatales que je n'ai pas la force de vous la m'exile, quand je vois ma patrie menacée de reprocher... Mais votre rançon m'a coûté bien nouveaux désastres, quand le plus noble de cher! ses enfants peut-être va me remplacer sur un FABIO échafaud? Que veux-tu dire? LA COMTESSE LA COMTESSE Comment? Ne m'interrogez pas... Vous vivrez! Voilà ce FABIO qui vous importe... Le reste, c'est à moi seul Oui, ceux qui viennent d'ouvrir mon cachot de m'en occuper... Mais il faut fuir ces lieux n'ont pas voulu que ma joie fût de longue durée, ils m'ont bien vite brisé le cœur par

281 cette fatale nouvelle, l'arrestation du Comte que son nom soit rendu public et voué à Manzoni! l'exécration de l'Italie et de la postérité! LA COMTESSE LA COMTESSE Vous vous intéressez à lui? Vous le Assez, assez! Je ne puis entendre ces connaissez donc? horribles paroles, elles me déchirent le cœur, FABIO elles me donnent le vertige! Il y a quelques jours, sur le pont du Naviglio, FABIO je lui ai sauvé la vie. Nourrice, qu'est-ce donc? Que signifie... LA COMTESSE LA COMTESSE Ô Providence! C'est moi qui ai livré le Comte Manzoni! FABIO FABIO Et depuis, je l'ai assez vu, nourrice, pour Je ne te crois pas; tu es folle! pouvoir apprécier en lui le meilleur, le plus LA COMTESSE généreux des hommes; tiens, il y a une heure, Tuez-moi; j'ai dit la vérité! à cette place, on m'offrit la vie, si je FABIO, avec horreur. consentais à l'accuser... Mais ce n'est pas moi Ô mon Dieu! Mon Dieu! qui l'aurais trahi!... Un misérable, séduit sans LA COMTESSE doute par l'appât de l'or, a livré sa retraite au Mon crime est affreux... Allez, je le sais Gouverneur. Ah! Quel que soit cet infâme, mieux que vous, et vous ne pouvez encore en malheur, malheur sur lui! apprécier toute l'horreur... Mais fussé-je mille LA COMTESSE fois condamnée par Dieu et par les hommes, Fabio, vous ne savez pas qui vous accusez, et vous, Fabio, vous devriez peut-être vous ne pouvez lire dans le cœur du m'absoudre, car si j'ai livré le Comte, c'était coupable... Taisez-vous, taisez-vous! afin de vous sauver!... Savez-vous que votre FABIO échafaud se dressait là, sur cette place, et qu'il Que je me taise!... Ah! Si le délateur est dans n'y avait que ce moyen de le renverser?... ce palais, puisse ma voix percer ces murailles Vous n'avez pas d'amis à Milan, vous! Vous pour arriver jusqu'à lui... Malédiction sur cet périssiez sans que personne prît votre ami perfide en qui Manzoni devait se fier, et défense... Et Manzoni, nous avons devant qui lui a donné le baiser de Judas! S'il a des nous vingt-quatre heures, c'est plus qu'il n'en enfants, que ses enfants le méprisent, que faut pour le délivrer! Dieu le frappe dans tout ce qui lui est cher;

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FABIO Il se cache à droite, aussitôt les gardes et Et sur cet espoir-là vous avez livré sa tête!... Gaëtano se présentent au fond. Ah! Pensée de l'enfer, pourquoi ne l'avoir pas LA COMTESSE, les voyant entrer. repoussée?... Ô mon Dieu! Déjà! LA COMTESSE FABIO Est-ce que je le pouvais, malheureux?... Est- Qu'y a-t-il? ce que je pouvais te laisser mourir?... Fabio, GAËTANO regarde-moi, mon secret m'échappe... Un C'est vous que je viens chercher, monsieur; la crime pareil à celui que j'ai commis ne peut voiture est en bas; il faut partir. être inspiré que par la nature; elle a crié dans FABIO mon cœur: ne parle-t-elle pas au tien? Ne te Partir!... Non, non, je ne pars pas... Je reste dit-elle pas que je suis ta mère? ici. FABIO LA COMTESSE Ma mère!... Vous, ma mère!... Ah! Que Dieu Ah! Malheureux! Qui dis-tu? vous juge, moi je ne puis que vous plaindre et FABIO que vous embrasser! Avez-vous donc pensé que je profiterais du LA COMTESSE moyen de salut qui m'est offert, que Tu me pardonnes donc?... Je ne te fais pas j'accepterais la liberté, maintenant que je sais horreur? tout?... Ah! Je n'ai pu malheureusement FABIO, la conduisant à un fauteuil. empêcher que le sacrifice ne fût consommé... Que dites-vous?... Ah! C'est à vous de me Ce que vous avez fait, ma mère, Dieu, qui pardonner des paroles insensées... Ma mère! pèse les actions humaines, pas plus que moi, Toi, nourrice!... Et je ne le devinais pas!... n'osera le condamner sans doute; mais si j'y Ah! Quelle autre qu'une mère m'eût témoigné souscrivais, voyez-vous, ce serait une lâcheté, tant d'amour? Mais parlez, expliquez-moi le une lâcheté insigne, et votre fils ne veut pas mystère de votre vie et de la mienne. d'une existence déshonorée!... ( Se tournant ************************************ vers les gardes ). Qu'on me ramène à la tour. SCÈNE XIII LA COMTESSE LES MÊMES, POLICASTRO, puis Juste ciel! GAËTANO, suivi de gardes. GAËTANO POLICASTRO, paraissant dans la galerie. L'ordre de Son Excellence est formel, et s'il le Que vois-je?... Ah! Je saurai tout! faut, je l'exécuterai par la force.

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FABIO cette nuit même! Et comme il faut le nom de Ah! Malheur, malheur! Manzoni pour rallier nos milanais, prenez un GAËTANO, aux gardes. drapeau et marchez à notre tête... Je me Vous m'avez entendu, qu'on entraîne ce charge, moi, d'expliquer votre crime à toutes jeunne homme! les mères, et elles se lèveront pour vous Les gardes se jettent sur Fabio. justifier!... Hésitez-vous, madame? FABIO LA COMTESSE Adieu, ma mère! Soyez heureuse; moi, je ne Je suis prête! demande plus qu'à mourir! POLICASTRO, l'entraînant. Fabio sort emmené par les gardes. Aux armes donc! Aux armes! ************************************ ************************************ SCÈNE XIV ACTE QUATRIÈME LA COMTESSE, puis POLICASTRO. Le préau de la prison ducale. À droite, une LA COMTESSE, se dirigeant vers le fond. porte cachée dans la muraille; une autre porte Fabio! Mon Fabio! à gauche; tout auprès, une fenêtre grillée. POLICASTRO, paraissant. ______Arrêtez! SCÈNE PREMIÈRE LA COMTESSE SIMONETTA, GREGORIO, GARDES au Policastro! fond. POLICASTRO Au lever du rideau, Simonetta se promène de Oui, Policastro, qui allait vous maudire et qui long en large. La porte de droite s'ouvre, deux n'en a plus le courage... Sa mère! Vous êtes sa gardes paraissent, poussent Gregorio en mère!... Ah! Je comprends tout, je scène, et se retirent en fermant la porte. comprends... Pauvre femme!... Mais Gregorio porte une robe de moine. maintenant que la mère a fait son devoir, GREGORIO, se débattant. l'épouse veut-elle remplir le sien? Mais quand je vous dis que vous vous LA COMTESSE trompez... Ah! Bien oui, ils ne m'écoutent Oh! Dut-elle y périr!... Conseille-moi; que seulement pas... Et moi qui croyais échapper faut-il faire? sous cet habit à l'infernal tapage qui se fait POLICASTRO dans la ville. Délivrer le Comte ou périr avec lui. Je vous ai SIMONETTA dit que tout était prêt pour la révolte, que Un moine! demain elle aurait triomphé... Qu'elle éclate

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GREGORIO GREGORIO Ah! Cet homme est sans doute celui dont on Cette question me paraît oiseuse. m'a parlé. SIMONETTA SIMONETTA, saluant. Du tout! Du tout!... ( À part ). On décapite les Mon frère... nobles, et on pend les bourgeois. ( À GREGORIO Gregorio ). Êtes-vous instruit sur ce point?... Hélas! Maître, je ne suis pas ce que vous Veuillez me répondre. croyez... GREGORIO SIMONETTA Attendez... Je ne me rappelle pas trop. ( À Eh! Mais, je ne me trompe pas, vous êtes le part ). Il tient beaucoup au genre de mort; je portier du couvent des Dominicains... Quel ne vois pas pourquoi... Mourir pour mourir, à hasard vous amène donc ici? moins que ce ne soit de vieillesse... GREGORIO, à part. SIMONETTA Comment, l'infortuné ne sait donc rien?... Eh bien? (Haut ). Tout-à-l'heure, mon maître, en GREGORIO traversant la place, j'ai été saisi, c'est le mot, Eh bien! Décidément, je crois qu'ils ont dit: par deux soldats espagnols, qui, trompés par pendu! cette robe, m'ont dit qu'on réclamait mon SIMONETTA ministère pour... Oh! Je suis un homme mort! SIMONETTA Il tombe accablé sur un banc. Ah! Mon Dieu! J'ai peur de vous GREGORIO comprendre... Achevez. Allons, maître, du courage! GREGORIO SIMONETTA Pour un malheureux qui, dans une heure, doit Ah! Ce n'est pas ce qui me manque... Mais je être exécuté. viens de passer quinze heures dans un cachot, SIMONETTA sans boire ni manger! C'est fait de moi!... Mon dernier moment est GREGORIO venu... ( Il se promène avec agitation. Sans boire ni manger!... Pauvre homme, Gregorio le suit ). Et c'est un moine qu'ils ont remettez-vous... ( Lui présentant une gourde ). cru saisir en vous?... Mais vous ont-ils dit si Et prenez un peu de consolation. le malheureux dont il s'agit doit être pendu ou Simonetta repousse la gourde. Gregorio avale décapité? quelques gorgées.

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SIMONETTA SIMONETTA, se relevant, à part. Je m'explique tout maintenant: on accorde C'est pour ce pauvre Comte... Ah! Cela me aux condamnés ce qu'ils désirent, c'est pour fait bien de la peine, mais, ma foi, je n'en suis cela qu'on m'a donné de l'air et promis du pas fâché. ( Haut ). Monsieur le Comte... pain; qu'on vient de m'accorder un laissez- LE COMTE passer pour ma femme... Cela ne peut pas me Je suis à vous. ( À Gregorio ). Approchez: suffire... Je veux la vie; je donne les vingt êtes-vous en effet du couvent des mille ducats! Dominicains? GREGORIO GREGORIO Vingt mille ducats! Hélas! Monseigneur, je n'en suis, ou plutôt, je SIMONETTA n'en étais que le portier; c'est par erreur... C'est le prix qu'ils mettent à ma rançon; je les LE COMTE ai offerts cette nuit, mais on m'a ri au nez, en Ah! C'est vous, bon Gregorio... N'importe: me disant: il est trop tard! entouré d'ennemis dont je ne dois attendre GREGORIO aucun service, j'avais fait appeler un Ah çà! Vous êtes donc le plus riche Dominicain pour lui confier une mission particulier de la ville? sacrée... Ces tablettes contiennent mes SIMONETTA dernières volontés... Promettez-moi de les De mon vivant, j'étais marchand de soieries, remettre à ma nièce Julia, la fille du Marquis et l'on m'appelait Jean Simonetta... Ottavio Manzoni. GREGORIO GREGORIO Maître Simonetta... ( On ouvre la porte de Vos intentions seront remplies... ( À part ). droite. Simonetta effrayé, tombe à genoux; Celui-là n'a pas peur, au moins! Gregorio étend les mains sur lui ). Repentez- Il sort. Le Comte s'assied sur un banc. vous! Repentez-vous! SIMONETTA, au Comte. ************************************ On disait votre retraite si sûre... SCÈNE II LE COMTE LES MÊMES, LE COMTE, GAËTANO. Vous voyez que j'ai été livré. GAËTANO, au Comte. SIMONETTA Vous avez demandé un moine de l'ordre des Savez-vous par qui? Dominicains, il est ici. LE COMTE Il se retire. Le savez-vous vous-même?

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SIMONETTA LE COMTE Comment voulez-vous que dans cette La Comtesse?... Ah! Qu'on ne me rappelle prison... pas ce souvenir! Qu'on ne rouvre pas la plus LE COMTE, se levant. cruelle de mes blessures!... Je ne veux pas la C'est vrai. voir... Je veux mourir sans lui parler!... SIMONETTA Entre une femme voilée conduite par Vous avez vu le Gouverneur? Gaëtano. LE COMTE SIMONETTA Oui. On vient... Calmez-vous! SIMONETTA LE COMTE Et...? Une femme! LE COMTE SIMONETTA Et la sentence doit être exécutée ce matin... Ah! Oui, c'est la mienne sans doute... ( Le SIMONETTA Comte retombe pensif sur le banc. La femme Grand Dieu! voilée remet un papier à Gaëtano, qui se LE COMTE retire. Simonetta remonte la scène ). Mais Ne me plaignez pas... Ma mort sera peut-être non... Ce n'est pas là Dame Marguerite!... Qui plus utile que mon existence à la cause de la donc a pris sa place? patrie... D'ailleurs, j'ai trop appris à connaître LA COMTESSE, levant son voile. ce monde que je vais quitter; je sais combien Moi... Silence!... Laissez-nous! tout y est faux et menteur... Comment on s'y Simonetta s'éloigne tout stupéfait par le fond. joue des affections les plus saintes... Et je ne ************************************ laisse ici-bas personne que je regrette... SCÈNE III SIMONETTA LE COMTE, LA COMTESSE. Personne? LA COMTESSE, courant à son mari. LE COMTE Ludovic! Mon Ludovic! Je n'ai plus de fils pour pleurer sur ma cendre LE COMTE et pour faire revivre mon nom... C'est vous...? SIMONETTA LA COMTESSE Mais il vous reste une épouse!... Madame la Est-ce que tu ne m'attendais pas? Comtesse... LE COMTE Je vous croyais partie de Milan...

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LA COMTESSE cri, les espagnols tomberont terrassés, et tu Moi!... Quel est cet accueil?... Tu m'en veux seras libre, mon Ludovic! Tu seras sauvé! d'avoir tardé, n'est-ce pas?... Mais c'est qu'il LE COMTE fallait avant tout songer à ta délivrance... C'est bien. LE COMTE LA COMTESSE C'est là ce qui vous a retenue? Tu n'oublieras pas le signal? LA COMTESSE LE COMTE Et je t'apporte la vie, entends-tu bien? Je puis l'oublier... Je ne le donnerai pas! LE COMTE LA COMTESSE La vie? Que dis-tu? LA COMTESSE LE COMTE Laisse-moi rassembler mes idées... J'ai tant de Je dis, Thécla, que j'ai vécu trop d'un jour, et choses à te dire... Et depuis deux jours j'ai que je ne tiens plus à la vie depuis que vous tant souffert! m'avez si indignement trompé! LE COMTE LA COMTESSE Remettez-vous... Moi, Ludovic? LA COMTESSE LE COMTE C'est par un subterfuge et sous le nom d'une Oh! La haine de mes ennemis est ingénieuse autre que j'ai pu arriver jusqu'à toi... Parlons à me torturer le cœur... Le Duc a vu que je bas... Tout serait perdu si nos projets mourrais tranquille, et sa rage n'y trouvait pas pouvaient être soupçonnés! Hier, au moment son compte!... Reconnais-tu l'écriture de ce de ton arrestation, je voulais, aidée de billet qu'il a glissé dans ma main? Policastro, soulever la ville en ta faveur... LA COMTESSE Mais tes amis ont craint que, pendant qu'ils se Ma lettre!... Le misérable! battraient dans les rues, on ne t'immolât dans LE COMTE ta prison, et voici le plan qu'ils ont arrêté... Quel est-il donc ce Fabio, pour qui vous avez Avant une heure, on doit te faire quitter la livré votre époux?... Ah! Je n'ai pas été la tour pour te conduire à l'endroit où sont déjà dupe du généreux dévoûment de ma nièce... préparés les instruments de ton supplice... Il y C'est en vain qu'elle s'est accusée, la noble aura une haie de gardes sur ton passage... enfant! Ce Fabio, c'est cet inconnu qu'on a Derrière eux, nos amis se seront placés... Au trouvé chez vous, la nuit, caché... Votre coup de neuf heures, tu agiteras en l'air ton amant enfin! chapeau, en criant: vive l'indépendance! À ce

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LA COMTESSE mes forces qui m'abandonnent. Mon fils est Ah! Que Dieu te pardonne! C'est mon fils! vivant! C'est ce bon, ce noble jeune homme LE COMTE auquel je dois la vie, le savais-tu?... Ah! Que Votre fils? je t'embrasse encore, et sois bénie, pauvre LA COMTESSE femme! Je devine tout ce que tu as souffert Le nôtre!... Cet enfant disparu il y a dix-huit quand il a fallu le sauver! ans, et que je t'avais ravi moi-même... LA COMTESSE LE COMTE Tu me pardonnes? Ah! Dis-tu vrai? LE COMTE LA COMTESSE Je te remercie et je t'aime!... Ah! Si tu l'avais Oui, cet enlèvement, qui t'a coûté tant de laissé périr, c'est alors que je t'eusse larmes... J'en étais seule coupable! Pardonne- maudite... Mon fils! Oh! Quand le reverrai je? moi, j'étais mère, et je voulais soustraire mon LA COMTESSE fils à vos haines politiques; je voulais qu'il fût Dieu le sait... Hier il est parti pour la France. élevé comme un autre homme, et nom LE COMTE comme le vengeur et l'héritier des Manzoni... Oh! Je donnerai le signal maintenant... Je ne Vaine précaution! Un jour le sang de ses veux plus mourir! aïeux s'est réveillé dans ses veines... En le Musique sourde. voyant près de monter sur l'échafaud, ma tête LA COMTESSE s'est perdue... Il n'y avait qu'un moyen de Écoute!... Des clameurs lointaines... racheter sa vie... LE COMTE LE COMTE C'est l'heure fatale qui approche! C'était de livrer la mienne!... ( La Comtesse LA COMTESSE tombe à genoux... Un silence ). Ah! Viens, Non, ce sont des coups de feu; la révolte a viens dans mes bras... Tu as mille et mille éclaté sans doute... Tes amis n'auront pu la fois bien fait! contenir plus longtemps. LA COMTESSE LE COMTE Ludovic! Le bruit s'accroît... On dirait que le peuple se LE COMTE dirige de ce côté. Ah! Je regardais la mort sans pâlir... Ta LA COMTESSE, à la fenêtre. trahison me brisait le cœur, mais n'altérait pas En effet, il vient te délivrer, Ludovic... Que mon courage... Et devant cette joie inespérée, Dieu te sauve! immense, je sens mes larmes qui coulent et

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LE COMTE GAËTANO, accourant. Que Dieu sauve mon pays! Monseigneur... Monseigneur! Les rebelles ont Quelques arquebusiers traversent en courant forcé la première porte! le fond du théâtre et entraînent ceux qui DON GARCIAS gardaient le Comte. La fusillade se rapproche. Voici la clef du souterrain... Ouvre vite!... On entend aussi le bruit du tocsin et celui du Soldats, entraînez cet homme... Et vous, canon. madame, suivez-moi! LA COMTESSE LE COMTE, se débattant. Voici le canon! Infâmes! LE COMTE LA COMTESSE Celui de la citadelle!... Dieu juste! Est-il donc À l'aide! À l'aide! arrivé le jour des représailles? DON GARCIAS ************************************ Un cri de plus, et vous êtes morte! SCÈNE IV Don Garcias entraîne la Comtesse vers le LES MÊMES, DON GARCIAS, suivi de souterrain; au même instant, Policastro en gardes. sort à la tête d'une troupe de conjurés. DON GARCIAS, tout agité. ************************************ Comte Manzoni, suivez-moi sur-le-champ... SCÈNE V (Apercevant la Comtesse ). Trahison! Vous LES MÊMES, POLICASTRO, CONJURÉS. ici, madame?... Venez, venez tous deux! POLICASTRO, frappant Don Garcias. LE COMTE Halte-là, monseigneur, on ne passe pas! Où voulez-vous nous conduire? Don Garcias tombe en poussant un cri. Les DON GARCIAS conjurés s'élancent sur les espagnols et les À la citadelle, par le souterrain qui aboutit à désarment. cette salle... Hâtez-vous! Partons! TOUS LE COMTE Policastro! Eh bien! Je vous déclare que nous ne vous LE COMTE suivrons pas! Si nous devons périr, que ce C'est toi? soit à cette place! ( Serrant la Comtesse dans POLICASTRO ses bras ). Du moins, nous mourrons Oui, Comte; la citadelle s'est rendue... ensemble! LE COMTE Mais qui donc assiége cette prison?

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POLICASTRO pour la Lombardie... Ce que notre courage a Votre fils! conquis, notre courage saura le conserver... LE COMTE et LA COMTESSE Dictons nos conditions à l'Espagne, l'olivier Fabio!... d'une main, l'épée de l'autre! POLICASTRO TOUS Noble jeune homme! Dès que ses gardes l'ont Vive l'indépendance! abandonné, il est revenu sur ses pas pour périr FIN ou pour vous sauver!... Son impatience a ************************************ changé notre plan de bataille... Et tenez, (LAFONT, Charles & PARFAIT, Noël. tenez, voilà son ouvrage! "Fabio le Novice". In : Magasin Théâtral , Paris, Marchant, Tomo 30, 1841). Un coup de canon a ouvert une brèche dans le mur du fond. On enfonce les portes. Le peuple entre en foule. ************************************ SCÈNE VI LES MÊMES, FABIO, l'épée à la main, TOUS LES PERSONNAGES. LE PEUPLE Victoire! Victoire! LA COMTESSE, courant au-devant de son fils. Fabio! Mon fils! ( Lui montrant le Comte ). Ah! D'abord dans les bras de ton père! FABIO Mon père!... Moi, votre fils! Moi, l'héritier des Manzoni! LE COMTE Ainsi nos milanais... FABIO Victorieux sur tous les points! Plus d'étrangers! Nous sommes enfin les maîtres chez nous!... ( Se tournant vers le fond ). Amis! Une ère nouvelle vient de commencer

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