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ANTHONY STEFFEN UM HOMEM CHAMADO TEFFÉ por Daniel Camargo, Fábio Vellozo e Rodrigo Pereira 1 À memória do crítico Jorge Kuraiem Filho AGRADECIMENTOS Dos autores: aos entrevistados Anselmo Duarte, Antonio Pica, Celso Faria, Chiara Antonia Spadaccini de Teffé, Cristina Novaes, Dominique Boschero, Eduardo Fajardo, Elisa Montés, Elke Sommer, Enzo G. Castellari, Esmeralda Barros, Fábio Sabag, Franca Bettoja, Francesco Maselli, Gemma Cuervo, Geoffrey Greeman, Gianni Garko, Helena de Teffé, Jorge Cherques, Jorge Rivero, Juan Bosch, Juan Julio de 2 Abajos, Luiz de Teffé, Manuel de Teffé, Mark Damon, Mauro Câmara, Nicoletta Machiavelli, Pasquale Fanetti, Ray Lovelock, Rossana Ghessa, Scilla Gabel, Sérgio Goldhirch, Stelio Candelli e Susana Spadaccini; aos colaboradores Ally Lamaj, Carlos M. Motta, Carlos Primati, Carlos Thomaz Albornoz, Chris Casey, Eric Maché (também por sua incomesurável ajuda em relação aos títulos em inglês), Guilherme de Almeida Prado, Heráclito Maia, Isabel Butcher, Jaime Eduardo Palhinha, José Carlos Monteiro, José Luiz Jiménez García, Kit J. Gavin, Tim Lucas, Tom Betts, Ulrich P. Bruckner e Vilma Oliveira; ao revisor Jorge Cotrin; aos funcionários da Biblioteca Bastos Tigre (ABI), da Biblioteca do Itamaraty, da Fundação Biblioteca Nacional e da Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, e das bibliotecas Jenny Klabin Segall (Museu Lasar Segall), Mário de Andrade e Paulo Emílio Salles Gomes (Cinemateca Brasileira), em São Paulo. 3 De Daniel Camargo: a A.C. Gomes de Mattos, Alfredo Bezerra Camargo, Angela Maria Gonçalves Camargo, Armindo Aloysio Wagner, Inês Machado Wagner, Maria Aparecida Machado Wagner, Sérgio Leemann e Victor Portella De Fábio Vellozo: a Elaine Pinto, Fernanda Vellozo J. Monteiro, Júlio Sérgio J. Monteiro, Marcus Quintanilha. De Rodrigo Pereira: a Fabrício Pereira, Hélio Pereira, Lolita da Silva Pereira, Mariana Mello de Moraes e Tatiana Nakae. 4 Introdução I Meu pai foi quem pela primeira vez me contou a respeito de Anthony Steffen, o brasileiro que fizera sucesso nos westerns italianos dos anos 1960 e 1970. Anos depois, já adulto, trabalhando como repórter, eu imaginei que se o ex-caubói morasse em São Paulo poderia render uma entrevista curiosa. Em 2002 onversei com algumas pessoas, mandei e-mails, fiz telefonemas... Então, uma amiga jornalista encontrou o nome de batismo do sujeito, Antonio Luiz de Teffé, na lista telefônica do Rio de Janeiro. Ela ligou, verificou se era ele mesmo, anotou o número e me enviou. Em março de 2003, o amigo e pesquisador Carlos Thomaz Albornoz me disse ter ouvido dizer que Steffen havia morrido anos atrás. Expliquei-lhe que tal informação não procedia, pois o ex-galã estava morando no Rio. Empolgado com a descoberta, Thomaz me apresentou a dois velhos conhecidos dele: o engenheiro químico Fábio Vellozo e o cineasta 5 Daniel Camargo, ambos fãs de westerns spaghetti. Começamos a trocar e-mails e a traçar planos para um documentário a respeito do astro aposentado. Daniel e Fábio, que não se conheciam, moram em Niterói1, a cerca de uma hora de carro da luxuosa cobertura onde Teffé vivia, no Leblon. Apesar de eu nunca haver estado frente a frente com nosso personagem, meus dois parceiros me transmitiam, por e-mails e telefonemas, relatórios completos sobre cada encontro com ele. Entre as muitas conversas que ambos me descreveram com riqueza de detalhes, veio a explicação do porquê da recusa de Teffé em se deixar gravar: a vaidade não lhe facultava aparecer sem cabelo diante da câmera. A queda de pêlos era decorrência das sessões de quimioterapia às quais vinha se submetendo na luta contra o câncer. A notícia da morte dele foi como tiros de Winchester em nós três. Restaram as não poucas histórias reais, ora 1 Apenas os 13,29 quilômetros da Ponte Rio-Niterói, que cruza a Baía de Guanabara, separam Niterói do Rio de Janeiro. 6 divertidas, ora trágicas, sempre reveladoras, que Daniel e Fábio haviam compilado nas idas àquele apartamento. Certo dia, vi à venda a biografia de um ex-ator. E pensei: “Por que não”?. Rodrigo Pereira 7 Introdução II Houve um tempo em que os westerns italianos passavam na tevê brasileira. Foi assim que conheci o subgênero, ainda garoto, no início da década de 1980. As cópias exibidas eram feias e desbotadas, além de pessimamente dubladas em português, mas nada disso importava: não perdia nenhum bangue-bangue à italiana. Com o advento do videocassete, comecei a garimpar, religiosamente, fitas VHS pelas locadoras do meu bairro, em Niterói. Não tardou para que Anthony Steffen aparecesse, sob a forma de uma empoeirada caixa do filme Train for Durango. “Um brasileiro fazendo papel de caubói na Itália?”, indaguei-me quando me revelaram, tempos depois, a nacionalidade e o verdadeiro nome do astro: Antonio de Teffé. Mais de uma década se passou e minha pergunta continuava sem resposta. Em 2001, li que o ator morava na zona sul do Rio de Janeiro. 8 Imediatamente busquei a lista telefônica. Encontrei um Antonio Luiz de Teffé, mas faltou coragem para ligar. “Deve ser um parente”, pensei. Só obtive a confirmação de que o homem do Rio era o mesmo do Velho Oeste em 2003, graças a meus parceiros Daniel Camargo e Rodrigo Pereira. Os integrantes do grupo, apresentados uns aos outros e reunidos pelo jornalista gaúcho Carlos Thomaz Albornoz, tinham um plano ambicioso: fazer um documentário sobre o caubói do Leblon. Fiquei encarregado do contato inicial, pois conhecia bem a obra de Steffen. Achei que seria fácil. Ledo engano. O mais experiente operador de telemarketing tremeria ao ouvir a voz alta e pouco amistosa que atendeu ao telefone. Quase desisti. Nos dois meses seguintes, liguei semanalmente e mandei cartas. Numa sexta-feira à noite, Antonio me telefonou pela primeira vez. Conversamos por mais de uma hora. Quando insisti sobre a viabilidade do documentário, Antonio revelou, com a calma costumeira, que há meses lutava contra 9 um câncer. Pedi desculpas e pensei em desligar. Sua reação, no entanto, foi nos convidar para uma visita. Durante aproximadamente um ano, eu e Daniel desfrutamos a hospitalidade e a amizade do barão Antonio de Teffé. Nos almoços de sábado, as lasanhas e musses de chocolate − preparadas por sua mulher, Cristina, sob a supervisão do companheiro, um chef de mão cheia − eram saboreadas ao som das histórias do nobre que sobreviveu a uma Guerra Mundial e que militou por mais de trinta anos nas trincheiras do cinema popular italiano. O aristocrático Antonio, tal como o príncipe de Salina, o Leopardo da obra de Lampedusa, era um dos últimos de sua raça − representante de um cinema esquecido por muitos, mas que deixou marcas em todos aqueles que, como eu, cresceram ao som estridente dos Colts. Fábio Vellozo 10 Introdução III O dia estava bonito demais para um enterro. No caixão, o corpo de Anthony Steffen parecia bem menor que o caubói que víamos nos filmes. Sua expressão estava serena, como se fosse sorrir a qualquer instante. Lembrei-me de nosso primeiro encontro, quando Antonio Luiz de Teffé (seu verdadeiro nome) nos confessou ter suspeitado, a princípio, que eu e Fábio Vellozo fôssemos ladrões maquiavélicos a ponto de descobrir tudo sobre a carreira dele, lhe conquistar a confiança e depois roubá-lo − o tipo de idéia que só poderia mesmo vir da cabeça de um roteirista especializado em cinema de gênero. Impressionado com nossos conhecimentos, Antonio resolvera correr o risco e nos convidou a seu apartamento. Percebeu então que, além de não sermos assaltantes, tampouco éramos os “coroas” que ele esperava. Mais: com menos de 30 anos, tínhamos 11 aproximadamente a idade dos dois filhos dele, que vivem em Roma. Aquela tarde foi a primeira de várias. Infelizmente, o mesmo mal que vitimara o caubói norte-americano por excelência, John Wayne, estava no rastro do ítalo-brasileiro. E o câncer, uma vez mais, saiu-se vitorioso. Após o fechamento do caixão, os carregadores levaram-no para fora do velório do Cemitério São João Batista. Quando passaram por mim rumo à sepultura, o peso pareceu triplicar. Precisei ajudá-los de improviso, segurando justamente na cabeceira. Se não fosse ele o morto, o cético Antonio teria considerado esse acontecimento mero acaso. Para mim, ficou a impressão de que ele me quis ao seu lado até o último momento. Achamos que escrever a biografia de Steffen seria fácil, após termos passado horas com ele e assistido a muitos de seus filmes. Depois de colocar tudo que apuramos no papel, percebemos que havia várias lacunas. Começou então a parte mais trabalhosa da trama. Como detetives de um giallo, eu, Fábio e 12 Rodrigo localizamos filmes, livros, artigos, entrevistas, atores, atrizes e diretores em sete países além do Brasil. Demoradas ligações para Roma, Madri e Los Angeles tornaram-se usuais em nossas contas telefônicas. Nunca imaginei que pudéssemos aprender italiano e espanhol tão rapidamente. Uma vez montado o quebra-cabeça, tínhamos em mãos a história do cinema popular italiano pós-Segunda Guerra pelos olhos de um de seus mais prolíficos protagonistas. Uma vida tão fantástica quanto ele próprio. Daniel Camargo 13 Blood Ties (a.k.a. The Adventurer Baron) O primeiro Teffé a pisar no Brasil não era um Teffé. Chamava-se Frederico Guilherme von Hoonholtz. Prussiano de ascendência aristocrática, havia estudado engenharia na prestigiosa Universidade de Leipzig. Como militar, participou com bravura das batalhas que puseram fim ao domínio do imperador francês Napoleão Bonaparte sobre a Europa: a de Leipzig (1813) e a de Waterloo (1815). A Prússia recuperou províncias que estavam sob o jugo napoleônico. Von Hoonholtz perdeu o pai, os bens da família e as perspectivas de futuro em sua terra natal. Dez anos depois, cruzou o Atlântico a fim de servir como mercenário − atividade à margem da lei que cineastas europeus converteriam em elemento- 14 chave do western spaghetti, seja na figura do pistoleiro de aluguel, seja na do caçador de recompensas.