Cidades do Piauí testemunhas da ocupação do interior do Brasil durante o século XVIII

Conjunto Histórico e Paisagístico de

Dossiê de Tombamento

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional DEPAM/ 19ªSR-PI Setembro de 2008

Cidades do Piauí testemunhas da ocupação do interior do Brasil durante o século XVIII

Conjunto Histórico e Paisagístico de Piracuruca

Brasília e , setembro de 2008 CRÉDITOS Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva

Ministro da Cultura João Luiz Silva Ferreira (Juca Ferreira)

Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Luiz Fernando de Almeida

Diretor do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização - IPHAN Dalmo Vieira Filho

Diretora do Departamento de Patrimônio Imaterial - IPHAN Márcia Genésia Sant’Anna

Diretor do Departamento de Museus - IPHAN José do Nascimento Júnior

Diretora do Departamento de Planejamento e Administração - IPHAN Maria Emília Nascimento Santos

Coordenação Geral de Promoção do Patrimônio Cultural – IPHAN Luiz Fhilippe Peres Torelly

Coordenação de Pesquisa, Documentação e Referência – IPHAN Lia Mota

Superintendente da 19a SR/IPHAN – PI Diva Maria Freire Figueiredo

Chefe da Divisão Técnica da 19a SR/IPHAN – PI Claudiana Cruz dos Anjos

Elaboração do Dossiê de Tombamento Depam: Arq. Anna Eliza Finger Arq. Dalmo Vieira Filho Arq. Fernanda Heitmann Saraiva Arq. José Leme Galvão Jr. Arq. Mônica de Medeiros Mongelli Hist. Tamara Quírico Luiza Campos Magalhães (estagiária)

19a SR/IPHAN – PI Arq. Andrea Virginia Freire Costa Arq. Claudiana Cruz dos Anjos Arq. Diva Maria Freire Figueiredo Arq. Murilo Cunha Ferreira Elane Lopes Coutinho (estagiária) Marta Rachel Alves (estagiária)

Equipe de colaboradores - UESPI: Hist. Ana Angélica Pereira Teixeira, Hist. Diógenes Willame Boaventura Cunha (in memorian) Hist. Juliana Maria Vasconcelos Belo

2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...... 4 O MUNICÍPIO DE PIRACURUCA...... 6 Localização e dados sócio-econômicos ...... 7 Principais Atrativos Regionais ...... 10 HISTÓRICO DA FORMAÇÃO URBANA DE PIRACURUCA...... 15 O início do povoamento da região de Piracuruca ...... 15 A formação do primeiro ...... 18 A construção da Igreja de Nossa Senhora do Carmo...... 21 A Freguesia de Nossa Senhora do Carmo da Piracuruca ...... 24 A elevação à Vila de Piracuruca ...... 27 A Batalha do Jenipapo e a Balaiada ...... 29 A elevação à cidade e os dias atuais...... 30 A Estrada de Ferro em Piracuruca ...... 31 O impacto da Segunda Guerra Mundial ...... 33 EVOLUÇÃO URBANA E ANÁLISE MORFOLÓGICA...... 34 O início do assentamento populacional ...... 34 As primeiras expansões urbanas...... 37 O século XX...... 42 ANÁLISE DA ARQUITETURA CORRENTE NO CONJUNTO...... 51 Principais bens que compõe o conjunto...... 65 A SITUAÇÃO ATUAL DO CENTRO HISTÓRICO ...... 79 Principais ameaças ao conjunto ...... 81 ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO EXISTENTE ...... 84 PROPOSTA DE PROTEÇÃO...... 86 Justificativa ...... 86 Descrição das Poligonais de Tombamento e Entorno ...... 90 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 96

3 INTRODUÇÃO

A presente proposta dá continuidade aos estudos desenvolvidos pelo Dep. de Patrimônio Material e Fiscalização e pela Superintendência Regional do Piauí- IPHAN, que visam reconhecer os diversos processos históricos, sociais e culturais formadores do Patrimônio Cultural Brasileiro, com foco especial no Estado do Piauí. Este Dossiê propõe o tombamento federal do Conjunto Histórico e Paisagístico de Piracuruca, como uma das Cidades Testemunhas da Ocupação do Brasil durante os séculos XVIII e XIX. O trabalho de identificação de bens que representam esse momento da história do Brasil foi iniciado com o tombamento de Parnaíba. Ele terá continuidade com as propostas de tombamento de vários outros bens e conjunto urbanos do Piauí, que juntos formarão um panorama da ocupação e história deste Estado, até hoje pouco conhecido e valorizado pelo restante do país. Constitui-se, desta forma, uma rede de bens ligados diretamente à história do Brasil, à formação atual do seu território, à definição de e à forma de vida no sertão. Localizada entre as belezas naturais e arqueológicas do Parque Nacional de Sete Cidades e o litoral, por não ter alcançado um desenvolvimento econômico e urbano significativo, Piracuruca encontra-se hoje relegada a um papel de passagem para esses dois atrativos turísticos. As potencialidades da cidade representadas pelo seu patrimônio cultural são pouco aproveitadas e, freqüentemente, ignoradas nos roteiros turísticos da região: as antigas fazendas, o casario, as praças e igrejas – em especial a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, já tombada pelo IPHAN1; o meio físico – natural ou agenciado pelo homem, entre eles o complexo turístico da Prainha e o Lago da barragem, ambos no Rio Piracuruca; o patrimônio imaterial - festas populares e religiosas como a da Carnaúba e o novenário da santa. Nesse contexto, a proteção do patrimônio edificado pelo Estado e a valorização do patrimônio cultural e natural se inserem como elementos fortalecedores do lugar, contribuindo para o desenvolvimento sustentável da cidade de Piracuruca. Seguindo uma tendência mundial, a preservação do patrimônio cultural que individualiza os espaços com base em suas características históricas, artísticas- onde se insere a arquitetura e o urbanismo - e sociais que os tornam únicos, é um dos pressupostos do urbanismo contemporâneo. Em um número cada vez maior de países já se percebeu que a preservação das características tradicionais das cidades contribui significativamente para a qualidade de vida das populações e hoje se busca qualificar os espaços urbanos a partir da preservação das referências culturais das pessoas que as habitam.

1 Inscrita no livro do Tombo Histórico (Inscrição 142) e de Belas Artes(Inscrição 288) em 15 de agosto de 1940, processo 0224-T-40.Obs: o tombamento inclui todo o seu acervo de acordo com a Resolução do Conselho Consultivo da SPHAN, de 13/08/85, referente ao Processo Administrativo nº 13/85/SPHAN. Fonte: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm, acessado em 15/10/2008.

4 Entretanto, no Brasil ainda predomina a cultura desenvolvimentista iniciada na década de 1960 quando se optou pelo progresso baseado no rodoviarismo, industrialização e crescimento a qualquer custo. Isto causou uma perda irreversível da qualidade do espaço urbano da maioria das cidades, que tiveram seus edifícios substituídos por outros com maiores índices de ocupação e aproveitamento dos lotes, além de seus largos e praças sacrificados para a passagem de estruturas, viadutos, pistas elevadas ou para a implantação de estacionamentos. A população acostumou-se a achar normal o aspecto degradado dos centros, cada vez mais abandonados e violentos. O que se busca com o tombamento de Piracuruca não é apenas preservar o acervo arquitetônico, mas um espaço urbano privilegiado e pleno de significados. Assim, a população local poderá dele se apropriar e ali continuar a praticar seus ritos, conhecer sua história e reconhecer seu papel na história do Brasil. A preservação oferece para a cidade uma opção diferenciada em relação à qualidade de vida: ela deixa de significar para seus habitantes somente um local de passagem ou de caráter utilitário e recupera o seu papel primordial de ser, além de um aglomerado de moradias interligadas por ruas, avenidas e áreas livres públicas, um espaço de vivência e convivência.

Brasília e Teresina, setembro de 2008.

5 O MUNICÍPIO DE PIRACURUCA

Fig. 01 - O Piauí com suas vilas, cidades e missões fundadas nos séculos XVIII e XIX. Extraído de: SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaúba, Pedra e Barro na Capitania de São José do Piauhy. Volume III – Urbanismo. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007. Em destaque, Piracuruca.

6 Localização e dados sócio-econômicos

Rio Rodovia pavimentada Ferrovia 4 Aeroporto Porto

Fig. 02 a 04 - Mapas de localização. Extraído de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Piracuruca. Acesso em 03/07/2008.

Localização: Situa-se na mesorregião do Norte Piauiense e na microrregião do Litoral Piauiense; Zona fisiográfica: Ibiapaba. O município integra a Área de Preservação Ambiental – APA da Serra da Ibiapaba.

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Fig. 05 e 06 – Mapas de localização. Extraído de: http://siscom.ibama.gov.br/mpt/PI/UC/APA_SERRA%20IBIAPABA_PI_CE_AO.pdf. Acesso em 05/04/2007

8 “A Área de Proteção Ambiental (APA) é uma categoria de Unidade de Conservação, voltada para a proteção de riquezas naturais que estejam inseridas dentro de um contexto de ocupação humana. O principal objetivo é a conservação de sítios de beleza cênica e a utilização racional dos recursos naturais, colocando em segundo plano, a manutenção da diversidade biológica e a preservação dos ecossitemas em seu estado original. Esta categoria de área protegida, estabelecida pela Lei no 6.902, de 27 de abril de 1981, foi inspirada originalmente nos Parque Naturais de Portugal, tendo concepções semelhantes às dos Parques Nacionais da Inglaterra e "Landschaftsschutzgebiet" da Alemanha. A característica marcante das APAs é a possibilidade de manutenção da propriedade privada e do estilo de vida tradicional da região, onde programas de proteção à vida silvestre podem ser implantados sem haver necessidade de desapropriação de terras. Esta estratégia é compatível com a realidade brasileira, uma vez que a falta de recursos financeiros para a desapropriação de terras limita a implantação e consolidação de outros programas de conservação.”2

Microregião homogênea: Campo Maior Altitude e Coordenadas geográficas: A sede municipal está a 60 metros de altitude. Tem sua posição geográfica determinada pelo paralelo 03°55’41” de latitude sul e na interseção com o meridiano 41° 42’ 33’’, de longitude oeste. Área: 2380,51 km² População e densidade demográfica: 27.621 habitantes3, com média de 10,41 hab/km² Distância da capital: 177km em linha reta no rumo NE, ou 193 km por rodovia. Limites: ao norte, os municípios de Caraúbas do Piauí e Cocal; ao sul, o município de Brasileira; ao leste, os municípios de e São João da Fronteira; ao oeste, os municípios de Caraúbas do Piauí, São José do Divino e Batalha. Acessos: rodovia federal BR-343, que liga o norte do Estado à Capital e à Região Sul; rodovias estaduais PI-110, que liga os municípios de e São João da Fronteira, e PI-111, que liga a cidade de Piracuruca ao Parque Nacional de Sete Cidades. Outras PI’s fazem a comunicação intermunicipal. O município também possui um sistema ferroviário, hoje desativado, que ligava Teresina ao município de Luís Correia, passando por Piracuruca. Clima: Tropical megatérmico, com temperatura variando mínimas de 26°C e máximas de 38°C. A precipitação pluviométrica média anual é definida no Regime Equatorial Marítimo, com isoietas anuais entre 800 a 1.600 mm, cerca

2 Extraído do site http://www.apadescalvado.cnpm.embrapa.br/apa.html. Acesso em 26/11/2008. 3 Segundo estimativa do IBGE para 2006.

9 de 5 a 6 meses como os mais chuvosos e período restante do ano de estação seca. O trimestre mais úmido é o formado pelos meses de fevereiro, março e abril. Hidrografia: composta pelos Rios Jacareí, Catarina e Piracuruca, seu principal curso d’água, e por pequenos riachos que banham a região. A zona urbana é cortada pelo Rio Piracuruca e por pequenos córregos, como o das Damas. A região conta ainda com lagoas, açudes e olhos d’água Toponímia: Tomou o nome de Vila de Nossa Senhora do Monte do Carmo de Piracuruca, quando da sua criação. Passou a chamar-se apenas Piracuruca, quando da elevação à cidade. Já o termo “Piracuruca” foi tomado do rio que banha a cidade, o Piracuruca, que na língua de seus primeiros habitantes significa “peixe que ronca”.

Principais Atrativos Regionais

Parque Nacional de Sete Cidades Próximo a Piracuruca, com uma área de 6.331,00 (ha), o Parque Nacional de Sete Cidades é uma reserva ambiental de transição entre o Cerrado e a Caatinga que abriga espécies nativas únicas e formações rochosas que desafiam os cientistas:

As pesquisas arqueológicas na região se desenvolveram em data posterior a criação do Parque Nacional de Sete Cidades. Mas em 1928, o austríaco Ludwig Schwnnhagen, visita as Sete Cidades, descrevendo-as como ruínas de uma cidade fenícia, que teria sido fundada há 3 mil anos. A primeira notícia oficial sobre Sete Cidades, data de 9.12.1886, denominada então as "Sete Cidades de Pedra". As formações espetaculares encontradas no Parque, foram interpretadas por visitantes e pesquisadores de diversas maneiras, mas nenhuma das interpretações foi comprovada cientificamente. Historiadores brasileiros consideram que a área teria sido habitada pelos índios da nação Tabaranas, das tribos dos Quirirus e dos Jenipapos. O território destes índios abrangia uma área que se limitava ao norte pela região costeira, a oeste pelo rio Parnaíba, ao sul pelo rio Poty e a Leste pela Serra da Ibiapaba. O magnífico conjunto de monumentos geológicos foi trabalhado pela natureza ao longo de milhares de anos através de erosão pluvial e eólica. As pinturas encontradas nas paredes rochosas com tinta avermelhada atestam a passagem do homem pré-histórico pela região. 4

4 Extraído de: http://www.ibama.gov.br/siucweb/mostraUc.php?seqUc=20. Acesso em 06/07/2008.

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É administrado pelo IBAMA, com sede em Piracuruca.

Fig. 07 - Parque Nacional de Sete Cidades. Imagem extraída de: http://www.viafanzine.jor.br/ufotos3/sete2.jpg. Acesso em 17/06/2008.

Inscrições Rupestres Apesar de ocorrerem em maior quantidade dentro do Parque Nacional de Sete Cidades, em diversos pontos do município são encontradas inscrições rupestres, em sua maioria em terrenos particulares, o que dificulta a proteção e controle sobre elas. Algumas das mais importantes localizam-se no Tabuleiro dos Gomes, precisamente na Fazenda Lagoa de Cima, onde existe uma pedra com feições bastante interessantes, conhecida como a “Pedra do Arco”, por lembrar um arco. Nesta formação existe um painel de pinturas rupestres de aproximadamente 3,6m, onde se observam pinturas que lembram carimbos de mãos com preenchimento elaborado, espirais e quadrados concêntricos. O local é rodeado por outras formações rochosas onde, segundo relatos dos moradores, existem ainda outros painéis com pinturas.

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Fig. 08 - Inscrição rupestre no Tabuleiro dos Gomes. Fonte: http://www.piracuruca.com. Acessado em 06/07/2008.

Antigas Fazendas Por toda a região rural de Piracuruca existem ainda antigas fazendas, contemporâneas do ciclo do gado no nordeste, que mantêm preservadas partes significativas de suas aparências e de suas estruturas originais dos séculos XVIII e XIX. A Fazenda Chapada, também conhecida como Chapada do Bidoca, é uma das mais importantes da região e recebeu esse nome em função de um coronel que teria vivido nessa localidade, o senhor Raimundo Machado de Brito, mas conhecido como “Seu Bidoca de Brito”. Localizada em meio a um carnaubal ainda em exploração, sua fundação está relacionada diretamente aos fatores de colonização da região: o gado, pois a região ainda possui rebanhos e destaca-se na produção de artigos em couro; e a carnaúba, transformada em símbolo do estado. Existe ali uma capela, conhecida também como Capela da Chapada do Bidoca, que foi reformada recentemente (a data de 1937, gravada na fachada, não é a data de sua construção). Segundo relatos orais, em 1815 teria sido ali celebrado o casamento de Pedro de Britto Passos e sua esposa, Ana Maria de Cerqueira.

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Fig. 09 - Casa Sede da Fazenda Chapada. Extraído de: SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaúba, Pedra e Barro na Capitania de São José do Piauhy. Volume I – Estabelecimentos Rurais. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007.

Grande lago Inaugurada em 08 de maio de 1996, nos arredores da cidade, a barragem de Piracuruca propiciou um dos principais pontos de lazer da população local. O lago formado pela barragem é cercado por casas de veraneio, e ao seu redor também foram instalados estabelecimentos para atender os visitantes e moradores que freqüentam o lugar.

Fig. 10 - Lago da Barragem. Fonte:http://www.piracuruca.com. Acessado em 06/07/2008.

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A Festa da Carnaúba A 1ª Festa da Carnaúba foi realizada em 7 de setembro de 1961, no Grêmio Recreativo Piracuruquense, com o objetivo de promover e divulgar a carnaúba, visando a melhoria da situação dos proprietários de carnaubais. Durante a 1ª festa houve exposições de máquinas e produtos da carnaúba, como a cera e o pó. Em 1968, por decreto do governo do Presidente Artur da Costa e Silva, a Festa da Carnaúba passou a fazer parte do calendário turístico do Estado do Piauí. Até hoje é realizada com glamour, elegendo a cada ano a “Rainha da Carnaúba”, exibindo e comercializando produtos tradicionais elaborados a partir da planta.

14 HISTÓRICO DA FORMAÇÃO URBANA DE PIRACURUCA Piracuruca, assim como inúmeras outras cidades coloniais brasileiras deve o início de sua ocupação ao catolicismo. Desde os primórdios da colonização brasileira as igrejas funcionavam como elemento urbano agregador. A administração portuguesa utilizava-se de seus instrumentos e unidades eclesiásticas (freguesia, paróquia, bispado) como forma de controle populacional, a ponto de a história dos primeiros núcleos populacionais brasileiros se confundir com acontecimentos de cunho religioso. Posteriormente, a Coroa tornava “oficiais” estas povoações já consolidadas, elevando-as à vila e instalando órgãos da administração pública, tais como intendências, casas de câmara e cadeia, entre outros. Mas a população ali residente continuava a manter fortes vínculos com a igreja, tanto é que os registros eclesiásticos são até hoje os mais confiáveis para pesquisas acerca de nascimentos, casamentos e óbitos. Os registros civis funcionavam, sobretudo para regularização fundiária, compra e venda de bens e comunicação oficial com o Governo Central. Entretanto, a ocupação da região da cidade de Piracuruca é anterior, descende dos ciclos de expansão do gado para o interior do nordeste que originou a formação de fazendas, conforme se verá a seguir.

O início do povoamento da região de Piracuruca Diferente dos outros territórios do Nordeste brasileiro, onde o povoamento foi iniciado pelo litoral e os adentrava à medida que iam sendo desbravados, a ocupação do território do que viria a se tornar Capitania, Província e finalmente Estado do Piauí, começou pelo interior e só mais tarde atingiu o litoral. Por apresentar poucos pontos propícios à atracação de barcos, esta área permaneceu durante muito tempo como rota terrestre de comunicação entre as colônias do Brasil (com capital em Salvador) e do Maranhão (com capital em São Luís).5 Durante décadas seus limites estiveram pouco definidos. O documento mais conhecido sobre seus limites é uma espécie de “recenseamento” feito pelo Padre Miguel de Carvalho, delimitando como território piauiense parte da extensa Bacia do Parnaíba, do Alto Gurguéia, do Rio Piauí e do Canindé, além de boa parte da Bacia do Poti até o Rio Longá. Oficialmente suas terras pertenceram, até o início do século XIX6, às jurisdições político-administrativas ou religiosas de Pernambuco, Bahia e Maranhão. Mas, antes do início da colonização oficial, durante o século XVII, os aventureiros e viajantes que se deslocavam entre os atuais Estados do Pernambuco e Maranhão7 começaram a se fixar nestas regiões. Inicialmente em atividades voltadas para a mineração e aprisionamento de índios, e mais tarde formando as primeiras fazendas de criação de gado. Domingos Jorge

5 Ver volume “A Ocupação do Piauí durante os séculos XVIII e XIX”. 6 A independência total da Capitania do Piauí ocorreu por força de Decreto em 1811. Ver volume “A Ocupação do Piauí durante os séculos XVIII e XIX”.

7 Ver volume “A Ocupação do Piauí durante os séculos XVIII e XIX”.

15 Velho8 foi um desses homens que, vindo com o objetivo de enriquecer com a exploração de metais preciosos, acabou se fixando na região e estabelecendo as primeiras fazendas no interior do Piauí. Entretanto, somente no final deste século é que as terras entre a Serra da Ibiapaba9 e o porto de São Luís, no Maranhão, começaram a ser efetivamente desbravadas e melhor conhecidas. Em 1682, o Padre Miguel de Carvalho faz a primeira descrição documentada da ocupação do espaço que chama “Sertão do Peauhy”:

Riacho Piauí: corre do sul para o norte e entra no Canindé. Foi o primeiro povoado de todo este sertão (...), em que se descobriu, e dele tomou o nome.10

Um outro documento, datado do ano de 169911, comprovaria a doação de sesmarias localizadas na região entre o Rio Igaraçu e a Serra de Ibiapaba a um certo Leonardo de Sá, indicando uma ocupação já mais sistemática deste território. A condição de “rota de passagem” levou a região a adquirir uma configuração de ocupação bastante particular, baseada no estabelecimento de núcleos populacionais no entorno das sedes das fazendas de gado. Estas serviam de abrigo e pouso aos viajantes e de locais de instalação dos comerciantes que traziam mercadorias da capital para abastecer o interior e que levavam para lá o charque produzido nestas fazendas. Brandão assim descreve estes primeiros núcleos: Não obedece a quaisquer diretrizes, nem controles. Faz-se, assim, por obra do tempo. Seu curso normal é esse. O ambiente tumultuário da conquista e da ocupação da terra, agravado pela insídia e agressividade do gentio, tira o sossego e a segurança do “branco”. Nessas condições, o homem não leva consigo nem mulher nem filhos. Vai sozinho. Excepcionalmente, apenas excepcionalmente, isso não acontece. A família, núcleo das comunidades está ausente, fato negativo para o povoamento. Essas e outras circunstâncias explicam que, ao término do século XVII, a população piauiense seja de 605 habitantes. Contudo, deve-se ressaltar que a única atividade da Freguesia de Nª.Sª. da Vitória [a futura capital, Oeiras] é a pecuária, pouco exigente de pessoas para labutarem nela. Mais uma razão, e muito séria, a

8 Domingos Jorge Velho chegou ao Piauí, por volta de 1662, pelo seu extremo sul do estado, vindo de São Paulo, e estabeleceu fazendas de gado na confluência do Rio Poty com o Parnaíba. BARRETO, Paulo Thedim. O Piauí e sua arquitetura, 1975, p.193. 9 Na região norte do atual estado do Ceará, fazendo a divisa com o estado piauiense. 10 In SANTANA, Raimundo Nonato Monteiro de (org.). Piauí: Formação, desenvolvimento, perspectivas. Teresina: FUNDAPI, 1995, p. 16. 11 Estudo para Tombamento de Parnaíba. Prefeitura Municipal de Parnaíba / 19ª Superintendência Regional do IPHAN (Teresina/PI), 2006, p.7.

16 demonstrar o pequeno aumento populacional no período ora estudado. 12

No início da ocupação da região há relatos da existência de tribos indígenas de varias línguas,13 e na época das “entradas de gado” os conflitos entre os brancos e estas populações foram intensos, devido principalmente a duas correntes de interesses: de um lado desbravadores buscando a conquista de territórios e perseguindo os índios para a utilização como mão-de-obra nas fazendas, e de outro a Igreja, através das missões jesuítas, também usando a mão de obra indígena em suas fazendas. Os jesuítas oficialmente visavam a “catequização e civilização” destas populações, mas acabavam por criar uma situação bastante semelhante à dos fazendeiros, pois formavam assentamentos onde os índios optavam por se abrigar, na tentativa de se defender dos brancos, mas onde terminavam trabalhando em atividades agrícolas e pecuárias.

Fig. 11 – “Esquema das rotas de penetração no Piauí no século XVIII”. Extraído de: SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaúba, Pedra e Barro na Capitania de São José do Piauhy. Volume I – Estabelecimentos Rurais. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007.

12SANTANA, Raimundo Nonato Monteiro de (org). Op. Cit. p.18. 13 Segundo a divisão etnológica e os estudos sobre os índios, são classificados de acordo com a língua. Os Tocarijus eram da família dos Tarairius e falavam a língua Jê. Na Serra da Ibiapaba habitavam os índios Tabajaras, de língua Tupi. BITTENCOURT, Jureni Machado. Apontamentos Históricos da Piracuruca. Teresina: COMEPI, 1989. p.183 e 184.

17 A ocupação das terras na região de Piracuruca ocorreu desta forma. A exploração de gado e a instalação dos primeiros resultaram em uma lenta fixação populacional14. E assim como ocorreu em outras localidades do estado, a cidade deve sua origem à instalação inicialmente de uma fazenda, cujas terras são resultado das inúmeras doações de sesmarias que formaram grandes latifúndios, no entorno da qual se agrupou um primeiro núcleo populacional. Este núcleo foi, posteriormente, reconhecido e incentivado pela Coroa, numa política de garantir a posse e ocupação portuguesa no interior do Brasil. Segundo Reis Filho, a partir da interiorização do território em função da pecuária, mineração ou produção de subsistência, fazia-se necessário unir as vilas dispersas pelo território das capitanias como forma de criar núcleos organizados, a regulares distâncias e com um plano urbano organizado: Foi só depois de 1720 e comumente nas vilas e cidades novas, que se tornou normal no Brasil uma efetiva regularidade do traçado. Até então, a existência de uma política urbanizadora, com maior ou menor conteúdo teórico, somente em casos muito especiais significou regularidade perfeita nos traçados.15

Assim, com o aumento do número de fazendas16 a região começa a ganhar importância e a atrair a atenção da Coroa. Piracuruca se insere então no contexto da pecuária e expansão do gado no nordeste e de uma posterior política de ocupação urbana intencional da Coroa portuguesa, que visava estabelecer núcleos urbanos no interior do território brasileiro. Desempenhava também papel importante neste contexto a presença religiosa, conforme se verá a seguir.

A formação do primeiro arraial Existem poucos dados oficiais que comprovem com clareza os motivos da formação do antigo arraial que viria dar origem à Piracuruca. Uma das hipóteses remonta à Fazenda Bitorocara, situada às margens do rio de mesmo nome, hoje denominado Rio Piracuruca. Pertencente ao Capitão Bernardo Carvalho17, a Fazenda Bitorocara consta de uma relação de fazendas existentes no Piauí levantada pelo Padre Miguel Carvalho em 1697.18

14 Ver volume “A Ocupação do Piauí durante os séculos XVIII e XIX”.

15 REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 120.

16 Segundo Mott, no final do século XVII o Piauí já possuía 129 fazendas, onde habitavam 438 indivíduos. Já em 1762 havia 536 fazendas, com uma população total de 14.342 habitantes. MOTT, Luiz R.B. Piauí colonial. População, economia e sociedade. Teresina: Projeto Petrônio Portella, 1985. 17 No ano de 1726 Bernardo de Carvalho celebra um pacto de paz com os índios Guararés, Caicazes, Aroás e Anapuras, possibilitando uma passagem menos traumática aos viajantes vindos do Maranhão em travessia pelo Norte do Piauí. BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit. p. 58. 18 IPHAN, 19ªSR-PI. A Casa da Antiga Intendência de Piracuruca – Proposta de Tombamento. Teresina: sem data.

18 Segundo Nunes19, desde o século XVII já existiria nesta fazenda uma primitiva capela dedicada a Nossa Senhora do Carmo, e nos seus arredores teria surgido um primeiro agrupamento de pessoas. Esta capela se situaria a cerca de uma légua de onde foi construída a Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Supõe-se que a conhecida Capela do Bidoca poderia se tratar desta edificação, apesar de trazer data de inscrição no frontispício posterior, de 1937.

Fig. 12 - Capela do Bidoca. Acervo SR/IPHAN-PI, década de 80.

Entretanto Silva F. atribui a origem da cidade à igreja votiva dos Irmãos Dantas que, pelas graças alcançadas, mandaram erigir no local onde teriam sido aprisionados pelos nativos, uma igreja em homenagem a Nossa Senhora do Carmo20, cuja construção foi iniciada nos primeiros anos do século XVIII. Anísio Brito apresenta ainda outra versão: o núcleo do povoamento de Piracuruca teria se originado na Fazenda Sítio, que em meados do século XVIII já possuía mais de mil habitantes: Abaixo cerca de 30 léguas da nascente do Rio Piracuruca, estende-se imensa planície, à direita do mesmo rio, onde, em começo do século XVIII, pela sua situação mui própria para estabelecimentos de criar, se fundou a fazenda denominada “Sítio”, que é o nome, também, da sesmaria onde se acha encravada a hoje cidade de Piracuruca. Sem base para uma afirmação positiva, parece-me, contudo, que “Sítio”, era simplesmente a denominação da sesmaria e

19 NUNES, Odilon. Pesquisas para a História do Piauí, volume I. Rio de Janeiro: Artenova, 1975 20 SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaúba, Pedra e Barro na Capitania de São José do Piauhy. Volume III – Urbanismo. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007. p. 16

19 não como quer Pereira da Costa (Cronologia Histórica) que diz ser o nome de uma fazenda de criar. 21

Este mesmo autor ainda atribui a formação do núcleo populacional à construção da Igreja de Nossa Senhora do Carmo.

Fig. 13 – Detalhe do “Mappa Geogrhaphico da Capitania do Piauhy, e parte do Maranhão e do Gram Para”, onde aparece assinalada a povoação de Piracuruca com a representação de uma igreja. Extraído de: SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaúba, Pedra e Barro na Capitania de São José do Piauhy. Volume III – Urbanismo. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007.

Enfim, sendo ou não responsável pelo início da povoação de Piracuruca, e apesar desta Igreja22 ter permanecido longos anos inacabada, desempenhou um importante papel para a consolidação da povoação. Funcionou como elemento agregador e foi durante um longo período o principal ponto de

21 BRITO, Anísio. O Município de Piracuruca. In: O Piauhy no Centenário de sua Independência. Therezina: Papelaria Piauhyense,1922. Disponível em: . Acesso em 28/10/2008 21 Monumento tombado pela União em 1940, inscrito nos livros do tombo Histórico e de Belas Artes, sob o número 0224-T-40.

20 referência e o único órgão de controle sobre a população ali residente, mantendo o registro de nascimentos, casamentos e óbitos.

A construção da Igreja de Nossa Senhora do Carmo O período real de sua construção é tão incerto quanto o da formação da Freguesia. Segundo Bittencourt23, sua construção teria sido iniciada nos primeiros anos do século XVIII, por volta de 1722, existindo poucos dados sobre o intervalo de tempo até o ano de 1743, data gravada em seu frontispício que indicaria uma provável finalização da fachada ou de todo o exterior do templo. Erguida em escala, proporção e estilo surpreendentes, se comparada ao porte do núcleo urbano na época de sua construção, é de se supor que tenha exigido um número considerável de pessoas trabalhando nas obras, e que isso tenha influenciando diretamente a ocupação da região. Construída como símbolo de fé e devoção e envolta por lendas e heroísmo, sua história se confunde com a dos “irmãos Dantas” - José e Manuel Dantas Correia, apontados como os responsáveis e prováveis patrocinadores da obra. Ainda há divergências sobre suas origens, mas as hipóteses apontadas a seguir, apesar de baseadas em relatos e tradição oral, lançam algumas luzes sobre as possíveis motivações para a povoação deste território.

Fig. 14 e 15 – Fachada da Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo e detalhe do frontispício onde se lê a inscrição MDCCXLIII (1743). Acervo SR/IPHAN-PI, 2007.

Uma delas indica serem, os irmãos, portugueses de família abastada, possivelmente nobres desembarcados em terras brasileiras, que assim como muitos outros, vieram à procura de pedras preciosas - desde o início do século XVII já circulava na Europa notícias de que as novas terras de Portugal seriam uma imensa mina de ouro. Desbravando as terras do sertão piauiense teriam se deparado com índios, que os fizeram prisioneiros, e para escapar da morte

23 BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit.

21 prometeram a Nossa Senhora do Carmo que ergueriam uma igreja em sua homenagem. Britto (2003) refuta essa hipótese, alegando que seria ilógico pensar que pessoas abastadas deixariam o conforto da Corte para se aventurar nos sertões sem lei. A autora acredita e defende a teoria de Anísio Brito, de que os Dantas teriam ficado ricos depois que chegaram à Colônia. Ela também questiona a origem dos irmãos: se portugueses ou brasileiros e descendentes de Caetano Dantas, um rico português que teria vivido no Rio Grande do Norte.24 Outra hipótese sugere não terem sido os “irmãos” Dantas irmãos de sangue, mas padres, possivelmente jesuítas, vindos com o objetivo de administrar fazendas de gado em terras do Norte do Piauí25. E nesta região teriam caído nas mãos de indígenas e amarrados ao tronco de uma carnaúba26, prontos para algum tipo de ritual de sacrifício. Teriam então suplicado a Nossa Senhora do Carmo a graça de continuarem vivos, com a promessa de mais tarde construírem o maior templo em sua glória. Entretanto, na já mencionada descrição do Padre Miguel de Carvalho, assim como em todas as outras descrições e relatos sobre a região, não há qualquer referência a tribos indígenas que praticassem atos de canibalismo ou sacrifício humano.27 Outros autores também desconstroem esse mito sobre o índio piauiense e, de acordo com Vicente Miranda28, as tribos indígenas que habitavam a região da Ibiapaba e arredores já haviam sido exterminadas entre 1689 e 1701. Esse extermínio teria sido feito inclusive com a participação de Domingos Jorge Velho, que teria dado cabo de grandes populações indígenas quando de sua passagem por estas terras. Mais uma outra hipótese aponta que teriam sido os irmãos Dantas enviados pela Coroa para unir-se aos sesmeiros ali instalados e acelerar o povoamento das terras do Norte do Piauí na fundação de novas vilas, garantindo a posse do território e melhorando a ligação terrestre entre as colônias do Brasil e do Maranhão, visto que o perigo de invasão por conquistadores de outros países

24 BRITTO, Maria do Carmo Fortes de. Remexendo o Baú, Piripiri: Gráfica e Editora Ideal, 2003. p.29/30. 25 No território do atual Piauí, a pecuária se expandiu a partir das fazendas fundadas por Domingos Afonso Sertão, conhecido como “Mafrense” (por ser originário da cidade de Mafra) na área dos atuais municípios de Oeiras e Floriano. Após a sua morte, trinta dessas fazendas foram deixadas em testamento para os jesuítas, que seriam por sua vez incorporadas ao Estado em 1760, transformando-se em Fazendas Nacionais. Ver também “A Ocupação do Piauí durante os séculos XVIII e XIX”, p.25. 26 Conta-se, por tradição oral, que por longos anos Nossa Senhora do Carmo apareceria ao pé da dita carnaúba. A veracidade da história, assim como sua localização, evidentemente é duvidosa, mas uma das hipóteses é ser o lugar onde atualmente se localiza a Praça Irmãos Dantas. Outra hipótese defende que a dita carnaúba se situava bem longe da sede do município, porém próximo ao Rio Piracuruca. 27 Apesar de existirem no norte do Piauí as tribos Tocarijus que cultivavam o endocanibalismo, ou seja, a antropofagia ritual com relação aos próprios parentes e membros da tribo que eram comidos após a morte. 28 In BRITTO, Maria do Carmo Fortes de. Op.Cit. p.13.

22 representava uma ameaça constante. 29 A desordem em que se encontravam os agrupamentos, dispersos por toda a região, impunha a idéia de “terra sem lei”, sendo preciso regulamentá-la e implantar a jurisdição aos seus habitantes, sendo comum a doação de terras a nobres portugueses para que estes viessem iniciar uma colonização oficial, conforme afirma Brito:

Tal a quantidade de portugueses egressos de Portugal que o próprio rei temendo o despovoamento do reino, proibiu a retirada dali, de seus súbditos. Antes, incentivava o interesse dos portugueses, dando-lhes títulos, elogios e promessas por descobrirem terras auríferas (...)30

Porém, a inexistência de documentos que comprovem fundos vindos da Coroa Portuguesa ou relatos de doações e tributos oficiais recolhidos dos habitantes da Freguesia para custear as despesas da construção da Igreja31 leva a crer que não havia vinculação entre a Coroa com a sua construção32. Sobre os Irmãos Dantas sabe-se, através de aforamentos, que eram possuidores de muitas léguas de terras e gado por toda região. Sua devoção também é evidenciada pelo fato de, por não possuírem herdeiros, haverem deixado em testamentos todos os seus bens para Nossa Senhora do Carmo.33

Certifico que revendo o livro de Registro de Testamento dos que fallecem nesta Freguezia e Termo, nelle achei Registrados o Solene Testamento com que falleceo na Matriz da Piracuruca, Manuel Dantas Correia e no mesmo as folhas dezesseis verso a verbo de que o requerimento retro faz mensão a qual he da maneira theor seguinte: Declaro que pagas as minhas dívidas e satisfeitos os meus legados, declaro nomeio e instituo por minha universal herdeira de todo o restante dos meus bens assim moventes como semoventes, a Virgem Nossa Senhora do Monte do Carmo desta freguezia de Piracuruca, Capitania do Piauhy deste Bispado do Maranhão com obrigação de se dizerem todos os

29 Em 1624 os holandeses haviam invadido Salvador, então capital da Colônia do Brasil, mantendo a cidade sob seus domínios por mais de um ano. Mas em 1630 investiram novamente contra a colônia portuguesa, desta vez em Pernambuco, tomando Recife e Olinda, que permaneceram sob seu domínio até 1654. Em 1641 haviam invadido também São Luis, então capital da Colônia do Maranhão, onde permaneceram por três anos. 30 BRITO, Anísio. Op. Cit.

31 Entretanto entre 1710 e 1711 tem-se notícia da presença no local de Frei Pantaleão da Trindade, beneditino de Olinda, pedindo esmolas para a construção de sua igreja. IPHAN, 19ªSR-PI. A CASA DA ANTIGA INTENDÊNCIA DE PIRACURUCA - PROPOSTA DE TOMBAMENTO. Teresina: sem data. 32 As três hipóteses são aqui relatadas pela ausência na bibliografia e dados fidedignos sobre a origem e a permanência dos irmãos em Piracuruca, assim como sobre a construção da Igreja. 33 Em 1784, é instituída a Irmandade de Nossa Senhora do Carmo de Piracuruca, destinada a manter o patrimônio da santa e zelar pela igreja. BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit. p.64.

23 annos na sua matriz duas Capelas de Missas por minha alma (...).34

Brito relaciona as propriedades rurais doadas à Nossa Senhora do Monte do Carmo:

São as seguintes as fazendas com as respectivas propriedades em uma extensão de 12 ½ léguas, doadas pelos irmãos Dantas a N.S. do Carmo “Monte”, “Macambira”, “Curral dos Cavalos”, “Veados”, “Perus”, “Boqueirão”, “Pitombeira” e “Batalha”.35

Segundo Bitencourt36 a data de 1743 no frontispício da Igreja marcaria a morte de Manuel Dantas, que teria sido sepultado no interior da Igreja, em frente ao altar-mor. O autor afirma ainda que José Dantas teria deixado Piracuruca por volta de 1758, pouco antes da expulsão dos jesuítas do Brasil.37 Contudo, na época da expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, a Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo constava como parte de seu espólio. Então, devia sofrer averiguações de suas instalações, realizadas pelo então governador João Pereira Caldas, pelo conselheiro da Casa de Suplicação, de Portugal, Francisco Marcellino de Gouveia e pelo ouvidor Luiz José Duarte Freire. Lenda ou história, a presença dos irmãos Dantas na região propiciou a manutenção de uma população nessas terras, seja por motivações religiosas ou econômicas, que ajudou a consolidar a Freguesia.

A Freguesia de Nossa Senhora do Carmo da Piracuruca Segundo Silva F., Piracuruca teria sido elevada a Freguesia em 1712, então ligada ao bispado de Pernambuco38, e Pereira da Costa afirma que em 1723 era uma das únicas três já criadas no Piauí: (...) em carta de 1723 do bispo diocesano de Olinda, D. Manuel Alves da Costa, ao Governador de Pernambuco, D. Manuel Rolim de Moura, para fazer presente à Academia Real da História portuguesa, em Lisboa, consta ainda que, então, as três únicas freguesias do Piauí, Oeiras, Piracuruca e Longá,

34 Trecho do testamento de Manuel Dantas. Com este documento, localizado no ano de 1800 em cartório da Vila de São João da Parnaíba e publicado de forma fracionada em 1909 no jornal “O Apóstolo”, tornou-se oficial a história da herança dos irmãos Dantas para a Santa. In: MENESES, Francisco Gerson Amorim de Meneses (org). Revista Ateneu - N° 1, 2002. Entretanto a veracidade do documento é questionada por alguns historiadores em razão da disputa provocada pelo usufruto dos bens da Santa entre a Igreja e a população de Piracuruca. Essa disputa ficou conhecida como a “questão da Santa”. Disponível em: http://www.piracuruca.com/capitulotexto.asp?codigo=49&codigo1=Revista%20Ateneu%20-%20N°%201 35 BRITO, Anísio. Op. Cit. 36 BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit. p.59. 37 Há livros de anotações da Igreja desde o ano de 1788, contendo registros dos batizados, casamentos, óbitos e outros acontecimentos. Entretanto, por este evento ser anterior, nada consta a respeito do óbito de Manuel Dantas. 38 SILVA F., Olavo Pereira da. Op. Cit., 2007. p. 126

24 hoje Campo Maior, são designadas como pertencendo ao Bispado de Pernambuco. 39

O povoado de Piracuruca, todavia, parecia gozar de certa importância já alguns anos antes, pois a data de 1723 é aproximadamente a mesma tida como do início da construção da igreja, e verifica-se assim a significativa presença religiosa na região. É também um indício da importância da povoação durante a primeira metade do século XVIII, pois o estabelecimento das fazendas de gado e dos currais dava à região uma característica de ocupação esparsa e pouco densa. O reconhecimento como “Freguesia” designava um núcleo populacional consolidado que servia como ponto de referência regional. Seu vicariato, entretanto, só foi instituído em 1742 e para ele foi designado o Padre José Lopes Pereira, com a assistência de quatro coadjutores carmelitas e um irmão menor.40 Nessa época, Piracuruca tinha a pecuária como base econômica, caracterizando-se também por ser ponto de passagem de comerciantes de todo o Norte piauiense. Entretanto, em conseqüência do rápido desenvolvimento da cidade de Parnaíba41 na segunda metade do século XVIII, Piracuruca entrou em um processo de estagnação econômica. A Capitania do Piauhy foi criada em 175842 e com o intuito de organizá-la administrativamente, em 1761 foi publicada uma Carta Régia. Segundo Delson, haveria uma Carta Régia anterior, de 1716, que teria ordenado a criação de duas vilas: Mocha, e a que viria a dar origem à atual Piracuruca. Porém, esta afirmação é questionada por Figueiredo43, observando que a carta datada de 1716 foi confundida com a de 1761, baseada num erro de impressão na obra de Paulo Thedim Barreto “O Piauí e sua arquitetura”.

39 PEREIRA DA COSTA, Francisco A. Cronologia Histórica do Estado do Piauí. Desde os seus primeiros tempos primitivos até a proclamação da república. Volume I. Ed. São Cristóvão: Artenova, 1974. p.55. 40 IPHAN, 19ªSR-PI. A Casa da Antiga Intendência de Piracuruca – Proposta de Tombamento. Op. Cit. 41 Na localidade denominada “Porto das Barcas”, às margens do Rio Igaraçu, em 1758 começaram a funcionar uma série de charqueadas, que produziam e comercializavam carne e couro com outras cidades, além de exportar diretamente para a Europa. A prosperidade de Parnaíba, ligada à atividade industrial e à localização privilegiada às margens de um dos principais braços do Rio Parnaíba e componentes de seu Delta, configurando um “porto natural” que oferecia vantagens em relação à navegação e comércio, acabou por atrair um maior contingente populacional. Desloca assim o eixo econômico do interior para o litoral, alcançando um desenvolvimento maior do que qualquer outra freguesia da então Capitania, e cogitando-se inclusive a transferência da capital, de Oeiras para lá. Processo de Tombamento ”Cidades do Piauí testemunhas da ocupação do Brasil durante o século XVIII – Conjunto Histórico e Paisagístico de Parnaíba”. IPHAN, DEPAM/19ªSR-PI. Brasília/Teresina: Abril de 2008. 42 Sobre a criação da Capitania do Piauhy ver volume “A Ocupação do Piauí durante os séculos XVIII e XIX”. 43 FIGUEIREDO, Diva Maria Freire. O monumento habitado: a preservação de sítios históricos na visão dos habitantes e dos arquitetos especialistas em patrimônio. O caso de Parnaíba (dissertação de mestrado). Recife: UFPE, 2001. Delson afirma ter sido o modelo implantado inicialmente no Piauí, mais precisamente em Oeiras. Porém Figueiredo a contrapõe,

25 A carta de 1761 determinava, entre outras medidas, a elevação de Oeiras à condição de cidade e capital, e a de todas as outras freguesias existentes44 - Valença, Marvão, Campo Maior, Parnaíba, Piracuruca, e Parnaguá - à condição de Vila. Dava inclusive orientações quanto à sua construção, seguindo um modelo anteriormente aplicado em Aracati (CE)45 e não iniciado no Piauí, como propõe esta pesquisadora. Em Piracuruca, entretanto, esta determinação não foi seguida de imediato. Em 1762, quando o então Governador da Província, João Pereira Caldas, visitou a várias freguesias piauienses, com o intuito de instituir poderes políticos e uma administração própria, como era a imposição da Coroa, considerou que a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo da Piracuruca não possuía nível populacional suficiente, além de uma inexpressiva atividade econômica, se comparada ao Porto das Barcas, região portuária de Parnaíba46. Assim, à revelia do determinado pela Carta Régia de 1761, neste momento foi fundada apenas a “Villa de São João da Parnahyba”47, e Piracuruca permaneceu então por mais algumas décadas como povoação de Parnaíba, à espera de uma nova oportunidade de promoção político-administrativa. Piracuruca, segundo os dados disponíveis da época, contava com 330 habitações, população de 1.747 homens livres e 602 escravos, num total de 2.349 habitantes, entre os quais não se incluíam crianças e mulheres, e 80 fazendas 48. Parnaíba apresentava melhores perspectivas, já que se localizava no litoral, em ponto privilegiado para o controle sobre o acesso ao Rio Parnaíba. E controlando seu acesso e incentivando a criação de um porto no

baseada nas datas das Cartas Régias, afirmando ter sido Aracati (CE), fundada em 1747, o primeiro exemplo deste tipo de planejamento para as cidades do sertão que agregou todos os valores de retidão, salubridade, harmonia e uniformidade. Mesmo Delson, em outra passagem, coloca que “a fórmula de Aracaty logrou tanto êxito que as autoridades recomendavam-na como modelo para a construção de outras cidades”. DELSON, Roberta Marx. Novas Vilas para o Brasil-Colônia: Planejamento Espacial e Social no Século XVIII. Brasília, Ed. Alva-Ciord, 1997, p.24. 44 Segundo Porto, a Carta Régia de 19 de junho de 1761 daria indicação de como implantar as cidades: “dizia o rei que os habitantes deviam ser convocados em determinado dia para assistirem a escolha de local onde devia ser levantada uma praça, devendo-se erguer nela um pelourinho, segundo-se as demarcações para construção de igreja, fazendo delinear as casas dos moradores por linha reta, ‘de sorte que fiquem largas e direitas as ruas’”. Cf. PORTO, Carlos Eugênio. Roteiro do Piauí. Ed. Artenova, 1974. p.69. 45 Segundo Delson, as prescrições da Coroa na Carta, que equivocadamente foi tida como de 1716, quanto à escolha do local, das edificações públicas, da demarcação dos lotes em linha reta, alinhamento das moradias e similaridade das fachadas davam uniformidade e harmonia ao conjunto, atraindo colonos permanentes e dando a impressão de uma autoridade estabelecida, o que intimidaria possíveis ataques. Este modelo teria sido aperfeiçoado a cada nova cidade fundada, até atingir seu ideal em Aracati, fundada em 1747, e que foi considerada como exemplo para a fundação de outras cidades ao longo de todo o século XVIII. Op. Cit., p.24. 45 IPHAN, 19ªSR-PI. A Casa da Antiga Intendência de Piracuruca – Proposta de Tombamento. Op. Cit 47 É interessante observar que Parnaíba teve o ato solene de instalação da Vila realizado na igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Piracuruca, e sua Igreja Matriz, dedicada a Nossa Senhora das Graças, continuou ainda sob a dependência da freguesia de N. S. do Carmo de Piracuruca por alguns anos. Idem. 48 PORTO, Carlos Eugênio. Roteiro do Piauí. Rio de Janeiro: Artenova, 1974, p. 70.

26 local, garantia-se a posse efetiva de todo o território do interior da Capitania, pois este rio era um dos poucos navegáveis na região e dele dependia a articulação de toda a região. Em 1775, Piracuruca ainda não havia sido elevada à condição de Vila, como pode ser observado no documento redigido, por volta dessa época, pela Junta Trina, que comandou o estado por vinte e dois anos. Nesse documento é mencionado que, das seis vilas já criadas em obediência à Carta Régia de 1761, apenas São João da Parnaíba havia tido aumento populacional. Esta se mostrava promissora economicamente49, devido não só à sua localização como porto de mar, mas também às fábricas e manufaturas ali instaladas. Piracuruca era a única das sete que ainda não havia sido criada.

A elevação à Vila de Piracuruca O rápido crescimento da Vila de Parnaíba graças ao charque, produzido e comercializado pelo Porto das Barcas50, apesar de num primeiro momento ter ofuscado a Freguesia de Piracuruca, fazendo-a passar por um período de estagnação econômica, posteriormente acabou por incentivar novamente sua economia. Estimulou as fazendas de gado a produzirem matéria-prima em quantidade suficiente para abastecer essa “indústria” e não mais apenas para sua subsistência. Essas fazendas propiciaram, naquele momento, a acumulação de grandes fortunas nas mãos de alguns latifundiários, o que contribuiu para o desenvolvimento da região e promoveu o deslocamento do eixo econômico do sul, onde se localizava a capital Oeiras, para o norte da Província. Santana, através da análise da arrecadação do tributo sobre o gado em 1791, afirma que na virada do século XVIII: “Oeiras, Jerumenha, Parnaguá e Valença respondiam por 58% do total, enquanto Campo Maior e Marvão [atual Castelo do Piauí] representavam 42%. No período de 1809/1814, os quatro municípios do sul caíram para 54% enquanto Campo Maior, Marvão e Piracuruca cresciam a participação para 46%.”51

Também segundo Brito, em Piracuruca

49 “Igualmente devemos noticiar a V. Exa. que das seis vilas desta Capitania, criadas no ano de 1762 só a de S. João da Parnaíba, fundada na margem oriental do braço do Igaraçu, tem tido aumento e promete cada vez mais não só pelo negócio do porto de mar que se lhe introduziu, senão também pelas fábricas e manufaturas com que se acha; as mais estão no mesmo estado em que se lhes deu aquele nome, conhecendo-se unicamente por vilas em razão de terem Pelourinho, ou um pau cravado na terra a que se deu aquele apelido”. Apud FIGUEIREDO, Diva Maria Freire. O monumento habitado: a preservação de sítios históricos na visão dos habitantes e dos arquitetos especialistas em patrimônio. O caso de Parnaíba. Dissertação de mestrado. Recife: UFPE, 2001. Em 1762 teria sido realizado o primeiro censo populacional da região. 50 Processo de Tombamento ”Cidades do Piauí testemunhas da ocupação do Brasil durante o século XVIII – Conjunto Histórico e Paisagístico de Parnaíba”. IPHAN, DEPAM/19ªSR-PI. Brasília/Teresina: Abril de 2008. 51 SANTANA, Raimundo Nonato Monteiro. Op. Cit. p. 64.

27 (...) a renda pública do dízimo do gado vacum e cavalar, se elevou a 22:000$000, soma absolutamente igual à de Parnahyba, em igual período (...)52

Observam-se, assim, os bons resultados obtidos por Piracuruca em relação à pecuária entre os anos de 1809 e 1814. Esses resultados se refletiram na cidade, que passou por um novo momento de expansão urbana graças a um aumento populacional considerável, que segundo Pereira da Costa, chegou a 8 mil pessoas53 e chamou a atenção do então governador da Província, César Burlamaqui, que notando a prosperidade da região, em 1807 propôs à Coroa sua elevação a Vila, o que lhe foi negado. Esta solicitação foi aprovada, apenas em 1832, quando então, a freguesia recebeu o nome de Vila de Piracuruca, topônimo tirado do Rio que banha a região. Mas, oficialmente sua emancipação só se deu no ano seguinte, quando foi desmembrada da Vila de Parnaíba:

(...) anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e trinta e três dondécimo da independência do Império, aos vinte e três dias do mês de dezembro do dito anno, nesta povoação de Piracuruca, Freguezia de Nossa Senhora do Monte do Carmo do antigo termo da Villa de São João da Parnahyba província do Phiauhy nas casas destinadas para as sessões da câmara municipal desta nova villa. (...) E também erecta a notável Povoação de Piracuruca já freguezia há muitos annos em villa de Piracuruca comprehendendo o seu termo os limites da mesma freguezia.54

Quanto aos limites aos quais se faz referência neste documento de instalação da vila, não são conhecidos outros que os definam com precisão. Estima-se que tais limites começariam nos sopés da Serra da Ibiapaba, abrangendo todas as terras que hoje constituem os municípios da atual Parnaíba, , Ilha Grande, , Bom Princípio do Piauí, Cocal, Cocal dos Alves, , Caraúbas do Piauí, Caxingó, Brasileira, Batalha, Domingos Mourão, Milton Brandão, Lagoa de São Francisco, São João da Fronteira, São José do Divino, Pedro II, Piripiri e o próprio município de Piracuruca. Mas aos poucos, com a criação de novas vilas, e posteriormente com os vários desmembramentos, Piracuruca teve seu território consideravelmente reduzido:

52 BRITO, Anísio. Op. Cit. 53 PEREIRA DA COSTA, Francisco A. Op. Cit. p. 204. 54 Cópia do Auto da Instalação e Elevação da povoação de Piracuruca, então Freguesia de Nossa Senhora do Monte do Carmo, a Cathegoria de Villa. Piracuruca, 17 de outubro, 1871. Fonte: Arquivo Público do Piauí, caixa do município de Piracuruca.

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Fig. 16 – O território pertencente a Piracuruca do século XIX até os dias atuais. Fonte: Base de dados IBGE

No momento da elevação à Vila também tomaram posse os primeiros vereadores, entre eles Pedro de Britto Passos, que contribuiu consideravelmente para sua elevação à vila e posteriormente à cidade, sendo considerado também o primeiro grande urbanizador do local. 55

A Batalha do Jenipapo e a Balaiada Na primeira metade do século XIX, paralelamente à busca por autonomia econômica, política e administrativa, Piracuruca foi agitada por movimentos de cunho nacional que despontaram no Piauí, Ceará e Maranhão e repercutiram na região, exigindo um posicionamento dos piracuruquenses, seja em defesa de uma ideologia ou na proteção de seu patrimônio. Entre esses movimentos destaca-se a Batalha do Jenipapo, que ocorreu no atual município de Campo Maior e foi decisiva para o reconhecimento da independência do Brasil nas regiões Norte e Nordeste, assim como para a consolidação do território nacional.56 Nesse momento Piracuruca, a exemplo de Parnaíba, se insurgiu contra a Coroa Portuguesa e também proclamou a independência em 1823, antes, inclusive, do pronunciamento da capital Oeiras, e em suas terras se deu uma pequena disputa entre oitenta cavaleiros das tropas portuguesas e cinqüenta brasileiros. 57 Poucos anos depois, em 1839, Piracuruca voltou a ser palco de lutas. Desta vez, a iminente invasão dos balaios ameaçou a tranqüilidade da recém criada

55 Ver capítulo “Evolução Urbana” 56 Ver volume “A Ocupação do Piauí durante os séculos XVIII e XIX”. 57 Em . Acessado em 16/04/2007.

29 Vila, fazendo com que os habitantes se mobilizassem contra os possíveis ataques usando até mesmo a Igreja de Nossa Senhora do Carmo como refúgio. No entanto, segundo Bittencourt, a Balaiada foi desarmada antes de chegar a Piracuruca e não causou maiores problemas à população local. 58

A elevação à cidade e os dias atuais Já em 1844 Piracuruca havia sido desmembrada da jurisdição de Parnaíba e elevada à Comarca, com foro e juizado próprios. Essa autonomia político-administrativa se deu quando o ciclo do gado já estava em declínio no Piauí e o extrativismo vegetal e seus derivados assumiam, aos poucos, um papel importante na atividade econômica da região, sobretudo a partir da segunda década do século XIX, contribuindo para incrementar novamente a economia. Nesse contexto, a carnaúba e o babaçu se destacam pela existência de um mercado externo forte59 e pela localização das plantações e indústrias de processamento próximas a rios navegáveis, facilitando o transporte. Isto permitiu a Piracuruca comercializar, com grande sucesso, a cera de carnaúba através do Porto das Barcas, em Parnaíba, para onde era transportado por via fluvial.60 O incremento no extrativismo vegetal contribuiu para consolidar a mudança na geografia econômica piauiense, reforçando o processo de deslocamento do eixo econômico do sul para o norte do estado, iniciado no final do século XVIII, e fez crescer o desejo de que para lá fosse transferida a administração do território. Os rumores da mudança, que vinham desde o século anterior, se concretizaram em 1852 com a mudança da capital, não para Parnaíba, a principal candidata, mas para o centro do território, com a fundação de Teresina. Em 1889, quarenta e três dias após a Proclamação da República, Piracuruca é finalmente elevada à cidade, tendo sido o decreto assinado pelo governador republicano do Piauí, Gregório Taumaturgo de Azevedo.

58 Segundo Bitencourt, a Balaiada foi uma insurreição armada, de origem rural que começou no Maranhão, em 1838 e alastrou-se pelo Piauí e Ceará com derivações para atos de banditismo, pilhagem, vinganças, confrontos partidários e quase nenhuma ideologia. Foi uma revolta popular, um ato de desobediência civil e militar que findou em 1841. BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit. p. 90-92. 59 Os produtos eram exportados para os Estados de Pernambuco, Bahia, Pará e Rio de Janeiro, e de lá para o mercado estrangeiro. Idem. p. 67. 60 Entretanto, apesar do incremento no extrativismo vegetal, até o início do século XX Piracuruca ainda manteve a base de sua economia calcada na pecuária até por volta da década de 1970.

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Fig. 17 - Principais regiões Produtoras de carnaúba no Piauí. Extraído de: http:// www.fapepi.pi.gov.br/ novafapepi/sapiencia5/ imagens/ fotopesquisa3-2.jpg. Acesso em 17/06/2008.

A Estrada de Ferro em Piracuruca Apesar do transporte de mercadorias ser realizado com relativo sucesso através do Parnaíba, o tempo para a realização do trajeto ainda era visto como uma dificuldade, que prejudicava também a comunicação e circulação de informações. Para resolver o problema o transporte ferroviário, discutido sistematicamente pelos políticos piauienses desde o início do século, surgiu como solução e modelo de “modernidade”. Tratado com exacerbado otimismo, o projeto da estrada de ferro piauiense visava, além do comércio internacional da cera de carnaúba e demais produtos do extrativismo vegetal, como o óleo de babaçu e borracha de maniçoba, incrementar a integração do território do Piauí. Reforçava esse discurso, a seca que atingiu o Estado, entre 1905 e 1907, que foi usada como argumento decisivo a favor de sua construção, pois permitiria contornar as dificuldades de abastecimento das partes isoladas do território. Os esforços para sua viabilização começaram a se concretizar com a aquisição dos materiais de construção pela South Railway Construction Ltd e com os serviços de locação e movimento de terras, entre os anos de 1912 e 1915. No

31 entanto, somente após 1915, com a ajuda do governo federal, são autorizadas e efetivamente iniciadas as obras, utilizando mão-de-obra imigrante, sobretudo a dos cearenses, vindos ao Piauí fugidos da seca. O trecho ficou subordinado à direção geral da Rede de Viação Cearense, de cujo sistema faria parte com a denominação de “Ramal de Amarração a Campo Maior”. Somente em 1918, com o desligamento do ramal da Viação Cearense, o sonho piracuruquense de um futuro progressista tornou-se mais próximo, e foi enfim concretizado em 1923, data da inauguração da Estação Ferroviária de Piracuruca e do trecho que a ligava à cidade a Parnaíba, com aproximadamente 148 km de extensão. Posteriormente, com a construção de uma ponte metálica, ligou-se também a Piripiri e avançou em direção ao sul do Estado, chegando a Teresina em 1966.61

Fig. 18 - Estação de Piracuruca. Acervo Anna Finger. Maio de 2007.

Fig. 19 e 20 - Duas vistas da Ponte ferroviária de Piracuruca. Acervo SR/IPHAN - PI. Junho de 2008.

61 Para maiores detalhes sobre a ferrovia no Piauí ver volume “A Ocupação do Piauí durante os séculos XVIII e XIX”.

32 O impacto da Segunda Guerra Mundial Na década de 1930, Piracuruca já era um dos principais centros comerciais do estado, exportador de couro, farinha, rapadura, algodão e, principalmente, cera de carnaúba. Mas a eclosão da Segunda Guerra Mundial abalou o ritmo de seu desenvolvimento, causando uma queda brusca dos preços da cera de carnaúba e, conseqüentemente, uma crise em sua produção. A cidade vê-se, então, obrigada a encontrar alternativas para sua sobrevivência, como a exploração da madeira e a ardósia, pedra conhecida na região como “pedra de piqui” ou pedra de Piracuruca, usada principalmente na construção civil, e voltando-se novamente para a pecuária. Mas a partir da segunda metade do século XX, reforçada com a progressiva desativação do sistema ferroviário, iniciado na década de 195062, Piracuruca deixou de ter uma participação significativa no quadro econômico, social e político do Estado. Sua localização entre dois pólos mais prósperos, Parnaíba e Piripiri, também contribuiu para a estagnação econômica da cidade, situação que persiste até os dias atuais.

62 Os trens de passageiros serviram à estrada até pelo menos 1979. A estrada nunca foi oficialmente erradicada, mas atualmente na maior parte do percurso os trilhos foram arrancados, exceto no trecho entre Altos e Teresina, onde a ferrovia faz parte da ligação Ceará- Maranhão. Extraído de: . Acesso em 24.04.07.

33 EVOLUÇÃO URBANA E ANÁLISE MORFOLÓGICA

Devido à ausência de iconografia, a análise da evolução urbana do Centro Histórico partiu principalmente da observação in loco da situação atual, representada nos mapas em anexo. Apóia-se também na bibliografia existente e no inventário realizado em 1997 pela Fundação Estadual de Cultura e Desporto do Piauí (FUNDEC), atual FUNDAC – Fundação Cultural do Piauí e o Ministério da Cultura – IPHAN/3ªCR. Durante este trabalho foram levantados imóveis e logradouros localizados no entorno imediato das praças Irmãos Dantas, Getúlio Vargas e Santo Antônio e do mercado público. Estas áreas englobam o trecho urbano consolidado até meados do século XX e considerado de importância para a caracterização do patrimônio cultural que se pretende proteger em Piracuruca. As transformações da cidade ao longo de sua história estão ligadas sobretudo a dois momentos econômicos principais, que influenciaram também toda a história do Piauí: a expansão da pecuária do litoral para o interior do país durante os séculos XVII e XVIII, atividade propulsora de sua formação e consolidação como núcleo urbano; a industrialização e comércio da cera de carnaúba no início do século XX, que favoreceu a instalação da ferrovia no Piauí e também em Piracuruca, influenciou sua expansão urbana e facilitou a comunicação com os demais municípios do Estado. Fora desses dois momentos específicos, Piracuruca manteve um lento desenvolvimento urbano e sócio-econômico, similar aos dos demais municípios de pequeno porte do estado. Esta situação foi influenciada ainda pela localização geográfica pouco privilegiada, entre Parnaíba e Piripiri, dois pólos mais prósperos, o segundo iniciado no século XX. Entretanto a cidade diferencia-se destes municípios pela preservação de seu acervo arquitetônico e urbanístico, de significativo valor histórico e cultural, através do qual é possível compreender melhor a história não apenas do Piauí, mas de toda a região nordeste do Brasil.

O início do assentamento populacional Até o início do século XVIII as povoações existentes no território do atual Piauí ainda não constituíam núcleos urbanos definidos, mas pequenos agrupamentos populacionais surgidos a partir de fazendas de gado, que por sua vez encontravam-se dispersas por todo o território. O modo de vida rural, aliado às grandes distâncias, aos constantes conflitos com os indígenas, à rusticidade das casas de fazenda63, às dificuldades impostas pelo ambiente do sertão e aos interesses dos primeiros desbravadores não havia possibilitado, até esse momento, o surgimento de núcleos com características urbanas propriamente ditas. O acervo arquitetônico originado neste contexto, urbano e rural, limita-se às circunstâncias do meio físico e da ocupação do

63 Conforme se verá a seguir, as casas de fazenda piauienses eram construções bastante rústicas, caracterizadas pela simplicidade e pelas adaptações ao clima, à localização, ao sítio e aos materiais disponíveis.

34 território pelos criadores de gado, que retardaram o desenvolvimento das aglomerações urbanas e o surgimento de sítios e obras com características monumentais e de maior apuro técnico como as dos sítios de São Luís e Alcântara... A rusticidade da vida no sertão dominado pela atividade pecuária originou um padrão arquitetônico despojado nas cidades que viveram seu apogeu durante o ciclo do gado. Alguns imóveis, em Oeiras, diferenciam-se apenas por haver sido a cidade capital da capitania e posteriormente da província até a mudança da capital para Teresina, no século XIX. 64 A partir da segunda metade desse século é que essas povoações começaram a adotar um plano urbanístico melhor definido, imposto pela Coroa Portuguesa através da Carta Régia de 1761. As medidas de elevação das freguesias à condição de Vila e as determinações quanto à sua forma urbana tinham o objetivo principal de garantir a posse do território brasileiro, ameaçado pelas freqüentes invasões estrangeiras. Buscou-se para tanto efetivar uma política de controle da Colônia através da ocupação do interior do território, evitando o crescimento independente e descontrolado dessas povoações65. Os relatos desta época são escassos e se referem, em sua maioria, à Igreja de Nossa Senhora do Carmo e à densidade populacional do local.66 Supõe-se, no entanto, que o primeiro agrupamento populacional tenha sido implantado no entorno dessa Igreja, cuja construção teve início por volta da década de 1720. É provável que sua construção, por demandar um grande número de operários, tenha funcionado como elemento agregador, atraindo um certo número de pessoas que teriam vindo se instalar próximas à obra, tanto para trabalhar diretamente na construção como para prestar serviços complementares a estes operários. Implantada com a fachada voltada para o Rio Piracuruca, apesar de um pouco afastada dele, segue a tradição lusa, mesmo sendo o sítio plano e não dispondo de uma “acrópole”. Em frente a ela foi delimitado um grande largo quadrangular e simétrico, cujo casario, implantado no alinhamento dos lotes, pressupõe um planejamento urbano desde o momento de sua construção. Conforme analisado anteriormente, a elevação da freguesia de Piracuruca à condição de Vila foi tardia em relação às demais mencionadas na Carta Régia de 1761, tendo ocorrido apenas em 1832, mais de meio século após a determinação. Esta Carta dava diretrizes claras quanto ao estabelecimento dos lotes e arruamento “em linha reta”, ou “à régua”, visando garantir uma disposição ordenada e em alinhamento das moradias, assim como exigia que as edificações tivessem o mesmo estilo de fachada, para dar uniformidade e harmonia ao conjunto. Como a então freguesia aspirava sua elevação à Vila, é

64 FIGUEIREDO, Diva Maria Freire. Os sítios históricos do Piauí no panorama da preservação do Patrimônio Cultural no Brasil. In Apontamentos para a histórica cultural do Piauí. Teresina: FUNDAPI, 2003. pág. 404 65 DELSON, Roberta Marx. Op. Cit. 66 Uma das principais fontes é o relato, datado de 1762, do então Governador da Província João Pereira Caldas, quando de sua visita às várias povoações do Piauí, optando por não atender de imediato a determinação da Carta Régia de elevar a freguesia de Piracuruca à condição de Vila em função da pequena população e de seu baixo desenvolvimento econômico. IPHAN, 19ªSR- PI. A Casa da Antiga Intendência de Piracuruca – Proposta de Tombamento. Op. Cit.

35 de se supor que mesmo não tendo sido oficialmente elevada, tenha seguido tais diretrizes. Segundo Porto67, em 1762 a freguesia de Nossa Senhora do Carmo da Piracuruca contava com cerca de 2.349 habitantes e 330 edificações, um número bastante razoável para uma pequena freguesia, sobretudo se comparada a Testa Branca, que na época não contava com mais de 4 habitações e cerca de 20 pessoas e onde o Governo insistiu em instalar a vila de São João da Parnaíba, visando atrair a população maior que se concentrava em volta das charqueadas do Porto das Barcas. Existia, desta forma, número suficiente de habitações para conformar um assentamento populacional organizado, e de fato observa-se que, no entorno da Praça Irmãos Dantas, as ruas e o casario que a circundam seguem precisamente as disposições definidas pela Carta.68 Segundo Silva F., as quadras situadas entre o largo da Igreja, atual Praça Irmãos Dantas, e o Rio Piracuruca, de perímetro considerável, configuram-se possivelmente como as mais antigas, pois diferem das quadras implantadas no entorno da Igreja: (...) as quadras laterais e aos fundos da Matriz parecem decorrentes desse parcelamento mais recente. São as menores e condicionadas à dimensões da quadra da Igreja. O ponto de referência desse parcelamento está nitidamente estampado na própria quadra da Matriz, onde as quadras laterais seguem o comprimento do terreno da Igreja e as de fundo a sua largura, configurando uma cruz. No primeiro caso, ao que tudo indica, as edificações determinaram o logradouro e no segundo, os logradouros determinaram os prédios.69

Distinguem-se assim dois tipos distintos de parcelamento, decorrentes provavelmente de dois momentos de expansão urbana: o primeiro a partir do largo em frente à Matriz e em direção ao Rio Piracucura70, e o segundo em direção aos fundos da igreja e condicionado por este edifício:

67 PORTO, Carlos Eugênio. Op. Cit. p. 70. 68 Segundo informações do vigário Antônio José Sampaio, pouco tempo depois a população de Piracuruca teria aumentado para 7.315 pessoas, sem que, no entanto, sua estrutura urbanística tenha sido consideravelmente alterada. Apud PEREIRA DA COSTA, Francisco A. Op. Cit. p.204. 69 SILVA F., Olavo Pereira da. Inventário de proteção do acervo cultural do Piauí IPAC/PI - Piracuruca. In Inventário e Estudo de Proteção de Conjuntos Urbanos do Piauí. Volume IV. Teresina: 1997 70 Em 1917 uma grande cheia no Rio Piracuruca destruiu parte das casas situadas próximas ao seu leito, representando uma grande perda para a cidade, pois por ser uma das mais antigas, esta área abrigava várias edificações de importância para a história da cidade. Esta cheia é assim descrita por Tote Machado: “(...) durante os trinta anos que aqui resido, nunca tinha visto o rio com igual porção d’água; muitas casas caíram (...)”.In: BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit. p. 144. Após este episódio, Machado, então Intendente Municipal, ordenou a construção da primeira barragem para represar as águas do Rio Piracuruca, concluída em 1924.

36 N

Fig. 21 - Ampliação de trecho da área central de Piracuruca. Sem escala. Elaborado pela equipe técnica da SR/IPHAN-PI.

Legenda: Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo Praça Irmãos Dantas Primeiro parcelamento, a partir da praça em direção ao Rio Piracuruca. Segundo Parcelamento, condicionado pela implantação da Igreja.

As primeiras expansões urbanas Após a consolidação de seu arruamento inicial no entorno do largo da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Piracuruca manteve um crescimento lento, pautado principalmente na substituição das edificações existentes. Somente a partir do fim século XVIII, empenhada em finalmente ser elevada à vila, é que a cidade dá os primeiros passos no sentido de uma expansão urbana, cabendo a Pedro de Britto Passos o papel de “urbanizador”.71 No intuito de atrair o maior número possível de habitantes em Piracuruca, Passos decide, por conta própria, comprar terras, construir casas, dividi-las em “quintas” e realizar a doação das mesmas aos novos habitantes. Ele foi

71 Segundo Bittencourt, já morando na sede da Freguesia e sabendo de sua não elevação à condição de vila, Pedro de Britto Passos deu o ponta-pé inicial para seu crescimento populacional e urbanístico, tendo comprado terras e mandado erguer casas e dividi-las em quintas para atrair, dessa forma, novos habitantes para a futura vila. BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit. p.78.

37 ainda o responsável pela definição dos espaços destinados às demais praças da cidade, que configuram o atual Centro Histórico. Nesta área predominavam lotes longos, com testadas para os lados opostos da quadra, e com as edificações implantadas no alinhamento de uma das laterais do terreno e os fundos servindo como quintal. Este tipo de implantação gerava espaços de caráter “nobre”, para os quais os edifícios eram voltados, praças ou ruas principais, e ruas dominadas por muros praticamente sem aberturas, secundárias, com caráter local e de serviço.72 Em 1832, quando foi elevada à condição de Vila, cerca de um século após o início da construção da Igreja de Nossa Senhora do Carmo e mais de setenta anos após a edição da Carta Régia de 1761, Piracuruca foi assim descrita pelo então Presidente da Câmara Tenente-Coronel Gervásio de Britto Passos: Aspecto Geral Ao lado do leste é o município composto de extensos carrascos próprios para creação do gado bovino. Ao oeste é composto de várzeas e bosques, e o mesmo se nota ao norte e sul. Topografia Esta vila é situada a margem direita do rio Piracuruca, com extensa colina accidentada, que se estende de norte á sul. Consta ella de trez largas ou praças e treze ruas com cento e tantas casas cobertas de telhas. A construção é em geral sólida e elegante, as ruas bem alinhadas, conservando-se sempre limpas ellas e as respectivas praças, as quais se achão arborisadas com a conveniente simetria. Todas as casas são térreas, notando-se, porém algumas mui elegantes, e contruidas pelo gosto moderno. Os edifícios públicos são: A igreja matriz, sólido e magestoso edifício constituido no anno de 1743, por operarios europeus, vindos especialmente para esse fim. O edifício é construído com pedra lavrada, tendo exterior e interiormente, no peristillo de entrada lindas collunatas de pedras com bonitos lavores. (...)73

Estas três praças, descritas por Britto Passos, são provavelmente as atuais praças Irmãos Dantas, Santo Antônio e Getúlio Vargas, todas situadas no entorno imediato da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. A menção ao “gosto moderno” em relação às casas, provavelmente se refere às suas características arquitetônicas, que seguiam o disposto na Carta Régia quanto à

72 Atualmente, com a valorização das áreas centrais, é freqüente o desmembramento destes lotes e a construção de uma segunda edificação aos fundos, voltada para a rua oposta, causando um adensamento populacional na região do Centro Histórico. 73 Descrição que figurou na Exposição de História do Brasil de 2 de dezembro de 1881, enviada pelo Presidente da Câmara Tenente-Coronel Gervásio de Britto Passos. Cópia extraída do original, pertencente à seção de manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro pelo Dr. Hermínio de Moraes Britto Conde, e por este oferecida, em 13 de maio de 1931, ao Archivo Publico e Biblioteca do Piauhy.

38 implantação “em linha reta” e no alinhamento do lote, adotando assim características nitidamente urbanas. Até por volta do final da década de 1830, antes de sua elevação à Vila, a área urbana de Piracuruca se mantinha praticamente restrita aos seguintes limites: ao sul, o Rio Piracuruca, visto inclusive como um divisor de classes sociais, pois durante muito tempo rejeitava-se a idéia de urbanizar a outra margem, ocupada por uma população de classe baixa74; ao norte e ao oeste, as terras mais altas, que durante décadas pertenceram “às terras da Santa”75; e a leste, regiões baixas por onde corriam dois riachos afluentes do Rio Piracuruca, regiões alagadiças que formavam barreiras naturais contra a expansão nesta direção. Em 1833, a paisagem da recém-criada vila já aponta os primeiros vetores de expansão urbana, em virtude do crescimento populacional e pela sua própria condição político-administrativa, após a elevação. Um destes vetores foi a antiga Rua da Goela, atual Rua João Martiniano, que ligava a Igreja de Nossa Senhora do Carmo ao Cemitério Público Campo da Saudade76, construído em 1856, na época fora dos limites da cidade. Com a transferência de restos mortais dos sepultados do interior da Igreja para o cemitério, criou-se um novo espaço de devoção junto à população que direcionou a expansão urbana neste sentido.

74 Até a década de 80 do século XX, o Bairro Guarani era referido apenas como “o outro lado do rio”. 75 Sobre a “questão da Santa”, ver capítulo “A Igreja de Nossa Senhora do Carmo” 76 O cemitério foi construído por iniciativa da Confraria de Nossa Senhora do Carmo, existente desde 1784. Foi utilizado durante décadas, até ser desativado em meados do século XX, por excedente de lotação. A construção do cemitério Campo da Saudade representou uma mudança de costume para a época, pois até aquele momento enterravam-se os mortos dentro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. A posição social definia o local que o morto seria sepultado: quanto mais perto do altar, maior era o preço a ser pago pelo enterro. Entretanto, em Piracuruca, os sepultamentos no interior da Igreja do Carmo continuaram ainda a ocorrer, ocasionalmente, até 1858. Outro local onde se fazia os sepultamentos era o Cemitério Cruz das Almas, do outro lado do Rio Piracuruca – atual Bairro Guarani – onde foram feitos sepultamentos até 1870.

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Fig. 22- Rua João Martiniano, que parte da frente da Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo, ao fundo da foto, e segue até a entrada do Cemitério. Acervo Anna Finger, maio de 2008.

Fig. 23 - Rua João Martiniano, com o fundo mostrando a entrada do Cemitério, cujo portal situa-se no ponto focal do logradouro. Na foto observa-se ainda o edifício do Sindicato Rural Patronal (Rua Coronel Joaquim Onofre de Cerqueira, nº 365), incluído na proposta de tombamento por sua importância paisagística, pois emoldura a perspectiva da rua a partir da Igreja. Acervo Anna Finger, maio de 2008.

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Fig 24 - Entrada do cemitério Campo da Saudade. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006.

Apenas no final do século XIX, com o início da exploração da Carnaúba e quando a cidade entra em um segundo momento de prosperidade econômica, é que esta expansão se intensifica. Então, podem ser identificadas áreas com características morfológicas distintas das quadras mais antigas, situadas no entorno imediato da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em relação ao macro e micro parcelamento. Também neste momento se intensificaram as substituições das edificações coloniais no entorno da Praça Irmãos Dantas por edificações ecléticas, com implantação diferenciada, ou a “ecletização” das fachadas com a inserção de elementos como platibanda, pilastras, pináculos, entre outros, o que modificou consideravelmente o aspecto da área. Em 1889, quando foi elevada à categoria de cidade, a cidade é assim descrita por Anísio Brito: “Piracuruca há muito merecia esta honraria [...]. Pois nenhuma cidade a ela se iguala em beleza, em boa escolha do local, em limpeza de suas ruas rigorosamente alinhadas e lindas praças.” 77 As dificuldades advindas da seca que assolou a cidade nos anos de 1905 e 1907 não estagnaram seu desenvolvimento urbano. Por volta de 1909, já existiam em Piracuruca passeios pavimentados, numeração de imóveis, a delimitação do grande largo defronte à Igreja de Nossa Senhora do Carmo, além de uma ponte sobre o Rio Piracuruca78, que facilitou o acesso à sua margem esquerda e impulsionou a ocupação desta região.

77 BRITTO, Maria do Carmo Fortes de. Op. Cit. p. 164. 78 Construída em 1905 pelo Intendente de Piracuruca, Pedro Melquíades de Morais Britto. Anos mais tarde, no governo de Adelino Fortes de Melo, foi descaracterizada, tendo sido suas pilastras elevadas para receber um reforço em concreto para elevação do vão.

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Fig 25 e 26 – Duas imagens da Ponte Velha em sua configuração original. Fontes: Acervo Maria do Carmo Fortes de Britto. Sem data, e SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaúba, Pedra e Barro na Capitania de São José do Piauhy. Volume III – Urbanismo. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007.

Fig. 27 - Ponte velha atualmente. Sobre os pilares em alvenaria de pedra foi acrescentada uma base em concreto, que elevou a altura da ponte. Acervo Anna Finger. Maio de 2008

O século XX O ciclo da Carnaúba substituiu o gado como atividade principal, mas não a suplantou de todo, continuando esta como atividade secundária. Mas, com a prosperidade oferecida pelo novo produto e o enriquecimento de parte da população, a cidade entra em um novo período de crescimento. No início do século XX, a cera de carnaúba ganhou destaque no mercado nacional e internacional, e para facilitar o escoamento de sua produção foi construída uma estrada de ferro interligando as cidades do norte do Estado a Parnaíba, de onde a produção era exportada79. A construção da Estação

79 Ver volume “A Ocupação do Piauí durante os séculos XVIII e XIX”, capítulo “A ferrovia no Piauí”.

42 Ferroviária, em 1923, representou um novo marco referencial para Piracuruca, e de tão ansiada sua inauguração, em 19 de novembro, foi marcada com uma grande festa: Nas vésperas da inauguração da estrada de ferro a cidade apresentava movimento nunca visto com o transito de milhares de pessoas, cada qual mais anciosa pelo alvorecer do dia 19 consagrado à bandeira nacional e especialmente escolhido para o grandioso facto. Todos os municípios visinhos se apresentaram pela elite de sua gente. Parnahyba, Peripery, Campo Maior, Pedro Segundo, Batalha, Boa Esperança, Burity dos ‘Lopes, Amarração, Barras enviaram delegações especiais, que confraternizaram com os piracuruquenses, na mais intensa vibração de patriotismo.80

O prédio da Estação foi implantado próximo ao Rio Piracuruca, relativamente afastado do centro da povoação. Seria de se esperar a formação de um novo vetor de expansão neste sentido, entretanto pelas características alagadiças da área entre a Praça Irmãos Dantas e a Estação, cortada por dois córregos, a região permanece até hoje com baixa densidade de ocupação.

Fig. 28 – Foto aérea com sobreposição da área proposta para tombamento e entorno. Em destaque também a Estação Ferroviária e a Ponte Metálica. Acervo SR/IPHAN - PI

80 Jornal “O Piauhy”, de 27 de novembro de 1923.

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O ciclo da carnaúba não representou uma melhor distribuição do poder econômico entre as classes sociais, mas contribuiu consideravelmente para o desenvolvimento da infra-estrutura da cidade. Datam deste período diversas melhorias como a regularização e o calçamento das vias - a primeira região calçada da cidade foi a Praça Irmãos Dantas, cuja obra data de 1942; a abertura de novas ruas para facilitar o trânsito dos primeiros automóveis; a implantação de três escolas públicas e duas particulares81; a melhoria nas residências e a instalação de mobiliário urbano.

Fig. 29 – Praça Irmãos Dantas antes do calçamento das vias, ocorrido em 1942. Fonte: Acervo Maria do Carmo Fontes Britto, sem data. Fig. 30 - Detalhe do Calçamento em lajeado de pedra. Acervo SR/IPHAN-PI, junho de 2008.

81 A principal delas era o Grupo Escolar Fernando Bacellar, atualmente chamada de Unidade Escolar Anísio Brito.

44 Fig. 31 - Grupo Escolar Fernando Bacellar, atualmente chamada de Unidade Escolar Anísio Brito, construída em 1933. Acervo SR/IPHAN-PI, junho de 2008.

Entre os anos de 1929 e 1932, por iniciativa do então Intendente Municipal Luís de Britto Melo, neto de Pedro de Britto Passos, o antigo sistema de iluminação a gás, existente desde 1913, foi substituído por um sistema de energia elétrica movido a gerador. O motor inglês era movido à lenha e funcionou durante algum tempo no prédio da Antiga Intendência, sendo depois transferido para um local próximo ao rio, onde funcionou por mais 30 anos. Atualmente, está em exposição na praça em frente a este edifício, construído na década de 40 e conhecido como “Prédio da Antiga Usina”, que abriga a Secretaria de Cultura do município.

Fig. 32 e 33 - Prédio da Antiga Usina e o motor inglês, hoje exposto na Praça José Morais. Acervo SR/IPHAN-PI, junho de 2008. Os progressos alcançados nos anos de 20 e 30, contabilizados como “auspiciosos”, também se refletem na diversidade de produtos e artigos industriais que a cidade passou a consumir e nas novas idéias e concepções que influenciaram a formação da elite governante composta, sobretudo, por proprietários rurais e comerciantes. Estes passaram a construir suas casas segundo os costumes e moldes europeus copiados de revistas vindas do Rio de Janeiro, compondo assim uma paisagem urbana bastante diversificada:

45 Nesse sentido, a valorização atingida pela produção carnaubeira, ao permitir um fluxo novo e inesperado de capitais, possibilitou à cidade, tanto pela ação do poder público, quanto os indivíduos assim considerados, a instalação, no seu espaço, de toda uma simbologia modernizadora, realizando-se, com isso, um certo desejo dos sujeitos, que assim agiam, de transformar o seu espaço urbano em um ambiente familiar ao mundo, adequando-se a uma proposta de progresso e de urbanização que se exprimia através de obras públicas, como novas ruas, praças, avenidas, iluminação elétrica e outras, além de tudo, aquilo que, adquirido por particulares, expressava também o sentido do progresso: automóveis, bicicletas, vitrolas, motocicletas, e outros.82

Segundo Bittencourt83, pelo livro de publicação da lei orçamentária do Município, de 1927, também existiam na cidade diversos estabelecimentos que denotavam uma prosperidade comercial como em poucas cidades do Piau: escritórios de exportação; advogados; companhias de seguro; boticas; bancas de revistas e jornais; joalheria; pensão; oficinas mecânicas para artífices; saboarias; ferreiro; destilaria; padarias e moinhos de milho e arroz. A construção do novo Mercado Público, entre os anos de 1939 e 1942, em substituição ao anterior, influenciou o caráter do espaço onde foi instalado. Ele foi responsável pela transferência de toda atividade de comercio in natura de vegetais e carnes dos arredores da Igreja de Nossa Senhora do Carmo para esta região, e seu entorno concentra até hoje a principal área comercial da cidade.

Fig. 34 - Mercado Público. Acervo: Anna Finger, maio de 2008.

Acerca do primeiro Mercado Público de Piracuruca existem poucas informações. Segundo Bittencourt84, ele teria funcionado à Rua da Goela, em quadra das proximidades da Praça Irmãos Dantas, no local posteriormente ocupado pelo “Cortiço de D. Bibita”. Um documento datado do final do século

82 AVELINO, Jarbas Gomes Machado. Análise das Repercussões do Ciclo da Carnaúba nas Dimensões Econômica e Sócio-Cultural em Piracuruca. Monografia apresentada ao curso de Licenciatura Plena em História, como requisito para obtenção do Diploma de Licenciatura Plena em História. Teresina: Universidade Estadual do Piauí, 2002. 83 In: BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit. p. 152. 84 Idem.

46 XIX menciona o edifício e também outros equipamentos como um matadouro e uma casa de pólvora: (...) A casa de mercado público, cituada na respectiva praça, foi construído a expensas da Câmara Municipal. Ali existe os talhos de carne verde, e expõe-se a venda os ceriaes que vem do interior do município, para o consumo público. Existe mais uma casa para depósito de pólvora, também construída as expensos da Câmara, em lugar apropriado. O matadouro público também é construído as expensos da Câmara, constam de dois curraes solidamente construídos, seguros à chave, com pátio na frente, aonde se abatem as rezes destinadas ao consumo da população. (...)85 Em um segundo momento, o mercado teria funcionado num terreno no entorno da atual Praça Getúlio Vargas, atrás da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, próximo ao atual Mercado. Esse afastamento progressivo da atividade comercial dos arredores da Praça Irmãos Dantas, reforça a tendência cada vez maior deste logradouro ao caráter institucional e residencial. Na década de 1940, auge das exportações de derivados da carnaúba, Piracuruca viveu seu principal momento de expansão urbana, quando surgiram os primeiros sobrados e casas com jardim frontal e recuos laterais e um aumento no emprego de novos materiais e técnicas construtivas. Os edifícios coloniais de cobertura em duas águas foram substituídos por sobrados com telhados recortados, paredes decoradas com pintura em mosaico e equipados com instalações hidráulicas e sanitárias.86 Essas novas tipologias habitacionais tentavam seguir a estética em voga na época. Foram comuns também as intervenções nas fachadas das residências antigas, adequando-as ao gosto eclético e art-déco. O desejo por casas maiores, demonstrando o status de seus proprietários, exigia um maior dimensionamento das quadras. Assim, as novas ruas seguem o traçado retilíneo ortogonal da malha consolidada, mas as quadras possuem agora dimensões bem maiores se comparadas ao núcleo original, próximo à Praça Irmãos Dantas, mas configuram-se ainda pela divisão em lotes profundos, de face a face das quadras.87 Desta época, destacam-se alguns edifícios, entre eles a Escola Anísio Brito e o Mercado Público, ambos programas arquitetônicos pertencentes a uma política pública nacional do Estado Novo, disseminada pelos municípios de todo país, bem como alguns palacetes localizados na Praça Getúlio Vargas. O art-déco deixou um legado menor, com destaque para o Clube Recreativo. Após a Segunda Guerra Mundial a carnaúba perdeu grande parte de seu mercado interno e externo e a cidade entrou em um novo período de estagnação. Mas, a partir da década de 1970, assim como aconteceu em

85 Fonte: Arquivo Público do Piauí. 86 Até a época do ciclo da carnaúba, as residências não contavam com banheiros internos. A construção de banheiros com duchas e caixas de descarga alterou significativamente os hábitos da casa e conforto domestico. 87 Apesar da tendência ao parcelamento do lote e construção de uma nova edificação nos fundos, voltada para a rua posterior, esta divisão ainda é perceptível em grande parte do Centro Histórico.

47 grande parte das cidades brasileiras, o grande êxodo rural provocou a migração da população para a zona urbana, em busca de possibilidades que o campo já não oferecia, invertendo a situação. A cidade, que até aquele momento estava praticamente restrita aos arredores do Centro Histórico, entrou em uma fase de expansão acelerada de sua área urbana, ocupando hoje uma extensão territorial bem maior que este centro, que levou duzentos anos para se consolidar. Nesta época, verificam-se os adensamentos na margem oposta do rio, acompanhando a linha férrea e do outro lado, acompanhando a BR-343, de acesso a Teresina. Mas estas regiões diferem do núcleo mais antigo pela largura das vias, tamanho das quadras e dos lotes. Segundo informação88, é do final da década de 60 do século XX, o alargamento da Avenida Aurélio Brito, que liga a Praça Irmãos Dantas, por meio da Rua Senador Gervásio, ao anel viário da BR -343, a grande modificação na morfologia urbana da cidade, que tangencia o Centro Histórico.

Fig. 35- Foto aérea, na qual se destaca a Avenida Aurélio Brito, que liga a BR-343 à Praça Irmãos Dantas e as ocupações diferenciadas às margens do rio, da ferrovia e da BR-343, posteriores à década de 50. Acervo SR/IPHAN – PI, 2007.

88 Informação fornecida pelo historiador de Piracuruca, Iran de Brito Machado, no dia 25-11- 2008, funcionário da Secretaria de Agricultura Municipal.

48 Voltada para a Av. Aurélio Brito, outra fragmentação do tecido urbano foi provocada pela construção recente da Estação Rodoviária de Piracuruca. Esta edificação possui características edilícias e de implantação totalmente estranhas ao contexto histórico da vizinhança, ocupando meia quadra a dois quarteirões da Praça Irmãos Dantas. O mesmo ocorre com as edificações do outro lado desta Avenida, na quadra em frente à Rodoviária, que surgiram com o alargamento deste logradouro, no final da década de 60 do século XX.

Fig. 36 e 37- Fotos aéreas mostrando as quadras do centro histórico próximas ao Rio Piracuruca e a Rodoviária na Avenida Aurélio Brito. Acervo SR/IPHAN-PI, 2007.

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Desde a década de 1980, com o incremento da exploração da ardósia, da madeira, da prestação de serviço e do comércio varejista, a cidade tem acelerado o ritmo de crescimento, o que tem provocado as recentes rupturas do tecido urbano. Este crescimento pode trazer como conseqüência, maiores riscos à conservação do patrimônio histórico e cultural do seu núcleo original.

Fig. 38 – Foto aérea mostrando a BR-343, no primeiro plano, cortando o rio Piracuruca. Em seguida, o anel viário e Avenida Aurélio Brito, que leva à Praça Irmãos Dantas, no coração do Centro Histórico da cidade. Acervo SR/IPHAN – PI, 2007.

Mesmo com a expansão urbana, o núcleo antigo permanece como centro da cidade, e ainda mantém seu acervo arquitetônico e urbanístico preservado, apesar de não ter recebido investimentos específicos neste sentido. Entretanto, o interesse de visitação enquanto roteiro cultural ainda é pequeno. A cidade acaba, então, servindo apenas como um ponto de passagem para quem se desloca para o litoral ou ao Parque Nacional de Sete Cidades.

50 ANÁLISE DA ARQUITETURA CORRENTE NO CONJUNTO

Conforme analisado, o núcleo populacional que deu origem à atual cidade de Piracuruca data do início do século XVIII, ainda no período colonial brasileiro. Ao longo de sua história, por ter apresentado um crescimento urbano lento, Piracuruca guarda exemplares arquitetônicos tradicionais e representativos de todos os períodos históricos pelos quais passou, desde o colonial, passando pelo ecletismo e art-déco e chegando até o modernismo, já em meados do século XX. A arquitetura colonial piauiense sofreu influência direta do Maranhão e da Bahia, uma vez que pelo Piauí passavam os principais caminhos de ligação terrestre entre suas capitais. As edificações mais antigas caracterizam-se pela simplicidade, tanto nas casas rurais quanto nas urbanas. Uma arquitetura de características acolhedoras, herdadas das casas sertanejas piauienses, que não seguiram à risca os preceitos estéticos e funcionais vigentes na época, mas adaptaram-se a um clima quente e árido. A arquitetura urbana de Piracuruca foi em grande parte influenciada pelas casas de fazenda típicas do Piauí. Estas construções eram caracterizadas pela simplicidade, pelas adaptações ao clima e pelo uso de materiais e técnicas construtivas regionais. Apresentavam grandes varandas abertas, envolvendo toda a habitação, o que facilitava a ventilação, enquanto espessos guarda- corpos em alvenaria impediam a incidência direta de radiação solar. Barreto compara a concepção arquitetônica diferenciada adotada no Piauí e Maranhão em relação à varanda em função do clima: No Piauí, onde o clima é mais quente e sujeito a poucas chuvas, as varandas são sistematicamente abertas. [...], o pé- direito da varanda diminui sensivelmente; e, muitas vezes a parte mais baixa do telhado tem 1,60 de alto. Além disso, o piauiense é obrigado a arborizar o seu terreno, ao longo de toda a varanda e correr. É forçado a criar o máximo de sombra. As varandas e os quartos que com estas têm comunicação direta são os melhores e os mais agradáveis cômodos da casa piauiense.89

89 BARRETO, Paulo Thedim. Op. Cit. p. 205.

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Fig. 39 - Casa da Fazenda Chapada. Extraída de: SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaúba, Pedra e Barro na Capitania de São José do Piauhy. Volume I – Estabelecimentos Rurais. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007.

Fig. 40 – Varanda das casas rurais. Extraída de: SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaúba, Pedra e Barro na Capitania de São José do Piauhy. Volume I – Estabelecimentos Rurais. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007.

52 Quando transpostas para o meio urbano, as edificações sofreram adaptações para atender às determinações da Carta Régia de 1761: (...) a obrigação de que as ditas casas sejam sempre fabricadas na mesma figura uniforme, pela parte exterior, ainda que na outra parte interior as faça cada um conforme lhe parecer.90

Fig. 41 e 42 - Casario de uma das laterais da Praça Irmãos Dantas. Acervo SR/IPHAN-PI, sem data.

90 Idem. p 195.

53 O casario foi implantado no alinhamento dos lotes e externamente formava um cenário de aspecto uniforme e monótono, como era costume nas vilas coloniais brasileiras de então. Entretanto, guardaram elementos oriundos das casas de fazenda, como a horizontalidade, o pé-direito baixo, as paredes internas de meia altura, que facilitavam a ventilação em todos os cômodos. Quanto às varandas, diante das exigências da realidade urbana permanecem só nos fundos da edificação, voltadas para o quintal. O imóvel localizado na Rua Dr. Resende nº 957 e 965, na Praça Irmãos Dantas, é um bom exemplo desse tipo de edificação. Ali o pé-direito da varanda atinge 1,40m no ponto mais baixo. Como a instalação dos equipamentos da administração pública em Piracuruca se deu tardiamente, o núcleo urbano original, constituído no entorno da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, compreendia inicialmente quase que só edificações residenciais, adotando o partido de “meia-morada” ou “morada- inteira”91, utilizados em São Luís, com fachada caracterizada por porta central e janelas laterais. Entretanto, segundo Barreto, o pé-direito marca a diferença entre as habitações do Piauí e Maranhão: “A morada inteira, esparramada, é a casa do Piauí: cômodos maiores, paredes mais grossas; tudo aumenta e se abaixa. A morada inteira no Maranhão é vertical, no Piauí – horizontal”.92

Fig. 43 – Edificação tipo “morada inteira” em Piracuruca. Acervo SR/IPHAN-PI, sem data. Fig. 44 – Edificação colonial em São Luis, Maranhão. Acervo Maria Regina Weissheimer, sem data.

Estas edificações costumavam apresentar simetria nas fachadas e na disposição dos cômodos: a porta principal dava acesso a um corredor central, nos casos de “morada inteira”, ou lateral, nos casos de “meia-morada”, responsável pela ligação da rua com a varanda aos fundos, com cômodos em um ou ambos os lados formando “alcovas”, que não recebiam iluminação natural. As divisórias internas que delimitavam o corredor e os cômodos, geralmente ortogonais em relação às fachadas, por vezes elevavam-se até a

91 Segundo a definição de REIS FILHO, Nestor Goulart. Op. Cit. 92 BARRETO, Paulo Thedim. Op. Cit. p. 203.

54 cumeeira, dando-lhe sustentação, mas muitas vezes configuravam-se como paredes de meia altura, que além de ter um menor custo, facilitavam a ventilação. Esta disposição gerava uma planta retangular, e os anexos - serviços e a cozinha - eram instalados aos fundos. As coberturas possuíam em geral duas águas, com cumeeira paralela à rua e beirais pequenos, com acabamento predominante em bica simples ou a beira-seveira.

Fig. 45 - Planta da edificação colonial situada à Rua Dr. Resende, na Praça Irmãos Dantas, correspondente á classificação de “morada-inteira” definida por Reis. Produzida pela equipe técnica da SR/IPHAN-PI, 2007.

Fig. 46 - Elevação da edificação à Rua Dr. Resende, nº 957 e 965. Apesar de haver sido sub-dividida e ter uma das janelas sido convertida em porta, preserva ainda grande parte de suas características originais. Fonte: Arquivo SR/IPHAN-PI, 2006.

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Fig. 47 – Foto, planta e corte de uma edificação do tipo “meia-morada”. Extraída de: SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaúba, Pedra e Barro na Capitania de São José do Piauhy. Volume II – Arquitetura Urbana. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007.

As plantas apresentavam pequenas variações, como a posição dos anexos, formando um “L” ou “U”, mas em geral não incorporavam inovações técnicas nem criavam novas formas urbanas, configurando-se mais como ampliações das formas tradicionais, através de um rebatimento da planta pelo seu eixo longitudinal. O emprego de materiais e técnicas construtivas típicos da região era comum em todo o Estado do Piauí entre o século XVIII e início do XX, em função da dificuldade de obtenção de outros materiais. Um exemplo dessa tradição é a utilização da carnaúba em estado bruto na estrutura dos edifícios e madeiramento dos telhados. Segundo Castro, tanto o Ceará quanto o Piauí utilizavam este material nos telhados, mas com soluções arquitetônicas diferenciadas: [...] o uso de caibros avantajados com o aspecto de linhas, a rigor, fustes roliços empregados sem beneficiamento (solução desconhecida no Ceará). E acabaria por perceber que essa particularidade nada mais é do que reminiscência construtiva

56 de origem portuguesa, comum no Alentejo, embora resolvida no Piauí com outras madeiras.93

Fig. 48 – Estrutura de telhado feita com troncos de carnaúba. Extraída de: SILVA F., Olavo Pereira da. Carnaúba, Pedra e Barro na Capitania de São José do Piauhy. Volume I – Estabelecimentos Rurais. Belo Horizonte: Ed. do Autor, 2007.

Dentro do próprio estado do Piauí existiam diferenças na utilização desse material. Segundo Silva F., em Oeiras era comum encontrar tesouras de carnaúba, enquanto que em Piracuruca elas eram usadas como caibros corridos, em casas de beirais simples ou com beira seveira, e nos casos de edificações que possuíam cornijas, com o uso de cachorros.94 Se o partido arquitetônico e as soluções técnicas sofreram adaptações às condições locais, o mesmo não pode ser dito das fachadas. Estas seguiam rigorosamente a mesma conformação empregada na arquitetura colonial brasileira tradicional, com implantação no alinhamento da rua e sem afastamentos laterais, formando um cenário uniforme. As determinações da Carta Régia demonstram que era de interesse da Coroa manter essa conformação padronizada nas cidades e vilas brasileiras, com o intuito de manter uma imagem de ordem pública. Quanto à ornamentação, durante o período colonial restringia-se ao enquadramento de vãos, às cimalhas e cunhais em massa, e por vezes no revestimento do barrado com pedras locais, demonstrando simplicidade e rusticidade. Também as esquadrias possuíam caráter simplificado, com portas, janelas e bandeiras sem sofisticação técnica, em geral restringindo-se ao uso de madeira fichada ou, nos casos mais elaborados, almofadada.

93 CASTRO, José Liberal de. Aspectos da arquitetura no nordeste do país. In: ZANINI, Walter (Org). História Geral da Arte no Brasil. São Paulo, Instituto Walther Moreira Salles, 1983, 2v, il. V. 1. p. 311. 94 SILVA F., Olavo Pereira da. Op. Cit., 1997

57 Os principais exemplares deste período concentram-se no entorno da Praça Irmãos Dantas e Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Entre eles destaca-se o edifício da antiga Intendência Municipal, que atualmente abriga o Espaço Jovem, considerado o segundo imóvel mais antigo de Piracuruca.95 Depois da Igreja, teria sido o prédio público mais importante da localidade, servindo de residência, intendência, sede da usina de força, câmara municipal e teatro. Em um segundo momento, já no século XIX, quando a economia estava voltada principalmente para o processamento da carnaúba e exportação da cera dela extraída, várias destas edificações sofreram modificações, recebendo ornamentação eclética ou foram substituídas por novos edifícios que adotavam os preceitos desta época. De fato, com advento do ecletismo no Brasil no século XIX, a paisagem das cidades coloniais passou por um processo de mudanças para se adequar ao novo modelo arquitetônico, que incluía não apenas mudanças formais, mas a introdução de novos materiais e técnicas construtivas diferenciadas. Além das questões estéticas, a chegada da Família Real ao Rio de Janeiro, no início do século XIX, também marcou uma mudança de propósitos da Coroa portuguesa em relação ao Brasil e às cidades ali implantadas, agora vistas como estratégicas para manter a posse e ocupação do território e evitar invasões estrangeiras. Posteriormente, quando o Brasil deixou de ser uma colônia de Portugal e buscou afirmar-se como país independente, a adequação da arquitetura colonial aos estilos em voga na Europa foi amplamente incentivada como forma de criar uma nova identidade para o país, desvinculado de seu passado colonial. No Rio de Janeiro, a Escola de Belas Artes já formava arquitetos e mão-de- obra qualificados, que remodelaram a aparência urbana das principais cidades brasileiras. Estes foram imitados até mesmo nos locais mais distantes, como Piracuruca, onde foram introduzidos novos elementos como o porão alto e os recuos laterais, que conferiam mais privacidade às edificações a partir da elevação das casas, e o deslocamento da porta de acesso para a fachada lateral. Entretanto, conforme visto, a expansão urbana de Piracuruca foi lenta entre os séculos XVIII e XIX; a cidade permaneceu praticamente a mesma durante muito tempo. Neste contexto, os novos modelos construtivos restringiram-se à área já urbanizada, com substituições pontuais e dispersas por todo o Centro Histórico, não configurando uma zona de expansão definida. Foram comuns os desmembramentos de terrenos, com novas edificações construídas aos fundos dos lotes, voltados para as ruas posteriores, ou de edifícios, onde uma casa colonial dava lugar a duas ou mais casas ecléticas.

95 Ver análise a seguir.

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Fig. 49 - Edifício colonial localizado na Praça Irmãos Dantas, que deu origem a três casas com características ecléticas, sendo duas com recuo lateral visando criar um poço de iluminação natural. Este recuo foi possível graças à supressão do tradicional corredor coberto que leva da rua a varanda voltada para o quintal. Fonte: Maria do Carmo Brito, sem data.

Fig. 50 a 52 - Configuração atual das edificações que substituíram a acima mencionada. Observa-se o recuo lateral através da interrupção nos volumes das coberturas das duas primeiras casas. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006.

Nos casos de substituições, a construção de novos edifícios sobre um tecido já consolidado dificultava a criação de recuos, pois poucos lotes dispunham de dimensões suficientes para a implantação destes elementos. Assim, alterações deste tipo foram pouco comuns, restringindo-se as inovações praticamente à ornamentação das fachadas e substituição de esquadrias, mas mantendo ainda a conformação das casas coloniais.

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Fig. 53 - Edificação colonial que recebeu platibanda e calhas, mantendo, entretanto, o mesmo telhado, esquadrias, cercaduras de vãos e implantação. Fonte: Maria do Carmo Brito, sem data.

Fig. 54 e 55 - Edificação com fachada principal eclética, mas conservando ainda a implantação e fachada lateral com as características originais do período colonial. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006.

Algumas inovações técnicas típicas do ecletismo só foram possíveis em meados do século XX, a partir da construção da Estrada de Ferro, no ano de 1923, ligando o litoral piauiense ao restante do Estado, favorecendo o transporte de novos materiais e equipamentos, conforme afirma Reis Filho:

A integração do país no mercado mundial, conseguida com a abertura dos portos, iria possibilitar a importação de equipamentos que contribuiriam para a alteração da aparência

60 das construções dos centros maiores do litoral, respeitando, porém o primitivismo das técnicas tradicionais. A presença dos equipamentos importados insinuava-se nas construções pelo uso de platibandas, que substituíam os velhos beirais, por condutores ou calhas, ou pelo uso de vidros simples ou coloridos – sobretudo nas bandeiras das portas e janelas – em lugar das urupemas e gelosias.96

A estrada de ferro e a construção da Estação Ferroviária possibilitaram não só a chegada de novos materiais como também o escoamento mais eficiente da produção da cera de carnaúba, deflagrando um novo período de crescimento econômico, quando a cidade viveu um momento de euforia econômica. Então, foram introduzidos no ambiente urbano conceitos como o desejo pela “modernidade” e pelas “novidades”, expressos através das novas tecnologias, materiais construtivos e linguagem arquitetônica, dando início a um movimento de substituição em massa das edificações coloniais por modelos tipicamente ecléticos. A partir da década de 1930 tem início a construção de casas seguindo o estilo eclético, com todos os seus elementos, tanto externos quanto internos, edificações totalmente desligadas dos limites do lote. Este momento coincide com uma ligeira expansão urbana em direção ao Mercado Público, ocupando as ruas lindeiras às Praças Getúlio Vargas e Santo Antônio e ao próprio Mercado. Nesta região está concentrada a maior parte dos exemplares dessa época. Nas edificações construídas nesse período observam-se as modificações quanto à posição do acesso - lateral ou chanfrados - marcando as esquinas, a ausência de simetria nas fachadas e uma profusão ornamental já bem menos tímida que a do período anterior.

Fig. 56 - Edificação eclética construída em 1936. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006.

96 REIS FILHO, Nestor Goulart. Op. Cit.

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Fig. 57 - Rua Odilon Araújo, em frente à Praça Getúlio Vargas Onde se concentra um grande número de edificações ecléticas construídas a partir da década de 1930. Fonte: Maria do Carmo Brito, sem data.

Apesar das diferenças de partido e linguagem em relação às coloniais, as edificações ecléticas ainda conservam a escala urbana típica da cidade, pois são implantadas em lotes pequenos e possuem o máximo dois pavimentos. Entretanto, apresentam diferentes composições de cobertura, sendo comuns os telhados recortados ou de inclinação acentuada, por vezes fazendo referências aos “chalets” europeus, e permitindo a utilização do sótão. Disseminou-se também o uso das telhas francesas e das platibandas, que passaram a esconder os grandes panos de telhado, tradicionais da cidade. Nas plantas também ocorreram modificações a partir da supressão da varanda dos fundos e do corredor central. As casas com mais de um pavimento apresentavam escadas, em madeira ou concreto, nas áreas reservadas ou quando isso não era possível se adicionavam portas que impediam sua visualização da entrada principal.

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Fig. 58 - Planta Baixa de uma edificação eclética situada à Rua Odilon Araújo, nº 86. As estrelas marcam jardins laterais, e vê-se a disposição da escada de ligação com o pavimento superior no centro do edifício, mas protegida por uma porta que impede sua visualização a partir da entrada principal. Produzida pela equipe técnica da SR/IPHAN-PI, 2007. Fig. 59 - Detalhe da porta que confere privacidade à escada. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006.

A partir das décadas de 1930 e 1940 também se percebe a influência das novas tecnologias e linguagem estética propagadas pelo art-decó, como a utilização do concreto armado em lajes e escadas, mas sempre camuflado por paredes e forros em estuque ou imitando madeira. E a partir da introdução de materiais industrializados, a taipa e o adobe perderam seu lugar para o tijolo, a carnaúba deixou de ser usada, em função da facilidade de acesso à madeira processada, e mais recentemente, em vários exemplares as telhas cerâmicas foram substituídas por fibrocimento e as esquadrias de madeira por esquadrias metálicas pré-fabricadas, contribuindo para o empobrecimento e descaracterização do ambiente urbano. Atualmente, o núcleo inicial da cidade – a Praça Irmãos Dantas – corresponde ao local onde ainda se mantêm preservado o maior número de edificações de características coloniais, ecléticas e art-déco, testemunhas das primeiras décadas de ocupação da cidade e sua trajetória até o início do século XX. Entretanto, estas edificações continuam sendo ameaçadas pelas intervenções pouco criteriosas e substituições arbitrárias e descomprometidas com a ambiência do conjunto, como se observa na Rua Doutor Resende: A adaptação das edificações, com a modificação da volumetria e inserção de elementos característicos de outros períodos, não se limitou ao ecletismo. Atualmente observa-se que o ritmo das alterações vem se intensificando à medida em que a cidade se moderniza, pondo em risco a paisagem do centro histórico onde sempre predominou a horizontalidade. Constata-se que as alterações não se dão em função apenas da modernização, mas também do mercado imobiliário e especulativo, visando um adensamento urbano e o máximo aproveitamento dos edifícios, sem considerar a preservação de sua tipologia.

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4 5 6 7 Fig. 60 a 67 - Perfil da Rua Doutor Resende, na Praça Irmãos Dantas:

60 - Edificação onde a fachada colonial recebeu eclética. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006. 61 - Edificação desmembrada, onde parte do edifício foi substituído por edificação com características modernistas. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006. 62 - Edificação desmembrada e que teve a fachada alterada. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006. 63 - Perfil da Rua Doutor Resende em sua configuração no início do século XX. Fonte: Maria do Carmo Brito 64 - Edificação contemporânea, onde elementos como o gabarito, a presença de varanda no pavimento superior, as texturas e as cores destoam do perfil tradicional da rua, influindo negativamente da ambiência do conjunto. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006. 65 - Edificação contemporânea, com afastamento frontal e cobertura de linhas modernistas, que substituiu a edificação de características coloniais anteriormente existente. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006. 66 - Edifício colonial, desmembrado em duas edificações distintas, mas que ainda preserva a volumetria original e encontra-se em bom estado de conservação e preservação. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006. 67 - Edificação de características coloniais, que recebeu ornamentação eclética. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006.

64 Principais bens que compõe o conjunto

Igreja de Nossa Senhora do Carmo de Piracuruca As dimensões deste edifício, se comparadas à população da cidade na época de sua construção, implantação e partido arquitetônico sugerem a influência do urbanismo clássico trazido pelos colonizadores portugueses para as terras brasileiras. Trata-se de uma edificação de características monumentais, em alvenaria de pedra com ornamentação esculpida também em pedra. As relações entre o prédio e a cidade se enquadram nos pressupostos, definidos posteriormente pela Coroa Portuguesa para a urbanização da Colônia97, e que se fazem notar “(...) assignando área para se edificar uma igreja, capaz de receber um competente número de fregueses, quando a povoação se aumentar (...)”98.

“A igreja mede 39 metros de extensão sobre 18 de largura, e é toda armada, tanto interna como externamente, de elegantes colunatas de pedras lavradas que forma, na entrada um belo peristilo. Constando de três capelas e cinco altares, elegante e artisticamente dispostos, primando pela escultura, pintura e obras de talha, notam-se ainda muitos outros objetos custosos e de subido merecimento artístico, como a pia batismal, o púlpito, um lavatório de mármore, a lâmpada de prata e outros objetos e parâmetros dignos de nota. Os irmãos Dantas não pouparam despesas nem sacrifícios, na construção de tão belo monumento, e por sua morte legaram todos os seus bens para o patrimônio da igreja, ainda hoje riquíssimo e avultado”.99

Fig. 68 e 69 – Fachadas principal e lateral esquerda da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Acervo SR/IPHAN – PI, sem data.

97 O início da construção da Igreja de Nossa Senhora do Carmo data de aproximadamente 1720. Já os pressupostos urbanísticos foram definidos pela Carta Régia apenas em 1761. 98 Trecho da Carta Régia de 1761. BARRETO, Paulo Thedim. Op. Cit. p. 195. 99 BRITO, Anísio. Op. Cit.

65 A qualidade do trabalho em cantaria, o entalhe e a pintura dos retábulos, coro, e do forro sugerem a utilização de mão-de-obra especializada. A proximidade com Parnaíba, que mantinha um contato direto com cidades como Salvador, São Luís, Rio de Janeiro e mesmo com a Europa, pode ter facilitado o acesso a estes profissionais. No entanto, pouco se sabe sobre os desenhos de orientação, do material empregado, os custos, número de trabalhadores, entre outros dados relativos à sua construção. A Igreja de Nossa Senhora do Carmo foi proclamada Monumento Nacional em 1937, por Getúlio Vargas, e inscrita nos Livros do Tombo Histórico e de Belas Artes em 15 de agosto de 1940.

Praça Irmãos Dantas A cidade de Piracuruca se desenvolveu a partir do entorno da Igreja de Nossa Senhora do Carmo e do largo que se abre defronte a ela. Inicialmente, como todas as cidades coloniais brasileiras o largo era configurado como um espaço aberto, sem vegetação. Segundo Toledo100, não passava de um alargamento de rua que visava criar um espaço na trama urbana para desafogar um edifício. Mas os largos também possuíam a função de espaço público para a concentração de pessoas. Nas cidades coloniais os largos eram os espaços de encontro de pessoas, onde a vida pública se desenvolvia, pois não havia outro lugar com essa função.101 Não é à toa que se localizava tradicionalmente em frente à Igreja, denotando um espaço socialmente privilegiado e explicitando a influência que esta exercia sobre a comunidade, sobretudo nas cidade menores. Segundo Bittencourt102, a primeira urbanização envolvendo a região do largo da Igreja, atual Praça Irmãos Dantas, foi realizada por Pedro de Britto Passos, nos anos de 1830. Posteriormente, já no século XX, foi inserida novo desenho e vegetação, à exemplo do que acontecia em outras cidades brasileiras, que por sua vez imitavam os preceitos paisagísticos difundidos na Europa durante o Renascimento e o Barroco e que voltavam à moda com o ecletismo. Canteiros bem delimitados, monumento, coreto, bancos e postes inspirados no Decó, espécies ornamentais selecionadas e passeios retilíneos que convergiam para o centro da praça, onde se situava o coreto. Com estas características se desenhou as praças das maiores cidades do Piauí entre as décadas de 30 e 40 do século XX, como Teresina, a exemplo das praças Pedro II, Rio Branco, , João Luis Ferreira; Parnaíba, a exemplo das praças da Graça e Santo Antônio e Piracuruca, da Praça Irmãos Dantas.

100 TOLEDO, Benedito Lima de. Do Século XVI ao início do século XIX: maneirismo, barroco e rococó. In: ZANINI, Walter. (Org). História Geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Sales, v. 1, il., 1983. 101 As ruas, embora caracterizadas também como espaço público, não possuíam a função de encontro: “Nas povoações mais antigas do Brasil, as ruas eram entendidas quase exclusivamente como meio de ligação, vias ou linhas de percurso (...) Na maior parte dos casos as ruas não tinham significado como local de permanência (...)”. REIS FILHO, Nestor Goulart. Op. Cit. p. 133. 102 BITTENCOURT, Jureni Machado. Op. Cit. p 119

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Fig. 70 - Acima, à esquerda. Praça Pedro II - Teresina com antigo Quartel de Polícia ao fundo, final da década de 30. Acervo: João Carvalho Mendes, digitalizado em 1998 pela SR/IPHAN-PI.

Fig. 71- Acima, à direita. Praça Pedro II - Teresina com Teatro Pedro II e Cine Rex ao fundo, início da década de 40. Acervo: Casa de Cultura de Teresina, digitalizado em 1998 pela SR/IPHAN-PI.

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Fig. 72- À esquerda. Praça Rio Branco - Teresina, década de 40. Acervo: Arquivo Público do Estado, digitalizado em 1998 pela SR/IPHAN-PI.

Esta última seguiu esse desenho até a década de 1980, quando houve uma mudança na forma dos canteiros, no mobiliário e passeios, além da inserção de quiosques dentro do espaço público. Mas apesar das mudanças, a Praça manteve preservada a função de espaço de encontro, contemplação e lazer. Ainda é o espaço para onde a Igreja se abre; em seu entorno estão situados os prédios de maior representatividade histórica e estética, como a própria Igreja de Nossa Senhora do Carmo e a Antiga Intendência. Nas fotos a seguir é possível se ter uma idéia das modificações sofridas por este espaço durante o século XX.

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Fig. 73 – 1912: vista da Praça Irmãos Dantas, com o perfil da Rua Doutor Resende ao fundo. No centro um quiosque e bancos de madeira. Acervo Maria do Carmo Fortes de Britto.

Fig. 74 – Década de 1930: as ruas ainda não possuíam calçamento e se observa o limite nordeste da área tratada com paisagismo da Praça Irmãos Dantas, coincidente com a Rua Marechal Firmino Pires, lateral à Igreja de Nossa Senhora do Carmo, portanto menor que o atual. Acervo Maria do Carmo Fortes de Britto.

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Fig. 75 – Década de 1930: influência Decó nos bancos da Praça, já reformada. Ainda não havia a cerca viva que posteriormente foi plantada delimitando o seu contorno. Acervo Maria do Carmo Fortes de Britto.

Fig. 76– Década de 1930: outro ângulo da Praça onde se observa o limite da área pública com tratamento paisagístico, à nordeste da quadra de Igreja e menor que todo o largo. No plano do fundo se vê o perfil das casas de fachada coloniais, mas com a introdução dos elementos de ornamentação típicos do ecletismo. Acervo Maria do Carmo Fortes de Britto.

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Fig. 77 – Década de 1940: limites da Praça ampliados para todo o largo; posteamento para iluminação elétrica; substituição do coreto do início do século XX por outro do estilo Decó; introdução de monumento em pó de pedra, escalonado em desenho típico do Decó; canteiros convergindo para um ponto central; reforma de característica semelhantes nas maiores cidades do Piauí. Acervo Maria do Carmo Fortes de Britto.

Fig. 78 – Década de 1950: é implantada uma cerca viva que delimita o contorno da praça, e já se observa o calçamento das ruas. Acervo Maria do Carmo Fortes de Britto.

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Fig. 79 – Década de 1980: aderiu-se aos novos preceitos paisagísticos “modernos”, com demarcação de canteiros feita por uma mureta em alvenaria, coreto em concreto armado e modelos de postes que se difundiram por todo o Piauí nesse período. Acervo Maria do Carmo Fortes de Britto.

Fig. 80 – 2008: a Praça Irmãos Dantas mantém o mesmo desenho da década de 1980, inclusive com as palmeiras plantadas em meados do século, mas a densidade da vegetação prejudica a visibilidade da Igreja. Acervo Maria do Carmo Fortes de Britto.

Casa Antiga da Intendência de Piracuruca Um dos edifícios mais antigos de Piracuruca, e um dos mais importantes do acervo colonial ainda preservado na cidade é a Casa Antiga da Intendência. Até o século XIX a “Intendência” foi o órgão governamental que centralizou a administração municipal brasileira, diluída no período colonial entre os diferentes funcionários que exerciam suas atividades na Casa de Câmara e Cadeia. Sua sede era o símbolo da importância da povoação em relação às

72 vizinhas, pois significava autonomia e lhe conferia o status de referência regional.

Fig. 81 – O prédio da Antiga Intendência nos tempos de Câmara Municipal. Acervo SR/IPHAN-PI, sem data.

A Casa Antiga da Intendência foi edificada provavelmente entre os anos de 1812 e 1838, conforme data sobreposta à porta principal. Foi construída pelo Padre Sá Palácio, o que leva a inferir que inicialmente tenha pertencido à Paróquia de Nossa Senhora do Carmo de Piracuruca. Quando o intendente da nova vila necessitou de um imóvel que abrigasse dignamente sua administração, passou então a utilizar esta casa, localizada na praça principal e já marcante na comunidade, para sediá-la. O edifício pertencia, na ocasião, à família de Pedro de Brito Passos, que o doou então ao município. Esta casa passou a abrigar a primeira sede do governo municipal, quando da sua instalação a 23 de dezembro de 1833, em cumprimento ao decreto da Regência que elevou Piracuruca a Vila, datado de 6 de julho de 1832. Por este motivo a Casa da Intendência passou ao imaginário da cidade como o ícone da autonomia recém-adquirida.

Fig. 82 e 83 – Estrutura do prédio, onde é possível ver as paredes de pedra e adobe. AcervoSR/IPHAN-PI, 1997.

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A edificação teve no decorrer dos anos várias funções, depois permaneceu abandonada e sem uso por um período até 2004, quando foi restaurada pela Prefeitura Municipal de Piracuruca para abrigar o Espaço Jovem, um centro de cultura e de inclusão digital para a juventude da cidade.

Fig. 84 a 86 – Três vistas da Casa Antiga da Intendência, 2003. Acervo SR/IPHAN – PI.

A Igreja de Santo Antônio A Igreja de santo Antonio passou por muitas modificações até chegar à sua forma atual. Construída entre 1894 e 1958, tratava-se inicialmente de uma capela, de fachada singela, vãos em arco pleno, esquadrias de madeira com almofadas e venezianas, e frontão triangular arrematado por uma platibanda com ondulações sobre o qual havia uma pequena cruz. Os cunhais conferiam uma ligeira verticalidade à capela, enquanto os elementos circulares lhe davam mais leveza.

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Fig. 87 – A antiga Capela de Santo Antônio, no final do Século XIX. Fonte: Maria do Carmo Fortes de Brito

Fig. 88- Vista da Praça Irmãos Dantas, com a Igreja Santo Antônio ao fundo, de perfil. Acervo SR/IPHAN-PI, sem data.

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Fig. 89 – Vista atual da Igreja de Santo Antônio. Acervo SR/IPHAN – PI, sem data.

Posteriormente reformas acrescentaram torres quadras com cobertura em abóbadas de arcos contra curvados. As vergas foram alteradas para um formato triangular e a platibanda sobre o frontão foi eliminada. Na década de 50 a última reforma retirou a cobertura abóbadada das torres, deixando-as planas. As mudanças deram à Igreja de Santo Antonio uma aparência truncada e robusta, contrária ao aspecto inicial, quando ainda era capela.

O Mercado O mercado de Piracuruca passou por diversos endereços antes de instalar-se no ponto onde está hoje. Segundo SILVA F.103 este prédio foi construído entre os anos de 1937 e 1942 seguindo um padrão difundido no Estado do Piauí em meados do século, com lojas na periferia, quatro acessos nos eixos centrais e circulação aberta contornando o pátio interno. O prédio do mercado segue o padrão estilístico eclético, mas apresenta características bastante simples: platibanda, poucos elementos ornamentais, bandeiras em ferro fundido, sobreverga em massa e esquadrias de madeira. Implantado no alinhamento do lote, possui defronte uma praça, originalmente era uma rua alargada, onde se concentram atualmente alguns feirantes.

103 SILVA F. Olavo. Op. Cit. 1997.

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Fig. 90 e 91 – Duas vistas do antigo mercado. Acervo 19ªSR/IPHAN – PI, sem data.

A Estação Ferroviária A Estação Ferroviária de Piracuruca restringe-se a um pequeno prédio de aproximadamente 140 m2, que se destacava em meio a um campo gramado. Sua construção seguia o padrão adotado no início do século XX para pequenas estações ferroviárias de passagem, abrigando apenas os equipamentos básicos necessários para a venda de bilhetes, embarque e desembarque de passageiros. O prédio é marcado pelo amplo telhado, coberto por telhas planas, posteriormente substituídas pela do tipo capa e canal, com estrutura em madeira serrada, que se estende por sobre as plataformas formando grandes beiras apoiados sobre mão-francesa. Apresenta vãos em arco pleno, com cercaduras em massa arrematadas por elementos decorativos, e esquadrias de madeira com almofadas. As bandeiras são vedadas por grades de ferro e os cunhais em massa seguem a forma de harpa ou dente de serra. Internamente, o prédio era composto por um grande espaço destinado aos passageiros, que

77 correspondia também ao ambiente no qual havia um maior apuro com os acabamentos. O piso é em ladrilho hidráulico e uma única parede divisória fazia a separação entre este e a área da bilheteria. Internamente, o prédio era composto pela recepção, agência, telégrafo e um grande espaço destinado às mercadorias. O piso é em ladrilho hidráulico e em cimento queimado marcados por uma única parede divisória.

Fig. 92 – Estação Ferroviária em pleno funcionamento. Acervo SR/IPHAN – PI. 1927.

78 A SITUAÇÃO ATUAL DO CENTRO HISTÓRICO Piracuruca conserva ainda a maior parte dos elementos urbanos, como o macro-parcelamento, arruamento e principais edifícios. No entorno da Praça Irmãos Dantas, onde se localiza a Igreja Matriz, a configuração espacial se mantém praticamente inalterada, e ali se localizam grande parte dos bens arquitetônicos de valor cultural do Centro Histórico. Nessa região, que constitui o conjunto arquitetônico mais antigo, predominam ainda edificações térreas, tendendo à horizontalidade. As mais antigas se caracterizam pela simplicidade da composição, cumeeiras paralelas à rua e grandes panos de telhados voltados para a fachada principal. Outras receberam ornamentação eclética, com platibandas e detalhes em massa aplicados à fachada. Entretanto, se observa diversas substituições recentes por edificações que diferem completamente das vizinhas, tanto em relação à linguagem arquitetônica quanto à forma de implantação no lote, como se observa, em destaque, nas fotos a seguir, das quatro laterais da Praça Irmãos Dantas:

Fig. 93 – Rua João Martiniano (ao centro a Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo). Acervo SR/IPHAN – PI. 2006.

Fig. 94 – Avenida Clementino Escórcio de Cerqueira (à direita a Antiga Intendência). Acervo SR/IPHAN – PI. 2006.

Fig. 95 – Rua Doutor Resende. Acervo SR/IPHAN – PI. 2006.

Fig. 96 – Rua Senador Gervásio. Acervo SR/IPHAN – PI, 2006. Como ocorreu e ainda vem ocorrendo em inúmeras cidades brasileiras, a valorização das áreas centrais gera pressão sobre a estrutura urbana, sendo

79 freqüente o desmembramento dos antigos lotes, com testada para duas ruas e a construção de uma segunda edificação aos fundos, voltada para a rua oposta. Isso altera o caráter das antigas ruas “de serviço”, e causa um adensamento populacional na região do Centro Histórico.

Fig. 97 – Exemplo do que acontece com as antigas “ruas de serviço”. Nesta quadra da Rua Félix Gomes diversos terrenos já foram divididos, conformando dois lotes distintos, e tiveram os antigos quintais ocupados por edificações como a mostrada na foto, gerando um adensamento urbano e mudando as características destes espaços. Acervo SR/IPHAN – PI. 2006.

Em relação à estrutura viária, em diversas ruas a antiga pavimentação em lajeado de pedra ou em pé-de-moleque recebeu revestimento em asfalto, colocado diretamente sobre o antigo calçamento. Entretanto, devido às características alagadiças do sítio, a incompatibilidade entre os materiais e pouca manutenção recebida, o novo acabamento acabou por ceder em vários pontos, fazendo com que muitas das ruas estejam tomadas por crateras.

Fig. 98 e 99 – Calçamento das ruas em pedra, sob o asfalto. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006.

80 Já as praças têm sofrido várias alterações no decorrer dos anos, que compreendem substituições de mobiliário, iluminação, pavimentação e até mesmo do paisagismo, em geral seguindo a moda vigente em cada época: canteiros de plantas podadas ao modo europeu e coretos ornamentados durante o ecletismo, peças de concreto pré-moldado e canteiros elevados de formato orgânico durante o modernismo.

Fig. 100 e 101 – Duas vistas da Praça Getúlio Vargas. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006.

O acervo arquitetônico, de maneira geral encontra-se bem preservado e conservado. Entretanto, a tendência à substituição de elementos tradicionais, como a carnaúba, usada na estrutura e como madeiramento de telhados, é freqüente, devido às dificuldades na sua manutenção. Também a substituição dos materiais de acabamento, com a introdução de esquadrias metálicas, telhas de fibrocimento e tubulações aparentes, é outra preocupação, que apesar de reversíveis, prejudicam a leitura do conjunto.

Principais ameaças ao conjunto Apesar do traçado original do Centro Histórico permanecer praticamente intacto, muitas das edificações sofreram e ainda vêm sofrendo modificações significativas, que incluem desde pequenas alterações na fachada até sua total descaracterização. A principal causa de substituições ou modificações nos edifícios do Centro Histórico é a adaptação dos prédios, antes residenciais, para abrigar atividades comerciais, pois como acontece em grande parte das cidades brasileiras, o Centro Histórico de Piracuruca hoje polariza as funções comerciais e de prestação de serviços. Para a adaptação à função comercial, as edificações têm suas platibandas ampliadas para instalação de engenhos publicitários, vãos modificados para a transformação de janelas em portas, e esquadrias de madeira substituídas por portas de vidro, metálicas de enrolar ou pantográficas. Outros edifícios, novos ou antigos, mesmo mantendo o gabarito, são impactantes em função das formas, texturas ou cores empregadas.

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Fig.102 e 103 – Três exemplos de inserções com impacto negativo no casario da Praça Irmãos Dantas. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006.

As intervenções têm sido mais profundas no entorno do mercado público e na Avenida Senador Gervásio, transformada em via de circulação rápida e onde o comércio é mais intenso. Na Praça Irmãos Dantas, apesar de alguns exemplares prejudiciais, esta atividade ocorre de forma mais tímida, o que faz com que a região mantenha ainda seu caráter institucional e residencial. Entretanto, destaca-se uma edificação construída na esquina da Rua João Martiniano com a Avenida Clementino Escórcio de Cerqueira, que apesar de manter a função residencial, adota feições contemporâneas completamente destoantes do restante da área, demonstrando o descaso e falta de comprometimento entre a arquitetura atualmente praticada e o contexto no qual ela se insere.

Fig. 104 – Edificação contemporânea construída na esquina da Praça Irmãos Dantas. Acervo: Anna Finger, maio de 2007.

82 As vizinhanças das praças Getúlio Vargas e Santo Antônio também se mantêm relativamente bem preservadas, no entanto a proximidade desta última com o mercado municipal representa uma ameaça permanente a esse conjunto. As alterações de gabarito, por menores que sejam, afetam de forma marcante a paisagem. A Igreja de Nossa Senhora do Carmo, por seu porte monumental em relação ao casario, mesmo sem estar implantada sobre um sítio mais alto, costumava dominar a paisagem com suas torres que podiam ser vistas de boa parte dos espaços públicos, servindo como marco referencial. Entretanto, com a tendência à verticalização, os edifícios de dois ou mais pavimentos modificam esta relação, bloqueiam a visão e privam a cidade destas visuais. Esta verticalização promove também uma quebra na continuidade das fachadas.104

Fig. 105 e 106 – Simulação do impacto que a alteração de gabarito representaria para a ambiência do Centro Histórico. Acervo SR/IPHAN-PI, 2006.

Percebe-se também, pelo mapa de usos e observações feitas in loco, que vem crescendo o número de imóveis desocupados, postos à venda ou aluguel.

104 Ver prancha de usos, em anexo.

83 ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO EXISTENTE O conjunto do Centro Histórico de Piracuruca não é legalmente protegido por tombamento em nenhum dos âmbitos - municipal, estadual ou federal. A Igreja de Nossa Senhora do Carmo, apesar de tombada individualmente pelo IPHAN, não possui qualquer tipo de regulamentação de entorno que incida sobre o ambiente urbano onde está inserida. Isto dá margem às substituições de edificações tradicionais por uma arquitetura contemporânea e descomprometida com o conjunto, como aconteceu na esquina da Rua João Martiniano e Avenida Clementino Escórcio de Cerqueira. O atual Plano Diretor Municipal foi instituído pela Lei Complementar nº1.574/2006, e prevê a preservação de seu patrimônio cultural através do definido no Art. 46: A política urbana, no âmbito do processo de planejamento municipal, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais e da cidade de Piracuruca, garantindo: (...) XIII – a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico. Entretanto não define uma área de preservação ou de imóveis de interesse, dividindo a área em Setores Residenciais, sendo a maior parte da área localizada no Setor Residencial 02: Art. 55. Ficam instituídos dez setores residenciais com as seguintes denominações: (...) § 2º O SR2 tem o seu perímetro formado pelos imóveis que fazem testada com a rua Senador Gervásio, desde o seu início na margem direita do Rio Piracuruca até o cruzamento com a rua Tenente Rui Brito; segundo pela rua Tenente Rui Brito até o cruzamento com a rua Félix Gomes; seguindo pela rua Félix Gomes até a margem direita do rio Piracuruca, incluindo os quarteirões da margem direta do rio Piracuruca até o início da rua Senador Gervásio. Para este setor são definidos os usos residencial unifamiliar e multifamiliar e atividades comerciais e de serviços de caráter local. Já o Art. 59, §1º, define que: Quaisquer intervenções urbanísticas e arquitetônicas realizadas no perímetro do Setor residencial 2 – SR2, realizadas pela iniciativa privada ou pelo Poder Público, estão sujeitas à preservação da notabilidade do acervo arquitetônico-urbanístico-paisagístico por meio da manutenção das seguintes características: I – quadro natural e paisagem envolvente; II – a morfologia urbana e o traçado dos logradouros; III – a unidade dos conjuntos urbanos; IV – a relação entre as áreas edificadas e as não-edificadas; V – as tipologias arquitetônicas; VI – a diversidade e a multiplicidade dos usos; VII – os espaços públicos de reunião e encontro; VIII – as manifestações culturais.

84 Entretanto, apesar de grande parte da área proposta para tombamento situar- se neste SR2, parte dela ultrapassa estes limites, de onde se pode concluir que esta delimitação baseia-se em questões meramente práticas de administração urbana, não levando em consideração sua morfologia, história ou predominância de bens culturais. E mesmo com boas intenções, o Plano Diretor tem sido, até o momento, pouco efetivo para impedir demolições e substituições mesmo na área caracterizada como SR2. O Plano Diretor também define um Setor Comercial 2 – SC2, (...)formado por todos os quarteirões que fizerem testada para: a) a rua Senador Gervásio, desde seu início na margem direita do rio Piracuruca até o cruzamento com a rua Vereador João Fortes de Almeida Portugal; Este setor corta o Centro Histórico e inclui uma das laterais da Praça Irmãos Dantas, e para ele são previstas atividades de “Comércio e Serviço Local”, “Comércio e Serviço de Bairro”, “Atividades sem Limites de Área Edificada”, “Comércio e Serviço Principal” e “Comércio e Serviço Especial”. Estas classificações incluem equipamentos de grande porte, que podem representar uma ameaça às características da área e à população ali residente e devem ser controladas. Assim, pela análise do Plano Diretor nota-se o pouco conhecimento e preocupação com a preservação efetiva do patrimônio cultural urbano da cidade. Colaborou para esta deficiência do Plano Diretor no tratamento do patrimônio cultural a própria deficiência da estrutura administrativa municipal para lidar com a questão. A Prefeitura não dispõe de um departamento específico e tampouco de técnicos com formação na área patrimonial ou com interesse despertado para o tema e, por este motivo, não tem participado das discussões acerca do tombamento federal do Centro Histórico.

85 PROPOSTA DE PROTEÇÃO

Justificativa

Piracuruca como testemunha da ocupação do Brasil durante o século XVIII Razões históricas não faltariam para que Piracuruca fosse reconhecida como Patrimônio Nacional Brasileiro, pois compõe, juntamente com Parnaíba, Oeiras e outras cidades que certamente serão incluídas neste rol, um conjunto de bens que testemunham e materializam a história da ocupação do Brasil durante o século XVIII. Estas cidades estão ligadas ao ciclo do gado no nordeste e a uma política oficial da Coroa portuguesa de domínio do território através da fundação de vilas e cidades, fatores determinantes para a atual conformação territorial do país, pois influenciaram diretamente a integração das duas colônias portuguesas na América: a do Brasil e a do Maranhão. Assim como Parnaíba, cujo tombamento foi aprovado pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural em 11 de setembro de 2008, Piracuruca não é o núcleo mais antigo do Estado. Entretanto, a formação urbana das duas cidades data praticamente do mesmo período e estão ligadas aos mesmos processos: a interiorização da ocupação do território a partir da expansão do gado do litoral para o sertão, iniciada ainda no século XVI a partir de Salvador e Pernambuco e logo, a exportação de carne e couro. Essa expansão avançou por regiões ainda pouco exploradas do território, formando fazendas que funcionaram como agregadores populacionais e que contribuíram para consolidar e expandir o império português na América. Ao longo dos caminhos de ligação entre estas fazendas e o litoral, nos pontos de parada das tropas, formaram- se os primeiros povoados piauienses. O estabelecimento desta ainda incipiente rede urbana contribuiu para aumentar a segurança dos viajantes, que transitavam entre as colônias do Brasil e do Maranhão. Assim, o deslocamento por terra se tornou preferível, uma vez que a navegação entre as capitanias de Pernambuco e do Maranhão era dificultada pela existência de poucos pontos de atracação de embarcações ao longo da costa.105 Entretanto, num primeiro momento, estas povoações permaneceram subordinadas praticamente apenas aos latifundiários donos das terras. Estes, por sua vez, não prestavam contas de suas atividades à metrópole, e passaram a representar uma ameaça à Coroa portuguesa, que temia tanto invasões estrangeiras quanto tentativas de independência de partes do vasto território da colônia. Assim, visando exercer um maior controle sobre a região, foi estabelecida uma política de formação de vilas oficiais a partir das povoações já existentes, o que demandaria a instalação de instrumentos do poder real nas localidades, impondo a autoridade da metrópole sobre os latifundiários. Estas vilas foram fundadas em diversos pontos da região nordeste do Brasil. No caso do Piauí,

105 Ver Volume I – “A ocupação do Piauí durante os séculos XVIII e XIX”

86 em especial, uma Carta Régia de 1761 menciona sete freguesias, que juntamente com a já existente Vila do Mocha, atual Oeiras, estavam distribuídas pelo território do atual Estado do Piauí, e que passariam a configurar a rede administrativa portuguesa no local. Destas vilas, inicialmente se propõe o tombamento de três delas: Oeiras, elevada a capital da Capitania de São José do Piauí pela mesma Carta Régia; Parnaíba, já tombada; e Piracuruca. Estas três cidades foram escolhidas como representantes deste momento por se destacarem no que diz respeito à preservação de seu traçado urbano e acervo arquitetônico, permitindo a leitura destes capítulos da história do Brasil em suas ruas, praças e edifícios.

O Conjunto Histórico e Paisagístico de Piracuruca Apesar da origem comum, Piracuruca apresenta especificidades que a diferenciam das demais vilas da época. A religião católica foi determinante para a consolidação do núcleo naquele sítio, pois a monumental Igreja de Nossa Senhora do Carmo, construída na primeira metade do século XVIII, desempenhou o papel de agregador populacional, atraindo um número considerável de pessoas que vieram trabalhar em sua construção. Conforme analisado, esta Igreja106 foi a responsável por toda a organização da cidade. Sua implantação tradicionalmente portuguesa, voltada para o rio e formando um largo à sua frente, determinou o tamanho das quadras iniciais da cidade, maiores no trecho voltado para o Rio Piracuruca, seguindo o alinhamento do Largo, e menores aos fundos da igreja, seguindo ali suas dimensões. No entorno deste Largo se estabeleceram os principais edifícios coloniais ainda hoje preservados, entre eles a Antiga Intendência, sede da administração municipal na época do Brasil Colônia. Consolidado o núcleo inicial, Piracuruca pouco se expandiu durante longo tempo, em parte devido a grande proximidade com Parnaíba no século XVIII e XIX e com Piripiri, em meados do século XX, dois núcleos mais prósperos e que acabaram por polarizar a economia da região norte do Piauí e atrair um maior contingente populacional. Os habitantes de Piracuruca estavam, no primeiro momento de sua existência, ligados principalmente à atividade pecuária, agricultura de subsistência ou à obra de construção da igreja. Apenas entre o final do século XIX e início do XX é que a cidade conheceu uma expansão significativa, associada, sobretudo, à prosperidade decorrente do cultivo, beneficiamento e exportação da carnaúba e do babaçu. Da primeira metade do século XX, e em decorrência desta prosperidade, data também a implantação da ferrovia, que interligou os principais municípios do Piauí, Ceará e Maranhão, e alterou significativamente as feições das cidades pelas quais passou. A facilidade de acesso a novos materiais construtivos industrializados e a influência estética ligada ao desejo de “modernidade”, personificado na ferrovia, formou um “corredor” de cidades que se diferenciam das demais do sertão, e Piracuruca guarda exemplares ecléticos, art-déco e do início do modernismo que testemunham estas influências.

106 Declarada Monumento Nacional em 1937, e inscrita nos Livros do Tombo Histórico e de Belas Artes, em 1940.

87 Entretanto, apesar de uma vontade de identificação com a arquitetura praticada nas grandes cidades, como Rio de Janeiro, Salvador e São Luis, estes modelos foram copiados em sua linguagem estética, mas conjugadas com as técnicas tradicionais, sendo comum encontrar edifícios de feições ecléticas e estrutura de cobertura em carnaúba. Assim, por conjugar influências estrangeiras adaptadas às condições locais, o acervo arquitetônico de Piracuruca representa uma prática e um comportamento típico das pequenas cidades brasileiras, que buscavam uma identidade e auto-afirmação, e um reconhecimento como “modernas”. Este reconhecimento representava desejos plenamente compatíveis com sua época, entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do XX, com o advento do modernismo. O Brasil já deixara de ser uma colônia há bastante tempo e arquitetura colonial era vista como atrasada e considerada marca de um passado a ser superado. Este acervo, que inclui desde o traçado urbano e as arquiteturas remanescentes de todos os períodos históricos pelos quais passou, até as manifestações culturais que ali se desenrolam, são o patrimônio cultural desta população, pois estão ligados diretamente à sua história e referências: as atividades econômicas ali desenvolvidas ao longo da história e que deixaram marcas no patrimônio material - criação de gado, cera de carnaúba e óleo de babaçu; a influência religiosa impressa nas tradições; e o modo de vida construído a partir da conjugação das tradições portuguesa e cabocla, adaptada às condições inóspitas do sertão, como meio de sobrevivência a um ambiente, por vezes, extremamente hostil. Este conjunto de fatores justifica o tombamento federal de Piracuruca como representante de uma parcela pouco conhecida e valorizada da cultura brasileira, e sua preservação ajuda a garantir o espaço físico para as manifestações culturais de caráter subjetivo que a ele estão associadas. Também resguarda um importante acervo arquitetônico representativo de técnicas construtivas locais - como a forma peculiar do uso da carnaúba - constantemente ameaçada pela substituição por materiais contemporâneos, com o emprego do concreto armado e do tijolo industrial. O tombamento também chama a atenção para o estudo destas técnicas tradicionais que conjugam a forma de construir trazida pelos colonizadores portugueses e os materiais locais, obtidos e processados de maneira única. Mas, a tradição de uso destas técnicas tem se perdido pela dificuldade atual de obtenção e manutenção dos materiais tradicionais, e pela competição econômica com os produtos industrializados, que hoje chegam a um custo reduzido a praticamente todos os pontos do país. A preservação destes elementos tradicionais, materiais e imateriais, deve ser compreendida como uma agregação de valor ao sítio, que o diferencia das demais cidades brasileiras. Ao mesmo tempo, representa os processos pelas quais inúmeras destas cidades passaram, mas cujos acervos culturais já se perderam. Sua valorização deve ser inserida nas políticas urbanas e territoriais praticadas em todas as instâncias- municipal, estadual e federal, buscando-se um pacto que vise, em última instância, o bem estar da população e garanta seu direito à fruição e prática de seus valores culturais.

88 Quanto à delimitação das poligonais de proteção A área selecionada para proteção federal engloba o perímetro urbano inicial da cidade de Piracuruca e suas expansões, até por volta da metade do século XX, após o fim da Segunda Guerra Mundial. A partir daí, a decadência do comércio de derivados da carnaúba ocasionou uma quase estagnação do processo de desenvolvimento urbano que a cidade vinha tendo. Foi definido este recorte por considerar-se que até este momento, as expansões urbanas caracterizaram-se como uma continuidade do traçado originalmente implantado, e as arquiteturas, mesmo quando substituíram edifícios anteriormente existentes, o fizeram de forma a se integrar ao ambiente urbano previamente constituído. Após a década de 1950, o surto de crescimento de Piracuruca, semelhante ao que aconteceu em inúmeras outras cidades do país, com a migração da população das zonas rurais para a cidade, expandiu sua área urbana de maneira descompromissada com a morfologia da área mais antiga. Esta última expansão não dialoga com os elementos reconhecidos e estudados neste Dossiê, aos quais se atribuiu os valores que se deseja preservar. Também a introdução dos materiais de construção industrializados modificou as formas tradicionais de construir, que foram praticamente abandonadas. Evidentemente, dentro desta ampla área existem regiões distintas, melhor ou pior caracterizadas, e que conservam um maior ou menor número de bens preservados. Desta forma, consideramos, a priori, toda esta região mais ampla como Entorno de Tombamento, e dentro dela foi delimitada outra área, mais restrita, que corresponde à região onde ainda se mantém preservadas a maior parte das edificações de valor histórico e paisagístico para o conjunto, que corresponde ao Conjunto Tombado. O Conjunto Tombado, inserido dentro da área denominada Entorno de Tombamento, é composto de um Poligonal de Tombamento fechada e outros bens imóveis situados fora desta poligonal, mas que fazem parte do mesmo Conjunto, e não devem ser entendidos como tombamentos isolados. Um destes bens é o Cemitério Campo da Saudade, inicialmente situado fora da área urbana e acessado através da Rua João Martiniano, que passa em frente à porta principal da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, seguindo uma linha reta e acabando no portal de acesso ao cemitério. Por compreender que esta ligação foi fundamental para definir o desenho do traçado urbano da cidade, sua caixa de rua foi incluída no tombamento, para impedir que futuras obras de infra-estrutura urbana venham a comprometer estas relações. Também a Unidade Escolar Anísio Brito situa-se um pouco afastada da área de maior concentração de bens preservados, mas faz parte do conjunto do Centro Histórico, seguindo as mesmas motivações alegadas para o tombamento deste, apesar da base territorial descontínua. Optou-se por não estender a poligonal para englobar este imóvel por se perceber que nesta região o acervo arquitetônico já havia sido em sua maior parte perdido ou descaracterizado. Entretanto este imóvel é parte significativa do acervo constituído durante um dos principais momentos históricos pelos quais a cidade passou, e sua preservação é de grande importância para a composição do conjunto. Assim sendo, o Conjunto Tombado inclui:

89 - uma poligonal fechada, segundo descrição abaixo, englobando a Praça Irmãos Dantas, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo e as expansões urbanas ocorridas até o início do século XX, onde se situam também a Igreja de Santo Antônio e o Mercado Municipal; - o Cemitério Campo da Saudade e o traçado e a caixa da Rua João Martiniano, que faz a ligação entre a Igreja de Nossa Senhora do Carmo e o Cemitério, incluindo o edifício de nº 365, na Rua Coronel Joaquim Onofre de Cerqueira, na esquina com a Rua João Martiniano e que faz o enquadramento da portada do Cemitério a partir da Igreja de Nossa Senhora do Carmo; - o terreno da Unidade Escolar Anísio Brito e seu respectivo edifício. Quanto aos bens oriundos da extinta Rede Ferroviária Federal – RFFSA, notadamente o edifício da Estação Ferroviária e seu pátio, e a Ponte Metálica sobre o Rio Piracuruca, conforme disposto no Art. 9º da Lei 11.438 de 31 de maio de 2007: Caberá ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta RFFSA, bem como zelar pela sua guarda e manutenção.107 Desta forma, entende-se que com a manifestação pelo IPHAN sobre a existência de valores culturais atribuídos a estes bens, eles já estarão automaticamente protegidos e sob responsabilidade da Instituição. E por se localizarem um pouco afastados até mesmo da área delimitada como Entorno de Tombamento, optou-se por não incluí-los nesta proposta de proteção por tombamento, e utilizar o disposto pela referida Lei 11.438/07 para garantir sua proteção e preservação.

Descrição das Poligonais de Tombamento e Entorno

Poligonal de Tombamento Para efeito do tombamento da área integrante do Conjunto Histórico e Paisagístico de Piracuruca, definiu-se a Poligonal de Tombamento conforme abaixo descrita: Esta poligonal tem início no ponto T-00, situado no cruzamento dos eixos da Avenida Aurélio Brito e Rua Senador Gervásio. Deste ponto segue pelo eixo da Avenida Aurélio Brito, na direção noroeste e em sentido horário, até encontrar o eixo da Rua José de Morais, definindo o ponto T-01. Deste ponto segue pelo eixo desta rua, no sentido nordeste, até encontrar o prolongamento do limite dos fundos dos lotes da Quadra 81 do Setor Residencial 1, voltados para a Rua João Martiniano, definindo o ponto T-02. Deste ponto segue pelo alinhamento dos fundos dos lotes desta quadra e seu prolongamento, até encontrar o eixo da Rua Rui Barbosa, definindo o ponto T-03. Deste ponto segue pelo eixo da

107 Lei 11.438 de 31 de maio de 2007.

90 Rua Rui Barbosa, no sentido nordeste, até encontrar o eixo da Rua Luiza Amélia, definindo o ponto T-04. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Luiza Amélia, no sentido noroeste, até encontrar o eixo da Rua Cel. Joaquim Onofre Cerqueira, definindo o ponto T-05. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Cel. Joaquim Onofre Cerqueira, no sentido nordeste, até encontrar o eixo da Rua Teófilo Brito, definindo o ponto T-06. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Teófilo Brito, no sentido sudeste, até encontrar o eixo da Rua Rui Barbosa, definindo o ponto T-07. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Rui Barbosa, no sentido sudoeste, até encontrar o eixo da Rua Luiza Amélia, definindo o ponto T-08. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Luiza Amélia, no sentido sudeste, até encontrar o eixo da Rua Senador Gervásio, definindo o ponto T-09. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Rua Senador Gervásio, no sentido nordeste, até encontrar o eixo da Rua Tenente Rui Brito, definindo o ponto T-10. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Tenente Rui Brito, no sentido sudeste, até encontrar o eixo da Rua Odilon Araújo, definindo o ponto T-11. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Odilon Araújo, no sentido nordeste, até encontrar o eixo da Rua Raimundo de Sousa, definindo o ponto T-12. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Raimundo de Sousa, no sentido sudeste, até encontrar o eixo da Avenida Clementino Escórcio de Cerqueira, definindo o ponto T-13. Deste ponto segue pelo eixo da Avenida Clementino Escórcio de Cerqueira, no sentido sudoeste, até encontrar o prolongamento do limite dos fundos dos lotes da Quadra 17 do Setor Residencial 2, voltados para a Rua Luiza Amélia, definindo o ponto T-14. Deste ponto segue pelo prolongamento do limite dos fundos destes lotes, no sentido sudeste, até encontrar o eixo da Rua João Facundo, definindo o ponto T-15. Deste ponto segue pelo eixo da Rua João Facundo, no sentido nordeste, até encontrar o eixo da Rua Tenente Rui Brito, definindo o ponto T-16. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Tenente Rui Brito, no sentido sudeste, até encontrar o eixo da Rua Félix Gomes, definindo o ponto T-17. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Félix Gomes, no sentido sudoeste, até encontrar o eixo da Rua João Martiniano, definindo o ponto T- 18. Deste ponto segue pelo eixo da Rua João Martiniano, no sentido noroeste, até encontrar o prolongamento do limite dos fundos dos lotes da Quadra 14 do Setor Residencial 2, voltados para a Avenida Clementino Escórcio, definindo o ponto T-19. Deste ponto segue pelo limite dos fundos dos lotes desta quadra, no sentido sudoeste, até encontrar o eixo da Rua Doutor Resende, definindo o ponto T-20. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Doutor Resende, no sentido sudeste, até encontrar o prolongamento do limite dos fundos dos lotes da Quadra 21 do Setor Residencial 3, voltados para a Travessa Pedro Melquíades, definindo o ponto T-21. Deste ponto segue pelo limite dos fundos destes lotes, no sentido sudoeste, até encontrar o prolongamento do limite esquerdo do lote de nº 94 desta mesma quadra e Travessa, definindo o ponto T-22. Deste ponto segue pelo limite lateral esquerdo deste lote, no sentido noroeste, até encontrar o eixo da Travessa Pedro Melquíades, definindo o ponto T-23. Deste ponto segue pelo eixo da Travessa Pedro Melquíades, no sentido sudoeste, até o eixo do leito do rio Piracuruca, definindo o ponto T-24. Deste ponto segue pelo eixo do leito do rio, no sentido oeste, até encontrar o prolongamento do eixo da Rua Piauí, sobre a Ponte Murilo Resende, definindo o ponto T-25. Deste ponto segue pelo prolongamento do eixo desta rua, no sentido nordeste, até encontrar o eixo da Rua Padre Sá Palácio, definindo o ponto T-26. Deste ponto segue pelo eixo desta rua, no sentido sudeste, até encontrar o eixo da Rua Senador Gervásio, definindo o ponto T-27. Deste

91 ponto segue pelo eixo da Rua Senador Gervásio, no sentido nordeste, até encontrar o eixo da Avenida Aurélio Brito, no ponto T-00, fechando então a poligonal principal. Fazem parte ainda do Conjunto Histórico e Paisagístico de Piracuruca o traçado e a caixa da Rua João Martiniano, a partir do seu cruzamento com a Rua Rui Barbosa, que segue até o Cemitério Campo da Saudade, incluindo também o imóvel nº 365 da Rua Coronel Joaquim Onofre de Cerqueira, esquina com a Rua João Martiniano, e o próprio Cemitério Campo da Saudade, situado entre as ruas Santa Luzia e Onofre Machado; e a quadra 71 do Setor Residencial 1, delimitada pelas ruas Tenente Rui Brito, Coronel Joaquim Onofre Cerqueira, Tertuliano Vieira e Rui Barbosa, na qual se situa o Grupo Escolar Anísio Brito. As ruas foram delimitadas pelo seu eixo para fins práticos de descrição, mas o tombamento inclui seu traçado e sua caixa até o alinhamento dos lotes no lado oposto ao tombado.

Poligonal de Entorno Para efeito do tombamento da área integrante do Conjunto Histórico e Paisagístico de Piracuruca, definiu-se a Poligonal de Entorno conforme abaixo descrita: Esta poligonal tem início no ponto E-00, situado no cruzamento dos eixos da Avenida Aurélio Brito e Rua Rui Barbosa. Deste ponto segue pelo eixo da Avenida Aurélio Brito, na direção noroeste e em sentido horário, até encontrar o eixo da Rua Santa Luzia, definindo o ponto E-01. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Santa Luzia, no sentido nordeste, até encontrar o eixo da Rua Diógenes Benício, definindo o ponto E-02. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Diógenes Benício, no sentido sudeste, até encontrar o eixo da Rua Walter Spíndola, definindo o ponto E-03. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Walter Spíndola, no sentido nordeste, até encontrar o eixo da Avenida Coronel Pedro de Brito, definindo o ponto E-04. Deste ponto segue pelo eixo da Avenida Coronel Pedro de Brito, no sentido sudeste, até encontrar o eixo da Rua Rui Barbosa, definindo o ponto E-05. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Rui Barbosa, no sentido nordeste, até encontrar o eixo da Rua Abdias Neves, definindo o ponto E-06. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Abdias Neves, no sentido sudeste, até encontrar o eixo da Rua João Facundo, definindo o ponto E-07. Deste ponto segue pelo eixo da Rua João Facundo, no sentido sudoeste, até encontrar o eixo da Avenida Coronel Pedro de Brito, definindo o ponto E- 08. Deste ponto segue pelo eixo o eixo da Avenida Coronel Pedro de Brito, no sentido noroeste, até encontrar o eixo da Avenida Clementino Escórcio Cerqueira, definindo o ponto E-09. Deste ponto segue pelo eixo da Avenida Clementino Escórcio Cerqueira, no sentido sudoeste, até encontrar o eixo da Rua Terturliano Vieira, definindo o ponto E-10. Deste ponto segue pelo eixo da Rua da Rua Terturliano Vieira, no sentido sudeste, até encontrar o eixo da Rua João Facundo, definindo o ponto E-11. Deste ponto segue o eixo da Rua João Facundo, no sentido sudoeste, até encontrar o eixo da Rua Raimundo de Sousa, definindo o ponto E-12. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Raimundo de Sousa, no sentido sudeste, até encontrar o eixo da Rua 21 de Abril,

92 definindo o ponto E-13. Deste ponto segue pelo eixo da Rua 21 de Abril, no sentido sudoeste, e prolonga-se, cruzando o Rio Piracuruca, até encontrar o eixo da Rua Arcênio Ramos de Carvalho, definindo o ponto E-14. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Arcênio Ramos de Carvalho, em sentido noroeste, paralelamente à margem do Rio, até encontrar o eixo da Rua Piauí, no encontro com a Rua Vereador José Alves Viana Filho, definindo o ponto E-15. Deste ponto segue pelo eixo da Rua Vereador José Alves Viana Filho, no sentidos noroeste e depois sudoeste, até encontrar o prolongamento do eixo da Rua Rui Barbosa, do outro lado do rio, definindo o ponto E-16. Deste ponto segue pelo prolongamento do eixo da Rua Rui Barbosa, no sentido nordeste, até encontrar o eixo da Avenida Aurélio Brito, no ponto E-00, fechando a poligonal.

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Fig. 107 - Mapa do conjunto histórico e paisagístico de Piracuruca com a poligonal de tombamento (em azul) e a poligonal de entorno (em verde). Produzido em novembro de 2008 pela SR/IPHAN-PI.

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Fig. 108 – Foto aérea do conjunto histórico e paisagístico de Piracuruca com a poligonal de tombamento (em azul) e a poligonal de entorno (em verde). Produzido em novembro de 2008 pela SR/IPHAN-PI.

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