Geosul, Florianópolis, v. 32, n. 64, p. 137-151, mai./ago. 2017.

FORMAS, FUNÇÕES, ESTRUTURAS E PROCESSOS DO ESPAÇO INDUSTRIAL EM (SP): COMPLEXO CANAVIEIRO, DISTRITOS INDUSTRIAIS E PARQUE AUTOMOTIVO

Saulo Teruo Takami1 Auro Aparecido Mendes2

Resumo: O desenvolvimento econômico de Piracicaba foi marcado por duas atividades: a cultura da cana e a fabricação do açúcar, ambas, constituíram a base da industrialização local. A atividade fabril teve relevância graças à produção de equipamentos para as usinas açucareiras e para as destilarias de álcool e aguardente, fazendo com que os ramos “metalúrgica” e “mecânica” se desenvolvessem. Os gêneros citados, as políticas públicas e privadas para instalação de fábricas e a entrada do capital estrangeiro através das multinacionais ganham destaque com a implantação de distritos industriais e evidenciam novas formas, funções e processos em curso no município pesquisado. Se no passado, Piracicaba era conhecida pela cultura canavieira, atualmente, ocorre uma diversificação das atividades econômicas com a instalação de novos ramos fabris, de serviços e comércio nos distritos industriais e, mais recentemente, com a instalação de um parque automotivo. Palavras-chave: Complexo canavieiro; Distrito industrial; Parque automotivo

FORMS, FUNCTIONS, STRUCTURES AND PROCESSES OF INDUSTRIAL SPACE IN PIRACICABA (SP): SUGARCANE COMPLEX, INDUSTRIAL DISTRICTS AND AUTOMOTIVE PARK

Abstract: The economic development of Piracicaba city was well-marked by two activities: sugarcane cultivation and sugar production consisted the basis of local industrialization. The manufacturing sector has relevance through the production of equipment for sugar plants and for alcohol and sugar cane liquor distilleries, developing metallurgy and mechanics. The development of metal-mechanic field, the public and private politics for factories’ installation and the entry of international capital through multinationals contributed to the installation of industrial districts in Piracicaba and showing new forms, functions and processes in the city mentioned. In the past, Piracicaba was known because sugarcane cultivation, currently, there is a diversification of economic activities with the installation of new industrial fields, commercial stores and service businesses in industrial districts and, more recently, with the installation of an automotive park. Keywords: Sugarcane complex; Industrial district; Automotive park

FORMAS, FUNCIONES, ESTRUCTURAS Y PROCESOS DEL ESPACIO INDUSTRIAL EN PIRACICABA (SP): COMPLEJO CAÑA DE AZÚCAR, DISTRITOS INDUSTRIALES Y PARQUE AUTOMOTOR

1 Doutorando do Curso de Pós-Graduação em Geografia-IGCE-UNESP-Rio Claro (SP). 2 Professor Adjunto do Departamento de Geografia-IGCE-UNESP-Rio Claro (SP). 137

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Resumen: El desarrollo económico de Piracicaba fue marcado por dos actividades: el cultivo de la caña y la fabricación de azúcar, ambas actividades constituyeron la base de la industrialización local. La actividad fabril tuvo relevancia gracias a la producción de equipos para las usinas azucareras y para las destilerías de alcohol y agua ardiente, haciendo con que los ramos “metalurgico” y “mecánica” se desarrollaran. Los géneros citados, las políticas públicas y privadas para la instalación de fábricas y la entrada del capital extranjero a través de las multinacionales ganan destaque con la implantación de distritos industriales y evidencian nuevas formas, funciones y procesos en curso en este municipio investigado. Si en el pasado, Piracicaba era conocida por el cultivo de caña de azúcar, actualmente, existe una diversificación de las actividades económicas con la instalación de nuevos ramos fabriles, de servicios y comercio en los distritos industriales y más recientemente, con la instalación de un parque automotor. Palabras clave: Complejo caña de azúcar; distrito industriale; Parque automotor

INTRODUÇÃO Piracicaba está inserida na Região Administrativa (RA) de Campinas. A mesma tem a segunda maior população da RA citada, aproximadamente 390 mil habitantes. Em 2012, o Produto Interno Bruto (PIB) atingiu em torno de R$ 11,9 bilhões. Mais de 97% da população vive em zona urbana (SEADE, 2013). O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2013) considera o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Piracicaba elevado. Piracicaba está a 152 km da capital paulista, no sentido Noroeste, entre as principais rodovias, estão: a Fausto Santo Mauro que dá acesso a Rodovia Washington Luis; a Luiz de Queiroz que integra Piracicaba à , e essa dá acesso a e a Rodovia do Açúcar que liga Piracicaba a Sorocaba. Conforme o Instituto de Pesquisa e Planejamento de Piracicaba – IPPLAP (2012), a partir de 1836, Piracicaba era considerada um importante centro abastecedor, uma vez que, além da cultura do café, havia plantações de arroz, feijão, milho, algodão e fumo. No fim do século XIX instalou-se o Engenho Central, engenho de cana-de-açúcar, graças ao mesmo, Piracicaba possuía elevada produção de açúcar, uma das maiores do país. Foi desativado em meados da década de 1970. Com as crises do preço do petróleo, o Brasil buscou energias alternativas. E o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) foi o responsável pela solução, transformando cana- de-açúcar em biocombustível. Desde então, Piracicaba é um polo canavieiro, haja vista que as principais indústrias são do ramo “metal-mecânica” para dar suporte a principal cultura no município. Também, há um Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) destinado a promover as tecnologias necessárias para um melhor rendimento do álcool combustível e a Escola Superior

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de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) campus da Universidade de São Paulo (USP) com as pesquisas científicas. A cana de açúcar passou por períodos de ascensão e queda, no entanto sempre representou mais de 95% do valor da produção comparado com outras culturas. Para tanto, a área reservada para o plantio precisa ser enorme, uma vez que ocupa aproximadamente 95% da área cultivada no Município de Piracicaba. Cabe destacar que na década de 1970, observa-se uma nova forma no espaço industrial piracicabano, qual seja, os distritos industriais, que assumem funções diversas além da industrial, concentrando, também, atividades comerciais e de serviços. Outra forma mais recente de organização do espaço fabril em Piracicaba refere-se ao Parque Automotivo da Hyundai que acrescenta na estrutura produtiva local uma nova função completamente diferente das anteriores. Cabe, portanto, entender os processos que são responsáveis pelas mudanças que explicam tanto as alterações ocorridas nas formas como nas funções do espaço geoindustrial. Nesse sentido, as categorias forma, função, processo e estrutura, propostas por Milton Santos, ajudará no entendimento das transformações das atividades econômicas no espaço geográfico piracicabano ao longo do tempo. Forma é o aspecto visível de uma coisa. Refere-se, ademais, ao arranjo ordenado de objetos, a um padrão. Função, de acordo com o Dicionário Webster, sugere uma tarefa ou atividade esperada de uma forma, pessoa, instituição ou coisa. Estrutura implica a inter- relação de todas as partes de um todo; o modo de organização ou construção. Processo pode ser definido como uma ação contínua desenvolvendo-se em direção a um resultado qualquer, implicando conceitos de tempo (continuidade) e mudança. Diante do exposto, torna-se evidente que a função está diretamente relacionada com sua forma; portanto, a função é a atividade elementar de que a forma se reveste. Esta última pode ou não abranger mais de uma função. Forma, função, processo e estrutura devem ser estudados concomitantemente e vistos na maneira como interagem para criar e moldar o espaço através do tempo (SANTOS, 2012, p. 69-71). Além da introdução, o presente artigo está dividido em 3 partes, quais sejam: 1. O Complexo Canavieiro e o Ramo “Metal-Mecânica”; 2. Distritos Industriais e 3. Parque Automotivo. O primeiro apresenta perspectivas históricas, econômicas e geográficas desde a cultura canavieira, mudando a função para agroindústria, graças ao ramo “metal-mecânica”. O segundo caracteriza os Distritos Industriais de Piracicaba e os processos que foram

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fundamentais para implantação dos mesmos. E, finalmente, o terceiro aborda o Parque Automotivo da Hyundai, um novo espaço industrial em Piracicaba, no qual os empresários da indústria matriz selecionam as indústrias satélites ou correlatas. Nas considerações finais, encerra a análise dos espaços produtivos industriais já existentes, destacando, também, outras formas de organização industrial que se encontram em curso.

O complexo canavieiro e o ramo “metal-mecânica”

Segundo Bilac (2001), a partir do século XVIII, no Governo de Margado de Mateus, as atividades de fabricação de açúcar se desenvolveram no estado de São Paulo, visando à exportação. Conforme Terci (2001), Piracicaba entrou no ciclo açucareiro paulista, ainda no século XVIII, compondo com Sorocaba, Mogi Guaçu e Jundiaí o “Quadrilátero do Açúcar”, que englobava, ainda, as áreas canavieiras de Campinas e Itú. Foi essa a gênese do complexo canavieiro em Piracicaba que provocou o aumento da produção açucareira e, posteriormente, a exportação. A economia piracicabana foi marcada pelo chamado complexo canavieiro, cujas atividades principais eram a lavoura da cana-de-açúcar e o seu processamento em engenhos para a produção de açúcar e aguardente. Contudo, em decorrência da grande expansão do complexo cafeeiro (produção, sacaria e transporte) no estado de São Paulo, ambas as atividades econômicas eram desenvolvidas em Piracicaba. De acordo com Ramos (2001), a cafeicultura atingiu duramente a produção do complexo canavieiro, levando ao desaparecimento, após 1851, do “Quadrilátero do Açúcar” uma vez que a região central do estado de São Paulo triplicou a produção cafeeira. Além disso, outras regiões paulistas tornaram-se mais propícias ao seu cultivo, tanto em relação à fertilidade da terra quanto ao clima. Na perspectiva de Bilac (2001), na década de 1850, a exportação do café superou a do açúcar no estado de São Paulo. No mesmo ano o café era a cultura predominante no Município de Piracicaba. O plantio do café passava a ser mais atrativo do que o de cana-de-açúcar, uma vez que: exigia menores cuidados no plantio, tinha custos de produção mais baixos, as margens de lucros eram maiores e menores perdas com o transporte (SEMEGHINI, 1991).

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Cabe ressaltar que as estradas de ferro facilitaram o transporte do café entre o Oeste Paulista e o porto de Santos (SP). Em boa medida tal transporte foi financiado pelos próprios fazendeiros, evidenciando o interesse dos cafeicultores e dos dirigentes de empresas ferroviárias. Os canavieiros se beneficiaram do dinamismo gerado pela expansão da produção cafeeira. Em 1854-1855, a produção açucareira estava concentrada em apenas quatro municípios, quais sejam: Itu, Piracicaba, Porto Feliz e Capivari. Esses municípios eram responsáveis por mais de 80% do açúcar transportado pelo porto de Santos. Vale mencionar dois fatores externos que estimularam a plantação canavieira. Primeiramente, mudanças de hábitos alimentares na Europa que tornaram o açúcar um produto cada vez mais desejado e segundo, o aumento do preço do açúcar nas colônias francesas (RAMOS, 2001). Após a proibição do tráfico de escravos e das primeiras experiências de trabalho livre no Brasil, formou-se no país um mercado interno para bens de consumo manufaturados ou semiprocessados. O açúcar e a aguardente, evidentemente, tiveram uma maior demanda. Merece salientar, que no mercado interno, a produção açucareira paulista tinha como grande problema a concorrência do produto de origem nordestina. No mercado externo, o produto brasileiro enfrentava, também, a concorrência do açúcar de beterraba produzido na Europa e do açúcar fabricado nas colônias mais próximas dos grandes mercados, como em Cuba, por exemplo. Tais processos contribuíram para uma transformação nas formas e nas funções relativas à produção açucareira paulista, notadamente na região de Piracicaba, levando a uma divisão de trabalho entre as atividades agrícolas (cultivo da cana) e as industriais (fabricação de açúcar) e, por conseguinte, à criação de fábricas, que foram denominadas de “engenhos centrais” (RAMOS, 2001). Segundo Selingardi-Sampaio (1976), a evolução econômica de Piracicaba foi marcada por duas atividades econômicas principais, a cultura da cana e a fabricação do açúcar, ambas, constituíram a base para a moderna industrialização. O Engenho Central de Piracicaba, inaugurado em 1883, teve uma função importante na economia local e, até os dias atuais, esse espaço representa uma forma de como a produção do açúcar e aguardente eram produzidos naquela época. Em 1890, foi fundado o Engenho de Monte Alegre e, em 1911, a Usina Capuava, ambos contaram com a política governamental de incentivo à concentração da produção açucareira (RAMOS, 2001).

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Conforme Suzigan (1986), na década de 1920, houve problemas com o abastecimento interno de açúcar no estado de São Paulo porque as exportações aumentaram muito, fazendo com que o governo impusesse um embargo temporário às exportações. Outro problema que agravou ainda mais a produção de açúcar, de álcool e de aguardente a partir de 1922 foi uma doença chamada “mosaico”. Para se ter uma ideia da magnitude do prejuízo, a produção que já havia atingido 1,250 milhão de sacos de açúcar e cerca de 6 milhões de litros de álcool em 1925 caiu rapidamente para 220 mil sacos e menos de 2 milhões de litros no ano seguinte (BILAC, 2001). A atividade econômica canavieira foi responsável pela estrutura industrial de Piracicaba, principalmente para a formação do ramo “metal-mecânica”. O referido gênero industrial em Piracicaba, instalou-se no fim do século XIX com a Oficina João Krähenbühl & Irmão, fundada em 1870, que reunia uma serraria e uma carpintaria a vapor, uma oficina mecânica de fundição de bronze, ferraria, serralheria e depósito de ferro. Ela foi pioneira na introdução de carroças e carros de tração animal. Apesar de comercializar com outras cidades do estado de São Paulo, a oficina manteve-se pequena até o encerramento de suas atividades (SELINGARDI-SAMPAIO, 1976). A crise econômica mundial de 1929 atingiu os países produtores e exportadores de matérias-primas. Nos anos seguintes o preço do café caiu em 43%, a borracha 42%, a lã e o milho, ambos em 40% e o estanho, o cobre, o açúcar, a manteiga, tiveram uma queda entre 20 e 30% (BILAC, 2001). Vários fatores e processos contribuíram para crise na venda de açúcar em 1929, dentre eles, a oferta elevada desse produto e a consequente queda do preço do mesmo. Em fevereiro de 1931, ficou obrigatório, pelo Decreto Nº 19.717, a mistura de álcool anidro em 5% na gasolina, tal medida visava estimular a produção alcooleira e dar vazão à safra de cana-de-açúcar. Em 1933 foi criado o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) que tinha por objetivo assegurar o equilíbrio interno entre as safras anuais e o consumo de açúcar e estimular o fabrico de álcool anidro através da criação de destilarias (IAA,1972). Terci (2001) destaca que o apoio do IAA privilegiou a região canavieira de Piracicaba, destacando o financiamento de estudos e pesquisas para o aperfeiçoamento da produção açucareira e algodoeira na ESALQ e a instalação de uma destilaria no Bairro Corumbataí, em Piracicaba. Ainda conforme a autora citada (2001), embora Piracicaba apresentasse na época uma agricultura diversificada, a cana-de-açúcar sempre liderou os níveis de produção no município

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e, em 1935, o município contribuía com 1/5 da produção de açúcar, aproximadamente, e 9% e 15% da produção de aguardente e álcool, respectivamente, no estado de São Paulo. Algumas cidades no estado de São Paulo ofereciam serviços públicos básicos, tais como: energia elétrica, serviços bancários e telefonia e contavam com uma rede de transporte ferroviário que as interligavam e que permitia um contato mais dinâmico com a capital paulista e o porto de Santos. Dessa forma, algumas indústrias se instalaram nessas cidades, principalmente do gênero “metal-mecânica”, cujos produtos e equipamentos beneficiaram o complexo canavieiro (usinas e engenhos, por exemplo). Conforme Negri (1977), a cana-de-açúcar plantada em Piracicaba constituiu, ao longo das três primeiras décadas do século XX, um complexo agroindustrial com apoio decisivo da produção açucareira, da lavoura canavieira, das usinas de açúcar e das oficinas mecânicas. Em 1920 foi fundada a Oficina Dedini, por Mário e Armando Dedini, que tinham por objetivo fabricar e consertar veículos e utensílios agrícolas. Após a II Guerra Mundial, passaram a produzir peças e maquinários para as usinas. Ainda de acordo com Negri (1977), entre 1943 a 1959, a Oficina Dedini tornou-se um grupo, inaugurando no período 6 empresas que produziam alambiques de aguardente, destilarias de álcool, acessórios para usinas, peças de cerâmica para atender a demanda interna da indústria, aço e vergalhão para a construção civil, transformadores elétricos e implementos agrícolas. Além das usinas, engenhos e indústrias “metal-mecânicas” para o fornecimento de implementos agrícolas, havia todo um conjunto de estabelecimentos industriais, que em menor quantidade, foram fundamentais para industrialização de Piracicaba. Apesar da diversidade dos gêneros industriais e o aumento quantitativo dos estabelecimentos fabris, sobretudo aqueles que estão diretamente ligados à agroindústria, a cana-de-açúcar continua, atualmente, desempenhando uma função significativa na economia piracicabana. Verifica-se, portanto, que as formas e as funções que as atividades econômicas historicamente vêm desempenhando no Município de Piracicaba só podem ser compreendidas quando se considera uma série de processos locais e externos (nacionais e internacionais) que promoveram profundas transformações na estrutura produtiva, fazendo com que o referido município passasse a ter um papel cada vez mais relevante na divisão territorial da produção.

Os distritos industriais

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A partir de meados da década de 1970, começa a ocorrer uma desconcentração relativa das indústrias localizadas na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), tanto em direção ao interior paulista como para outros estados da federação, os quais aumentaram sua participação relativa no produto industrial nacional. Conforme Oliveira (1976), as metrópoles passaram a ter “deseconomias” que produziam repulsão para muitos tipos de indústrias. O alto custo da mão de obra, os problemas com o escoamento das mercadorias, e o elevado gasto com instalações serviram para inibir novos investimentos nas metrópoles e determinar a transferência para áreas mais propícias, como distritos industriais, e também buscar cidades no entorno com custos mais atraentes. Além disso, segundo o Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE (1988), entre as causas desta desconcentração merece destaque o esvaziamento populacional do campo. O mesmo processo de mudança no aparelho produtivo paulista, que deu base à capitalização da agricultura, criou condições para um notável crescimento da implantação de estabelecimentos industriais no interior. O crescimento muito intenso e rápido da metrópole passou a apresentar estrangulamentos na sua capacidade de responder às necessidades das novas unidades produtivas e do contingente populacional que, ao encontrar condições adequadas no interior do estado de São Paulo – urbanização dinâmica, força de trabalho, boa rede de comunicações – para lá se deslocaram, levando consigo o impulso do crescimento urbano decorrente do desenvolvimento industrial. No interior do estado de São Paulo é a região do entorno metropolitano (formada pelos municípios situados em um raio de aproximadamente 200 km, a partir da RMSP) que, historicamente, tem apresentado a maior concentração industrial. O entorno metropolitano na verdade, nada mais é do que o conjunto formado pelos municípios mais industrializados das regiões administrativas de Campinas, Vale do Paraíba e Sorocaba (MENDES, 1991). Cabe ressaltar que tal desconcentração foi planejada pelo Estado, graças a Política de Desenvolvimento Urbano e Regional (PDUR), extraídos do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) que confere as seguintes prioridades para a Região Sudeste: desconcentração industrial, dinamização da zonal rural, etc. As políticas espaciais efetuadas pelo Governo de São Paulo também foram importantes para a desconcentração industrial da Região Metropolitana em direção às cidades médias localizadas no interior do estado. A participação do Governo Estadual se deu

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principalmente pela política de construção de grandes e modernas rodovias (Imigrantes, Castelo Branco, Bandeirantes, Anhanguera e Washington Luís). Segundo Tartaglia e Oliveira (1988), as diversas legislações, federal e estadual, eram restritivas em relação à implantação industrial na Região Metropolitana de São Paulo. Dessa forma, os governos municipais criaram políticas de atração industrial, uma vez que somente a RMSP era beneficiada com as vantagens que uma indústria pode trazer. Assim sendo, a atividade industrial se acelerou com a implantação de novas unidades e a expansão de outras. Será preferencialmente ao longo destes eixos de desenvolvimento industrial que ocorreu e ocorrerá a implantação de unidades produtivas de grandes corporações (de capitais nacionais e estrangeiros) sob a forma de distritos industriais através de políticas atrativas municipais. Tais processos, juntamente com a dinâmica locacional das indústrias em nível mundial ajudam a entender a implantação dos distritos industriais em Piracicaba. Entre os incentivos fiscais concedidos por algumas Prefeituras dos Municípios do interior Paulista, podemos destacar: isenção de impostos municipais por um dado período; desconto na venda do terreno ou doação do mesmo; instalação de pavimentação, energia, água, luz, telefone, entre outros. Foi dessa forma, que muitas cidades médias tiveram sua industrialização potencializada, atraindo indústrias e instalando as mesmas em seus distritos industriais. Ainda na década de 1970, o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) foi importante para o crescimento econômico de Piracicaba, uma vez que possuía enormes lavouras canavieiras e indústrias do setor sucroalcooleiro. Essa estratégia política buscou a produção do etanol (álcool combustível) em larga escala, pois o preço da gasolina estava em alta devido ao choque do petróleo. Para maximizar o complexo canavieiro, fez-se necessário atrair novas indústrias, sobretudo do gênero “metal-mecânica”, por meio de implantação de distritos industriais. No Governo do Prefeito Adilson Maluf entrou em vigor a Lei Municipal Nº 2.015 de 10 de maio de 1973, na qual a Prefeitura pode estabelecer acordos com a iniciativa privadas para concessão de incentivos à industrialização. Entre os incentivos fiscais: reembolso dos investimentos realizados com a aquisição de terrenos, instalação de equipamentos de estação de tratamento de efluentes industriais e financiamento de terraplenagem (RAZERA, 1993). Conforme Selingardi-Sampaio (1976), ao mesmo tempo em que o distrito industrial não estava instalado, algumas empresas implantaram suas fábricas em bairros distantes ou próximos das rodovias.

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O primeiro Distrito Industrial de Piracicaba, chamado Unidade Industrial Leste (UNILESTE), foi inaugurado em 1973 e recebeu esse nome devido a sua localização geográfica. A implantação do UNILESTE só foi possível porque o Prefeito Adilson Maluf desejava trazer a multinacional Caterpillar, dos Estados Unidos para Piracicaba, uma indústria do gênero “mecânica” que produz, atualmente, 35 modelos de máquinas. Os empresários de tal unidade produtiva exigiram, na época, uma área para a instalação da fábrica às margens da para facilitar o escoamento de seus produtos e, também, a instalação de rede de esgoto, água, energia elétrica, pavimentação e telefonia. Em 2012, segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico de Piracicaba (SEMDEC), o UNILESTE possuía uma extensão territorial de 1.212.851,89 m2. Nesse Distrito Industrial estavam instalados 118 estabelecimentos, sendo, conforme a Associação das Empresas do Distrito Industrial UNILESTE de Piracicaba (AEDIP), 69 industriais, 24 comerciais e 25 de serviços, gerando, aproximadamente, 12.000 empregos. Além do Distrito Industrial UNILESTE, segundo a SEMDEC, em 2001, foi criado a Unidade Industrial Norte (UNINORTE) Comendador Mario Dedini de caráter público- privado. Assim sendo, o Governo atuou de maneira mais decisiva em relação às políticas públicas concedendo isenções para as indústrias se instalarem no referido Distrito Industrial destacando as seguintes: isenção da taxa de licença para localização e funcionamento e isenção de impostos, tais como Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). De acordo com a SEMDEC (2012), o UNINORTE possuía uma extensão territorial de 989.158,74 m2, no qual estavam instalados 61 estabelecimentos. Segundo a Associação dos Promissários Donatários do Distrito Industrial UNINORTE de Piracicaba (ADINORTE, 2012), estavam em funcionamento 24 indústrias, 15 estabelecimentos comerciais e 22 de serviços, gerando, aproximadamente, 3.000 empregos. Por fim, a Unidade Industrial Noroeste (UNINOROESTE) fundada em 2005, encontra-se localizada na Rodovia Geraldo de Barros, que liga Piracicaba a São Pedro (SP), com aproximadamente 5.495.439,28 m2. Segundo a Câmara dos Vereadores de Piracicaba, em 2007, instalou-se, no referido Distrito Industrial, a fábrica Cheil Jedang (C.J) Coporation - tal grupo sul-coreano investiu cerca de R$ 200 milhões na construção desta fábrica de lisina que produz aditivo para ração animal à base de açúcar. A instalação dessa unidade produtiva estrangeira corrobora a importância da cultura canavieira em Piracicaba até os dias atuais. Em

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2009, instalou-se no Município a indústria Biomin, grupo austríaco, empreendimento do setor sucroalcooleiro. As 2 fábricas mencionadas empregavam 300 funcionários em 2012.

Tabela 1 – Quantidade de indústrias por gênero em cada distrito industrial de Piracicaba, em 2012 RAMO DE Número de Estabelecimentos Industriais ATIVIDADE UNILESTE UNINORTE UNINOROESTE TOTAL Madeira 1 0 0 1 Material Elétrico e 2 0 0 2 de Comunicações Mecânica 28 11 0 39 Metalúrgica 16 8 0 24 Papel e Papelão 2 0 0 2 Produtos 5 0 2 7 Alimentares Matérias Plásticas 5 4 0 9 Minerais Não 3 1 0 4 Metálicos Química 5 0 0 5 Têxtil 2 0 0 2 TOTAL 69 24 2 95 Fonte: Secretaria de Finanças do Município de Piracicaba, 2012 Org.: TAKAMI, Saulo Teruo, 2012

Desde o início da industrialização em Piracicaba, os gêneros “mecânica” e “metalúrgica” se destacam, uma vez que possuem o maior número de estabelecimentos, isso deve-se ao predomínio econômico do setor agroindustrial. Cabe salientar que os serviços disponíveis nos Distritos Industriais oferecem suporte para as atividades fabris. Verifica-se que os Distritos Industriais implantados em Piracicaba significam uma nova forma de organização do espaço industrial que, embora apresentem alguns ramos majoritários (“mecânica” e “metalúrgica”, por exemplo), existem outros que merecem destaque, tais como o de “matérias plásticas” e o de “produtos alimentares”. O UNILESTE, o UNINORTE e o UNINOROESTE totalizam 95 estabelecimentos produtivos. Do total de indústrias pesquisadas, 43 empresários forneceram dados relativos à mão de obra empregada.

Tabela 2 – Quantidade da mão de obra empregada (administração e produção), por ramo de atividade, nos 3 Distritos Industriais de Piracicaba, em 2012

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Ramo de Atividade Administração Produção Total Material Elétrico e de 17 82 99 Comunicações Matérias Plásticas 72 113 185 Mecânica 343 1290 1633 Metalúrgica 98 359 457 Minerais Não Metálicos 74 286 360 Papel e Papelão 5 18 23 Produtos Alimentares 85 388 473 Química 16 65 81 Têxtil 41 210 251 TOTAL 751 2811 3562 PORCENTAGEM 21,08% 78,92% 100% Fonte: Secretaria de Finanças do Município de Piracicaba, 2012 Org.: TAKAMI, Saulo Teruo, 2012

O ramo “metalúrgica” somado ao ramo “mecânica” correspondem 1649 funcionários empregados na produção e 441 na administração, o que representa 58,68% do emprego concentrado nos gêneros citados, corroborando, a relevância histórica dos mesmos em Piracicaba. Cabe salientar, ainda, que o entendimento de tais Distritos Industriais só é possível quando são considerados os processos que prendem a industrialização piracicabana a uma escala transterritorial de atração de investimentos estrangeiros e a uma escala nacional e regional na qual o município pesquisado se insere no contexto da desconcentração industrial ocorrida no estado de São Paulo.

Parque automotivo Na década de 1990, o Governo Federal ampliou a participação das indústrias automotivas no Brasil com a redução de impostos, tais como Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Além disso, o Governo estabeleceu uma redução de 50% do imposto de importação de veículos, no período entre 1996 e 1999, para as indústrias automotivas que já produzissem ou estivessem em vias de produzir no país (NAJBERG; PUGA, 2005). Essas políticas incentivaram a vinda de indústrias automotivas, entre elas, a Hyundai Motors Brasil (HMB) para Piracicaba. A fábrica sul-coreana trouxe consigo 9 de seus

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fornecedores internacionais (Mobis, Dymos, Glovis, Hysco, Ms Autotech, Hwashin, Doowon, Hanil E-Hwa e Th-Net), formando um Parque Automotivo, configurado da seguinte forma: há uma indústria principal (conhecida como indústria mãe ou doadora de ordens) representada pela Hyundai e no entorno pelas indústrias fornecedoras de insumos, chamadas de indústrias satélites ou correlatas. Piracicaba foi escolhida para ser sede da Hyundai Motor Brasil por oferecer mão de obra qualificada, infraestrutura considerável e fornecedores locais de elevada competência técnica. Além das indústrias satélites, a Hyundai conta com 20 fornecedores brasileiros. O Parque Automotivo de Piracicaba gera aproximadamente 5 mil empregos diretos, sendo 2 mil na indústria matriz e 3 mil nas indústrias satélites e, aproximadamente, 20 mil empregos indiretos (site da Hyundai Motor Brasil, 2014). A HMB ocupa uma área total de 1.390.000 m2 e 69.000 m2 construídos, a indústria automotiva desenvolve atividades de estamparia, carroceria, pintura e montagem final dos veículos. A capacidade de produção é de 150 mil carros por ano, visando atender o mercado nacional e internacional. Os fornecedores são responsáveis pelo fornecimento de itens do painel, para-choques, grades, bancos e cortes de chapa de aço. As peças chegam à montagem final por passarelas suspensas, que interligam os fornecedores e a Hyundai (site da Hyundai Motor Brasil, 2014). Merece ser salientado que a Lei Municipal Nº 6.336, de 15 de outubro de 2008, instituiu incentivos ao setor automotivo, tais como: doação de terreno; execução de infraestrutura (rede de água, esgoto e energia elétrica); isenção de ITBI por 5 anos; isenção da taxa de licença para funcionamento em horário normal e especial por até 20 anos; isenção do IPTU por 20 anos e ISSQN isento. Esses incentivos serão oferecidos aos fabricantes de veículos automotores, bem como aqueles que produzem apenas partes, peças e componentes desde que gerem empregos, formação de mão de obra qualificada e o desenvolvimento tecnológico industrial de Piracicaba. O referido Parque Automotivo consiste em uma nova função que o espaço industrial de Piracicaba vem assumindo, contemporaneamente, com funções distintas das atividades fabris tradicionais existentes até então, cujos processos só podem ser compreendidos considerando as estratégias que as empresas asiáticas vêm adotando em termos de busca de novas vantagens competitivas no estado de São Paulo.

Considerações Finais

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A pesquisa realizada evidenciou que políticas proativas, tais como implantação do complexo canavieiro, dos Distritos Industriais e do Parque Automotivo dotados de infraestruturas, continuam sendo uma prática e uma estratégia de promoção do desenvolvimento econômico piracicabano. Através dos setores econômicos citados, Piracicaba tem conseguido, por meio de políticas públicas e privadas, aumentar a produção da cadeia sucroalcooleira e atrair importantes indústrias de capitais (internacionais e nacionais) ao município, fortalecendo as indústrias de capitais locais, com incentivos fiscais em áreas estrategicamente bem localizadas, gerando, por conseguinte, arrecadação municipal, emprego e renda. Segundo o Secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico, existe um plano para a criação de mais um Distrito Industrial, chamado ALFANORTE, próximo ao UNINORTE. Esse empreendimento tem por objetivo, inicialmente, abrigar as pequenas indústrias, pois serão oferecidos lotes entre 1.000 m2 e 2.000 m2. Além das unidades produtivas já instaladas, verifica-se atualmente que outras formas de organização do espaço industrial encontram-se em curso, como por exemplo, os loteamentos industriais fechados sob responsabilidade de construtoras especializadas. Entre as vantagens oferecidas às empresas nesses loteamentos destacam-se: a melhor localização da região (entroncamento da Rodovia Bandeirantes com a Luiz de Queiroz), conexão entre as principais cidades do interior paulista, terrenos a partir de 1000 m2, dotados de infraestruturas e segurança para as empresas. Com o objetivo de atender as pequenas e médias empresas, existem outros grupos financeiros e incorporadoras que implantarão em Piracicaba lotes industriais de aproximadamente 400 m2 destinados a esse importante segmento produtivo. Obviamente, que com todas essas vantagens, Piracicaba saí na frente, deixando para trás outros municípios estagnados economicamente, inclusive, tradicionalmente industriais. Fica, dessa forma, demonstrado que a localização estratégica do complexo canavieiro, dos Distritos Industriais e do Parque Automotivo, aliada às infraestruturas, incentivos e isenções fiscais, políticas industriais, enfim, transforma Piracicaba em um “lugar vitorioso”, na lógica do capital, quando comparado com outros municípios do interior paulista e de outras regiões do Brasil.

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Recebido em abril de 2017. Aceito em junho de 2017.