ARTIGO ARTICLE 2133 ------Questão social, BRICS, Política Política Questão social, BRICS,

. O BRICS, acrônimo de Brasil, Rússia, Rússia, acrônimo de Brasil, O BRICS,

DOI: 10.1590/1413-81232018237.09072018 dos contextos nacionaisna questão social, às di ferenças internas entre ao caráter não os países, impositivo das iniciativas ao do grupo ainda, ou, demonstre embora potência de que, fato nas estra tégias arranjos novos a questão social globais, para permanece subsumida aos objetivos geopolíticos e de mercado Palavras-chave socia Resumo é o primeiro e África grupoÍndia, do Sul, criadomultilateral e dirigido do por países fora eixo de países ocidentais O objeti e desenvolvidos. do grupovo é influenciar geopolítica a e o mercado globaispartira defesada paísesdos direito do e e emergentespobres a participar em condições A questão social equitativas do desenvolvimento. está no centro das justificativas do grupo seus para o objetivo sentido, artigo deste é objetivos. Nesse analisar o tratamentoquestão social dado à pelo A metodologia seBRICS. baseou em pesquisa bi bliográfica e análise documental das Declarações realiza do BRICS, Cúpulas das nove resultantes indicam que Os resultados das de 2009 a 2017. a questão social importante a afirmação foi para do grupodo projeto no contexto E embo global. sociais em haja alguns indicadores ra avanços e são frágeis os resultados da pobreza, na redução conjuntos em sociais compromissos inúmeros as pode Isso ser atribuídosumidos. centralidadeà ------Social issue, BRICS, Social Social policy BRICS, issue, BRICS, the for , , Russia, Brazil, acronymthe for BRICS, 1 tion of the group’s project in the global project context. tion of the group’s in some social advances are While there indica torspovertyand in the results beenhas reduced, socialmany commitments weak. of are the group This can be attributed the centrality to of nation al contexts social in the internal issue, differences between countries, the non-mandatory of nature while or because, initiatives, showing group’s the powerfulstrategies new for global arrangements, the social issuesubsumed remains geopolitical to and market objectives. words Key tilateral group created group and runtilateral non-western by developed countries.influence aims to The group world and market based on the right of developing and emerging countries participate to The social in development.equitably issue lies at justificationsto achieve its of the group’s the core paper this analyze to aims this regard, In goals. the socialhow issue has been BRICS. by addressed The methodology based was re on bibliographic and documentarysearch analysis of the Decla Summits the nine BRICS resulting from rations Findings that indicate 2017. to 2009 heldfrom the social necessary was problem the affirma for Abstract Abstract is the firstmul , China and South , A questão social no projeto do BRICS do socialA questão projeto no The the BRICS Project social in issue Programa de Estudos Estudos de Programa

350 Niteroi RJ Brasil. RJ Brasil. 350 Niteroi [email protected] Social, Escola de Serviço de Escola Social, Universidade Social, Fluminense. Federal Gragoatá bloco do Campus 24210- Gragoatá. E/5º/326, 1 Política em Pós-Graduados Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato Lobato Costa Vasconcelos de Lenaura 2134 Lobato LVC Lobato Introdução distribuído muito mais rapidamente que o po- der político, os processos de regionalização têm O BRICS, acrônimo de Brasil, Rússia, Índia, Chi- se consolidado com forma de desenvolvimento na e África do Sul, é o primeiro grupo multilateral para os países, e novas potências regionais têm criado e dirigido por países fora do eixo de países surgido, configurando uma nova ordem multi- ocidentais e desenvolvidos. O termo BRIC (ainda polar ou pós-hegemônica. sem a África do Sul) foi cunhado por Goldman Mas essa multipolaridade não necessariamen- Sachs, que defendia que esses países teriam cada te implica em enfrentamento aos países desenvol- vez mais importância no cenário econômico vidos do norte ou ao modelo prevalecente de ca- global e em algumas décadas estariam entre as pitalismo global. Gray e Gills4 argumentam que o seis maiores economias do mundo1. O objetivo campo de análise das mudanças globais se divide principal do grupo é influenciar a geopolítica e o entre os que acreditam no potencial dos países do mercado globais, a partir da importância alegada chamado sul em se libertar da dominação do nor- de grandes países em desenvolvimento com pa- te, como um novo terceiro mundismo, e outros pel crucial na economia. Os BRICS representam que creem que esse poder do sul está inserido ao 41,2% da população mundial e 29,6% do territó- modelo capitalista global. Para os autores, a ques- rio da terra. O produto interno em 2016 superou tão é se as elites emergentes do sul têm de fato os 16 trilhões de dólares e o grupo registra au- intenção de desafiar as estruturas dominantes do mento significativo em suas economias a partir capitalismo ou apenas garantir a reprodução des- de 2007 (Tabela 1), mesmo com os decréscimos te, mas alterando sua própria posição e aumen- recentes de Brasil e Rússia. O PIB per capita se- tando sua influência no cenário global. gue a mesma tendência, com aumento significa- A questão social é crucial nesse debate, já que tivo na China, obviamente dado seu crescimento é ela, ao lado dos conflitos armados e decorrentes expressivo, mas também na Índia, com alta taxa crises humanitárias, e as consequências ao meio bruta de natalidade (21,4 em 2015). ambiente, quem define as piores consequências A novidade dos BRICS é seu discurso e suas do capitalismo. Por outro lado, foi a emergência proposições sobre a geopolítica global, centradas e o desenvolvimento de sistemas abrangentes de no direito de todos os países ao desenvolvimen- proteção social, e não só o desenvolvimento eco- to, com ênfase na cooperação e na busca da paz. nômico, o que permitiu a definição própria de Como afirmam Wen e Zhaoyu2, é a primeira vez países desenvolvidos. Assim, não é só a geopolí- que grandes potências perseguem como priori- tica que importa, mas o desempenho dos países dade os objetivos de paz e cooperação e não os em melhorar sua situação social5. de hegemonia e guerra. O projeto do BRICS é O BRICS demonstra bom desempenho na re- enfático quanto ao déficit de legitimidade das dução de taxas de mortalidade infantil e, mesmo instituições de Bretton Woods, especialmente o em menor grau, também em mortalidade mater- Fundo Monetário Internacional e o Banco Mun- na (Tabela 2). A redução da pobreza é expressiva dial, e a necessidade de reformá-las. Reconhecem para Brasil, África do Sul e, principalmente, Chi- o papel das Nações Unidas no enfrentamento dos na. O índice de GINI, contudo, demonstra a per- desafios e ameaças globais, mas também defen- sistência da desigualdade em todos os países do dem sua reforma, para democratizar as relações grupo, com pouca alteração nos anos seleciona- internacionais, com a participação mais equâni- dos (Tabela 1). Isso é corroborado pelas diferen- me entre os países nos processos de decisão do ças entre o Índice de Desenvolvimento Humano organismo. A inclusão social, o combate à pobre- (IDH) e o Índice de Desenvolvimento Humano za e o desenvolvimento inclusivo e sustentável, Ajustado à Desigualdade (Tabela 2), que tam- com respeito à soberania dos países, são bandei- bém demonstram o padrão bastante desigual dos ras permanentes do grupo. países, à exceção da Rússia. Os dados permitem A proposta inovadora e ousada de uma nova supor um esforço importante para a redução da governança global está sustentada no objetivo pobreza extrema e suas consequências mais vi- de desenvolvimento econômico com desenvol- síveis, mas pouco investimento em redução das vimento humano e social. Tal associação pode desigualdades. Os gastos públicos em saúde, por ser considerada como desafiante ao modelo he- exemplo, permanecem abaixo dos 5% do PIB em gemônico de globalização hoje. Segundo Medei- todos os países, à exceção da Rússia, com gasto ros et al.3, o BRICS é um dos produtos mais evi- um pouco maior (Tabela 1). dentes de um processo de mudança no cenário Considerando esses elementos é que se justi- internacional onde o poder econômico tem se fica conhecer o lugar que ocupa a questão social 2135 Ciência & Saúde Coletiva, 23(7):2133-2146, 2018

Tabela 1. BRICS - Dados socioeconômicos selecionados. 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 PIB (preços constantes) US$ / bi Brasil 1,397 1,695 1,669 2,208 2,612 2,459 2,464 2,417 1,801 1,796 Rússia 1,300 1,661 1,223 1,525 2,034 2,154 2,232 2,086 1,372 1,286 Índia 1,247 1,105 1,435 1,744 1,824 1,828 1,857 2,034 2,089 2,273 China 3,554 4,601 5,110 6,101 7,576 8,560 9,611 10,483 11,063 11,203 África do Sul 299 287 297 375 417 396 367 351 318 295 Gini Brasil 0.521 0.513 0.509 ... 0.501 0.499 0.497 0.494 0.493 ... Rússia 0.422 0.421 0.421 0.421 0.417 0.420 0.419 0.416 0.413 0.414 Índia (urbano) ...... 0.371 ... 0.367 ...... China 0.484 0.491 0.490 0.481 0.477 0.474 0.473 0.469 0.462 0.465 África do Sul ...... 0.640 ... 0.650 ...... 0.639 ...... PIB per capita (US$) Brasil 7,373 8,852 8,623 11,295 13,231 12,343 12,258 11,919 8,668 Rússia 9,101 11,635 8,563 10,675 14,227 15,044 15,551 14,053 9,098 Índia 1,096 958 1,227 1,470 1,495 1,481 1,489 1,613 1,586 China 2,697 3,473 3,839 4,561 5,636 6,338 7,081 7,684 8,027 África do Sul 6,146 5,818 5,938 7,389 8,090 7,592 6,890 6,483 ... % Gasto público em saúde/PIB Brasil 4.7 4.7 5.1 4.9 4.8 5.0 4.9 3.8a ... Rússia 4.2 3.7 4.3 3.7 3.2 3.4 3.3 3.2 3.4 Índia 1.3 1.3 1.4 1.3 1.2 1.3 1.2 1.1 1.2 China 4.3 4.5 5.0 4.8 5.0 5.2 5.3 5.5 6.0 África do Sul 3.1 3.3 3.8 3.9 4.0 4.1 4.1 4.1 ... Fonte: BRICS Joint Statistical Publication, 20166. a: Fonte: Banco Mundial7.

no projeto dos BRICS. Ou seja, qual o tratamento mensão temporal na análise documental permite dado à questão social por um grupo de grandes observar o percurso de consolidação ou a matu- países que se propõe a alterar a dinâmica hege- ração de um fenômeno. Esse aspecto é importan- mônica global de poder e de mercado, criar no- te no entendimento do projeto dos BRICS, dado vos arranjos multilaterais e que, para tanto, tem que o grupo não possui organização formal nem como justificativa central as necessidades de de- estrutura hierárquica. Nesse sentido, sua confor- senvolvimento e inclusão de suas populações. mação e a cooperação estabelecida dependem ex- clusivamente dos interesses dos países membros. As Declarações contêm compromissos que não Metodologia são mandatórios e vão evoluindo com a maturi- dade da própria cooperação. É extensa hoje a literatura sobre o BRICS. Contu- A análise das Declarações das Cúpulas foi do, não há registro de produção que trate especi- acompanhada de dados selecionados dos países, ficamente da questão social no âmbito do grupo. para identificar algumas características sociais Nesse sentido, o estudo tem caráter exploratório, gerais destes. Quando imprescindível, foram com o objetivo de identificar em que medida e incorporados documentos disponíveis relativos como o BRICS incorpora a questão social. A me- a iniciativas setoriais do BRICS. Contudo, não todologia se baseou em pesquisa bibliográfica e foi objeto deste artigo analisar essas iniciativas, análise documental das Declarações resultantes nem os resultados dos compromissos assumidos das nove Cúpulas do BRICS, realizadas anual- nas Declarações, dada sua abrangência. Como as mente de 2009 a 2017. As cúpulas são tratadas Declarações são proposições e compromissos ge- em separado, da primeira à nona. O objetivo é rais, elas não incluem os resultados da coopera- mostrar o desenvolvimento da questão social no ção setorial, como acordos e metas, mas há uma projeto dos BRICS. Como afirma Cellard8, a di- profusão de iniciativas, que vão se expandindo a 2136 Lobato LVC Lobato Tabela 2. BRICS – Indicadores sociais selecionados. 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2007/2015 Mortalidade infantil/1.000 nascidos1 Brasil 20.0 19.0 18.1 17.2 16.4 15.7 15.0 14.4 13.8 -31% Rússia 9.4 8.5 8.1 7.5 7.4 8.6 8.2 7.4 6.5 -30,8% Índia 55.0 53.0 50.0 47.0 44.0 42.0 40.0 ...... -27,2%a China 15.3 14.9 13.8 13.1 12.1 10.3 9.5 8.9 ... -41,8%b África do Sul 50.0 48.4 43.6 41.0 39.7 39.0 36.4 35.3 34.4 -31,2% Mortalidade Materna/100mil nasc vivos2 Brasil 65 44 -32% Rússia 29 25 -13,7% Índia 215 174 -19% China 35 27 -22,8% África do Sul 154 138 -10,3% Expectativa de vida ao nascer1 Brasil 72.8 73.1 73.5 73.9 74.2 74.5 74.8 75.1 75.4 3,5% Rússia 67.6 68.0 68.8 68.9 69.8 70.2 70.8 70.9 71.4 5,6% Índia 65.7 66.1 66.1 66.1 ...... 0,6%c China ... … … 74.8 ...... 76.3 2%d África do Sul 57.5 58.7 59.7 60.0 59.7 60.2 61.3 62.5 62.5 8,7% IDH/IDHAD3 Brasil 0.754/0.561 Rússia 0.804/0.725 Índia 0.624/0.454 China 0.738/ ... África do Sul 0.666/0.435 Pobreza1e Brasil 5.8 4.9 4.7 ... 4.5 3.8 ...... -34,5%f Rússia 0.0 ... 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 Índia (urbana) ...... 13,7 ...... (rural) ...... 25,7 ...... China ... 3.07 ... 2.0 1.3 ...... -57,5g África do Sul ...... 10,7 ... 7,4 ...... -30,8h 1. BRICS Joint Statistical Publication, 20166. 2. WHO. Global Health Observatory (GHO) data9. 3. Development Programme7. a: de 2007 a 2013. b: de 2007 a 2014. c: de 2007 a 2010. d: entre 2010 e 2015. e: % população com menos de 1.25$ por dia PPP à exceção da Índia, com metodologia própria. f: de 2007 e 2012. g: entre 2008 e 2011. h: entre 2019 e 2011.

cada Cúpula. A 1ª Declaração, de 2009, contém maior participação nos processos de decisão dos 15 pontos de entendimento, enquanto a de 2016 organismos internacionais e afirmar sua potência já inclui 107 pontos, com registro de mais de cem como mercados emergentes na dinâmica global, atividades entre reuniões de ministros, grupos de busca-se identificar em que medida e como a trabalhos, fóruns e seminários. questão social está inserida nesse reordenamento As Declarações das Cúpulas são analisadas proposto. A dimensão intra-BRICS busca identi- segundo duas dimensões principais – questão ficar quais são os princípios, as proposições e os social e governança global e questão social intra mecanismos preconizados para a questão social -BRICS. Na dimensão de governança global pro- entre os países que compõe o grupo. A noção de cura-se identificar os princípios e as proposições questão social já é bastante tratada na literatura existentes nas declarações do BRICS que se repor- e há relativo consenso sobre sua caracterização tam à comunidade global de países. Entende-se como movimento de intervenção social contra que essas proposições afirmam o lugar do grupo os riscos decorrentes das desigualdades geradas na comunidade internacional. Considerando que pelo capitalismo. Sem recusar essa noção, aqui o objetivo precípuo do grupo foi estabelecer sua adota-se sentido mais pragmático da questão so- autonomia como estados soberanos, demandar cial como identificação e respostas para as neces- 2137 Ciência & Saúde Coletiva, 23(7):2133-2146, 2018

sidades sociais coletivas, através de princípios e social, com respeito aos modelos de desenvolvi- eventuais proposições do BRICS. mento adotados pelos países. O grupo salienta a reunião dos ministros da agricultura dos quatro países, que decidiu pela As Cúpulas dos BRICS e a questão social criação de um sistema comum de informação agrícola para desenvolver estratégias de acesso à A Declaração da primeira Cúpula do BRIC10, re- alimentação para populações vulneráveis atra- alizada em , Rússia, em 2009, tem vés do desenvolvimento de tecnologia agrícola como foco a situação da economia global, então e à redução do impacto negativo das mudanças sob os sintomas da recente crise de 2008, e a de- climáticas sobre a segurança alimentar. O grupo manda por democratização e transparência nos chama a comunidade internacional para comba- processos de decisão das organizações financeiras ter a pobreza, a exclusão social e a inequidade nos internacionais. A declaração afirma o apoio do países pobres e em desenvolvimento. A questão BRIC para uma ordem mundial multipolar mais social é associada ao desenvolvimento social sus- justa e democrática, baseada na lei internacional, tentável, pleno emprego, trabalho decente e aten- na equidade, no respeito mútuo, cooperação, ção especial a grupos vulneráveis como pobres, ação coordenada e processo de decisão coletivo mulheres, jovens, migrantes e pessoas com defi- com todos os países e reitera que disputas in- ciência. Nessa Cúpula de Brasília já são estabele- ternacionais devem ser resolvidas pacificamente cidas várias reuniões de cooperação em diversas através de esforços políticos e diplomáticos. áreas, mas nenhuma delas é específica sobre áreas O grupo enfatiza que os países pobres são os sociais. mais atingidos pela crise financeira e que a co- A 3ª Cúpula do BRICS, realizada em 2011 munidade internacional deveria apoiá-los para em Sanya, China, é a primeira a incluir a Áfri- minimizar os efeitos da crise e garantir o alcance ca do Sul. A Declaração de Sanya12 é também a dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio primeira a incorporar um Plano de Ação e novas (ODM). A Declaração afirma a cooperação intra áreas de cooperação. A declaração afirma que a -BRIC para áreas sociais vitais, embora sem espe- “erradicação da pobreza extrema e da fome é um cificar quais seriam. Destaca-se o compromisso imperativo moral, social, político e econômico do grupo em reforçar a assistência humanitária da humanidade e um dos maiores desafios glo- internacional e a segurança alimentar global. bais do mundo hoje, particularmente nos Países A Declaração da segunda Cúpula do BRIC11, Menos Desenvolvidos (PMD)12” (tradução livre). realizada em Brasília, em 2010, contém já 31 pon- Nesta cúpula reitera-se o compromisso do BRI- tos de entendimento. É mais enfática em relação CS com o diálogo e a cooperação nos campos da a proposições sobre reformas nas instituições in- proteção social e trabalho decente e incluem-se a ternacionais, demandando maior representação equidade de gênero, a saúde pública e a luta con- dos países emergentes e em desenvolvimento. tra o HIV/AIDS. Em 2010 já era visível o melhor desempenho dos A Declaração da 4ª Cúpula do BRICS13, re- países membros do BRIC no enfrentamento da alizada em Nova Deli, Índia, em 2012, destaca a crise iniciada em 2008, o que fortaleceu o grupo preocupação do grupo com a situação de insta- internacionalmente. bilidade do mercado mundial e as políticas de A questão social está presente em diversos estabilidade adotadas pelos países centrais, que pontos e é mais evidente a relação entre os aspec- atingem negativamente os países emergentes. tos sociais e econômicos do desenvolvimento. O Na questão social o grupo reitera os aspectos do grupo afirma a necessidade de trabalho conjunto crescimento e desenvolvimento sustentável, asso- entre os países para buscar mais equilíbrio no de- ciados à segurança alimentar, erradicação da po- senvolvimento econômico global e na promoção breza, da fome e da desnutrição, além da necessi- da inclusão social, e destaca que os países em de- dade premente de criação de empregos para me- senvolvimento têm potencial para exercer papel lhorar o nível de vida no mundo. A Declaração maior e mais ativo no crescimento econômico e de Delhi saúda a iniciativa de cooperação na área prosperidade. de agricultura, com as duas reuniões de ministros A Declaração reitera o impacto maior da cri- da agricultura dos cinco países já realizadas. Mas se econômica nos países pobres e propõe apoiar agora o objetivo da segurança alimentar está as- estes no cumprimento dos ODM, através de coo- sociado à produtividade, transparência nos mer- peração técnica e apoio financeiro na implemen- cados e redução da volatilidade nos preços das tação de políticas de desenvolvimento e proteção commodities. 2138 Lobato LVC Lobato Pela primeira vez o grupo incorpora obje- Os demais temas afins à questão social, que tivos relativos à saúde pública, decorrentes da haviam sido incluídos em declarações anteriores, primeira reunião de ministros de saúde definida como segurança alimentar e saúde pública, não na Cúpula anterior e ocorrida em 2011. A decla- aparecem nessa Declaração, mas permanecem ração afirma a necessidade de enfrentar desafios nas atividades do grupo no Plano de Ação. comuns como o acesso universal a serviços de Com a 6ª reunião do BRICS, realizada em saúde, a tecnologias de saúde e a medicamentos, , Brasil, em 2014, inaugura-se um novo assim como enfrentar conjuntamente o aumento ciclo das cúpulas do grupo. O tema central é dos custos do setor e o crescimento das doenças “Crescimento inclusivo: soluções sustentáveis”, transmissíveis e não transmissíveis. com o objetivo de “manter as políticas macro- No plano de ação da Cúpula de Nova Deli econômicas e sociais inclusivas... e enfrentar incluem-se como novas áreas a política de Juven- os desafios para a humanidade, colocados pela tude os temas populacionais. Os esforços de coo- necessidade de alcançar simultaneamente cres- peração por informação dos BRICS geraram em cimento, inclusão, proteção e preservação”16. A 2012 o primeiro relatório sobre o grupo14. associação entre desenvolvimento social e eco- A 5ª Cúpula do BRICS foi realizada em Dur- nômico como estratégia para o desenvolvimento ban, África do Sul, em março de 2013, tendo global é colocada logo no início da Declaração, como resultado a Declaração de eThekwini15. A quando o grupo reitera seu compromisso com a crise econômica toma boa parte dos pontos da lei internacional e o multilateralismo e enfatiza declaração, onde o grupo volta a criticar as me- que seu lugar na dinâmica global já é reconhe- didas tomadas pelos países centrais para proteger cido por sua ‘contribuição fundamental para a suas economias, com impactos negativos nos de- paz global, a estabilidade econômica, a inclusão mais países, em especial o crescimento das dívidas social, a equidade, o desenvolvimento sustentável internas e aumento de desemprego, mantendo a e a cooperação mútua com todos os países”16. O instabilidade global. Na declaração, o BRICS co- grupo afirma estar pronto para explorar novas munica sua iniciativa mais ousada, que foi a de- áreas de cooperação e parcerias para facilitar as cisão de criar Novo Banco de Desenvolvimento relações de mercado e a integração financeira. (), ou banco do BRICS. Evidência disso é o lançamento, nessa Cúpula, O grupo assevera a necessidade de paz com do Novo Banco de Desenvolvimento, ou Banco respeito à soberania dos Estados e apoio da co- do BRICS. A Declaração sustenta a contribuição munidade internacional para a crise humanitária do BRICS para a estabilidade da economia glo- nos diversos países em conflito. São todas inicia- bal com seu crescimento econômico e políticas tivas que confirmam um posicionamento não he- de inclusão social, que teriam gerado empregos e gemônico nos conflitos internacionais e atestam reduzido a pobreza e a inequidade. a opção do grupo por autonomia em relação às Os direitos humanos são defendidos na De- posições das nações desenvolvidas. claração e incluem o ‘direito ao desenvolvimento, O grupo manifesta interesse em cooperar no de maneira justa e igualitária, no mesmo passo campo dos direitos humanos e saúda os 20 anos e com a mesma ênfase’ (que os direitos huma- da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos nos)16. Em clara afirmação contra as críticas rece- e sua declaração de Viena. É a primeira vez que bidas por violações dos direitos humanos, o gru- o tema dos direitos humanos entra na pauta do po defende a ‘necessidade de promover, proteger grupo sem ser em referência a situações de con- e cumprir os direitos humanos de forma não se- flito. letiva, não politizada, construtiva e sem duplos O atingimento dos Objetivos de Desenvol- padrões’16. Essa afirmação é seguida de declara- vimento do Milênio para 2015 permanece nes- ção em defesa da democracia e pela resolução pa- sa declaração. O grupo manifesta mais uma vez cífica dos conflitos em diversos países, chamando preocupação com a possibilidade de retrocesso atenção para a grave situação humanitária e de no alcance dos objetivos por parte dos países de violação dos direitos humanos decorrentes de baixa renda, devido à crise econômica interna- soluções intervencionistas e sanções unilaterais e cional. Chama-se a atenção para a necessidade de em desrespeito à soberania das nações. que o objetivo 8 dos ODM – Parcerias Globais A erradicação da pobreza permanece como para o Desenvolvimento – permaneça no centro tema central, mas sem propostas específicas in- do discurso do sistema das Nações Unidas e os tra-BRICS e sim como cerne de um ‘processo in- compromissos assumidos de apoio aos países po- tergovernamental de construção de uma agenda bres sejam honrados. integrada de desenvolvimento universal’16. 2139 Ciência & Saúde Coletiva, 23(7):2133-2146, 2018

A educação entra pela primeira vez nas De- Na questão agrícola, o acesso à alimentação clarações do grupo, também como elemento de para populações vulneráveis permanece, mas a desenvolvimento e crescimento econômico. O prioridade do texto é para as ações de mercado, grupo declara sua disposição com a educação comércio e adaptação da agricultura às mudan- para todos e inicia cooperação na área, com as ças climáticas. reuniões de ministros de educação e a Universi- Pela primeira vez, um único item da Declara- dade em Rede do BRICS. ção trata especificamente sobre a proteção social, Os temas populacionais estão também pre- onde o grupo registra ‘com satisfação o progresso sentes na Declaração de Fortaleza, com destaque alcançado na coordenação de esforços com res- para iniciativas que impactam a questão social, peito a recursos humanos e emprego, assistência como transição e pós-transição demográfica, social e previdência, assim como política de in- envelhecimento e redução da mortalidade. Cabe tegração social’19. Esses esforços são, na verdade, destaque ao compromisso anunciado pelo grupo iniciativas de estudos e reuniões conjuntos nas de tratar os temas sociais relativos à inequidade áreas de população, trabalho e emprego e, mais de gênero, direitos das mulheres e juventude e em recentemente, seguridade social e inclusão social. garantir a saúde sexual e reprodutiva e os direitos O plano de Ação de Ufa define a realização de um reprodutivos para todas. Os temas populacionais Fórum sobre Sistemas Abrangentes de Proteção geraram a Agenda para Cooperação em Questões Social do BRICS junto à reunião de especialistas Populacionais do BRICS, onde estão presentes do grupo de países sobre questões sociais e traba- temas como igualdade de gênero, violência con- lhistas. Contudo, não há registro disponível dessa tra as mulheres, juventude e idosos17. atividade. Os idosos aparecem pela primeira vez O plano de Ação de Fortaleza inclui pela pri- entre os grupos populacionais específicos que re- meira vez iniciativas de cooperação na área de se- querem atenção, ao lado das mulheres, jovens e guridade social. Estudo feito pela Associação In- pessoas com deficiência. ternacional de Seguridade Social, que comparou Saúde também entra nesta declaração com os sistemas do BRICS, indicava o crescimento da mais ênfase. O grupo declara ‘o direito de todas desigualdade nos cinco países, em parte decor- as pessoas, sem distinção, ao mais alto padrão rência da própria cobertura da seguridade social, possível de saúde física e mental e à qualidade segmentada e cobrindo principalmente traba- de vida necessária para a manutenção de sua lhadores do mercado de trabalho formal. Entre saúde e bem estar e da saúde e bem estar de sua os desafios para a área, o estudo afirmava a ne- família’19. O grupo chama a comunidade interna- cessidade de ampliar a cobertura, especialmente cional a reforçar a cooperação entre países para para a área rural, idosos e pessoas com deficiên- alcançar objetivos em saúde, nos quais incluem cia, ampliar os serviços, lidar com os problemas implementar ‘o acesso universal e equitativo a decorrentes da descentralização governamental e serviços de saúde’ e ‘garantir oferta de serviços de seus diferentes subsistemas, aumentar o financia- boa qualidade e acessíveis, considerando as dife- mento e equiparar benefícios18. Esse estudo, em- rentes circunstâncias, políticas, prioridades e ca- bora contratado pelo BRICS, não teve repercus- pacidades nacionais’ e, através de parcerias com são nas Cúpulas seguintes, mas voltaria em 2017, os setores público e privado, a sociedade civil e a com um importante documento de princípios e academia, aprimorar a saúde para todos19. propósitos para a área. No que toca a iniciativas objetivas do grupo, A 7ª Cúpula do BRICS ocorreu em Ufa, na contudo, o foco é a redução ou erradicação de Rússia, em 2015. A Declaração de Ufa19 reafirma doenças transmissíveis, que ‘dificultam o desen- o compromisso com os direitos humanos e a crí- volvimento’, em especial HIV/AIDS, tuberculose, tica à sua politização; e vai além, anunciando que malária, doenças tropicais negligenciadas, pólio e o grupo vai reforçar suas posições junto às insti- sarampo. Nesse sentido, o Plano de Ação de Ufa tuições de direitos humanos, inclusive na ONU. define a realização da Conferência Internacional Esse posicionamento mais incisivo responde às “Ameaças comuns – ações conjuntas: a resposta críticas de violação de direitos, especialmente na dos BRICS a doenças infecciosas perigosas’ que China e na Rússia, vindas da Anistia Internacio- aconteceria ainda em 2015, mas não há registro nal e ONU no período. A defesa dos direitos hu- dessa iniciativa. A cooperação em pesquisa na manos é mais uma afirmação política do que um área de saúde e doenças transmissíveis não consta conjunto de propostas não hegemônicas para a entre as iniciativas de cooperação divulgadas na ação global ou mesmo uma área de cooperação mesma Declaração para a área de Ciência, Tecno- intra-BRICS. logia e Inovação. 2140 Lobato LVC Lobato A Cúpula de Ufa ocorre no ano de 2015, ano gênero e o empoderamento de mulheres e meni- de avaliação dos Objetivos de Desenvolvimento nas. Iniciativa importante foi a criação de Fórum do Milênio, várias vezes reiterado em Declarações de mulheres parlamentares do BRICS, que em anteriores do BRICS. A reunião saúda os esforços reunião em 2016 traça estratégias de ação para a para os ODM, já indica seu compromisso com implementação da Agenda 203023. a agenda de desenvolvimento pós-2015, mas não Em relação aos jovens, o grupo ratifica as anuncia a situação dos próprios países do grupo conclusões da Cúpula da Juventude dos BRI- em relação ao atingimento dos ODM. A Decla- CS24, que reconhece a importância da educação, ração reitera sua posição de que a erradicação da do emprego e do empreendedorismo para a in- pobreza é elemento indispensável para o desen- clusão social e econômica dos jovens. Na saúde, volvimento sustentável e reafirma a necessidade destaca-se o apoio à estratégia 90-90-90 do Pro- de um enfoque coerente e equilibrado entre os grama Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/ componentes econômico, social e ambiental do AIDS (UNAIDS)25 e à cooperação intra-BRICS desenvolvimento sustentável para a agenda pós- para promover a pesquisa e o desenvolvimen- 2015. Esse enfoque seria uma estrutura comum to de medicamentos e ferramentas diagnósticas de objetivos que sejam universais, mas aplicáveis para erradicar epidemias e ‘facilitar o acesso a a cada realidade nacional de acordo às suas carac- medicamentos essenciais seguros, eficazes, de terísticas e prioridades. qualidade e acessíveis’21. Entre as decisões estratégicas de Ufa está a A 9ª Cúpula do BRICS foi realizada em 2017 consolidação da ‘Estratégia para uma parceria em , China. A Declaração de Xiamen26 re- econômica do BRICS’, plano de longo prazo para gistra os mais de 70 documentos comuns já pro- a cooperação econômica entre os países do gru- duzidos pelo grupo. A Declaração saúda os dez po, a ser revisto de 5 em 5 anos. O plano inclui anos da cooperação do BRICS e reitera os princí- entre seus propósitos ‘lutar pelo crescimento eco- pios de respeito e compreensão mútuos, equida- nômico inclusivo, de forma a erradicar a pobreza, de, solidariedade, inclusão e cooperação. O grupo combater o desemprego e promover a inclusão ressalta a elaboração da Declaração dos Ministros social’20. No entanto, entre as oito áreas econô- do Trabalho e Emprego do BRICS27, que contém micas prioritárias do plano, apenas a de Ciência o documento Estrutura de Cooperação em Segu- e Tecnologia incorpora temas atinentes à questão ridade social do BRICS, onde estão desenvolvi- social, como segurança alimentar e pesquisa mé- dos os objetivos da cooperação intra-Brics nes- dica. sas áreas, cujos propósitos são garantir o pleno A 8ª Cúpula do grupo BRICS ocorreu em emprego, proteger o trabalho decente, avançar Goa, Índia, em 2016. Vários são os itens da De- no alívio e redução da pobreza através do desen- claração de Goa21 que tratam da posição do gru- volvimento de habilidades e alcançar sistemas de po BRICS sobre a governança global, que voltam seguridade universais e sustentáveis. A coopera- a ter destaque após as primeiras Cúpulas do novo ção prevê estudos para, entre outras iniciativas, ciclo, iniciado em 2014 em Fortaleza, quando os gerar acordos intra-BRICS para intercâmbios em temas de comércio e cooperação haviam sido matéria de emprego e seguridade social. mais ressaltados. O enfoque de desenvolvimento de habilida- A agenda 2030 de Desenvolvimento Susten- des como mecanismo de combate à pobreza apa- tável, que atualiza os Objetivos de Desenvolvi- rece pela primeira vez nas declarações do grupo. mento do Milênio, é saudada na Declaração pela Segundo a Declaração de Ministros, “Os países centralidade na erradicação da pobreza e pelo BRICS concordam em (...) melhorar o nível de enfoque equilibrado entre as dimensões eco- habilidades e empregabilidade dos indivíduos, nômica, social e ambiental do desenvolvimen- especialmente os pobres, através da formação to sustentável. O grupo chama atenção para o profissional, a fim de alcançar redução e elimi- princípio de ‘Responsabilidades Comuns, mas nação da pobreza’26. A formação profissional dos Diferenciadas’ da Agenda, que atende à concep- pobres para aumentar a empregabilidade é tema ção de respeito às particularidades nacionais, já controverso, principalmente em países onde a reivindicada em Cúpulas anteriores e se compro- pobreza está vinculada a um conjunto amplo mete com a implementação do Plano de Ação do de necessidades e vulnerabilidades. O risco des- para a Agenda 203022, que inclui o apoio aos sa perspectiva, bastante difundida nas políticas países pobres para o atingimento das metas. Um sociais atuais, é tratar a pobreza como inadap- dos pontos da Agenda enfatizado na Declaração tabilidade dos indivíduos, o que compromete a é o compromisso do grupo com a equidade de própria noção de inclusão reiterada pelo grupo. 2141 Ciência & Saúde Coletiva, 23(7):2133-2146, 2018

A área de saúde está presente na Declaração favorecendo a cooperação e a solidariedade no de Xiamen com os objetivos já apresentados em grupo, mas também faz com que proposições Declarações anteriores, principalmente de coo- possam se transformar em inócuas, se as estrutu- peração nas áreas de doenças transmissíveis. Des- ras que sustentam as políticas sociais passarem ao taca-se a inclusão, pela primeira vez nas Declara- largo das proposições. ções, de compromisso com a expansão dos siste- Em segundo lugar, há pouca ênfase nas políti- mas de saúde e aumento de seu financiamento. cas específicas dos países como parte dos proble- Em Xiamen é apresentado o 1º relatório da mas sociais. No discurso do grupo os problemas Estratégia para a parceria econômica do BRICS20. sociais estão mais vinculados ao desequilíbrio O relatório inclui inúmeras iniciativas de coope- global, que compromete o desenvolvimento dos ração econômica. Entre as áreas com impacto na países pobres e em desenvolvimento, do que a questão social, sobre as quais há registro, estão a problemas internos dos países. Como o grupo de segurança alimentar e educação, com enfoque enfatiza constantemente o respeito às políticas em educação técnica em setores de tecnologia. internas de cada país, e dado o reconhecimen- Outras áreas sociais não estão incluídas. to das profundas diferenças entre eles, há um vazio na identificação dos problemas nacionais que favorecem a permanência ou dificuldade de Discussão enfrentamento dos problemas sociais. Há várias iniciativas recentes para tratar dos sistemas so- O Quadro 1 resume os princípios e os posicio- ciais dos países membros, mas elas não se trans- namentos mais relevantes das nove Cúpulas do formaram em proposições conjuntas e muitas BRICS em relação à questão social. É possível são de resultado desconhecido. identificar que, à medida em que a cooperação Em terceiro lugar, a concepção da questão do grupo avança, os temas sociais vão se deslo- social no projeto do grupo está totalmente vin- cando da dimensão de governança global para a culada ao crescimento e desenvolvimento. Se de ações intra-BRICS. Isso indica que a questão bem essa noção se diferencia da agenda neolibe- social foi importante para a afirmação do projeto ral protagonizada pelos países já desenvolvidos, do grupo no contexto global, e reitera a potência ela mantém a questão social como justificativa e dos temas sociais na disputa de poder na geopo- consequência do desenvolvimento, e não parte lítica mundial. Por outro lado, o crescimento da intrínseca deste. questão social nos compromissos intra-BRICS O conjunto desses fatores permite supor uma passa de afirmações genéricas a favor da inclusão fragilidade no projeto do BRICS, na medida em social, para incorporar a maioria dos temas so- que este utiliza a questão social em seu discurso ciais contemporâneos como combate à pobreza, de defesa de uma nova dinâmica de governança acesso universal à saúde e à educação, segurança global, que respeite e preserve o direito dos paí- alimentar, pleno emprego e trabalho decente, di- ses pobres e emergentes ao desenvolvimento, mas reitos humanos, equidade de gênero, inclusão so- não a incorpora em compromissos concretos a cial de idosos e pessoas com deficiência, juventu- serem adotados pelos países do grupo. de, etc. E é com o segundo ciclo das Cúpulas, ini- ciado com a 6ª Cúpula em Fortaleza, que vão se consolidando grupos de trabalho e cooperações Conclusão em áreas estratégicas como populações, saúde, educação, trabalho, seguridade e proteção social. O BRICS reitera em suas Cúpulas o déficit de Contudo, não é possível identificar que esses legitimidade das instituições internacionais e na compromissos tenham tido qualquer impacto na necessidade de reformá-las. Afirma seu papel e estrutura social dos países do BRICS. Os avanços importância em uma nova governança econô- sociais registrados estão mais relacionados a po- mica global, baseada na democratização das re- líticas internas dos países do que à cooperação. E lações internacionais e na participação equânime isso pode estar relacionado a diversos fatores. Em dos países emergentes e em desenvolvimento. A primeiro lugar, a concepção não impositiva do questão social está no centro das justificativas BRICS, se inovadora em termos de arranjos mul- para a defesa de um novo arranjo global, que per- tilaterais, não implica em compromissos internos mita o desenvolvimento equitativo e inclusivo. aos países, como é o caso, por exemplo, da União Várias iniciativas na área social são hoje parte da Europeia ou mesmo do Mercosul. Isso gera uma cooperação entre os países do grupo, em conso- agenda essencialmente positiva e propositiva, nância aos princípios centrais que os países vêm 2142 continua Lobato LVC Lobato 2017 69 itens de de 69 itens 9ª CÚPULA 9ª CÚPULA entendimento Xiamen, China Xiamen, - apoio à 2030 de agenda Desenvolvimento Sustentável 2016 Goa, Índia Goa, 107 itens de de 107 itens 8ª CÚPULA 8ª CÚPULA entendimento - apoio à 2030 de agenda Desenvolvimento Sustentável 2015 75 itens de de 75 itens Ufa, Rússia Ufa, 7ª CÚPULA 7ª CÚPULA entendimento - compromisso com com - compromisso humanos os direitos direito do - defesa padrão ao mais alto saúde de possível física e mental Brasil Fortaleza, Fortaleza, 70 itens de de 70 itens entendimento 6ª CÚPULA 2014 6ª CÚPULA - alcançar simultaneamente crescimento, e proteção inclusão, preservação humanos - direitos mesma ênfase com ao direito que desenvolvimento 2013 , Durban, 5ªCÚPULA 45 pontos de de 45 pontos África Sul do entendimento - garantir o dos alcance 2015 ODM em - apoio aos direitos e à humanos Conferência Mundial Direitos sobre Humanos/ Declaração de Viena 2012 Índia Nova Deli, Deli, Nova 48 itens de de 48 itens 4ª CÚPULA 4ª CÚPULA entendimento - garantir o dos alcance 2015 ODM em - crescimento e sustentável desenvolvimento segurança com alimentar, erradicação da da fome pobreza, e da desnutrição - criação de para empregos melhorar o vida de no nível mundo. 2011 3ª CÚPULA 3ª CÚPULA 30 pontos de de 30 pontos Sanya, China Sanya, entendimento - garantir o dos alcance ODM - crescimento e sustentável desenvolvimento como parafundamentais eliminar a pobreza - erradicação da extrema pobreza como e da fome moral, imperativo político social, da e econômico humanidade - Aplicar os da resultados Plenária Reunião da Nível Alto de 2010 ONU de os ODM sobre 2010 2ª CÚPULA 2ª CÚPULA 31 pontos de de 31 pontos entendimento Brasília, Brasil Brasília, - garantir o alcance apoio ODM com dos e técnico financeiro a países pobres inclusão - promover social a - combater a exclusão pobreza, social e a inequidade o - promover desenvolvimento social sustentável social, proteção com emprego, pleno e trabalho decente especial a atenção grupos vulneráveis pobres, como jovens, mulheres, migrantes e pessoas deficiência com 2009 Rússia 1ª CÚPULA 1ª CÚPULA 15 pontos de de 15 pontos entendimento Yekaterinburg, - garantir o dos alcance de Objetivos Desenvolvimento Milênio do (ODM) a - reforçar assistência humanitária internacional e a segurança globalalimentar . Questão social nas Declarações de Cúpula do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África China Sul). do Índia, Rússia, Questão social BRICS (Brasil, nas Declarações Cúpula do de . Questão social e governança global Quadro 1 Quadro 2143 Ciência & Saúde Coletiva, 23(7):2133-2146, 2018 2017 69 itens de de 69 itens 9ª CÚPULA 9ª CÚPULA entendimento Xiamen, China Xiamen, - redução ou - redução erradicação doenças de transmissíveis dos - expansão saúde de sistemas do - aumento em financiamento saúde - apoio à Declaração Ministros dos e Trabalho do do Emprego BRICS e Estrutura de Cooperação em Seguridade social BRICS do de 2016 Goa, Índia Goa, 107 itens de de 107 itens 8ª CÚPULA 8ª CÚPULA empowerment entendimento - redução ou - redução erradicação doenças de transmissíveis - cooperação pesquisa e em desenvolvimento medicamentos de e ferramentas diagnósticas para erradicar epidemias com - compromisso as metas 90-90-90 do Conjunto Programa Unidas das Nações HIV/AIDS sobre com - compromisso gênero de a equidade e o e meninas mulheres - Fórum mulheres de do parlamentares BRICS - ratificação das da Cúpula decisões dos da Juventude BRICS 2015 75 itens de de 75 itens Ufa, Rússia Ufa, 7ª CÚPULA 7ª CÚPULA entendimento -desenvolver -desenvolver estratégias acesso de à alimentação para populações vulneráveis -Fórum sobre Sistemas de Abrangentes Social do Proteção BRICS a idosos, - proteção jovens mulheres, e pessoas com deficiência e universal - acesso a serviçosequitativo saúde de ou - redução erradicação doenças de transmissíveis - pesquisa, desenvolvimento, e oferta produção medicamentos de para tratamento e prevenção doenças de transmissíveis Brasil Fortaleza, Fortaleza, 70 itens de de 70 itens entendimento 6ª CÚPULA 2014 6ª CÚPULA - cooperação em em - cooperação segurança alimentar pública e saúde - erradicação da como pobreza agenda de centro integrada de desenvolvimento universal em - cooperação educação para- cooperação garantir equidade direitos gênero, de e da das mulheres juventude -garantir saúde e reprodutiva sexual e os direitos reprodutivos - cooperação Questões em do Populacionais BRICS em - cooperação informação para sociais indicadores 2013 Durban, Durban, 5ªCÚPULA 45 pontos de de 45 pontos África Sul do entendimento - cooperação - cooperação segurançaem e alimentar pública saúde 2012 Índia Nova Deli, Deli, Nova 48 itens de de 48 itens 4ª CÚPULA 4ª CÚPULA entendimento - defesa do do - defesa a universal acesso serviços saúde, de a tecnologias e a saúde de medicamentos - enfrentar conjuntamente o aumento do custos dos e saúde setor o crescimento das doenças e transmissíveis não transmissíveis - cooperação pesquisa, em desenvolvimento em e inovação saúde - cooperação política em de e temas Juventude populacionais 2011 3ª CÚPULA 3ª CÚPULA 30 pontos de de 30 pontos Sanya, China Sanya, entendimento - incrementar - incrementar e diálogo em cooperação social, proteção trabalho decente, juventude, de equidade e saúde gênero pública em - cooperação (reunião saúde da ministros de saúde) - grupo de cooperação indústriaem farmacêutica 2010 2ª CÚPULA 2ª CÚPULA 31 pontos de de 31 pontos entendimento Brasília, Brasil Brasília, - desenvolver - desenvolver estratégias acesso de à alimentação para populações vulneráveis 2009 Rússia 1ª CÚPULA 1ª CÚPULA 15 pontos de de 15 pontos entendimento Yekaterinburg, - cooperação - cooperação sociais para áreas vitais (não especificadas) . Questão social nas Declarações de Cúpula do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África China Sul). do Índia, Rússia, Questão social BRICS (Brasil, nas Declarações Cúpula do de . Questão social Intra-Brics Quadro 1 Quadro 2144 Lobato LVC Lobato ressaltando. Contudo, apesar de avanços impor- Por outro lado, o tipo de arranjo do BRICS, tantes na redução da pobreza e da melhoria de sem organização formal ou hierarquia, que fa- indicadores sociais relevantes, as desigualdades voreceu seu crescimento, pode ser também um persistem e em alguns casos até avançaram. E não empecilho. Com tantas diferenças entre si, o há resultados sociais nos países que possam ser BRICS aproveitou-se da flexibilidade e pôde se relacionados à participação no grupo. Isso pode mover rapidamente sem a restrição de regras e ser atribuído à dificuldade de assumir compro- regulamentos28. Essa informalidade, sem dúvida missos para contextos nacionais muito díspares uma grande inovação de engenharia diplomáti- com estruturas de sistemas de políticas sociais ca, pode, contudo, gerar fragilidade nos compro- muito diferentes. A questão social está historica- missos assumidos e comprometer os objetivos mente relacionada ao desenvolvimento dos esta- dos BRICS. Se esses compromissos são para va- dos nacionais e à noção de cidadania, e é parte ler, resta o desafio de tornar efetivas as inúme- da institucionalidade política dos contextos na- ras proposições assumidas em relação à questão cionais. E não há como enfrentar problemas so- social. Se não, a questão social terá demonstrado ciais sem intervir nas estruturas organizacionais sua potência nas estratégias para novos arranjos através de políticas públicas sólidas. globais, mas permanecerá subsumida aos objeti- vos geopolíticos e de mercado. 2145 Ciência & Saúde Coletiva, 23(7):2133-2146, 2018

Referências

1. Singh S, Dube M. BRICS and the World Order: A Be- 15. BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). ginner’s Guide. Centre for International , Eco- Fifth : eThekwini Declaration and Action Plan, nomics and Environment and South African Institute 2013. [acessado 2018 Jan 15]. Disponível em: http:// of international Affairs, 2014. [acessado 2018 Jan 15]. .itamaraty.gov.br/press-releases/21-document- Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers. s/69-fifth-summit cfm?abstract_id=2443652 16. BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). 2. Wen W, Zhaoyu G. 10 myths about Brics debunked. Sixty BRICS Summit – Fortaleza Declaration and Ac- Financial Times, September,1, 2017 [acessado 2018 tion Plan, 2014. [acessado 2018 Jan 15]. Disponível em: Jan 15]. Disponível em: https://www.ft.com/content/ http://brics.itamaraty.gov.br/press-releases/214-sixth 50fe74e6-8f0a-11e7-a352-e46f43c5825d -brics-summit-fortaleza-declaration 3. Medeiros MA, Ribeiro MMLA, Lyra MPO. En busca de 17. Brasil. Ministério das Relações Exteriores. Proposed Agen- la afirmación: seguridad y BRICS en la gobernanza in- da for Brazil, Russia, India, China, (BRICS) Coope- ternacional. Foro int 2017; 57(3):607-639. ration on Population Matters 2015-2020. Ministério das Rela- 4. Gray K, Gills BK. South-South cooperation and the ções Exteriores, 2015. [acessado 2018 Jan 15]. Disponível rise of the . Quarterly 2010; em: http://brics.itamaraty.gov.br/press-releases/21-do- 37(4):557-574. cuments/250-proposed-agenda-for-brazil-russia-in- 5. Wallerstein I. Whose interests are served by the BRICS? dia-china-south-africa-brics-cooperation-on-popula- May, 1, 2013. [acessado 2018 Jan 15]. Disponível em: tion-matters-2015-2020 https://www.iwallerstein.com/interests-served-brics/ 18. International Social Security Association (ISSA). So- 6. BRICS Joint Statistical Publication, 2016. BRICS Joint cial security coverage extension in the BRICS. A compa- Statistical Publication, 2016. New Delhi: Government rative study on the extension of coverage in Brazil, the of India Ministry of Statistics and Programme Imple- Russian Federation, India, China and South Africa. Ge- mentation Central Statistics Office (CSO); 2016. vene: ISSA; 2013. [acessado 2018 Jan 15]. Disponível 7. United Nations Development Programme. Human De- em: http://apsredes.org/wp-content/uploads/2014/03/ velopment Reports Banco Mundial. [acessado 2018 Fev 2-BRICS-report-final.pdf 5]. Disponível em: https://data.worldbank.org/indica- 19. BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). VII tor/SH.XPD.PUBL.ZS BRICS Summit: Ufa Declaration, 2015. [acessado 2018 8. Cellard A. A análise documental. In: Pupart J, Deslau- Jan 15]. Disponível em: http://www.brics.utoronto.ca/ riers JP, Groulx LH, Laperrière A, Mayer R, Pires AP. A docs/150709-ufa-declaration_en.html pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodo- 20. Brasil. Ministério das Relações Exteriores. Estratégia lógicos. Petrópolis: Vozes; 2008. para uma parceria econômica do BRICS, 2015. [acessa- 9. World Health Organization (WHO). Global Health do 2018 Jan 15]. Disponível em: http://brics.itamaraty. Observatory (GHO) data. [acessado 2018 Jan 15]. Dis- gov.br/images/Strategy_ptbr.pdf ponível em: http://www.who.int/gho/en/ 21. BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). 8th 10. BRIC (Brazil, Russia, India, China). First Summit: Joint BRICS Summit. Goa Declaration, 2016. [acessado 2018 Statement of the BRIC Countries Leaders, 2009. [acessado 2018 Jan 15]. Disponível em: http://brics.itamaraty.gov.br/ Jan 15]. Disponível em: http://brics.itamaraty.gov.br/ images/pdf/GoaDeclarationandActionPlan.pdf press-releases/21-documents/114-first-summit-2 22. Grupo dos 20. G20 Action Plan on the 2030 Agenda 11. BRIC (Brazil, Russia, India, China). Second Summit: Joint for , 2016. Disponível em: Statement, 2010. [acessado 2018 Jan 15]. Disponível em: https://www.b20germany.org/fileadmin/user_upload/ http://brics.itamaraty.gov.br/press-releases/21-docu- G20_Action_Plan_on_the_2030_Agenda_for_Sustai- ments/66-second-summi nable_Development.pdf 12. BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). 23. BRICS India. Meeting of BRICS Women Parliamenta- Sanya Declaration, 2011. [acessado 2018 Jan 15]. Dis- rians’ Forum on Women Parliamentarians: Enablers for ponível em: http://brics.itamaraty.gov.br/press-relea- Achieving SDGs, 2016. [acessado 2018 Jan 15]. Dispo- ses/21-documents/67-third-summit nível em: 13. BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). 24. BRICS India. Guwahati BRICS Youth Summit 2016 Fourth Summit: Delhi Declaration and Action Plan, Call to Action, 2016. [acessado 2018 Jan 15]. Disponível 2012. [acessado 2018 Jan 15]. Disponível em: http:// em: http://pibphoto.nic.in/documents/rlink/2016/jul/ brics.itamaraty.gov.br/press-releases/21-document- p20167401.pdf s/68-fourth-summit 25. Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/ 14. India. Ministry of Finance. The BRICS report. A Study AIDS (UNAIDS). 90-90-90 Uma meta ambiciosa de tra- of Brazil, Russia, India, China, and South Africa with tamento para contribuir para o fim da epidemia de AIDS. special focus on synergies and complementarities. New [acessado 2018 Jan 15]. Disponível em: https://unaids. Delhi: Oxford University Press; 2012. org.br/wp-content/uploads/2015/11/2015_11_20_ UNAIDS_TRATAMENTO_META_PT_v4_GB.pdf 2146 Lobato LVC Lobato 26. BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). BRICS Leaders Xiamen Declaration, 2017. [acessado 2018 Jan 15]. Disponível em: https://brics2017.org/En- glish/Documents/Summit/201709/t20170908_2021. html 27. BRICS Labour and Employment Ministers’ Declara- tion. BRICS: Chongqing; 2017. [acessado 2018 Jan 15]. Disponível em: file:///C:/Users/Lenaura/Documents/ Produção/BRICS/GERAL/BRICS%20labour%20 and%20employment%20meeting%202017.pdf 28. Gupta A. Reshaping Economic and Political Gover- nance: Role of the BRICS’. In: Haque SM, Shyaka A, Mudacumura GM, editors. Democratizing Public Go- vernance in Developing Nations (With Special Reference to Africa). London, New York: Routledge; 2017. p. 55- 70.

Artigo apresentado em 27/02/2018 Aprovado em 12/03/2018 Versão final apresentada em 04/04/2018

CC BY Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons