Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 www.ipsilon.pt

Martin Scorsese no seu labirinto “Shutter Island”, cinefi lia, a Hollywood de ontem e de hoje NTE SEPARADAME R VENDIDO DE SE ÃO PO , E N ÃO Nº 7267 DO PÚBLICO Ç GRANTE DA EDI GRANTE DA PARTE INTE PARTE FAZ MENTO SUPLE ESTE

E UTLIN BIS O BIS B L/COR L/CO ’NEIL AEL O AEL MICH

Joana Vasconcelos Béla Pintér DJ Ride Roberto Bolaño João Pedro Vale Promoção limitada ao stock existente.

Um ano com Joana Vasconcelos Um fi lme que acompanha um ano de trabalho de Joana Vasconcelos, em particular a criação da peça DOROTHY, um sapato gigante composto de tachos e tampas e a sua primeira apresentação em Veneza. Na semana em que a artista plástica tem uma primeira grande retrospectiva da sua obra no Museu Berardo, este fi lme é um documento único para conhecer o seu processo de trabalho e a sua visão de artista singular. Fique com um extraordinário retrato de uma artista no trabalho. Um fi lme de Joana Cunha Ferreira. Terça-feira, dia 2 de Março, DVD “JOANA VASCONCELOS - CORAÇÃO INDEPENDENTE” por apenas mais 9,95€ com o Público.

FESTIVAL ARTECINEMA - NÁPOLES - DOCLISBOA 2008 - FIPA - FIPATEL - BIARRITZ - CAMINHOS DO CINEMA PORTUGUÊS - JOANA CUNHA FERREIRA • PRÉMIO REVELAÇÃO Os dois arquitectos portugueses integram o contingente de 200 artistas de todo o mundo convidados para estar em “Contemplating the Void: Interventions in the Guggenheim Museum” Siza Vieira e Paulo David nos 50 anos do Guggenheim O Guggenheim de Nova desenhos digitais – um interactivo”.vo”. Este ddee luzl numa trajectória Iorque incluiu Siza Vieira e esboço que sugere uma espaço vaiai ser qqueue percorre a rampa, por Paulo David na homenagem visão muito própria da ocupado por um oondend visitantes caminham, ao arquitecto Frank Lloyd grande rampa que se enrola, movimentonto ddee áágua,gua, ssozinhoso ou aos pares, Wright com que o museu em caracol, nos vários níveis como se todod o museu submersos numa comemora este ano o seu do museu, e três estivesse no fundo do mar. O atmosfera virtual aquática. 50º aniversário. Além dos perspectivas diferentes do que se vê em Os artistas deram largas à dois arquitectos vazio que dentro dessa “Contemplating the Void” é imaginação, escreve o “New Flash portugueses, a exposição espiral se forma. Para Paulo um azul que cobre toda a York Times”, numa crítica “Contemplating the Void: David, a espiral em rampa imagem como um véu intitulada “Take this Interventions in the ocupada pelas salas, que translúcido, transformando Museum and Shape It”. Se, Guggenheim Museum” dará assim se olham de frente o ambiente que surge por nalgumas obras, contemplar a ver as propostas para umas para as outras, cria trás como uma encenação. o vazio significou reflecti-lo, ocupar o vazio de mais 198 um vazio com “carácter Uma linha de água noutras significou Sumário artistas e arquitectos de contemplativo e confunde-se com um feixe transformá-lo. todo o mundo, de Anish O resultado é uma variedade O Guggenheim quis promover Martin Scorsese 6 Kapoor a Doris Salcedo, de ecléctica de propostas: um A ofi cialização de um novos olhares sobre a mítica Toyo Ito a Daniel Libeskind, rampa central do edifício pilar luminoso que cineasta dos irmãos Campana aos de Frank Lloyd Wright: percorre, em altura, o holandeses do Studio Job, Anish Kappoor mandou para espaço, ou um robô de João Pedro Vale 16 Nova Iorque este “Ascension (Red)” através de desenhos a plástico que é como uma Isto é “hard-core” carvão, a cores ou digitais, escultura gigante de peças posters e maquetes de que se encaixam em altura; Joana Vasconcelos 18 instalações. Enviadas em há ainda um copo gigante, Mais integral do que nunca resposta a um desafio no vazio, a despejar uma no Museu Berardo lançado pelos curadores do enorme quantidade de lixo museu – reinventar o vazio que se imobiliza no espaço, Robert Longo 22 central do museu num mas também um espelho Histórias de Nova Iorque espírito de “folia de auto- liso que reflecte todo o lado Istambul 24 reflexão” que potencie o da espiral, carros Uma cidade inteira no CCB carácter lúdico do projecto pendurados ou uma original –, as propostas irão frondosa floresta virtual. DJ Ride 34 ocupar a grande espiral que “Contemplating the Void: O geniozinho hiperactivo caracteriza o edifício Interventions in the tem álbum novo projectado por Frank Lloyd Guggenheim Museum” Wright. abriu a 12 de Fevereiro e Béla Pintér 40 Dezenas de cidades do decorre até 28 de Abril. No A Hungria como mundo estão ali final da exposição, as peças tragicomédia, na Culturgest representadas. Do Porto serão leiloadas, e o valor e no Maria Matos vem Álvaro Siza Vieira. Do final do leilão reverterá a Funchal, Paulo David. Siza favor do museu. Ana Dias Vieira propõe quatro Cordeiro

Primal Scream de Novembro, o disco vai passar a serão apresentados pela banda de Johnson que, por uma noite, ser concerto (o(no OyOlympia, pa, eem Bobbyobby Gillespie.Gespe. O discod sco de “Loaded”, regressa à banda que abandonou revisitam Londres); os bilhetesbilhetes jjáá estão “Movin’ On UpUp”” e “Come há 15 anos. Paralelamente a este Ficha Técnica “Screamadelica” à venda. TTogether”,ogether”, cacançõesn que revisitar de “Screamadelica”, os O alinhamentoo do ququebraramebraram o gelo entre Primal Scream estão a trabalhar no Director Bárbara Reis Com a industria discográfica em concerto não terá nada ooss ritmosritm sucessor de “Beautiful Future” Editor Vasco Câmara, Inês Nadais constante crise, abundam as novas a ver com o daquelesaqueles dadançáveisn da (2008). (adjunta) formas de explorar o negócio da que o nosso paísaís ttecnoecn e o rock, Conselho editorial Isabel música. Cedência de direitos de recebeu nos últimosúltimos seseráerá Scarlett Johansson Coutinho, Óscar Faria, Cristina imagem a jogos de computador, dois anos (emm 2009 inintegralmententeg brilha na Broadway Fernandes, Vítor Belanciano venda de “ringtones” para no Festival Marésarés iniinterpretadonter Design Mark Porter, Simon telemóveis, regressos de bandas há Vivas, em Gaia,a, e ppeloselos elementos Scarlett Johansson cresceu a ver Esterson, Kuchar Swara muito inactivas e… visitas ao baú um ano antes em aacactuaistua do peças da Broadway, mas dizia que Directora de arte Sónia Matos dos álbuns míticos. Pixies, Paredes de Coura).oura). colectivocole o cinema era tudo o que sabia Designers Ana Carvalho, Carla Dinosaur Jr, Mudhoney, Slint ou os Temas que nuncaunca foramforam escocês,esco por fazer. Quando o encenador Noronha, Mariana Soares Stooges de Iggy Pop já o fizeram. tocados ao vivovo e A banda de Bobby uumm Gregory Mosher se lembrou dela Editor de fotografi a Miguel Desta vez, são os Primal Scream a outros que nãoão são Gillespie vai fundamentalfun para o papel de Catherine na peça Madeira recordar o aclamado tocados há transformar o álbum corocoro de gospel de Arthur Miller “A View from the E-mail: [email protected] “Screamadelica”, de 1991. No dia 27 alguns anos de 1991 em concerto e porpo Denise Bridge”, a actriz começou por

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 3 Scarlett Johansson está tão na pele da personagem “que a sua aura de celebridade desaparece”,

Flash escreveu o “New York Times”

Depois de queimar uma sala de cinema na fi cção, em “Sacanas sem Lei”, Tarantino salvou outra na vida real

hesitar, mas acabou por aceitar “Movimentava-se com toda a acontecer. Sempre encarei esta “Here Lies Love” espera que as o convite. E a sua estreia na facilidade dentro da salada em que ajuda como caridade. A compra pessoas “tentem colocar-se nos Broadway está a ser um dos então vivíamos, e não se negava a acaba por ser um passo natural”, sapatos de Imelda Marcos”. acontecimentos mais excitantes nenhuma das tentações: o futebol, a justifica o cineasta. Tal como o Para além da recordista colecção de dos últimos anos, considera a cozinha, a política. Tudo o que fazia caçador de judeus Hans Landa, sapatos, a octogenária, que antes do crítica nova-iorquina. fazia bem, e com urgência”, personagem que poderá levar o convívio com o poder chegou a viver O encenador Gregory Mosher completa o músico Joan Manuel austríaco Christoph Waltz ao Óscar numa garagem, teve outras procurava alguém que entrasse de Serrat. Até agora, algum do melhor de melhor actor secundário pelo seu excentricidades: chegou a encher forma convincente na pele de Montalbán, esse que andou pelos papel em “Sacanas sem Lei”, a New uma casa de maionese. Byrne diz uma adolescente de 17 anos e ao jornais sem nunca ter saído da rua, Beverly Cinema também resistiu. que é mais fácil escrever sobre mesmo tempo estivesse à altura estava “enterrado nas Quentin Tarantino nem sempre Imelda do que sobre uma boa da representação de Liev hemerotecas”. Já não está. queima cinemas, às vezes também pessoa como Mandela, e, embora Schreiber, o actor principal, para os salva. tenha consciência de que estas não ser completamente ofuscada Tarantino salva sala extravagâncias podem dar um tom em palco por ele. Johansson de cinema Byrne quer calçar- malévolo a Imelda, considera que passou várias semanas em ensaios nos os 3000 sapatos “compreendendo o passado e o – mais tempo do que o habitual Em “Sacanas sem Lei”, Shosanna sentimento de inferioridade que em cinema. Gregory Mosher Dreyfus (Mélanie Laurent), a judia de Imelda Marcos partilhava com o seu país, estas queria que a actriz, de 25 anos, Manuel Vázquez francesa que fica orfã por via das SS, peculiaridades tornam-na “representasse com o corpo todo” Montalbán decifrado decide vingar a sua familia numa David Byrne vai lançar um disco amorosa”. e aprendesse a não fazer o papel investida contra as mais altas sobre Imelda Marcos. Tão O projecto de 22 canções vai dar um da mesma maneira duas vezes. A Manuel Vázquez Montalbán (1939- patentes nazis, incendiando Hitler e surpreendente como a ideia é a CD duplo que inclui um pequeno actriz, diz, já entrou 2003) não era um homem, era uma Goebbels numa pequena e elegante omissão da colecção de 3000 livro ilustrado e um DVD - está a ser completamente na atitude e figura “bigger than life” - nos livros sala de cinema parisiense. O mesmo sapatos da viúva do déspota filipino cozinhado há cinco anos. Para tal, energia de Nova Iorque. em que o nome dele era Carvalho, Quentin Tarantino que escreveu Ferdinand Marcos. “Here Lies Byrne conta com a colaboração de Desde a estreia da peça no Cort Pepe Carvalho, e nos aparecia à esse guião acaba agora de salvar a Love”, a frase que Imelda escolheu cerca de duas dezenas de cantoras Theater, a 24 de Janeiro, que a frente a comer ostras e a queimar pele – ou, se preferirem, a tela – de para ser gravada na sua campa, dá – Martha Wainwright, Tori Amos, crítica de Nova Iorque aplaude. livros, na vida, sempre a correr da uma sala de Los Angeles. nome ao álbum com data de Santigold e Florence Welch são Ben Brentley, do “New York Espanha para o mundo até morrer Desde a inauguração em 1929, a New lançamento marcada para Abril. alguns dos nomes conhecidos – e de Times”, escreveu que Scarlett de ataque cardíaco no aeroporto de Beverly Cinema destaca-se pela Quem já o ouviu, num concerto diz Norman Cook (aka Fatboy Slim). Johansson “se funde tão Banguecoque, mas também nos (cada vez mais rara) exibição de que fazer dos sapatos um tabu é tão Byrne escreve as letras e trata das integralmente com a personagem jornais. É justamente esse filmes clássicos, independentes e estranho como falar do Pinóquio melodias, Fatboy Slim dita o ritmo. que a sua aura de celebridade continente imenso da biografia de estrangeiros na capital mundial do sem referir o nariz. desaparece”, e John Simon, do Montalbán - mais de nove mil cinema. Com a quebra da venda de Byrne quer fazer deste trabalho o Vista do ângulo certo, “Bloomberg”, sublinhou que a artigos distribuídos por cerca de 20 bilhetes e principalmente a partir do novo “Evita”. Mas, em vez de um Imelda Marcos pode ser actriz “faz uma confiante e muito publicações - que começa agora a falecimento, em 2007, do dono e musical, o músico prefere encará- uma fi gura “amorosa”, convincente estreia nos palcos”. ser explorado com a publicação do fundador Sherman Torgan, lo como um drama sobre o triunfo diz Byrne A experiência começou por ser primeiro dos três volumes da começaram a chover planos para do ego sobre a insegurança, muito emocionante e ao mesmo antologia “La Construcción de Un transformar a sala de 200 lugares “demonstrando o que as pessoas tempo assustadora, diz a própria Columnista” (Debate). Precioso em mais um franchise da Super fazem para disfarçar as suas Scarlett.Mas está a permitir-lhe contributo para decifrar o “cocktail” Cuts, uma cadeia de cabeleireiros. necessidades psicológicas”, disse continuar a crescer, depois de Montalbán, sublinha o “El País” Assim que tomou conhecimento em entrevista ao “Times”. Em vez alcançar o que alcançou no (onde o escritor chegou em meados desta possibilidade, Tarantino da tirana manipuladora, o autor cinema, com papéis principais em dos anos 80, com a Espanha já livre dispôs-se a fazer donativos mensais de “Psycho Killer” realça uma “O Amor é Um Lugar Estranho”, de Franco, mas em parte ainda na casa dos cinco mil dólares (cerca figura que mandou construir de Sofia Coppola, quando tinha presa à tralha franquista), que esta de quatro mil euros): “uma mais do que qualquer outro líder apenas 18 anos, e em três filmes de semana tentou desmontar a fórmula contribuição para o cinema”, filipino e que, quando se tornou Woody Allen “Match Point”, junto dos mais próximos. “Rasgava explicou ao “The Hollywood primeira dama na década de 60, “Scoop” e “Vicky Cristina as costuras, misturando a alta com a Reporter”. As dificuldades foram “era mais amada do que os Barcelona”, entre outros. baixa cultura, o futebol com a aumentando e a família Torgan Kennedys”. Após ter passeado a poesia,p,p e a poesia com a política”, expôs o problema a Tarantino. sua famosa bicicleta pelas notanota Anna Sellés, que foi sua Negócio fechado: “Desde 1929, Filipinas, o interesse de Byrne por mulher.mulher. “Fa“Fabricavabricav em dez minutos altura em que passei a ter idade Imelda surgiu, em 2003, por causa um artiartigogo de funfundod sobre política suficiente para conduzir desde de um documentário televisivo internacional”, aacrescenta o South Bay, que venho à New sobre a filipina, “Beyond the rromancistaomancista JuanJua Marsé. Beverly. Não podia deixar isto Shoes”. Com o lançamento de

Müller,Mülle Alegre e Rosa Mendes na Dom Quixote HertaHerta MüMüller,ller, a Prémio Nobel Terra das Ameixas Verdes”, na também em Portugal no dia 12 “Peregrinação de Enmanuel dada LiteratuLiteratura de 2009, virá Difel). A Dom Quixote publicará de Abril para promover a sua Jhesus”. E, em Abril, Inês a PortuPortugalga no final do mês agora “Atemschaukel” (ainda obra. Pedrosa lançará o romance “Os ddee JunhJunho,o altura em que sem título em português). No final de Março, Manuel Íntimos” que se passa numa a editoraeditora Dom Quixote O catalão Enrique de Hériz, Alegre publica na Dom Quixote noite em que um grupo de irá llançaranç o seu mais autor de “Mentira”, está de uma novela. “O Miúdo que amigos se encontra. “É um livro recenrecentet romance. A regresso com “Manual da Pregava Pregos numa Tábua” que penetra no universo escriescritorat alemã que Escuridão”, um novo romance mistura o universo de “Alma” masculino”, sublinha Cecília A Nobel da Literatura Herta Müller nnasceuasce na Roménia desta vez sobre a carreira do com a fluidez da escrita de “Cão Andrade. Os jornalistas Vítor virá a Portugal em Junho já tteme dois livros ilusionista Víctor Losa, que Como Nós”, explica a editora Serpa e Henrique Monteiro irão para acompanhar o lançamento eeditadosdit em depois de ter sido Cecília Andrade. O escritor e lançar romances este ano: de “Atemschaukel” PoPortugal (“O homenageado pelos seus jornalista Pedro Rosa Mendes, “Tanta Gente em Mim” (novela HHomem é um colegas em Lisboa e consagrado autor de “Baía dos Tigres”, policial imaginada por Serpa) e GGrande Faisão como o melhor mágico do regressa em Maio, depois de “Toda uma Vida” (história de ssobre a Terra”, mundo começa a perder a muitos anos de ausência, com uma espanhola que vive em nna Cotovia, e “A visão. Enrique de Hériz estará um romance sobre Timor: Portugal). Isabel Coutinho APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO AGENDA CULTURAL FNAC entrada livre

LANÇAMENTO O HOLOGRAMA ÚNICO de Rose Nery Sttau Monteiro Vencedora do Prémio Literário Fnac /Teorema 2009 A Fnac congratula a vencedora e agradece aos mais de 450 candidatos a concurso. A apresentação do livro fica a cargo dos elementos do júri e da escritora Filipa Melo. 04.03. 18H30 FNAC CHIADO

APRESENTAÇÃO ISTAMBUL - UMA VIAGEM LITERÁRIA Com Tiago Salazar Seguimos os passos de autores como Pamuk, Marco Polo ou Agatha Christie enquanto visitamos os locais mais interessantes de Istambul. Esta apresentação será acompanhada de fotos e vídeo de Pedro Loureiro.

27.02. 21H00 FNAC CASCAISHOPPING 28.02. 21H00 FNAC COLOMBO

AO VIVO ANAQUIM As Vidas dos Outros José Rebola desmultiplica-se em várias personagens de um bairro imaginário e familiar.

05.03. 22H00 FNAC COIMBRA

AO VIVO LAIA Viva Jesus e mais Alguém Os Laia, Novos Talentos Fnac, arredondam o rock e procuram os cantos de uma canção.

26.02. 22H00 FNAC NORTESHOPPING 28.02. 17H00 FNAC BRAGA PARQUE 27.02. 17H00 FNAC STA. CATARINA 04.03. 22H00 FNAC ALMADA 27.02. 21H30 FNAC GUIMARÃESHOPPING 05.03. 21H30 FNAC COLOMBO

EXPOSIÇÃO VANUATU - A TERRA DELES Fotografias de Marco C. Pereira e Sara Wong Decorrente de uma viagem que se estendeu por um ano, Marco C. Pereira e Sara Wong visitaram o arquipélago de Vanuatu, um país desconhecido na maior parte do mundo mas em que apostaram com grande convicção.

23.02. - 16.04.2010 FNAC COLOMBO

Consulte a agenda cultural Fnac em

Apoio: É uma pergunta que muita gente faz, mento num hospital psiquiátrico. É tou jornalistas presentes no certame posição – e, aliás, penso que é por questionando as opções de um dos um filme que parece concebido para com outros enviados apenas para um isso que eles quiseram estrear o filme cineastas-chave do cinema america- repetir o êxito de “The Departed – En- frenético dia de entrevistas no luxu- agora [a estreia estava prevista para no dos anos 1970, que assinou obras tre Inimigos” (2006) – e, a julgar pelos oso Hotel Regent. Outubro último]. Têm um investi- como “Taxi Driver” (1976), “O Touro primeiros resultados comerciais, está O que já é mais espantoso é ouvir mento que têm de recuperar.” Enraivecido” (1980) ou “Tudo Bons bem lançado para o fazer. E é um fil- as seguintes palavras da boca de Scor- Rapazes” (1990). me que transpira “encomenda de es- sese. “O negócio mudou muito. É O cinéfi lo Caso em questão: “Shutter Island”, túdio” à distância (mas, como já va- preciso perceber que a Paramount Sim, foi mesmo Martin Scorsese que que chega esta semana às salas portu- mos ver, tudo isto é tão jogo de espe- tem um grande investimento no fil- pronunciou estas palavras, num en- Capa guesas, vem com o peso da máquina lhos como a própria história do filme, me, e tem de fazer o que precisa de contro com uma dúzia de jornalistas da Paramount, tem (pela quarta vez sobre um detective enviado a um hos- fazer para levar as pessoas ao cinema europeus. É o mesmo Martin Scorse- consecutiva num filme do cineasta) pital psiquiátrico para uma investiga- e começarem a espalhar a palavra. se que é um dos impulsionadores da Leonardo di Caprio como cabeça de ção que não é aquilo que parece). Há uma extraordinária quantidade World Cinema Foundation, que se cartaz, anuncia-se como filme de gé- Não espanta que, com o sucesso à de pesquisa a acontecer nesta altura, dedica a restaurar filmes esquecidos nero, policial adaptado de um roman- espreita, a Paramount tenha aprovei- e no momento em que essa pesquisa ou perdidos e a redisponibilizá-los ce do escritor Dennis Lehane (“Mystic tado a estreia mundial de “Shutter os informa que o interesse no filme nas melhores condições possíveis. O River”) sobre um detective traumati- Island”, fora de concurso, no Festival caiu, o pessoal do marketing monta mesmo que terá feito mais pela divul- zado pelas suas experiências na II de Berlim 2010 para organizar uma outro ‘trailer’ no momento, está cons- gação do cinema italiano clássico com Guerra que investiga um desapareci- megaoperação promocional que jun- tantemente a tentar maximizar a ex- a sua “Viagem pelo Cinema Italiano” O ccineastaineasta qqueue q Martin Scorsese é universalmente reconhecido como um d os que lamentam que ele pareça estar hoje acomodado a H seguinte: e se ele nunca tivesse querido outra c

6 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon q m a a coisa? Apergunta que“Shutter éa Island” Hollywood. levanta dos grandes mestres contemporâneos. Masnãosãopoucos ueria serueria uer aceite Jorge Mourinha, emBerlim guerra, com os grandes cineastas da guerra, comosgrandescineastas mestres europeu docinema dopós- ceram emsimultâneo comosgrandes Bogdanovich aBriandePalma,cres- dosanos1970,americanos” dePeter todosos“novos cinefilia: pela sua tence aumageração reconhecida ganador doque parece. Scorseseper- en- étudomais – mas,jáodissemos, o que é“Shutter Island”. aexplicar do seentusiasmaecomeça ções deVal paraaRKO, Lewton quan- filmes deSamuel Fullereasprodu- 1930, aparanóiadosanos1950, os dosanos1920mentos artísticos e expressionismo, asérie B,osmovi- transalpina. Omesmoque invoca o do que osresponsáveis dacultura Tudo isto parece Tudo isto nãobatercerto i a ser ace velha Hollywood sobre oboxe? na linhagem dosfilmesclássicosda Touro Enraivecido” nãoseinscrevia preendida, nomusical clássico? “O uma experiência, assumidaeincom- “New York, NewYork” nãoera (1977) ra Joan Crawford Davis)? ouBette pel que noutros temposteriaidopa- num pa- picture” (comEllenBurstyn valente modernodeuma“women’s Não Mora Aqui” (1975) nãoeraoequi- de1970: nadécada brizaram “Alice Já todos. deles sese serátalvez cinéfilo omais pornatureza, Scor-geração cinéfila numaencher programas duplos.E, despachadas ebaratuchasparapre- Hollywood comassériesB clássica, Basta pensarnosfilmesqueBasta ocele- Martin Scorsese audiência global?” destes hojepara uma podem fazerse filmes Por queénão com grandes estrelas. o grande público, ‘Shutter Island’, para fazercomo filmes em queera normal deumaépoca “Sou “A doDinheiro” Cor eraumaten- on Scorsese”,orealizadordiziaque “Scorsese Thompson eIanChristie, porDavid editado de entrevistas o seuquê de“encomenda”: nolivro dirigiu em1986eque tinha jáentão da ÉUm Jogo” deRobert Rossen que doDinheiro”,Cor asequela de“A Vi- Mas, aofazê-lo, ignoraoexcelente “A co daaltura,paraver seeracapaz”. de Hollywood modernoparaopúbli- primeira tentativa defazer“umfilme 1991 de“O CabodoMedo” comouma oseu“remake”de Berlim, cita de tema, deseraceite.Namesa-redonda do sis- um desejoseudefazerparte corresponde a isso emgrandeparte dosestúdios, aoserviço um cineasta Se oScorsesedehojeparece ser i t e

JOHN MACDOUGALL/AFP tativa de provar que podia traba- lhar dentro de Hollywood, com ve- detas consagradas, sem problemas e ao mesmo tempo entregar ao estúdio um filme comercial, depois do desas- tre do incompreendido “O Rei da Co- média” (1983). E convém não esquecer o papel central que “Gangs de Nova Iorque”, uma “obsessão” que acalentava desde os anos 1970 e conseguiu finalmente rodar em 2001 pelo meio de intermi- náveis problemas de produção e dis- putas com Harvey Weinstein, tem na mais recente fase da sua carreira. Ouvindo Scorsese, ficamos com a sensação que tudo o que se seguiu a esse filme veio quase por reacção: “A obsessão de ‘Gangs de Nova Iorque’ ocupou muito espaço e, uma vez mais ou menos concretizada – porque par- te de mim ainda podia estar a rodar esse filme... –, apeteceu-me fazer um grande espectáculo de Hollywood. E fiz ‘O Aviador’ [2004], mas aí o es- pectáculo acabou por se tornar na realidade uma desculpa. O que se tornou realmente interessante foi o facto de a personagem conter em si as próprias sementes da sua destrui- ção. Depois do ‘Aviador’ fartei-me da ideia do grande espectáculo e quis fazer um simples filme de rua, e o guião do Bill Monahan para ‘The De- parted’ era muito interessante. Mas, à medida que o rodávamos, o filme foi mudando. Começou a ecoar ‘Gan- gs de Nova Iorque’, outros filmes que eu já tinha feito... E depois disse: ‘Pronto, já fiz, agora quero fazer ou- tras coisas.’ O Leo [di Caprio] e eu era miúdo, ia muito ao cinema. Ora, nesse mundo que se vive. Vemos ‘Fui filme negro. Aliás, nem sabemos começámos a trabalhar num outro aos dez anos, em 1952, quando se vai Um Comunista para o FBI’ [série B quando o filme negro acabou. Apa- projecto que acabou por não se con- ao cinema, vai-se ver um filme, não se de 1951 de Gordon Douglas] ou ‘Inva- rentemente acabou com ‘O Beijo Fa- cretizar e ‘Shutter Island’ apareceu vai ver um filme negro como fazemos ders from Mars’ [série B de 1953 de tal’ [Robert Aldrich, 1955], quando de repente, quase por acidente.” hoje, não vamos ver um filme especí- William Cameron Menzies], que era se abre a mala e tudo explode... Éra- fico à procura de um certo estilo...” também sobre raptos e sobre o medo mos miúdos, não sabíamos!” Regresso ao passado E a cinefilia começa a desbobinar. que a própria alma das pessoas fosse Lançado na conversa, cita entalha- Scorsese confessa que o que o atraiu “Apanha-se o ‘Corrupção’ [1953] do roubada, subentendendo-se que seria dores italianos e alemães dos anos no romance de Dennis Lehane foi per- Fritz Lang e vemo-lo três vezes, por- o comunismo a levá-la... Tudo isto 1920 e 1930, confirma que os traços ceber que conhecia este mundo. “Foi que é o segundo filme de um progra- disfarçado de ficção científica para visuais de “Shutter Island” são expres- o mundo em que cresci – o medo e ma duplo numa série de cinemas e os miúdos. Nunca pensámos real- sionistas, acena com o cubismo, su- paranóia dos anos 1950. Quando eu dizemos: ‘Este filme é fantástico.’ É mente que vivêssemos no mundo do blinha o seu amor pelo “giallo” italia-

Scorsese confessa que o que o atraiu no romance de Dennis Lehane foi perceber que conhecia este mundo. Foi o mundo em que cresceu, o medo e paranóia dos anos 1950 – “O Beijo Fatal”, de Robert Aldrich, “Corrupção”, de Fritz Lang. E assume que depois de ter querido fazer “um grande espectáculo de Hollywood”, “O Aviador”, quis fazer um simples filme de rua, “The Departed”

Martin Scorsese

8 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon Comen- A lógica do “remake” tário no dos anos 1960 – “Mario Bava, claro, final não haverá “remake”. Dario Argento... Mas mostro sempre Quem tinha suspenso a respiração perante o rumor, surgido o Mario Bava ao Bob Richardson [di- Vasco durante o Festival de Berlim, segundo o qual Scorsese, numa rector de fotografia de Scorsese desde Câmara Aestranha aliança com Lars von Trier, se preparava para voltar a “O Aviador”], em particular ‘Opera- “Taxi Driver” – um “remake”, uma “sequela”?, valia tudo nessa zione Paura’ [1966], que é um filme nuvem negra que pairava ameaçadora sobre a cinefi lia –, pode agora respirar: fantástico cheio de irrealidade e oni- Scorsese e os escritórios de Lars von Trier negam o “disparate”, que surgiu rismo... Adoro o modo como ele con- primeiro numa revista dinamarquesa, “Ekko”, e chegou à “Variety”. Afi nal, cebia a luz nos filmes dele, quer fos- Martin e Lars terão falado em Berlim, mas não sobre “Taxi Driver”. E quanto sem a preto e branco ou a cores...” a um hipotético reencontro entre os italo-americanos Marty e Bobby de Niro, A cinefilia estendeu-se aos actores, o realizador concede que isso pode acontecer, um regresso ao mundo que os para quem Scorsese elaborou um pe- dois criaram nos anos 70, mas a ser assim será do ponto de vista de homens queno currículo de “filmes recomen- mais velhos que olham para o passado, não apenas um ruminar. dados”. Mark Ruffalo, que interpreta Agora a sério: porquê o choque? ( Já tínhamos começado a pensar como o detective que faz equipa com a per- soaria, 36 anos depois, o “You talkin’ to me? You talkin’ to me? You talkin’ to sonagem de Leonardo di Caprio, re- me? Then who the hell else are you talkin’ to? You talkin’ to me? Well I’m the vela aos jornalistas presentes que, only one here. Who the fuck do you think you’re talking to?” de Travis Bickle.) antes do início da rodagem e dos en- Scorsese fez um “remake”: “O Cabo do Medo”, em 1991, a partir do fi lme saios, “[recebeu] um embrulho do de J. Lee Thompson. Fez uma sequela: “A Cor do Dinheiro” (1986), para o Marty com um documentário chama- qual Paul Newman voltou a uma personagem icónica da sua fi lmografi a, e do do ‘Titicut Follies’” – o célebre (e in- cinema americano, Fast Eddie Felson (“The Hustler”, de Robert Rossen, 1961). fame) documentário de 1967 de Fre- Na verdade, até fez mais “remakes”. Uma fatia da sua obra, os últimos anos, é derick Wiseman sobre um hospital isso mesmo: “remake”, a lógica do “remake”. Não de um fi lme em particular; psiquiátrico do Massachusetts, que dos géneros em geral. E de forma em que uma exuberante e selvática cinefi lia serviu, segundo o actor, como “pon- é aplicada a um exercício industrial, com o labor de um artesão condenado ao to de referência” directo da cenogra- seu labirinto. (“Taxi Driver – o remake” até faria sentido.) fia de Dante Ferretti e do ambiente “Condenado” não é exagero – embora se deva levar a expressão num sentido que se vive no hospital onde “Shutter mais trágico-cómico. Os anos 70 morreram, vários Island” decorre. “Vimos ainda um desapareceram, outros não aguentaram, mas em documentário de John Ford que mos- Fomos assistindo ao relação aos sobreviventes podemos afi rmar que trava soldados a regressarem da II processo de a “sunny” Califórnia (onde nasceram ou viveram Guerra completamente destruídos, George Lucas e Steven Spielberg) levou a melhor e ainda filmes negros como ‘Laura’ institucionalização de sobre a sombria Nova Iorque (onde nasceram ou [Otto Preminger, 1944] e ‘O Arrepen- onde cresceram Scorsese e Francis Ford Coppola). dido’ [Jacques Tourneur, 1947], ao um cineasta, processo Isto, no caso de Scorsese, é marcado por uma data: qual aliás fomos buscar uma série de 1997, ano da estreia, e do fracasso, chamado “New diálogos que depois acabaram por que teve tanto de York, New York” – musical que foi uma mistura não entrar no filme. De um lado, tí- contraditória, algo suicidária, de “studio system” e nhamos o artifício destes filmes ne- domesticação do improvisação – e ano da estreia, e do fenómeno de gros totalmente estilizados, e do ou- selvagem pelas forças que ainda sentimos hoje os efeitos, de “Star Wars”, “[O problema é que] tro a realidade social.” de George Lucas. A esta lista, Ben Kingsley, no papel da ordem, como de “‘Star Wars’ was in, Spielberg was in, we were hoje [os estúdios] do director do hospital, juntou um fi nished” – foi ele próprio que o disse, Scorsese, clássico que apenas pode ser descri- desejo de aceitação por citado por Peter Biskind no livro “Easy Riders, têm de fazer as coisas to como onírico, “Uma Questão de Ranging Bulls”. Uns anos depois quem “acabava”, Vida e de Morte” (1946), de Michael parte da fera. É que esta de forma gloriosa, com um enorme festim, com simples, para os Powell e Emeric Pressburger, a histó- geração que tentou enorme estrondo, era Coppola: 1982, “Do Fundo miúdos. E agora uma ria de um piloto-aviador na II Guerra do Coração”. gravemente ferido, suspenso num mudar Hollywood tinha Scorsese haveria ainda de fazer a sua obra- pessoa vira-se limbo entre a vida e a morte. “Eu ti- prima, “O Toiro Enraivecido”, fi lme que é nha comprado uma caixa de DVD de o desejo de ser impossível de ver sem o espectador se perguntar e percebe que Powell e Pressburger por causa do se não está sob infl uência. Scorsese estava, as entusiasmo do Marty, e ele disse-me Hollywood biografi as não guardam segredo disso. O que faz a fasquia desceu até que ‘Uma Questão de Vida e de Mor- pensar que o melhor da sua obra foi feita em risco te’ era absolutamente perfeito para de vida. Mas, apesar de um ou outro espasmo – aqui [a mão estendida aquilo que pretendia.” “Tudo Bons Rapazes” (1990) –, a indústria e todos O onirismo pode ser importantís- nós, espectadores, deixámos de permitir o que ao nível da mesa], simo para explicar o que se passa em até então tínhamos permitido. E assim passámos quando antes estava “Shutter Island”, mas Scorsese prefe- todos a ser as crianças de George Lucas, rodeados re atardar-se no pesadelo que foi a de consenso por todos os lados. E assim Scorsese aqui [e ergue-a rodagem. “Sabia que ‘Gangs de Nova foi deixando de ter espaço para destruir e voltar a Iorque’ iria ser uma experiência difí- construir, para arrancar os fi lmes à sua alienação ao nível da sua cil, porque implicava criar um univer- existencial. Teve de se refugiar numa mais benigna so novo, tal como ‘Kundun’ [1997] ou alienação: a cinefi lia. cabeça], ou mesmo ‘A Idade da Inocência’ [1993]. Mas E assim fomos assistindo – é a tragicomédia – ao ‘Shutter Island’? 1954, meia dúzia de processo de ofi cialização de um cineasta, processo aqui [eleva-a acima homens num hospital, um cenário que teve tanto de domesticação do selvagem pelas da cabeça]” único, um par de cenas com tempes- forças da ordem, como de desejo de aceitação por tades [gargalhadas]... e tornou-se, parte da fera. É que, na verdade, esta geração que Martin Scorsese provavelmente a seguir à ‘Última Ten- tentou mudar Hollywood tinha o desejo de ser tação de Cristo’ [1988], no filme mais Hollywood. difícil que já rodei.” Nomeado para o Óscar como realizador em 1980 Robert deNiro (“O Touro Enraivecido” – lembram-se quem ganhou: Robert Redford, “Gente em “O Cabo do Vulgar”), em 1989 (“A Última Tentação de Cristo”), 1991 (“Tudo Bons Rapazes”) Medo” e em 2005 (“O Aviador” – esse museu de fi guras de cera que só é relevante por mostrar como Scorsese sente saudades de uma coisa que não viveu: a máquina de Hollywood), só chegaria lá em 2007, com “The Departed”. E nessa altura foi visível para todos, para ele também: a espera tinha sido penosa. E foi penoso vê-lo receber aquele Óscar. O amigo Coppola, numa apregoada segunda juventude, tem demonstrado uma cruel, sobretudo para os espectadores de “O Padrinho”, “Apocalypse Now”, “Do Fundo do Coração”, forma de auto-apagamento. Como se quisesse fazer tábua rasa do mito – aquela coisa do cineasta que era o seu próprio apocalipse. É fl agelação, no fundo, para lidar com a partida que a História lhe(s) pregou. Scorsese, esse, encerra-se no “huis clos” da cinefi lia. E a estufa, como se vê por “Shutter Island”, é cada vez mais onanista. Já em 1969, em “Easy Rider”, quando a inocência ainda ia no adro, Peter Fonda dizia a Dennis Hopper: “We blew it!”

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 9 “‘Shutter Island’, meia dúzia de homens num hospital, um cenário único, um par de cenas O autor que queria com tempestades... ser funcionário Como de costume, é nas respostas e tornou-se, aparentemente descartadas sem pen- sar que se descobrem pormenores provavelmente significativos para explicar esta sofre- guidão. Ao deter-se em “The Wolf of a seguir à ‘Última Wall Street”, o projecto que caiu por terra abrindo caminho a “Shutter Is- Tentação de Cristo’ land”, explica que o filme, baseado na [1988], no filme mais autobiografia de um corretor de Wall Street não se fez porque “o estúdio difícil que já rodei” não se conseguia decidir se o queria fazer ou não”. “Esse filme custou-me Martin Scorsese cinco meses da minha vida criativa, perdidos à espera do estúdio, e depois compreendi que não podia esperar mais. Tinha de trabalhar.” Essa sofreguidão de produzir pode parecer paradoxal num cineasta que costuma dizer preferir a preparação e a montagem à rodagem propria- mente dita, mas remete também pa- ra a produção constante dos velhos cineastas de Hollywood, que conse- guiam rodar um filme ou mais por ano e muitas vezes estavam depen- dentes dos guiões que lhes eram en- tregues pelos estúdios com os quais tinham contrato. O que quer dizer imprimir também uma marca de au- tor no filme que se faz – e, goste-se Explica porquê, fazendo a liga- estado do tempo nos exteriores. Du- Claro que foi cansativo. Mas, normal- ou não (e as reacções críticas têm si- ção com o piloto da série televisiva da rante sete semanas que tirei à pós- mente, num filme de grande orça- do extremamente diversas), “Shutter HBO “Boardwalk Empire”, que rodou produção rodei o piloto de “Boar- mento, chegar ao ‘plateau’ é como ir Island” está longe de ser o “thriller” no ano passado: “Com os grandes or- dwalk Empire”, em 30 dias – foi um para a guerra, tem-se ali imensa gen- chapa quatro do costume. çamentos, damos por nós a trabalhar pouco como fazer uma série B. Na te e tem de se lidar com tudo, está-se Longo (quase duas horas e meia), com uma máquina muito pesada, que minha idade [Scorsese cumpriu 67 ali uma, duas horas antes de começar complexo, negro, paredes-meias com cria muita responsabilidade, porque anos em Novembro último], conse- a rodar. Neste caso, começávamos ao o filme de terror, pede ao público um está muito dinheiro em jogo. Em guir fazer um filme em 25 ou 30 dias fim de 20 minutos [risos]. Nem me pouco mais de entrega do que seria ‘Shutter Island’ tivemos inúmeros não é nada mau. É preciso ter uma conseguia sentar, só tinha tempo de desejável para um grande estúdio es- problemas durante a rodagem, por- outra atitude, ter um director de fo- ir tomar um duche à caravana e pegar tar seguro de recuperar o seu inves- que ficámos muito dependentes do tografia que esteja em cima de nós. num café e toca a filmar.” timento. “[O problema é que] hoje em dia [os estúdios] gastam tanto di- nheiro a fazer estes filmes que não podem correr riscos. Têm de fazer as coisas muito simples, para os miúdos. E agora uma pessoa vira-se e percebe que a fasquia desceu até aqui [coloca a mão estendida ao nível da mesa], quando antes estava aqui [e ergue-a ao nível da sua cabeça], ou mesmo aqui [eleva-a acima da cabeça].” “Sou de uma época em que era normal fazer filmes como ‘Shutter Island’, para o grande público, com grandes estestrelas. Por que é que não se podempodem fafazer filmes destes hoje pa- ra uma audiaaudiênciaiência gglobal?”lobal? Scorsese elaborou um pequeno currículo de “filmes recomendados”. Mark Ruffalo, que E aassimssiéim éié MMartinartin SScorsese:corsese: interpreta o detective que faz equipa com a personagem de Leonardo di Caprio, revela umum autorautor qqueue ggostavaostava de ser umum tarefeirotarrefeiro ddaa velhvelhaa que, antes do início da rodagem e dos ensaios, recebeu um embrulho do realizador com HollywoodHollywood queque tem prazer “Titicut Follies”, documentário de Frederick Wiseman sobre um hospital psiquiátrico do eme m ttrabalharra b a lhar na Massachusetts; a equipa viu ainda ainda filmes negros como “Laura”, de Preminger [à HollywoodHollywood eemm que vive. esquerda] e “O Arrependido”, de Jacques Tourneur [à direita]. A esta lista, Ben Kingsley, E que, ssim,im, faz os filmes no papel do director do hospital, juntou um clássico que apenas pode ser descrito como queque quer.quer. onírico, “Uma Questão de Vida e de Morte”, de Michael Powell e Emeric Pressburger Ver crítica de filmes págs. [centro], a história de um piloto-aviador na II Guerra gravemente ferido, suspenso 51 e segs. num limbo entre a vida e a morte

Em “Shutter Island” Mark Ruffalo interpreta um detective que faz equipa com a personagem de Leonardo di Caprio, e Ben Kingsley é o director de um hospital psiquiátrico

10 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon 2010 ATELIER MARTINO&JAÑA [email protected] ] 253 424 700 | email ] 4810 431 Guimarães | telefone ] Av. D. Afonso Henriques, 701 D. Av. ] Endereço Endereço Homens depois da guerra traram interesse em dirigi-lo: primei- ro o falecido Sydney Pollack, depois o actor Ben Affleck (que preferiu es- trear-se na realização com “Vista pe- la Última Vez...”). Moverman, argu- mentista até aí ligado ao cinema in- dependente, com créditos em filmes de Alison MacLean, Ira Sachs e Todd Haynes, acabou por passar para trás das câmaras quase como “último re- curso”, por insistência do produtor Mark Gordon. Um cineasta nato O realizador relutante, no entanto, é um cineasta nato - “The Messenger” é marcado por um classicismo formal, seco e sólido, que chega a lembrar John Ford, “cortado” pela tensão re- alista das cenas em que Foster e Har- relson informam os familiares da mor- te do seu parente, rodadas em câma- ra ao ombro. Moverman explica que esses momentos “vérité”, quase do- cumentais, nasceram dessa vontade de “cortar”, de “criar algo de mais visceral. Quisemos rodar as notifica- ções de um modo que não se tornas- se explorador ou obsceno, queríamos fazer passar uma emoção muito crua, mais verdadeira. Essas cenas foram completamente improvisadas. Criá- mos uma situação em que o Ben e o Woody não sabiam quem eram os ac- Nomeado para dois Oscares “The Messenger” não é tanto um tores que iam visitar, nem como se- riam as suas reacções. Ninguém sabia fi lme sobre o Iraque como um (grande) fi lme sobre o que vem o que ia acontecer, nada estava defi- nido, não sabíamos o que íamos fil- depois do Iraque. Jorge Mourinha mar nem como, e a câmara ao ombro permitia-nos reagir no momento àqui- lo que estava a acontecer.” “Este não é um filme sobre política. Moverman está sentado com meia- A pergunta torna-se evidente – afi- Claro que, por definição, há algo de dúzia de jornalistas europeus num “Gostava que o filme nal, o argumentista que se tornou político em todos os filmes... Mas se dos foyers do Berlinale Palast enquan- realizador prefere escrever ou reali- este filme fosse sobre a política da to o público sai de mais uma projec- participasse zar? Moverman, que aponta ter tido guerra, teria sido a maneira fácil de ção do Festival de Berlim, onde “The no diálogo que existe também breve experiência como ac- abordarmos a sua história – e teria Messenger” foi um dos pontos altos tor (no último filme realizado por também sido a melhor maneira de dar da selecção oficial a concurso no ano agora nos media Louis Malle, “Vanya on 42nd Street”), cabo dele.” passado. O filme partiu da capital ale- confessa que não escolhe entre um e Fica feito o aviso, que não se vá a mã com o Urso de Prata do argumen- sobre a guerra” outro – e também confessa que o seu “The Messenger” à procura da mais to e chega agora às salas portuguesas investimento mais pessoal em “The Oren recente diatribe hollywoodiana con- “empurrado” por duas nomeações Oren Moverman Messenger” decorre apenas de o “te- Moverman, tra a guerra do Iraque (que, aliás, têm para os Oscares: Melhor Argumento rem deixado realizá-lo! Enquanto ar- nascido todas caído em saco roto). Não foi is- Original e Melhor Actor Secundário gumentista, apenas estamos envolvi- em Israel, Cinema so que Oren Moverman quis fazer, para Woody Harrelson, no papel do dos no processo até certo ponto, e pára-quedista nem foi isso que fez. Esta história que oficial de carreira que guia e acompa- não sou nada possessivo com o meu do exército é, ao mesmo tempo, uma amizade nha o soldado Ben Foster, recém re- trabalho, não fico nada devastado israelita, hoje entre dois homens que vivem com os gressado do Iraque, nas missões de quando me alteram os diálogos ou naturalizado efeitos da morte (Woody Harrelson e notificação aos familiares. quando não reconheço o que fiz num americano, Ben Foster) e um romance tentativo Neste Fevereiro berlinense cheio filme acabado. Aí não estou a fazer o recusa entre um deles e uma viúva recente de neve, no entanto, “The Messen- meu filme, não estou a criar a minha conotações (Foster e Samantha Morton) está mais ger” estava ainda “fresquinho”, um altura para filmes com este tema, tor- visão. Dito isto, tive muita sorte em militaristas próximo do olhar de “Estado de Guer- mês depois da estreia em Sundance, na o processo todo num desafio. Até ter trabalhado com realizadores que ou autobio- ra”, de Kathryn Bigelow, sobre os ho- e não encontrara ainda distribuidor porque gostava que os investidores me deixaram andar pelo plateau, que gráficas no mens que fazem a guerra e que pro- americano. E Oren Moverman não recuperassem o seu dinheiro. ” me deram mais liberdade do que é seu filme curam continuar a viver quando re- tinha ilusões sobre os problemas que A questão da recuperação do di- habitual para um guionista”. gressam. o filme enfrenta para chegar a um pú- nheiro é bastante importante, porque Um guionista que, pepeloslos Já agora: Moverman também recu- blico pouco interessado nos filmes o processo de “The Messenger” foi vistos, parece terter tomadotomado sa qualquer conotação militarista ou relacionados com a guerra do Iraque conturbado desde que Moverman es- o gostosto à rerealização,alização, es- autobiográfica, apesar de o realizador, (mesmo “Estado de Guerra”, que ain- creveu o guião com Alessandro Ca- tandondo já a trabalhar hoje naturalizado americano mas nas- da não estreara à altura desta conver- mon — com um sorriso, o realizador numm segundo filme. Por cido em Israel, ter sido pára-quedista sa e foi entretanto nomeado para no- diz que “o filme nasceu de um italiano enquanto,quanto, “The Mes- do exército israelita no Líbano, na ve Oscares pelo meio de uma invejável e um israelita que vivem nos EUA se senger”ger” vai fazendo o primeira intifada. Se admite que a sua unanimidade crítica global, portou-se perguntarem se não seria interessan- seu percursoercurso sossega- experiência militar o pode ter ajuda- modestamente nas bilheteiras). “Não te contar uma história sobre os mili- damente,nte, com uma exce- do na criação das personagens, não a estou exactamente com medo que o tares que notificam os familiares dos lente reacçãoeacção crítica ameri- compara às dos soldados americanos público se desinteresse, estou mais falecidos sem fazermos ideia do que cana e aass duas nomeações a que servem no Iraque ou no Afeganis- ansioso que outra coisa: gostava que isso implicaria”. Num processo que chamaremem a atenção parparaa tão, e “The Messenger” não é outra o filme participasse no diálogo que chegou a ser interrompido pela fami- um filme queque de outro “Valsa com Bashir” nem outro “Leba- existe agora nos media sobre a guerra. gerada greve dos argumentistas que modo correriarreria o non” (Leão de Ouro em Veneza 2009) Claro que ‘The Messenger’ não é di- parou Hollywood durante meses, risco de passarassar – embora partilhe um olhar humano, rectamente sobre a guerra, mas pode “The Messenger” foi-se plasmando despercebi-i- personalizado, sobre a guerra. ser entendido como tal, e é uma má nas mãos dos realizadores que mos- do...

12 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon © José Alfredo BURMESTER PEDRO INTERPRETADA POR CHOPIN FRÉDÉRIC MÚSICA PAULO RIBEIRO COMPANHIA UMA CRIAÇÃO SALA PRINCIPAL TEATRO VIRIATO TEATRO NACIONALSÃOJOÃO SÃO LUIZTEATROMUNICIPAL CENTRO CULTURALOLGACADAVAL CO-PRODUÇÃO: COMPANHIA PAULORIBEIRO PRODUÇÃO: FEV/MAR~1O LUIZ SÃO FEV~1O LUIZ SÃO Música SASSETTI BERNARDO BATARDA por MELLO BREYNER SOPHIA DE 27 FEV BEATRIZ Bernardo Sassetti Bernardo piano [email protected] /T:213257640 RUA ANTÓNIOMARIACARDOSO,38;1200-027LISBOA SÃO LUIZTEATROMUNICIPAL 26, 27, 28FEV MAIORCA SEXTA ESÁBADO ÀS21H00/DOMINGO17H30 Música LIMA IRENE JOÃO LUIS por HELDER HERBERTO 13 MAR MARIA J.S.Bach violoncelo BILHETES ÀVENDANATICKETLINEENOSLOCAISHABITUAIS T: 213257650;[email protected] BILHETEIRA DAS13HÀS20H APOIO ÀDIVULGAÇÃO do bicentenário do bicentenário Comemorações do nascimento de Frédéric de Frédéric Chopin

WWW.TEATROSAOLUIZ.PT silva!designers DUPLO PARAESTECONCERTO.OFERTALIMITADAAOSPRIMEIROS10LEITORES. SEJA UMDOSPRIMEIROSAAPRESENTARHOJEESTEJORNALCOMPLETONACASADAMÚSICAEGANHECONVITE EEA IL JAZZ CICLO MECENAS EEA AAD MÚSICA DA CASA MECENAS Edward Simon. estreando MarkTurner,AvishaiCohene octeto contagrandesnomesactualidade, hard-bop. Emtournéeportodoomundo, Horace Silver,figuraincontornáveldo Nesta temporada,otemaseráamúsicade moderno, impulsionandoanovamúsica. assinaram capítulosdahistóriadojazz jazz internacionalrevisitaautoresque Um dosensemblesmaisimportantesdo Eric Harland Matt Penman Edward Simon Stefon Harris Robin Eubanks Avishai Cohen Miguel Zenón Mark Turner SALASUGGIA|€25 SÁB 22:00 13 MAR PI INSTITUCIONAL APOIO contrabaixo saxofones bateria piano saxofone alto vibrafone, marimba trombone trompete EEA RNIA AAD MÚSICA DA CASA PRINCIPAL MECENAS

www.casadamusica.com | T 220 120 220 Ainda o Nobel da Literatura para José “Não trabalhamos Saramago era uma miragem, e com ele o salto na notoriedade internacio- em Coimbra para nal que viria a justificar a atenção do cinema pela sua obra – com as adap- NELSON GARRIDO sermos contra Lisboa. tações de “Jangada de Pedra” (2000), de Georges Sluizer, e “Ensaio sobre a Se amanhã tiver uma Cegueira” (2008), de Fernando Mei- reles –, e já um jovem estudante de história que se passe cinema de Coimbra achava que as his- em Lisboa, irei filmá- tórias do escritor português davam um filme. la lá, sem problema. António Ferreira (n. Coimbra, 1970) tinha 23 anos, acabara de entrar na [Mas aqui] conheço os Escola de Cinema em Lisboa, e ficara fascinado com a leitura do “Evangelho sítios, sei a quem Segundo Jesus Cristo”. “Gostei muito do livro, e comecei a ler quase tudo o tenho de telefonar” que havia do Saramago”, recorda. En- tre essas leituras, houve um conto da compilação “Objecto Quase” (1978), “Embargo”, que lhe despertou um irresistível desejo de cinema: “Sempre “Embargo” estava achei que o Saramago tem uma escri- na gaveta há 15 anos: ta muito cinematográfica, os seus li- da primeira versão, “não vros provocam-nos imagens muito há nada que se aproveite” fortes”. E, de uma forma que agora admite ter sido um pouco “naïve”, “É uma metáfora da nossa socieda- decidiu mesmo começar a filmar essa de, da nossa dependência das máqui- história numa curta-metragem. Fez nas”, sintetiza António Ferreira. A algumas sequências, mas depressa as crise provocada em Portugal, em Ju- arrumou no baú dos projectos adiados nho de 2008, pelo bloqueio dos ca- que normalmente se acumulam nessa mionistas levou o realizador a aper- idade. ceber-se, uma vez mais, da actualida- Década e meia depois, “Embargo” de da “mensagem” de Saramago. aí está, crescido para uma longa-me- “Nessa altura, pude assistir, um pou- tragem – a segunda na carreira do re- co, àquilo que ele escrevia no seu con- alizador de “Esquece Tudo o que te to: em tão poucos dias, por causa de Disse” (2002) –, que vai ter antestreia um bloqueio decidido por um grupo na próxima semana no Fantasporto de pessoas, a nossa sociedade pareceu (sessão no dia 3 de Março, às 21h, no desmoronar-se”, diz António Ferreira, pequeno auditório do Rivoli). “Curio- lembrando-se de como então viu em samente, reencontrei há pouco tempo Coimbra os supermercados a ficarem algumas das cenas que fiz na altura, e de prateleiras vazias. “Era uma espé- onde não há nada que se aproveite – cie de aviso: de um momento para o na verdade, é mesmo horrível!”, con- outro tudo o que temos por seguro fessa António Ferreira, contente, ape- pode colapsar”, diz, realçando a nos- sar de tudo, por assim ter provas ma- sa fragilidade – um tema caro, aliás, à teriais da sua admiração pré-Nobel obra de Saramago. pela obra do escritor. Aliás, está mes- Foi essa mensagem que António mo a pensar incluir essas sequências Ferreira quis manter no seu filme, cujo no “making of” do filme, o que per- argumento foi escrito por Tiago Sousa mitirá documentar a evolução da (com quem já tinha também trabalha- abordagem que fez do conto de “Ob- do em “Esquece Tudo o que te Disse”), jecto Quase”. mas sem qualquer contacto pessoal Saramago escreveu “Embargo” a com o autor de “Caim” – “Propus a pretexto da grave crise petrolífera participação dele, mas percebi logo mundial de 1973, na sequência da que ele não tinha tempo para estas guerra israelo-árabe do Yom Kippur. coisas”, diz o realizador. O escritor dramatiza a dependência A passagem da curta à longa-metra- do homem perante o automóvel, sím- gem – e posta de parte a experiência bolo de uma civilização que o seu de há década e meia, quando António

construtor deixou de conseguir do- Cinema Ferreira se limitara a “ilustrar passa- minar. gens do conto” – obrigou os autores a António Ferreira no fi m do mundo com Saramago “Embargo” é Saramago feito cinema muito antes de o potencial cinematográfi co do autor de “Ensaio sobre a Cegueira” se ter tornado evidente. António Ferreira foi o primeiro a vê-lo: “Embargo”, o fi lme que Saramago o fez fazer, tem antestreia quarta-feira, no Fantasporto. Sérgio C. Andrade

14 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon SÃO silva!designers LUIZ MAR~1O

Filipe Costa, dos Sean Riley & The Slowriders, é o protagonista do fi lme, uma distopia sobre o fi m da gasolina

“criar uma história nova, mas partin- do dos pressupostos” do curto conto de Saramago. 30 filmes em competição “Mad Max à portuguesa” “Embargo”, o filme, começa com uma nos 30 anos do Fantas sequência tintada de cores gastas pe- lo tempo, num lugar e numa época “Solomon Kane”, de Michael português António Ferreira, indefinidos, num mundo esvaziado J. Basset, passa hoje à noite no ou “La Herencia Valdemar”, do de pessoas e com as bombas de gaso- Rivoli, na abertura ofi cial da 30ª espanhol José Luis Alemán, no lina esgotadas – “uma espécie de Mad edição do Fantasporto, que se qual o actor de fi lmes de terror Max à portuguesa”, diz o autor. O prolonga até 7 de Março e que, Paul Naschy (1934-2009) faz guarda-roupa das personagens e um no total das principais secções a sua última aparição. Uma velho Opel Kadett transportam-nos competitivas, propõe este ano 30 história na qual se cruzam várias para a década de 70, mas o apareci- fi lmes vindos de 17 países. fi guras históricas, dos escritores mento de um computador, um “scan- Naquela que é hoje a principal H. P. Lovecraft e Bram Stoker, ner” e um telemóvel, do mesmo modo secção do festival, a Semana passando pelo mago inglês que a associação da pop anos 60 com dos Realizadores, concorrem Aleister Crowley, até assassinas a música tecno, vêm baralhar a data- “1”, do húngaro Peter Sparrow, famosas, como Lizzie Borden ou ção. “O filme, como não é passado “Dolan’s Cadillac”, do norte- Belle Gunnes. nem presente, só pode ser futuro”, o americano Jeff Beesly, “First Na secção Orient Express, que torna a mensagem ainda mais in- Squad”, do japonês Yoshiharu três dos sete fi lmes a concurso quietante. Com esta indefinição, o Ashino, “Fish Tank”, do britânico são sul-coreanos: o já referido realizador quis também evitar o risco Andrea Arnold, “Guilt”, do grego “Thirst”, “A Frozen Flower”, de de ver os espectadores a procurarem Vassilis Mazomenos, “Hierro”, Yoo Ha, e “Posessed”, de Je- a verosimilhança dos adereços, lan- do espanhol Gabe Ibañez, “Sweet Yong-Lee. Do Japão vieram “Air çando-os antes para “um mundo sus- Karma”, do canadiano Andrew Doll”, de Hirozaku Kore-eda, e penso de um embargo” em que um Thomas Hunt, “The Time That “Vampire Girl vs Frankenstein homem (Filipe Costa, actor e músico) Remains”, uma produção Girl”, de Naoyuki Tomomatsu. se vê de um momento para o outro francesa do israelo-palestiniano O conjunto completa-se com literalmente presa do seu carro e da Elia Suleiman, e “Ward No.6”, do a comédia indiana “Loins of voracidade deste pela gasolina que russo Karen Shakhnazarov. Punjab”, de Manish Acharya, cada vez é mais escassa. A secção Cinema Fantástico e “Merantau”, uma produção No conto de Saramago, o homem continua a ser a mais concorrida, indonésia de G. H. Evans, sobrevive à morte do automóvel. No com 15 fi lmes, que incluem, cineasta natural do País de Gales. filme, António Ferreira quis preservar além do já citado “Solomon Luís Miguel Queirós essa ideia de “libertação”, mas não vai Kane”, obras como “Deliver Us revelar o epílogo desta história fantás- From Evil”, do dinamarquês tica, por razões óbvias. Ole Bornedal, “Heartless”, “Embargo”, como a primeira longa- do britânico Philip Ridlley, A secção de cinema metragem e as curtas que depois rea- “The Human Centipede (First lizou – “Respirar (Debaixo de Água)”, Sequence)”, do holandês Tom fantástico continua Com o Alto Patrocínio 2000; “Humanos – A Vida em Varia- Six, “Thirst”, do sul-coreano ções” (2006) e “Deus Não Quis” (2007) Park Chan-Wook, que integra a ser a mais –, é uma produção da ZED Filmes, se- também a secção de cinema diada em Coimbra, cidade a que An- asiático, “Embargo”, do concorrida tónio Ferreira regressou e onde se fi- xou depois de ter vivido em Lisboa, Paris e Berlim.

“É uma escolha natural filmar em 13H ÀS 20H BILHETEIRA DAS 213 257 650; T: [email protected] Coimbra. Temos lá a produtora, é lá “Embargo” expressa, por outro la- O realizador espera que a estreia que temos desenvolvido a maior parte do, o cruzamento que os filmes de de “Embargo” no Fantasporto ajude do nosso trabalho”, diz, fazendo notar António Ferreira sempre fazem com ao lançamento nacional do filme, não ter nenhuma preocupação em fa- o teatro e com a música também “ma- que deverá chegar ao circuito co- zer “manifesto” por um qualquer ci- de in” Coimbra. Exemplo disso é o mercial depois do Verão – com dis- nema de país real. “Não trabalhamos actor protagonista, Filipe Costa, mú- tribuição também assumida pelo em Coimbra para sermos contra Lis- sico dos Sean Riley & the Slowriders, próprio. boa, nem contra nada. Se amanhã tiver que já passou pelos Bunnyranch, e Na calha, tem já dois novos projec- uma história que se passe em Lisboa, que o realizador considera ter sido tos: fazer a adaptação de um livro de irei filmá-la lá, sem problema nenhum”. “uma escolha acertada”, decidida “lo- Rosa Lobato de Faria, “A Trança de Mas é em Coimbra que se sente em go à primeira”. O autor da música é Inês” – “é a história de Pedro e Inês WWW.TEATROSAOLUIZ.PT

casa: “Conheço os sítios, sei a quem Luís Pedro Madeira, que já tinha tam- situada em três momentos históricos MUNICIPAL TEATRO SÃO LUIZ 1200-027 LISBOA 38; ANTÓNIO MARIA CARDOSO, RUA 213 257 640 T: / [email protected] tenho de telefonar para arranjar aqui- bém musicado “Esquece Tudo o que também indefinidos, entre o passado, lo de que preciso”, explica o realizador, te Disse” e integrou outra banda local, o presente e o futuro” –, ou avançar que à volta da ZED Filmes, constituída os Belle Chase Hotel. “É tudo um am- com um argumento original, “A Bela há uma década, reúne uma equipa que biente familiar”, resume António Fer- América”, no qual está a trabalhar nos últimos anos expandiu a sua acti- reira, que gosta de transportar essa desde que terminou “Esquece Tudo vidade para a produção de documen- atmosfera para o “plateau”, onde nor- o que te Disse”. Mas mais pormenores tários, videoclips, filmes institucionais malmente trabalha sem grandes pre- sobre estes projectos ficam sob em- e publicidade. ocupações de pré-planificação. bargo.

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 15 A leitura de “Moby Dick”, por João Pedro Vale, foi acompanhada de ensaios da área dos O final não ecoa necessariamente o bro passado, no Cine Paraíso, um “queer studies” sobre Melville contém referências a mari- começo de uma obra. Durante sete cinema porno de Lisboa, a experiên- nheiros portugueses do Massachu- meses, entre 2008 e 2009, João Pedro cia vai ser repetida amanhã, às 21h, o romance de Melville: setts. O artista criou a sua própria Vale realizou uma residência artística na sala polivalente do Museu Colec- edição bilingue, lendo um exemplar em Nova Iorque com o objectivo de ção Berardo. como “Hero, Captain, da mãe, com uma tradução “do tem- pesquisar vestígios das comunidades Antes de “Hero, Captain and Stran- po da Maria Caxuxa”, e outro em in- emigrantes portuguesas da costa les- ger”, houve “Moby Dick”, exposição and Stranger”, glês. Apercebeu-se do peso que o li- te dos EUA, constituídas, em grande que Vale apresentou na Galeria Filo- vro tinha no imaginário dos america- parte, por pescadores baleeiros ori- mena Soares, em Lisboa, até meados do canadiano Robert nos: a obra faz parte dos programas ginários dos Açores. O ponto de par- de Janeiro, com os objectos e o cená- K. Martin, onde foi escolares, é um assunto “sobre o qual tida para o projecto tinha sido um rio utilizados no filme. Explica que toda a gente podia falar”. E isto, já se filme de 1937, “Captains Courageous”, não quis mostrar filme e exposição buscar o título para sabe, é terreno fértil para João Pedro realizado por Victor Fleming — autor simultaneamente porque “não queria Vale, que no seu trabalho tem explo- de “O Feiticeiro de Oz” e “E Tudo o fazer uma coisa à Matthew Barney” o filme, que analisa rado continuamente material que é Vento Levou”, dois filmes cuja icono- (o artista americano expõe habitual- dado por adquirido, temas e símbolos grafia fora apropriada por João Pedro mente os objectos dos seus filmes, que as relações sobre os quais o imaginário colectivo Vale em obras anteriores —, com um dessa forma ganham uma dimensão já produziu verdades inquestioná- pescador português chamado Manuel escultórica) e porque não via a galeria homoeróticas veis, recontextualizando-os com uma que é a própria personificação da bo- como o espaço ideal para apresentar ironia por vezes perversa. Dito de Exposições presentes no livro nomia (Spencer Tracy, com sota- o filme – não queria um lugar onde a outro modo: Vale gosta de profanar que). relação dos espectadores com a obra de Melville vacas sagradas. João Pedro Vale pergunta-se porque fosse transitória, mas um lugar onde A leitura de “Moby Dick” foi acom- é que essa figuração hollywoodiana as pessoas ficassem, “e depois sai- panhada de ensaios da área dos “que- de um português nunca foi a lado ne- riam, se e quando quisessem”. Houve er studies” sobre o romance de Mel- nhum em Portugal. “O filme não é espectadores a sair do Cine Paraíso ville: “Hero, Captain, and Stranger”, muito conhecido cá, não é uma coisa em Novembro, quando mostrou o fil- Profanar vacas sagradas do canadiano Robert K. Martin, onde com que as pessoas se identifiquem, me, mas não tantos quanto esperava, Visivelmente, João Pedro Vale, 33 foi buscar o título para o filme, anali- não está presente no imaginário co- diz. “Agradava-me especialmente anos, também tem demorado a liber- sa as relações homoeróticas presentes lectivo”, resume. Tendo em conta que apresentá-lo num cinema porno. En- tar-se da experiência do filme. Por no livro de Melville, nomeadamente o seu trabalho tem vindo a remexer caixava tudo. Sabia que no momento estes dias, deixou a barba tomar con- na relação entre Ishmael, o narrador, no nosso subconsciente colectivo, em que as pessoas deixassem de pres- ta do rosto seco; na tarde de domingo e Queequeg, o “selvagem” tatuado talvez tenha sido isso que o instigou tar atenção ao filme iam começar a em que o encontrámos, trazia uma dos mares do Sul. Outro título tão ou a procurar mais fundo. A verdade é prestar atenção à sala. Interessa-me camisola de lã grossa e, sobre a gola, mais fundamental foi “Moby Dick’s que foi para Nova Iorque com a ideia testar quando as pessoas tomam um lenço atado num laço — um mari- Boring Parts”, um ensaio de Jennifer de fazer um projecto relacionado com consciência do sítio onde estão.” nheiro em pleno Chiado. Doyle. Nesse texto, a autora compara “Captains Courageous” e acabou por O filme gerou mais “feedback” em Em Nova Iorque, começou a ler passagens de “Moby Dick” com por- executar uma versão alternativa do termos de recepção do que qualquer “Moby Dick” por causa de “Captains nografia: muitos dos capítulos do ro- Grande Romance Americano — um obra sua tinha provocado — o que lhe Courageous”; o romance de Herman mance estão repletos de descrições filme pornográfico gay baseado em agrada. “Não estava habituado a que enciclopédicas e cirúrgicas das parti- “Moby Dick”. (Esteja o leitor à vonta- as pessoas criticassem o meu traba- cularidades anatómicas das baleias, de para voltar atrás e certificar-se de lho. Quando falam comigo sobre as Depois de uma exibição em entre outros assuntos, totalmente des- que leu bem.) minhas exposições não dizem: ‘Aqui- Novembro passado, no Cine ligadas da progressão da narrativa, ao “Hero, Captain and Stranger” é lo devia ser amarelo e não azul’. Nes- Paraíso, cinema porno de ponto de estes capítulos serem conhe- uma obra sem antecedentes. É o pri- te caso, as pessoas todas tinham algu- Lisboa, a experiência vai ser cidos como aqueles que “os aprecia- meiro filme pornográfico português ma coisa a dizer. E, independente- repetida amanhã, às 21h, na dores de histórias adoram saltar”. apresentado num contexto artístico. mente de terem gostado ou não, sei sala polivalente do Museu Estas digressões exaustivas e “abor- Depois de uma exibição em Novem- que saíram de lá a pensar naquilo.” Colecção Berardo recidas”, como classifica Doyle, con-

Pôr o dick em Mob “Hero, Captain and Stranger” é o primeiro fi lme porno português apresentado num contexto a “Moby Dick” numa versão gay “hard-core”. O artista enfrenta o tédio — na literatura, na p

16 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon Do pescador Manuel (Spencer Tracy) em “Captain Courageous” ao erotismo 11 A 14 MAR 17 A 21 MAR silencioso de “Um Chant SÃO PAGAGNINI 1OO% TRICICLE d’Amour” de Genet: percursos QUINTA A SÁBADO ÀS 21H00 QUARTA A SÁBADO ÀS 21H00 até chegar a “Hero, Captain and DOMINGO ÀS 16H00 DOMINGO ÀS 16H00 Stranger” LUIZ SALA PRINCIPAL M/4 SALA PRINCIPAL M/4 MAR~1O segundos! trariam o desejo do leitor de avançar o silêncio dessas cenas é inspirado uma gargalhada em cada dez na leitura. São descrições técnicas, no curto filme mudo de Jean Genet, factuais, em “que não existe espaço “Chant d’Amour” (1950), e que quis para a metáfora, para a imaginação”, cortar o som porque o filme “não es- acrescenta Vale, citando Doyle. É nes- tá feito para as pessoas ficarem exci- se sentido, defende a autora, que tadas”. Além disso, o silêncio parece “Moby Dick” se aproxima da porno- prolongar a duração dessas sequên- grafia, comparando as “boring parts” cias, “aumentar a sensação de nunca (partes aborrecidas) do clássico de mais acaba”. Melville à crueza das sequências O artista admite que talvez nunca “hard-core” dos filmes ditos para tivesse feito o filme se não tivesse sa- adultos. E assim Vale lembrou-se de ído de Lisboa. E diz que não o fez fazer um filme porno. “para chocar”. “O desafio era: deixa-me fazer isto tasia das pessoas. Foi super-difícil.” Em “Hero, Captain and Stranger”,

porque é como o intocável”, explica. —, recrutou o sueco Anton Dickson, Vale regressa à temática da identida- silva!designers “Senti as pessoas incomodadas, não que entrou em “The Raspberry Rei- de gay que caracterizou os seus tra- sei se por ser pornografia ou por ch” (2004) do pornógrafo gay Bruce balhos iniciais — a obra representa acharem que a arte e a pornografia LaBruce (“fazer um porno num con- uma movimento contrário ao que deviam estar separadas.” A verdade texto artístico, para mim, a referência tem sido o seu percurso, que evoluiu é que essa abordagem lhe permitia era o Bruce LaBruce”, diz o artista), de um questionamento da identidade explorar algumas questões que o in- para fazer o papel de Ishmael; Que- sexual para a identidade nacional. teressavam, em particular o tédio. No equeg é interpretado por Tecco Ri- Neste caso, sucedeu o contrário. O filme, o próprio artista é visto a fazer beiro, massagista brasileiro que res- filme tem um carácter político: reco- gravações em dentes de baleia, recu- pondeu ao anúncio, e Ahab é Drako, nhece que sentiu que “era o momen- perando uma velha técnica empre- “performer” espanhol cujas actua- to para o fazer porque a questão es- gada por marinheiros durante os ções contêm sexo explícito. É o trio tava ser levantada”, referindo-se à “tempos mortos”, chamada “scri- ao qual cabem as sequências “hard- discussão no último ano sobre a le- mshaw”. Vale diz que o filme “é abor- core”, que foram filmadas num só galização do casamento homossexu- recido” e que lhe interessa questionar dia. O filme segue uma estrutura tí- al em Portugal. A conversa com o o tédio no campo da arte — Warhol é pica do cinema porno (a+b, a+c, b+c, Ípsilon decorreu um dia depois de referência óbvia. a+b+c). uma manifestação em Lisboa em de- “Hero, Captain and Stranger” tem fesa dos valores da família tradicio-

a+b, a+c, b+c, a+b+c 68 minutos, é filmado a preto e bran- nal. O artista nota que os manifestan- WWW.TEATROSAOLUIZ.PT De volta a Lisboa, criou o cenário no co, sem diálogos — todo o texto é lido tes acabaram a cantar a canção disco seu atelier, e colocou anúncios nos por um narrador (Thomas McKean). “We are family” dos Sister Sledge, APOIOS jornais pedindo pessoas para um fil- A banda sonora é uma improvisação conhecida como um hino gay — o tipo CO-APRESENTAÇÃO me porno experimental. Contactan- com guitarra a partir do tema instru- de ironia que podemos encontrar no SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; [email protected] do com pessoas ligadas à indústria mental “Moby Dick”, dos Led Zeppe- trabalho de Vale; às vezes, a realida- [email protected] / T: 213 257 640 BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS pornográfica, percebeu que ela en- lin, feita por Pedro Gonçalves, dos de ultrapassa a arte. frenta uma crise porque os consumi- Dead Combo — dir-se-ia música de João Pedro Vale podia ter feito dores preferem “coisas caseiras”. “western spaghetti”. Mas Vale elimi- “Hero, Captain and Stranger” há dez Vale decidiu “fazer uma coisa com os na todo e qualquer som nas sequên- anos? “Não. Da mesma maneira que amigos”, embora reconheça que o cias de sexo, o que representa uma quando começámos à procura de filme “não ficou com um ar ‘home- clara ruptura com os códigos do por- actores e não havia, cheguei a pon- MUSEU DO ORIENTE made’”. Como as respostas ao anún- no que, inclusive, chega a acrescentar derar fazer eu. Mas claro que não cio tardavam — “Achei que era a coisa sons produzidos em estúdio para in- podia fazer. Se calhar daqui a dez mais fácil. Achei até que era uma fan- tensificar as sequências. Vale diz que anos já posso.”

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Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 17 “Sou uma ‘star’ sem ‘system’” Exposições “Sem rede” reconstitui o percurso e a produção artística construídos

RAQUEL ESPERANÇA RAQUEL por Joana Vasconcelos ao longo de 15 anos. E para dois públicos diferentes: o que fez da artista uma fi gura pública e gosta muito do lustre de tampões chamado “Noiva”. E o de um mundo da arte com quem as relações já foram mais próximas. José Marmeleira

No refeitório sobram pessoas que con- período foram restauradas. “Algumas versam indiferentes à televisão. Ou- já nem existiam pois são feitas de ma- tras saem e entram. Sobem e descem teriais perecíveis e frágeis”, adianta as escadas, de telemóvel nos ouvidos. o comissário. “‘Flor do Meu Desejo’ Numa das salas do primeiro andar, e ‘Sofá-Aspirina’ [1997], ambas da co- alguém reúne recortes de imprensa, lecção do Pedro Cabrita Reis, não são noutra vêem-se maquetas. Mais à mostradas desde meados dos anos 90 frente, num espaço amplo, exibem-se e foram totalmente refeitas”. A estas várias obras de grandes dimensões, juntam-se revelações (porque muito feitas de tecido, pano, brincos de plás- pouco vistas) como “Menu do Dia” tico. E no exterior, um carro, que al- (2001), escultura feita de portas de guém vai conduzir, tem na porta um frigorífico e casacos de pele (1998), símbolo de coloridas pontas ovóides. ou “Spot Me”, uma guarita cheia de Uma marca, um “logo”. espelhos redondos, bem como traba- Estamos no “meio” de Joana Vas- lhos que inauguraram o universo vi- concelos (Paris, 1971). Ou, nas pala- sual e plástico da artista (“Cama Va- vras da própria, na “melhor galeria lium”, de 1998 ou “Plastic Party”, de de Lisboa”, o seu atelier. É aqui que 1997). Destituídas da espectaculari- produz e organiza o “hardware” da dade que caracteriza as intervenções sua arte e a promoção da sua perso- recentes de Joana Vasconcelos, têm, nalidade pública. Não muito longe, segundo Miguel Amado, “uma violên- porém, a menos de um quilómetro, cia implícita e remetem para questões também revela outra realidade, me- ligadas ao corpo e a uma certa ‘ma- nos burocrática e oficinal. Enfim, a laise’ civilizacional”. (sua) obra, na exposição “Sem Rede”, Mais populares são as obras pós- comissariada por Miguel Amado, no 2002, sobretudo junto do público Museu Colecção Berardo. menos especializado que tem vindo Trata-se de uma antológica que in- a descobrir a artista. Falamos do lus- clui à volta de 30 peças, sendo a mais tre de tampões conhecido como “A antiga “Flores do Meu Desejo”, data- Noiva” (2001-2005), que esteve no da de 1996, e a mais nova “Sr. Vinho” bar-discoteca Lux, de uma peça da (2010). Reconstitui um percurso de série de sapatos gigantes construídos 15 anos com trabalhos menos conhe- com tachos e panelas (“Cinderella”) cidos, quase obscuros, e obras onde e trabalhos em tricô como “Contami- se reconhece a marca Joana Vascon- nação” (2008-10) que será montado celos; de esculturas à escala humana pela primeira vez em Lisboa. Quantos a “monumentos”, como a escultura- aos objectos cobertos de croché, es- castiçal “Néctar”, feito de garrafas e tão praticamente ausentes de “Sem memórias do “Porte-bouteilles” Rede”: “Foi uma opção. Decidimos (1914), de Marcel Duchamp. não mostrar nada pela qual fosse ime- É uma exposição para todos os pú- diatamente reconhecida. Mas não há blicos, reconhece Miguel Amado: “Es- nenhum preconceito. O que fizemos se foi o nosso ponto de partida. Fazer foi mostrar uma obra que já tem 15 uma exposição dirigida ao ‘milieu’ anos sem incorrer no cliché associado artístico e àquele público que já co- à sua percepção pública”. nhece ou ouvir falar da Joana”. Dar a ver, portanto, o que implicou a recu- O mundo para além peração de trabalhos antigos. “Fize- mos uma certa arqueologia da sua do mundo da arte produção e reunimos núcleos funda- A exposição começa no exterior com mentais. Metade das peças seleccio- a eterna “Néctar” (2006) e estende-se nadas foi realizada antes de 2002, a ao Jardim das Oliveiras com “Sr. Vi- outra depois desse ano”. nho”, escultura inédita que consiste Quase todas as obras do primeiro numa ampliação de um garrafão em

18 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon ferro forjado semelhante ao que or- namenta as varandas da baixa lisbo- “Limitei-me eta. Pelo meio, pendurado sobre a a construir a minha entrada para o jardim, “Donzela”, uma das poucas obras feitas em cro- rede ao longo destes ché escolhidas por Miguel Amado. Depois “Sem Rede” mergulha no 15 anos e ela não interior do Museu e é aí onde melhor se manifestam alguns dos elementos se relaciona com centrais da prática artística de Vas- concelos. Encontramos a articulação nenhuma rede local. com o espaço arquitectónico em Cosia-a ponto “Contaminação”, ser tentacular e co- lorido, cosido à mão com lã, que sobe a ponto, de maneira por cima de balcões laterais antes de se espalhar pela sala ameaçando subir muito particular, nem ao tecto. Esta é a sua quarta monta- gem e para circularem os espectado- sempre conhecida por res não têm outra alternativa a não ser atravessar as cores, as formas e os cá, mas sem nenhum padrões do seu corpo. A mesma inte- padrão vigente” racção é convocada noutras peças, embora de forma mais directa: em “Ponto de Encontro” (2000) pode- mos andar num carrossel de tamanho gigante, sentados em antigas cadeiras Apesar do de escritório; em “Spin” (2001), acti- regresso a um vamos vários secadores e em “Passe- espaço de arte relle” (2005) somos convidados a contemporânea, quebrar, com a ajuda de um pedal, Joana diz que nas cães em faiança. Para além desta in- intervenções teractividade com espectador e do no espaço público desejo em jogar (romper?) com as es- “há uma avaliação calas arquitectónicas (a instalação “O diferente Mundo a Seus Pés”, de 2001 e pouco do trabalho de um vista desde então, é um bom exem- artista. Que é a plo) são evidentes a apropriação avaliação de toda (sempre visível, quase explícita) de a gente. Digamos objectos do quotidiano, o uso da cor que se trata de um e a sedução dos materiais, por vezes nível ainda mais numa clara remissão para fazeres e exigente” tradições populares. Outras obras contam histórias que reposicionam Joana Vasconcelos num tem pejo em assumi-lo. “Sou conhe- contexto particular da arte contempo- cida do público porque há uma im- rânea portuguesa: os anos 90 do sécu- prensa que também se interessa por lo passado. Foi com “Flor do Meu De- aquilo que faço e não se reduz ao sejo” que a artista integrou em 1996, mundo da arte. Que é mais aberta, ao lado de artistas, então saídos ou tolerante e dinâmica. Porque há todo prestes a sair da Faculdade de Belas um mundo da criação para além do Artes da Universidade de Lisboa (Ale- mundo artístico. Um mundo que exis- xandre Estrela, Miguel Soares, Rui Tos- te, que está lá fora”. cano), a colectiva “Greenhouse Dis- Joana Vasconcelos reconhece de play”, organizada pelos Autores em facto a existência desse mundo, talvez Movimento na Estufa Fria de Lisboa; e fascinado pela “portugalidade”, o lado foi em “Papel de Parede”, em Santa artesanal, a cor ou outros quaisquer Maria da Feira, com a curadoria de João aspectos da sua obra. Mais: aceita al- Pinharanda, também ao lado de alguns guns dos seus convites. Senão veja- destes nomes, que apresentou pela mos: adornou a Torre de Belém com primeira vez “Sofá Aspirina”. uma jóia gigante, recebeu pessoal- Podemos então vislumbrar nesta mente um Globo de Ouro (2005), con- antológica uma reconciliação com o vive ou colabora com figuras públicas meio local? Aquele que durante al- de outras áreas (Mariza, Jorge Lima gum tempo nutriu Joana Vasconcelos Barreto ou Clara Andermatt), partici- (a artista foi Prémio EDP em 2000) pa em campanhas de solidariedade e Entre o “white cube” antes do divórcio silencioso a cami- recebe com frequências elogios e pro- nho da separação? É esse mesmo: o postas profissionais das nossas (ditas) mundo da arte contemporânea por- celebridades. Na verdade, e bem de- a obra pública tuguesa. Joana Vasconcelos recorda senhadas as distâncias, Andy Warhol com nostalgia momentos e experiên- também convivia muito. Há quase uma década que não realizava uma exposição a título individual cias (“‘Greenhouse Display’ foi para Nesse caso, onde colocar a artista mim a exposição da minha geração”), perante o star-system da arte portu- num espaço de arte contemporânea mas a resposta chega negativa. “Limi- guesa? Ou será que este não existe? tei-me a construir a minha rede ao “Sim, existe”, sossega-nos Joana Vas- Desde “Medley”, na Galeria não saiba o que está fazer ou o da arquitectura, ter presença e longo destes 15 anos e ela não se rela- concelos, “mas eu sou uma ‘star’, não Central Tejo, no Museu da que é. Nas minhas peças sou eu durabilidade”. ciona com nenhuma rede local. Cosia- o ‘system’ ou o sistema. Ou sou uma Electicidade, Lisboa, em própria. E ou se tem capacidade Sobre o tema, Alexandre a ponto a ponto, de maneira muito ‘star’ sem ‘system’. Sem rede. A mi- 2001, que Joana Vasconcelos de construir um discurso à volta Pomar, um dos críticos de arte particular, nem sempre conhecida nha obra nunca se inscreveu nos pa- não realizava em Portugal delas ou não, ou se gosta delas que mais tem acompanhado por cá, mas sem nenhum padrão vi- radigmas daqui. As peças são grandes uma exposição a título ou não. E isso funciona tanto a percurso de Vasconcelos, gente. Seja da Ar.Co, daquele curador para arrumar, custam muito dinhei- individual num espaço de arte numa Bienal de Veneza como à acrescenta: “A sua obra vai ou daquela outra escola”. ro, os transportes são caros. Não fui contemporânea (com a excepção porta do Lux” apontando para a ambição Rejeitada a ideia de reconciliação, cómoda e rentável para as galerias, das galerias). A artista, no O trabalho com a arte da obra pública e de grande porque não um reencontro? “Nunca sempre lhes dei muito trabalho. Era entanto, relativiza este retorno pública ou as intervenções visibilidade, o que me parece estive desencontrada das pessoas. É considerada uma artista péssima pa- ao “white cube”: “Não há ruído ou no espaço público, em legítimo. É um terreno mais verdade que já tive vários apelidos. Já ra ir à Arco”. interferência, a atenção está toda edifícios ou monumentos, vai, difícil, mais desconfortável me chamaram comercial, lúdica; o A solução foi sair. Dar o salto para concentrada na peça. É a maneira aparentemente, manter-se: do que o circuito onde as croché é variado. Já fui Nikita de St fora: “Se não exportasse a minha mais fácil de expor uma obra. “Nos espaços exteriores há obras fazem e se desfazem ou Pahle [artista francesa conhecida pe- obra, se não me inscrevesse no meio Acredito que as obras devem uma avaliação completamente são destinadas a pequenos las suas grandes esculturas feitas de internacional, não sobreviveria. O sobreviver ao espaços e não diferente do trabalho de um coleccionadores ou a reservas. lã, fibra de algodão, papel machê e meio português acreditou em mim serem controladas por estes”. artista. Que é a avaliação de toda Nesse terreno, os artistas têm tela de arame], Jeff Koons e Damien quando recebi o prémio EDP, mas E vai mais longe na sua crítica: a gente. Digamos que se trata de de fazer uma obra permanente. Hirst. Mas o que venho aqui mostrar percebi que tinha que me pôr no al- “Há também um consumismo um nível ainda mais exigente. E é preciso continuar a é que continuei a trabalhar indepen- to dos meus sapatinhos e caminhar artístico. Vive-se, bebe-se, Porque a obra tem de perdurar assinalar lugares, a fazer dentemente do que disseram. E não pela minha ‘yellow brick road’. E come-se, pensa-se tanta arte no tempo, de comunicar com monumentos, a reivindicar essa precisei de escolher um grupo ou um acabei por ir, como a Judy Garland”. que a certa altura há quem já as pessoas, de existir no meio possibilidade”. J. M. campo para ter obra”. Joana prefere E este é um regresso a casa? “Sim, falar de uma outra “audiência” e não acho que sim”.

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 19 A memória de um programa televisivo pára-quedistas a fazer formações em “Comecei por pensar falta de ar no interior desse espaço deu origem a duas exposições de Ale- queda livre, na qual os protagonistas formado pelas pernas e braços vira- xandre Estrela (Lisboa, 1971), ambas “se agarram entre si e constroem uma em lançar uma dos para cima: “Quando acontece um programadas pela Culturgest: “Putting espécie de ADN em suspensão, que destes casos, o que eles [os pára-que- fear in its place”, realizada em 2008, se magnetiza num centro: é uma coi- câmara de um avião, distas] têm de fazer é voltar a pessoa nas salas do Chiado 8, na baixa lisbo- sa incrível”, nota Alexandre Estrela. ao contrário e puxar um outro pára- eta, e “Motion seekness” – um jogo de O interesse deste episódio deve-se, mas tinha sempre a quedas”. palavras a partir de “sickness” (doen- contudo, à tragédia que iria acontecer O confronto casual com uma revis- ça) e “to seek” (procurar), que resulta com o operador de câmara, o qual, sensação que o vídeo ta de pára-quedismo, em 2003, fez na ambiguidade entre, por um lado, devido à sua posição exterior, é es- iria ficar sempre com que Estrela se recordasse, uma o enjoo causado pelo movimento e, sencial para captar a figura desenha- vez mais, não só daquela perturbado- por outro, a procura de uma acção –, da no céu pelos desportistas. “A par- aquém da fiel ra emissão de “Les enfants de la télé”, inaugurada na passada sexta-feira, no tir das imagens apercebemo-nos, de mas também activou a sua vontade Porto, com curadoria de Miguel Wan- repente, que o ‘cameraman’ se esque- representação de de realizar uma série de trabalhos a dschneider. ceu do pára-quedas: deixas então de partir desse peograma, um desejo la- Em meados dos anos 1990, o con- ter uma perspectiva da paisagem e uma queda: não me tente há vários anos. fronto com dois pequenos filmes emi- passas a confrontar-te com uma es- “Comecei por pensar em lançar tidos no âmbito de “Les enfants de la pécie de entropia relacionada com a interessava fazer essa uma câmara de um avião, mas tinha télé” – programa de entretenimento queda do próprio sujeito; visto ser experiência de forma sempre a sensação que o vídeo iria estreado em 1994 no canal televisivo impossível filmar-se a ele próprio, ficar sempre aquém da fiel represen- France 2, transmitido pela TF1 desde porque a câmara está no capacete, ilustrativa tação de uma queda: não me interes- 1996, no âmbito do qual os convida- vêem-se apenas movimentos de câ- sava fazer essa experiência de forma dos revelam imagens que, por alguma mara que criam uma espécie de pon- ou pedagógica” ilustrativa ou pedagógica.” razão, os marcaram – impressionou to cego”, recorda o artista. E acres- Decidiu então realizar uma série de Alexandre Estrela. Nele, recorda o centa: “Para mim é chocante este obras com recurso a uma fotocopia- artista, “um cómico, uma espécie de desastre ter sido apresentado naque- dora e a operações de acaso, das quais Andy Kaufman francês, mostrou ex- le contexto; aquilo marcou-me.” resultaram os oito desenhos da série certos de uma operação ao cérebro, “Motion seekness”, agora revelada na captada em tempo real e durante a A gota sas que se vão formando e criando Culturgest. O processo de realização qual o paciente, estimulado com co- A confluência de meios – a máquina sentidos, uns ‘a priori’ outros ‘a pos- dos papéis originais é relativamente A exposição tonetes e eléctrodos, ia respondendo de fotografar e a câmara de filmar - teriori’”, assinala o artista, lembrando simples: os recortes de três capacetes de Estrela a questões acerca das sensações: ‘es- num objecto – um capacete – de um também que, ao contrário do senso de um operador de câmara pára-que- introduz uma tou a sentir um sabor estranho’, ‘lem- sujeito em queda interessou igual- comum, segundo o qual caímos de dista foram sucessivamente fotoco- verticalidade, bro-me de uma imagem’...” Este epi- mente Estrela: essa situação subli- cabeça para baixo, “pode dar-se o ca- piados. Depois, através de uma pin- uma queda, sódio está na base de “Putting fear in nhou o vácuo causado por uma série so do corpo se virar em forma de go- celada caligráfica, estes objectos, num edifício its place”, exposição onde se aborda- de movimentos sincronizados com a ta” - corpo deitado de costas, pernas esvaziados de sujeito, foram unidos pensado na va uma questão comportamental li- experiência dramática do operador e braços levantados em direcção ao a um rasto, criando-se assim a suges- sua gada às neurociências: o medo. de câmara. Na actual exposição da céu. Tornando-se, desse modo, numa tão de um movimento, de uma verti- estabilidade O segundo filme mostrado nesse Culturgest, existe, portanto, “um pon- espécie de fluxo simultaneamente ginosa descida. Através destes proce- horizontal programa documentava uma série de to gravítico e depois há pequenas coi- aerodinâmico e asfixiante, devido à dimentos houve, no fundo, a intenção de “imprimir gravidade e velocidade, em cruzamento.” Na Culturgest-Porto, esta série de desenhos, agora transpostos para PAULO PIMENTA PAULO uma escala maior, surgem numa ar- quitectura panóptica, um dispositivo prisional concebido em 1789 por Je- remy Bentham em que os detidos eram vigiados por um único guarda situado no centro da estrutura. A perturbação criada por Estrela – que, nesta exposição está constan- temente a trabalhar a dicotomia arte- sanal/tecnológico, sublinhando ainda, a partir desta oposição, a forma como se produz quase instantaneamente a obsolescência das máquinas – diz res- peito à introdução de uma verticali- dade, uma queda, nesse edifício pen- sado na sua estabilidade horizontal, aquela que permite o máximo de ob- servação, de disciplina. O artista apro- pria-se, assim, de “uma arquitectura monumental para apresentar fotocó- pias”, potenciando a conflitualidade dos meios que atravessa uma mostra completada por um outro trabalho, mais agressivo, “Queda e contra que- da” (2010) – projecção cintilante (“strobe”) sobre um poster descon- textualizado, sendo a emissão de luz acompanhada por dois sons resgata- dos de um concerto noise realizado o ano passado em Lisboa. Exposições Alexandre Estrela em queda livre Em “Motion seekness”, na Culturgest-Porto, Alexandre Estrela prossegue o seu trabalho em torno da percepção do espectador. O ponto de partida é a memória de um fi lme realizado involuntaria- mente por um operador de câmara em queda. O protagonista não conseguiu abrir o pára-quedas após ter saltado de um avião para registar uma formação de desportistas no céu... Óscar Faria

20 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon TEMPORADA 2009|2010 METROPOLITANA 18 Anos – Idade Maior direcção artística Cesário Costa

| Concertos para Famílias | Janeiro / Fevereiro 2010

DOMINGO, 28 DE FEVEREIRO, 11H30 GRANDE AUDITÓRIO DO CENTRO CULTURAL DE BELÉM O QUEBRA NOZES JEAN FRANÇAIX | PIOTR ILITCH TCHAIKOVSKI

Miguel Costa clarinete Jean-Marc Burfin direcção musical Orquestra Académica Metropolitana

Com a participação da Banda do Conservatório da Metropolitana Comentários de César Viana

CO-PRODUÇÃO

APOIOS Preço único:  5,00 Robert Longo, que é como quem diz Nova Iorque Mais do que uma mera reunião de obras, a exposição retrospectiva de Robert Longo no Museu Colecção Berardo é um pretexto para recordar o ambiente artístico da viragem para os anos 80 e as aventuras de um nome seminal da Pictures Generation. José Marmeleira FOTOGRAFIAS DE RUI GAUDÊNCIO DE RUI FOTOGRAFIAS

Há uma imagem que assombra a ex- Sherman – a sua então companheira ler, em perceber as narrativas. Isso dante, de me aproximar do trabalho Robert Longo pertence a uma posição dedicada a Robert Longo no – na sequência do convite de Douglas levou-me a trabalhar com as imagens, que eles faziam foi através da docu- geração de artistas que Museu Colecção Berardo: homens e Crimp para integrar, ao lado de Troy com o preto-e-branco enquanto abs- mentação fotográfica, das fotografias. responde ao poder das imagens mulheres desenhados a preto e bran- Brauntuch, Jack Goldstein, Philip tracção. Lembro-me do Barnett New- E a ironia é que, no fim, as fotogra- e da televisão - no caso de co, suspensos numa dança violenta, Smith e Sherrie Levine, a exposição man dizer que os expressionistas fias, embora a partir do desenho, Longo, a partir da fotografia, prestes a caírem. Falamos de “Men in “Pictures” no Artists Space. A peça abstractos eram artistas figurativos passaram a ser o meu ‘conteúdo’”. que passou a ser o seu the Cities” (1979-1983), obra (ou série que apresentou então, “The Ameri- que trabalhavam de maneira abstrac- Se de facto houve uma reacção, o “conteúdo” de obras) que nos transporta directa- can Soldier”, era escultura de uma ta. Creio que eu fazia o oposto”, ex- artista identifica, claramente, outro mente para um espaço e um tempo figura masculina contorcida pela vio- plica ao Ípsilon em Lisboa. alvo: o neo-expressionismo de Fran- muito particulares da história da arte lência ou pela dor. Com efeito, são vários os desenhos cisco Clemente, Enzo Cucchi ou Ju- contemporânea do século XX: a ar- Nos anos seguintes, outros artistas realizados a partir de fotografias pre- lian Schnabel (de fora deixa os ale- tisticamente porosa Nova Iorque de foram aparecendo no Artists Space e, existentes (“The Sickness of Reason”) mães Gerhard Richter e Sigmar final dos anos 70 e início dos anos 80, sobretudo, na galeria Metro Pictures: ou feitas pelo próprio (“Bodyham- Polke). “Diziam ou dizia-se que essa e o trabalho aí desenvolvido por um Louise Lawler, Barbara Kruger, Ri- mers”) que assinalam menos uma era a arte, como na altura o Reagan conjunto de artistas hoje conhecido chard Prince ou a própria Cindy Sher- denúncia do mundo construído pelos dizia ao mundo que aquela era a como Pictures Generation. man. Em comum tinham uma posição “mass media” do que simples abstrac- América. Nos víamos a arte não como “Diziam ou dizia-se Incluindo trabalhos recentes (até crítica face às pretensões da arte tra- ções ou representações de represen- ela era, mas como podia ser”, subli- que [o neo- 2008), mas sem fugir à gravidade des- dicional em transcender as condições tações. Eis a oportunidade de con- nha Longo. Uma arte fascinada pelas se passado, a exposição comissariada da cultura de massas e um interesse frontar o artista com a “tese”, por imagens dos meios de comunicação? expressionismo] era por Caroline Smulders, cuja primeira pela “imagem” da fotografia, da pu- vezes enunciada, de que os nomes “Não. Uma arte que respondia ao po- apresentação aconteceu no Musée blicidade, do cinema - ou pelas ima- revelados na “Pictures” e, depois, na der dessas imagens. Conhecíamos o a arte, como na altura d’Art contemporain de Nice, percorre gens que estas escondiam. galeria homónima foram uma reacção [vídeo]‘Television Delivers People’ a obra e o percurso de Robert Longo No caso de Robert Longo, tal incli- ao rigor da arte conceptual e à perfor- (1973), do Richard Serra, onde entre o Reagan dizia (1953, Brooklyn) e lembra as promes- nação tinha raízes algures entre a mance que dominavam Nova Iorque. a televisão e o público existia uma sas, as energias e as desilusões de um infância e adolescência. “Nascemos Segundo Robert Longo, nem por isso: rua de sentido único, mas a nossa ao mundo que aquela período seminal da arte nova-iorqui- quase todos nos anos 50 e crescemos “Penso que eles construíram um car- abordagem estava mais próxima do era a América. na. com a televisão e com o cinema. Che- ro e a minha geração conduziu-o. A controlo remoto, do vídeo-grava- Robert Longo surgiu na cena artís- guei a ver o ‘King Kong’ [de 1933] 20 ideia e o conceito foram sempre, para dor”. Nós víamos a arte não tica de Nova Iorque em 1977. Depois vezes. Também passava muito tempo nós, muito importantes. Eu era amigo de vários anos à frente da galeria a olhar para revistas, como a ‘Life’, do Vito Acconci, do Chris Burden e Do cinema à música como ela era, mas Hallwalls, na cidade de Buffalo, ins- com o seu o fotojornalismo sério. So- do Dennis Oppenheim, mas a única Tal abordagem, porém, não se fez talou-se em Wall Street com Cindy fria de dislexia e tive dificuldades em forma que encontrei, enquanto estu- sem riscos. Com o passar da euforia como podia ser”

22 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon ENCONTRO: entre a paisagem e a abstracção

OBRAS DA COLECÇÃO BESart

/// DE 04 DE FEVEREIRO A 09 DE ABRIL Exposições

e dos excessos dos anos 80, o percur- A carreira artística estava, por es- so de Robert Longo tornou-se mais sa altura, lançada, e muito por causa errático, mais confuso e, por vezes, da série “Men in the Cities” (esta que a raiar a megalomania: “Para mim a parece estar na cabeça de Longo, e melhor forma de criticar uma coisa do seu tubarão, no retrato que aqui é sermos momentaneamente essa publicamos em cima). Nesta assoma- coisa. Mas há sempre o perigo de nos vam não apenas referências visuais confundirmos demasiado com aqui- da época (os fatos e as gravatas dos lo que queremos revelar. E por algum punks do CBGB ou dos executivos de tempo perdi-me nesse jogo”. Já nos Wall Street, como Patrick Bateman), anos 90, tentou o cinema (realizou mas elementos centrais do que viria em 1995 “Johnny Mnemonic”, com a ser a sua obra: a técnica do desenho Keanu Reeves e argumento de a carvão como forma de “repetir” a William Gibson) e, embora não tives- fotografia, a apropriação (a imagem se sido o único (Cindy Sherman e original, tal como anteriormente a David Salle também não resistiram), da escultura “The American Soldier”, foi, devido à sua persistência, aquele consistia num “still” de “O Soldado que saiu mais ferido da aventura: “A Americano”, filme realizado em 1970 minha experiência foi muito negati- por Fassbinder), o trabalho em gran- va. Estava a gastar o dinheiro de al- des formatos sobre a figuração como guém que, por sua vez, interferia abstracção (“Se tirarmos as roupas, constantemente no meu trabalho. O não encontramos corpos, mas mar- mundo da arte reagiu mal. Acharam cas”) e os motivos violentos (armas, que queria fazer filmes de Hollywood ondas, pistolas, explosões nuclea- e essa não foi a minha intenção”. res). No início dos anos 80, noutra área, A história dessa obra vale a pena a recepção tinha sido bem mais po- ser contada: “Começou tudo com sitiva. Entusiasmado com a cena mu- ‘The American Soldier’. Para mim sical, pegara numa guitarra ao lado fazer arte é um equilíbrio entre o que de Glenn Branca (a quem cederia um é pessoal e o que está no mundo ex- desenho de “Men in the Cities” para terior. Essa imagem tinha a ver com a capa de “Ascension”, editado em violência e cinema, mas também me 1981) e colaborara com Rhys Chatham recordava um jogo de infância em antes de formar os Menthol Wars que aquele que melhor fingia a queda com Richard Prince no papel de gui- ficava com a pistola de plástico. Mor- tarrista. O gosto pelo pós-punk levou- rer num filme era quase como dançar o inclusive a uma colaboração tran- ballet. Foi nessa direcção que segui. satlântica depois de descobrir “Unk- Não tinha muito dinheiro nem para nown Pleasures” (1979), dos Joy revistas nem para esculturas, mas Division, numa loja do Soho: troca podia fazer as minhas próprias ima- // MORADA // HORÁRIO correspondência com o designer Pe- gens. Levei a Cindy e vários amigos Praça Marquês de Pombal ter Saville, que assinara a capa do para o telhado e fotografei-os enquan- Segunda a Sexta nº3, 250-161 Lisboa disco, e, em 1986, produz um video- to lhes atirava laranjas. Depois dese- das 9h às 21horas clip para “Bizarre Love Triangle” dos nhei as imagens em papel. O título // TELEFONE // EMAIL New Order (hoje continua a fazer veio de ‘Alice nas Cidades’, do Wim 21 359 73 58 [email protected] música nos X-Patsys, ao lado de Bar- Wenders, e do disco dos The Jam, ‘In bara Sukowa e Anton Fier, entre ou- The City’”. Agora que sabemos a his- tros). tória, já podemos ir vê-la.

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 23 Istambul estranha for As obras de Orhan Pamuk e de Nâzim Hikmet, os dois maiores escritores turcos, contemporâneos turcos. Isto no festival “Pontes para Istambul” que começa dia 1 no Lisboa, e portugueses que amam Istambul, para perceber essa estranha

De que lado estamos quando estamos sario. É o grande bazar, judeus em no Bósforo? Em Istambul estamos co- Istambul é a Balat e gregos em Fener, as ruas co- mo um corpo despedaçado, pé num merciais de Beyoglu. É a Ásia, passan- continente, pé no outro, à espera de singularidade na do as pontes sobre o Bósforo, subúr- encontrar uma solução para uma cri- diversidade, “é como bios verdes de populações migrantes se de identidade: somos asiáticos ou da Anatólia rural, famílias grandes e europeus? O coração está na tensão se tivesse muitas mesquitas de bairro. dos vários todos que fazem de Istam- Para Nulifer Kuyas, jornalista e en- bul um espaço de confronto entre “a cidades dentro”, saísta turca, Istambul resume-se na tentação do Ocidente e a fidelidade história do seu bisavô, “um ‘gentle- ao Oriente”, diz António Mega Ferrei- “cheia de tempos, man’ europeu que usava turbante, ra, presidente do Centro Cultural de médico, professor numa escola reli- Belém. no mesmo tempo e ao giosa, mas também trabalhador da Festival É a Istambul, este ano Capital Eu- mesmo tempo”, câmara municipal, amava o teatro e ropeia da Cultura, que o CCB dedica foi ver Sarah Bernhardt actuar no final o festival “Pontes para Istambul” que explica o escritor do século XIX”. Este bisavô podia es- começa dia 1 de Março, inserido no tar no “Istambul” de Orhan Pamuk, ciclo iniciado em 2009 com Buenos Paulo José Miranda, escritor da mesma geração de Kuyas, Aires, o das cidades literárias. São 56 anos, filha de uma família da cida- “grandes centros de cultura ou cida- que lá viveu cinco de. O bisavô de Kuyas representa essa des mitificadas pela literatura”, expli- “Turquia modernizada, ocidentaliza- ca Mega Ferreira. anos da nos últimos anos do império Oto- No festival, andamos sempre em mano”. Viajantes, poetas, nómadas, volta dos maiores escritores turcos contrabandistas, guerreiros, escrito- do século XX e XXI, Nâzim Hikmet e res e diplomatas passaram por esta do Nobel da Literatura 2006, Orhan cidade “cosmopolita”, “apocalíptica” Pamuk, cantores da cidade, mesmo e “multicultural”, descreve Kuyas, quando estamos a falar de cinema, “espaço dual, real e duro, ao mesmo de artes plásticas ou de fotografia. tempo onírico”, num estado constan- Porque eles representam a tradição te de “‘carpe diem’, vivendo plena- e a modernidade turcas: Pamuk dia- mente a vida, à espera do grande ter- loga com as fotografias de Ara Güler, ramoto”. cineastas contemporâneos apro- Nessa espera apocalíptica, talvez priam-se do seu romance “Neve”, se pareça com Lisboa. encenadores, leitores, e realizadores Houve tremendas transformações: envolvem-se com a vida e obra de Hi- na infância de Kuyas, eram dois mi- kmet, a cidade ganha vida(s) através lhões. Hoje são onze, doze, treze, não das várias pontes entre as artes, os se sabe ao certo devido às populações tempos e a história. flutuantes, megalópolis de arábias utópicas. Sedimentos, camadas Istambul é a singularidade na di- “Fundada” pelo deus grego Poseidon versidade, “é como se tivesse muitas em 675 a.C., na história da Turquia cidades dentro”, “cheia de tempos, tudo passa por Istambul: foi a capital no mesmo tempo e ao mesmo tem- do império Romano, do Bizantino e po”, explica o escritor Paulo José Mi- do Otomano. Foi Augusta Antónia, randa, que lá viveu cinco anos, após Bizâncio, Constantinopla e Istambul, vencer o prémio José Saramago em cidade imperial e republicana, “quin- 1999. Narra as suas manhãs: “Levan- tessência da Turquia”, diz Mega Fer- tava-me cedo e escrevia. Acabaria por reira. Istambul é restos de impérios, sair na hora de almoço e descia até ao sedimentos acumulados, camadas. Bósforo, onde o ambiente é muito Nessa “fascinante e extraordinária calmo”. Aí, restaurantes de luxo e sobreposição de civilizações”, como mansões convivem com pescadores Roma, talvez se pareça com Lisboa. e casas de chá, “bebia chá nas espla- Istambul é o Bósforo. Não é só a nadas, vinte cêntimos a chávena, fi- ponte entre continentes. É o estreito cava lá muito tempo”. Asli Gomes, entre o mar Negro e o Mediterrâneo, turca, 31 anos, casada com um portu- entre o Corno Dourado visto da pon- guês, também nos diz que é “de tomar te de Gálata e o mar de Mármara; en- chá a ver o Bósforo que mais sente tre os islâmicos, os cristãos e os orto- saudades”. doxos gg;gregos; entre os arménios, os gregos, os romanos, os Duas gerações literárias ppersas,ersas, osos espartanos, os Se para Kuyas é certo que Istambul romenos, os russos, os ára- A tensão entre política e cultura sempre pertenceu à Europa, a verda- bes.bes. É Sultanahmet,Sul onde vai ser recuperada no festival: de é que, para a Europa, Istambul e o coraçãcoraçãoo dos bizantinos Orhan Pamuk foi perseguido a Turquia serão sempre “o outro”. sese encontraencon com o dos por reconhecer numa “Se você nasceu na cidade, cresceu otomanos,otomano e onde a im- entrevista em 2005 (um ano e viveu aqui toda a sua vida, não há ponentepon mesquita antes do Nobel) a existência do dúvida que se sente europeu”, diz. azula se levanta genocídio arménio, facto ainda Esse era o projecto da República de

ALEX GRIMM/REUTERS por cima do ca- hoje negado pela Turquia Ataturk de 1923, a Turquia moder-

24 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon rma de vida levam-nos ao cinema de Ceylan e Fatih Akim, às fotografi as de Ara Güler ou de artistas CCB. O Ípsilon viajou pelo imaginário da cidade, e conheceu turcos que se perdem por forma de vida de uma cidade na confl uência dos mundos. Raquel Ribeiro

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 25

“Em qualquer ponto Ara Güler, “Istambul perdido”, de Istambul se vê 1 de Março, 18h00 Ara Güler, 81 anos, mestre da o Bósforo, como de Leica, fotojornalista da Magnum, é o grande fotógrafo de Istambul Lisboa se vê sempre e da Turquia. Nesta exposição, 40 imagens documentam a o Tejo. Tenho fotos memória viva da Istambul das pontes que perdida dos anos 50 e 60, olhar que se encontra com a infância podiam ter sido de Orhan Pamuk descrita na sua autobiografi a “Istambul: tiradas em Belém”. memórias de uma cidade”.

Pedro Gomes, Instalação Vídeo-Arte, artistas turcos fotojornalista contemporâneos, 1 de Março, 18h00 São seis artistas que, do vídeo à instalação, demonstram a vitalidade da cena artística contemporânea da Turquia

istambul documentando a evolução da capital em termos culturais. A história do país e os seus golpes na, decretando o fim do império reconhecer numa entrevista em 2005 “Neve” está muito próximo da tradi- militares (Gülsü n Karamustafa), Otomano, abandonando o regime is- (um ano antes do Nobel) a existência ção e do islamismo, em “O Meu Nome a arquitectura (Cevdet Erek), lâmico, tornando-se parlamentar e do genocídio arménio, facto ainda é Vermelho” há um fascínio pela velha os fenómenos das migrações laica. Com ele, a economia cresceu, hoje negado pela Turquia. Zeynep Europa. “É como se ele estivesse na (Osman Bozkurt), a alteração o alfabeto mudou, as mulheres pude- Elman, turca, 26 anos, estudante de ponte sobre o Bósforo, e ora corre do espaço urbano (Murat e Fuat ram ir à escola. Mas essa ocidentali- cinema, reconhece que a escrita de para um lado, ora corre para o outro, Sahinier), e a condição da mulher zação foi também feita de forma vio- Pamuk está “mais próxima da tradi- mas não consegue sair da ponte.” (Níl Yalter) são os grandes temas lenta, o genocídio arménio (1915) e a ção literária europeia”. da exposição. repressão sobre os curdos documen- “Na Turquia, muitos poderão dizer Casa de Ceylan, tam-no. que ele não é um verdadeiro patriota, “Istambul, Nessa tensão identitária que é ser mas convém lembrar o seu discurso sonho de Akim capital turco, para além da ponte ocidente- do Nobel, para perceber quanto ama Apesar de Istambul ser, diz Kuyas, um de Pamuk”, oriente, está também a narração dos a Turquia”, diz. José Riço Direitinho, “microcosmos da Turquia”, há um conferência factos, e as consequentes persegui- que no festival vai ler Istambul nos enorme contraste entre a cidade e o por José ções políticas. Foi assim com Nâzim livros de Pamuk, lembra que, apesar mundo rural. Essa é uma das temáti- Riço Hikmet, o maior poeta turco do sécu- da perseguição, o escritor “fez ques- cas das instalações de artistas contem- Direitinho, lo XX, nos anos 30 e 40; é assim hoje tão de ficar, toda a gente sabe onde porâneos apresentados no festival. É 8 de Março, com Pamuk, a face da Turquia mo- mora e nunca quis sair de Istam- esse contraste que Nuri Bilge Ceylan 18h derna, duas gerações literárias de bul”. (o mais internacional realizador turco) José Riço abertura e resistência. A indecisão dos turcos em relação retrata nos seus filmes, sobretudo na Direitinho Hikmet foi um dos primeiros a falar a Pamuk é também uma “espécie de trilogia “A Aldeia” (1997), “Nuvens de apresenta dos massacres sobre os arménios. esquizofrenia desse país entre essas Maio” (1999) e “Longínquo” (2002): Orhan Pamuk

Passou vários anos em prisões por ser duas coisas, o desejo de pertencer a os dois primeiros estreiam-se em Por- programa através dos comunista. Amado pelos intelectuais uma Europa que os rejeita”, conside- tugal no CCB. Ceylan foi fotógrafo an- seus romancess de esquerda (Picasso, Neruda e Sartre ra Mega Ferreira. Para Direitinho, Pa- tes ser realizador. Para Elman, isso é mais marcantes,es, dedicaram-lhe um manifesto), foi li- muk “não consegue posicionar-se uma qualidade: “Todos os realizado- como bertado, fugindo do país em 1950. nessa dicotomia, é um conflito pes- res devem ter o olho de um fotógrafo “Cidadela Chamaram-lhe traidor, a Turquia re- soal que é também o da Turquia”. Diz e laços com a literatura. Parece-me Branca” tirou-lhe a nacionalidade (reposta em que Pamuk “força muito” a admira- que o cinema de Ceylan está mais pró- e “Neve”, 2009). Morreu no exílio em Moscovo, ção por escritores como Dostoiévski ximo da literatura. Aliás, adoraria ler o livro em 1963. A sua poesia, a maioria es- ou Kafka, “para se mostrar mais eu- os seus livros”, diz, com humor. É es- de ensaio “Outrastras crita no exílio ou em celas de cadeias, ropeu”, mas a verdade é que se em sa ligação que torna “a sua linguagem Cores”, e a é o expoente do modernismo turco, cinemática muito misteriosa e os seus autobiografi a “Istambul: de verso livre e revolucionário. filmes interessantes”. memórias de uma cidade”. As “Esta tensão entre a política e a cul- Viajantes, poetas, Asuman Suner, professora na Uni- relações do escritor com país tura nunca deixou de existir na Tur- contrabandistas, escritores e versidade Técnica de Istambul e au- e com a justiça, a sua obra e a quia e queremos recuperar essa dis- diplomatas passaram por esta tora do livro “New Turkish Cinema”, cidade de Istambul, o confl ito cussão no festival”, diz Mega Ferreira. cidade multicultural, espaço explica que Ceylan resume os grandes pessoal latente entre Ocidente Cinquenta anos depois de Hikmet, real e ao mesmo tempo onírico – temas do cinema turco contemporâ- e Oriente, e uma nostalgia Pamuk também foi perseguido por talvez se pareça com Lisboa neo: a questão da pertença, do lar, turca semelhante à de Pessoa, são alguns dos percursos possíveis.

“Neve”, 6 Curtas de cineastas europeus, 8 de Março, 21h00 Hannaleena Hauru (Finlândia), Balázs Simonyi (Hungria), Manuel Gonzales Bustos e Javier Rex Jimenez (Polónia e Espanha), Oytun Kal (Turquia), Emmanuel Falguières (França), e Céline Giertta (Suécia) juntam- se em torno de “Neve”, romance de Pamuk, para realizar seis curtas. É o regresso de Ka, poeta e jornalista turco, de Frankfurt à Turquia, mais concretamente a Kars, cidade fronteiriça entre o império Otomano e o império russo, em 1990. Sob a neve, Pamuk descreve as tensões entre a religião e o secularismo que atravessam a Turquia contemporânea.

26 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon Comunidade de Leitores, com Alexandra Lucas Coelho, dias 10, 11 e 12 de Março, 18h00 Ara Güler, o fotógrafo que vê o que já não está lá Nos anos 50 e 60, aquele a quem um dia viriam a chamar o Olho de Istambul fotografou uma cidade que estava a desaparecer. Aos 81 anos, essas imagens povoam a sua memória – e são a sua pátria.

Os homens de bonés na cabeça e roupas amachucadas encostados a uma parede, numa das antigas fotografi as a preto e branco, São três dias de viagem pelo ocupam as memórias de Ara Bósforo em que Alexandra Lucas Güler. Tal como os três amigos, Coelho estabelece pontes entre o noutra imagem, encostados numa Ocidente e o Oriente, através da ponte a olhar os barcos. E ainda obra do poeta Nâzim Hikmet e o as meninas que tentam equilibrar romancista Orhan Pamuk. nos ombros os paus que suportam bilhas de água. Ou o casal que “O gigante de olhos azuis”, avança por uma rua mergulhada de Biket Ì-lhan, na escuridão. Todos eles vivem na 11 de Março, 21h00 memória de um homem: o turco Ara Güler. Aos 81 anos, o fotógrafo turco cujas fotografi as podem ser vistas em Lisboa, na exposição “Istambul perdido” comissariada por Laura Serani, é conhecido como o Olho de Istambul ou o Fotógrafo de Istambul, a cidade onde nasceu em 1928. Nas décadas de 50 e 60 fotografou o porto, os pescadores, os carregadores, os comerciantes, os artesãos, a velha ponte de Gálata, os velhos barcos – um mundo que ia deixar de existir. “É impossível contar esta ou aquela memória”, diz, ao Ípsilon, por email. “Mas lembro-me de Este fi lme da realizadora Biket uma rua onde tive memórias Ì-lhan rouba o título a um dos inesquecíveis. São memórias mais famosos poemas de Nâzim que constituem o meu mundo, os Hikmet, “O Gigante de Olhos mundos das memórias formam Azuis”, para contar a biografi a a minha cidade. E não apenas a do maior poeta da Turquia do minha cidade mas a minha pátria. século XX, revolucionário e As minhas recordações fazem a militante comunista, perseguido minha pátria e a minha nação. A pela justiça e preso político, que nação para mim é formada por morreu no exílio em Moscovo, em pessoas que partilham memórias. 1963. As fi guras das minhas fotografi as última vez que lá estive fazia “As minhas são membros dessa nação. Porque frio, anoitecia cedo e reencontrei Leitura encenada de sou um deles, pertenço-lhes, e ao imagens de Ara Güler, como se recordações fazem “Gioconda e Si-Ya-U”, mesmo tempo eles pertencem-me. a cidade tivesse permanecido de Nâzim Hikmet, Todas as minhas memórias são a mesma”. Mas Güler olha e vê a minha pátria 12 de Março, 21h00 ocupadas por eles”. sobretudo o que já não está lá. E essa cidade já desapareceu? “Daí essa nostalgia, essa profunda e a minha nação. Não completamente. Istambul poesia que se desprende das está diferente, mas a antiga cidade imagens”, continua a comissária. A nação para mim é ainda resiste no meio da nova. “As É a mesma nostalgia – o tal formada por pessoas fotos que tirei em 1950-1960 são “hüzün” turco – que marca o olhar antigas, mas refl ectem os nossos do escritor Orhan Pamuk. Aliás, os que partilham dias. Porque as cidades têm dois tornaram-se amigos e Pamuk uma vida própria, transformam- até escreveu um texto para um memórias” se. As estéticas alteram-se. livro de fotografi as de Güler. Uma Mas as cidades sobrevivem amizade que, para Laura Serani, Ara Güler e sobreviverão até ao fi m do faz todo o sentido, apesar de mundo”. serem homens de duas gerações As fotografi as expostas no CCB diferentes. “Essa ressonância de correspondem a um selecção uma Istambul eterna permaneceu sobre um tema e um momento durante muito tempo na cidade. O actor e encenador André particulares de entre o seu enorme E a noite que Ara Güler fotografa, e. Teodósio faz uma leitura arquivo que inclui trabalhos que essa noite densa, nublada, é muito encenada da peça “Gioconda e fez para a imprensa turca, mas poética, e isso integra-o numa Si-Ya-U”, do poeta e dramaturgo também para revistas como a corrente muito literária”. Nâzim Hikmet, uma obra sobre “Time-Life” (da qual foi o primeiro Ao tentar segurar nas suas fotos a “Mona Lisa” de Leonardo Da correspondente para o Próximo um tempo que desaparece Güler Vinci, que se apaixona por um Oriente, em 1958), “Paris Match”, sente-se um historiador. “Todos os jovem chinês de visita ao museu “Stern”, explica Laura Serani. “São fotógrafos que se concentram no do Louvre, em Paris. Gioconda imagens tiradas no pós-guerra”, documentário estão a fazer uma consegue escapar do museu e diz a comissária. “Sente-se uma historiografi a visual” e tudo isto torna-se revolucionária. melancolia que vem do facto em conjunto “constitui aquilo a de ele saber já, no momento que chamamos a civilização, se é em que está a fotografar, que a possível falar de uma civilização”. realidade que tem à frente está a A melancolia é inevitável. desaparecer”. “É sobretudo uma nostalgia Para um viajante, ou um que se traduz em melancolia estrangeiro como a italiana Laura porque estas fotos são no fundo Serani, a velha Istambul ainda a totalidade da minha vida de 80 surge aqui e ali na cidade. “Da anos e dos meus sonhos”. A.P.C.

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 27 “A cidade em si é um “Cruzando a ponte: O som de Istambul”, de Fatih Akim, caos, toda a gente 13 de Março, 17h00 sonha com partir. Mas ninguém consegue. Há uma impossibilidade real de deixar Istambul, que nos agarra sempre de volta” Asli Gomes

O realizador alemão de origem turca, Fatih Akim, regressa

istambul a Istambul para construir um documentário sonoro, acompanhando o compositor tar contra esta melancolia, ou, como alemão Alexander Hacke que todos os habitantes de Istambul, a capta os ambientes e a fazê-la minha”. Pamuk escreveu assim diversidade musical da Istambul na sua autobiografia “Istambul”, uma contemporânea. Akim espécie de “apreensão da alma da ci- desenvolve uma investigação dade a preto e branco”, como nas das raízes da cena musical fotografias de Ara Güler, fotojornalis- turca, marcada pela fusão de ta da Magnum, que a exposição “Is- electrónica com rock, hip-hop, e tambul perdido” apresenta no CCB. ritmos otomanos tradicionais, Aqui Pamuk fala de “hüzün”, me- fazendo a ponte entre a cidade e lancolia, sentimento que se parece os seus sons, ocidente e oriente, com a saudade e que documenta a entre a(s) sua(s) identidade(s) estranha forma de vida da cidade. hifenizadas, alemã e turca. Nesta viagem por Istambul, conhe- cemos turcos que se perdem por Lis- Istanbul Oriental Ensemble, boa, como Asli, que, como num livro 13 de Março, 21h00 de Calvino, nos diz: “Apesar de ser a primeira vez, em Lisboa, sinto que já conheço esta rua, sei onde vai dar porque já estou em Istambul”. Sim, é isso que Pamuk quer dizer quando diz que Istambul é a “silhueta de uma

miragem sempre em transformação” programa ou, nas suas deambulações, que é sem-centro ou infinita. João Romão, 41 anos, realizador do documentário sobre a Turquia, “Vi- zinhos”, Pedro Gomes, 32 anos, foto- jornalista e marido de Asli, e Paulo José Miranda: todos viveram em Is- tambul por amor a uma turca. Se para Miranda Istambul não lem- do nomadismo e das migrações in- Berlim. É a história de uma criança que bra Lisboa – “temos sempre tendência ternas na Turquia. Muito do seu cine- deixa de falar quando pai parte em de ir buscar o que conhecemos para A fusão entre a música ma “é autobiográfico: também teve busca de trabalho. Novamente: migra- explicar o que não conhecemos” –, tradicional cigana e bizantina uma família na província, e fala sobre ções, desejo de pertença, lar. para Gomes o Bósforo é uma espécie da Turquia com um repertório ser um artista na grande cidade, li- de Tejo. “Em qualquer ponto de Is- contemporâneo, de jazz e dando com a solidão e a necessidade Hüzün tambul se vê o Bósforo, como de Lis- drum’n’bass, através de de pertença”. Istambul é “espaço “Para mim, foi sempre uma cidade boa se vê sempre o Tejo.” Acrescenta: clarinete, cítara, oud, violino e claustrofóbico, uma armadilha”, mas de ruínas e de uma melancolia de fim- “Tenho fotos das pontes que podiam percussão. O Ensemble, que já quando se sai para o campo “há o de- de-império. Passei a minha vida a lu- ter sido tiradas em Belém”. tocou com os Kronos Quartet, sejo de regresso”, conta. É assim que Nilufer Kuyas, que nunca veio a Lis- apresentará também, no CCB, Asli Gomes, a viver no Bahrein, nos boa, diz-nos que o que une Istambul antigas canções de amor turcas. descreve o sentimento de ausência Asuman Suner, autora do livro a Lisboa é a condição de extremidade, de Istambul: “A cidade em si é um ca- “New Turkish Cinema”, explica onde a Europa acaba e começa. Aqui, “Música para ver, Dançar os, toda a gente sonha com partir. Mas que Nuri Bilge Ceylan, Miranda concorda: “São duas cidades para ouvir”, Companhia ninguém consegue. Há uma impossi- realizador de “Longínquo”, de impérios extintos. Há, em ambas, Kekeça, bilidade real de deixar Istambul, que resume os temas do cinema uma certa nostalgia por uma Europa 14 de Março, 17h00 nos agarra sempre de volta”. turco contemporâneo: a perdida ou nunca realizada”. Será is- Como Istambul, é nessa identidade pertença, o nomadismo e as to “hüzün”? hifenizada que o cinema do germano- migrações internas Na saudade, está-se sozinho. Em turco Fatih Akim, se encontra: entre a “hüzün”, a melancolia turca, é-se só, tradição dos pais e a modernidade ale- perdido na multidão: “Vive-se inten- mã, há uma Istambul sonhada nos seus samente, tem um ritmo incrível, as filmes: “Apesar de ter nascido na Ale- pessoas movimentam-se em tensão, manha, Akim parece sucumbir à ten- chocamos uns contra os outros, de tação de Istambul. Na Turquia, é visto manhã, à tarde, de madrugada”, con- como realizador turco”, diz Suner. O ta Romão. Que fazem os turcos na festival vai apresentar “Cruzando a rua? “Vêem”, responde Miranda. Is- Ponte: o Som de Istambul”, documen- tambul é cidade “sem metafísica”, tário em que Akim é seduzido pela so- onde se presta “o culto ao verbo ver”. Os Kekeça são quatro (Bazar, breposição de sons na cidade. Não é bem um “ser visto”, isso não é Gürer, Gürçay e Akarsu) e fazem O cinema turco está num momento importante. É uma “noção de hori- percussão corporal: o intérprete de expansão: a Turquia é um dos países zonte” diferente da de Lisboa, são e o instrumento estão fundidos com maior produção doméstica. “No janelas de vidro, para ver, contra as numa mesma pessoa, revelando ‘box office’, são os filmes turcos que cortinas. “Os turcos estão nas espla- e pondo a nu a consciência do dominam”, explica Suner. Elman con- nadas, estão nas ruas. O mundo está corpo e das suas potencialidades. corda: “Pela primeira vez, temos mais na rua, a andar e a ver”, diz. Como São performances de grupo e cinema turco do que americano nas naquela foto de Güler, três homens a solo que incluem temas da salas”. “Honey”, de Semih Kaplanoglu, sobre a ponte de Gálata, parados a música tradicional otomana acabou de vencer o Urso de Ouro em ver o Bósforo passar.

28 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon turca, canções folclóricas afro-americanas e algumas peças mais urbanas e contemporâneas, Orham Pamuk aprisiona transformando canções tradicionais turcas em peças para o corpo. a cidade num museu

“Histórias de Istambul” O novo livro de Pamuk está prestes a transformar-se num museu. Objectos que o escritor (2005), de Selim Demirdelen, recolheu durante anos – tal como a sua personagem, Kemal, em “Museu da Inocência” – tentam preservar entre quatro Kudret Sabanci, Umit Unal, Yücel Yolcu, Ömür Atay, paredes um amor perdido. E uma Istambul que já não existe. Alexandra Prado Coelho 17 de Março, 21h00 Neste fi lme, em cinco histórias Pode um homem apaixonado do que o termo inglês. Carrega Mas há sempre um escritas por Umit Unal guardar a mulher amada num O que ele guarda uma espécie de compreensão desfasamento inultrapassável. contadas por cinco realizadores museu? Pode um homem no museu é a teológica do ‘lugar da perda e “No fi nal dos anos 50, diz-nos contemporâneos (um deles fascinado guardar a sua cidade do luto’, tem notas de elegia e Pamuk, os turcos adoravam Unal), Istambul é ao mesmo num museu? Kemal, personagem Istambul dos anos 70, de nostalgia [...] e acima de tudo gabar-se de serem os primeiros a tempo narradora, personagem e principal do último livro do Nobel surge como a emoção que defi ne terem uma batedeira eléctrica ou cenário para versões modernas turco Orhan Pamuk, acredita cidade para a qual esta capital pós-imperial”. um abre-latas ou uma máquina de contos de fadas (A Bela que sim. Pamuk parece também de barbear eléctrica. Traziam da Adormecida, Capuchinho acreditar. olha sempre com Psicanálise Europa, entusiasmados, máquinas Vermelho ou Branca de Neve), Em “Museu da Inocência”, e fi lmes porno para fazer maionese – só para felizes, sofridas ou frustradas. que a Presença editará em aquela nostalgia descobrirem que não havia peças Portugal em Maio, Pamuk volta profunda a que Na Istambul dos anos 70 e sobressalentes na Turquia, pelo “A Aldeia”eia” a percorrer a sua cidade, a única início dos anos 80, o círculo em que estes grandes símbolos (1997), que lhe interessa: Istambul. E faz os turcos chamam que se move Kemal é o de uma do novo tornavam-se, muito de Nurii Bilge Kemal andar pelas mesmas ruas, burguesia que quer ser europeia rapidamente, relíquias.” Ceylan,, amargurado pela perda do seu “hüzün” mas permanece inevitavelmente São algumas destas novas- dia 19, amor, Füsun, uma prima distante turca – o eterno dilema do país. As velhas relíquias, que Pamuk 18h00 que reencontra no dia em que mulheres pintam os cabelos de guarda no museu. Durante Primeiroo entra numa loja para comprar louro e falam com desprezo dos dez anos, enquanto escrevia o fi lme da uma mala para a noiva. “Istambul que parecem demasiado turcos. livro, foi recolhendo os objectos, trilogia é agora uma galáxia de sinais Füsun, a prima por quem Kemal obsessivamente como Kemal ia de Nuri que me lembram dela”. Cidade e se apaixona, está desse lado fazendo na fi cção. Havia objectos Bilge Ceylanylan mulher confundidas. demasiado turco (não é por acaso que se infi ltravam na história, (1959), queque Perdida Füsun, não resta a que a mala de marca que ela lhe outros que ele procurava quando inclui Kemal mais do que recolher ao leito de morte do meu pai”. vende para ele oferecer à noiva é a história fi cava parada à espera “Nuvenssds dede todos os objectos que com ela No Museu da Inocência, Kemal rapidamente identifi cada por esta de algo que a fi zesse andar. Às Maio” (1999)999) e se relacionam, todos em que ela não guarda só uma cidade, guarda como uma cópia). vezes era alguma coisa que estava “Longínquo”quo” tocou, centenas de pontas de um tempo, o tempo em que foi A festa de noivado de Kemal e na montra de uma loja, outras no (2002). cigarros, ganchos de cabelo, cães feliz. “Está a fazer-se tarde na Sibel, uma grande cena central apartamento de um amigo, ou “A Aldeia”ia” de porcelana, bilhetes de autocarro, Istambul do novo romance de do livro, passa-se no Hilton e os num mercado de rua. é a primeiraeira um saleiro, um raspador de fruta, Pamuk, tarde em quase todos convidados bebem champanhe “Quero encher [o museu] longa para os juntar num monumento ao os sentidos da palavra”, escreve “europeu” comprado no mercado modestamente com as coisas e um doss dois seu amor, a que chama “Museu da Michael Gorra numa crítica no negro. O escritor Pico Iyer resume que fazem a cidade, que fazem inéditos Inocência”. jornal britânico “The Guardian”. num texto sobre o livro (“New York qualquer cidade”, explicou ao exibidoss Pamuk não resistiu a estender “Não é a morte, longe disso, mas Review of Books”) o dilema desta “New York Times”. “Quero que neste cicloclol esta história fi ccional até à as horas são pequenas e o próprio Turquia que quer ser cosmopolita: o meu museu seja o museu da no CCB. realidade e está a construir em tempo parece estar a esgotar- “A era em que a história se passa cidade, que inclua tudo, desde Contadoo eemm Istambul, num velho edifício se, como se toda a cidade fosse (muito à semelhança da América mapas das ruas, a fechaduras, a quatro partes,partes, situado numa esquina, o seu um memorial aos seus tempos vinte anos antes) e o tempo maçanetas de portas, passando ao ritmo das Museu da Inocência. Cada melhores”. dos primeiros disc jockeys em por telefones públicos e o som das quatro exemplar do livro dá direito a A colecção de objectos e o Istambul e das primeiras sessões sirenes de nevoeiro”. estações, é a história de uma um bilhete de entrada para este próprio museu são, reforça Gorra, de psicanálise, de discussões A cidade aprisionada. Uma família vista por duas crianças mundo suspenso entre a fi cção “exemplos daquilo em que Pamuk ansiosas em torno dos primeiros cidade que já não existe, excepto de uma pequena aldeia na e a realidade, como se o escritor costuma chamar hüzün”. “É a concursos de beleza e modelos, na memória de Pamuk – e dentro Turquia. tivesse encapsulado a cidade da palavra turca para melancolia, que muitos desaprovam e do “Museu da Inocência”. sua juventude para voltar a ela mas tem um peso mais complexo anseiam ao mesmo tempo. É até Não será um acaso que quando, “Nuvens de Maio” (2000), sempre que desejar. o tempo dos ‘primeiros fi lmes ao fi m de uma espera de anos, de Nuri Bilge Ceylan, O que ele guarda no museu é a pornográfi cos islâmicos’, copiados Kemal e Füsun fi nalmente fazem 19 de Março, 21h00 Istambul dos anos 70, cidade para Cada exemplar do novo livro de manuais sexuais europeus amor, o que passa em frente dos Na segunda parte da trilogia, a qual olha sempre com aquela de Pamuk será um bilhete de comprados no mercado negro, olhos dele sejam “imagens de Ceylan traça um novo retrato nostalgia profunda a que os turcos entrada para este mundo e concluídos sem os actores Istambul em velhos fi lmes, ruas do mundo rural turco, contando chamam “hüzün” – e que Adam suspenso entre a fi cção e a principais tirarem a roupa cobertas de neve, postais a preto e a história de um realizador, Shatz, num artigo sobre o escritor realidade que será o museu interior”. branco”. Muzaff er, que regressa à sua na “London Review of Books”, aldeia para fazer um fi lme. Aí descreve como “uma melancolia depara-se com uma série de colectiva cuja origem ele coloca problemas familiares: o seu na queda do império otomano, e pai, Emin, está prestes a perder da qual parece retirar um prazer as terras que pertenciam a mórbido”. JOHN MACDOUGALL/AFP JOHN gerações anteriores, e o primo, Aqui o “hüzün” surge misturado Saff et, sonha viver em Istambul. com um humor carinhoso – um dos objectos desse museu é “Turquesa”, um copo de água onde está pela OrchestrUtopica, mergulhada uma dentadura. 20 de Março, 21h00 “Toda a gente da geração dos O maestro Cesário Costa meus avós tinha este tipo de conduz o agrupamento de dentaduras. Os professores mal- câmara OrchestrUtopica num humorados na escola tinham-nas repertório contemporâneo também, e quando se zangavam de cinco jovens compositores os dentes batiam uns nos outros e turcos. Com formação em países toda a gente ria”, explicou Pamuk centro-europeus (como Zeynep ao “New York Times”. “Todas Gedizlioglu e Tolga Tüzün) e as noites antes de se deitar a nos EUA (Karam Ince, Öskan minha avó tirava-os da boca e, Manav e Tolga Yayalar), estes segurando-os delicadamente nas compositores têm contribuído mãos, lavava-os com uma para a renovação da música escova e pasta de dentes, e punha- clássica turca. os num copo com água até à manhã seguinte. A visão fascinava-me. Vi o mesmo tipo de copo de dentes falsos junto

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 29 Em Shibam, Hadramaut, há 500 torres em adobe, algumas com mais de 30 metros: casas do século XVI O Iémen não numa cidade que é um milagre do deserto é impossível, mas parece As construções do Iémen são um tesouro e os iemenitas também. Mas mais perto do que o Iémen e do que os seus construtores, à mão de semear, está “Art of Building in Yemen”, o levantamento arquitectónico exaustivo feito por um português, Fernando Varanda. São só mil exemplares. Também é um tesouro. Sofi a Lorena

“Art of Building in Yemen” é um livro Sanaa: “Foi, foi, olhe, acho que só de Natal lá terá recebido instruções Velha ou os edifícios de 300 metros em de paixões e este português, Fernan- olhando para a minha cara… não con- para o ataque falhado. Na verdade, já adobe de Shibam, aos quaisuais a UNESUNES-- do Varanda, só o podia ter escrito – a sigo dizer por palavras. Fiquei de bo- desde o 11 de Setembro que algumas CO chama Património da HumHumanida-anida- primeira edição, de 1982, publicada ca aberta. O que é isto? O que é isto? pessoas podem pensar no Iémen e de. Porque reais são as casasasas qqueue se pela MIT Press, e a reedição da Argu- O que é isto? [e o tom de voz vai su- lembrar-se de Osama bin Laden. Afi- avistam quando se percorrerre a estradaestrada mentum, com pouco mais de dois bindo e subindo e os olhos vão abrin- nal, foi lá que nasceu o seu pai. montanhosa que liga Sanaanaa a Ho-Ho- meses – por paixão. do ainda mais do que o habitual]. O Mas esqueçamos o terrorismo e deida, no Mar Vermelho. AAque-que- ALEXANDRE AFONSO O que é que o Iémen tem para Fer- que é isto? O que é isto?”. Washington a dizer que impedir o Ié- las torres lá no alto. Comoomo nando Varanda lá ter querido morrer? “Isto” é mesmo difícil de descrever. men de se tornar um Estado falhado foram construídas? Comoo é Para lá ter querido desesperadamen- Pensa-se no Iémen e pensa-se em tor- é uma das suas “grandes prioridades que se chega ali? Como é

Livros te voltar? Para dizer ainda hoje, mais res de adobe. Agora nem tanto. Desde de política externa”. Esqueçamos to- que se sai dali? Como é queue de 35 anos depois da primeira viagem, Dezembro que se pensa em terroris- dos os títulos de jornais e pensemos se vive ali? que não há palavras para descrever mo porque o jovem nigeriano que que nada disso é real. Porque o que é É mesmo difícil de des-- aquele primeiro embate? Chegar a tentou fazer explodir um avião no dia real são as casas em torre de Sanaa crever. Percebe-se quee

30 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon “O Iémen pode tornar-se uma paixão violenta. Para mim foi. Agora estou mais calmo. A certa altura o que eu queria era Os interiores que era o Iémen, tinha assim umas voltar para lá, voltar… das casas vagas descrições e depois vi uma fo- iemenitas são tografia muito pequenina na Enciclo- Um dia estava brancos e a pédia Britânica e fui. Foi um bocado cor vem dos aquela coisa, ainda de juvenil, de no terraço da minha tapetes, das aventura, essa história toda.” almofadas e Por causa do Iémen e do Programa casa a ver as também dos das Nações Unidas para o Desenvol- mulheres do outro “takhrim”, vimento (PNUD), e de um projecto aberturas em que ele pensava que ia envolver “fazer lado da rua a brincar cima das uns milhares de casas em Sanaa”, Fer- janelas nando Varanda fartou-se de estudar. com as crianças, esculpidas em “Fiz uma paragem em Portugal de gesso e feitas quase seis meses ainda antes de ir. De e o fim de tarde, de vidro maneira que andei a ver tudo, e foi colorido num giro porque estive a falar com antigos aqueles fins de tarde rendilhado de mestres. O meu interesse por esse ti- fantásticos em Sanaa. estuque po de arquitectura já lá devia existir Fernando Varanda opte por se expres- latente. Estudei sistemas de constru- E pensei que queria sar com perguntas. Não há respostas. ção. Fartei-me de me preparar.” É assim. Como naquela primeira vez era di- morrer lá. Não Varanda lembra o que ele e outros fícil entrar no Iémen dividido, a via- que tinham chegado antes, e os que gem fez-se por Áden, a grande cidade há melhor vieram logo a seguir, mais notavam porto do Sudoeste, então Iémen do na altura, nos anos 70: “A simplicida- Sul, marxista. “Em Áden andava por do que isso” de. Aqueles tipos faziam aquelas coi- lá a ver, dei por mim e estava no meio sas, quase sem ferramentas, e aquilo da rua, já tinha saído do aeroporto. era como os putos a montarem legos, Um bocado paranóico, voltei a correr não é? É isso que era espantoso.” Sim, para dentro.” A seguir rumou a Norte. “claro, havia circunstâncias naturais “Taiz era uma cidade como as outras, favoráveis, o sol…”. assim um bocado Moscavide. A parte Há mais para além do sol. Havia a nova de Taiz, aquela parte feita pelos ideia de “concentrar para cultivar”: egípcios nos anos 1960.” construir em altura para libertar o A seguir veio a tal estrada que une solo e plantar cá em baixo. Há “a pró- Hodeida a Sanaa, uma daquelas que A casa em pria organização política que é, desde nem os iemenitas de punhal curvado torre: da os reinos pré-islâmicos, uma organi- à cintura fazem sem enjoos, sem sus- entrada ao zação de pequenos grupos que se tos, sem arrepios. Lá em cima estão terraço, combatiam entre si”. Por tudo isso, elas, as construções impossíveis. A escadas sem “é provável que haja também uma seguir Sanaa e afinal é Sanaa que faz fim que é razão estratégica para concentrar e perguntar “O que é isto?”. Há mais, preciso de construir em altura.” Mas, depois, tanto que é impossível escolher um percorrer “como é que foi desenvolvida a tec- só sítio onde regressar. Mas foi em para chegar nologia, como é que é desenvolvido Sanaa que um dia Fernando Varanda aos espaços o gosto pela construção em altura?” pensou que ali podia morrer. mais nobres. Porque, diz, “eles não parecem ter Na Medina de medo nenhum, é ir por ali acima”. Uma paixão violenta Sanaa, Passes de mágica, não se expli- “O Iémen pode tornar-se uma paixão habitada há cam. violenta. Para mim foi. Agora estou 2500 anos, há “O que é que causa isto? O que é mais calmo. A certa altura o que eu 6000 casas, uma identidade que se revela em ar- queria era voltar para lá, voltar… An- todas quitectura? A gente diz que a identi- dou sempre tudo ao contrário, houve construídas dade dos portugueses se revela na sempre qualquer coisa a meter-se de antes do poesia, não é? A dos iemenitas revela- permeio. Um dia estava no terraço da século XI se na arquitectura… se a gente pode minha casa a ver as mulheres do outro falar em lugares comuns como estes... lado da rua a brincar com as crianças, O que é esquisito é estar-se a perder. e o fim de tarde, aqueles fins de tarde Mas isso também tem que ver com a fantásticos em Sanaa. E pensei que maneira como a sociedade mudou. A queria morrer lá. Em 1976, eu tam- História não é um fio, é um tecido, é bém não era muito velho, tinha uns muita coisa”, aponta Varanda. 35 anos. Mas foi assim, essa sensação. Muita coisa. A História do Iémen Não há melhor do que isso.” são montanhas e construções de pe- A aventura não foi apenas a deci- dra e oásis e construções de terra e o são, foi a viagem, foi o Iémen. petróleo que ficou do lado saudita da Fernando Varanda depressa perce- fronteira disputada - e Ali Abdullah beu que os iemenitas não precisavam Saleh, o Presidente que não parece assim tanto daqueles milhares de ca- disposto a largar o poder. A de Fer- sas que o PNUD devia construir. Mas nando Varanda é muita coisa, mas precisavam de pessoas que começas- não se pode tentar saber o que é sem sem a ajudá-los a pensar em soluções Iémen, sem Sanaa, sem Shibam, sem para preservar os seus maiores tesou- Hodeida, sem Mukalla, sem Maarib, ros, as suas construções. E afinal aque- sem Saada, nem sequer sem Taiz. Na- le até “era um projecto bem interes- O IémenI foi da faria sentido, nem esta conversa sante de um arquitecto [Alain Ber- uumam paixão com vista para uma varanda cheia de taud] que se propunha fazer a aldeia viviolentao para plantas no centro de Lisboa. das Nações Unidas toda em terra, em FFernandoe adobe. Era um projecto-protótipo”. VaVaranda, que A Enciclopédia Britânica Bertaud “lançou as bases”. Varan- lá foi parar De certo modo, tudo começou no Ié- da devia ir ajudar – era voluntário. ALEXANDRE AFONSO ququando men, ou recomeçou por causa dele, “Mas depois ele foi-se embora e eu aacabouc os digamos assim. fiquei lá sozinho a tomar conta da esestudos, “Eu estava nos Estados Unidos a loja.” A loja era um gabinete de pla- atatravésr de um acabar os meus estudos, a tomar uma neamento urbano que deveria nascer pprogramar das decisão, e um amigo meu diz-me que ligado ao Ministério das Municipali- NaNações estavam à procura de voluntários. dades: “O director, eu, e quatro to- UnUUnidas Tinha várias alternativas. Não sabia o pógrafos que eram do tempo da formais diferentes”. Pelas ruas de Sanaa e outras, também há constru- ções de Fernando Varanda, urbani- zações, “developments”. “Agora di- zem-me: ‘Ah, este bairro, foste tu que desenhaste. Mas é completamente irreconhecível, são interpretações livres, libérrimas.” Orgulhosos hospedeiros O que vai ficar também ninguém sabe dizer. “Uma coisa é a arquitectura popular ou vernacular em que se aprende directamente, fazendo, ou- tra coisa é a arquitectura erudita, ou a aproximação erudita da arquitectu- ra, em que se aprende por livros, sem efectivamente ter feito. Aqui no Ié- men está-se no princípio disso. Eu para lá” ia crescendo sempre o es- não sei, por exemplo, como é que de- panto. “Depois ainda havia a ameaça O Iémen mudou terminadas técnicas, como o zabour, de aquilo poder ir tudo para o mane- ali da zona de Sadaa, vão ser preser- ta, porque havia aquela vaga dos muito e perdeu-se vadas. É provável que daqui a uns egípcios e as próprias autoridades na construção, mas anos haja uma escola profissional rejeitavam um bocado um passado com uns engenheiros e uns arquitec- associado ao imã [que chefiara o re- as pessoas “vivem tos que estudaram cuidadosamente gime islâmico do imanato], das pare- o que havia e decidiram experimentar des de terra e tal”. da mesma maneira, fazer casas em zabour, por acharem O que Bertaud queria com a aldeia que é muito importante para a iden- protótipo “que não era precisa para nas mesmas casas, tidade do Iémen.” nada” era “convencer o pessoal que em casas novas” A verdade é que os iemenitas são se podia fazer boa arquitectura em sonhadores. E às vezes os sonhos de- adobe”. Havia Bertaud e havia outros, também les concretizam-se. Como o “Art of era a altura em que germinava a ideia Building in Yemen”. “Isto é uma en- de fazer um esforço de preservação. comenda do Iémen. A edição que es- Varanda apanhou essa fase e então tá a ser vendida em Portugal foi, di- quis fazer mais ainda. “Tive sorte. gamos, um acréscimo que a Argumen- Disse ‘quero fazer um grande levan- tum decidiu fazer. Mas o livro mostra tamento do Iémen, assim um pouco que há interesse. Eu estava convenci- como o ‘Arquitectura Popular em Por- do de que isto nunca mais ia para a tugal’, com um grupo de pessoas’. frente.” Mas o livro fez-se e vai a ca- Fi-quei sozinho e fiz o que pude.” minho do Iémen, de barco. Deve estar mesmo, mesmo a chegar. Arquitectura iemenista Fernando Varanda espera voltar. Varanda ficou uns anos, na sua casa Por causa do livro, por causa do Ié- Actualmente de Sanaa. Depois, nos anos 80, esteve men. Por causa dele. há janelas de por lá mais uns tempos. Lá estava na tribal, ambiental, produz uma deter- “O meu livro é sobre a arte de cons- alumínio e reunificação do Sul e do Norte, da minada arquitectura.” truir. Queria falar da atitude dos ie- desenhos República Democrática e da Repúbli- O Iémen mudou muito e perdeu-se menitas quando olham para o mun- inovadores: O “mafraj”, ou outra senhora, e que estavam a ca Árabe, em 1990, 22 de Maio. Em na construção, mas as pessoas “vivem do. Mostrar o que é que aquela gente nas salão, fazer tudo. Havia ruas que saíam um 2006, está a fazer agora quatro anos, da mesma maneira, nas mesmas ca- é, porque só sendo uma gente muito “Moscavides” reservado ao bocadinho assim…”. Tortas. convidado por um daqueles iemeni- sas, em casas novas”. Têm frigorífico, especial pode fazer o que fez. É ver- de hoje, vêem- dono e seus Era preciso pessoal e o director da tas que foram seus discípulos, pôde também têm camas, agora, e roupei- dade, são orgulhosos, e se calhar é se arcos e convidados: é loja tratou de o arranjar. “Um belo por fim regressar e voltar a percorrer ros. Mas ainda há a matéria-prima, isso que lhes dá a capacidade de se- abóbadas a hora de dia aparece-me lá com 18 fulanos, não o país dos construtores. Objectivo: claro, e o “mafraj”, a sala dos donos rem hospedeiros, não desconfiam do lembrar a mascar “qat” sei onde é que os foi arranjar. Mas “Art of Building in Yemen”, parte da casa e dos seus convidados, o ter- visitante.” Recebem-no, nas suas ca- Índia ou arcos ou de fumar aquilo que eles tinham de instrução dois. O primeiro livro “agora é arque- raço das vistas sem fim, onde se põe sas de adobe ou de pedra e cinco an- de pernas cachimbo de formal era a escola corânica.” Foi ologia”, diz. a roupa a secar. “Não sei como é que dares; oferecem-lhe comida, cama, para o ar. “Por água. Um preciso treiná-los. “Encontrei um As construções que o deixaram de a arquitectura pode traduzir a perso- “qat”, a erva estimulante que os ho- um lado, será exemplo grupo de pessoas fantásticas nessa boca aberta ainda existem, por todo nalidade das pessoas. Mas do ponto mens mascam dia a dia; convidam-no para não fazer intocado pelas altura e então fizemos uma escola, o país. Ainda se constroem novas qua- de vista da personalidade, do estar para as suas festas, fazem festas para sempre igual”, influências que funcionava na municipalidade, se da mesma maneira – no Hadra- em casa, do serem as mesmas pesso- o convidar. As construções são belas, diz Fernando das últimas de tarde, onde se dava desde dese- maut, por exemplo, a construção em as, não havia diferença nenhuma.” os construtores especiais. Apetece Varanda décadas e (em nho, matemática, aquelas coisas pa- adobe está “vigorosa”, quase intoca- O desenho também “vai mudando,, voltar. cima) um ra eles poderem trabalhar. E realmen- da nos métodos, nas técnicas,cas, nos vão ã o- se criancriandodo llinguagensinguagens “mafraj” com te desse grupo ficou um nó, um nó modelos, nos resultados –, mmasas tam- inovações: de meia dúzia de pessoas que depois bém há muito de novidade, inspira-inspira- mesas diantes arranjaram bolsas, foram estudar pa- ção local e imaginação fértil.til. “São das almofadas ra o estrangeiro, completaram devi- misturas do encontro, se calhar,har, com e janelas mais damente essa educação e arranjaram a arquitectura de revista. Façoo lláá iideiadeia trabalhadas cargos de importância no país. Como do que por lá aparece de ‘Casassas e Jar- o amigo que me convidou agora a dins’.” voltar”, explica Fernando Varanda. Assim se perde muito, tambémmbém tal- Enquanto o pessoal era treinado e vez se ganhe. o gabinete se formava e não formava, “Chamo àquilo arquitecturara ieme- o português tinha de viajar. O presi- nista, uma arquitectura quee tem as dente da câmara de uma dada cidade raízes nesse esforço de continuartinuar a queria um projecto e ele lá ia. Tele- construir em pedra. Ora, a introdu-ntrodu- fonavam e pediam “um development, ção de vias de transporte e ddaa no- uma urbanização”. Entretanto, Va- ção de compra de materiais,s, ali, randa ia vendo tudo e tomando notas como em outros locais, transfor-nsfor- e tirando fotografia. De Sanaa a Ho- ma a paisagem construída. EEssesse deida – e mais umas voltas para Les- fenómeno da impregnaçãoo de te não oficiais, com jipe das Nações um tecido construído, desenvol-vol- Unidas e tudo. “Nesse processo, de vido localmente em torno ddee ir a estes sítios, de fazer projectos uma estrutura social, política,a,

32 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon

O futuro reinventado DJ Ride diz que o seu novo álbum representa aquilo que é neste momento. Grande ajuda que n mostra-nos muito. Das Caldas da Rainha para o mundo, pode ser o que quiser. Até a

Quem o vê nas Caldas da Rainha a hop português. Neste momento, está o que faço, mas tendo a liberdade de comprar as mesas ou a Groovebox era acelerar na bicicleta, pedalando até dividido. fazer coisas diferentes. Felizmente, ambição impossível: “300 contos pa- à praia, Foz do Arelho, ou até à lagoa, Promove “Psychedelic Sound Wa- isso tem acontecido. Convém relem- ra um miúdo de 12 anos...” Então Ri- a de Óbidos, não imaginará. Ali, na ves” em Lisboa e viaja até ao Espaço brar que venho das Caldas, de um de organizava sessões com amigos de cidade onde nasceu, ele é alguém a do Tempo, em Montemor-o-Novo, ‘background’ hip-hop”, acentua. “De bairro, “com uma boombox toda li- viver serenamente, caminhando des- onde integra o conjunto de músicos, um momento para o outro, poder xada”. Montavam sistemas de som e contraído entre o parque de skate da dirigidos por João Lucas, que acom- abrir os horizontes e experimentar a luz no sótão e organizavam festas, pequena cidade e o bucolismo que a panharão ao vivo “As Lágrimas de minha música com a abordagem de infelizmente para eles, pouco concor- envolve. “O que me leva a regressar Saladino”, a nova criação do coreó- outras pessoas, muitas vezes bem ridas – “era um bocado complicado lá é aquela calma. Nas Caldas estou grafo Rui Horta – e, pelo meio, natu- mais velhas que eu... Tenho aprendi- porque as miúdas nunca apareciam”. em todo o lado em cinco minutos. ralmente, continua a dar música à do imenso”. Desse período, recorda sentir-se mais Preciso mesmo de um sítio descon- boémia urbana em DJ sets e live acts. fascinado pela vertente criativa, de traído onde possa absorver boa ener- Como escreveu o jornalista Rui Miguel Quando Ride produção sonora, do que pela de DJ. gia”. Abreu no texto de apresentação de Ainda assim, não faltaram vezes em Quem o ouve, nós, não imaginava “Beat Journey”, depois de elencar os era Oliveiros Tomás que se esgueirava da escola, falta mar- que este criador hiperactivo, o DJ Ri- itens marcantes do percurso de Ride, O miúdo que sonhava ser guitarrista cada, para se fechar no quarto duran- de que conhecemos primeiro como “seria caso para dizer ‘uff!’ se se adi- e passava os dias de nariz colado à te horas a aperfeiçoar scratchs e pas- campeão nacional de scratch/turn- vinhasse algum pingo de suor no seu montra da loja de instrumentos, o fu- sagens, a aprender a árdua arte de tablism, que vimos depois apresen- rosto, mas não...” Pois não. turo baterista que infernizava os pais dominar os pratos. Esta persistência tar-se, com o álbum “Turntable Não sabemos se são os ares retem- a batucar furiosamente nas panelas é um traço de carácter. Food” (2007), como um dos mais en- peradores do microclima das Caldas, da cozinha. Todos conhecemos his- Na cabeça de Ride, quando ainda tusiasmantes músicos e produtores mas Ride, o que nos fala em café lis- tórias como estas. Ride era um desses não era Ride, antes Oliveiros Tomás cá da terra, que desde aí não tem pa- boeta protegido das intempéries de miúdos, mas não queria guitarras ou Oliveira – “o nome é invulgar, faz par- rado de editar, de colaborar, de pre- Inverno, parece um homem com sede baterias. “Os pratos [de DJ], as mesas te de uma tradição de família, da par- encher noites país fora com os seus de futuro. A sua música, de raiz hip- de mistura, as Groovebox da Roland, te do meu pai, dos Açores” -, só exis- indiscutíveis dotes de giradisquista, hop mas aberta a todas as contami- os teclados. Sentia-me completamen- tia espaço para a música. E as Caldas nós que o ouvimos, dizíamos, não nações, procura-o, tenta antecipá-lo, te vidrado nesses objectos”. Isto era da Rainha, pela presença da Escola imaginávamos que este conversador imaginar-se nele enquanto ele não Ride aos “dez, 12 anos”, quando ainda Superior de Artes e Design [ESAD], frenético que não espera que acabe- chega. E Ride, curioso, entrega-se à não era Ride. eram o sítio ideal para ele. “Nem pre- mos as perguntas antes de avançar descoberta: “Acho que já me associam “Sempre que ia a lojas de música, cisavas de estudar na Universidade nas respostas precisaria de passar a liberdade criativa”, confessa. “Gos- comprava catálogos e lia-os como se para te inserires. Desde que tivesse tempo “num sítio descontraído” a to de deixar a minha marca em tudo fossem a minha Bíblia”. Claro que ideias e fizesses algo original, eras recuperar energias. Vejamos: a solo, depois de “Turn- table Food”, editou o EP “Beat Jour- ney” (2009), sinal de futuro que se concretiza agora com o álbum “Pshychedelic Sound Waves”, digres- são musical onde coexistem classi- cismo hip hop, as cavalgadas rítmicas do brokenbeat, sonhos espaciais ali- mentados por Moog, visões carnais desenhadas a funk e soul e arquitec- tura electrónica idealizada com pre- cisão de artista. Como colaborador, listar o seu percurso é tarefa árdua. Integrou como DJ a banda de Rocky Marsiano, toca com nomes do jazz como o saxofonista Rodrigo Amado, o guitarrista André Fernandes e, mais recentemente, o baterista Gabriel Ferrandini. Trabalhou com os Col- dfinger ou com os Micro Audio Waves e pertence ao trio Supa, um dos se- gredos a merecer revelação do hip Música

34 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon e nos dá. Porque Ride, músico e produtor em destaque, é agora tem sido sempre muito bom. Mário Lopes

acolhido”. Foi na ESAD que DJ Ride va escola, os baixos e o groove da mú- fez as primeiras festas, foi naquele “O background que o sica negra com novas abordagens de ambiente que fermentou a visão mu- hip-hop me ensinou é fusão: a cena wonky, o dubstep, o hip- sical que conhecemos hoje. “Encon- hop mais experimental. Estar sempre travam-se pessoas de todo o género, o que me guia. Fundir atento à Warp, à Flying Lotus ou à que ouviam todo o tipo de música. Rusty. Viajar no tempo à procura de Designers, artistas plásticos, gente a velha com a nova referências e perceber que o novo ligada ao vídeo ou à sonoplastia”. Ri- single do Jay Z, ‘Death of auto-tune’, de, que “só ouvia coisas mais forma- escola, o groove tem por base uma banda turca psica- tadas da cena hip-hop e ‘breakbeat’”, délica dos anos 1970 e é absolutamen- desabrochou. Conheceu o DJ Ovelha da música negra com te actual”. Negra, o Stereossauro – “ele um ras- novas abordagens “Psychedelic Sound Waves”, o seu tafari que fazia música muito marada, novo álbum, primeira edição da Ro- eu um puto muito atinadinho, que de fusão. Viajar no ckit Science, a editora “pouco con- quase não saía” -, e começou a desco- vencional” que fundou com Rui Mi- brir o funk, a soul ou o rock psicadé- tempo à procura de guel Abreu, é, diz, a “representação lico, começou a entregar-se ao “dig- perfeita daquilo que queria fazer nes- ging” e a procurar pérolas musicais referências e perceber ta altura”. Nasceu como os discos an- que pudesse fundir com as suas pro- teriores. “Sempre que me preparo duções. Hoje, diz-nos que aquelas que o novo single do para gravar um trabalho mais pesso- primeiras festas na ESAD foram as Jay Z, ‘Death of auto- al, faço muito ‘diggin’’. Pego numa melhores de sempre: “Fazíamos sets quantia razoável de dinheiro e vou com dois pratos e duas mesas de mis- tune’, tem por base comprar antigos discos de vinil. É in- tura. Cruzávamos David Axelrod com crível ouvir discos de ‘library music’ DJ Shadow, Mix Master Mike e Beastie uma banda turca com 30, 40 anos [bibliotecas de mú- Boys: a nossa função era criar viagens sica gravada, normalmente por mú- no tempo e estávamos numa situação psicadélica dos sicos anónimos, para cinema, teatro, privilegiada, porque tocávamos para televisão, etc.] e perceber como são pessoas que estavam ali pela música, anos 70 e é totalmente reciclados actualmente. para serem surpreendidas. Hoje em absolutamente Se pegasse num ‘beat’ daqueles, as dia, passar música mais obscura num pessoas achariam que era dos Sa-Ra clube é esvaziar pista”, lamenta. actual” Creative Partners”. “Não estava Mas hoje, para DJ Ride, tudo mu- “Psychedelic Sound Waves”, com à espera de dou. Inscreveu-se nos campeonatos a sua “fusão de electrónica com hip- nacionais de DJ e ganhou espaço: “Eu hop, com funk, com jazz”, é a sequên- tanto riso.” era o puto novo que vinha das Caldas, mation”. Mulatu, génio humilde, ce- cia natural do trabalho de Ride nos Francisca Cunha Rego ninguém me conhecia. Tive de entrar deu algumas faixas aos jovens músi- últimos tempos. “Quem estiver aten- JORNAL DE LETRAS nos campeonatos, era a única forma cos ali reunidos. Ride pegou numa to ao meu percurso e às colaborações de ganhar respeito e credibilidade”. delas, imaginou uma remistura, tra- que venho fazendo, quem juntar to- Ganhou-os quatro vezes, mas isso, balhou-a e revelou-a a Astatke, que o das as peças do puzzle, percebe que “A l i a agora que ouvimos “Turntable Food” abraçou. Entre a ideia e a sua concre- só poderia ser este o resultado”. Du- e o novo “Psychedelic Sound Waves”, tização, passaram apenas algumas vidamos. Enquanto o ouvimos falar competência agora que ele não é “o puto novo das horas. do “Diggin’ Doc”, o documentário artística a Caldas” mas um músico de 25 anos Ride trabalha rápido: “Tento sem- sobre a cultura diggin’, realizado por respeitado em todos os quadrantes pre encurtar o processo criativo. Es- Frederico Parreira, que prepara com divertimento da música nacional, é mera nota de tou a sempre a correr e tenho que ir Rui Miguel Abreu no âmbito da Ro- popular e rodapé. ‘straight to the point’. Como se costu- ckit, enquanto nos descreve com en- ma dizer ‘menos é mais’”. Mais do tusiasmo o trabalho com Rui Horta e inteligente.” O que quiser que isso, Ride conhece intimamente o interesse que ele lhe despertou pe- Rui Pina Coelho Em 2009, no Lx Taster da Red Bull os processos musicais, informa-se la dança contemporânea, não acredi- PÚBLICO Music Academy que decorreu na Lx constantemente, vê como sua obriga- tamos que o resultado só possa ser Factory, em Lisboa, esteve presente ção saber as histórias da música que este. Nas mãos de Ride, o resultado o lendário Mulatu Astatke, autor com abraça.“O background que o hip-hop pode ser o que ele quiser.

os Helliocentrics de um dos melhores me ensinou ainda é aquilo que me © CLEMENTINA CABRAL discos desse ano, “Inspiration Infor- guia. Fundir a velha escola com a no- Ver crítica de discos págs. 49 e segs. HAVIA UM MENINO QUE ERA PESSOA Fernando Pessoa para CRIANÇAS M/6 sábados e domingos às 15h CANTIGAS DE UMA NOITE DE VERÃO Depois de “Turntable Food” uma peça de amores e desencontros de David Greig e Gordon McIntyre (2007), editou o EP “Beat Journey” (2009), sinal de futuro ARTISTAS UNIDOS que se concretiza agora com o 4ª a sáb às 21h45 e dom às 17h30 na Sala Estúdio M/12 álbum “Pshychedelic Sound Waves”

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 35 Não pára. A vida, queremos dizer. Em oito anos tudo mudou para João Bar- bosa, ou seja Lil’ John, ou seja J-Wow, um dos timoneiros dos Buraka Som Sistema, o projecto que actuou por todo o mundo nos dois últimos anos e que há mês e meio chegou ao pri- meiro lugar do top espanhol. Há oito anos, em São Paulo, na segunda edi- ção da Redbull Music Academy, par- ticipou como seleccionado, fazendo parte do grupo de aspirantes a músi-

Música cos, produtores ou DJs. No ano pas- sado, em Barcelona, depois do fenó- meno Buraka Som Sistema ter corrido mundo, foi convidado para fazer uma palestra, contando a história da as- censão do projecto. Este ano, em Lon- dres, é um dos tutores da Academia, ao lado do americano James Pants ou do inglês Mala (Digital Mystikz). Está de folga dos Buraka, mas nem por isso tem parado. Remisturou re- centemente um tema de Fever Ray e continua a actuar como DJ nos Esta- dos Unidos e Europa. E agora está em Londres a dar assistência ao grupo de 30 seleccionados da Redbull Music Academy de 2010, durante duas se- manas. “Quando participei, há oito anos, a Academia era especialmente sire. São, aliás, mais conhecidos em dirigida a DJ”, recorda, numa pausa Inglaterra do que em Portugal. Pro- da actividade diária. “Agora não. Es- vas? Depois de terminada a disserta- sa é uma das principais diferenças. A ção do inglês Trevor Jackson, um dos outra é que havia apenas um estúdio agentes mais importantes na recupe- de produção. Agora existem oito ração do pós-punk na década passa- ‘workstations’, o que permite outro da, Marco foi cumprimentá-lo. Apre- tipo de possibilidades em termos cria- sentou-se, disse-lhe que o admirava tivos.” e Jackson ripostou: “És mesmo dos O que mudou também foi a credi- Photonz?!! Gosto imenso e tenho uma bilização do evento. Nos primeiros série de discos vossos!” anos, pelo facto de estar intimamen- “Isto tem superado as minhas ex- te ligada a uma marca, a Academia pectativas”, diz Marco. “Ao fim do era vista com alguma desconfiança primeiro dia percebi-o logo, pelo ní- no meio musical mais alternativo. vel de cumplicidade que se estabele- Hoje é uma referência, convocando ceu entre todos. Todos os dias são figuras de prestígio e acolhendo mi- diferentes. Às vezes são as palestras lhares de candidatos de todo o mun- do, alguns deles já com um percurso expressivo. É o caso do seleccionado portu- guês, Marco Rodrigues, da dupla Pho- M.C. Schmidt e Drew Daniel, dos tonz, projecto das electrónicas de Matmos, numa das palestras dança que se tem destacado nos úl- mais divertidas da Academia, e timos tempos, com máxi-singles e (em baixo), o português Lil’ remisturas lançadas em editoras in- John, um dos tutores da edição ternacionais como a D.I.R.T.Y., a Dis- deste ano, numa sessão de sident, a 4Real ou a Republic Of De- trabalho

Na Harvard da pop a música está em Mark Ronson a falar de Amy Winehouse, Lil’ John dos Buraka no papel de tutor, tecno e música c reaparecidos em combate. Onde? Na Redbull Music Academy, em Londres. Aqui tudo pode a

36 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon Na noite “Book Slam”, Nos primeiros anos, escritores e poetas consagrados lêem textos ao lado de pelo facto de estar desconhecidos oriundos da cena grime, um som virulento intimamente ligada em que a palavra é recitada de forma desvairada a uma marca, a Academia era vista com alguma desconfiança no meio musical mais actualmente em Londres, onde está Mas não é apenas nas aulas oficiais mão Henrik Schwartz, que compõem a ultimar o próximo álbum dos Duran que se proporcionam encontros sur- alternativo. Hoje um estimulante jogo de atracções em Duran, contou ao longo de duas ho- preendentes. Nos corredores do edi- que os ritmos electrónicos do segun- ras como passou de incógnito DJ de fício recuperado e transformado por é uma referência, do vão sendo desconstruídos de for- hip-hop em Nova Iorque a um dos diversos artistas londrinos, também convocando figuras ma subtil pelas preparações do piano mais influentes produtores do nosso há interacções informais. Às tantas do primeiro. Mais inventivos ainda tempo. O primeiro álbum que produ- damos com Jazzie B, fundador dos de prestígio são os Matmos, que entram em cena ziu, na alvorada da década passada, Soul II Soul, o projecto londrino que de seguida, propondo percussões pertenceu à cantora Nikka Costa. “Foi no arranque dos anos 90 deu nova e acolhendo milhares electrónicas criadas a partir das mais um insucesso, mas toda a gente a dimensão ao conceito de “sound- diversas fontes sonoras – de sons de quem o dei a ouvir dizia que iria ser system”, abrindo caminho para al- de candidatos instrumentos operatórios a guinchos um êxito”, brincou, afirmando que guns dos grupos mais influentes da de animais – mastigadas e transfor- não existe uma receita para o suces- década, como Massive Attack e Por- de todo o mundo, madas em matéria electrónica que so. “A única receita, apesar de pare- tishead. “Isto é fantástico!” diz-nos, alguns deles tanto se revela experimental como cer um cliché, é acreditar no que se surpreendido por ser reconhecido. logo de seguida ganha contornos dan- está a fazer.” “Man!, isto é uma espécie de Har- já com um percurso çáveis, apesar de o público se manter Esse disco, afirmou, foi influencia- vard” lança, enquanto desvenda que polidamente sentado. do por “Voodoo” (2000), do desapa- os Soul II Soul estão activos e a fazer expressivo. A mesma solenidade aconteceu recido D’ Angelo. Ronson, que era o concertos. quando o pioneiro do tecno de De- DJ de serviço na festa de lançamento Depois das conferências e das ses- troit, Carl Craig, o alemão Moritz Von desse magnífico álbum, contou que, sões de estúdio, durante o dia, suce- Oswald e o pianista clássico luxem- ao passar Nikka Costa pela primeira dem-se as sessões nocturnas. No clu- burguês Francesco Tristano entraram vez num local público, viu D’ Ângelo be Old Blue Last, a noite é das mulhe- em cena. Propuseram um espectácu- aproximar-se e temeu o pior. “Pensei res. A grega May Roosevelt cria um lo de cadências repetitivas, rupturas que ia dizer quem é que o andava a envolvimento electrónico etéreo via inesperadas dadas pelo piano ou pe- imitar, mas afinal perguntou apenas theremin, mas é a mexicana Teri Gen- lo violino, numa mistura de exube- o que era e de quem era, para meu der Bender que acaba por surpreen- rância sintética e criação de clássicos alívio.” der. Tão depressa se movimenta em quadros nostálgicos. Nem sempre Brincou com os trejeitos de Wi- palco, empunhando uma guitarra existiu osmose. Às vezes pareceu nehouse, contou como se entende- ruidosamente roqueira, como se mais justaposição. Mas é um concer- que me estimulam. Outras vezes vou ram – “Perguntei-lhe de que música imiscui pelo meio da assistência, nu- to que traduz o lema da Academia: para estúdio, espicaçado por qual- gostava, ela respondeu ‘clássicos dos ma performance ensanguentada de música em aberto, abertura de espí- quer coisa que aconteceu, e consigo anos 60 e 70’. Ouvimos Shangri-las e som electro. rito. surpreender-me com aquilo que con- Stevie Wonder e ficámos amigos para No monumental Shoreditch Town sigo produzir.” sempre.” No final, alguém perguntou Hall, uma plateia numerosa assiste à De manhã e ao princípio da tarde, se Amy já o convidou para fazer um noite “Book Slam” onde escritores, há palestras. São para todos os gos- novo álbum. “Ainda não, mas espero poetas e actores consagrados como tos. Figuras históricas como Steve que me telefone.” Doc Brown são convidados a recitar Reich, pioneiros do drum’n’bass co- textos ao lado de jovens declamado- mo A Guy Called Gerald, do house Encontros imediatos res desconhecidos oriundos da cena como Marshall Jefferson ou dos sons Uma das prelecções mais divertidas musical grime, um som londrino vi- industriais como Cosey Fanni Tutti foi dada pelo duo Matmos, que dis- rulento, onde a palavra é recitada de (Throbbing Gristle), misturam-se com sertou sobre a colaboração com Björk, forma desvairada. P Money é um des- referências do presente como o re- sobre a criação musical conceptual, ses poetas de rua que sobe ao palco. novador do funk, Dam-Funk, ou do ou sobre a mudança de residência Inicialmente mostra-se tímido, “por dubstep, Roska. recente da “burguesa e protectora” participar num encontro literário”, Uns optam por aulas técnicas e ou- S. Francisco para a “economicamen- diz, mas logo de seguida lança-se tros partilham a sua história. Há ain- te débil” Baltimore. Nesta última, di- num balanceamento vocal veemente da quem discorra sobre como a elec- zem, foram encontrar uma cena mu- que conquista. trónica pode estar estreitamente li- sical comunitária e estimulante, mes- A noite mais esperada do primeiro gada a questões políticas, de género mo quando não existem grandes tomo da Academia acontece no pres- ou linguísticas, como os americanos condições. “Quando chegámos e de- tigiado Royal Albert Hall. É aí que Terre Thaemlitz e Matmos, propondo mos alguns concertos, pedíamos as uma série de activistas de linguagens múltiplos níveis de leitura para a sua condições mínimas, como um PA, como o house ou tecno propõem um música. mas toda a gente olhava com aquele diálogo com tipologias como o jazz Inglês, mas a viver nos EUA desde olhar ‘mas quem é que estes tipos jul- ou a música clássica. Os primeiros a a infância, Mark Ronson, produtor gam que são?’. Agora tentamos adap- entrar em acção são o músico jazz de Amy Winehouse ou de Lily Allen, tar-nos”, riem. norueguês Bugge Wesseltoft e o ale- em aberto a clássica em “tête-à-tête” num concerto, os Soul II Soul e acontecer. Vítor Belanciano

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 37 O soldado e os seus duplos Na “História do Soldado” que João Pedro Vaz encenou para a Orquestra Metropolitana, o Diabo é jogo de sombras dos fantasmas que todos temos dentro de nós. Cristina Fernandes

mesmo tipo de abordagem. Quando aparece o Vasco da Gama ou o Júpiter ponho assim um bocadinho a voz

DANIEL ROCHA DANIEL [exemplifica], mas são sempre cita- ções de personagens.” O facto de não se concentrarem apenas no narrador que recita permi- tiu encontrar também uma vertente mais mental nas personagens. “Num certo sentido, as aparições e os pactos com o Diabo passam a ser também um processo mental. A história come- ça por ser singela, mas pouco a pouco a relação com o Diabo torna-se uma projecção mental”, refere João Pedro Vaz. “É como se todos nós tivéssemos essas histórias cá dentro, como se fos- semos heterónimos potenciais”, diz António Fonseca. Essa vertente é ex- plorada através da luz de Nuno Meira e do vídeo de Pedro Filipe Marques. O cenário é de Maria João Castelo. “À medida que o espectáculo avan- ça, vão aparecendo os fantasmas e os duplos, o duplo assustador das más energias que há em cada pes- soa”, prossegue João Pedro Vaz. “Nos textos sobre o contexto inicial da obra fala-se muito do teatro de feira ou da lanterna mágica. Fomos buscar algo dessas referências, mas depois percebi que havia um fundo que po- dia ser mais assustador”, diz o ence- nador. No que diz respeito à música, o ma- estro Cesário Costa não esconde a sua É frequente Numa das salas da sede da Orquestra se ser levada à cena em pequenos admiração por Stravinsky. “É surpre- fazer a Metropolitana de Lisboa, o actor An- teatros, num átrio ou ao ar livre. As- “À medida que o endente como consegue com tão pou- “História de tónio Fonseca, o encenador João Pe- sim nasceu a “História do Soldado”, espectáculo avança, cos meios uma orquestração de gran- um Soldado” dro Vaz e mais alguns membros da obra para ser “lida, tocada e dançada” de riqueza tímbrica.” Stravinsky usa apenas com equipa que hoje irá dar vida à “Histó- com um Narrador, dois actores (Sol- vão aparecendo instrumentos das tessituras extremas um actor, e ria do Soldado”, de Stravinsky, no Mu- dado e Diabo), uma bailarina (Prince- de cada família (violino e contrabaixo, essa foi seu do Oriente, ensaiam as agitadas sa) e um pequeno grupo instrumen- os fantasmas clarinete e fagote, trompete e trom- também a peripécias de José, personagem criada tal. Tanto em concerto como em gra- bone e percussão) numa recriação aposta aqui: por Charles-Ferdinand Ramuz a partir vações é frequente fazer a obra apenas e os duplos, o duplo pessoal do espírito da música de circo António de uma série de contos tradicionais com um actor, e foi também essa a assustador das más e dos instrumentistas ambulantes, Fonseca não russos. Há-de aparecer aqui um Sol- aposta da Metropolitana. “música de feira” como lhe chamou se limita a dado desertor e o Diabo que lhe tenta “A ideia era que fosse uma espécie energias que há Adorno. O uso de danças em voga es- contar a roubar a alma (o seu violino). A músi- de versão de concerto, mas com um tilizadas (tango, valsa, ragtime) é para história, ca é ainda uma gravação de trabalho trabalho mais apurado do ponto de em cada pessoa” Cesário Costa mais um sinal de que também a vive — só no dia seguinte os instrumentistas vista da representação”, explica João Stravinsky queria chegar ao público. por dentro se juntarão à voz falada, que segue a Pedro Vaz, responsável pela direcção João Pedro Vaz As várias marchas, a melodia que o tradução de Mário Cesariny — e ao cénica. “É um espectáculo com uma compositor ouviu a uma cigana em fundo vêem-se alguns dos objectos teatralidade muito forte, no qual o sonhos, o estilo do passodoble, corais que irão surgir como sombras projec- actor e os músicos estão ao mesmo pomposos com saborosas dissonân- tadas na versão final: as borboletas nível. As surpresas surgem a partir cias e outras referências tornam a que o Diabo, disfarçado de caçador, daí.” João Pedro Vaz viu algumas ver- música irresistível até aos últimos há-de perseguir com a sua rede, rol- sões que faziam do narrador um leitor compassos, onde a percussão fica so- danas metálicas, o recorte dos reba- recitativo mas não quis seguir essa li- zinha, desprovida da alma musical nhos que aparecem ao longe enquan- nha. “O trabalho com o António Fon- dos outros instrumentos. to o Soldado regressa à sua terra. seca foi no sentido de encontrar emo- Cesário Costa explica ainda que “O objectivo inicial de Stravinsky ções, de contar a história mas de a Stravinsky é dos compositores mais era criar uma obra com poucos meios viver também por dentro. Em vez de claros naquilo que pretende. “Basta que depois pudesse circular. Essa um leitor emproado ou de um narra- seguir exactamente todas as indica- ideia também está presente na nossa dor de casaca, queria uma versão mais ções dinâmicas, articulações, acentos, proposta, esperamos que a peça pos- humanizada e subjectiva”, explica. etc. O texto é a referência mais impor- sa girar pelo país na próxima tempo- “Um contador de histórias apelativo tante.” Mas não concorda com a ideia rada”, diz o maestro Cesário Costa ao não faz as personagens, cita-as”, acres- defendida pelo compositor quando Ípsilon. Os efeitos da 1ª Guerra Mun- centa António Fonseca: “Não se trata dizia que não havia interpretação em dial tinham deixado Stravinsky numa de encarnar as personagens como no música, apenas execução. “Por mais situação financeira difícil, o mesmo teatro realista, é mais usar uma técni- claro que seja, cada músico tem uma sucedendo ao seu amigo Ramuz, es- ca que tem a ver com recursos rítmi- maneira diferente de enunciar as fra- critor suíço que Stravinsky havia co- cos, tons de voz, cabeças diferentes.” ses musicais, tal como cada leitor e nhecido em 1915 através do maestro Não foi tão difícil como parece pois cada actor lê e interpreta um texto de Ernest Ansermet. Os dois artistas António Fonseca adora contar histó- forma diferente.” lembram-se então de escrever uma rias e tem até um projecto para contar

obra simples de produzir, que pudes- os Lusíadas. “Estou a decorá-los! É o Ver agenda de concertos págs. 47 e segs. Música

38 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon www.publico.pt Teatro O teatro de Béla Pintér arde (mas o que arde cura)

“Ópera Camponesa” e “A Louca, o Médico, os Discípulos e o Diabo” são a Hungria de barriga aberta, a exorcizar os demónios do seu próprio folclore e a acreditar no poder de enfrentar os problemas. Vamos ver-nos ao espelho, e sair de lá mais fortes. Inês Nadais

Béla Pintér (n. Budapeste, 1970) aca- mesmo barco – e desde que somos convidados do casamento, mas entre Béla Pintér ba o e-mail que manda ao Ípsilon a gente. “Em todos os países mortos e feridos (os mortos e os feri- formou-se entre dizer que acredita “no poder curativo “Em última instância, [Ópera Cam- dos do fascismo húngaro, da ocupa- o folclore de enfrentar os problemas” e então ponesa] é a história de uns pais que da Europa onde ção nazi, dos campos de concentra- húngaro e a sabemos finalmente ao que vamos: não reconhecerão o filho e o matarão. apresentámos ção, dos tanques soviéticos, do comu- vanguarda do ao espelho, rapidamente e em força, É uma ficção muito próxima da tra- nismo goulash e do capitalismo teatro europeu: e para sairmos de lá mais fortes, por- gédia grega e da história de Édipo, [a ‘Ópera Camponesa’] selvagem, para pormos o dedo apenas o que faz é uma que o teatro dele arde (demasiadas mas em todos os países da Europa nas feridas mais evidentes dos últimos misturamistura feridas abertas, e dedos sem medo de onde apresentámos este espectáculo os espectadores cem anos) a Hungria lá arranjou ma- dosdos dodoisis tocar onde mais dói) mas cura. “Ópe- os espectadores tiveram a impressão neira de sobreviver. É uma coisa que ra Camponesa” (hoje, amanhã e de- de estar colocados diante do seu pró- tiveram a impressão os faz chorar, e às vezes rir: “O humor pois na Culturgest) e “A Louca, o Mé- prio folclore, como se esta história, de estar colocados dessa cena tem a ver com o facto de dico, os Discípulos e o Diabo” (quarta, apesar de muito húngara, fosse fun- cantarmos essas frases ao ritmo do quinta e sexta da próxima semana no damentalmente a deles”, explicou diante do seu próprio hino nacional. E de as cantarmos a Teatro Maria Matos), os dois espectá- Béla Pintér à revista “Voir” quando chorar, gozando à brava com um dos culos que os húngaros da Béla Pintér levou “Ópera Camponesa” a Mon- folclore, como se esta estereótipos acerca dos húngaros, que e Companhia trazem a Lisboa, são a tréal, no Canadá. Agora que a traz a tem a ver com o facto de termos sem- Hungria de barriga aberta, a exorcizar Lisboa, explica ao Ípsilon que a peça história, apesar de pre muita pena de nós próprios”, diz os demónios do seu próprio folclore, não é “um retrato directo da Hungria Pintér. cantando e rindo na mesa de opera- rural” mas que há vida real, e portan- muito húngara, fosse Há pena da Hungria em “Ópera ções deste singular teatro anatómico, to Hungria real, nesta história de uma fundamentalmente Camponesa” (pena dos húngaros que mas nada disto é demasiado húngaro festa de casamento que vai de desas- tiveram de emigrar para a América para ser verdade em Portugal, ou em tre em desastre até à auto-destruição a deles” mas deixaram o coração na Transil- qualquer outro país da Europa. A final (alcoolismo, adultério, incesto, vânia, pena dos húngaros que ficaram Hungria de Béla Pintér é uma tragico- infanticídio, tudo). A vida na Hungria do outro lado da fronteira quando média, mas nisso estamos todos no não é fácil, diz a dada altura um dos alguém pegou num lápis e dividiu a que os avós húngaros contam aos netos antes de dormir, sublinha Pintér, que ouvia coisas destas sempre que ia visi- tar os avós ao campo. “Desde a minha infância que este fim sinistro, e absolu- tamente trágico, me interessa. Usei o motivo dos pais gananciosos, que ma- tam o filho por dinheiro, como final da peça, e inventei tudo o que se passa antes”, explica. Como sempre, teve “uma visão muito concreta do espec- táculo” mesmo antes de o começar a fazer: “Vejo o cenário, vejo os figurinos, vejo o início, vejo o fim, vejo o esque- leto da história, e então defino o tipo de material musical com que quero tra- balhar. Escrevo tudo, raramente impro- visamos”. A música é crucial na maneira como Béla Pintér levanta um espectáculo: “Tenho sempre o texto primeiro, a mú- sica vem depois. Mas é indispensável. O pior inimigo do teatro é o tédio, e a música é uma arma muito eficaz contra o tédio. Sobretudo a música ao vivo: é um fenómeno muito orgânico, e trans- figura o ritual do teatro”. Tal como as personagens da “Ópera Camponesa”, que de resto Pintér assinou a meias com o compositor Benedek Darvas, os pro- tagonistas de “A Louca...” raramente falam: iconograficamente, a peça é to- da o “Censo de Belém” de Brueghel, o Jovem, mas musicalmente é Mozart, Bach e Pergolesi numa tarde no mani- cómio. Pintér a figurar a Hungria, como sempre, mesmo que para isso tenha ido buscar coisas de outros tempos, e Europa ao meio, pena das raparigas de outros lugares: “Ao olhar para essa que engravidaram do rapaz errado, “A música pintura do Brueghel, em que vemos a e dos rapazes errados que viram as Sagrada Família à procura de abrigo nos suas raparigas a fumar cigarros e a é indispensável. campos nevados da Holanda, tive a fazer outras modernices com “cow- O pior inimigo ideia de adaptar a história de Jesus à boys” sobredotados, porque aqui, no Hungria contemporânea. Jesus provo- fundo da Hungria, como no fundo da do teatro é o tédio, cou os judeus ao dizer que era o filho nossa herança grega comum, vale tu- de Deus e eu queria qualquer coisa que do até tirar olhos), mas também há e a música é uma fosse igualmente chocante”, conta ao orgulho no poderoso folclore que o Ípsilon. Foi ter a esta história em que país conseguiu construir e manter de arma muito eficaz. uma miúda que sai de uma barriga de pé quando tudo o resto se afundava: Sobretudo a música aluguer numa noite de Natal acaba en- Béla Pintér está, de resto, tão à von- forcada num manicómio depois de fun- tade com a desconstrução pós-mo- ao vivo: é um dar uma seita. Não é, necessariamente, derna como com as formas mais tra- um ataque à religião católica: “Não vou dicionais da arte popular, a começar fenómeno muito à missa mas tive uma educação católica pelo folclore, e os espectáculos da e de certa forma isso ainda faz parte da companhia que fundou em 1998 em orgânico, minha vida. Tenho inveja dos verdadei- Budapeste falam essas duas línguas, ros crentes e odeio hipócritas. Os ex- e falam-nas ao mesmo tempo. “Ópera e transfigura o ritual tremos tocam-se, e de vez em quando Camponesa”, por exemplo, deve tan- do teatro”teatro causam escândalo”. O escândalo dele to à alta cultura (a peça alterna árias é este: não haver redenção, nunca, pa- e recitativos, como numa ópera bar- ra ninguém. É aqui que ele nos diz roca) como à baixa cultura (todo o que não acredita na redenção: acre- material cantado foi sacado a canções dita que o passado regressa sempre populares húngaras, mas a porta não para cobrar os pecados que ficaram está fechada: o nosso “cowboy” so- por pagar, e acredita em pessoas bredotado que foi para a Suécia salgar com tomates à frente do espelho. arenques e acabou na América depois Essas curam-se, as outras vão à de ter ido fazer estragos para o Viet- vida. name, a Índia e a Papuásia-Nova Gui- né tem garganta que chegue para se Ver agenda de espectáculos na apoderar do melhor património da pág. 42. “americana” e fazer de “Country ro- ads” um espiritual transilvano). O teatro contra o tédio É uma mistura que está no sangue de Béla Pintér, rapaz que cresceu a so- nhar ao mesmo tempo com o folclore húngaro e com a vanguarda teatral europeia (hoje, trata-as por tu, e não saberia viver sem uma nem sem a ou- tra, destreza que também exige aos seus actores: o folcore continua vivo, de resto, em Budapeste, o que faz da Alcoolismo,Alco capital húngara um lugar estranho na adultério,adul paisagem europeia): “O contraste en- incesto,inces tre o velho e o novo, entre a tradição infanticídio:infan e o modernismo, entre o real e o sur- ttudo,udo mas real, entre o folclore e o kitsch, en- mesmesmom tudo, contra-se em todo o meu trabalho, aconacontece em particularmente na linguagem, que é ““ÓperaÓpe uma mistura de ‘slang’ contemporâ- CCamponesa”am neo e de poesia popular”. O humor negro é outra coisa que lhe está no sangue, como está no sangue da Hun- gria: a história que está na base de “Ópera Camponesa” é o tipo de coisa

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 41 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

A coreógrafa Amélia Rodrigues, “Mapacorpo” “Le Jardin” , dos franceses Bentes estreia hoje, em prolonga a experiência Jean-Paul Lefeuvre Faro, a sua nova criação, iniciada por Amélia e Didier André, inicia “Mapacorpo”, um diálogo Bentes no seu trabalho na Guarda uma pequena com a bailarina Leonor anterior, “Ego Skin”. digressão Keil e com o desenho Além das apresentações digital e a música ao deste fim-de-semana no vivo. Resultado de uma Capa, “Mapacorpo” tem colaboração estreita datas marcadas para o com o ilustrador e autor Centro Cultural de Belém, de banda-desenhada Lisboa, a 17 e 18 de Abril, Estreia António Jorge Gonçalves, e para a Blackbox da o músico Vítor Rua e a CDCE, Évora, a 16 de coreógrafa brasileira Lia Outubro.

Agenda

PEDRO CUNHA PEDRO Praça Coronel Pacheco, 1. De 19/02 a 7/03. 5ª a Sáb. Teatro às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 222089007. Estreiam Concerto à la Carte De Franz-Xavier Kroetz. Pela CTB – Ópera Camponesa Companhia de Teatro de Braga. De Béla Pintér e Benedek Darvas. Encenação de Rui Madeira. Com Ana Por Béla Pintér e Companhia. Bustorff. Encenação de Béla Pintér. Com Béla Coimbra. Teatro Académico de Gil Vicente. Pç. República. Dia 04/03. 5ª às 21h30. Tel.: 239855636. Pintér, Szilvia Baranyi, József Tóth, 6€ a 10€. Éva Enyedi,entre outros. XII Semana Cultural da Universidade Lisboa. Culturgest - Grande Auditório. Rua Arco do Cego - Edifício da CGD. Até 28/02. 6ª e Sáb. às de Coimbra - Do Monólogo, Coisa 21h30. Dom. às 17h. Tel.: 217905155. 5€ a 12€. Pública. Ver texto pág. 40 e segs. Saloon Yé-Yé - O Paraíso à Espera A Louca, o Médico, os Discípulos De Abel Neves. Pelo Teatro Regional A casa é um lugar e o Diabo da Serra do Montemuro. Encenação estranho na nova peça De Béla Pintér. Por Béla Pintér e de Graeme Pulleyn. Com Abel do Teatro do Vestido Companhia. Encenação de Béla Duarte, Paulo Duarte, Daniela Pintér. Com Hella Roszik, Éva Vieitas, Neusa Fangueiro e Nuno Enyedi, László Quitt, Tünde Bravo Nogueira. director. As duas casas são as Szalontay, entre outros. Lisboa. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 28/02. Na casa dela personagens principais. Foram Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 217221770. criadas em separado e Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. De 03/03 a 05/03. 4ª a 6ª às 21h30. Tel.: 218438801. 5€ a 12€. Não se Ganha, Não se Paga! posteriormente fundidas na 13ª ou na dele? Ver texto pág. 40 e segs. De Dario Fo. Encenação de Maria criação do Teatro do Vestido, Emília Correia. Com Cristina exibida a partir de amanhã debaixo A Chuva Cavalinhos, Horácio Manuel, “Fora de Casa por Agora”, do tecto do Instituto Franco- A Partir de Jean-Luc Lagarce. Lucinda Loureiro, Luís Gaspar, a 13ª criação do Teatro do Português, em Lisboa. Encenação de Laurinda Chiungue. Rogério Vieira. Na casa dela, um gira-discos Com Ana Mota Ferreira, Helena Lisboa. Teatro da Trindade. Largo da Trindade, 7 Vestido, estreia-se amanhã Veloso, Tânia Leonardo. A. Até 28/03. 4ª a Sáb. às 20h30. Dom. às 16h30. sugere movimentos. “O Capital” de Tel.: 213420000. 6€ a 14€. no Instituto Franco- Karl Marx é folheado em busca de Almada. Teatro Municipal de Almada - Sala Experimental. Av. Professor Egas Moniz. De 27/02 a Norma Português. Não é bem o lar, dissertações sobre a sociedade. 07/03. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 212739360. De Ricardo Alves e Salgueirinho doce lar, que nos tinham Fotografias relembram o passado. O Maia. Pelo Teatro da Palmilha prometido. Luís Carlos gira-discos volta a fazer-se ouvir para Le Jardin Dentada. Encenação de Ricardo quebrar desaguisados. Citam-se De e com Jean-Paul Lefeuvre e Didier Alves. Com Ivo Bastos e Rodrigo Soares odes ao romantismo por Jean- André. Santos. Jacques Rousseau. As mesmas Guarda. Teatro Municipal da Guarda - Grande Porto. Sala-Estúdio Latino. Rua Sá da Bandeira, fotografias, desta vez, são a única Auditório. Rua Batalha Reis, 12. Dia 27/02. Sáb. às 108. Até 7/03. 4ª a Dom. às 21h46. Tel.: 915000464. Fora de Casa Por Agora 21h30. Tel.: 271205241. 7,5€. 9,99€. De Gonçalo Alegria. Pelo Teatro do imagem de um passado turvo. De Vestido. Com Pedro Caeiro, Joana mãos dadas, mas não entrelaçadas, Continuam Dança Craveiro. cabe-lhes imaginar. Semiose constante, na casa que espera Rei Édipo Lisboa. Instituto Franco-Português. Avenida Luís A partir de Édipo. Encenação de Continuam Bívar, 91. De 27/02 a 13/03. 4ª a Sáb. às 21h30. Tel.: impacientemente por um ambiente Jorge Silva Melo. Com Diogo Infante, 213111400. 5€ a 7,5€. cor-de-rosa, por ser símbolo da nieuwZwart Lia Gama, Virgílio Castelo, José De Wim Vandekeybus. Com intimidade. Neves, entre outros. Ela diz que ele é arrogante e Na outra casa, a dele, pode-se Bénédicte Mottart, Dawid Lorenc, Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett. Imre Vass, Kylie Walters, entre convencido. Ele ama-a. Ela, correr, saltar ao pé-coxinho, correr Pç. D. Pedro IV. Até 28/03. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.: 213250835. 7,5€ a 30€. outros. novamente, diz que ele é tudo o que ao pé-coxinho. É uma casa vazia, Aveiro. Teatro Aveirense - Sala Principal. Pç. deseja num homem. Não sabemos apenas com uma figura humana Príncipe de Homburgo República. Dia 26/02. 6ª às 21h45. Tel.: 234400922. como se chamam porque, justifica dentro. Não é um lar, é um abrigo. 12€ a 15€. De Heinrich Von Kleist. Encenação Braga. Theatro Circo - Sala Principal. Av. Gonçalo Alegria, estamos perante “Eu me hipotequei dentro da minha de Luísa Costa Gomes, António Liberdade, 697. Dia 28/02. Dom. às 21h30. Tel.: “um conjunto de personas que própria casa”, diz. É realidade que Pires. Com Graciano Dias, João 253203800. 12€. constroem um mundo do qual saem conduz à depressão de olhar para o Barbosa, João Ricardo, entre outros. Maiorca as acções e os textos, e não [perante] tecto o dia inteiro. Se ele está Lisboa. Centro Cultural de Belém - Pequeno Auditório. Praça do Império. Até 04/03. 2ª a Sáb. De Paulo Ribeiro. Com Erika Gustamacchia, personagens no sentido clássico”. O confuso, a casa tem fumo. Se dorme às 21h. Dom. às 16h. Tel.: 213612400. 15€. Gonçalo Lobato, Marta Cerqueira, Pedro Mendes, que importa são os espaços que mal, é por causa da luz que entra Romulus Neagu, Pedro Burmester. Canção do Vale Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria ocupam, ocuparam, desejam pela janela. O novo inquilino funde- De Athol Fugard. Pelo Teatro dos Cardoso, 38-58. De 26/02 a 28/02. 6ª e Sáb. às 21h. ocupar. Num universo paralelo, e se com as paredes e relembra o loiro Aloés. Encenação de Jorge Silva. Dom. às 17h30. Tel.: 213257650. 5€ a 20€. com “british accent”, as do rock que se suicidou. “Como é Com Carla Galvão, José Peixoto. Inferno personagens de “Orgulho e que ele se chama?”, pergunta. Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. Até De Olga Roriz. Com Catarina Preconceito”, de Jane Austen, “Kurt”, responde ela 28/02. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 223401905. 5€ a 15€. Câmara, Adriana Queiróz, Rafaela tomam conta do prólogo. Tal como despreocupadamente. Mas ele não é Salvador,Salvador, Bruno AAlexandre,lexa Pedro Elizabeth Bennet, ela ( Joana autodestrutivo. Para Alegria, Vulcão SantiagoSantiago CCal.a Craveiro) é espontânea. Tal como “representa um homem moderno, De Abel Neves. Beja.Bej Teatro Pax-Júlia. Encenação de Joãoão Largo São João. Dia Ofélia sofre por amor. Com as mãos uma figura que não consegue agir 27/02. Sáb. às 21h30. entrelaçadas nas dele quer descer a sobre o mundo”. Tal como Orwell Grosso. Com Custódiastódia Tel.: 284315090. 5€. havia previsto, é confuso e Gallego. Avenida da Liberdade rumo ao Coimbra. Teatro da Cercarca de

Teatro/Dança Parque Mayer. Tal como Mr.Darcy, impotente perante o que o rodeia. São Bernardo. Cerca dee SãSãoo ele (Pedro Caeiro) é frio. Tem uma Como Ian, o do pós-punk, Bernardo. 2/03. 3ª às 21h30.1h30. obsessão pelas quatro paredes que o sonoridade que se faz ouvir na festa Tel.: 239718238. XII Semana Culturalural rodeiam, das quais sabe de cor as que ela organiza e ele destrói. É da Universidade ddee medidas exactas. sempre assim. Ela magica, ele Coimbra - Do “Fora de Casa Por Agora” é uma conforma-se. Ela enche, ele esvazia. Monólogo, Coisa peça com dois actores e o público no Ambos querem pronunciar a Pública. “Maiorca”, de Paulo palco, “como se fosse convidado e primeira pessoa do plural. Um casal Porto. Teatro do Bolhão.o. Ribeiro, chega ao São ficasse tempo a mais” explica o fora de casa, o símbolo do mal-estar. Luiz, em Lisboa

42 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Stephen King chamou a atenção para a personalidade de Carver, um homem que ostentava a “(mesma) perplexidade que as personagens que povoam as suas histórias e que nunca sabia bem onde estava nem porquê”

Ficção namorada, Ingeborg, em busca de de algum sossego que lhe permitisse romance desespero preparar-se para um torneio adquire e de amor, Cartografi a internacional e escrever um artigo estatuto de indiferentes sobre uma nova estratégia para o vida ou de aos clientes que “terceiro Reich”, um jogo demorado morte para os lhes batem à porta: da demência que simula todas as batalhas da dois jogadores) “Naquele sábado de Segunda Guerra Mundial na Europa confunde-se com a manhã acordámos Este romance inquietante e no Norte de África. Entretanto, literatura que se confunde com a ressacados depois de termos conhecem um outro casal alemão, vida. “Quantas noites a partir de passado a noite a discutir a situação é Bolaño em estado puro. Charly e Hanna, com quem então me deitei tarde ocupado já sem chegarmos a conclusão Situações quotidianas começam a partilhar as idas à praia, não só a decifrar espinhosas regras nenhuma.” A frase deste conto assoladas pela angústia, com os jantares e as saídas nocturnas. de jogos novos como também (“Coreto”), um dos dezoito de “O o mal sempre à espreita. José Surgem ainda duas personagens embebido na alegria e na desgraça, Que Sabemos do Amor - Beginners”, quase sinistras, dois indígenas que nos abismos e nos cumes da pode resumir a vida e a obra de Riço Direitinho ninguém sabe bem do que se literatura alemã! É claro que me Raymond Carver, o mais importante ocupam, a não ser importunar refiro à literatura que se escreve com e marcante contista americano do O Terceiro Reich turistas: chamam-se o Lobo e o sangue.” século XX, mestre do minimalismo Roberto Bolaño Cordeiro. Outro não menos sinistro, “O Terceiro Reich” é Bolaño em na escrita, companheiro de Richard (trad. Cristina Rodriguez e Artur é o sombrio e enigmático Queimado, estado puro. Ford e Tobias Wolff naquilo a que o

Livros Guerra) assim chamado por o fogo (usado então editor da revista “Granta”, Bill Quetzal nele como tortura?) lhe ter quase Buford, grande impulsionador do apagado as feições e deixado a pele Território género nos anos 80, apelidou de mmmmm do tronco em muito mau estado; “dirty realism”. este último, que vive na praia, numa Tal como na citação, a existência Provavelmente “fortaleza” que à noite ergue com as Carver de Carver foi marcada por três escrito em 1989/90, “gaivotas” que aluga durante o dia, é tempos: a inocência, o álcool e a e mantido inédito descrito como “perigoso como uma Carver é Carver e não ressaca. A seguir chegou a morte por Roberto Bolaño piton”. A dona do hotel é a bela e prematura, aos 50 anos (1988), de (1953-2003), o estranha Frau Else, também alemã, existe nada que lhe cancro do pulmão, no auge da sua romance “O de quem Udo se lembra bem por ganhe em bizarria, em celebridade como contista, amado e Terceiro Reich” – então lhe ter ocupado os sonhos de ironia desesperada e respeitado, finalmente livre de uma resgatado pela adolescente. infância no Oregon e em Yakima, viúva do espólio do Aparentemente muito pouco vai em estranheza. Helena Washington, de um casamento malogrado escritor chileno – foi há acontecendo (a não ser a Vasconcelos precoce, de filhos e de vinte anos de poucos dias publicado em Espanha. perturbação do planeado sossego de alcoolismo (Carver e John Cheever (A tradução portuguesa chega já Udo), apenas situações quotidianas: O Que Sabemos do Amor- leccionaram ao mesmo tempo hoje às livrarias.) Mas não se julgue praia, bares, restaurantes; mas há já Beginners Escrita Criativa na Universidade de que se trata de um texto menor, de no ar, sem se perceber de onde vem Raymond Carver Iowa, mas bebiam mais do que um exercício de escrita com que os nem porquê, uma forte sensação de (Trad. João Tordo) ensinavam) até 1977, quando tudo editores tentam ainda apanhar o inquietude que depressa invade as Ed. Quetzal mudou, ele bebeu o seu último comboio do êxito dos anteriores personagens e também o leitor. A copo, casou com a poeta e ensaísta livros de Bolaño; longe disso. É uma história foi sendo semeada desde o mmmmm Tess Galagher e o “minimalismo” obra acabada (o original princípio com frases como: “Com que o próprio rejeitou na entrevista dactilografado chegou a ser verdadeiro horror apercebo-me de Uma mulher que deu à “The Paris Review” (1983) corrigido à mão pelo autor) em que que alguma coisa começa a interpor- encomenda um foi posto de lado, dando origem a se reconhecem de maneira perfeita se entre nós.” Ou então: “A bolo para o obras como “Catedral” (1983) e as características e os temas desgraça, o irremediável, aniversário do filho “Elephant” (1986) desenvolvidos por Bolaño em livros impregnava cada canto do bar.” que, nesse mesmo “Beginners” é o resultado do posteriores, mas que o escritor Como se as personagens dia, é atropelado e longo trabalho de Tess Galagher para chileno – por razões que precisassem de medo e de acaba por morrer. reeditar os contos do marido na sua permanecerão obscuras – não quis inquietude para se sentirem vivas, Um homem forma inicial antes de terem sido publicar em vida. para justificarem a existência. E de encontra-se por um sujeitos aos impiedosos cortes (que O romance foi escrito na forma do repente Charly desaparece no mar, par de horas, num aeroporto, com o variaram de 5 por cento a 78 por diário de um jovem turista alemão, na sua prancha de windsurf. Terá pai e este obriga-o a ouvir a sua cento, consoante as histórias) do Udo Berger, campeão de desaparecido por vontade própria? história de traição e remorsos. Outro editor Gordon Lish, aquele que foi o “wargames” (jogos de tabuleiro de Ter-se-á afogado? Suicidado? homem põe a mobília à venda no primeiro editor de Carver na guerra e estratégia), durante uma Estamos nos terrenos preferidos de jardim e alicia um casal de jovens de “Esquire”, que o acompanhou na estestadaada dede VerãoVerão numanuma localidadelocalidade do Bolaño: criar um mistério de passagem a utilizar os trastes McGraw-Hill onde publicou “Fazes o llitoralitoral catalãocatalão,, na Costa carácter policial, uma atmosfera expostos – eles acabam a dançar lá Favor de Te Calares” (1976) e mais BBrava.rava. Até hháá ddezez anos sobre permanente ameaça do mal fora ao som de um velho gira-discos. tarde, trabalhou a obra do escritor atrás, UUdodo passara (que é inominável), o medo e a Dois casais encontram-se para jantar na Alfred A. Knopf, de onde saiu o férias naquele lugar (e angústia a derramarem-se da mas a quantidade de aperitivos instantaneamente celebrado “De nnoo mesmo hotel) com paisagem. tomados despoletam recordações de Que Falamos Quando Falamos de os pais, agoraagora voltava A história (que é mais linear do ex-maridos e ex-mulheres e as Amor” sobre o qual o crítico Frank cocomm a que a de outros livros do chileno) vai emoções tornam-se dificilmente Kermode disse que (aí) se progredindo com a tensão sempre suportáveis. Um casal de meia-idade encontrava “toda uma cultura, toda em constante crescendo, com passa uma estranha noite a jogar uma condição moral naquele que situações propositadamente não Bingo. Dois amigos de infância, já aparenta ser um ténue esboço”. aclaradas, com insinuações feitas em casados e com filhos, resolvem (Note-se que o próprio Carver, sussurro, com personagens que passar o resto de uma tarde de refazia e reescrevia muitos dos seus “O Terceiro Reich” falam por meias palavras. Uma domingo longe da família a visitar os poemas e contos, mas neste caso é Bolaño espécie de demência persistente e antigos bares onde costumavam chegou a pedir a Lish para parar e em estado puro. absurda vai aos poucos tomando parar e o dia acaba em tragédia. Um cancelar a publicação mas este não conta do mundo. As personagens homem e uma mulher, donos de um lhe deu ouvidos e seguiu em frente.) vão saindo de cena uma por uma, a motel, resolvem fechar portas, Mas afinal o que traz de novo a realidade baralha-se com os sonhos abastecer-se de bebidas e beber até à publicação destes contos não mais sombrios, o jogo (que no fim do inconsciência, perdidos de desgosto, editados? As histórias são as

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 43 A Casa Fernando Pessoa da Casa Fernando Pessoa, gravação vídeo de vai atribuir a medalha Inês Pedrosa, outorgará poemas de Pessoa ditos Ordem do Desassossego às homenageadas a por mais de 30 fi guras

Livros Medalha à professora brasileira medalha de prata criada da cultura brasileira – Cleonice Berardinelli e à pela Casa Fernando Adriana Calcanhotto, cantora Maria Bethânia Pessoa, com design de Caetano Veloso, Chico pelo que ambas já fi zeram Jorge Colombo. A sessão Buarque, Fernanda pela divulgação da obra incluirá um debate sobre a Montenegro, Gilberto de Pessoa. A sessão vai importância de Pessoa no Gil, João Ubaldo Ribeiro, realizar-se a 8 de Março, na Brasil, com a participação Luís Fernando Veríssimo, sede do Instituto Moreira das homenageadas e do Malu Mader,Tony Bellotto, Salles, no Rio de Janeiro, poeta e fi lósofo Antonio Zuenir Ventura, entre às 19 horas. A directora Cicero, bem como a outros.

mesmas, os retratos dos tempos mas também convoca inesgotável novela da vida desses Ao longo de milhares de anos um Saramago e que conseguem deixar incontáveis dramas de quem fantasmas – de filhos mortos, de inadaptados da paisagem pesar tem pairado sobre este infeliz, com a sua passagem, com o seu procura o amor, a camaradagem, a uniões despedaçadas – e leva-os a americana”. Raymond Carver, submetendo-o ao seu jugo e testemunho pessoal, um sedimento amizade, a cumplicidade e o calor cometer actos ignóbeis. As histórias incensado pela crítica, adorado tornando assim a sua alma taciturna épico de desespero. humano nos ambientes de Carver não acabam, são deixadas pelos leitores, comparado e sisuda. Tão arreigado é o Depois, a ironia vence o crepusculares das casas dos em suspenso no limbo em que vivem repetidamente a Tchekhov, pessimismo, que muitos finlandeses pessimismo, e agora só já estamos a subúrbios da América onde apenas as personagens, não existe futuro, considerado o “messias” esperado vêem na morte a única salvação para falar de Arto Passillinna, o humor três lugares podem ser habitados: os apenas passado e presente. Não da literatura americana mostra aqui as suas angústias. A melancolia é um desbragado, o “non sense” instala-se, pátios das traseiras onde as pessoas ficamos a saber nada porque já tudo que foi, e é, tudo isso e algo mais: inimigo mais impiedoso que a União por exemplo quando chegamos à se juntam para beber, os quartos foi dito, a redenção é uma um mestre, na verdadeira acepção Soviética”. quinta de um artista de circo que onde o sexo dá lugar às lágrimas e às impossibilidade e toda a gente se do termo. O parágrafo transcrito abre o ganhava a vida a amestrar “visons” rupturas e as cozinhas elevadas à perde enquanto perde, também, os romance e tem o condão de nos para a mulher exibir em “shows” condição de templos onde se come que mais ama ou pensa amar. Os deixar boquiabertos: por um lado, o apimentados pela província, até que (pouco) e onde estão os frigoríficos casais, os pais, os amigos descobrem Morrer estilo jornalístico, de quem parece um dia decide fugir deixando o pobre contendo as garrafas e o gelo. subitamente o pavor de algo que se estar a transcrever um relatório marido atolado de dívidas, “visons” No entanto, a leitura de manteve escondido e latente – científico, coloca o leitor em sentido. desobedientes e fedorentos. Antes a “Beginners” provoca alguma existem muitas imagens de águas longe Virá aí um tratado sobre o “spleen” morte que tal sorte, Pippo salta para surpresa: o texto é muito mais rico, a escuras, de florestas sombrias, de finlandês? dentro do autocarro dos suicidas, acção é mais sinuosa e lenta, as lusco-fuscos ameaçadores – como Da Finlândia chega-nos um Por outro, talvez o tom didáctico nessa altura já a excursão estava em frases repetem-se, a tensão é maior, um monstro prestes a devorá-los. Os seja o de uma introdução a uma marcha, já o comité de selecção tinha a brutalidade mais crua. Perde-se o pais perdem os filhos, os amigos breve tratado sobre a forma fábula daquelas que começam com o enchido “A Flecha da Morte” para ritmo jazzístico, martelado, a afastam-se, homens e mulheres como quem resolve brincar inevitável “Era uma vez...” com ele se despenhar na Noruega no linguagem em “staccato” da edição vêem levantar-se paredes de em grupo com a morte, Cinco páginas à frente, quando cabo Norte. de Lish com o seu estilo depurado e cimento entre eles. O álcool, um homem de negócios falido e um “Um aprazível suicídio em grupo” mais sofisticado mas ganha-se em poderoso anestésico para as dores acaba a celebrar a vida. Rui velho coronel do exército se cruzam está cheio de penhascos, ravinas, espessura e autenticidade, da angústia existencial, é, Lagartinho num celeiro em plena noite de S. montanhas, e céus que apesar de permitindo recuperar e reavaliar um paradoxalmente, o combustível que João (para os finlandeses a noite de serem um limite são também a porta escritor genial que, na altura em que provoca e inflama os actos mais Um aprazível suicídio em grupo S. João, o solstício, é um ritual de uma fronteira que se aproxima de produziu estes contos, era um brutais e irreversíveis. O território Arto Paasilinna solene, por todos celebrado) e nós: “No seu pensamento, o homem iniciado (um “beginner”) nas de Carver é o dos subúrbios (Trad. Merja de Mattos-Parreira e evitam mutuamente o seu suicídio, o abraça o mundo inteiro, a vida. relações amorosas – e não só – e um desolados dos brancos americanos, Ana Isabel Soares) tom está encontrado. Unidos na Pensa, encantado, que na Finlândia homem incapaz de se manter sóbrio. marcado pela frustração e pela Relógio D’Água hora que antecede a morte está está ao alcance de todos ricos, ou Talvez Lish tenha sido um agente humilhação, onde os homens traçado o destino de uma confraria, pobres. Mesmo um aleijado pregado indispensável na altura, alguém que tentam fazer valer uma mmmmn de uma rede social: as dos vencidos à sua cadeira de rodas pode olhar apanhou o “espírito do tempo” e masculinidade abusiva e agressiva, da vida finlandeses que não querem para as estrelas numa noite fria de percebeu que a transformação que que mascara desajeitadamente a sua Tem vinte anos este morrer sozinhos. Inverno e desfrutar a beleza deu origem a “De Que Falamos impotência, e em que as mulheres “Aprazível Suicídio O coronel Kemppainen, o director vertiginosa do universo e da sua Quando Falamos de Amor” levou a desesperam nas teias de uma em Grupo” de Arto de negócios Rellonen e a vice reitora vida.” (pág. 160). um sucesso instantâneo e forneceu feminilidade em que os sonhos Paasilinna. É o 10º Puusari, que a eles entretanto se Estes suicidas querem um túmulo ao mundo o estilo “carvereano” românticos de amores perfeitos se romance do juntou, resolvem então pôr um no meio da natureza, mas é também envolto em mitos: Carver, o homem perdem em expectativas frustradas, escritor, o segundo anúncio para que os candidatos a a natureza que os vai salvar: não que, para sobreviver, escrevia contos tentativamente mitigadas em publicado em suicidas de toda a Finlândia a eles se morrem nem na Finlândia, nem na curtos e secos porque não tinha balcões de bar, em frente à televisão, Portugal depois de juntem. Chovem respostas: velhos, vizinha Noruega, não morrem na tempo para se dedicar à escrita nas meses do Bingo comunitário, “A Lebre de deprimidos, internados em Suiça, nem na Alemanha, nem em entre empregos mal remunerados e mas destruídas sem remissão. Vatanen”, livro absolutamente hospícios, místicos, “homossexuais, França e muito menos, facilmente se pouco qualificados; Carver o Carver deixou inúmeros fundador de uma voz literária de travestis, masoquistas, mulherengos advinha, em Portugal. O cabo de São “ressuscitado” que largara discípulos e admiradores. Jay latitude finlandesa. Depois da angustiados ninfomaníacas Vicente em Sagres, um dos extremos finalmente a bebida graças a uma McInnerney, que foi seu aluno em consciência ecológica ser pretexto irrecuperáveis.” da Europa, é o destino final dos boa mulher que o ajudara a Syracuse no início dos anos 80, tem para uma desconstrução irónica de Arto Paasilinna vai dando voz a suicidas que vão deixando de o ser: regenerar-se e a alcançar a fama; escrito longa e comovidamente uma forma de vaguear pela vida, o esta polifonia de desesperados que “Gente tão posta à prova pela vida Carver que morreu aos 50 anos com sobre o seu antigo professor e estilo foi afinado, refinado mesmo, se levantam da paisagem finlandesa que se esqueceu cedo de mais a sua um fígado despedaçado; Carver o autores como Salman Rushdie, esbarrando em temas mais com um fôlego que aqui e ali beleza.” Num volte face Aarto “santo”, perpetuamente Amos Oz e Haruki Murakami – complexos: “O maior inimigo dos coincide com as multidões de Paasilinna, citando-se a si próprio na manipulado pelo diabo (Lish) e pelo tradutor de Carver para japonês – finlandeses é a tristeza, a descamisados que muitas vezes epígrafe que abre a segunda parte anjo (Galagher). não escondem a sua dívida de melancolia, uma apatia insondável. povoam os romances de José do romance, avisa: “É possível Uma coisa é certa: Carver é Carver gratidão. Com a publicação de brincar com a morte, mas não com a e não existe nada – nem mesmo o “Beginners” abre-se um novo Com Arto Paasilinna cada frase vida. Viva!”. espaço dos grandes narradores capítulo da ininterrupta exegese do é uma seta que acerta no alvo Impressiona que tanto caiba em sulistas, de Flannery O’Connor a poeta, contista, ensaísta e professor, tão pouco. Tanta filosofia, tanta Carson McCullers – que lhe ganhe mantida viva por Galagher que, em paisagem, tantas vidas, trinta e cinco em bizarria, em ironia desesperada 1998, marcou os dez anos da morte capítulos, ocupam apenas duzentas e em estranheza. No espaço do marido com reedições das suas páginas. “carvareano” os homens são obras. (Em 2009 surgiu a exaustiva Com Arto Paasilinna cada frase é homens bons que bebem demais, as biografia de Carol Sklenicka, uma seta que acerta no alvo. “Um mulheres são mulheres boas que “Raymond Carver: A Writer’s Life”, aprazível suicídio em grupo” é um (quase sempre) bebem com os Ed. Scribner, Novembro, 2009) tratado sobre alguns desesperos e as homens que bebem demais e que, Stephen King, que escreveu a muitas tábuas de salvação ao alcance sob o efeito dos copos se vangloriam recensão desta obra no “New York de cada um. É a prova de que a boa das suas façanhas como caçadores e Times” chamou a atenção para a prosa, enxuta, factual, cínica, mas pescadores, como predadores frios e personalidade de Carver, um também terna na complacência com imorais. A bebida é o motor e o homem que ostentava a “(mesma) que nos faz sorrir, pode ajudar-nos. catalisador de todas as acções perplexidade que as personagens Une-nos à Finlândia em verdades (mesmo quando estão que povoam as suas histórias e que que se não o são, disfarçam bem: “... temporariamente sóbrios), o álcool nunca sabia bem onde estava nem a pronúncia da Lapónia é – e a doença, muitas vezes não porquê”, citando uma passagem de surpreendentemente parecida à do especificada – reúne e afasta os Peter Straub em “Ghost Story” para português. A língua portuguesa amigos, as mulheres e os amantes, melhor o definir: “O homem nasceu do latim vulgar e língua da ajuda a recordar os bons velhos continuou a guiar, alheado pela Lapónia vem do som das renas.”

44 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon FLIP

Salman Rushdie está das Letras). Também confi rmado para a FLIP já está confi rmada na 2010. A 8ª edição da Festa feira a participação do Literária Internacional de irlandês Colum McCann, Paraty, no Brasil, decorre cujo livro mais recente, de 4 a 8 de Agosto e “Let the Great World homenageará o sociólogo Spin”, foi considerado Gilberto Freyre. O escritor pela “Esquire” como vai lançar no Brasil o “o primeiro grande romance “Luka e o fogo romance sobre 11 de da vida” (ed. Companhia Setembro”.

Anna Klobucka: um estimulante “feminilidade” foi (e continua Ciberescritas ensaio que recentra o lugar sendo) um pau de dois bicos. Dito de dos poetas-fêmea outro modo, “mulher antes de mais na literatura portuguesa nada”, por oposição a Sophia, Fiama Dar a volta ao texto e Luiza Neto Jorge, “poetas antes de mais nada”. Nessa medida, a recepção crítica tende à “desvalorização”, quando não à ndam à nora por causa do acordo omissão. Conclusão pertinente: ortográfico? Na Internet já há ferramentas “uma Florbela (ou linhagem capazes de nos ajudarem. Uma delas é o florbeliana) queer não deve ser Conversor para o Acordo Ortográfico da FLIP construída independentemente da - Ferramentas para a Língua Portuguesa, da construção contínua de uma APriberam. É um serviço gratuito on-line, um conversor Florbela (ou linhagem florbeliana) para o Acordo Ortográfico, tanto para português europeu feminista”. Digamos que Anna M. quanto para português do Brasil. A partir da janela Klobucka dá início ao processo de Isabel disponível no ecrã, o utilizador pode digitar as palavras ou revisão histórico-literária que Coutinho as frases (até ao limite de 3000 caracteres) que pretende Joaquim Manuel Magalhães converter. Pode também seleccionar a variedade de reivindicou para Florbela. português em que estas estão escritas (Brasil ou Portugal) Não por acaso, a sequência e e visualizar as modificações propostas. terminologia do índice é clara: “A Dizem que se trata de uma versão de demonstração e Poetisa: Florbela Espanca” / “A Poeta: que não apresenta todas as funcionalidades do conversor Sophia de Mello Breyner Andresen” / incluído no FLiP 7, o software que a empresa vende com “Poeta, Feminino Plural”, sobre ferramentas linguísticas. Mas já é uma ajuda. Avisam que Maria Teresa Horta e Luiza Neto Jorge os critérios do FLiP relativamente ao Acordo Ortográfi co / “E vários os caminhos”, sobre Adília estão disponíveis para consulta e que quem quiser pode Lopes e Ana Luísa Amaral, glosando ir à secção online sobre o Acordo Ortográfi co de 1990 e a um título da segunda. sua aplicação. Aí podemos fi car a saber várias coisas sobre A leitura de Sophia esclarece a os ditongos, por exemplo: “Os ditongos orais, que tanto d’horizon” às obras de Florbela contradição entre investimento podem ser tónicos/tônicos como átonos, distribuem-se Ensaio Espanca, Sophia de Mello Breyner hermenêutico e descaso identitário. por dois grupos gráfi cos principais, conforme o segundo Andresen, Maria Teresa Horta, Luiza Algo parecido com a inócua “sopa elemento do ditongo é representado por i ou u: ai, ei, Neto Jorge, Adília Lopes e Ana Luísa andrógina” que subsume o discurso éi, ui; au, eu, éu, iu, ou; braçais, caixote, deveis, eirado, Formatação Amaral. Seis “exemplos de crítico em torno de algumas poetas. farnéis (mas farneizinhos), goivo, goivar, lençóis (mas dramatização [...] da autoria Nos anos 1960, Luiza Neto Jorge e lençoizinhos)1, tafuis, uivar; cacau, cacaueiro, deu, fêmea feminina” que não excluem outras Maria Teresa Horta mudam o endeusar, ilhéu (mas ilheuzito), mediu, passou, regougar.” possibilidades – Irene Lisboa, Natália panorama. A primeira fez “rebentar E outras coisas mais. Correia, etc. –, e cujo traço distintivo é uma insurreição violenta de Fizemos uma experiência. Fomos buscar uma crónica Contra o legado da o da “sexualidade marcada pela linguagem [tornando] a matéria de Alexandre O’Neill publicada no livro “Já cá não está dominação masculina, diferença e a textualidade marcada humana numa eroticamente quem falou” da Assírio & Alvim que tem por título leitura próxima da obra de pelo sexo”. O modelo interpretativo incendiada terra de ninguém”. A “Senhor conde, estarei a sumir em português de lei?” segue a ginocrítica – termo cunhado segunda fez do corpo feminino “o e colocámos no Conversor para o Acordo Ortográfi co. seis mulheres do século XX por Elaine Showalter para designar “a território semiótico que melhor “O policiamento da língua é uma bonita actividade; a português.” Eduardo Pitta mulher enquanto produtora de acomoda o impulso poético de denúncia das transgressões cometidas à Sociedade de significado textual” –, sem perder de anarquização da linguagem”. Maria Língua Portuguesa é o cúmulo O Formato Mulher vista os pressupostos clássicos da Teresa Horta tem ainda o mérito de do zelo. Agora que o senhor Anna M. Klobucka crítica literária e cultural feminista. sustentar a obra numa relação Andam à nora conde chame às histórias de Angelus Novus No essencial, Anna M. Klobucka intertextual com “o legado da quadrinhos uma praga é que analisa as várias modelizações da dominação masculina”. Não admira por causa do Acordo é insuportável. As histórias mmmmn identidade sexual, a polarização de que Maria de Lourdes Belchior tenha de quadrinhos têm ajudado géneros, a estruturação do “eu” então chamado a atenção para a Ortográfico? muita gente a aprender A emergência da feminino, bem como as emergência das mulheres enquanto português, senhor! Mais ainda: autoria feminina na “manifestações sexualmente “autoras”. têm ajudado muito homem a poesia portuguesa é marcadas dos processos de Na realidade, todas desautorizam aprender a ‘ser’ português!” E lá veio o texto corrigido: o tema da tese de relacionamento intertextual e o seu a abadessa de Heidenheim, que “O policiamento da língua é uma bonita (actividade) doutoramento que papel na integração do discurso assumia a “falta de discernimento atividade (...)” e por aí fora. Anna M. Klobucka poético”. Sem cedência ao jargão [própria do seu] frágil sexo Está também on-line um corrector ortográfi co e apresentou à académico, a autora sinaliza com feminino”. Embora em 2005 Ana o corrector sintáctico (apenas com sugestões, sem Universidade de precisão os momentos de ruptura Luísa Amaral ainda considerasse a explicação gramatical dos erros) para português europeu, Harvard em 1993. dos discursos em pauta. sua poesia como “não feminista”, para português do Brasil e para espanhol (em ambas as Revisto e ampliado, o ensaio chegou Se pensarmos que “O Formato facto é que a obra a contradiz com variedades da língua portuguesa é possível usar as versões agora às livrarias com o sugestivo Mulher” teve como primeiro alvo ênfase. com e sem o Acordo Ortográfi co de 1990). título “O Formato Mulher”. Professora leitores estrangeiros, a escolha de Em paralelo, Adília Lopes tem Outro dos sites imprescindíveis é o Ciberdúvidas de português da Universidade de Florbela arrasta consigo uma mais- elaborado (com consequências) o da Língua Portuguesa da equipa de José Mário Costa. Massaschusetts Dartmouth, a autora, valia pedagógica que se mantém “projecto da construção da O cibernauta pode escolher no canto superior direito de origem polaca, parte de 1972 (ano operante junto do público personagem de mulher autora de se quer ler o texto de acordo com a ortografi a de 1945 de publicação de “Novas Cartas português. Com efeito, se há obra da poesia, isto é, da poetisa”, sem que tal ou de acordo com a de 1990, seleccionando a opção Portuguesas”, de Maria Isabel nossa literatura atolada em atitude traduza conformismo FLIP- correspondente. O Ciberdúvidas está a publicar os textos Barreno, Maria Teresa Horta e Maria equívocos, essa obra é a de Florbela, passadista. Anna M. Klobucka faz Ferramentas em dupla grafi a desde 15 Janeiro. Contam que o escritor Velho da Costa) para desenvolver a logo seguida da de António Botto (o notar, com propriedade, ser esse um para a Língua José Eduardo Agualusa está a escrever um romance cuja sua análise da produção literária qual, apesar de tudo, goza de maior dos “gestos anacrónicos que Portuguesa “história passa pelos diferentes países de língua ofi cial portuguesa “protagonizada” por fortuna crítica). Anna M. Klobucka orientam” a produção literária de http://www.fl ip. portuguesa, e o pano de fundo é o Acordo Ortográfi co”. mulheres. Esse ano entre todos explica bem o processo de Adília. pt/ “Este Acordo dava um romance”, escrevem. Pois dava. mítico, momento de “viragem mitificação de Florbela e, em Muito mais haveria a dizer deste Ciberdúvidas simbólica e ideológica, cujas particular, os efeitos perversos da longo e estimulante ensaio, que com da Língua [email protected] repercussões a longo prazo ainda sua conivência com o “processo de tanta desenvoltura recentra o lugar Portuguesa estão muito longe de se esgotar”, é o destilação gradual” que a obra dos poetas-fêmea na literatura http://www.ciber- (Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/ ponto de partida do exigente “tour sofreu. Afinal, a decantada portuguesa. duvidas.com ciberescritas)

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 45 A obsolescência dos meios e a relação do espectador com a obra de arte são algumas das refl exões instigadas por Alexandre Estrela em “Motion Seekness”

industrial. A tradição japonesa da encadernação pode ser tida como exemplo, sublinhando-se a publicação de um cuidado livro de artista por ocasião da mostra. A obsolescência dos meios. A forma como um espectador percepciona uma obra de arte. Outros tantos motivos de reflexão potenciados por câmaras fotográficas e de uma exposição que tem como filmar a que falta o sujeito. origem um filme acidental realizado da FaculdadeFaculdade ddee Belas-Belas- Do-it-yourself. A fotocópia como por um operador de câmara pára- AArtesrtes da UniversidadeUniversidade ddee LisLisboa.boa. meio privilegiado de uma estética quedista durante uma queda, da Apropriadas deste espectáculoespectáculo, as intimamente ligada a diversos qual resultou a sua morte – as duas frequências usadas no trabalho movimentos musicais – do punk ao imagens, vistas por Alexandre Do-it- podem ser escutadas como peças de noise – e também enquanto Estrela num programa de televisão, arqueologia sonora, que, de certa contraponto artesanal à produção nunca mais foram esquecidas. forma, e tal como o poster, yourself prolongam a experiência vivida durante a performance dos Agenda A competição entre intérpretes norte-americanos, meios numa exposição ambos ligados à música “noise.” Inauguram e insípido | Precarious, escape, A competição entre os meios, fascination de Alexandre Estrela na neste caso o vídeo e desenho, é Sem Rede De Carla Filipe. provocada por procedimentos De Joana Vasconcelos. Lisboa. Kunsthalle Lissabon. R. Rosa Araújo, 7-9. Culturgest, Porto. Óscar Tel.: 918156919. Até 11/04. 5ª, 6ª e Sáb. das 15h às Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império simples: um projector vídeo, que 19h. Inaugura 4/3 às 22h. Faria - CCB. Tel.: 213612878. Até 18/05. Sáb. das 10h às emite apenas luz, uma instalação 22h. 2ª a 6ª, Dom. e Feriados das 10h às 19h. Instalação. Motion Seekness sonora sincronizada com o “strobe” Inaugura 1/3 às 19h30. Instalação, Outros. De Alexandre Estrela. – à memória vem o filme seminal de Continuam Tony Conrad, “The Flicker” (1966), Ver texto na pág. 18 e segs. Robert Longo Porto. Culturgest. Av. dos Aliados, 104 - Ed. da CGD. que tem na sua origem um curso de Tel.: 222098116. Até 10/04. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às Lost Istambul (Anos 50-60) Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império - neurofisiologia frequentado pelo CCB. Tel.: 213612878. Até 25/04. Sáb. das 10h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h. De Ara Güler. autor em finais dos anos 1950 –, um 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h. Desenho. Lisboa. CCB. Pç. do Império. Tel.: 213612400. Até Desenho, Outros. poster de um concerto, agora sem a 01/04. 2ª a 6ª das 14h às 18h. Sáb. e Dom. das 14h às mmmmm informação original. Com este 19h. Na Galeria Mário Cesariny. Inaugura 1/3 às 18h. Ver texto na pág. 22 e segs. dispositivo, Alexandre Estrela Fotografia. Ver texto na pág. 24 e segs. And/Or À entrada de “Motion Seekness”, o prolonga o desenho no som, o som De Asier Mendizabal. público é confrontado com uma na projecção, a projecção no Sous La Dictée De Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD. projecção de luz que incide sobre desenho, e por aí fora, criando Tel.: 217905155. Até 18/04. 2ª a 6ª l’Image um poster, do qual foi retirada a movimento ou a ilusão deste – uma das 11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados Lisboa. Museu Colecção Berardo. das 14h às 20h. informação original, restando experiência intensa, em que os Pç. do Império - CCB. Tel.: Escultura. apenas o desenho. Duas frequências sentidos nunca conseguem 213612878. Até 18/05. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às sonoras acompanham o “strobe”: o descansar. Auto-Retratos do 19h. Inaugura 1/3 às 19h30. Mundo: Annemarie som agudo surge quando a metade Esse mesmo conflito surge depois Pintura. Schwarzenbach inferior da folha é iluminada, o som no rectângulo de folhas com Ulisses Carrión e a De Annemarie grave quando essa situação se 202x131cm, na segunda sala da Sua Livraria “Sous La Dictée Schwarzenbach. inverte. Alexandre Estrela (Lisboa, exposição comissariada por Miguel Porto. Museu de Serralves - Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. 1971) pretende assim trocar as voltas Wandschneider, onde são revelados Biblioteca. R. Dom João de Castro, de l’Image” do Império - CCB. Tel.: 213612878. De ao espectador, criando, com esse oito desenhos da série “Motion 210. Tel.: 226156500. De 27/02 a 22/02 a 25/04. Sáb. das 10h às 22h. 09/05. 2ª a Sáb. das 10h às 18h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h. fim, uma série de operações Seekness.” Os trabalhos têm na sua Edições, Outros. Fotografia. relacionadas não só com a origem uma série de fotocópias Exposições competição dos meios num mesmo realizadas em 2003: o artista Assim e Não Assado Judith Barry Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império - espaço, mas também com recortou três capacetes do género De João César Monteiro, Ana Jotta, Francisco Vidal, entre outros CCB. Tel.: 213612878. Até 25/04. Sáb. das 10h às deslocamentos da percepção – neste dos usados por operadores de 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h. Lisboa. Convento dos Cardaes. R. do Século, 123. caso, quer a visão, quer a audição câmaras que filmam habitualmente Tel.: 213427525. Até 02/04. 2ª a Sáb. das 14h30 às Vídeo, Instalação, Outros. são afectadas pela experiência a que as formações de pára-quedistas. 17h30. Inaugura 2/3 às 19h. A Perspectiva Das Coisas. A Instalação, Vídeo, Fotografia, Som, são sujeitas. Depois, recorrendo a operações de Natureza-Morta Na Europa, Outros. “Queda e contra queda” (2010), acaso realizadas sobre uma Séculos XVII-XX título do trabalho, faz literalmente a fotocopiadora – os recortes iam Claim To Fame De Juan Zurbarán, Rembrandt van cabeça andar à roda, à procura de sendo colocados à sorte sobre a De Sara e André. Rijn, entre outros. um equilíbrio difícil de encontrar. É superfície envidraçada da máquina Lisboa. Espaço Fundação PLMJ. R. Rodrigues Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Sampaio, 29. Tel.: 210964103. Até 15/05. 4ª a Sáb. Av. de Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 02/05. 3ª a como se o corpo perdesse algum do –, foi obtendo diferentes imagens. O das 15h às 19h. Inaugura 3/3 às 18h30. Dom. das 10h às 18h. seu sentido de orientação e fosse passo seguinte foi criar um rasto que Escultura, Outros. Pintura. obrigado a sair daquele espaço para desse movimento àqueles objectos, 300 Mentiras (Primeira Parte) recuperar a estabilidade perdida – o o que aconteceu através de Um Dia Destes... De Tiago Baptista. desenho torna-se, ele próprio, pinceladas caligráficas na superfície Lisboa. 3 + 1 Arte Contemporânea. R. António Maria ilusoriamente animado. A intenção dos papéis, as quais criaram a Cardoso, 31. Tel.: 210170765. Até 17/04. 3ª a Sáb. do artista em produzir sinestesias – sugestão de gravidade, de peso, de das 12h30 às 20h. Inaugura 26/2 às 22h. fenómenos provocados por uma queda vertiginosa. A última etapa foi Pintura. condição neurológica – está na base cumprida mais recentemente, com a Artigos Procurados desta obra. Alexandre Estrela ampliação dos desenhos para a De Alexandra Mesquita. convoca ali, para além da visão e da dimensão agora visível na Lisboa. Galeria Arte Periférica. Pç. do Império - audição, a memória. Quem se Culturgest: nas paredes de uma CCB, Loja 3. Tel.: 213617100. Até 31/03. 2ª a Dom. das 10h às 20h. Inaugura 27/2 às 15h30. De Pilar Albarracín. cruzou alguma vez com o poster arquitectura panóptica, a sensação é Escultura, Outros. Lisboa. Galeria Filomena Soares. R. da poderá identificar a sua origem: um impressionante, não só em termos Manutenção, 80. T. 218624122. Até 6/3. 3ª a sáb. concerto de Aaron Dilloway e Nate gráficos, mas também na É um espaço estranho e das 10h às 20h. maravilhoso, o ar é seco, quente Young, dos Wolf Eyes, que se experiência perceptiva potenciada Fotografia. realizou no ano passado no auditório pelas figuras – capacetes com

46 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon Digres- são

Os xx foram obrigados a lugar amanhã em Colónia, cancelar seis concertos foram anuladas. Pelo menos da actual digressão até prova em contrário, europeia devido à morte, os restantes concertos da há uma semana, do pai da “tournée”, no Reino Unido e guitarrista Romy Madley nos EUA, continuam de pé - Croft. As datas da banda assim como a passagem dos britânica em Saint-Malo, xx por Portugal (25 de Maio Estrasburgo, Roma, Milão na Aula Magna, Lisboa, e 26 e Munique, bem como a de Maio na Casa da Música, actuação que deveria ter Porto).

Pop tratam o público como seu par. Nada é um compositor meticuloso e de edição, e depois de em anos de simplificar. voz imponente, seriíssimo nas suas anteriores ter recebido nomes como Esta noite, no Santiago micro sinfonias, que compactam Josh Rouse, Richard Hawley, Joe Deixemo-nos Alquimista, em Lisboa, os Fiery arremedos folk e orquestrações de Henry ou Devendra Banhart, já Furnaces estreiam-se em Portugal e Rat Pack fora de época, e sabemos que, sendo a música que o momento é de festa. Afinal,final, ddesconcertanteesconcertan pelas “boutades” passa pelo Cineteatro António surpreender falamos de uma das maiss rregularesegulares e pelosp concertos onde Lamoso ideal para sorver impressionantes bandas em se exexpõepõe ssem medos. serenamente, o “sentado” do título Os Fiery Furnaces gravam palco da actualidade. Emm “Min“Minoror Love” é uma inflexão: não é ditatorial, antes um estado de concerto, como ouvimoss no o Green dosd impecáveis casacos espírito proporcionado pelo muito e diferente. Hoje estão álbum ao vivo “Remember”,er”, mimilitareslitares dod passado veste agora intimismo de quem pisa o palco – o pela primeira vez ao vivo em não existem propriamentente cacabedalbedal e puxoup o lustro à guitarra que não impede que já se tenha visto Portugal. Mário Lopes canções, antes um eleléctrica.éctrica. MasM é tão Adam Green em Santa Maria da Feira povo a contínuo musical onde qquantouanto anteanteriormente.r Por isso, se erguer-se das cadeiras e a dançar. elas são esventradas e pporor maldadema ninguém erguer Este ano, apostamos que tal feito reconstruídas, Eleanor os braçosbr para o amparar caberá aos Camera Obscura, a banda Lisboa. Café Teatro Santiago Alquimista. R. Santiago, 19. Hoje, às 22h. Tel.: 218884503. 20€. mantendo a pose qquando tentar o de Glasgow que, num eixo que segue esfíngica e a voz pprometido “stage-dive”, girl-groups e Burt Bacharach antes Hoje já ninguém corre o risco de ser sereníssima enquanto nnãoão será trágico. Adam de apanhar os Smiths e os Belle & enganado, mas quando apareceram Matthew salta entre GGreenreen cairá no vazio e rir-se-á Sebastian, anda a inventar desde a lá atrás, no tempo com guitarras, teclados e o da situasituação. E, quando cá década de 1990 dulcíssimos tratados “Gallowsbird’s Bark” (2003), os que mais lhe interessar e vovoltar,ltar, tocaráto uma canção sobre pop, palpitantes de seiva indie. Fiery Furnaces foram atirados para a secção rítmica formadaa o ddiaia eemm que um homem a Caberá aos Camera Obscura o grupo de bandas “rapaz-rapariga” pelo baterista Robert qquemuem a vvida corria bem caiu encerrar o festival amanhã, no dia que, no pós-White Stripes, D’Amico e por Jason cocomm estrondo.estr M.L. em que actuam os britânicos Dakota proliferaram. Aceita-se o erro de Loewenstein (dos Sebadoh)oh) Suite (folk como matéria então: havia neles um fundo de folk garante que a locomotivaa fantasmagórica, decididamente e de blues, marcas de um admirável continua em andamento.. E é ouvirou assim assombrada) e o português Noiserv, classicismo (o dos Kinks, por Sabemos que, num sereserenamenten “one man orquestra” criador de uma exemplo) e uma ainda mais concerto deles, nada temosmos pop sonhadora, textura de algodão admirável vontade de o ultrapassar. por certo além do FestivalFestival Para Gente Sentada doce, onde cabem guitarras e Sete anos depois, ninguém de bom imprevisto. Elementar, melódicas, teclados e vibrafones – Santa MariaMaria da Feira. Cine-Teatro António senso os encaixará em qualquer assim, acabar este texto Lamoso. Av. Prof.P Egas Moniz, 11. Hoje e tudo o que ouvimos em 2008, na grupo que seja. Na verdade, os Fiery com o seguinte adjectivo:o: amanhã,amanhã, às 222h. Tel.: 256375151. 20€ (dia) a estreia “One Hundred Miles From Furnaces dos irmãos Matthew e imperdível. 30€ ((passe).passe). Thoughtlessness”. não encaixam FestivalFestival PPara Gente Sentada O festival arranca esta noite e os em lado nenhum. 202010.10. nomes são de peso. Primeiro MV & A sua discografia inclui “EP”, O crooner faz EE, ou seja Matt Valentine e Erika colecções de singles pop que tratam “stage-dive” Santa MariaMa da Feira é a casa de Elder, duo imprescindível para o a pop como matéria exploratória, os um dosdos mais interessantes percurso que a folk americana vem épicos “” ou Adam Green festivaisfestivais portugueses. À sexta fazendo desde o início do século (já “”, labirinto lá estavam quando se inventou a Lisboa. Café Teatro Santiago Adam Green vai cair, gravado com Olga Sarantos, a Alquimista. R. Santiago, 19. 5ª, dia designação “new weird america” ou octogenário avó dos Friedberger. 4, às 21h30. Tel.: 218884503. 20€. literalmente, “free folk”). Telúrica e cósmica, a nos nossos braços

Concertos Hiperactivos, os Fiery Furnaces sua música vive entre os mitos gravam muito e gravam diferente. Nos primeiros concertos Não têm dois álbuns iguais. O último que deu em Portugal, Adamdam editado, “I’m Going Away” (2009), Green fez-se acompanhar de uma surpreendeu por ser absurdamente guitarra acústica apenas. Quatro clássicoclássico.. Esse era o desafio e tudo anos depois, vem com banda parapara MattMatthewhew é um completa. Na entrevista que lhe desafio.desafio. Ao vivo, fizemos quando da edição de “Minor nadanada mudmuda.a. TTalal Love”, o álbum que apresentará no como nos discos,discos, Santiago Alquimista na próxima os FFurnacesurnaces quinta-feira, Green fez questão de acentuar que desta vez será tempo de rock’n’roll a sério, de suor e fantasia. E perguntou-nos se era de esperar que o público somasse, pelo menos, três pessoas: “Quero fazer um ‘stage-dive’ mas preciso de pelo menos três pessoas para me aguentar”. Adam Green, como sabemos, não leva muito a sério a imagem que passa para o mundo. Por isso é detestado por tantos, que o vêem como parente pobre, desbocado e escatológico de Jonathan Ritchman. Mas também é alvo de culto fervoroso. Porque este Adam Green que começou a tocar com Kymia Dawson na adolescência (a banda Os concertos dos irmãos chamava-se Moldy Peaches), que Friedberger são tão assinou com “Friends Of Mine” um imprevisíveis tratado de opulência pop - e impressionantes ambicionando ser a vida e maior (e - como os discos mais bizarro) do que a própria vida,

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 47 Angelika Kirchslager Os Teratron encabeçam dá voz às canções de Weill o Clubbing da Casa da Música Concertos

O pianista Jason Moran acompanha a Orquestra Bill Callahan, das listas de Jazz de Matosinhos Lula Pena encontra dos melhores discos de 2009 e a ONP nos concertos Tord Gustavsen Sir Richard Bishop para o Festival para Gente Sentada “Jazz Transatlântico” em Portalegre e Famalicão no Museu do Chiado

fundadores do blues e o poder que conta com mais de 75 álbuns. simplificação dos meios expressivos encantatório das ragas orientais. São experiências que têm conferido de composição e incorporou nas Agenda Depois deles, chega Perry Blake, o grande popularidade a Yo-Yo Ma fora suas obras elementos do jazz e da novo Perry Blake que, depois do dos circuitos da música erudita, música do cabaré literário sexta 26 Pianistas. furor inicial, quando editou o dentro dos quais é também berlinense. Da colaboração com Bernardo Sassetti homónimo álbum de estreia e reconhecido como um grande Brecht nasceram peças tão célebres História do Soldado Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Jardim de aguentou estoicamente as intérprete do repertório clássico e como a “Ópera dos Três Vinténs” Direcção Musical de Cesário Costa. Inverno. R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 17h30. comparações com Scott Walker, romântico e como o destinatário de (1928), “Happy End” (1929), Encenação de João Pedro Vaz. Tel.: 213257650. 5€. surge agora, com “St Mary & Milk”, obras de compositores “Ascenção e Queda da Cidade de Lisboa. Museu do Oriente - Auditório. Av. Brasília - Ciclo Leituras e Música: Sophia de Edifício Pedro Álvares Cabral - Doca de Alcântara Mello Breyner por Beatriz Batarda. mais próximo do “storytelling contemporâneos como Stephen Mahagonny” (1930) ou “Os Sete Norte, às 21h30. Tel.: 213585200. 10€. country” clássico. Albert, Elliott Carter, Peter Pecados Capitais” (1933), uma obra Ver texto na pág. 38. Os Tornados A encerrar o primeiro dia de Lieberson ou John Williams. que nos conta a história de duas Torres Novas. Teatro Virgínia - Café-concerto. Largo Tord Gustavsen Ensemble São José Lopes dos Santos, às 23h. Tel.: 249839309. festival, Bill Callahan. Ele que foi Entre os diversos projectos irmãs (Anna I, a cantora, e Anna II, a Entrada gratuita. Smog, que foi depois Smog com criados por este violoncelista de bailarina) que saem da Louisiana Portalegre. Centro de Artes do Espectáculo de Portalegre - Grande Auditório. Praça da Republica, Tony Malaby’s Apparitions parêntesis, que se deixou de origem chinesa nascido em Paris em para tentar a sorte e ganhar dinheiro 39, às 21h30. Tel.: 245307498. 8€ (concerto) a 28€ mariquices e passou a assinar com o 1955, mas residente nos EUA desde a para a família. C.F. (passe). Quartet Portalegre. Centro de Artes do Espectáculo de seu próprio nome, é um dos maiores infância, destaca-se o Silk Road Portalegre JazzFest - 8.º Festival Portalegre - Grande Auditório. Praça da Republica, representantes da canção americana Project, destinado a promover o Jazz Internacional de Jazz de Portalegre. 39, às 21h30. Tel.: 245307498. 8€ (concerto) a 28€ do nosso tempo e vem a Santa Maria estudo das tradições culturais ao (passe). The Fish Portalegre JazzFest - 8.º Festival da Feira apresentar “Sometimes I longo da antiga Rota da Seda, que se Portalegre. Centro de Artes do Espectáculo de Internacional de Jazz de Portalegre. Wish I Were An Eagle”, álbum que estendia do Mar Mediterrâneo até ao Reunião Portalegre - Café-concerto. Praça da Republica, 39, às 23h30. Tel.: 245307498. 3€ (concerto) a 28€ acabou destacado nas listas de Oceano Pacífico, mas também (passe). Teratron + DJ Steve Aoki + Batida melhores álbuns de 2009 de muito numerosas actividades pedagógicas histórica Portalegre JazzFest - 8.º Festival + Tropa Macaca + Long Way to boa gente. M.L. com jovens músicos e novos Internacional de Jazz de Portalegre. Alaska Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho de públicos em diferentes pontos do Pedro Jóia e Ricardo Ribeiro Albuquerque, às 23h. Tel.: 220120220. 7,5€ a 18€. globo. Duas das mais reputadas Lisboa. Cinema São Jorge - Sala 2. Av. Liberdade, Clubbing. Clássica De regresso a Lisboa, Yo-Yo Ma orquestras do país 175, às 0h. Tel.: 213103400. 10€. apresenta-se no domingo, na encontram-se sob o signo Ciclo “Sexta, Meia Noite e uma Richard Galliano Quarteto Gulbemnkian, acompanhado pela Guitarra”. Seia. Casa Municipal da Cultura de Seia. Avenida do jazz, com dois solistas de Luís Vaz de Camões, às 22h. Tel.: 238310251. 5€. O violonce- pianista Kathryn Stott, com um Bunnyranch Seia Jazz & Blues - 6º Festival programa que reflecte o seu peso: Jason Moran e Chris Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Café- Internacional de Jazz & Blues de Seia. lista sem eclectismocompanhado pela concerto. Avenida D. Afonso Henriques, 701, às 23h. Cheek. Rodrigo Amado Tel.: 253424700. 2,5€. pianista Kathryn Stott. O recital está domingo 28 Os Pontos Negros fronteiras esgotado, mas a Gulbenkian Orquestra de Jazz de Matosinhos disponibilizou há poucos dias mais Arcos de Valdevez. Casa das Artes - Auditório. Orquestra Barroca Casa da + Orquestra Nacional do Porto Jardim dos Centenários, às 23h. Tel.: 258520520. 6€. Música alguns bilhetes para lugares não Direcção Musical de Dirk Brossé. Sons de Vez 2010. Direcção Musical de Rinaldo Yo-Yo Ma regressa com marcados no palco do Grande Com Jason Moran (piano), Chris Tó Trips Alessandrini. Auditório. Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de um repertório que põe Cheek (saxofone), Dan Weiss Portimão. Teatro Municipal de Portimão - Café- Albuquerque, às 18h. Tel.: 220120220. 11€. lado a lado Schubert, (bateria), Nick Marchione concerto. Largo 1.º de Dezembro, às 22h. Tel.: Os sete pecados 282402475. Entrada gratuita. Génios do Barroco Instrumental - Chostakovitch, Piazolla (trompete). obras de Muffat, Häendel, Corelli, de Weill Lisboa. Centro Cultural de Belém - Grande Artur Pizarro e Orquestra do Geminiani, Locatelli e Vivaldi. e Gismonti. Cristina Auditório. Praça do Império. Hoje, às 21h. Tel.: Algarve Fernandes Orquestra Gulbenkian 213612400. 5€ a 18€. Direcção Musical de Osvaldo segunda 1 Direcção Musical de Lawrence Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho Ferreira. Foster. de Albuquerque. Amanhã, às 18h. Tel.: 220120220. Faro. Teatro Municipal de Faro. Horta das Figuras Yo-Yo Ma e Kathryn Stott 20€. - EN125, às 21h30. Tel.: 289888100. 12€ a 16€. António Pinho Vargas Coimbra. Teatro Académico de Gil Vicente. Pç. Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Ciclo Grandes Pianistas. Obras de República, às 21h30. Tel.: 239855636. 10€. Grande Auditório. Avenida de Berna, 45A. Dom., 28, Grande Auditório. Avenida de Berna, 45A. 5ª, dia 4, Jazz Transatlântico. Brahms e Beethoven. às 19h. Tel.: 217823700. 20€ a 45€. às 21h. Tel.: 217823700. 15€ a 30€. XII Semana Cultural da Universidade de Coimbra - Do Monólogo, Coisa Obras de Schubert, Chostakovitch, Obras de Liszt, Weill e Prokofiev. Assinalando uma parceria inédita sábado 27 Pública. Piazzolla, Gismonti/Carneiro e entre o CCB e a Casa da Música, os Franck. Um conjunto de cinco reputados concertos “Jazz Transatlântico” Mayra Andrade cantores, dos quais se destaca a unem hoje e amanhã a Orquestra Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval - Auditório quarta 3 Os projectos discográficos meio-soprano austríaca Angelika Jazz de Matosinhos à Orquestra Jorge Sampaio. Pç. Dr. Francisco Sá Carneiro, às 22h. Tel.: 219107110. 15€ a 25€. Mafalda Arnauth desenvolvidos por Yo-Yo Ma nos Kirchschlager, darão voz à última Nacional do Porto num programa Lisboa. Teatro da Trindade - Sala Principal. Largo da últimos anos espelham bem a sua obra resultante da parceria entre ambicioso formado por Jill Tracy Trindade, 7 A, às 18h. Tel.: 213420000. 5€. atitude transversal em relação a Kurt Weill e Bertolt Brecht: “Os Setes composições de autores tão Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Grande 3/4uartas - Concertos ao Fim da Auditório. Avenida D. Afonso Henriques, 701, às Tarde. géneros, estilos e culturas musicais. Pecados Mortais”, bailado com diversos como Leonard Bernstein, 22h. Tel.: 253424700. 10€. Títulos como “Yo-Yo Ma Plays Ennio canto estreado em Paris em 1933, Toots Thielemans, Carlos Azevedo, Diabo Na Cruz Morricone”;oe; “Vivaldi’s adsCeo,co Cello” , com coconsiderado s de ado pepeloo compositor como ou o próprio Dirk Brossé, maestro Tord Gustavsen Ensemble Lisboa. Cinema São Jorge - Sala 1. Av. Liberdade, 175, Vila Nova de Famalicão. Casa das Artes - Grande às 22h. Tel.: 213103400. 10€. Ton Koopmanopman e a OrquestraOrquestra BarrocaBarroca uma dasdas suas mmelhorese obras. convidado para dirigir esta enorme Auditório. Pq. de Sinçães, às 21h30. Tel.: 252371297. de Amesterdão;sterdão; “Paris: La As primeiras formação com mais de 100 músicos 10€. Belle Époque”,poque”, com a incursões de Kurt em palco. Como solistas, para quinta 4 David Fonseca pianistaa KathrynKathryn Stott; Weill no teatro complementar a excelência Vila do Conde. Teatro Municipal - Sala 1. Av. Dr. Lula Pena + Sir Richard Bishop “Obrigadodo Brazil” ou musicalm datam de instrumental de duas das mais João Canavarro, às 22h. Tel.: 252290050.290050. 5€ a Lisboa.LisbL oa. MNAC - MMuseuuseu do Chiado - Sala dos “Songs of Joy & Peace” 1926,192 com “Der importantes orquestras do país, 15€. Fornos. Rua SerSerpapa Pinto, 4, às 22h. Tel.: 21213432148.3432148. 110€.0€. são bemm ilustrativosilustrativos Protagonist”,Prot mas seria foram convidados dois nomes de Artur Pizarro e Orquestraestra do cruzamen-amen- apenasapena a partir do seu referência do jazz norte-americano: do Algarve OgreOgre to de encontroencontro com Brecht que iria Jason Moran, pianista que já Direcção Musical de Osvaldovaldo ComCom Maria JJoão (voz), Júlio caminhosos nascernascer umauma outra maneira de observámos por diversas vezes nos Ferreira. Resende (piano(p e teclado), João no seio ddee abordar o género.gé Perturbado mais variados contextos, tendo Portimão. Teatro Municipal de Portimãoortimão FarinhaFarin (piano e teclado), - Grande Auditório. Largo 1.º de JoelJoeJ l Silva (bateria), uma pelopelo cinismo moralm da Alemanha sempre deixado uma marca Dezembro, às 21h30. Tel.: AndréAn Nascimento discografiaafia nos últimosúltimos aanosn da República de fortíssima de originalidade e 282402475. 15€. Ciclo Grandes (electrónica).(el WeimarWeimar e pelapela severa depressão imaginação musical, e Chris Cheek, Braga.Br Theatro Circo - Sala económica,económica, WeillW começou a jovem saxofonista com uma Principal.P Av. Liberdade, explorarexplorar as popossibilidades de usar linguagem inconfundível e um Pinho Vargas abre, com 697, às 22h. Tel.: os seus “Solos”, o ciclo 253203800. 10€ (dia) a 40€ a música comocom agente de particular talento para trabalhar (passe). Yo-Yo Ma de regresso “Do Monólogo, Coisa mudançamudança social,soci ao mesmo tempo com grandes formações BragaJazz 2010. à Gulbenkian que tentoutentou opeoperar uma orquestrais. Pública” em Coimbra aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

“Psychedelic Sound Waves” de DJ Ride fervilha de vida e dinamismo

Pop meados de 2005, independência do Mali, que ele aqui risco de perder o fio um ano antes de recupera num registo de salsa à meada. Quantos desaparecer, Ali cubana, cheio daquele balanço que Ride conhecemos? Beleza Farka Touré (1939- traz a maturidade artística. Se O que flirta como o 2006) prestou-se a houvesse um “Buena Vista Social jazz; o do entrar em estúdio Club” em versão africana este seria classicismo hip hop crepuscular uma última vez. Visivelmente doente seguramente o tema de abertura. O e dos clássicos soul e funk que o e enfraquecido, longe da fúria seguinte “Be mankan” é uma valsa antecederam; o da electrónica como Intimismo, serenidade e eléctrica que o celebrizou, optou na cheia de graça, transpirando uma maná para corpos sedentos de ritmo; circunstância pela guitarra acústica e fluidez e um apaziguamento que são o criativo do “turntablism”, músico virtuosismo presidem ao por um registo discreto, mas que se o verdadeiro fio condutor do que prefere surpreender (sempre) a último registo de Ali Farka ajusta na perfeição ao desempenho alinhamento. Não é, porém, um jogar pelo seguro. Aterramos então Touré, segundo em dueto de Toumani Daibaté. Bem mais disco de duetos no sentido mais em “Psychedelic Sound Waves” - jovem (44 anos), também já comum do termo, quando vive aterrar, já agora, é o termo certo para com Toumani Diabaté. Luís consagrado como prodígio da corá essencialmente do extraordinário este disco (digamos que a capa não Maio (harpa-alaúde de 21 cordas), Toumani virtuosismo de Toumani, enquanto engana). Com que nos deparamos? tem feito carreira tanto no singular Ali aparece sobretudo como uma Com todos esses Ride que fomos Ali Farka Touré & Toumani como numa pluralidade de segunda voz: um acompanhante acompanhando desde “Turntable Daibaté associações, incluindo disco em seguro, mas discreto na guitarra, Food”, o álbum de estreia. Com dueto com Ballake Sissoko, outro para uma brilhante sucessão de música onde o tempo se molda à Ali & Toumani World Circuit, distri. Megamúsica virtuoso da corá, o veterano improvisos de corá. Mais para o final arquitectura dos temas, música que bluesman Taj Mahal, ou ainda o fica a sensação que Toumani ora se equilibra admiravelmente entre a Discos mmmmn trombonista Roswell Rudd, também carrega no travão, de forma a fruição mais física (toda ela reverbera norte-americano. conservar as atenções concentradas pelo corpo) e prazeres mais cerebrais É o disco de um génio moribundo, O mestre da corá era já especialista em Ali, ora assume sozinho os (porque há sempre muito a acontecer porventura a maior figura de sempre em duetos, quando encontrou o seu comando, se as coisas tendem a e tanto a transmutar-se tema a tema). do chamado “blues do deserto”. Em conterrâneo Ali Farka Touré, ele perder fôlego. Mas este subtil (e Existe em “Psychyedelic Sound próprio também rodado em elencos difícil) desdobramento é também Waves” uma evidente marca de partilhados – como em “The parte do charme que dimana da autor: o hip hop intuído como base Source”, onde contracenou com o comovente e decentíssima despedida de todo o edifício sonoro, o Moog supracitado Taj Mahal, ou em do genial guitarrista do Mali. acentuando a personalidade “Talking Timbuktu”, na companhia divagante da música, a electrónica de Ry Cooder. O primeiro encontro apontando um futuro imaginado. O de Ali e Toumani ocorreu em A era espacial mais entusiasmante, porém, é Bamako, capital do Mali, e produziu perceber tudo o que essa “In The Heart Of The Moon”, personalidade musical absorve, galardoado com um Grammy em de Ride todos os cruzamentos que é capaz 2005. O sucesso valeu-lhes o convite de estimular. Sempre em viagem: o para uma digressão europeia, antes Intimismo, serenidade e ritmo nervoso do “breakbeat” da qual foram a Londres gravar este encontrando conforto em cordas e álbum, em três tardes que contaram virtuosismo presidem ao metais da soul mais pastoral (“Time ainda com a participação do baixista último registo de Ali Farka travel”), uma guitarra psicadélica de Orlando Cachaíto Lopez, lenda da Touré, em dueto com Touma- ontem a guiar-nos por paisagens música cubana, entretanto também espaciais criadas hoje (“Christmas desaparecido (1933-2009). O ni Diabaté. Mário Lopes funk”), uma imponente massa reportório gravado junta temas Ride sonora electrónica movendo-se com chave da carreira de Ali, originário agilidade de b-boy (tudo é Psychedelic Sound Waves do Norte do Mali, com reportório Rockit Science; distri. Flur movimento e dinâmica em “Flying Mande do sul do país, de onde vem high”). Toumani. Um dos dois temas a que mmmnN “Psychedelic Sound Waves” Ali empresta a voz é absolutamente habitua um mundo só seu. Um Ali Farka Touré: porventura a maior fi gura de sempre radioso. Chama-se “Sabu yerkoy” e é Habituámo-nos a vê-lo em tantos espaço tão aliciante para quem se do chamado “blues do deserto” uma velha canção dos tempos da contextos diferentes que corremos o aventura entre a reverberação

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 49 Espaço Desde a músico e violinista que será seguramente inolvidável noite Público canadiano seja de comprovado nos concertos de 15 de Outubro alta qualidade. Foi agendados para Março de 2006, no Club assim com os dois em Portugal. Owen Pallett Lua em Lisboa, em primeiros trabalhos não tenta ser alguém que tive o privilégio de Has a good homeme senão exclusivamenteex Discos assistir ao espectáculo- de 2005 e He eleele próprópriop e daí resulta solo de Owen Pallett, vulgo poos clouds dee inevitavelmenteinevitav grande Final Fantasy, que o sigo, 2006. E, possoo genuinidade.genuinid Sendo qual fl autista de Hamelin, agora confi rmar,ar, tambémtambém original e especial na garantida expectativa também com o nãonão tem comparação. de que tudo o que saia recentíssimo João Semog,S 40 anos, da mente deste criativo Heartland, artistaara ti plástico

dos baixos numa pista de dança Nuno Costa: um dos grandes um jazz de câmara com particular como para quem prefere entregar-se compositores do nosso jazz atenção à melodia, ora indo de à descoberta no escuro do quarto, encontro às tradições populares de auscultadores nos ouvidos – diversas latitudes, ora evocando totalmente confirmado o admirável ambientes cinematográficos. Sempre talento de Ride enquanto produtor. com um acentuado lirismo, muitas Existe uma batida “old school” a vezes próximo dos territórios da animar a única canção com MC, mas clássica, tal como alguma da música “Concept MOVE” (com Concept) de Sassetti, portanto. O trio reuniu-se nada tem de “old school”. com Bernardo Sassetti para um “Psychedelic Sound Waves” é como concerto nos Dias da Música de essa canção: fervilha de vida e Belém (CCB, 2008) e logo aí os dinamismo mas o sangue que músicos mostraram entendimento. O bombeia é electrónico, borbulhante piano de Sassetti nunca é muito de electricidade. exuberante, prefere ficar concentrado numa selecção de notas seguinte, o saxofonista alto João para depois as explorar Jazz Guimarães, cada vez mais assertivo obsessivamente, o que se adequa nas suas intervenções, deixa uma bem à dinâmica controlada do trio. O forte marca ao longo do álbum, o acordeão de Holshouser é o guia do Reticências mesmo se podendo dizer de grupo e desta música, demonstrando Bernardo Moreira e Marcos uma fascinante flexibilidade entre Cavaleiro, dupla que aqui se junta instrumental, elevando-se para lá dos em disco pela primeira vez. Ora “clichés” a que se associa parêntesis impondo o impetuoso “swing” que habitualmente o instrumento. O impulsiona os restantes músicos trompete de Ron Horton assenta na para patamares sucessivamente perfeição a esta música, num Com a sua estreia em disco, mais elevados no desenvolvimento inteligente efeito de reflexo/ Nuno Costa afirma-se como das suas improvisações, ora contraponto ao acordeão. O som alimentando impressionantes sedoso de Horton é irresistivelmente um interessante guitarrista “rubatos”, ora mesmo cada um sedutor em qualquer contexto, este é e, acima de tudo, como um deles como solista, Moreira e um músico que merece toda a dos grandes compositores Cavaleiro constituem um secção atenção (recomenda-se o seu disco do nosso jazz. Paulo rítmica dificilmente melhorável. “Everything In a Dream”, que até tem Mas, não obstante a qualidade do um tema intitulado “Lua Cheia sobre Barbosa trabalho de composição e a apurada Lisboa”). O contrabaixo de Dave forma em que todos os músicos aqui Phillips, filho do histórico Barre Nuno Costa se encontram, o mais Phillips, é aqui menos inovador que o impressionante “achado” desta pai, mas sabe enquadrar-se no Nuno Costa Toneofapitch, distri. Dargil gravação será o pianista Óscar espírito do grupo, bem no pizzicato, CONTOS EM VIAGEM Marcelino da Graça, um músico servindo-se também do arco quando OUTRAS ROTAS mmmmn extremamente imaginativo a todos necessário. Sendo a maior parte das os níveis, que reúne todos os composições originais de Holshouser, Nuno Costa não é requisitos para que a seu propósito Sassetti contribuiu com dois temas apenas mais um muita tinta venha a correr nos seus, juntando-se ainda uma versão guitarrista em terra próximos tempos. de Carlos Paredes - “Dança JANEIRO de guitarristas, e Palaciana”, que abre o disco (cover tão pouco mais um com personalidade, mas respeitoso). C. C. do Cartaxo - 9 jovem músico de Um disco que não poderemos Fórum Romeu Correia, Almada - 15 jazz que também compõe. Todo este Hinos classificar de puro “jazz”, apesar de Casa das Artes, V. N. de Famalicão - 29 registo flui como uma suite ser naturalmente a essência desta extremamente bem concebida e bêbados música. É, antes, um aglomerado condignamente abrilhantada pelo inclassificável de música popular FEVEREIRO contributo de todos os músicos do transformada. É música para bailes quinteto, tanto pela forma como Do encontro do trio norte- de debutantes e festas nos estábulos, Teatro Aveirense, Aveiro - 20 estes dão corpo ao material americano com o príncipe para realeza e aldeões, música para 26, 27 composto como pelo elevado nível do jazz português nasceu cabarets e salões nobres: Tom Waits, das improvisações que se vão Paredes, Piazolla, muitos fantasmas; Teatro Viriato seguindo ou sobrepondo de forma uma música sem fronteiras. Paris, New Orleans, Buenos Aires, Viseu extremamente natural e orgânica. Nuno Catarino Lisboa, muitas cidades. “Palace Numa primeira impressão, poderá Ghosts and Drunken Hymns” é uma o ouvinte sentir-se na presença de Will Holshouser Trio + Bernardo súmula de referências que mais um “clone” de André Sassetti transcende rótulos e expressa o Fernandes. Mas audições sucessivas brilhantismo destes músicos. MARÇO Palace Ghosts and Drunken Hymns do disco permitem a descoberta de Clean Feed / dist. Trem Azul Aud. Mun. da Póvoa de Varzim - 6 várias outras fontes de inspiração Teatro Cine de Torres Vedras - 13 para o guitarrista – sendo Pat C. C. Gonçalves Sapinho, Benedita - 17 mmmmn Aud. Mun. Augusto Cabrita, Barreiro - 25 Metheny uma das mais perceptíveis Fórum Cultural J. M. Figueiredo, Moita - 27 – e até mesmo de vários aspectos O encontro entre o reconhecivelmente singulares e trio de Will sobejamente interessantes no seu Holshouser e www.teatromeridional.net fraseio improvisado e no modo Bernardo Sassetti como liga as intervenções dos só poderia correr restantes músicos. bem, uma vez que

ESTRUTURA FINANCIADA APOIOS Discípulo de Lee Konitz, em já se adivinhavam afinidades musicais 2010

M/12 particular pelo “choro” melódico, à partida. O trio americano mostrava frequentemente abstracto, com que nos seus anteriores dois discos, O acordeão de Will Holshouser alonga cada frase ou a liga à editados pela portuguesa Clean Feed, é o guia

50 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon aMauMaumMedíocreMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Scorsese brinca com a arte do cinema como se nunca tivesse feito outra coisa na vida (e não fez)

Estreiam 13h40, 16h45, 21h20 6ª Sábado 13h40, 16h45, Leonardo di Caprio (que, a Lisboa: CinemaCity Campo Pequeno Praça de 21h20, 00h30; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª propósito, é um erro de “casting”; Touros: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h50, 21h30, 13h45, 16h05, 19h, 21h45, 24h; ZON Lusomundo 00h30; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª por mais que tente, não consegue Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª A teoria da Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 21h20, atingir o nível de intensidade 13h40, 16h20, 19h, 21h40, 00h15; ZON Lusomundo 00h40; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª necessária para habitar a sua Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 21h10, 13h30, 16h05, 18h35, 21h30, 00h20; 00h30; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 1: 5ª 2ª personagem). Scorsese filma como Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado conspiração 3ª 4ª 15h40, 18h30, 21h20 6ª 15h40, 18h30, 21h20, se houvesse sempre um detalhe Domingo 2ª 14h15, 16h55, 19h35, 22h15, 00h50 3ª 00h10 Sábado 12h50, 15h40, 18h30, 21h20, 00h10 inexplicavelmente fora do sítio, 4ª 16h55, 19h35, 22h15, 00h50; ZON Lusomundo Domingo 12h50, 15h40, 18h30, 21h20; ZON GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h05, Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª como se tudo isto fosse uma enorme Um magistral exercício de 18h45, 21h30 6ª Sábado 13h15, 16h05, 18h45, 21h30, 14h, 17h05, 21h10 6ª Sábado 14h, 17h05, 21h10, alucinação, uma mistificação onde 00h30; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª cinefilia elevada à potência 00h15; nunca sabemos o que é verdade e o Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, máxima. Jorge Mourinha Impõe-se um aviso prévio e que é mentira, sublinhada pela 21h10, 24h; inevitável: “Shutter Island” tanto opressão da cenografia de Dante Estreia na realização de Oren Shutter Island mais impressionará quanto mais o Ferretti e pela magnífica escolha de Moverman, israelita radicado nos De Martin Scorsese, espectador se abandonar sem compositores contemporâneos feita EUA, onde já fora co-argumentista com Leonardo DiCaprio, Mark restrições ao seu pesadelo por Robbie Robertson para a banda- de “I’m Not There”, o puzzle Ruffalo, Ben Kingsley, Emily claustrofóbico e progressivamente sonora. dylaniano de Todd Haynes. Mortimer. M/16 mais desorientante. É aí, nesse E essa mistificação faz parte do Elemento curricular que, de resto, estado de vigília acordada entre o jogo de Scorsese, brincando com a em nada prenuncia, no estilo ou nos MMMMn sonho e a realidade, que o novo arte do cinema como se nunca temas, o que “O Mensageiro” é. Mais filme de Martin Scorsese ganha toda tivesse feito outra coisa na vida (e, próximos estaríamos, por exemplo, Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª a sua razão de ser: no modo como na realidade, nunca fez). A arte de de algo como o “No Vale de Elah”, 3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h30 6ª 15h30, 18h20, 21h30, ele vai desconstruindo um grande cineasta reside, muitas Paul Haggis, pela forma como se 00h20 Sábado 12h40, 15h30, 18h20, 21h30, 00h20 Domingo 12h40, 15h30, 18h20, 21h30; Castello Lopes progressivamente uma realidade vezes, no modo como se apropria de lida, em território americano, com a - Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h, reconhecível até nada restar a não uma peça de “pulp fiction” como é guerra do Iraque, e com os 18h45, 21h30 6ª Sábado 13h15, 16h, 18h45, 21h30, ser a nossa própria dúvida em esta e dela faz um filme que não estilhaços que vão ferindo a 00h15; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h45, relação ao que estamos a ver. poderia ter sido feito por mais retaguarda (ou, em terminologia de 21h30, 00h20; CinemaCity Alegro A imagem, nas mãos de um ninguém. “Shutter Island” não é um II Guerra, a “home front”, porque é Alfragide: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª mestre, pode induzir em erro – já “grande filme” de Scorsese, uma de como a guerra se transporta para 4ª 13h45, 16h35, 21h30, 00h20; CinemaCity Beloura

Cinema Shopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª Hitchcock o dizia, mas “Shutter daquelas obras-primas (que, de uma frente interna que “O 4ª 13h30, 16h35, 21h30, 00h20; CinemaCity Campo Island” desvia Hitchcock por via de qualquer maneira, já ninguém Mensageiro” fala). Pequeno Praça de Touros: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª De Palma para depois o alinhar com espera dele) – mas, dentro dos O mensageiro ou, com mais 15h, 17h50, 21h30, 00h20 Sábado Domingo 12h, 15h, 17h50, 21h30, 00h20; Medeia Fonte Nova: Sala Fuller, Bava, Argento, Lang, Murnau, “pequenos filmes” que todos os propriedade, os mensageiros. São 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h45, 18h15, Tourneur e outros mestres da série B realizadores veteranos têm direito a dois, Ben Foster e Woody Harrelson. 21h30; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª reavaliados como dignos da série A. fazer, é um grande, grandíssimo Dois soldados cuja missão é trazer 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h15, 19h, 21h45, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9: E, já agora, está mesmo paredes- filme. más notícias – visitar os pais, os 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h, 18h, 21h30, 00h20 meias com o cinema de terror, é um maridos, as mulheres, os filhos, dos Domingo 11h30, 15h, 18h, 21h30, 00h20; UCI Dolce objecto gótico e barroco onde que se ficaram pelas areias do Iraque Vita Tejo: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h, 21h15, 00h15; ZON Lusomundo Alvaláxia: Leonardo di Caprio, detective Corvos e comunicar-lhes o passamento dos 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h50, traumatizado pelas suas seus familiares. Há um plano em que 21h20, 00h25; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª experiências na II Guerra, enviado a eles os dois são filmados de costas, a Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h30, 21h10, 00h15 ; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª um hospital psiquiátrico numa ilha A missão de Ben Foster e caminho, com militar determinação, Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h20, 21h, isolada ao largo de Boston, desce aos Woody Harrelson é trazer do próximo anúncio, e as boinas 24h; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado infernos onde a realidade e a negras que lhes cobrem as nucas Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h30, 18h30, 21h30, más notícias: visitar os pais, 00h30; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª loucura se fundem. fazem deles duas grandes aves 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h30, Exercício de estilo, pretexto para os maridos, as mulheres, os agoirentas, como se bastasse a sua 22h; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª Domingo demonstrar como aprendeu as presença para fazer a mensagem 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h10, 21h10 6ª Sábado 15h10, filhos, dos que se ficaram 18h10, 21h10, 00h20; ZON Lusomundo Oeiras lições de tudo o que viu e as fez suas, pelas areias do Iraque. Luís chegar aos infelizes destinatários. E Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, manifestação de virtuosismo? Sim, frequentemente basta. Mas há um 15h30, 18h30, 21h30, 00h30; ZON Lusomundo sim, sim – mas sem a frieza do aluno Miguel Oliveira procedimento a cumprir, uma Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 18h, 21h20, 00h30; ZON Lusomundo Vasco aplicado, antes com o prazer mal lengalenga solene sobre “os pêsames da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, disfarçado de quem tem gosto O Mensageiro do Secretário de Estado da Defesa” 16h, 21h10, 00h10; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala naquilo que faz e de quem o faz por que é preciso dizer até ao fim, e que 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h40, 21h30 6ª 15h50, The Messenger 18h40, 21h30, 00h20 Sábado 13h, 15h50, 18h40, prazer. É, aliás, isso que explica De Oren Moverman, os familiares ouvem como um 21h30, 00h20 Domingo 13h, 15h50, 18h40, como este filme que, noutras mãos, com Ben Foster, Jena Malone, suplício supérfluo, ladainha funesta 21h30; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 4: 5ª seria uma espécie de De Palma- que acelera, mais do que atenua, o 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h40, 21h30 6ª 15h40, 18h40, Eamonn Walker. M/12 21h30, 00h20 Sábado 12h40, 15h40, 18h40, 21h30, ersatz se torna, nas de Scorsese e do choque e o desgosto. 00h20 Domingo 12h40, 15h40, 18h40, seu director de fotografia Robert MMMnn Dramaticamente, de resto, as 21h30; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 1: 5ª Richardson, numa espantosa carta cenas mais fortes de “O 6ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h40, 21h30, 00h10 Sábado Domingo 13h, 15h50, 18h40, 21h30, 00h10; UCI de amor ao cinema de género, das “Woody Harelson em “O Mensageiro”: uma gravidade Freeport: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h, 18h50, 21h40 6ª séries B fantásticas que Val Lewton “contentora”, uma intensidade minimalista 16h, 18h50, 21h40, 00h25 Sábado 13h15, 16h, 18h50, produziu e Jacques Tourneur dirigiu 21h40, 00h25 Domingo 13h15, 16h, 18h50, 21h40; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª para a RKO (“A Pantera”, “Zombie”) Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h, 21h15, ao giallo italiano de Mario Bava (“A 00h25; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª Máscara do Demónio”) ou Dario Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h45, 18h40, série ípsilon II 21h35, 00h30; Argento (“O Pássaro com Plumas de Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado Cristal”), passando pelos grandes Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h20, 21h30, filmes negros da década de 1950 e

20anos 00h40; Cinemax - Penafiel: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª pelos “Mabuse” de Lang ou o * , 15h30, 21h45 6ª 15h30, 21h45, 00h15 Sábado 15h, Sábado “Gabinete do Dr. Caligari” de dia 6 de Março, 17h30, 21h45, 00h15 Domingo 15h, 17h30, 21h45; Medeia Cidade do Porto: Sala 1: 5ª 6ª Murnau (e é só impressão nossa, ou o DVD “We Don’t Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h30, 19h10, há ali ecos de Samuel Fuller e de Live Here Anymore”, 22h; Vivacine - Maia: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h20, 20h40, 23h45; ZON Michael Powell?). de John Curran. Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Isso faz de “Shutter Island” um Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h20, 18h25, 21h30, “cadáver esquisito” tanto mais Por €1,95 00h35; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h50, 21h40 6ª inesperado quanto não é, de todo, *Venda excepcional no sábado. Sábado 13h, 15h50, 18h50, 21h40, 00h35; ZON disto que estamos à espera hoje de Todos os restantes DVD mantêm-se à sexta-feira. Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª um filme “de estúdio” com

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 51 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Cinema

“A Rapariga da Mala”: Zurlini na Cinemateca Eric von Stroheim, “Blind Husbands”

Mensageiro” vivem muito deste “Norte”: toda esta “sensibilidade” constrói-se por Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200 ritual, da contradição entre o desejo receita, não particularmente fresca de aproximação e solidariedade que Sexta, 26 Césarée + Les Mains Négatives as palavras querem simbolizar e o Césarée formalismo impessoal que o All the King’s Men De Robert De Marguerite Duras. procedimento impõe. Questão que é Rossen 15h30 - Sala Félix Ribeiro 19h - Sala Félix Ribeiro central no filme – quando os dois Le Camion De Marguerite Duras A Rapariga da Mala protagonistas mais violentamente se 19h - Sala Félix Ribeiro La Ragazza con la Valigia desentendem o “procedimento” é, De Valerio Zurlini min. justamente, a causa da discussão – e Quatro Irmãs 19h30 - Sala Luís de Pina por onde perpassa uma espécie de Little Women De George Cukor crítica “muda” ao relacionamento 19h30 - Sala Luís de Pina Dois Irmãos, Dois Destinos Cronaca Familiare entre o Estado e as famílias dos seus As Raparigas de San Frediano De Valerio Zurlini homens e mulheres “para queimar” Le Ragazze di San Frediano De 21h30 - Sala Félix Ribeiro (em terminologia fordiana, agora). Valerio Zurlini 21h30 - Sala Félix Ribeiro “Muda” porque, de facto, não há Le Camion muitas mais opções. Como “O O Comboio dos Duros De Marguerite Duras Estado de Guerra”, de Kathryn Convoy De Sam Peckinpah 22h - Sala 22h - Sala Luís de Pina Luís de Pina Bigelow, “O Mensageiro” não Uma história simples atracção pelo suicídio, a neura Quarta, 03 discute a guerra do Iraque nem atordoada pelo álcool), com um Sábado, 27 deixa de discutir. É um facto, e o Norte registo profundamente devedor As Grades do Inferno facto é tudo. Mas o facto é, (para não dizer totalmente O Sinal da Cruz Nord Brubaker De Stuart Rosenberg 15h30 também, a questão da sua “emulado”) da estética “indie” que The Sign of the Cross De Cecil B. De Rune Denstad Langlo, - Sala Félix Ribeiro visibilidade – a guerra está longe, o formatou a paisagem “Sundance” do DeMille 15h30 - Sala Félix Ribeiro com Anders Baasmo Christiansen, Le Soldatesse De Valerio Zurlini 19h - filme habita um puro contracampo Kyrre Hellum, Marte Aunemo. M/12 cinema americano e, a partir daí, The Bonnie Parker Story De Sala Félix Ribeiro de um campo sempre elidido. Não novos mundos. Que “Norte” cite William Witney 19h - Sala Félix Ribeiro só a guerra, mas também os explicitamente David Lynch (“Uma Césarée + Les Mains Négatives MMnnn soldados mortos (como se sabe, História Simples”) e lembre as O Abismo Césarée De Marguerite Duras. 19h30 - Lisboa: CinemaCity Classic Alvalade: Sala 1: 5ª 2ª Blind Husbands De Erich Von Sala Luís de Pina houve fortes limitações à filmagem narrativas de viagem de Jim 3ª 4ª 13h40, 15h30, 17h20, 19h10, 21h30 6ª 13h40, Stroheim 19h30 - Sala Luís de Pina da chegada dos caixões vindos do Jarmusch (dois cineastas, digamos, 15h30, 17h20, 19h10, 21h30, 23h30 Sábado 11h40, Le Signe du Lion De Eric Rohmer Iraque, e pelo menos num diálogo “independentes” do “cinema Fogo Fátuo 13h40, 15h30, 17h20, 19h10, 21h30, 23h30 Domingo 21h30 - Sala Félix Ribeiro as personagens falam disso). A 11h40, 13h40, 15h30, 17h20, 19h10, 21h30; independente”, por muito que este Le Feu Follet De Louis Malle 21h30 - Sala Félix Ribeiro A Canção da Terra + A Dança dos habilidade maior do filme está no insista em copiá-los), pormenores Paroxismos modo de evidenciar o “Norte” é um filme norueguês - coisa que não escapam a ninguém, é o À Sombra do Mal A Canção da Terra De Jorge Brum “procedimento” ainda como uma que por estas paragens não se vê corolário do reconhecimento, e o The breaking Point De Michael do Canto 22h - Sala Luís de Pina continuação do “não-ver”, uma todos os dias - e ganhou direito a fecho do círculo dentro do qual Curtiz 22h - Sala Luís de Pina espécie de funeral rápido e uma carreira “internacional” muito “Norte” se quer encerrar. Quinta, 04 Segunda, 01 invisível, um gesto de Pilatos pelo élan garantido pelo prémio da Mas voltando atrás, não se Winchester ‘73 De Anthony Mann camuflado numa cerimónia de crítica (essa velha e inefável antipatiza com “Norte”. Quem Maria Stuart, Rainha da Escócia 15h30 - Sala Félix Ribeiro encenação da responsabilidade. instituição dos festivais, o “Prémio antipatizaria com a história de um Mary of Scotland De John Ford Fora este olhar sobre os Fipresci”) no Festival de Berlim do ex-esquiador semi-alcoolizado que 15h30 - Sala Félix Ribeiro Agatha et les Lectures Illimitées procedimentos e as formalidades, ano passado. Seja: como também se põe a caminho do inóspito norte De Marguerite Duras. 19h - Sala Félix Ribeiro Le Navire Night De Marguerite que é onde o filme vai buscar o inefavelmente se costuma dizer, o da Noruega, montado num limpa- Duras 19h - Sala Félix Ribeiro O Homem do Diner’s Club essencial da sua dureza, “O júri é “soberano”. Mas lá que já se neves motorizado, para conhecer The Man from the Diners’ Club Mensageiro” funciona como um viu conjuntos de críticos reunidos um filho que não sabia que tinha, e As Raparigas de San Frediano De Frank Tashlin. 19h30 - Sala Luís de Pina eficaz “buddy movie” traumático, perante um conjunto de filmes com todos os encontros que a Le Ragazze di San Frediano De entre dois soldados, um mais novo e chegarem a escolhas mais ousadas, viagem lhe proporciona Valerio Zurlini19h30 - Sala Luís de Pina A Marquesa de O Die Marquise von O. De Eric mais ferido (física e lá isso já. (adolescentes solitárias, soldados Pugilatori De Valerio Zurlini. 21h30 - psicologicamente), outro mais velho O problema de “Norte”, obra entediados, velhos misantropos), Sala Félix Ribeiro e bem coberto por uma couraça de escorreita e estimável, é querer tanta gente um bocado perdida, Des Journées Entières Dans les cinismo. Ben Foster e Woody tanto que gostem dele, é servir-se, tanta “lição de vida”? Não nós Arbres De Marguerite Duras 22h - Sala Harrelson são impecáveis. Harrelson como argumento principal, de uma seguramente. Vê-se bem, é curtinho, Luís de Pina é mesmo um bocadinho mais do que amabilidade “humanista” não chegar a maçar. Parece impecável. À histeria da juventude ligeiramente (e programaticamente) irreverente, sem nunca deixar de ser Terça, 02 (foi um dos actores mais irritantes desequilibrada com que só os brutos inócuo. O gosto do dia, portanto. dos anos 90) sucedeu-se uma são capazes de antipatizar. Como Luís Miguel Oliveira Carta a Três Mulheres gravidade “contentora”, uma ninguém quer passar por bruto (já A Letter To Three Wives De Rohmer. 21h30 - Sala Félix Ribeiro intensidade minimalista. Talvez seja nem os críticos, que isto de passar a Joseph L. Mankiewicz 15h30 - Sala Félix Le Navire Night De Marguerite Continuam Ribeiro do bigode que aqui usa, mas faz vida a enxofrar os leitores um dia Duras. 22h - Sala Luís de Pina lembrar Robert Duvall. O que, acaba mal), lá temos direito a um obviamente, é um elogio. internético enxoval - andámos a ler - Um Homem Singular destinado a convencer-nos dos A Single Man méritos de “Norte” como “lição de De Tom Ford, vida”. De facto, como passar ao lado com Colin Firth, Julianne Moore, de tanta sensibilidade? Ninguém Nicholas Hoult, Matthew Goode. M/16 quer ser bruto. Ninguém quer ser bruto, mas MMMnn alguém devia dizer que toda esta “sensibilidade” se constroi por Lisboa: Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª receita, não particularmente fresca. Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Sábado 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 24h; Medeia Casar um esteréotipo caricatural de Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª “alma nórdica”, que hoje parece ser 4ª 13h40, 15h45, 17h50, 19h55, 22h, 00h15; UCI (vide o grotesco Von Trier) a única Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h50, 00h10 Domingo maneira de lhe pegar (Ibsen, 11h30, 14h15, 16h45, 19h15, 21h50, 00h10; ZON Strindberg, Dreyer, Bergman: tanta Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª angústia para depois dar nisto), e os 3ª 4ª 13h15, 15h50, 18h20, 21h30, 23h50 ; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado seus sinais esqueleticamente Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h30, 17h55, 21h05, reconheciveis (o fastio existencial, a 23h30;

52 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon Jorge Luís M. Mário Vasco As estrelas do público Mourinha Oliveira J. Torres Câmara Bobby Cassidy mmnnn mmmnn nnnnn mmmnn Um Homem Sério nnnnn nnnnn mnnnn mnnnn Um Homem Singular mmmmm nnnnn mmmnn mmmnn O Lobisomem nnnnn nnnnn mnnnn nnnnn O Mensageiro mmmnn mmmnn nnnnn nnnnn O Meu Amigo Eric nnnnn nnnnn mmnnn mMnnn Norte nnnnn mmnnn nnnnn nnnnn Uma Outra Educação nnnnn mmnnn mmnnn nnnnn Precious mmmnn nnnnn nnnnn mnnnn Shutter Island mmmmn nnnnn nnnnn mnnnn

“Um homem singular”: um violento soco Perdido por cem (mil)... no estômago, para o que contribuem os desempenhos notáveis de Colin Firth e de Julianne Moore Crónica o sábado passado decidi-me a ir ver o novo filme de António Pedro Vasconcelos [A.P.V.]. As palavras amáveis para com “A Bela e o Pedro NPaparazzo” escritas por Vasco Câmara neste Borges* jornal tinham-me deixado muito curioso. E a minha primeira surpresa foi logo ao procurá-lo na programação dos cinemas de Lisboa: está o fi lme a começar a sua 4.ª semana e já só pode ser visto em meia dúzia de sessões, à noite ou à meia-noite!!!???... Afi nal não está a ser um enorme sucesso de público, perguntei-me ainda atónito? Fui ao site do ICA (Instituto de Cinema) e fi quei muito preocupado: ao fi m de três semanas, estreado em 57

cinemas, já tendo sido mostrado em mais de 120 ecrãs, o Porto: Arrábida 20: Sala 18: 5ª 6ª Sábado fi lme mal chegou aos 80 mil espectadores... (uma média de Domingo 2ª 14h10, 16h35, 19h05, 21h30, 00h05 3ª “Bobby Cassidy”: o fascínio por uma personagem 13 espectadores por sessão???!!!... – número azarado, pobres 4ª 16h35, 19h05, 21h30, 00h05; Medeia Cidade do que invoca uma certa cinefi lia dos anos 1970 Porto: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª salas vazias). 14h10, 16h40, 19h10, 21h50; Fiquei mesmo muito preocupado e apressei-me a ir vê-lo. Como não sou pessoa de me deitar tarde, fui a Almada, onde A obra romanesca de Christopher ainda passava às “matinées”. O cinema, sendo tremendo, é Isherwood revela quase sempre uma magnífi co, e as salas fervilhavam de espectadores, embora para forte componente autobiográfica e ver “A Bela...” não houvesse sequer uma dúzia. Achei realmente não teve até hoje a consagração que estranho que um fi lme feito com tanto amor ao público sofresse merecia, apesar da voga que afi nal a sua soberana indiferença. A dúvida começou a roer-me. conheceu aquando da adaptação de Então andam a fazer “fi lmes para o público”, andam a gastar “Adeus a Berlim” para o sucesso centenas de milhares (milhões?) de euros de fundos públicos retumbante de “Cabaret”. “Um para fazer “cinema comercial”, e depois o público não lhes Homem Singular”, romance tardio, liga nenhuma... será que afi nal têm a boca sempre cheia de amargo e melancólico, passa agora a espectadores, mas as salas vazias deles? filme pela mão do estreante Tom Fui outra vez ao site do ICA: uma receita de 360 mil euros de Ford, que pega no doloroso processo bilheteira? Mas isso dá pouco mais de 100 mil para o produtor de luto de um professor inglês, ciência”. Podia ser uma personagem Bruno de Almeida instala o seu e o realizador. Muito mais do que isso gastaram de certeza “recém-viúvo” do amante, com um de cinema – o Terry Malloy de documentário, organizado em dez só a estrear o fi lme... Afi nal, o certo cuidado, mas também com Brando em “Há Lodo no Cais” aos assaltos e pontuado por imagens de então “A Bela...” não cinema comercial não só não dá alguma pretensão estilística, 60 anos – e é nesse limbo duma vida época cedidas pela família. E dinheiro, como até faz perder cedendo à tentação de fazer real que parece saída das páginas de rapidamente se percebe que o que tem quem lhe pegue ainda mais, logo na estreia? artístico. No entanto, um guião ou de um livro, mistura de atraiu Almeida foi a possibilidade de Ora bolas! Então voltámos à progressivamente, vamo-nos “Toiro Enraivecido” e “Os Sopranos” ter Cassidy, contador de histórias (e pague)? “Canção de Lisboa”, àquelas apercebendo de que o realizador (com um pugilista traumatizado pela nato, a discorrer em frente à câmara, palermices dos anos 30 e 40, entendeu a essência do romance e sua falta de educação às mãos de evocando a família, o amor do boxe, retratos contentinhos de um país sinistro e que eram pagos pelo aceitou as coordenadas uma mãe alcoólica e de um padrasto os episódios caricatos, os mentores, Estado ou levavam os produtores à falência? (Sim, eu sei que é melodramáticas que lhe subjazem: violento, que deu aos dois filhos a as experiências mafiosas e as aulas “o melhor fi lme português de sempre”, como diz A.P.V., quem uma história de solidão extrema, infância feliz que ele nunca teve) que de teatro. “Bobby Cassidy, é que quereria ver “Belarmino” ou os “Verdes Anos”, “O Cerco” quase onírica de tão rarefeita e ou “Sem Sombra de Pecado”, “Noite Escura” ou “Juventude reduzida a sinais mínimos; a em Marcha”, “Os Mutantes”, “Agosto”, “Um Adeus Português”, preparação de um desesperado “Vale Abraão” ou “Trás-os-Montes”, e tantos e tantos outros, adeus a uma vida de conforto podendo ver essa ridícula palermice dos anos 30?). ilusório. Não se tratará de uma obra- Mas ainda não tinha entrado na sala e já a pergunta prima, mas possui uma incrível força não parava de me atormentar: então “A Bela...” não tem que deixa um sabor amargo na boca quem lhe pegue (e pague)? Então estes fi lmes que se dizem e um violento soco no estômago, comerciais, feitos todos eles a pensar no público, mas para o que contribuem, principescamente fi nanciados pelo Instituto de Cinema e a decisivamente, os desempenhos RTP (e sempre com muito mais dinheiro que os outros fi lmes), notáveis de Colin Firth (nunca o e com uma ajudinha do FICA (essa obra-prima da vigarice tínhamos visto tão bem) e de ÚLTIMAS REPRESENTAÇÕES contemporânea) afi nal não dão nem um cêntimo de retorno? Julianne Moore. Filme de SÓ Querem levar 300 mil espectadores (e não devia ser 900 mil?) argumento e de actores vale bem a ATÉ 28 DE FEVEREIRO e afi nal não chegam nem a 100?!... Ora bolas para o comércio! pena vê-lo. M.J.T. QUARTA A SÁBADO 21H30 Concentrei-me então no ecrã e comecei a achar estranho: DOMINGO – MATINÉE 16H00 já lá ia quase uma hora e continuavam a passar anúncios – Bobby Cassidy: Counterpuncher telemóveis e automóveis, bebidas e comidas, perfuminhos e De Bruno de Almeida, roupinhas – não havia maneira de o fi lme começar. Vim cá fora com . M/0 HANNAH protestar e o projeccionista explicou-me: meu caro amigo, aquilo é o fi lme (não são anúncios nenhuns)! MMnnn E Voltei para a sala, já vazia de espectadores, e num “fl ash”, como se à beira da morte, os anúncios rebobinaram-se-me Lisboa: Medeia King: Sala 3: 5ª 6ª Sábado de um jacto, e compreendi tudo: os actores são magnífi cos, Domingo 2ª 3ª 4ª 19h; os técnicos magnífi cos são, a imagem, o som, os diálogos, os Bobby Cassidy, pugilista irlandês do MARTIN “décors”, a montagem, a produção – é tudo magnífi co. Mas subúrbio nova-iorquino de KATE FODOR se era aquilo o fi lme, então o que eu vi – com todo o respeito Levittown, é daquelas personagens ENCENAÇÃO e REALIZAÇÃO VÍDEO por aqueles que perderam o seu tempo a fazê-lo – é uma Bela que parece saída de uma certa JOÃO LOURENÇO porcaria! Um descalabro estético e comercial. Uma coisa literatura ou de um certo cinema [M/12]

imprestável e sem sentido, embaraçoso e penoso de se ver. americano incisivo e realista, que ESTRUTURA FINANCIADA PELO *editor Não agrada a ninguém e não dá um cêntimo a ganhar a exala a poesia que muitos vêem no e produtor de ninguém. Custou(-nos) três milhões e não rende nem três (euros). homem comum ou que leva outros a fi lmes Serve para quê? definir o boxe como “a doce

Ípsilon • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • 53 Cinema

“Uma Outra Educação” repousa inteirinho na espantosa interpretação da britânica Carey Mulligan

Counterpuncher” é Lusomundo Almada Fórum: 5ª Cinema ninguém por aqueles (ainda restam honesto nesse fascínio por 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª uns quantos) que não andam a toque 18h45, 21h40, 00h05; uma personagem que invoca uma de caixa das parangonas certa cinefilia dos anos 1970, publicitárias. Porto: Arrábida 20: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo O mistério equivale a uma tarde bem passada 2ª 14h05, 16h30, 18h55, 21h20, 24h 3ª 4ª 16h30, “À Aventura” é a terceira parte de com um grande contador de 18h55, 21h20, 24h; ZON Lusomundo Dolce Vita uma trilogia composta ainda por Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 16h, Brisseau histórias - mas não levamos para fora 21h20; esses dois títulos citados. Um trilogia dele mais do que a sensação de visita de que Brisseau fala como de uma a um vencido da vida que a ganhou É um filme simpático e cheio de boas Nestes fi lmes – “eróticos” – o “investigação” sobre o “prazer de maneiras que só o tempo se intenções, realizado com DVD feminino”, sem que se perceba prazer é exclusivamente encarrega de explicar. J. M. simplicidade e elegância pela muito bem se pretende que o dinamarquesa Lone Schertig, sobre feminino, e os homens levemos estritamente a sério ou se o Uma Outra Educação a educação sentimental de uma limitam-se a ser os discurso é defensivo. Como sabem An Education jovem adolescente dos subúrbios os mais atentos, Brisseau viu-se londrinos, deslumbrada por um seus espectadores, envolvido em problemas graves com De Lone Scherfig, eventualmente os seus com Carey Mulligan, Olivia Williams, “playboy” mais velho. Dito isto, e se a justiça por causa de “As Coisas Alfred Molina. M/12 exceptuarmos uma curiosa crítica de narradores. Mas é mais Secretas”: algumas das actrizes costumes e alguns estereótipos da complicado do que isso... ensaiadas no “casting” acusaram-no MMnnn vida na alta roda de restaurantes e de assédio sexual ou outro delito clubes glamorosos e de uma Paris Luís Miguel Oliveira semelhante (e consta que, num Lisboa: CinemaCity Campo Pequeno Praça de turística e sedutora, “Uma Outra manifestação de solidariedade, certa Touros: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª Educação” repousa inteirinho na vez que “As Coisas Secretas”, em 13h55, 15h55, 17h55, 19h55, 21h55, 00h05; Medeia As Coisas Secretas; Os Anjos Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª espantosa interpretação da britânica Exterminadores; À Aventura plena vigência do escândalo, foi 3ª 4ª 13h10, 15h15, 17h20, 19h25, 21h30; UCI Carey Mulligan (séria candidata ao De Jean-Claude Brisseau exibido num grande festival os Cinemas - El Corte Inglés: Sala 2: 5ª 6ª Sábado 2ª Óscar de melhor actriz), que muitos elementos femininos da equipa que 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h45, 00h15 Domingo Edição Antalanta 11h30, 14h10, 16h40, 19h10, 21h45, 00h15; ZON comparam à de Audrey Hepburn, trabalhou no filme subiram ao palco Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª em Férias em Roma, plena de mmmmn de mão dada com Brisseau). A sua 3ª 4ª 16h30, 19h, 21h50, 00h20 ; ZON Lusomundo frescura e de inteligência inocência ou a sua culpabilidade Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 4ª Extras 18h40, 21h50, 00h30 3ª 18h40, 00h30; ZON instintiva. M.J.T. são, para o caso, irrelevantes. E o mmmnn segundo filme da trilogia, “Os Anjos Exterminadores”, baseou-se Esta edição é a fortemente nessa experiência, única maneira de contando uma história parecida com ver em Portugal o o que de facto aconteceu a Brisseau, último filme de temperada por uma “metafísica” Jean-Claude sombria – a mesma que banha toda a Brisseau, “À trilogia – que põe as proibições e as Aventura”, que interdições em contacto com as teve exibições instâncias – tão misteriosas como esporádicas em elas – que se encarregam das sala (pelo menos em Lisboa) mas não inerentes punições. chegou à estreia comercial. É DVD-lo Brisseau fala do prazer feminino, ou não vê-lo, e antes assim. Mas é e de facto nestes filmes – a que pena até porque a estreia em sala dos podemos chamar, com alguma dois filmes precedentes de Brisseau largueza semântica, “eróticos” – o – “As Coisas Secretas” e “Os Anjos prazer é exclusivamente feminino, e Exterminadores” – favorecia a ideia os homens limitam-se a ser os seus “À Aventura”, o último de tornar o francês num cineasta a espectadores, as suas testemunhas, fi lme de Brisseau seguir, a acompanhar, se por mais eventualmente os seus narradores.

54 • Sexta-feira 26 Fevereiro 2010 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente “O Signo do Leão”, Aventuras de Reinette “A Marquesa d’O”, e Mirabelle”, “A “Perceval o Galês” Árvore, o Presidente Ediçãoç (Midas), e, e a Mediateca”M e “Os ppelaela Clap,Clap, EncontrosEnco de Paris” uumm são editadose em DVD, “p“pack”ack” nana alturaa em que a com “4 CinematecaCine organiza umauma homenagem a Eric RRohmerohm

“Os Anjos Exterminadores”: depois de César Monteiro, Brisseau é o Paraísos perdidos das ilhas o seu local de voluntário revisitado: o documentário coaduna- cineasta contemporâneo que melhor fi lma o erotismo ritual, estético exílio? Como inserir, enfim, a se melhor com a sua predisposição e sadiano As Ilhas Desconhecidas tentação do bilhete-postal ilustrado para instaurar em resquícios do real Vicente Jorge Silva com uma visão mais actuante, pequenas ficções fragmentadas. Por Midas destinada a falar do quotidiano isso, observamos o seu caminho, insular, fechado e claustrofóbico? muitas vezes de costas para a mmmnn Dito isto, muito existe de criativo câmara, entre paisagens e excessos, neste olhar complexo (embora algo guiado sabiamente pela prosa de sem extras precipitado) sobre uma realidade Raul Brandão. Ainda assim, em dois tempos, o do início do lamentamos a pressa de saltar de Raul Brandão possui século XX, poetizado e “barroco”, e ilha em ilha, passando por São uma vasta obra o do início do século XXI, que se Miguel ou a Terceira, bem mais ricas ficcional e confronta com a procura de de História e lenda, com a mesma dramatúrgica, tendo “paraísos perdidos”, no meio do atenção dispersa que dedica a publicado dois oceano, face à globalização pormenores circunstanciados da importantes livros desenfreada e à perda de raízes. Isto Graciosa ou do Corvo. de viagens, “Os torna-se tanto mais significativo, Por outro lado, a arrumação das Pescadores”Pescadores” e “A“Ass quanto sasabemosbemos ddoo ilhasilha pelos quatro episódios levanta IlhasIlhas “falhanço”“falhanço” ficcional interrogações:inte por que ligar Santa Desconhecidas”das” (1924), queque serve de do realizador,realizador, MariaMar à Madeira e a Porto Santo, no guião distantente a esta série de quando,quando, na segmentoseg final? Sem grandes Mas é mais complicado do que isto: poder gerar uma “elevação” de tipo documentáriosrios “ficcionados”“ficcionados” por longa-longa- espantosesp este constitui a possível o “erotismo” de Brisseau nunca vem religioso, de o corpo poder levar a Vicente Jorgege Silva.Silva. O resuresultadoltado é metragemmetragem chavecha para uma intervenção mais sozinho nem desarticulado, mesmo um abandono do corpo, a uma interessante,e, mas levantalevanta proproblemasblemas “Porto“Porto SSanto”anto” pessoalpes e forte, na medida em que (ou sobretudo) quando a sua espécie de consciência nova. O filme de fundo queue imimportaporta explicitarexplicitar e procurouprocurou VicenteVice Jorge Silva se autorepresenta solenidade ritualística se exacerba e abandona-o (ao psiquiatra) sem questionar: como abordar onze ilhas afrontarafrontar as suas numanum experiência de vida, se torna desarmante. (Depois de esclarecer se ele está a encontrar (os arquipélagoslagos ddosos Açores e dada memóriasmemórias míticasmíticas subjectivizandosub a visão: fotos de João César Monteiro, Brisseau é o deuses ou demónios – mas há uma Madeira) emm apenas quatro dodo passadopassado infância,infâ memórias de um ilhéu cineasta contemporâneo que melhor cena, magistralmente filmada, segmentos ddee 50 minutos históricohistórico apaixonadoapa pelo seu próprio filma o erotismo ritual, estético e magnificamente construída (em cada? Comoo cconciliaronciliar passado,pas a história da família de sadiano). Não se desliga da política suspense erótico-religioso) em que uma dupla fotógrafosfotó de que descende, nem da religião. Nem mesmo da uma mulher levita (e é inacreditável, perspectiva,a, aaquelaquela pretextopre para evocar Sissi e o último ciência. Como em “À Aventura”. genialmente inacreditável). A que se reportarta ao ImperadorImp da Áustria, sepultado Se “As Coisas Secretas” é o filme “aventura” do filme, entre Freud e texto belíssimoimo e pertoper do Funchal, na Igreja do mais enigmático da trilogia e “Os Carl Sagan, entre vidas de santos e verbalmentee Monte.Mon Anjos Exterminadores” o mais bacanais, entre os sentidos e o denso de NoN cômputo geral, e apesar dos negro, “À Aventura” é o mais intelecto, a cultura e a estética, não é Brandão, lido,do, a limiteslim de tempo e de amplitude, angustiado, o mais perplexo perante mais do que isto: a aventura do espaços, comm existemexis neste percurso bastos os mistérios do cosmos, que nem as conhecimento, condenado a ênfase e motivosmo de interesse que explicações tradicionais (a religião e queimar ou a frustrar, e a deixar as inteligência,, recomendamre uma visão atenta e a ciência) conseguem iluminar. personagens no “espaço vazio” entre por João umau atenção redobrada: as lagoas Sentados perante uma paisagem as coisas (secretas). Na fronteira Perry, e a queue desertas,d as paisagens lunares, as lindíssima algures no interior entre o mundo natural e o manto põe em cenaa o históriash de baleeiros, no francês, as personagens acabam o inacessível que o cobre, e que “protagonista”sta” segmentos dedicado à ilha do Pico, filme a falar do “espaço vazio” que Brisseau tem um talento especial da visão as praças fora do tempo em que as maioritariamente constitui o para fazer aparecer e reverberar, presente, críticarítica e figurasfig deambulam sem destino, o universo. como se o que ele quisesse filmar dialéctica, o marm infinito a rodear tudo e a E o “prazer feminino”, no meio fosse a permanência de um próprio Vicenteente fecharfec horizontes, numa viagem disto? Para um dos homens do filme, misticismo feito de elementos ao Jorge Silva, personalizadape e única, irrepetível. um jovem psiquiatra (o outro mesmo tempo muito antigos e muito conduzindoo O desejo de captar a escrita de homem do filme é um ex-professor modernos, dado como desejo entrevistas BrandãoBBr e de a aprisionar num de física), há semelhanças urgente. E, portanto, apropriadass a ilhéusilhéus outroou discurso que a torna viva e perturbantes entre as descrições dos contemporâneo, porque é deste mais ou menosnos universal.uni Faz bem à alma tomar êxtases místicos das religiosas mundo que ele está a falar. proeminentestes (destaque(destaque umaum viagem pela outra, deixar-se medievais e os êxtases orgásticos Edição sem extras referentes a “À para a lúcidada e “poética” conduzircon por improvisos e vozes produzidos pelo sexo. Propõe-se Aventura”. No DVD de “Os Anjos intervençãoo ddee GaGabrielabriela vulcânicasvulc e essenciais. No final, este conduzir – melhor será dizer, Exterminadores” incluem-se os Canavilhas, quanto aos “convite“co à viagem” constitui um fim orquestrar – experiências que bónus já conhecido da edição avulsa resultados do emem si, um escape ficcional explorem a hipótese, não de as (uma entrevista com Brisseau e uma isolamento)) ou a subterrâneo,sub por detrás da santas de antanho serem umas cena “alternativa” com comentários expatriadoss de várias Vicente Jorge Silva autorepresenta-se aparênciaapa documental. Mário Jorge devassas, mas de o prazer intenso do realizador). origens quee fizeramfizeram numa experiência de vida TorresTor 11–21 Mar festival de animação de LISBOA animated film festival Cinema São Jorge Cinema City Classic Alvalade Museu da Marioneta Museu Nacional de Etnologia Teatro Meridional Fundação Calouste Gulbenkian Escola Secundária D. Dinis FNAC A MONSTRA...À SOLTA EM LISBOA! A

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