DOI: http://dx.doi.org/10.31657 Artigo

Globo Play: um estudo sobre a plataforma de Video on Demand da Rede Globo Globo Play: a study on the Video on Demand platform of Rede Globo Globo Play: un estudio sobre la plataforma de Video on Demand de la Rede Globo Cleide Luciane Antoniutti Universidade Federal do Cariri (UFCA)

Resumo Abstract Resumen O surgimento da internet marcou The emergence of the internet El surgimiento de Internet marcó profundamente a história da huma- profoundly marked the history of profundamente la historia de la hu- nidade e transformou a forma de se mankind and transformed the way manidad y transformó la forma de comunicar. Os chamados meios tra- of communicating. The so-called comunicarse. Los llamados medios tra- dicionais de comunicação de massa traditional means of mass commu- dicionales de comunicación de masas precisam se reinventar continua- nication need to continually reinvent necesitan reinventar continuamente mente e ampliar seus horizontes de itself and broaden its horizons of ac- y ampliar sus horizontes de actuación atuação em face das novas mídias e tion in the face of the new media and frente a los nuevos medios y deman- demandas atuais do público. O ob- current demands of the public. The das actuales del público. El objetivo jetivo deste trabalho é apresentar e objective of this work is to present de este trabajo es presentar y analizar analisar o Globo Play, plataforma de and analyze the Globo Play, a Video el Globo Play, plataforma de Video on Video on Demand – VoD que redese- on Demand (VoD) platform that re- Demand - VoD que rediseña la produc- nha a produção, transmissão e consu- designs the production, transmission ción, transmisión y consumo de conte- mo de conteúdo da maior emissora and consumption of content from nido de la mayor emisora de televisión de televisão do Brasil, a Rede Globo. ’s largest television network de Brasil, la Rede Globo. La importancia A importância das ações estratégicas Rede Globo. The importance of the de las acciones estratégicas del Grupo do e a atualidade do strategic actions of the Globo Group Globo y la actualidad del asunto explo- assunto explorado justificam a rea- and the relevance of the subject ex- tado justifican la realización de este es- lização deste estudo. Neste trabalho plored justify the accomplishment of tudio. En este trabajo se abordan temas são abordados temas como conver- this study. In this work, we discuss to- como convergencia mediática, nuevas gência midiática, novas tecnologias pics such as media convergence, new tecnologías en comunicación, mercado em comunicação, mercado audiovi- communication technologies, audio- audiovisual, impactos del servicio de sual, impactos do serviço de VoD no visual market, and the impact of the VoD en el ámbito del periodismo. Se âmbito do jornalismo. Realizou-se VoD service in journalism. Qualitati- realizó investigación exploratoria cuali- pesquisa exploratória qualitativa, ve exploratory research was carried tativa, con levantamiento bibliográfico, com levantamento bibliográfico, co- out, with a bibliographical survey, recolección de datos y entrevistas. El leta de dados e entrevistas. O traba- data collection and interviews. The trabajo caracterizó al Globo Play como lho caracterizou o Globo Play como work characterized Globo Play as a herramienta de comunicación y trazó ferramenta de comunicação e traçou communication tool and outlined perspectivas para el actual escenario, perspectivas para o atual cenário, em perspectives for the current scenario, en que los medios convencionales

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que os meios convencionais buscam in which conventional media seek buscan formas de hacerse atractivos y formas de se fazer atrativos e manter ways to become attractive and keep mantener la audiencia ante los nuevos a audiência diante dos novos supor- the audience in front of the new me- soportes y las posibilidades que se pre- tes e das possibilidades que se apre- dia and the possibilities that present sentan, atendiendo a las necesidades sentam, atendendo as necessidades themselves, attending to the needs de un mercado cada vez más orientado de um mercado cada vez mais volta- of a market increasingly focused on hacia las múltiples pantallas. do para as múltiplas telas. the multiple screens. Palabras clave: Periodismo. Audiovi- Palavras-chave: Jornalismo. Audiovi- Keywords: Journalism. Audiovisual. sual internet Globo Play. sual. Internet. Globo Play. Internet. Globo Play.

Os largos e ágeis passos da humanidade da internet, ganhou força nos últimos anos, nas últimas décadas, como nunca antes se consolidou-se e conduz a novas perspecti- pudera verificar, partem, em análise geral, vas nos âmbitos de produção, distribuição de um mesmo agente motor: as invenções e e consumo de conteúdo audiovisual. os avanços tecnológicos da denominada Era Diante disso, a televisão – acostumada da Informação vivenciadas a partir do sé- a ser o centro das atenções – precisa se re- culo XX. Nesse período de intensas trans- descobrir como meio e ampliar os horizon- formações, o processo comunicacional ad- tes de atuação. O Globo Play, cerne deste quire constantemente novas formas, novos trabalho, constitui uma das respostas da significados e possibilidades, recriando-se TV a esse novo cenário. O Globo Play é cotidianamente. No prisma da comunica- a plataforma digital de Video on Demand ção de massa, os ditos meios tradicionais lançada pela Rede Globo, em novembro de (rádio, televisão e mídia impressa) vêm rea- 2015, com a proposta de oferecer ao públi- valiando seus papéis e se reconfigurando a co uma nova forma de se relacionar com os todo instante. Isso tem ocorrido desde o ad- conteúdos produzidos pela emissora, uma vento da internet e o surgimento de novas experiência de consumo dinâmica e diver- possibilidades midiáticas. sificada, diferente de todos os apresentados O objeto central deste estudo integra anteriormente e que traz serviços inéditos à uma tecnologia que nasceu com a internet, atuação da Globo no meio digital. mas que somente há cerca de 10 anos tem O trabalho1 busca entender de que for- deixado de ser um recurso de menor sig- ma a emissora de televisão Rede Globo nificância e tecnicamente muito limitado e pretende estender seus serviços para outras passou a ganhar protagonismo e status de telas. Da mesma forma, como o televisor tendência mundial do meio audiovisual: o convencional deixa de ser única opção e, Video on Demand (VoD) – vídeo sob de- por meio do VoD, o conteúdo invade com- manda, em tradução livre. O recurso de putadores, tablets, smartphones, além das transmissão on-line de vídeos, que no iní- smart TVs. Como, então, estabelecer co- cio era coadjuvante e exíguo, haja vista o nexão entre a programação tradicional e suporte tecnológico das primeiras décadas os novos suportes? Quais são os caminhos

1 O presente trabalho contou com a colaboração Filipe Luiz Raimundo Fernandes, jornalista e especialistas em Mídias Sociais.

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para que ambos colaborem ao mesmo tem- néticas – o rádio em 1920 e a televisão po que buscam atingir resultados próprios? em 1939. A terceira transformação na O que funciona e o que não é bem aceito mídia de massa – que estamos pre- pelo público? Estas são apenas algumas das senciando agora – envolve uma tran- perguntas que norteiam este estudo. sição para a produção, armazenagem O objetivo geral deste trabalho é apre- e distribuição da informação e entre- sentar e analisar o produto Globo Play tenimento estruturada em computa- em suas características, funcionalidades, dores. Ela nos leva para o mundo dos em que contexto foi criado, como traba- computadores multimídia, compact lha o conteúdo, em que dispositivos pode discs, banco de dados portáteis, redes ser acessado/baixado, bem como alguns nacionais de fibras óticas, mensagens resultados alcançados até o momento. enviadas por fax de última geração, Para alcançar esses objetivos, o trabalho páginas de web e outros serviços que valeu-se de uma metodologia de caráter não existiam há 20 anos. (DIZARD exploratório, sob abordagem qualitativa, JR., 2000, p. 23). que envolveu levantamento bibliográfi- co, coleta de dados, entrevistas e obser- Ao longo da história da comunicação vação de campo. humana, cada processo evolutivo vivido redesenhou os modelos anteriores e per- cepções tidas à época e criou ambientes Comunicação de massa na era da de múltiplas possibilidades. É como se, informação a cada passo desse processo, um novo ser Wilson Dizard Jr. (2000), membro do humano surgisse, em novas formas de se Center for Strategic and International Stu- relacionar com o outro e com o mundo. dies (CSIS), em Washington, e professor da Podem-se citar importantes momentos Georgetown University, dividiu a história de transição, como a invenção da fala, da da comunicação de massa moderna em três escrita, da prensa de Gutemberg, do tele- importantes marcos: fone, do rádio, da televisão etc. Após milhares de anos de descobertas As atuais mudanças são a terceira e aprimoramentos de suas ferramentas de grande transformação nas tecnologias comunicação, até então limitada à troca de da mídia de massa nos tempos moder- informações em pequena escala, o surgi- nos. A primeira aconteceu no século mento da comunicação de massa moderna XIX, com a introdução das impresso- foi um marco importante e revolucionário ras a vapor e do papel de jornal barato. da vida humana. Primeiro, escrita; depois, O resultado foi a primeira mídia de áudio e vídeo: a mensagem proveniente de massa verdadeira – os jornais ‘bara- um único emissor passa a ser capaz de im- tos’ e as editoras de livros e revistas pactar centenas, milhares, milhões de pes- em grandes escalas. A segunda trans- soas em curto período de tempo. A esta al- formação ocorreu com a introdução tura, o homem jamais havia experimentado da transmissão por ondas eletromag- tamanho poder de alcance e, provavelmen-

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te, haja pensado que isso seria o máximo satisfatoriamente a necessidade interativa, possível de ser atingido em se tratando de que compreende iguais possibilidades, fa- comunicação, com publicações impressas, cilidade, rapidez e dinamismo. rádio e televisão. Diante do cenário de comunicação uni- A comunicação, contudo, é lançada a lateral, a internet moderna surge, em mea- uma estratosfera de infinitas possibilida- dos de 1980, como solução à inexistência des e novos horizontes com o surgimento de uma via de dois sentidos entre meios da internet. Tudo o que havia até então de de comunicação e público, ademais da sua conceito e prática de comunicar passa a ser extensa gama de recursos de informação e repensado, discutido, desconstruído e refor- serviços. A rede global de computadores mulado a partir das ferramentas de informa- rompe com a unilateralidade comunica- ção e serviços advindos da rede mundial de cional e predomínio dos veículos de massa, computadores. Tamanhas transformações oferecendo interatividade, mais protago- levam o meio a inaugurar o mais recente pe- nismo e mais controle ao usuário. Crava-se ríodo da história humana, a chamada Era da aqui um ponto importante deste trabalho: Informação – um novo mundo a partir uma a aspiração dos indivíduos a serem agentes nova experiência de comunicação. ativos no processo de comunicação, e não Com a internet, o poder da comunica- meros destinatários inertes. ção de massa deixa de ser o limite máximo Dizard (2000) sintetiza com clareza a alcançado, percebendo-se que, apesar do distinção entre a comunicação de massa an- amplo alcance, o modelo tradicional de um tes e depois da internet no que concerne à para todos apresenta limitações e deficiên- capacidade interativa. cias no que tange a um processo comuni- cacional pleno. Algumas dessas carências A mídia velha divide o mundo en- são sanadas pela web e constituem seus ele- tre produtores e consumidores: nós mentos fundamentais: interatividade, con- somos autores ou leitores, emissores vergência midiática e controle do usuário. ou telespectadores, animadores ou Comunicar não envolve apenas emissão audiência; como se diz tecnicamente, e recepção de conteúdo. O ciclo comuni- essa é a comunicação um-todos. A cacional sugere que nenhuma audiência é nova mídia, pelo contrário, dá a todos completamente passiva, sempre reage às a oportunidade de falar assim como mensagens a que foi exposta. Nota-se aqui de escutar. Muitos falam com muitos uma das grandes lacunas da comunicação – e muitos respondem de volta. (DI- de massa antes da internet: a ausência de ZARD JR., 2000, p. 23). interatividade. Apesar de dispor de canais de feedback, como índices de consumo e au- Lev Manovich (2001) também destaca: diência, correspondências postais, telefo- nemas e pesquisas, o modelo de alcance de A nova mídia é interativa. Ao con- massas constituía um esquema de relações trário da mídia tradicional onde a assimétricas, sem paridade de condições ordem de apresentação era fixa, o entre emissor e receptor, incapaz de sanar usuário pode agora interagir com o

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objeto da mídia. No processo de inte- acesso aberto e de preço acessível – ração, o usuário pode escolher quais muda de forma fundamental o caráter elementos mostrar ou quais cami- da comunicação. [...] O surgimento de nhos seguir, gerando então um único um novo sistema eletrônico de comu- trabalho. O usuário se torna, então, nicação caracterizado pelo seu alcance coautor do trabalho. (MANOVICH, global, integração de todos os meios 2001, p. 66). de comunicação e interatividade po- tencial está mudando e mudará para A rede global de computadores sobre- sempre nossa cultura. (CASTELLS, põe a busca por amplitude de alcance e 2007, p. 414). poder de massificação. Mais que conseguir chegar a todos, visa integrar cada usuário Outro elemento importante a se desta- desse todo na cadeia comunicacional, onde car na Era da Informação é a convergên- público e meio se retroalimentam. De con- cia de mídias. “Bem-vindo à cultura da trole sobre o que ter acesso ao direito de convergência, onde velhas e novas mídias resposta, da interação com os conteúdos colidem [...]” (JENKINS, 2009, p. 343). oferecidos à possibilidade de criar novos Com esta saudação, Henry Jenkins, um conteúdos: a web constitui um ambiente de dos pesquisadores da mídia mais influen- comunicação democrático, igualitário, po- tes da atualidade, encerra seu livro Cultura tencial, livre. da convergência – Onde velhas e novas mí- Para Castells (2007), os computadores dias colidem. conectados à internet são “[...] uma nova Por convergência entende-se o fluxo de mídia, com audiência segmentada que, conteúdos através de múltiplas plataformas embora maciça em termo de números, já de mídia, à cooperação entre múltiplas in- não é mais de massa em termos de simul- dústrias midiáticas e o comportamento mi- taneidade e uniformidade das mensagens gratório dos públicos dos meios de comu- recebidas e trocadas [...]” (CASTELLS, nicação, que vão quase a qualquer parte em 2007, p. 420). Segundo o autor, o caráter busca das experiências de entretenimento interativo da internet é um dos traços mais que desejam (JENKINS, 2006). fortes que a tornam o meio de comunica- Tanto em conceito como em prática, ção com maior e mais veloz índice de pe- atualmente, é clara e fácil a verificação netração da história. Castells aponta o sur- deste que é um dos traços mais marcan- gimento de uma nova cultura advinda da tes da comunicação contemporânea, pos- Era da Informação, que define como “cul- sibilitado pela internet. A novela favorita tura da virtualidade real” (2007, p. 415). pode ser vista no celular, em pleno trânsi- to, enquanto se desloca do trabalho para a A integração potencial do texto, ima- casa. As grandes e de difícil manuseio pá- gens e sons num mesmo sistema – in- ginas de um jornal impresso encolheram e teragindo a partir de pontos múltiplos, cabem nas compactas e finas telas de um no tempo escolhido (real ou atrasado) tablet. As TVs conectadas têm tantos apli- em uma rede global em condições de cativos e funções que muitas vezes o que

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menos se faz é, de fato, assistir a progra- O trecho acima resume bem o que vive- mas de televisão. Tudo é tão tangível, ro- mos atualmente no prisma da comunicação, tineiro, intrínseco no nosso cotidiano que mas essa não era uma realidade substancial fica difícil imaginar um mundo sem toda em 1983. Pool, portanto, foi extremamente essa transição midiática. Mas, e não muito visionário em suas incursões sobre os ru- distante, há 30 anos? Alguém poderia su- mos do processo evolutivo comunicacional. por tudo isso? A ideia de Pool de um só meio físico capaz Três décadas atrás, não existia ne- de comportar o que antes era oferecido se- nhuma configuração do que se tem hoje paradamente é uma definição perfeitamen- em termos do fenômeno convergente dos te aplicável a mídias atuais conectadas à meios de comunicação. No entanto, assim web (computadores, tablets, smartphones, como McLuhan está para a revolução di- smart TVs). Da mesma forma, o pensa- gital, está Ithiel de Sola Pool para a con- mento de um serviço que antes era específi- vergência midiática. O cientista político co de um meio e passa a ser encontrado em com ampla contribuição no campo tec- diversas formas físicas sintetiza a realidade nológico e das mídias é proclamado por atual de transição de conteúdo pelas dife- Jenkins (2006, p. 38) como um profeta da rentes plataformas. área, tendo sido provavelmente o primei- As transformações, os intercâmbios e ro “a delinear o conceito de convergência as confluências das mídias não resultam como um poder de transformação dentro de rupturas rápidas e com datações pre- das indústrias midiáticas”. cisas. Trata-se de um processo de sub- sequentes transições, um longo período Um processo chamado “convergência de pequenos e grandes passos, durante de modos” está tornando imprecisas o qual diversos meios inevitavelmente as fronteiras entre os meios de comu- competem e colaboram entre si. Isso foi nicação, mesmo entre as comunicações previsto por Pool. ponto a ponto, tais como o correio, o te- lefone e o telégrafo, e as comunicações Convergência não significa perfeita es- de massa, como a imprensa, o rádio e a tabilidade ou unidade. Ela opera como televisão. Um único meio físico – sejam uma força constante pela unificação, fios, cabos ou ondas – pode transportar mas sempre em dinâmica tensão com serviços que no passado eram ofereci- a transformação... Não existe uma lei dos separadamente. De modo inverso, imutável da convergência crescente; um serviço que no passado era ofereci- o processo de transformação é mais do por um único meio – seja a radiodi- complicado do que isso. (POOL, fusão, a imprensa ou a telefonia – ago- 1983, p. 53-54). ra pode ser oferecido de várias formas físicas diferentes. Assim, a relação um Reiterando a previsão, Jenkins (2006, a um que existia entre um meio de co- p. 39) afirma que “estamos numa era de municação e seu uso está se corroendo. transição midiática, marcada por deci- (POOL, 1983, p. 23). sões táticas e consequências inesperadas,

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sinais confusos e interesses conflitantes Globo Play e, acima de tudo, direções imprecisas e “TV, hoje, é conteúdo, não meio.” A frase resultados imprevisíveis”. Tudo muda o é do diretor de Tecnologia em Mídias Di- tempo todo. Embora vago e clichê, o afo- gitais da Rede Globo, Marcelo Souza,2 que rismo é a mais pura realidade da comuni- sempre a utiliza para introduzir suas pales- cação em tempos de intensa convergência tras e entrevistas quando se refere ao Glo- midiática – fusões e separações, agrega- bo Play. E o aforismo não é uma expressão ções e substituições, enfraquecimentos e pessoal do diretor, mas síntese da visão e do predomínio de meios. Deparamos, cons- posicionamento multimídia da emissora, tantemente, com novas ferramentas, no- que amplia os horizontes de atuação a no- vas plataformas, novos arranjos, novos vos dispositivos como nunca antes em sua cenários. O caráter tão instável e dinâmi- história. O que há atualmente na empresa, co faz da cultura da convergência a cultu- e que é claramente visto no Globo Play, é a ra das incertezas, da imprevisibilidade e concepção de que televisão não se limita ao das infinitas possibilidades. aparelho em si, mas constitui conteúdo que Uma questão que comumente vem à pode transitar por diferentes meios, adap- tona é o desaparecimento de determinados tando-se a novos formatos ao mesmo tempo meios em virtude do surgimento de no- que mantém características próprias. vos. Em 1996, o escritor de ficção cientí- A Rede Globo de televisão foi, e conti- fica Bruce Sterling lançou o Projeto Mídia nua sendo, a maior emissora do Brasil, tor- Morta, tratando sobre o que definia como nando-se a maior produtora de conteúdo e, “a mídia que morreu no arame farpado consequentemente, líder de audiência entre da transformação tecnológica”. Segundo as emissoras de canal aberto. O surgimento ele, “a mídia centralizada, dinossáurica, dos vídeos sob demanda em ambientes on- de um-para-muitos, que rugia e esmagava -line e a criação de uma plataforma digital tudo em que pisava durante o século 20, da emissora refletem uma série de questões está muito pouco adaptada ao ambiente que dizem respeito à produção, à distribui- tecnológico pós-moderno” e, assim sen- ção e ao consumo do audiovisual no cenário do, esses “dinossauros” iriam desaparecer contemporâneo. completamente. A plataforma digital da Globo, Globo Por outro lado, o mercado midiático dá Play, é um serviço de vídeo sob demanda a sua resposta, atendendo a demanda de com base no streaming,3 que assim como o um consumidor de informação cada vez YouTube e o Netflix veio mudar radical- mais convergente e submerso em conteú- mente o cenário broadcast de produção e dos digitais. Exemplo prático, é a platafor- distribuição de conteúdo audiovisual. E, ma Globo Play, que passamos a explorar assim, o processo de construção do espec- neste artigo. tador, que se iniciou no pré-cinema, pas-

2 Em entrevista concedida para o desenvolvimento da pesquisa. 3 Streaming é uma forma de distribuição de dados, geralmente de multimídia, em pacotes, por meio da internet, sem que haja download do conteúdo. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Streaming. Acesso em: 20 nov. 2016

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sou pelo cinema, pela televisão, pelo VHS de acesso e interatividade entre o expecta- e pelo DVD, chega hoje a uma experiência dor e o conteúdo e/ou entre os usuários por espaçotemporal nova. meio de redes sociais. O Globo Play foi lançado em novembro Não é a primeira vez que a Rede Globo de 2015. Por meio do produto, é possível disponibiliza seus programas no meio digi- assistir às produções veiculadas na grade tal. Desde o nascimento do site globo.com, linear da emissora, transmissão ao vivo em no ano 2000, a hospedagem virtual de ví- algumas cidades do Brasil e, ainda, con- deos da programação tradicional é feita pela teúdos elaborados exclusivamente para os emissora. O que há, portanto, de tão inédi- usuários. Além disso, há ampla mobilidade to no Globo Play que mereça ser estudado?

Quadro 1 – Rede Globo nas plataformas: linha do tempo 2000 Portal Globo.com 2006 Produtos ficcionais ganham página própria Portal hospeda conteúdo jornalístico das Organizações Globo 2007 Cargo de produtor de conteúdo transmídia 2008 DGE (Diretoria Geral de Entretenimento) – implantação de ações transmídia 2014 Site GShow – hospeda o conteúdo ficcional das Organizações Globo 2015 Globo Play – serviço de streaming de vídeo sob demanda Fonte: Jornalismo transmídia: a notícia na cultura participativa. Disponível em: http://www.fnpj.org.br/rebej/ojs/index.php/rebej/article/ view-file/433/255

Ao colocar no ar o site globo.com, em primeiros anos do século XXI, não era pos- março de 2000, o Grupo Globo dava um sível ainda transportar para a rede conteú- importante passo na expansão de seu já im- dos muito extensos e pesados, tampouco ponente conglomerado de mídia, que man- o público podia assisti-los com os compu- tinha no leque de produtos radiodifusão, tadores e qualidade de sinal tidos à época. televisão, mídia impressa, editora, cinema Mas já existia a preocupação de oferecer e indústria fonográfica. A página que mar- aos telespectadores a oportunidade de ver cou a entrada da organização na internet via internet a alguns materiais seleciona- nasceu sobre quatro pilares, que se mantêm dos da programação tradicional. Naquele até hoje: notícias, esportes, entretenimento momento e durante alguns anos seguintes, e vídeos. Neste último, alguns conteúdos contudo, a ferramenta era apenas uma das produzidos pela Rede Globo já podiam ser opções do site, um coadjuvante, que não encontrados desde o nascimento do portal. possuía status próprio. Foi a primeira vez que a maior emissora de A percepção de que era necessário televisão do Brasil disponibilizou na web emancipar a simples aba do portal para trechos de seus programas, novelas, jor- uma plataforma própria só se concretizou nais etc. Com a tecnologia disponível nos em 2012, com a criação do Globo.TV e

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posterior Globo.TV+, serviços web de mi- os programas estavam disponíveis aos pa- gração do conteúdo da TV. Nesse momen- gantes para serem assistidos como e quan- to, a postura multimídia da emissora come- do eles quisessem. O portal oferecia ainda çava a efetivamente adquirir forma e se tor- um acervo de grandes sucessos da história navam mais nítidos os caminhos do futuro da emissora. cada vez mais convergente com a internet. Quando lançados, Globo.TV e Globo. “O aplicativo (Globo.TV) é um desen- TV+ foram apelidados por muitos de Net- volvimento natural dos produtos de inter- flix da Globo, em virtude da série dese- net da Globo, que quer que a experiência melhanças existentes entre eles. A Netflix4 de consumir a sua programação seja cada tinha desembarcado cerca de um ano antes vez mais plural”, afirmou Luiz Cláudio no Brasil e, embora recente a experiência Latge, então diretor-executivo de Jornalis- do público com o serviço de streaming, a mo e representante do Comitê de Internet empresa canadense era a novidade do mo- da TV Globo, em entrevista ao jornal Folha mento e fascinava pela facilidade de acesso, de S. Paulo, em 26 de setembro de 2012. por um amplo catálogo e preço baixo. Nes- Apesar da conquista de uma plataforma se período, diversos serviços do segmento própria, o aplicativo gratuito Globo.TV ain- começaram a ganhar força no país, como da se limitava à oferta de trechos de progra- Net Now, Netmovies, Muu, Telecine Play, mas da Rede Globo e de canais Globosat HBO GO, iTunes etc. e podia ser acessado pelo computador ou Em menos de dois anos de existência, o baixado em smartphones com os sistemas sucesso alcançado pelo Globo.TV, em suas operacionais IOS ou Android. Mesmo com versões grátis e paga, mostrava à emissora poucas inovações, o serviço foi amplamente que o futuro do mercado audiovisual esta- acessado e figurou por meses na lista dos 10 va na oferta de conteúdo sob demanda em aplicativos com maior número de down- múltiplas plataformas. Além do resulta- loads na loja virtual da Apple Brasil. do satisfatório do produto, todas as setas Percebendo que a novidade conquistou apontavam que o serviço de VoD havia se o público dada a alta demanda do Globo. tornado a grande tendência mundial na es- TV, a emissora decidiu criar, em setembro fera da comunicação de áudio e vídeo. de 2012, sua versão premium, batizada de Assim, em 2014, ao lançar o portal de en- Globo.TV+. Além do que já era oferecido, tretenimento GShow, disponível para com- a assinatura mensal de R$ 12,90 dava aces- putador e aplicativo para dispositivos mó- so a algo inédito: conteúdos na íntegra. Foi veis, a Rede Globo continuou investindo na a primeira vez que programas completos da oferta de material por demanda. O GShow Rede Globo foram disponibilizados fora oferece conteúdos complementares como da grade fixa da televisão convencional. teasers, entrevistas de bastidores e episódios Algumas horas depois da exibição na TV, de séries, além de conteúdos exclusivos deri-

4 Netflix é uma provedora global de filmes e séries de televisão viastreaming , atualmente com mais de 80 milhões de assinantes. Fundada em 1997 nos EUA, a empresa surgiu como um serviço de entrega de DVDs pelo correio. A expansão do streaming, disponível nos Estados Unidos a partir de 2007, começou pelo Canadá em 2010. Hoje, mais de 190 países têm acesso à plataforma. Disponível em: http://www.compos.org. br/biblioteca/compos2016videosobdemanda_3397.pdf> Acesso em: 10 maio 2017. .

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vados de programas da emissora. Mas, é im- a Tecnologia e a Infraestrutura da Globo. portante dizer, os vídeos são apenas parte do com. “Investimos permanentemente em site e não o produto-fim; outra questão é que tecnologia, o que nos torna pioneiros no o portal se destina unicamente às produções desenvolvimento de soluções para o nos- do setor de entretenimento, não contem- so negócio e garante a alta qualidade das plando a totalidade de programação. nossas produções e distribuições”, afirma Com o êxito tido nas recentes investidas Raymundo Barros,5 diretor de Tecnologia no mundo digital, a empresa não tinha dú- da Rede Globo. A plataforma levou apro- vidas de que a realidade que se configurava ximadamente dois anos para ser desenvol- era de um público cada vez menos receptivo vida. Nesse período de construção, emis- aos formatos tradicionais e desejoso de ser soras concorrentes como Record, SBT, agente ativo na cadeia comunicacional, com Bandeirantes e Rede TV investiam pesado autonomia para determinar o que, quando e na atuação digital e na oferta de conteúdo como consumir e de que forma se comportar sob demanda. Até a própria Globosat, dis- com o conteúdo. Diante do cenário, a Globo tribuidora de canais por assinatura perten- percebeu que deveria dar ainda mais atenção cente ao Grupo Globo, colocou no ar a pla- à oferta de conteúdo de áudio e vídeo na in- taforma de Video on Demand e transmissão ternet, aprimorando os serviços que deram ao vivo Globosat Play mais de um ano an- certo nas incursões anteriores e incorporan- tes, em 2014. Apesar de ter o Globo.TV+ a do novas possibilidades. essa altura, a Rede Globo era cobrada pela Dessa percepção de mercado é que demora em oferecer um software mais ela- surgiu o Globo Play, uma plataforma cui- borado, com novos recursos de consumo dadosamente estruturada para oferecer ao em outras telas. Sobre a cobrança, Erick público uma experiência, efetivamente, Brêtas diz que houve um cuidado muito multimídia dos programas da emissora. grande da empresa em lançar um produto Erick Brêtas, diretor de Mídias Digitais da que de fato satisfizesse sua proposta mul- Globo e responsável direto pela criação do timídia, mesmo que demorasse um pouco Globo Play, conta que recebeu a missão de mais a chegar no mercado. desenvolver o aplicativo logo que deixou O Globo Play iniciou suas atividades a diretoria executiva da Central Globo de no dia 3 de novembro de 2015 – portanto, é Jornalismo e assumiu a de Mídias, em julho muito recente, aproximadamente três anos de 2013. Para o novo produto, dado como o de existência. Os dois primeiros anos fo- carro-chefe de sua gestão, Brêtas diz ter se ram uma fase de experimentações, na qual alimentado de todo o know-how dos 12 anos a equipe responsável estava testando as fer- de atuação on-line da empresa ao mesmo ramentas, analisando o que dava certo e o tempo que buscou inovações que o diferen- que não servia, e, de acordo com a demanda ciassem de tudo o que havia se experimen- do público por novidades ou rejeição a algo, tado antes. O Globo Play foi criado pela o software sofria atualizações, agregando ou área de Mídias Digitais, em parceria com eliminando serviços.

5 Disponível em: https://acessoglobal.pub.tvglobo.com.br/conexao/Lists/Intranet%20%20Notcias/DispForm.aspx?ID=1699. Acesso em: 5 nov. 2016.

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Cabe um parêntese para refletir que de VoD frente à televisão tradicional. De todas essas incertezas e mudanças não fato, um novo comportamento de público são apenas consequências óbvias do lan- demanda novos formatos em comunica- çamento de um produto, mas refletem o ção, mas é necessário conduzir o processo momento de imprevisibilidade sobre os de transformações com todo o cuidado, rumos da comunicação em geral. O futu- não excluindo, contudo, assumir riscos. ro dos meios tradicionais diante das novas Em se tratando de convergência midiáti- tecnologias é impreciso. A televisão, como ca, deve-se atentar para que um meio não conteúdo audiovisual e não apenas meio, anule o outro, que a novidade não leve à sabe que precisa se reinventar e está bus- extinção o serviço usual. O sucesso da cando essa renovação, só não sabe ainda o atuação multimídia está no fluxo fluente que vai e o que não vai funcionar, a curto e de conteúdo e, simultaneamente, de pú- a longo prazo. Este é justamente o cenário blico pelos diferentes meios. A intenção descrito por Henry Jenkins sobre a con- não é, por exemplo, que o expectador mi- vergência: gre da TV para a internet ou vice-versa, em um cabo de guerra midiático compe- À medida que passam por essas tindo por audiência própria. O objetivo é transformações, as empresas de mídia que haja múltiplas formas de consumo do não estão se comportando de forma conteúdo, opções para acessá-lo como e monolítica; com frequência, setores quando quiser. diferentes da mesma empresa estão O conteúdo sob demanda pode ser procurando estratégias radicalmen- consumido em diversos dispositivos como te diferentes, refletindo a incerteza a smartphones, tablets, smartTVs que, quan- respeito de como proceder. Por um do conectados à internet, permitem uma lado, a convergência representa uma prática migratória entre eles. É possível, por oportunidade de expansão aos con- exemplo, começar a assistir a determinado glomerados das mídias, já que o con- capítulo de uma novela em um dos dispo- teúdo bem-sucedido num setor pode sitivos e passar para outro, em um tempo e se espalhar por outras plataformas. espaço também diferente, e continuar vendo Por outro lado, a convergência repre- o conteúdo do mesmo ponto em que parou. senta um risco, já que a maioria des- Com isso, surgiu um espectador que transita sas empresas teme uma fragmentação entre telas de diferentes tamanhos, chamado ou uma erosão em seus mercados. multitelas, que experimenta o audiovisual Cada vez que deslocam um espec- com duas e até três telas simultâneas, como tador, digamos, da televisão para a explicitado pelos autores: Internet, há o risco de ele não voltar mais. (JENKINS, 2006, p. 47). Por muito tempo a tela de cinema foi a única e a incomparável; agora ela se É pertinente citar a análise proposta funde numa galáxia cujas dimensões por Jenkins ao tratar do Globo Play ou, são infinitas: chegamos à época da tela de modo mais abrangente, do mercado global. Tela em todo lugar e a todo

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momento, nas lojas e nos aeroportos, (CAPOANO, 2016, p. 8). Outra caracte- nos restaurantes e bares, no metrô, rística do Globo Play é a manutenção das nos carros e nos aviões; tela de todas características da marca TV Globo para a as dimensões, tela plana, tela cheia e plataforma, entre elas, a qualidade técni- minitela portátil; tela sobre nós, tela ca e estética dos produtos audiovisuais e a que carregamos conosco; tela para ver gratuidade do consumo de quase todos os e fazer tudo. Tela de vídeo, tela em mi- vídeos, assim como na TV aberta. Assim, niatura, tela gráfica, tela nômade, tela o Grupo Globo adota a estratégia de atrair tátil: o século que começa é o da tela o telespectador brasileiro por meio do con- onipresente e multiforme, planetária teúdo grátis, organizado e tecnicamente e multimidiática. (LIPOVETSKY; atraente, criando disposição para que o SERROY, 2009, p. 12). consumidor se mantenha na plataforma oficial da TV. A mobilidade de plataforma nativa no Além disso, a simplicidade e robustez contexto das múltiplas telas permite ao es- do aplicativo mobile do pode pectador conectado um consumo do audio- atrair utilizadores, no lugar de outras pla- visual em “movimento”, adequando-se à taformas como o YouTube ou sites ilegais, sua agenda individual. A noção de uma ex- fazendo que os espectadores assistam a periência individualizada, a partir de Tryon sua programação em um canal oficial. A (2013), desse modo, se contrapõe à prática plataforma oferece, ainda, conteúdos ex- de consumo coletivo realizada nas salas de clusivos aos assinantes, como exibição 24h cinema, em que todos se dirigem a mesma do reality show Big Brother Brasil, a dispo- tela e consomem o mesmo conteúdo. nibilização antecipada de episódios de mi- nisséries e de capítulos-piloto ou capítulos zero que não serão exibidos na TV aberta. Funcionalidade e consumo da Tais fatores parecem gerar valores indivi- plataforma duais e sociais, como a satisfação de con- Por meio da plataforma, “se o especta- sumir um conteúdo especial e a segurança dor chegou em casa depois da novela prefe- de que a plataforma tem o compromisso rida ou perdeu o telejornal, pode assisti-lo de oferecer novidades que justifiquem o sem restrições” (CAPOANO, 2016, p. 8). valor de uma assinatura. Além disso, a plataforma oferece streaming Foi divulgado em 2016 que a platafor- irrestrito de toda a programação ao vivo da ma quadruplicou o número de usuários TV Globo, simultaneamente (simulcast). O conectados à Rede Globo (Figura 1). Em valor pago pela assinatura mensal do aces- quatro meses de existência, “as estratégias so a um conteúdo que é gratuito quando de receita Freemium (R$ 14,20 por mês exibido no fluxo televisivo da TV aberta é para assinantes) e propagandas em pre-roll justificado, desse modo, pela facilidade de já sustentavam financeiramente a operação, assistir a qualquer conteúdo da TV Globo com uma equipe exclusiva de 30 pessoas e a qualquer hora ou lugar, o que Capoano cerca de 50 envolvidas no projeto, na épo- (2016) chama de “valor de comodidade” ca” (CAPOANO, 2016, p. 4). Além de

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garantir maior conveniência para o público passou a oferecer conteúdos para público conectado, a plataforma ampliou a oferta e infantil como desenhos animados e resga- possibilitou novas experiências na gestão tou programas humorísticos clássicos como de conteúdos da emissora. por exemplo Os trapalhões e a Escolinha do Professor Raimundo. Num universo de 120 milhões de pes- soas conectadas hoje à internet, pesquisas do ComScore em 2018 apontam que apro- ximadamente 8 em cada 10 brasileiros, com acesso à rede, consumiram conteú- dos nas plataformas do grupo Globo. Esse crescimento do consumo de conteúdos nas múltiplas telas e plataformas é resultado do que aponta Jenkis (2009), de que a televi- são tradicional passou a interagir de forma mais complexa com as oportunidades que a internet oferece. Dessa forma, entende-se que para gerenciar as novas formas de dis- tribuição do conteúdo on-line é preciso se adequar ao ambiente das novas disposições Figura 1 – Consumo do Globo Play da economia digital. Fonte: Números do primeiro ano do Globo Play. Disponível em: Para Anderson, “os consumidores http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/11/globo-play demandam cada vez mais opções” (AN- DERSON, 2006, p.6), e com isso a era da Dentre as cifras apresentadas, destaca- grade preestabelecida pelo fluxo televi- -se o número de minutos de conteúdo con- sivo da TV aberta está chegando ao fim. sumido entre janeiro e outubro de 2016: 6,3 Surge, então, um novo mercado regido bilhões. Durante 2016 foram 67 milhões de por variedades, com novas demandas de usuários únicos. O número diz respeito a conteúdo de nicho e práticas de consu- pessoas que consumiram ao menos um ví- mo distribuído em múltiplas telas e com deo na plataforma. A Globo fechou o pri- acessos simultâneos. meiro ano com 9,5 milhões de downloads do seu aplicativo. Ao longo de 2016 e 2017, alguns pro- Considerações finais dutos foram lançados no aplicativo antes A realização deste trabalho teve como de irem ao ar na TV – os chamados digital principal finalidade apresentar e analisar first. Outros tiveram conteúdo exclusivo a plataforma digital Globo Play, produto no VOD – os digital only. A produção em lançado pela Rede Globo em 2015, carac- 4K e 4K HDR da Globo ficou disponível, terizando-o como ferramenta de comunica- ainda, para o público graças ao VOD, nas ção que gera significativos impactos na área TVs conectadas. Já em 2018, a plataforma em geral, sobretudo no meio audiovisual.

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Foram abordados aspectos importantes so- catálogo de programação do Globo Play se- bre o objeto de estudo, tais como o processo gue os interesses da empresa, com destaque de criação da ferramenta Globo Play, suas para lançamentos. características, recursos e alguns resulta- Por fim, conclui-se que os serviços de dos obtidos de consumo de conteúdos nos Video on Demand, aqui tratados sob o pris- últimos três anos de atuação no mercado ma do Globo Play, se consolidaram como brasileiro. uma forte tendência do mercado audiovi- Ao tomar como objeto central de dis- sual e tendem a se manter – firmes e cada cussão um produto tão recente e com im- vez com mais usuários – por muito tempo. plicações significativas no mercado, este Neste sentido, ficou claro que os formatos trabalho buscou contribuir com os recentes tradicionais precisam reavaliar sua atuação estudos acadêmicos sobre novas platafor- e ser altamente flexíveis e adaptáveis diante mas midiáticas. O Globo Play foi caracte- das novas demandas e dos novos cenários, rizado como ferramenta de comunicação e se quiserem sobreviver em um mercado serviu de base para analisar o atual cenário, cada vez mais conectado. E mais que per- em que meios tradicionais buscam formas mitir sua sobrevivência, o investimento em de ser atrativos e manter o público, alian- novos dispositivos e o estabelecimento de do-se aos novos suportes e às possibilida- conexões produtivas podem fortalecer es- des que apresentam. ses meios e levá-los a horizontes até então É possível observar que na estratégia desconhecidos. multiplataforma da Rede Globo há uma Numa perspectiva científica, é impor- forte diferenciação entre o que é conteúdo tante ressaltar que a temática apresentada de televisão e o que é conteúdo original para neste artigo merece pesquisas mais aprofun- web, demonstrando os limites de atuação dadas e contínuas, a fim de enriquecer ainda no ambiente digital. Do mesmo modo, o os estudos do campo audiovisual no Brasil.

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Data de recebimento: 14/04/2019 Data de aceite: 26/05/2019

Dados da autora Cleide Luciane Antoniutti http://lattes.cnpq.br/8008779234530321 Doutora em Ciência da Informação (IBICT-ECO/UFRJ) e professora da área de audiovisual, do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Cariri (UFCA), na cidade de Juazeiro do Norte (CE). E-mail: [email protected]

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