Pró-Reitoria Acadêmica Escola de Gestão e Negócios Curso de Relações Internacionais Trabalho de Conclusão de Curso

BREXIT: UMA ANÁLISE ATRAVÉS DAS QUESTÕES IDENTITÁRIAS E CONTEXTUAIS

Autora: Ioshua Johanna Schmitz Michels Dantas Orientador: Msc. Creomar Lima Carvalho de Souza

Brasília - DF 2017

IOSHUA JOHANNA SCHMITZ MICHELS DANTAS

BREXIT: UMA ANÁLISE ATRAVÉS DAS QUESTÕES IDENTITÁRIAS E CONTEXTUAIS

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília (UCB), como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Msc. Creomar Lima Carvalho de Sousa

Brasíla 2017

FOLHA DE APROVAÇÃO

Monografia de autoria de Ioshua Johanna Schmitz Michels Dantas, intitulada “BREXIT: UMA ANÁLISE ATRAVÉS DAS QUESTÕES IDENTITÁRIAS E CONTEXTUAIS”, apresentada como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel em Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília, em 20 de junho de 2017, defendida e/ou aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

______Prof. Msc. Creomar Lima Carvalho de Sousa Orientador Curso de Relações Internacionais – UCB

______Prof. Dr. Rogério Lustosa Victor Examinador Curso de Relações Internacionais – UCB

______Prof.ª Dr.ª Adrilane Batista de Oliveira Examinadora Curso de Administração – UCB

Brasília – DF 2017

Aos meus pais, Dulce Michels e Expedito Moura de Carvalho Dantas, que nunca pouparam esforços para garantir a realização dos meus sonhos.

AGRADECIMENTOS

Esse trabalho é o ponto final de uma jornada que começou em 2012, passou por três países, três universidades e me possibilitou a aquisição dos maiores tesouros que eu poderia imaginar: o conhecimento e a amizade de pessoas maravilhosas. O sentimento de conclusão de uma das melhores etapas da minha vida é um misto de muitos sentimentos e emoções: alívio, orgulho do trabalho bem feito, reconhecimento, ansiedade pela nova etapa que virá... mas há um sentimento que predomina sobre todos os outros: o de profunda gratidão. Por isso, quero agradecer a cada um que esteve comigo ao longo desta jornada, trilhando comigo o caminho que voluntariamente tive o privilégio de escolher e realizar – em especial minha família – Dulce Michels, Expedito Moura de Carvalho Dantas, Ishtar Nichole Schmitz Michels Dantas e Ingrid Sharon Schmitz Michels, que sempre me apoiou e se desdobrou para tornar possível a realização dos meus sonhos, incluindo esse curso, que representa para mim a paixão da minha vida. Quero também agradecer a Universidade Católica de Brasília, a Universidade Católica da Argentina e a Budapest Business School por terem feito parte da minha formação e proporcionado memórias incríveis em todos os sentidos. Ao corpo docente da Universidade Católica de Brasília pelos incríveis professores com quem tive o prazer de conviver e apreender, não só os segredos de RI como também alguns do próprio viver – em especial a professora Rosana Tomazini e os professores Creomar Lima, Rogério Lustosa, Fábio Albergaria e Maurin Falcão, pela dedicação que sempre tiveram em nos proporcionar o melhor de si e compartilhar seus conhecimentos valiosos. Obrigada! Sem vocês nada disso seria possível. Ao meu caro professor e orientador Creomar Lima Carvalho de Souza, que sempre viu em mim o melhor que alguém pode ver. Muito obrigada por tornar esse trabalho possível, por sempre estar presente nos momentos mais difíceis do processo de construção deste TCC, e quando mais precisei, por me incentivar e, principalmente, pela paciência. Sei que foi um longo caminho até aqui e nem sempre fácil de ser percorrido. Aos muitos amigos que fiz ao longo do curso, especialmente ao Nacho Santangelo, ao Felipe Gómez e a Camila Sanabria por serem os melhores amigos que eu poderia pedir e por terem feito minha estadia em Buenos Aires a melhor possível. As minhas portuguesas favoritas, Inês Moura e Lisandra Figueira, por estarem sempre ao meu lado e me fazerem sentir verdadeiramente em casa mesmo do outro lado do mundo. Ao Lucas Costa, André de Carvalho Barranco, Timo Verhelst, Anna Wagner, Meuffine Manon Demessence, Alina Jupe, Katalin Tóth, Lukas Wagner, Vitor Bedeti, Marlla Alcantara, Lucía Muñoz, Trung Nguyen, Brigitta Kürtösi, Bense Dóri, Alexandre Gilles, Pedro Anadia, Chiara Prato, Samba Diarra, Lorenzo Cecchini e Marco de Fabritiis, pois sem eles Budapeste não teria sido a mesma. E à Fruzsina Kiss, por ter me acolhido tão bem em seu lar e me proporcionado a melhor e mais verdadeira vivência húngara que eu poderia ter. A Manuela Lima, Raphael Seixo, Tamires Santin, Lidiane Chiarelotto, Antony Valadares, Clarisse Cipriano, Ássia Santos, Daniel Dionísio, Anna Carolina Silva, Caio

César, Isadora Gomes, Victor Couto, Matheus Cronemberger, Lucas Vitor, Henrique Torquato, Marina Gravina, Juliana Ávila, Rayane Gomes, Eliezer Justo, Douglas Almeida, Bárbara Munhoz e Vinícius Souza por terem estado firmes comigo ao longo desses anos de Relações Internacionais e por integrarem as melhores memórias que tenho de Brasília. A Aedra Sarah Rodrigues, Thiciane Barbosa, Diana Larsen Tiellet, Gabriela Rodrigues, Jéssica Schuenck, Tárik Ferreira, Matheus Sales, Ulysses Guimarães, Isabela Michels, Elsa Souto Tobio, Enrique Villamil, Heloísa Rodrigues e Vinicius Koenigkan que mesmo não tendo integrado o curso de Relações Internacionais, estiveram sempre ao meu lado nos melhores e nos piores momentos, fornecendo sempre a motivação e o apoio necessários para me fazer seguir em frente, sempre dando o melhor de mim e sendo mais feliz nessa longa trajetória. Vocês definem o verdadeiro valor de amizade, e por isso serei eternamente grata. E por último, quero agradecer a todos – mesmo os que não foram aqui nominados, mas que de alguma forma contribuíram para a composição desta história, que torceram por mim e estiveram ali para comemorar minhas conquistas – por terem feito parte da minha vida: sintam-se mencionados, pois reconheço que tudo o que vivencio hoje é o resultado das inúmeras ‘coincidências’ da vida, o estar no lugar certo, com a pessoa certa e na hora certa. Assim, seja você meu/minha antigo (a) professor (a), um amigo de infância, de escolas, de vizinhança... Muito obrigada! Você também faz parte desta conquista.

“We hope to see a Europe where men of every country will think of being a European as of belonging to their native land, and...wherever they go in this wide domain...will truly feel, ‘Here I am at home’”. (Winston Churchill, 1948).

RESUMO

Referência: DANTAS, Ioshua Johanna Schmitz Michels. Brexit: Uma Análise Através das Questões Identitárias e Contextuais. 2017. 109 páginas. Monografia (Bacharelado em Relações Internacionais) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2017

Em referendo ocorrido no dia 23 de junho de 2016 com o objetivo de decidir sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, mais de 70% dos eleitores se mobilizaram para votar, decidindo com 52% do total de votos válidos pela saída britânica do bloco europeu, denominando tal evento de Brexit (Britain + Exit). Nesse sentido, o presente trabalho tem por escopo analisar o contexto em que se deu tal referendo, considerando para isso conceitos desenvolvidos no âmbito da Teoria Construtivista das Relações Internacionais, bem como aspectos de formação identitária aplicados à União Europeia e ao Reino Unido – e suas sobreposições. O intuito é compreender os aspectos históricos precedentes à integração europeia, o papel do Reino Unido no processo de formação da União em si e sua atuação dentro do bloco, afim de perceber como se deu a relação entre ambas as partes em processos anteriores ao Brexit. Além disso, busca-se ainda interpretar o jogo político de David Cameron ao propor a consulta popular, o perfil dos eleitores participantes nesse processo e as consequências mais imediatas pós-Brexit, de modo a compreender o panorama geral em que se desenrolaram tais fatos e as tendências que podem se seguir a partir do resultado concebido pela população britânica.

Palavras-chave: Referendo, Brexit, Reino Unido, União Europeia, Identidade, Construtivismo

ABSTRACT

In a referendum held on June 23 of 2016 to decide on the UK's permanence in the European Union, more than 70% of voters were mobilized, deciding with 52% of the total valid votes for the British exit of the European bloc, calling this event Brexit (Britain + Exit). In this sense, the purpose of this paper is to analyze the context in which the referendum took place, considering for this purpose concepts developed within the framework of the Constructivist Theory of International Relations, as well as aspects of identity formation applied to the European Union and the United Kingdom – and their superposition. The aim is to understand the recent historical aspects of the European integration, the role of the United Kingdom in the process of forming the Union itself and its part within the bloc, in order to perceive how the relationship between both of them occurred in processes preceding the Brexit referendum. In addition, an effort is made to interpret the political game of David Cameron in proposing the popular query, the profile of the voters who participated in that process, and the more immediate post- Brexit consequences, in order to identify the general panorama in which these facts unfolded and the trends that can follow from the outcome conceived by the British population.

Keywords: Referendum, Brexit, United Kingdom, European Union, Identity, Constructivism

LISTA DE SIGLAS

BREXIT – Britain + Exit CE – Comunidade Europeia CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço CEE – Comunidade Econômica Europeia EFTA – European Free Trade Association (Associação Europeia de Livre Comércio) EU – European Union EUA – Estados Unidos da América EURATOM – European Atomic Energy Commission (Comunidade Europeia da Energia Atómica) NHS – National Health Service (Serviço Nacional de Saúde) OMC – Organização Mundial do Comércio ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte RI – Relações Internacionais RU – Reino Unido UE – European Union UEM – União Política e Monetária UEO – União da Europa Ocidental UK – United Kingdom UKIP – United Kingdom Independence Party (Partido de Independência do Reino Unido)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 11

1 REVISÃO TEÓRICA ...... 14 1.1 O CONSTRUTIVISMO ...... 14 1.1.11.1.2 A Teoria Construtivista e suas Principais Premissas ...... 15 1.2 1.3 A IDENTIDADE ...... 24 1.2.11.3.1 A questão de identidade nas Relações Internacionais ...... 26 1.2.21.3.2 A questão identitária entre a União Europeia e o Reino Unido ... 31

2 A UNIÃO EUROPEIA E O REINO UNIDO ...... 41 2.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS E PROCESSO DE FORMAÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA ...... 41 2.2 O PROCESSO DE ADESÃO DO REINO UNIDO À UNIÃO EUROPEIA ...... 53 2.3 ATUAÇÃO DO REINO UNIDO DENTRO DA UNIÃO EUROPEIA ...... 57

3 O BREXIT ...... 65 3.1 O CONTEXTO DO REFERENDO: DAVID CAMERON E POLÍTICAS PARTIDÁRIAS ...... 65 3.2 DA ORGANIZAÇÃO DA CAMPANHA E DA EXECUÇÃO DO REFERENDO ...... 69 3.3 O REFERENDO EM NÚMEROS: ANÁLISE DO PERFIL DOS ELEITORES ...... 74 3.3.12.2.1 Resultados do Referendo ...... 77 3.3.1.1 Resultados por regiões ...... 80 3.4 CONSEQUÊNCIAS IMEDIATAS: O REINO UNIDO PÓS-BREXIT .... 86

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 91

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 94

APÊNDICES APÊNDICE A – CRONOLOGIA DA CONSTRUÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA ...... 101 APÊNDICE B - CAPÍTULOS DE NEGOCIAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DE PROCESSO ...... 105

INTRODUÇÃO

"It will be a process like no other with far-reaching consequences - its final scope no-one can predict with absolute certainty. It is not only about trading arrangements and access to the EU's single market... is also about preserving our joint and unique culture, our decades of strategic partnership and our commitment to the same shared values..." Kolinda Grabar-Kitarovic, presidente da Croácia

Em referendo realizado no dia 23 de junho de 2016 com o objetivo de decidir sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia (UE), mais de 70% (setenta por cento) dos eleitores se mobilizam para votar, decidindo com 52% (cinquenta e dois por cento) do total de votos válidos pela saída britânica do bloco europeu, denominando tal evento de Brexit (Britain + Exit). Com esse ato, a decisão dos eleitores britânicos abre precedentes até então não experimentados, o que provoca uma situação que, até em função de seu ineditismo no âmbito da UE, dificulta a visualização da totalidade de seus impactos em suas amplas consequências. Não se pretende aqui exaurir o assunto – não só em razão de sua complexidade como pelo fato de que ainda se encontra em franco processo de desdobramentos de resultados – não permitindo e nem proporcionando ainda as condições de uma avaliação objetiva de todas as suas implicações. Assim, o que se pode abordar e desenvolver na presente pesquisa é a historiografia da União Europeia e a inserção do Reino Unido no bloco, de forma a destacar as questões identitárias inseridas em ambos contextos bem como as seguintes problemáticas: quais foram as motivações tanto na decisão de integrar quanto na decisão de se desligar do bloco europeu? Como o contexto se desenvolveu até resultar no Brexit? Quais os perfis dos eleitores participantes do referendo? Deste modo, o presente trabalho tem por objetivo geral analisar o contexto do processo de saída do Reino Unido da União Europeia; e por objetivos específicos, investigar as razões históricas que motivaram a constituição de uma união entre os países europeus sob uma bandeira supranacional; avaliar a participação do Reino Unido neste processo de construção da União Europeia; estabelecer a relação causal entre dois elementos (o papel das identidades nacionais como limitadores do processo de integração de um lado e os avanços institucionais de integração advindos de Bruxelas de outro); examinar o nexo causal entre as questões identitárias do Reino 12

Unido e sua decisão de sair da União Europeia; evidenciar características do perfil dos eleitores participantes do referendo, seja por meio de análises estatísticas disponibilizadas pela Comissão Eleitoral do Reino Unido, seja por meio de análises elaboradas por especialistas em publicações pré e pós referendo, destacando-se aspectos como local de residência, faixa etária, escolaridade e renda. Para tanto, serão utilizados como referenciais teóricos a partir de uma perspectiva construtivista das Relações Internacionais (Wendt, 1992): os conceitos de formação identitária bem como seu processo de formalização e construção; os interesses que motivaram a adesão do bloco por parte do Reino Unido; como votaram os eleitores e os principais argumentos utilizados para convencê-los a aderir um lado – tanto ao leave (sair) quanto ao remain (permanecer). Quanto à metodologia, estabelece-se que a presente pesquisa possui as seguintes características classificatórias: trata-se de pesquisa aplicada, pois propõe- se a estudar fatos já ocorridos e em processo de desdobramento, de ampla magnitude e de impacto político, econômico e social. Sua natureza é exploratória e sua busca se processa em cercar-se de informações disponíveis, sendo possível, a partir da apuração dos fatos, inferir como se processa a realidade. Possui abordagem qualitativa, pois trata-se da observação e estudo do ambiente natural onde ocorreram e continuam ocorrendo os fatos, seus desdobramentos e consequências. A coleta dos dados e interpretação dos fenômenos são esquadrinhados ao ponto de permitir que se identifique e se lhe atribuam os devidos significados. No que tange aos procedimentos, trata-se de uma pesquisa bibliográfica em que se buscou em livros, revistas, periódicos, sites especializados, artigos e trabalhos científicos o desenvolvimento dos fatos de forma que se pudesse apreendê-los, extraindo-lhes informações e lições que o caso propicia. O conjunto dos achados da pesquisa, após organizados, analisados e devidamente avaliados em sua coerência e assertividade, embasaram a elaboração do presente Trabalho de Conclusão de Curso. Desta forma, a organização da apresentação gráfica desta pesquisa foi estruturada em três capítulos: O primeiro capítulo é composto pela revisão bibliográfica das teorias construtivista e de formação e questões identitárias que dão suporte à pesquisa, em seus aspectos conceituais, suas premissas e fundamentos, suas aplicabilidades no campo das Relações Internacionais (RI), bem como em relação aos contextos 13

específicos da União Europeia e Reino Unido. O segundo capítulo é composto pela historiografia da criação e construção da União Europeia, dos seus aspectos históricos desde as primeiras ideias concebidas sobre tal possibilidade, a descrição de cada uma das etapas constitutivas do processo completo desde a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), cada um dos alargamentos de integração até seus últimos tratados, suas exigências e os 35 protocolos de ajustamento de conduta para a integração, os membros aceitos, assim como o registro institucional do primeiro membro a se desligar da UE; registra também a trajetória da formação do Reino Unido, sua história, e a forma em que se deu sua adesão ao bloco, bem como os contextos que permearam esse cenário, afim de apreender as verdadeiras causas que possam ter motivado o desejo de não mais pertencer à união. O terceiro capítulo é onde se revela o contexto mais recente concernente à saída do Reino Unido da União Europeia – o Brexit, elucidando questões acerca do jogo protagonizado por Cameron, as forças políticas atuantes no processo, a análise do perfil dos eleitores e as consequências imediatas percebidas logo após a divulgação do resultado do referendo apontando a vitória para o Leave (saír). 14

1 REVISÃO TEÓRICA

"We have an identity that we have constructed, a me, which is a combination of memories, feelings, opinions, and experiences". Unknown

1.1 O CONSTRUTIVISMO

No presente estudo, a proposta é analisar o Brexit – a saída do Reino Unido da União Europeia – a partir de uma ótica do construtivismo, que no âmbito específico das relações internacionais apresenta contribuições, críticas e interpretações sobre a atuação dos Estados no contexto global, propondo diferentes conceitos e percepções sobre a sociedade internacional e suas interações. Para tanto, é preciso estudar o que seja o Construtivismo. Um resumo do tema é explanado por Ramalho da Rocha (2002), elucidando que a teoria construtivista introduzida por Nicholas Onuf está inserida no chamado Terceiro Debate das teorias de Relações Internacionais, que se deu entre racionalistas e construtivistas. Esses primeiros, destaca ele, afirmam que os atores – tomadores de decisão, agências burocráticas, Estados – agem racionalmente, estabelecendo uma hierarquia como critério de escolha de seus objetivos, imprimindo um cálculo de custo-benefício na tomada de suas decisões e buscando maximizar benefícios e minimizar custos; já os construtivistas, por outro lado, analisam as relações internacionais como se elas ocorressem dentro de uma sociedade cujas normas e agentes se influenciam mutuamente, lembrando ainda que as preferências dos agentes são formadas neste processo. Nesse sentido, a opção por esta abordagem teórica é de especial relevância para a compreensão da dinâmica existente no relacionamento entre os Estados uma vez que “o Construtivismo assume uma perspectiva Estado-cêntrica das relações internacionais, isto é, os Estados são a única unidade na estrutura política internacional com a legitimidade do monopólio sobre o uso da violência” (SARFATI, 2005, p.260). Adler (1999, p.2) defende que existe “pouca clareza e menos ainda consenso sobre sua natureza e substância [...] e existe a crença errônea de que o 15

construtivismo, o pós-estruturalismo e o pós-modernismo são variações da mesma perspectiva “reflexivista””. Ou seja, o fato é que existe relativa escassez de pesquisa empírica construtivista anterior, além do pouco consenso nos debates internos sobre a real dimensão e “do que se trata realmente o construtivismo” – fatores estes que tendem a “obscurecer a base científica do construtivismo, sua preferência pela ontologia e pela epistemologia frente à metodologia, e sua contribuição potencial para um melhor entendimento das relações internacionais” (ADLER, 1999, p.2). Segundo Thales de Castro, em sua obra Teoria das Relações Internacionais: “Existem vários construtivismos, desde o mais declaradamente positivista até o pós- moderno (...) todos são construtivistas, mas todos exibem relações diferentes com as práticas discursivas, a ciência e o conhecimento” (CASTRO, 2012, p. 184). A este campo de pesquisa estão ligados vários expoentes do pensamento de calibre global, como Nicholas Onuf, Friedrich Kratochwil, Alexander Wendt, entre outros. Apesar de compartilharem premissas teóricas, estes autores concentram suas análises em fatores distintos como identidade, normas e regras, sendo que o primeiro e o segundo enfatizam o discurso e as normas, “revelando a influência da virada linguística em geral e de Wittgenstein em particular. Wendt e Onuf concordam, de igual forma, sobre a coconstituição [sic] de agentes e estruturas, revelando a influência da teoria social, em geral, e de Giddens, em particular” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 180). Em decorrência do fato de que a teoria em si é bastante ampla, surgem em seu seio várias linhas de raciocínio e ideias que ainda podem se desenvolver muito a partir de sua evolução cognitiva. O que está claro é que o construtivismo não deve ser pensado como uma mera teoria, e sim como um modelo de raciocínio dentro do qual pode-se identificar múltiplas facetas e versões do próprio construtivismo.

1.1.1 A teoria construtivista e suas principais premissas

O Construtivismo tem por contexto de seu surgimento no momento após o segundo Grande Debate das Relações Internacionais, entre as correntes neo-realistas e neo-institucionalistas – em que a primeira defende a ideia de que seja o Estado o principal ator no Sistema e onde seus interesses e obtenção de poder assumem demasiada importância para sua segurança já que a estrutura anárquica gera desconfiança e propensão ao conflito; e a segunda vê não só os Estados como 16

também considera a influência de suas instituições mais importantes como peças relevantes do sistema e defende que a anarquia pode, sim, conduzir à cooperação, da qual os atores buscam para o desenvolvimento de cada um. Tais divergências entre ambas as teorias geraram discussões sobre temas importantes para o estudo internacional, como a natureza da anarquia, objetivos do Estado e instituições e regimes, que por suas diferenças de conceitos e percepções do processo, abre espaço para a criação de uma terceira via, mais ampla, mais flexível e por isso mais apta a se tornar uma ponte a servir de elo de ligação entre as correntes teóricas e efetivamente servisse de instrumento cuja função – ao invés de defender ideias e processos estáticos, estanques, fixos dentro de seus quadrados – entende que as Relações Internacionais são dinâmicas, imprevistas e se desenvolvem de acordo com suas múltiplas características, motivações e consequências, e que perdem aqueles que não conseguem acompanhar e se adaptar às necessidades específicas de cada uma das situações. Assim, o termo construtivismo, vinculado aos estudos das Relações Internacionais, aparece pela primeira vez na publicação do livro de Nicholas Onuf intitulado World of Our Making – Rules and Rule in Social Theory and International Relations (1989), tendo ainda importante aparição no artigo publicado em 1992 por Alexander Wendt “Anarchy is What States Make Of It” na revista International Organization. Nesse contexto, a corrente Construtivista desenvolveu-se notadamente durante a década de 1990, se estabelecendo como opção diferenciada em relação às teorias positivistas (Neorrealismo e Neoliberalismo) e às pospositivas (Teoria Crítica e Pós-Modernismo) vigentes à época (SARFATI, 2005). O escopo da menção de ambas as contribuições primárias do construtivismo é justamente evidenciar sua premissa básica: “vivemos em um mundo que construímos, no qual somos os principais protagonistas, e que é produto das nossas escolhas [...] Em outras palavras, o mundo é socialmente construído” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p.162). O desenvolvimento do conceito foi ocorrendo “em meio a intenso debate nas Ciências Sociais em geral – e nas Relações Internacionais em particular – sobre o lugar das ideias e dos valões na análise dos eventos sociais” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p.163), inaugurando a terceira geração de debates nas Relações Internacionais, tendo como consequência a abertura de novos caminhos e novos olhares sobre formas de perceber questões prementes da política entre os Estados e abordar demais entes do cenário internacional (CASTRO, 2012, p. 385). 17

O construtivismo se apresenta como de linha ontológica, isto é, representa a síntese das abordagens sobre a teoria do ser (Sein) ou como os objetos se apresentam à realidade existente e preexistente – agentes internacionais (estatocentrismo) – com suas capacidades decisórias e interlocuções. Em linhas gerais, as premissas do construtivismo representam a lógica transformadora das ideias e das mútuas relações de construção e de co- construção [sic], tendo como validade a pertinência dos processos-meios utilizados para tal fim. Ou seja, o construtivismo associa a forma de mútuas ações com o processo dinâmico envolvendo agentes e estrutura de maneira a construir o ethos das Relações Internacionais. Outras premissas são importantes a serem expostas: o pensamento, as ideias e os valores possuem força maior que as estruturas materiais disponíveis; as crenças intersubjetivas representam os meios (canais) por ondem passam os fluxos de relacionamento internacional; e, por fim, a formação das ideias e dos ideais fazem parte da construção dos interesses, das identidades e da consciência partilhada dos agentes internacionais.” (CASTRO, 2012, p. 385)

Na visão de Sarfati (2005), o Construtivismo tem a missão de construir uma ponte conceitual entre as preocupações positivistas, que tem por meta a explicação das relações internacionais, e as pós-positivistas, que objetivam apreender do que são feitas as relações internacionais, cabendo a ele inaugurar uma terceira via desse terceiro debate. Para Castro (2012, p. 385) na formulação das premissas, dos fundamentos do construtivismo, “o problema agente-estrutura representa ponto recorrente”. [...] os Estados, assim como as pessoas, teriam uma natureza pré-social e a vida em sociedade não modifica as pessoas ou os Estados. O Construtivismo, em contraste, se preocupa com a pergunta: de onde vêm os interesses dos Estados? Essa teoria acredita que a convivência social modifica os agentes, quer dizer, os Estados não podem ser considerados como verdades exógenas; eles são construções sociais desenvolvidas ao longo da história. ” (SARFATI, 2005, p. 260)

Na base do principal argumento construtivista está implícito o conceito de que a realidade é ‘socialmente construída’, que as estruturas são concebidas, construídas e definidas a partir da troca de ideias – pelas ideias compartilhadas. Não se restringem apenas a forças materiais, mas por identidades e interesses dos atores, construídos pelo diálogo, por aquelas ideias elaboradas em conjunto, que chegam a um denominador comum e passam a ser comungadas. Para esta abordagem, é vital investigar o modo como as ideias constituem o mundo no qual habitamos, e de que maneira esse processo de constituição se desenvolve. A resposta oferecida pelo construtivismo afirma que as questões materiais – como o significado do poder ou o conteúdo dos interesses – são, em grande parte, função de ideias, assim como a estrutura e ações dos agentes, pois é em torno delas que se desenvolve o pensamento do construtivismo (ROCHA et al, 2017). 18

[...] faz-se crucial esclarecer, de uma vez por todas, que o centro do debate sobre o construtivismo não é sobre ciência versus interpretação literária ou "relatos", mas sobre a própria natureza da ciência social e, portanto, da disciplina de relações internacionais. Em outras palavras, a questão contrapõe uma concepção naturalista de ciência, quase inteiramente baseada em filosofias da ciência concorrentes e teorias que a física há muito abandonou, a uma concepção de ciência social que é - social. Uma metáfora pode ajudar a ilustrar esse argumento. Suponha que você arremesse uma pedra ao ar. Ela pode ter apenas uma resposta às forças físicas externas que agem sobre ela. Porém, se você arremessar um pássaro ao ar, ele pode voar para uma árvore. Embora as mesmas forças físicas ajam sobre o pássaro e a pedra, uma quantidade massiva de processamento interno de informação afeta o comportamento do pássaro [...] pegue um grupo de pessoas, uma ou várias nações e metaforicamente os arremesse ao ar. Para onde, como, quando e por que eles vão não é inteiramente determinado por forças ou constrangimentos físicos; no entanto, de mesmo modo não depende inteiramente de preferências pessoais e escolhas racionais. Depende também de seu conhecimento compartilhado, do significado coletivo que eles atribuem à situação, de sua autoridade e legitimidade, das leis, instituições e recursos naturais que eles usam para achar seu caminho, de suas práticas, ou mesmo, algumas vezes, de sua criatividade conjunta (ADLER, 2017, p.3).

Estas são as premissas defendidas pelo construtivismo, pois considera todas as nuances e variantes da situação e a partir de então se concentra na explicação da construção social e na sua influência na Política Internacional a partir do agente e da estrutura. Para Castro (2012) os agentes representam os Estados enquanto que a estrutura seria a anarquia; as atuações conjuntas desses fatores se processam na construção social, que por sua vez seria o resultado da interação das identidades de cada agente e que, a partir de suas ideias, formatam suas estruturas e suas normas, precipitando o que antes era conceito abstrato e apenas concebido em pensamento e que passa a impactar a fisicalidade, transformando as ideias gestadas em sua realidade concreta. O mesmo autor argumenta que essa realidade não pode ser pré-determinada pelo simples fato de que valores e ideais mudam com o passar do tempo, devido a evolução dos interesses envolvidos, e que assim a premissa central e comum a todos os construtivistas é que o mundo não é estático ou predeterminado, mas sim “construído à medida em que os atores agem, ou seja, que o mundo é a construção social. É a interação entre os atores, isto é, os processos de comunicação entre agentes, que constrói os interesses e as preferências destes agentes. ” (CASTRO, 2012, p. 166). No construtivismo o conhecimento (ou informação) é considerado uma das maiores e mais importantes fontes do poder, pois nesta linha de pensamento se integram conhecimento e poder como partes necessárias de uma explicação que 19

elucida a origem dos interesses, conscientes que esses “interesses nacionais não são apenas conhecimentos coletivos de um grupo de pessoas; nem, com raras exceções, de um único individuo dominante” (ADLER, 1999. p. 224); ao contrário, interesses nacionais são entendidos como “intersubjetivos sobre o que se faz necessário para promover poder, influência e riqueza que sobrevivam ao processo político, dada a distribuição de poder e conhecimento em uma sociedade” (ADLER, 1999. p.225), Para Wendt (1992), ideias e valores são elementos centrais de quaisquer análises, e deveriam ser explicadas endogenamente – o que é impossível de ser feito a partir das teorias tradicionais – que tendem a generalizar os fatos impondo limites às ações e variantes de pensamento – limitações vencidas no construtivismo que ao se analisar contextos, culturas, valores e ideias consegue variáveis interdependentes de informações que facilitam a compreensão do Sistema Internacional, seus agentes, suas estruturas e consequentemente, suas verdadeiras opções e posições. Os construtivistas acreditam que as ideias possuem características estruturais, pois são entendidas basicamente como conhecimento coletivo institucionalizado em práticas, e, como tal, é meio propulsor da ação social. A partir disso, pode-se inferir que as ideias que formam as identidades e valores do Estado vêm da população que forma o conhecimento do todo. Em decorrência disso, é fundamental que a construção das ideias anteceda a definição das prioridades e a eleição dos interesses de forma que suas ações provoquem o maior impacto na estrutura e diante dos outros agentes numa projeção coerente do alcance de seu poder. Wendt (1992, p. 179) resume o axioma afirmando que “a definição das identidades precede a definição dos interesses e que antes de definir interesse nacional, faz-se necessário definir a identidade que vai informar a formação deste interesse”. Essa projeção pode ser manifestada através do discurso que contenha suas ideias e valores, não se esquecendo, porém, que existem fatores na estrutura que precisam ser tratados de forma cautelosa. Onuf (1989) citado por Castro (2012, p. 175) “põe o discurso como a categoria essencial de sua análise, mas não nega nem a racionalidade, nem menos ainda a materialidade de um (mundo lá fora) ao qual nos referimos com nosso discurso”. Por conseguinte, os objetivos do Estado devem (ou deveriam) ser decorrentes do interesse nacional, e além da postura que este irá tomar perante os outros agentes na estrutura sistema, parte da identidade assumida pelo agente depende dos valores e cultura de sua população que fazem sua construção social coletiva. Sendo assim 20

cada agente terá objetivos diferentes aos quais buscarem e maneiras diferentes de se expor no Sistema, levando em conta também suas capacidades e conhecimento que geram suas condições econômicas e sociais. É sempre importante não se esquecer que em se tratando de eventos sociais, a distribuição desigual de poder leva a domínios políticos diferentes (CASTRO, 2012). Segundo Sarfati (2005, p. 260), o Construtivismo wendtiano é uma teoria estrutural baseada nas seguintes afirmações: a) os Estados são a principal unidade de análise das relações internacionais; b) as estruturas-chave do sistema de Estados são intersubjetivas, em vez de materiais; e c) os interesses e as identidades dos Estados são construídos por essas estruturas sociais e não determinados pela natureza humana ou política doméstica. E, nesse sentido, “sociedade e indivíduos são co-constituídos, da mesma forma que agentes e estrutura são co-constituídos” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p.167) Constructivism argues that structure and actor are mutually constituted […] identities are an inextricable feature of constructivism because they contribute to defining the interests of political actors […] In addition, identities help define what actors’ interests are […] Identities, therefore, not only determine particular outcomes but are also susceptible to change through socialisation (GIBBINS, 2012, p.28).

A forma como os Estados buscam a satisfação de seus interesses depende de como eles se definem uns em relação aos outros, incorporados que são da função da identidade social1 aos níveis doméstico e sistêmico de análise. Note-se, que identidades sociais de uma pessoa/ Estado podem assumir múltiplos aspectos, como por exemplo: eu torço para o time X, pertenço à corporação Y, sou da religião Z, etc. (SARFATI, 2005) (grifo nosso). Wendt (1994, p. 387-388) descreve algumas circunstâncias que definem o egoísmo estatal, sendo a mais importante delas a dos “Determinantes Domésticos”, o que em psicologia social se reconhece como o mero fato de se estar em grupo é o suficiente para gerar favorecimentos intragrupo em detrimento e discriminação dos componentes extragrupo. O lado positivo é que isso não gera um egoísmo perpétuo, mas é a base do egoísmo estatal, que pode ser mudado com negociações que se mostrem mais vantajosas para o conjunto ou pelo menos parte significativa dos que

1 . Pode-se definir identidade social como o conjunto de significados que os atores atribuem a si próprios, tomando em perspectiva os outros (SARFATI, 2005, p. 261) 21

detêm maior poder de influência neste intragrupo. Sobre o “egoísmo estatal”, constata-se que este pode vir a assumir contornos bonitos – traduzidos no nacionalismo, que é o orgulho em uma identificação social coletiva a partir da língua, costumes, ligações étnicas etc. ou degradantes, como o fascismo, xenofobia, etc. Assim, pode-se inferir que as identidades, tanto nossas (pessoas) quanto as dos Estados “são socialmente construídas, porque a relação com o outro é que forma a minha percepção sobre mim mesmo. Ou seja, as identidades são adquiridas pelo processo de relacionamento entre os Estados” (SARFATI, 2005, p. 262). Wendt (1992) apresenta um conceito de identidade preciso, porém flexível o suficiente para permitir às identidades transmutarem e se adaptarem aos processos e às necessidades da política internacional. “Para ele, as identidades precedem os interesses e se formam em processos relacionais entre a identidade e a diferença” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 168). Um dos questionamentos mais importantes e cruciais, é saber quais as circunstâncias em que os Estados se internacionalizam e aceitam ceder em sua soberania. Para elucidar essa questão, Wendt (1994, p. 392-393) explica que: [...] a internacionalização requer o desenvolvimento de duas qualidades: identificação em relação a alguma função estatal, como segurança, economia etc, e a capacidade de punir o ator que perturbar a performance dessa função. Assim, o resultado das ações dos Estados será a institucionalização da ação coletiva, na qual determinados problemas são resolvidos normalmente em uma base internacional. Como sabemos, essa institucionalização é bastante forte entre países da UE ou em cortes específicos, como no comércio, por meio da OMC. Para que essa internacionalização seja, então, possível, é preciso que os Estados compartilhem uma identidade comum sob vários aspectos, como funções destes, segurança, economia etc. Nessas circunstâncias, a identidade coletiva é institucionalizada de forma que são produzidas normas, regras e princípios comuns. Nesse sentido, quando as pessoas que habitam um Estado reconhecem que os outros respeitam o seu ser, a sua existência etc., as razões para as fronteiras físicas desaparecem. Desse modo, o interesse coletivo começa a ser desenvolvido e uma identidade supranacional passa a existir.

À medida que a “autoridade funcional” vai sendo transferida para outros níveis diferentes do nível estatal, começa a surgir o problema de representatividade em relação às decisões tomadas nesses níveis. “Esse problema é fortemente identificado e criticado pelo movimento antiglobalizante em relação à atuação da EU e da OMC. Trata-se do problema do chamado déficit democrático” (SARFATI, 2005, p.266). A partir desta ótica, é possível entender que as identidades não são estáticas, e sim extremamente dinâmicas, já que o processo de relações sociais é contínuo e 22

histórico, e por isso faz pressupor que essas identidades podem e devem ser modificadas na medida das necessidades. Exemplo típicos são processos históricos ocorridos entre a Alemanha e a França, ou entre Inglaterra e França – ambos modificados de confronto para a cooperação. Na lógica de Wendt (1992), o comportamento cooperativo de uma parte pode ser induzido na outra parte, tornando possível a quebra de um ciclo negativo de identidade, proporcionando a possibilidade para iniciar um novo ciclo virtuoso, positivo. Daí a importância de se criar instituições supranacionais que tenham por escopo estimular novos entendimentos sobre si próprio e sobre os outros Estados. Com o passar do tempo e perfeita acomodação das partes do processo, a inevitável interdependência produziria resultados positivos afetando as identidades nacionais e, por consequência, o interesse nacional. Teoricamente, seria sob esses auspícios que estaria abrigado o sucesso do processo de integração europeu, cuja façanha foi motivar a auto percepção de quase três dezenas de países membros – alguns com rixas seculares como as dos alemães, franceses e ingleses – e a percepção de uns em relação aos outros. Ao se moverem, saindo de uma lógica de conflito rumo a uma lógica de cooperação, significa que esses atores se engajaram em um processo de autorreflexão que vai impactar com tanta significância uns aos outros que frequentemente vai resultar na mudança de suas respectivas identidades (SARFATI, 2005). Segundo Wendt (1992), citado por Sarfati (2005, p. 264), existem precondições para a alteração das identidades: a) deve haver uma razão para que o Estado repense a si próprio em novos termos, o que eventualmente pode vir de uma modificação social que torne obsoleta a imagem antiga sobre ‘eu’; e b) os custos internacionais da mudança de papel podem ser altos, ou seja, as sanções e recompensas de outros Estados podem empurrar a autorreflexão da identidade do Estado. A identificação dos Estados deve ser entendida dentro de um contexto de continuum do negativo ao positivo, com diferentes gradações de possíveis identificações, que também podem sofrer variações em função do assunto. Dessa forma, por exemplo, o Brasil pode se identificar positivamente com determinada ação imposta pelos Estados Unidos em relação ao Iraque, e ainda assim se identificar de forma completamente negativa quando o assunto são as políticas do aço norte- 23

americanas. Destaque-se que a identificação negativa produz o egoísmo e resulta em ações egocêntricas, ao passo que a identificação positiva revela uma nova identidade coletiva rumo à transformação, base e condição para germinar qualquer tipo de cooperação (SARFATI, 2005, p. 264). Trazendo essas questões para o contexto específico do Brexit, Tim Oliver (2017, p. 2) esclarece que: The Constructivism focuses on the norms, conventions and rules which make up international and European politics. It is not material capabilities that matter as much as how ‘we’ view our place in the world. As such, constructivists focus on how identities are formed and their role in foreign policy making. In the context of Brexit, the national interests of Britain or the EU will be shaped by whom they think they are and what role they think they should pursue in the world. For constructivists, any understanding of Brexit will require an explanation of the way in which the UK and the remaining EU’s construct their identities and how these play out vis-à-vis each other. Britain’s self-image of itself as a great power and ideas of ‘parliamentary sovereignty’ can be used to explain its approach, as will the EU’s commitment to ‘ever closer union’ or ideas over the free movement of people. Theresa May has been accused of putting politics before economics in her approach to Brexit negotiations. The remaining EU, as Eurosceptics rightly point out, is a political project, and so could also put political ideas before economics.

A partir do discurso de Wendt (1992), pode-se perceber não só a importância do poder e dos interesses numa explicação do fenômeno internacional, como também que os significados atribuídos pelos atores a essas forças são muito mais significativos do que aparentam, já que a constituição do poder se dá principalmente por meio das ideias e contextos culturais. Então as formações culturais no nível sistêmico podem ser entendidas como ideias compartilhadas que se transformam em regras, normas, instituições, etc. e são utilizadas para dar significados à distribuição de atribuições, status e poder, seja por meio de meras percepções ou por meio de identidades e de interesses. É extremamente ilustrativo o discurso do Primeiro Ministro Britânico Tony Blair, na Assembleia Nacional Francesa, em 1998 para se entender a relação entre ideias e base material: Nos deux nations [France et la Grande-Bretagne] savent ce que puissance veut dire. Elles n’en ont pas peur, ni honte non plus. Toutes les deux veulent rester une force de progrès dans le monde. Nous partons avec de grands avantages. Nous avons une dissuasion nucléaire minimum et un siège permanent au Conseil de sécurité. Sans contestation possible, nous avons les forces militaires les mieux équipées, les plus déployables et les plus efficaces d’Europe. (BLAIR, 1998, p. 180).

Nesse discurso fica evidente a relação entre as estruturas ideacionais, os papéis dos atores no sistema internacional, as manifestações identitárias, os interesses e forças materiais. Coloca no discurso o destaque que ambos os Estados são reconhecidos e respeitados a nível global como “potências”, cujos atributos são descritos no dicionário da língua portuguesa como “qualidade de potente; poder; força; 24

vigor; poderio; autoridade; capacidade de realizar; Estado ou nação soberana. Pessoa de grande importância e influência” e com isso ele desejou mostrar o Reino Unido como aquele que se auto intitula como “forças de progresso no mundo”, ainda que essa condição de potência também implique em outras qualificações e vantagens de caráter meramente material, tais como o fato de serem potências nucleares e militares, serem membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, etc. Com este discurso, passa a mensagem de que são detentores de forças materiais brutas, e de tal forma compostas e distribuídas que também impactam e têm efeitos sobre a vida internacional; assim sendo, seu poder e influência não devem ser subestimados na análise da política internacional. Tais forças materiais podem servir de argumentos que definem, para os atores, os limites do que pode ser realizado e os custos relativos de perseguir opções que requeiram ostentação e confrontação física.

1.2 A IDENTIDADE

O sucesso nas relações que se estabelecem entre as sociedades é decorrente, em grande parte, do respeito e dos cuidados com que ambos os lados cultivam essas relações, pois implicam não só em conhecimento prévio do outro e suas diferenças como também da aceitação e respeito das diferenças implícitas em aspectos culturais transversais que permeiam a vida de tais comunidades e servem de componentes para lhes construir sua identidade – única e especial, ao mesmo tempo que subjetiva e real. Há, porém, a necessidade de se pensar com discernimento, evitando o óbvio e o lugar comum, bem como qualquer indicativo de generalização, pois em tempos de globalização isso pode acarretar em resultados distorcidos. A globalização não pode ser como mera homogeneização cultural, uma vez que a multiplicidade dos efeitos globalizantes sobre a fragmentação dos territórios tem construído um mundo complexo, impossível de ser explicado por uma única linha de pensamento, uma única corrente teórica. Destaque-se ainda que a globalização não pode e nem deve ser considerada de forma despolitizada, como se fosse apenas uma força libertadora e criativa, uma vez que ela se apresenta marcada e constituída por assimetrias e estruturas de poder. Esta também é a percepção de Borja (2010, p. 7), que comenta: [...] ao mesmo tempo em que esses fluxos culturais globais têm oferecido novas formas de identificação mundializadas (através do consumo, de grupos transnacionais de interesses, etc.), disputando com as culturas nacionais o 25

papel de espaço de reconhecimento; esses mesmos fluxos, em muitos casos, levam a uma intensificação dos laços com o território, etnia ou agrupamento específico, unidades infranacionais de pertencimento, reavivando histórias de um passado mítico e modos compartilhados. Há uma espécie de reafirmação do que o diferencia diante do “outro”, cada vez mais próximo com as migrações, o turismo e a emergência de uma cultura global disseminada. Daí o paradoxo que marca as relações identitárias com a globalização: ao mesmo tempo em que há uma maior aproximação do “outro” e uma maior pluralização das identidades, há também um recrudescimento dos conflitos identitários, das políticas e discursos xenófobos, da articulação entre diferença e desigualdade, do endurecimento das fronteiras. Houve um verdadeiro processo de politização das identidades, transformadas em espaços privilegiados de disputas de poder.

Em consequência, é possível afirmar que, em se tomando os devidos cuidados e praticando-se os necessários expurgos, a mera existência de um forte referencial cultural conduz à possibilidade de produção de formas tangíveis de veiculação da cultura – por meio de objetos, símbolos e tecnologias que representam esse conteúdo, bem como o reconhecimento dessas representações que, segundo Bordieu, “juntamente com fatores mais objetivos, apresentam-se como co-instituintes de processos mais amplos de agregação de interesses e criação de identidades no interior de ações sociais de diversas naturezas” (BOURDIEU, 1996). Em síntese, se não existe maneira de se ter acesso a uma cópia fiel da realidade de um Estado determinado, pode-se fazer uma analogia, uma tentativa de leitura do mundo real a partir de uma construção elaborada com base em seu referencial cultural, já que as representações culturais de determinada sociedade expressariam o modo como processos históricos de transformação social mundial são acolhidos no seio dessa sociedade e de que forma nela ressoam, seus impactos e resultados. O conjunto dessas representações traduz e sintetiza a maneira como essa sociedade se percebe dentro das relações com objetos que a afetam; e se desnudaria, se revelando de forma simbólica, nos seus atos, costumes e instituições, concebendo ou plasmando um imaginário social circulante. Outro aspecto de fundamental importância destacar, é que ainda que as práticas sejam acertadas e institucionalizadas entre os atores, elas não os afetarão de modo uniforme. Como ensinam os construtivistas: valores, ideias, conhecimento e história afetam a maneira como os atores elaboram essa realidade social e, portanto, seu posicionamento doméstico e internacional. Suas preferências e crenças implicam na especificidade de suas ações; exemplificando, ideias capitalistas disseminadas no sistema são exatamente as mesmas, mas a reação à essas ideias, o modo que elas são efetivadas e implementadas, “vai depender das tradições (históricas, culturais, 26

etc.) de cada ator individualmente” (ADLER, 1999, p. 208).

1.2.1 A questão de identidade nas Relações Internacionais

Coube a Kenneth Waltz, em Theory of International Politics de 1979 (um clássico da vertente neorrealista), o pioneirismo no uso de variáveis da esfera doméstica em questões de política externa. Em seus escritos, o autor recomenda fortemente que, em análises teóricas na esfera das Relações Internacionais, todos os aspectos sejam considerados, relatando como elementos de constrangimentos decorrentes de escolhas e ações de um Estado se torna uma opção analítica de importância tal que provoca séria reflexão quanto à questão metodológica, ao ponto de questionar se as variáveis explicativas de decisões e comportamento internacional dos Estados seriam resultado de fatores no plano externo ou doméstico. Assim, ele deixa claro que “limitar-se à análise interna dos Estados seria insuficiente para explicar a continuidade e a recorrência de certos fenômenos no sistema internacional” (WALTZ, 1979, p.87). Além disso, Waltz (1979) também se empenhou em demonstrar que a estrutura do sistema internacional seria o principal fator explicativo para as ações externas dos Estados e que, em função disso, a ênfase analítica deveria se concentrar no nível sistêmico a fim de se possa delinear as causas reais e compreender porque diferentes Estados se comportam de forma semelhante. Nogueira (2017, p. 2) sintetiza essa nova forma de análise, bem como sua adequação e importância para o campo das Relações Internacionais: Uma abordagem que combine a investigação de fatores políticos, domésticos e internacionais possibilita aos analistas construírem modelos explicativos mais abrangentes acerca da política externa e permite que se chegue a melhores predições sobre o comportamento de um ator específico. Mostrou- se, portanto, a abordagem construtivista como uma opção analítica viável para as análises em Teoria de Relações Internacionais que objetivem compreender o papel dos atores sociais domésticos na construção de política internacional.

A análise do campo interno de um Estado passa necessariamente pela sua cultura, aqui evidenciada como o “modus vivendi” das pessoas que compõem uma determinada comunidade nacional, e que pode ser também definida como o “conjunto complexo constituído pela linguagem em todos os seus aspectos, pelos comportamentos, representações, valores, crenças, e tradições partilhados por determinado grupamento humano e que lhe conferem identidade” (MOTTA, 1996, 27

p.84) constituindo-se em referências coletivas. São essas mesmas referências coletivas que, quando bem trabalhadas, convergem a atenção da comunidade para os assuntos que devam ser considerados importantes para a nação como um todo e que, por este motivo, deve ser salientado, incentivado e valorizado, em contraponto com que deve deixar o rol das prioridades coletivas, ou mesmo deslocar o determinado detalhe para plano secundário no estabelecimento de um referencial coletivo e se reforça que “decisões no âmbito social, comportamental, econômico e político passam, necessariamente, pelo tipo de cultura estabelecido em uma sociedade, em relação às identidades circulantes e aos imaginários existentes” (MENEZES, 2011, p. 2). Não se deve ignorar que a identidade de um Estado motiva suas preferências e, desta forma, impacta as consequentes ações. Existe aí também uma espécie de projeção identitária, pois um Estado percebe os outros Estados “em consonância com a identidade que atribui a eles, reproduzindo, simultaneamente, sua própria identidade através da prática social diária. Além disso, os tipos de identidades implicam interesses, mas não são reduzidos a estes”. (HOPF, 1998, p.175). A resposta, expressa no comportamento ou na ação, adquirem significados somente dentro de um contexto social intersubjetivo; ou seja, “os atores desenvolvem suas relações com, e entendimentos de outros por intermédio de normas e práticas. Na ausência de normas, os exercícios de poder, ou ações, seriam desprovidos de significado” (HOPF, 1998, p.173). Ou seja, adotar os critérios de identidade não é um fator excludente da importância das normas e práticas e não lhes tira a legitimidade: [...] nem por isso as práticas institucionalizadas serão menos legítimas, o que se quer dizer é que elas assumem conotações diferentes em locais diferentes. Portanto, as ideias de identidade, tradição histórico-cultural, instituições, são ferramentas de que o construtivismo se utiliza para entender a posição e o cálculo racional dos atores dentro do sistema internacional. Ou seja, quando as ideias operarem como normas, elas não somente constrangerão os atores, mas também os constituirão e possibilitarão ações. As escolhas, portanto, são rigorosamente constrangidas pelas redes de entendimento das práticas, identidades e interesses de outros atores que prevalecem em contextos históricos particulares (HOPF, 1998, p.177). [...] os entendimentos coletivos possibilitam às pessoas compreenderem as razões pelas quais tudo se comporta de uma determinada maneira e indicam como elas devem usar suas habilidades materiais e seu poder. Acreditam que o mundo real não é inteiramente determinado pela realidade física ainda que aceitem a noção de mundo real, mas sim, que é socialmente emergente. Ou seja, as identidades, os interesses e o comportamento dos agentes políticos são socialmente construídos por significados, interpretações e pressupostos coletivos sobre o mundo (ADLER, 1999, p. 209).

A teoria de Wendt (1992), por seu turno, apresenta algumas (necessárias) 28

críticas ao neorrealismo de Waltz (1979) sob argumento de que ele não consegue explicar as mudanças dinâmicas do sistema internacional, já que considera a lógica da anarquia como uma constante, além de também afirmar que a estrutura deste sistema é formatada pela distribuição de capacidades materiais de seus atores. Ao discordar de ambas as premissas de Waltz (1979), o crítico defende que tais estruturas são, na verdade, formadas por distribuição de ideias e conhecimento; mas que ao criticar não implica desconsiderar a importância das forças materiais, pois crê que aquilo que imprime sentido/significado a estas forças é o saber compartilhado o qual depende da estrutura social dominante (hobbesiana, lockeana ou kantiana), não se esquecendo do fato que, ainda que a cultura seja conservadora, podem ocorrer mudanças de estrutura em função de contestações por parte de seus portadores ou agentes, tais como as decorrentes de contradições entre normas da cultura, de agentes não adequadamente socializados, de consequências intencionais de crenças compartilhadas, de choques exógenos (como guerras), e mesmo de criatividade (invenção de novas ideias dentro da cultura) (WENDT,1992). Ao se introduzir o uso do conceito de identidade nas Relações Internacionais a partir das premissas apresentadas, é possível enfrentar o desafio de imaginar sua esfera de atuação como estudos de relações interculturais, de aceitação e pesquisas sobre as diferenças não mais como ameaça, fonte de medo e fascínio, mas também como oportunidade, na qual a diferença é vista como um precioso recurso para autorreflexão e crítica social, e a partir da qual não pode mais ser organizada pelas dicotomias dentro/ fora, tão presente nas Relações Internacionais, mas que se encontra dentro e fora, revelando aspectos sobre si mesmo e sobre os outros. A diferença constrói o outro, mas também é parte fundante do próprio sujeito. E se o outro faz parte de mim, e só posso constituir-me como sujeito na relação com o todo. O todo aparece aqui como um horizonte incompleto dessa identidade deslocada, onde as demandas de todos devem ser negociadas (HALL, 2006). Na filosofia, na ciência política e na política em si, a construção da identidade rotineiramente foi assumida como exigindo a criação de "outros", senão a sua demonização pelo fato de serem diferentes. Em tempos modernos, os políticos e intelectuais criaram e exploraram rotineiramente essa dicotomia – entre o “nós" e "outros" – afim de promover a coesão social e o desenvolvimento doméstico por meio de conflito estrangeiro, como o que foi feito pelos governos europeus no século XVIII. Assim, " há uma ampla evidência histórica de que a construção da identidade tem sido 29

freqüentemente acompanhada pela criação de "outros" estereotipados” (LEBOW, 2008, p.496). No entanto, há pouca evidência empírica ou laboratorial para sustentar a afirmação de que a identidade ou a solidariedade nacional requer essa construção de "outros", muito menos a sua exclusão de comunidades domésticas, regionais ou internacionais; ou seja, a memória institucional e coletiva continuaria como a principal portadora de identidade e solidariedade de um determinado grupo (LEBOW, 2008). Já Berenskoetter (2010) faz uma síntese geral das concepções de Bloom e Wendt para aclarar as diferentes perspectivas que se pode ter sobre essa questão identitária e sua aplicação na releitura do Estado (sistema): William Bloom (1990) utiliza a noção de identidade coletiva para justificar teatralmente o tratamento do Estado como uma entidade composta de indivíduos. Ele explorou o fenômeno da "identidade nacional" (outra expressão para o termo nacionalismo) visando explicar a identificação do "público nacional em massa" com o Estado/Nação e a capacidade da liderança política para falar, representar e responder pelo o mesmo. Alexander Wendt (1992) a utilizou (a percepção de identidade) para teorização de nível sistêmico para oferecer uma nova leitura de como os estados e o sistema internacional são constituídos. Em vez de considerar os estados como unidades de poder autônomas e concorrentes, ele argumentou que as identidades estruturam as relações e vice-versa, transformando a anarquia em uma sociedade internacional dinâmica. (BERENSKOETTER, 2010, p.3596-3597).

Quanto a concepção de identidade em si, Rogers Brubaker e Frederick Cooper (2000) identificam cinco usos-chave para o entendimento desse termo, sendo eles: 1) A identidade como um fundamento ou base para a ação social ou política; 2) A identidade como um fenômeno coletivo que denota um certo grau de mesmidade entre os membros de um grupo ou categoria; 3) A identidade como um aspecto central da "individualidade", seja ela pessoa individual ou coletiva; 4) A identidade como produto da ação social ou política; e 5) A identidade como produto de discursos múltiplos e concorrentes. A partir dessa perspectiva, percebe-se que o termo "identidade" foi concebido para destacar modos de ação não-instrumentais, designar similitudes entre pessoas ou ao longo do tempo, captar aspectos fundamentais e essenciais da individualidade e até mesmo negar, por dessemelhança, que existam esses aspectos; foi também concebido para destacar o desenvolvimento processual e interativo da solidariedade e auto-compreensão coletiva, além de enfatizar a qualidade fragmentada da experiência contemporânea do "eu" – um eu instável, remendado entre fragmentos de 30

discurso e contingentemente ativado ao sabor dos contextos e interesses do poder constituido. (BRUBAKER e COOPER, 2000). Assim, da mesma forma que cada pessoa é capaz de possuir diversas identidades – ligadas a papéis institucionais, como irmão, filho, profissional e cidadão – um Estado também é, sendo essas múltiplas identidades traduzidas, por exemplo, como "soberano", "líder do mundo livre", "poder imperial". O compromisso e a proeminência das identidades particulares variam, mas cada identidade é uma definição inerentemente social do ator especificamente, fundamentado nas teorias que os atores coletivamente detêm sobre si e entre si, e que constituem a estrutura do mundo social (WENDT, 1992) (grifo nosso). Não faltam exemplos do poderio desse tipo de determinação: como exemplo típico e interessante é o caso do fim da Guerra Fria (1991), quando os Estados Unidos e a União Soviética decidiram que não eram mais inimigos. Só isso. Bastou essa declaração conjunta, e ela acabou. Fica claro, assim, que são os significados coletivos que constituem as estruturas que organizam essas ações, já que os atores adquirem identidades, e estas são relativamente estáveis, e desenvolvem entendimentos e expectativas sobre o próprio papel – participando de tais significados coletivos. As identidades são inerentemente relacionais: "A identidade, com seus anexos apropriados da realidade psicológica, é sempre a identidade dentro de um mundo social construído especificamente" (WENDT, 1992, p. 397-398). Os interesses, por sua vez, são partes inerentes e produtos dessas identidades. A constituição social dos interesses engloba todas as formas pelas quais os interesses e identidades dos atores podem ser influenciados por suas interações com os outros e com seu ambiente social. Isso inclui os processos de socialização e internalização, o impulso pelo reconhecimento social e pelo prestígio, os efeitos das normas sociais nos interesses e no comportamento (incluindo o desejo de criar normas que legitimam o comportamento de alguém), e a presença ou ausência de um senso de "comunidade" (HURD, 2008, p.330). Por fim, Gibbins (2012) nos fornece uma percepção sintética e simplificada quanto à questão da identidade nacional – seja ela definida como um conjunto de leis, mitos nacionais, cultura, memórias e/ou sentimento psicológico – esclarecendo que esta é o que, em essência, mantém a unidade de uma nação. A identidade torna-se assim importante por ser aquilo que dá o "sentido do eu", que permite a um país definir seus interesses e, portanto, seus resultados políticos, de sua forma especial e 31

peculiar. É a representação máxima de quem ainda somos e, em decorrência, define em grande parte, e determina o que fazemos. Assim, em última instância, a identidade nacional, de acordo com a posição construtivista, não é exógena ao sistema político, mas é construída através de processos de interação social, à medida que a identidade é construída e reconstruída, num processo contínuo e dinâmico, tendo como principal característica fundamental sua natureza em constante mudança.

1.2.2 A questão identitária entre a União Europeia e o Reino Unido

A questão da legitimidade e identidade da União Europeia - UE está na agenda dos debates públicos e científicos desde a implementação do Tratado de Maastricht, em 1993. À medida em que o referido tratado entrou em vigor, a Comunidade Europeia (CE) tornou-se a União Europeia (UE), sendo esta transição um ponto crucial no processo de integração europeia (FUCHS e KLINGEMANN, 2011, p.2). Considerando-se que a identidade de um organismo coletivo consiste no sentimento subjetivo de pertencimento de cada um em relação ao todo e entre si, no fato de efetivamente pertencerem juntos, e que isso é importante para legitimar a União Europeia não só no cenário internacional, mas também dentro de suas próprias fronteiras, cabe aqui discutirmos como funciona as questões identitárias quando aplicadas ao caso desse bloco específico, além da relação natural que estas possuem com o objeto de estudo desse trabalho: o Reino Unido e o Brexit. Primeiramente, é importante deixar claro que a integração europeia está fundamentada tanto em processo de consolidação institucional quanto na formação de uma comunidade supranacional com valores compartilhados; essas são as características que a diferenciam dos demais processos de integração regional e que despertam crescente interesse por suas singularidades e avanços na cooperação interestatal. Ao mesmo tempo, este processo diferenciado de integração traz também inúmeros desafios de ordem interna para sua consolidação, sendo o maior e mais complexo deles o desenvolvimento ou construção de uma identidade compartilhada que servirá como argamassa e como elemento legitimador do aprofundamento das relações europeias, ao mesmo tempo em que é elaborada e reforçada paulatinamente pelos próprios avanços da integração (SZUCKO, 2016). O maior entrave está no fato de que a vontade política de ceder competências 32

para o bloco ou compartilhá-las com ele – caso encontre respaldo na opinião popular doméstica majoritária – está indissoluvelmente atrelada à necessária existência de alguma identificação que os indivíduos, singular e coletivamente, tenham em relação à União Europeia. Além do mais, a solidez desta identidade coletiva está calcada nas crenças quanto à eficiência do bloco em promover os próprios interesses nacionais dos envolvidos, por meio da consolidação dos processos institucionais desta organização supranacional. Depreende-se que o aspecto identitário possa funcionar como um mecanismo aglutinador da integração regional, sendo que sua ausência ou debilidade tende a fragilizar a relação entre o país-membro e o todo, como se evidenciou na questão do Reino Unido versus União Europeia (SZUCKO, 2016): Conforme o processo de integração foi aprofundando-se, valores e objetivos comuns passaram a ser partilhados e serviram de base para a construção de uma narrativa sobre o que é ser europeu. Dessa forma, o aspecto identitário não seria causa subjacente da integração, mas uma de suas consequências, que se constrói progressivamente à medida que o processo avança. ” (SZUCKO, 2016, p. 4).

Assim, embora a antiga UE, com os seus quinze Estados-Membros, tenha claramente incorporado uma grande variedade de identidades, essas apresentavam entre si certa coerência e afinidades identitárias. No entanto, com os alargamentos de 2004/2007 passou-se a criar – quase que de maneira um tanto forçada por pressões alheias aos interesses da própria UE – uma experiência identitária que difere muito dos seus resultados anteriores, com bem menos pontos de conflitos. A partir disso, é como se tivesse ocorrido uma espécie de fratura (ainda não exposta) do bloco, com uma Europa Ocidental politicamente coerente centrada na União Europeia (UE), enquanto uma Europa politicamente mais frouxa e abrangente está experimentando nítida expansão (CHECKEL e KATZENSTEIN, 2009). Ao mesmo tempo em que isso ocorre, se espera e deseja que a Europa Ocidental atue como um agente catalizador ainda mais forte no projeto de modernização da Europa Oriental. No entanto, Checkel e Katzenstein (2009) apontam como é um erro visceral ver os novos membros orientais da UE como pouco mais do que navios capturando as visões políticas e programas de seus antigos membros ocidentais, quando se sabe que estes ingressão no bloco com suas próprias visões e versões de programas e políticas ancoradas em uma história que aponta para diferenças persistentes de experiências e memórias. Assim, torna-se um desafio que Oriente e Ocidente, novos e velhos, tenham de forjar novos laços políticos entre si, exigindo um ajuste considerável do lado Ocidental e, muito provavelmente, a mudança 33

dramática em Bruxelas (CHECKEL e KATZENSTEIN, 2009, p.214-215). Sobre os impactos da União Européia na identidade de seus Estados- Membros, Szucko (2016, p. 6-7) aponta que estes podem variar de país para país de acordo com suas peculiaridades e imersões no bloco europeu, oferecendo como um bom exemplo bem sucedido para isso o caso da Alemanha, ao mesmo tempo que dá contraste ao caso do Reino Unido: O impacto da União Europeia nas identidades coletivas tende a variar de acordo com o grau de imersão da integração europeia na consciência coletiva dos cidadãos. Por este motivo, o significado de “ser europeu” difere de país para país [...] Um exemplo é a Alemanha que reconstruiu sua identidade nacional no pós-Segunda Guerra Mundial associada à ideia de uma Europa unida e, desde então, tem sido o grande motor da unificação europeia. O Reino Unido, ao contrário, apresenta fraca identidade europeia, o que dificulta um maior aprofundamento e envolvimento na integração europeia. No que tange aos aspectos cívico-institucionais, o Reino Unido é um dos países do bloco que apresenta o menor nível de identificação com esta dimensão. Isto porque o país acordou a opção de exclusão tanto no Espaço Schengen, um acordo que facilita a mobilidade dos cidadãos dos países-membros, quanto na Zona Euro, uma união econômica e monetária com a utilização de uma moeda comum. O governo britânico não aceitou partilhar determinadas competências nacionais, como o controle das fronteiras e a política monetária, com a União Europeia.

Na percepção de Andrea Schlenker-Fischer, registrada no capítulo Multiple Identities and attitudes towards cultural diversity in Europe: a conceptual and empirical analysis do livro editado por Fuchs e Klingemann, as identidades nacionais mais abertas a outras culturas são as mais propícias a uma identificação com uma identidade europeia pós-nacional, destacando que a maneira nacional de enquadrar as relações "nós-eles" com relação a "outros" intra-estaduais, como minorias culturais ou imigrantes, pode influenciar essa compatibilidade. “Isto é, a forma como a comunidade nacional é construída em relação à diversidade cultural dentro de um país influencia a disposição dos cidadãos a se identificarem com uma comunidade mais ampla caracterizada pela alta diversidade cultural como a Europa” (FUCHS; KLINGEMANN, 2011, p. 88) Como o orgulho2 e identidade são exacerbados no sentido de pertencer ao Reino Unido, é provável que esteja aí a origem de seus problemas com o bloco e a

2 As definições de orgulho que serão consideradas aqui é a de Max Wind-Cowie e Thomas Gregory na obra “A Place for Pride” (Disponível em: https://www.demos.co.uk/files/Place_for_pride_-_web.pdf?1321618230), onde se detalha a questão específica dos orgulhos britânicos, elencando questões identitárias e simbólicas. Mas em síntese, o que se precisa entender nesse primeiro momento é o orgulho dentro dos aspectos cívicos e nacionais, sendo o primeiro aplicado ao âmbito comunitário e coletivo, não universal, normalmente considerados para regiões, cidades, classes e cidades específicas; já o segundo consideraria pura e simplesmente o orgulho nacional, ou seja, aplicado ao país em si, sendo essa a categoria mais simples e representante essencial do patriotismo. 34

culminação no Brexit em si. Como veremos mais a frente, tudo faz crer que o Referendum tenha se tratado muito mais de uma batalha egóica inflada pelo sentimento nacionalista britânico do que efetivamente problemas econômico- financeiros e demais alegações usadas em propagandas que defendiam a saída (Leave) do Reino Unido da União Europeia. Mas antes disso, é preciso entender o que é ser britânico. Segundo Shi (2008, p.102), definir a identidade nacional britânica nunca foi uma das tarefas das mais fáceis: `Ser britânico é uma ideologia variável´, como retratado por Richard Eyre (2004) em um artigo publicado no The Guardian. É verdade que nunca houve uma definição imutável de "Britishness". As noções de "Britishness" foram desafiadas pelas tendências nacionais e internacionais pós-Segunda Guerra Mundial, como a perda do império, a imigração negra e asiática, a entrada na União Europeia (UE), a descentralização, a globalização, etc. Durante décadas, o país tem enfrentado o desafio de redefinir ou reconstruir "the Britishness", a fim de forjar um Estado-nação mais sólido. Na virada do século, a interpretação da identidade nacional britânica como uma conjunção do passado histórico e do futuro político parece um terreno seguro com certo consenso escolástico.

Tendo isso em mente, iremos começar a estudar essa questão através da abordagem histórica, onde se busca a compreensão dos fatores identitários e suas nuances de forma a traçar as características desenvolvidas nesse plano, bem como isso afetou e ainda pode estar afetando a perspectiva do Reino Unido que temos hoje. Historicamente, a identidade britânica em si é uma construção relativamente recente e foi gradualmente sobreposta às identidades nacionais anteriores de inglês, galês, escocês e irlandês. Por toda a sua história (relativamente curta), a Grã-Bretanha tem sido, portanto, um Estado multinacional, onde uma identidade britânica tem de coexistir com várias outras identidades nacionais separadas (HEAT; ROBERTS, 2008). De acordo com Heat e Roberts, (2008, p.4), é possível registrar as etapas da formação desse reino de acordo com os marcos históricos registrados no Quadro 1, a seguir: Quadro 1: Formação do Reino Unido e suas denominações a cada evento Ano Evento Denominação 1536 País de Gales foi formalmente incorporado à Inglaterra pelo Ato Inglaterra de União 1707 Ato de União entre Inglaterra, País de Gales e Escócia Grã-Bretanha 1801 Ato de União entre Grã-Bretanha e Irlanda Reino Unido 1922 Os vinte e seis (26) condados da Irlanda do Sul e do Oeste Reino Unido da formaram o Estado Livre da Irlanda. O Reino Unido ficou Grã-Bretanha e composto pela Grã-Bretanha e pelos seis condados da Irlanda do Norte Província do Ulster (Irlanda do Norte) Fonte: Elaborado pela autora a partir de (HEAT & ROBERTS, 2008, p.4) 35

Assim, ainda que o Reino Unido tenha se constituido através da união parlamentar da Inglaterra e Escócia em 1707, o estado novo (que incluiu o principado de Wales) não adotou formalmente o título até o advento da união com a Irlanda, em 1801, passando a ser o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda e, posteriormente, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte com a formação do Estado Livre Irlandês em 1921 (HEAT e ROBERTS, 2008). Na visão de Hugh Kearney (1989), que é um diferenciada da pespectiva de Heat e Roberts, a história britânica pode ser vista como um complexo de culturas interagindo com a Inglaterra e fazendo parte de um “conglomerado multinacional”. Nesse sentido, sua pesquisa analisa as muitas falhas culturais que salpicaram as Ilhas, ilustrando, para isso, o contexto em que se encontrava a Escócia no século XVI, destacando que esta possuia um oeste gaélico ligado à Província de Ulster, e com lealdade aos chefes locais, ao mesmo tempo em que se tinha relações pouco amigáveis com as Terras Baixas de língua inglesa, onde a lealdade feudal foi determinada pela persuasão religiosa e uma insistência puritana da leitura bíblica. Da mesma maneira, Samuel Raphael argumenta como as fronteiras da Inglaterra anglo-saxônica eram inteiramente permeáveis, com a Escócia parecendo politicamente unida, mas enfrentada com uma mistura de irlandeses, pictos, angles, Saxões e britânicos: “Foram habitadas por praticamente todos, exceto os escoceses” (SAMUEL, 1995, p.276); o mesmo tipo de fratura ocorreu no País de Gales, segundo o qual duas culturas ficaram subdivididas por religião e classe (SAMUEL, 1999, p.27), sem esquecer de menciomar o símbolo da divisão territorial, o Dique de Offa, funcionando realmente como um ponto de passagem que sugere uma relação simbiótica entre os senhores ingleses e galeses (GIBBINS, 2012, p.83-84). Em contrate, a abordagem de Linda Colley (1992, p. 6) prefere enfatizar o ufanismo da forma como foi forjada, ao invés de destacar o quanto sempre foi desagregada: "A britania foi superposta a uma série de conflitos internos. Diferenças em resposta ao contato com o Outro e, sobretudo, em resposta ao conflito com o Outro" (lembrando que este “outro” se tratava da França católica). A posteriori, Colley (1992a) citada por Gibbins amplia o quadro de análise para incluir no exterior como um constituinte importante na fabricação da Grã-Bretanha. Assim, ela argumenta, que a Grã-Bretanha foi forjada "de cima para baixo" pelos complementos gêmeos do Protestantismo e do Império como uma forma de lidar com a ameaça católica. Isto 36

coloca a Irlanda como um ator periférico, ressaltando que "os galeses, os escoceses e os ingleses viram (e muitas vezes ainda vêem) os irlandeses como alienígenas de uma maneira que não se consideravam uns aos outros como alienígenas". (GIBBINS, 2012, p. 84-85) Todavia, para a grande maioria do povo britânico, “Reino Unido” é apenas uma expressão reservada para passaportes, pedidos de visto e outros fins oficiais. Os antigos passaportes britânicos se referiam a um cidadão do Reino Unido e das Colônias, mas poucos viram ou procuraram uma identidade nacional nestes termos oficiais. Contudo, é possível notar que, com as conversações atuais sobre a ruptura da Grã-Bretanha e as ameaças à integridade do Reino Unido, tem havido um aumento das referências ao Reino Unido em declarações públicas, notadamente por parte de políticos (KUMAR, 2003, páginas 6-7). Para Nairn (1988, p. 93), quando se trata de abordar a história britânica, uma dificuldade inicial que se destaca é identificar de que forma a Grã-Bretanha é categorizada, surgindo então uma miríade de termos diferentes, mas todos igualmente insatisfatórios, assim como é também insatisfatória e distorcida a percepção que o britânico tem de si mesmo: “Nós vivemos em um Estado com uma variedade de títulos com diferentes funções e nuances – o Reino Unido (ou 'Yookay', como diz Raymond Williams), Grã-Bretanha (dos galardões imperias), Grã-Bretanha (Poético, mas problemático)”. Sem esquecer ainda das Ilhas Britânicas (identidade geográficas), "Este País" (todos dentro da mesma estrutura) ou "Este nosso pequeno país" (defensivo-shakespeariano), etc., restando claro que esta profusão confusa de “identidades” revela que as várias classificações são invocadas para servir a um propósito político particular. As identidades, portanto, possuem múltiplos significados ao sabor da vontade dos que detêm o poder de usá-las (GIBBINS, 2012, p.81). Como já foi comentado anteriormente, é comum que ocorra, com o propósito de unir o país – e até ganhar eleições como nesse nosso caso mais específico, os apelos à identidade nacional; nesse sentido, é particularmente comum utilizar a definição de "Britishness" para fazer parte desse jogo entre políticas partidárias, dando a entender que, em certa medida, cabe ao governo promover esse sentimento de identidade/ "Britishness" entre seus cidadãos e aos políticos definir o que significa ser britânico (SHI, 2008). Em consonância com essa percepção, Bernard Crick fala a respeito de identificar-se como "britânico", explicando que não é a mesma coisa que se identificar com características individuais e especiais de cada povo que compõe o 37

Reino Unido. Ser britânico pode não ser o calor e a forma de ser do inglês, escocês, galês ou irlandês. "Britânico" é uma fidelidade utilitária limitada apenas às instituições políticas e jurídicas que ainda mantêm este Estado multinacional em conjunto (The Independent, 21 de maio de 1993). Nesse contexto, não é de se espantar que a maioria dos ingleses, galeses e escoceses não se consideram "britânicos"; e apenas uma maioria de Protestantes do Ulster o faz. Assim, enquanto os estrangeiros usam a denominação "britânicos" livremente, estes referem-se ao seu próprio comércio com outras nações, à sua própria economia e forças armadas, à sua própria nacionalidade jurídica, aos habitantes das culturas pré e não anglo-saxónicas da ilha, a Grã-Bretanha, e a outros assuntos fazendo o uso do termo “britânico”, mas raramente em relação a si mesmos em sua vida social, cultural ou pessoal. Esta fria e quase indiferença do nativo do Reino Unido em relação ao termo "britânico" é hoje em dia altamente problemática. Com o ressurgimento dos movimentos nacionalistas na Escócia, no País de Gales e na Ilha do Norte e o afluxo de muitas centenas de milhares de imigrantes que não se consideram ingleses, nem escoceses, etc., a denominação "britânica" tende a desaparecer, a menos que a unidade política e social do Reino Unido seja preservada. No entanto, são exatamente essas mesmas forças que estão tornando a preservação uma tarefa bem mais difícil (KUMAR, 2003, p.6). Como se não bastasse a situação confusa, ainda devemos considerar o papel dos Estados Unidos neste processo, sendo vários os autores que destacam sua significativa influência na questão identitária britânica. O melhor deles, Bell (1996), evidencia que o papel dos Estados Unidos na formação da identidade britânica é particularmente notável por sua relação com o Reino Unido incluir não apenas a rivalidade mútua tão associada ao continente, mas também sentimentos de comunhão e de parentesco talvez encarnados no argumento da "Relação especial". Nesse sentido, as ligações entre a Grã-Bretanha e suas colônias distantes eram melhor mantidas por um sentimento de coesão e, como a Grã-Bretanha era o lar da liberdade na Europa, por um sentimento de analogia que também projetava o sentimento do que foi o Império Britânico na América (GREENE, 1998, p. 223). Colley (1992, p. 353) observou como a perda das colônias americanas instigou "um aumento do entusiasmo pela reforma parlamentar, pela reforma imperial, pela liberalização religiosa, pelas reformas das prisões e dos asilos lunáticos: praticamente qualquer mudança, de fato, que possa impedir uma humilhação nacional semelhante 38

no futuro”. Por essa razão, essa questão da humilhação e a natureza turbulenta mais ampla do relacionamento da Grã-Bretanha com a América revelam várias configurações mutáveis da identidade nacional britânica, como Hitchens (1990, p. 24) menciona: A Grã-Bretanha pós-imperial, durante o árduo e às vezes embaraçoso processo de se tornar pós-imperial, inclinou-se muito decididamente para os Estados Unidos. Não sem rancor, ela nomeou os Estados Unidos como seu sucessor. Não sem arbitrariedade e reserva, os Estados Unidos assumiram a sucessão.

Hitchens (1990) ao prosseguir seus relatos, continua a revelar como os remanescentes do Império foram reformulados pelas elites governantes para revigorar a idéia de que a Grã-Bretanha ainda tinha um papel a desempenhar em um mundo que já não é moldado por ela. Tendo esclarecido as questões identitárias aplicadas tanto ao contexto da União Europeia quanto ao do Reino Unido, passamos agora para a parte em que compreendemos como esses dois aspectos se interligam e sobrepõe. Primeiramente, é importante esclarecer a questão do we-feeling que, segundo Easton (1965), denomina a condição necessária e absoluta para fazer com que um certo número de indivíduos deseje cooperar politicamente, evidenciando-se que se não houver essa vontade de cooperar justamente baseada no sentimento de pertencimento provocado pelas identidades, os regimes se tornam incapazes de se manterem a longo prazo (FUCHS; KLINGEMANN, 2011). Tendo isso em mente, e com a finalidade de facilitar a compreensão dessas sobreposições identitárias entre União Europeia e Reino Unido, Angelica Szucko (2016) propõe a divisão das dimensões identitárias – as quais impactam o sentimento de identificação da população de um país com a União Europeia – em três categorias: a cívico-institucional, a histórico-cultural e a nacional. Relativa à dimensão cívico-institucional, Szucko (2016, p. 4) explica que o processo de institucionalização contribui para o fortalecimento das identidades europeias ao moldar padrões e comportamentos e ao inserir-se no dia-a-dia da população, criando novas memórias coletivas compartilhadas. Dessa forma, essa identidade cívico-institucional seria então fundamentada na consolidação das instituições do bloco e nas normas comunitárias (FUCHS; KLINGEMANN, 2011). É importante ressaltar ainda que essa identidade cívico-institucional está relacionada com a existência de uma estrutura política e de símbolos compartilhados – como uma bandeira, um hino, uma moeda e a noção de cidadania – sendo o grau de percepção 39

positivo das semelhanças existentes entre os membros do bloco diretamente relacionado ao maior sentimento de europeidade (SZUCKO, 2016). Dentro dessa dimensão, a identificação do Reino Unido com a União Europeia é baixa, uma vez que o governo britânico por diversas vezes resistiu e se negou a partilhar competências nacionais com o bloco – como o controle das fronteiras e a política monetária, além de estar sempre questionando cada vírgula dos tratados propostos por esta. Já a dimensão histórico-cultural compreende que a existência de um passado em comum com memórias compartilhadas – o que supriria o quesito de formação de uma memória coletiva – como, por exemplo, por meio de símbolos, valores, experiências em conjunto, adensa o sentimento de pertencimento a uma comunidade ou nação, o que, por sua vez, é parte integrante de uma forte comunidade imaginada europeia. Nesse sentido, esses aspectos históricos e culturais são relevantes no processo de construção da identidade deste ente supranacional uma vez que são responsáveis por forjar as memórias compartilhadas – tais como as lembranças de guerras devastadoras no continente – enquanto se faz um contraponto a seu passado nefasto. Dessa forma, as comunidades europeias buscam por se pautarem na consolidação de valores comuns que possam desestimular a emergência de conflitos, a exemplo da defesa da paz, da promoção da democracia, do Estado de direito e do respeito aos direitos humanos. Assim, nessa dimensão, o Reino Unido está mais próximo e identificado com a União Europeia dado o longo passado compartilhado e, principalmente, da participação nas duas guerras mundiais. Além disso, em razão do Reino Unido vincular esse aspecto histórico ao âmbito cultural e não ao econômico, percebemos o porquê da identidade histórico-cultural ser mais acentuada do que a identidade cívico-institucional (SZUCKO, 2016). Por último, a respeito da formação dessa dimensão nacional, alguns autores (SCHLENKER-FISCHER, 2010; FUCHS; KLINGEMANN, 2011) apontam que o alto grau de nacionalismo, o qual emerge de uma história compartilhada e está fortemente fundado na experiência comum, é percebido como um dos principais obstáculos para a emergência de uma identidade coletiva pós-nacional europeia. A identidade nacional, de modo geral, está em constante tensão devido ao sentimento de pertencimento a uma outra identidade comunitária supranacional, ainda que ambas possam coexistir harmonicamente. As ondas de resistência e de incredulidade no projeto de integração regional revelam a fragilidade da identidade europeia, 40

lembrando que “[...] quanto maior a identificação nacional, menor a possibilidade de emergência de uma identidade europeia” (SZUCKO, 2016, p. 5). A partir disso, constata-se que em relação à dimensão nacional, o forte nacionalismo do Reino Unido é priorizado em detrimento de uma identificação com a União Europeia, o que pode ser percebido através de dados coletados pelo Eurobarometer em 2015. Ao se pesquisar a identificação das populações dos países do bloco europeu com a identidade europeia, constatou-se que, no Reino Unido, apenas 56% da população declararou sentir-se cidadã da União Europeia, o que contrasta com a média europeia de 67% e não deixa dúvidas seu baixo índice (EUROPEAN COMMISSION, 2015, p. 17). Além disso, ao responder a pergunta Do you see yourself as...?, 64% dos britânicos escolheram a opção “apenas nacional”, sendo este o maior valor registrado entre todos os países-membros do bloco, o que reitera o argumento do forte nacionalismo no Reino Unido (SZUCKO, 2016, p. 7). Em síntese, como defende Szucko (2016) ao final de sua narrativa, o Reino Unido caracteriza-se por identidades cívico-institucional fraca, histórico-cultural entre intermediária e forte e nacional forte, resultando em uma identidade europeia fraca. O país é um dos menos propensos à emergência de uma identidade europeia pós- nacional e a uma integração mais profunda. Isto posto, não se pode considerar uma grande surpresa o resultado do referendo de 2016 nem o Brexit. Dadas as informações aqui expostas e interpretadas, conclui-se que as identidades que hoje compôem a Europa só existem no plural, uma vez que não há, de fato, uma só Europa. Além disso, ressalta-se novamente sobre como é difícil a construção de uma identidade supranacional, especialmente quando se tenta abarcar tantos países com tantos aspectos diferentes e particularidades, e que, justamente por isso, a União Europeia ainda precisa lidar com desafios diários para garantir sua integridade e legimidade a longo prazo. Por fim, aponta-se mais uma vez sobre a difícil sobreposição de identidades especialmente quando se trata do Reino Unido, já que este parece fragmentado e pouco coeso dentro de si mesmo. Assim, entendido esse processo de como as identidades se formam e fluem através do tempo, passamos então a discutir no segundo capítulo o plano em que se desenvolveu a ideia de uma Europa unificada bem como o papel do Reino Unido nesse processo e sua atuação até a ocorrência do Brexit.

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2 A UNIÃO EUROPEIA E O REINO UNIDO

“European integration is in reality a question of war and peace in the 21st century” Helmut Kohl, Chanceler alemão em 1996

2.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS E PROCESSO DE FORMAÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA

A Europa sempre foi um continente turbulento e marcado por diversos conflitos ao longo dos séculos. Os palcos e os holofotes das disputas travadas nesse continente sempre mostraram uma multipolaridade dinâmica, com alianças e rompimentos sucessivos, ao sabor das informações e contrainformações que as motivassem, consolidassem, ou mesmo destruíssem as parcerias já constituídas. Uma característica recorrente era a disputa por recursos naturais como o carvão e o aço entre França e Alemanha, que demandaram diversas vezes a região de Alsácia- Lorena (WILLIAMSON, 1991). Justamente por esse motivo, a ideia de uma união entre seus países não é nova. Aliás, vários pensadores, já a partir da idade média, vinham falando dessa possibilidade: A ideia de uma unidade europeia sempre fora, ao longo de séculos, sonhada pelos seus cidadãos. Economistas como Bentham e Saint-Simon, filósofos como Immanuel Kant, pensadores políticos e homens de Estado, como Jean-Jacques Rousseau, sempre, no decorrer dos séculos, sentiam-se atraídos pela ideia. Em plena Idade Média (denominada por alguns pseudo pesquisadores como “Idade das Trevas”) nos idos de 1304, o jurista Dubois já concebia o projeto de Estados Unidos da Europa (JUNQUEIRA, 2008, p. 109).

Dora Resende Alves, em “A Estrutura da União Europeia”, 2017, situa com precisão os primeiros tratados formalizados e assinados com menção a uma organização da Europa Central, como o que ocorreu ao final da Guerra dos Trinta Anos – com suas negociações iniciadas em 1644, mas demorando em torno de quatro anos para serem concluídas. Em seguida, Guillermo Pérez Sánchez deixa claro que, apesar dessas medidas terem sido tomadas com tanta precedência, apenas 300 anos depois desses primeiros fatos é que ocorre a determinação em se construir e concretizar a ideia tão pensada de União Europeia. A Paz de Vestefália (Westfalen, na Alemanha) que, em 24 de outubro de 1648, pela publicação dos Tratados de Münster e Osnabrück, põe fim à 42

Guerra dos Trinta Anos, compreendia cláusulas territoriais, constitucionais e religiosas. Os tratados de Vestefália lançaram as bases de uma organização da Europa Central, que subsistiu nas suas grandes linhas até às conquistas da Revolução Francesa e de Napoleão, num sentido de atomização (ALVES, 2017, p. 270). Só 300 anos depois se enfrenta na Europa, por sua própria determinação, uma nova tarefa de integração. Não importa se o ritmo é mais ou menos acelerado se a intenção é firme e a continuidade segura. O compromisso é exigente porque os Estados devem chegar a sacrificar uma parte do que tem sido entendido como domínio exclusivo da sua soberania em prol de um interesse coletivo (PÉREZ SÁNCHEZ, 2007, p. 1)

Um dos principais marcos no processo de concepção e disseminação da ideia de unificação do continente europeu se deu através de declarações de um jovem aristocrata, Coudenhove-Kalergi, o conde austríaco que, em 1922, declara a jornais europeus dezenas de mensagens a respeito da formação de uma União Pan- europeia, com grande repercussão em quase todo continente. Esse conceito se consagrou como tema central em sua obra Paneuropa, que foi publicada em 1923. Este foi um dos pontos iniciais que demonstraram a urgência da renovação das formas tradicionais de organização política da Europa, uma vez que as ideias de Coudenhove-Kalergi conseguiram convencer o então ministro dos Negócios Estrangeiros da França, Édouard Herriot, e o levou, em 1925, a um apelo oficial ao Parlamento Francês em prol da mesma bandeira. A ideia acabou se espalhando em toda a Europa e, em 1926, inúmeros economistas, políticos e homens fortes bradavam pela criação de uma “União Econômica e Aduaneira Europeia” (JUNQUEIRA, 2008). Em 1929, o então Ministro dos Negócios Estrangeiros da França, Aristides Briand, dedicou-se com verdadeiro empenho na tarefa de ampliar e difundir o conceito, que já encontrava eco em todos os níveis nos Estados europeus; apesar dos vários entraves causados pela Grã-Bretanha, “destemidamente, apresenta seu projeto de uma União Europeia ao apreço da Assembleia da então Sociedade das Nações a 05 de setembro de 1929” (JUNQUEIRA, 2008, p. 103). Os conflitos localizados e regionalizados foram frequentes ao longo dos séculos, mas os eventos mais significativos e extremamente devastadores para o continente como um todo ocorreram no Século XX: as duas Guerras Mundiais. Foi no período entre as duas guerras mundiais do século XX que se encontrou uma atmosfera favorável à concreção do antigo sonho do “Velho Continente”, principalmente após o trágico e desumano episódio da Segunda Guerra Mundial. Por mais paradoxal que possa aparentar, a Segunda Guerra, estimulou a reposição de novas bases com palpáveis projetos para a realização de uma unidade europeia” (JUNQUEIRA, 2008, p. 101).

Assim, ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e em decorrência dos 43

próprios traumas provocados por esta vivência, tem início a tentativa de harmonização dos múltiplos interesses, demonstração coletiva e conjunta em uma nova fase na política europeia. Nesse contexto, a reação natural e generalizada que passou a ser a prioridade dos Estados Europeus do pós-guerra foi estabelecer meios de proporcionar a reconstrução e, ao mesmo tempo, assegurar o abastecimento básico e a criação de estruturas que funcionassem além dos nacionalismos exacerbados e tradicionais (PFETSCH, 2001). Eles acreditavam que dessa forma, ao se dedicarem à criação e concretização dessa estrutura, poderiam impedir o ressurgir do horror e morte trazidos pelas hostilidades. Na visão de Pfetsch (2001, p. 19), a articulação da unificação europeia se deu em duas linhas principais de motivação: busca de equilíbrio e a meta do comprometimento: 1. As alianças, no sentido clássico do equilíbrio, destinavam-se a evitar o aumento do poder de uma determinada potência dominante. Assim, por exemplo, o duque de Sully agiu contra o cerco da França pelos Habsburgos, que se haviam instalado mediante uma política sucessória bem-sucedida, na Espanha, nos Países Baixos e na Áustria. Também as reflexões do abade de Saint-Pierre se voltavam contra a dominação de vários Estados por uma só potência. 2. Consequentemente, a etapa seguinte do projeto de unificação consiste no comprometimento de uma potência dominante em estruturas abrangentes. Como exemplo, temos aqui a proposta de Briand de uma "união federal europeia" e as reflexões de Blum. As propostas do general De Gaulle, tempos mais tarde, de uma aliança com a União Soviética, tinham também por objetivo uma domesticação suave das tendências expansionistas de Stalin.

Assim, a partir da manutenção do equilíbrio no continente, conjuntamente com o crescente comprometimento entre as autoridades europeias quanto à formação de uma União entre seus países, o Projeto Europa assume seu primeiro arcabouço institucional em meados do século XX, através da fundação do Conselho da Europa – que abrangia todas as áreas, com exceção da política de defesa. Os debates acalorados a respeito da forma como este conselho deveria assumir no círculo político europeu permitem inferir, pela primeira vez, as várias concepções institucionais que iriam formatar a posteriori a evolução das Comunidades Europeias e da União Europeia” (PFETSCH, 2001): Carlo Schmid (1896-1979), ele próprio membro do Conselho da Europa, conta em suas Memórias que os debates no Conselho da Europa estavam marcados por três grupos principais: os universalistas, os constitucionalistas e os funcionalistas. [...] Os universalistas entendiam a Europa como uma "Europa plena", incluindo os países do Leste e do Oeste europeus. Os constitucionalistas exigiam uma constituição dos Estados Unidos da Europa, a ser elaborada e votada por uma Assembleia 44

Constituinte, submetida a referendos em cada país e ratificada por um plebiscito geral da "nação europeia". Os funcionalistas, por fim, não consideravam que os requisitos para uma constituição europeia estivessem dados. Primeiramente ter-se-ia que criar as condições materiais e políticas. Somente uma Europa econômica lançaria as bases de um Estado constitucional europeu (Schmid, 1979: 467-468). Essa última tendência acaba por assumir caráter oficial, com a fundação, em 1961, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (Organization for Economic Cooperation and Development - OECD), que sucedeu a OCEE” (PFETSCH, 2001, p. 30).

Necessário reconhecer, portanto, que: “Embora a iniciativa comunitária e toda a operação de constituição de um espaço supranacional tenham sido movidas pela geopolítica, o lastro material do processo foi sempre a economia” (MAGNOLI, 1997, p. 43). Evidenciando-se além do debate acalorado sobre como e por onde deveria se começar a amalgamação dos estados europeus, os autores Junqueira (2008), Ramos (2009) e Pfetsch (2001) relatam ainda os esforços e ações desenvolvidas nesse período com o fim de aclarar o real clima em que se deu a ocorrência desses fatos – em especial quanto à criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), que representou a “pedra fundamental” da construção e integração da União Europeia. É a partir de 1945 que se deflagra o movimento em prol da criação de uma nova Europa, que deveria ter unidade e força capazes de evitar que fossem repetidas as atrocidades perpetradas ao longo das duas guerras mundiais, bem como deveria apresentar melhores condições de inserção no âmbito das relações internacionais. (JUNQUEIRA, 2008, p. 12). Numa comunicação do ministro francês das Relações Exteriores, Robert Schuman (1886-1963), ao Conselho de Ministros, em 9 de maio de 1950, justos cinco anos após o término da Segunda Guerra Mundial, foi anunciada a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Ceca). A evolução de uma Europa para além dos nacionalismos delineia-se no horizonte da política europeia (PFETSCH, 2001, p. 31) . [...] após o fim da II Guerra, os países europeus, dentre eles França e Alemanha, se unem numa empreitada cooperativa e inicia o processo de integração regional em 1951, dentro da chamada primeira onda de regionalismo, com a formação da comunidade Europeia do Carvão e do Aço (RAMOS, 2009, p. 12).

Nesse contexto, Jean Monnet – ao conceber a ideia dessa Comunidade, entendia claramente o objetivo primordial a ser atingido: a reconciliação política entre a França e a Alemanha. Para tanto, escolheu como meio o aspecto econômico, com a criação de um mecanismo supranacional da indústria siderúrgica e dos recursos naturais que a alimentam, sendo selado esse compromisso por um símbolo histórico poderoso: a faixa de fronteira franco-germânica que envolvia a Alsácia, a Lorena, o Sarre e o Ruhr (MAGNOLI, 1997). 45

Em 1952, com a assinatura do Tratado de Paris, surge a denominada “Europa dos 6” – composta por França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo – formalizando a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). Isso marcou oficialmente o início do processo de cooperação e integração da região com escopo de liberalizar a circulação de carvão e aço, além das suas fontes de produção. A efetividade na implementação dessas medidas tornou-se a mola propulsora do estabelecimento dessa Comunidade como principal organização de convergência de interesses da Europa (RAMOS, 2009). Em meio às tensões geradas pela Guerra Fria (Estados Unidos vs União Soviética), os países membros da CECA se reúnem novamente, em 1956, para discutir as possibilidades de avanço da integração. O resultado é a elaboração de um projeto de cooperação econômica e de energia nuclear, implementados nos dois anos seguintes (1957 e 1958) através da assinatura dos Tratados de Roma; assim são instituídas a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia de Energia Atômica (EURATOM), sendo tanto elas quanto a própria CECA marcadas pelo arranjo de instituições intergovernamentais e supranacionais (MAGNOLI, 1997; RAMOS, 2009). Nesse sentido e de forma mais clara, Junqueira (2008) sintetiza essa questão explicando que: Com o gradativo processo de integração econômica começa a ser consolidada a concepção da “Comunidade Econômica Europeia” [...] Tal concepção passa, por sua vez, a exigir o desenvolvimento de instituições comuns (como a Comissão, o Conselho, o Parlamento e a Corte europeia), a criação de um mercado comum e a progressiva coordenação de políticas econômico-sociais, de forma também a integrar os novos Estados-membros (JUNQUEIRA, 2008, p. 12).

Desta forma, cinco anos após a concretização da primeira iniciativa de cooperação e unificação europeia, o Tratado de Roma estende para o conjunto da economia as ideias essenciais presentes no acordo da CECA. A partir disso, com a criação da CEE, a Europa começa de fato as articulações para a constituição do Mercado Comum e da União Aduaneira, sendo o primeiro implementado já no ano de 1959 e o segundo em 1968. No entanto, é importante ressaltar que ambas as implementações foram iniciadas nesses anos e não necessariamente concluídas, pois o Mercado Comum e suas quatro liberdades (livre circulação de mercadorias, serviços, pessoas e capital), por exemplo, só foram plenamente alcançados na década de 1990 (RAMOS, 2009). Já na década de 1960, a integração caminhou a passos lentos graças às 46

relutâncias do Governo Francês – na época dirigido por Charles De Gaulle – em incrementar as competências dos órgãos supranacionais, além da troca da votação de unanimidade para maioria qualificada e das oposições feitas ao interesse do Reino Unido em participar da CEE. No entanto, com a mudança no Governo Francês e a entrada de George Pompidou, o processo é retomado, sendo lançadas as propostas de União Econômica e Monetária já no ano de 1969, gerando interesse por parte de países como Noruega, Dinamarca, Irlanda e, novamente, Reino Unido em participar da integração (nesse caso apenas Noruega ficou de fora, uma vez que foi rejeitada a ideia de adesão em um referendo popular organizado em 1972). Assim, no ano de 1973 a CEE já contava com 9 Estados-membros. A chegada da década de 70 veio com uma certa turbulência. Era o fim do sistema Monetário de Bretton Woods e, com a desvalorização do dólar e o aumento do preço do petróleo, o quadro era de recessão e desemprego na Europa. É esse momento de “pane” no continente que motiva o relançamento da integração regional por meio da declaração do Ato Único Europeu (1986), tendo este o foco de alterar as regras das instituições, ampliar as competências comunitárias e revisar os Tratados de Roma de modo a concluir a realização do Mercado Comum. Assim, com o colapso do comunismo, o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlin de 1989 a 1991, há uma aceleração do processo de globalização neoliberal e a segunda onda de regionalismos toma fôlego, sendo esse o cenário em que o Tratado da União Europeia é assinado em Maastricht - Holanda, no dia 7 de fevereiro de 1992, instituindo uma nova dimensão à construção europeia, transformando a anterior configuração fundamentalmente econômica em uma união de estreitamento de laços políticos, com uma cidadania comum e moeda única para seus Estados. (RAMOS, 2009) Nessa trajetória que vai de 1957 a 1995, é importante lembrar ainda que a "Europa dos Seis" transforma-se em "Europa dos Quinze", com a incorporação de Grã-Bretanha, Irlanda e Dinamarca (1973); Grécia (1981), Portugal e Espanha (1986); e Áustria, Finlândia e Suécia (1995). A figura a seguir (Figura 1) mostra a sequência de mapas com as fases de formação e consolidação da União Europeia após cada processo de alargamento dentro deste período:

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Figura 1: Fases da formação da UE: entre a Europa dos Seis e a dos Quinze

Fonte: (COMISSÃO EUROPEIA, 2000, p. 4)

Dessa forma, ao se manter sua política de alargamento, a Comunidade Econômica Europeia - CEE evolui e transforma-se na União Europeia a partir de 1992 com o Tratado de Maastricht, que além de estabelecer a UE em si, definiu ainda as bases desta de acordo com as seguintes finalidades elencadas a seguir: a) promoção do progresso social e econômico, facilitado pela união monetária e econômica; b) implementação de uma política externa e de uma política de segurança comum, com a busca da preservação da paz; 48

c) cooperação na justiça e nos assuntos internos dos Estados, mediante o princípio da subsidiariedade; d) estabelecimento de uma cidadania comum; e e) desenvolvimento e consolidação da democracia na região, com a observância do Estado de Direito e com o Respeito aos direitos e às liberdades fundamentais (JUNQUEIRA, 2008, p. 12). A partir de 1997, com a assinatura do Tratado de Amsterdam, o continente europeu experimenta um novo impulso significativo para a construção institucional da União Europeia. Esse tratado trouxe avanços consideráveis no aspecto de estabelecer e proporcionar garantias aos direitos humanos, que devem ser respeitados por todos os Estados membros como pré-requisito essencial para ingresso e permanência no bloco. Deste modo, a UE ineditamente proclama estar fundada nos princípios da liberdade, democracia, respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais e Estados de Direito” (JUNQUEIRA, 2008, p. 12-13). É ainda nesse contexto que se demonstra preocupação quanto à proteção do ambiente e quanto a forma como os europeus poderão cooperar em matéria de defesa e segurança. Com a acolhida da Áustria, Finlândia e Suécia em 1995, estabelece-se, então, em uma pequena localidade luxemburguesa, os acordos de Schengen com a finalidade de, gradualmente, permitir o livre movimento de pessoas sem que seus passaportes sejam controlados nas fronteiras. Assim, milhões de jovens passam a estudar em outros países com o apoio da UE (UNIÃO EUROPEIA, 2017). Estabelecidos esses tratados e, oficialmente, a União Europeia, a integração segue então para a adoção de uma moeda única, o euro, a partir de uma União Monetária. Deste modo, se inicia a circulação das primeiras moedas e notas em euros no dia 1 de janeiro de 2002. Esse fato representou um marco na história da integração europeia, coroando um período de dezesseis anos de transformação política e institucional pleno de desafios. Esta transformação incluiu a conclusão do mercado único europeu, a adoção de uma Carta Social e a abolição dos passaportes e da necessidade de controles nas fronteiras através do Tratado de Schengen. Essas mudanças e a maneira como elas aconteceram são únicas na história da Europa e a política resultante representa um grande desafio para o Estado-nação moderno3 (MEDRANO, 2003, p. 1).

3 “THE CIRCULATION OF the first euro coins and bills on January 1, 2002, was a milestone in the history of European integration, crowning a sixteen year period of breathtaking institutional and political 49

Em 2004 ocorreu o maior alargamento da União Europeia até hoje. Nesse ano, mais dez países passaram a integrá-la: Chipre, República Tcheca, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia, Eslováquia e Eslovênia. Em seguida, no ano de 2007, a União Europeia atingiu finalmente o número de 27 Estados-Membros com a adesão da Bulgária e da Romênia. Seu desiderato é uma união que abranja 30 (trinta) Estados, projeto perfeitamente alcançável, tendo em vista o desejo de muitos governos não comunitários de aderirem ao conjunto. A assinatura do Tratado de Lisboa em 2009 encerra as mudanças mais significativas na constituição da União Europeia, dotando a UE de instituições modernas e de métodos de trabalho mais eficientes (UNIÃO EUROPEIA, 2017, p.6). O Apêndice A traz o Quadro-Resumo organizado em forma cronológica com todos os eventos mais significativos do processo de construção da União Europeia – EU entre os anos de 1948 e 2016. Para que possam se candidatar como estado-membro da União Europeia, um Estado deve preencher condições políticas e econômicas – denominadas de critérios de Copenhague – e só se torna membro efetivo e de pleno direito após 10 (dez) anos de seu ingresso, pois sua integração ocorre de forma paulatina e progressiva. Os critérios definidos pelo Conselho Europeu de Copenhagen (21 e 22 de Junho de 1993) são explanados por Dora Resende Alves (ALVES, 2017, p. 271) na seguinte passagem: - Critério político: o Estado candidato deve possuir instituições estáveis capazes de garantir a democracia, o primado do direito, os Direitos do Homem e o respeito das minorias. - Critério económico: o candidato deve ter uma economia de mercado viável capaz de se integrar harmoniosamente no mercado interno. - Critério do acervo comunitário: o candidato tem de subscrever os diferentes objetivos políticos, económicos e no domínio monetário da União Europeia, aceitar a legislação existente e dispor de uma Administração Pública capaz de aplicar a legislação comunitária. Os critérios políticos são condição prévia à aceitação da candidatura e ao início das negociações formais. Se os critérios de Copenhagen obrigam o Estado candidato a provar que se encontra em condições de se associar à União (colocando o ónus do lado de quem pretende entrar) foi recentemente colocada, no Conselho, uma nova exigência que coloca o ónus do lado de quem está dentro: o critério da capacidade de integração. É requerido às instituições europeias que analisem se se encontram em condições de aceitar a entrada de candidato sem que isso resulte em grandes desequilíbrios ou na criação de problemas graves para a União. transformation. This transformation included the completion of the European single market, the adoption of a Social Charter, and the abolition of passport border controls through the Schengen Treaty. These changes and the way in which they have taken place are unique in the history of Europe, and the resulting polity represents a major challenge to the modern nation-state.” (MEDRANO, 2003, p. 1) Com tradução livre pela autora. 50

O Apêndice B contém o registro do controle de processo com cada um dos 35 (trinta e cinco) Capítulos (protocolos) de ajustamento de conduta atualmente em vigor. Foi reproduzido neste referido apêndice o controle de análise inicial, data de abertura e fechamento de cada um desses Capítulos tendo-se por base o processo de adesão da Croácia, primeiro postulante a cumprir integralmente todas as exigências atuais, inclusive a de aprovação por parte do Parlamento Europeu. Neste percurso evolutivo até à unidade da União Europeia de hoje, incluem-se os diversos alargamentos (processo de adesão de novos Estados-Membros das Comunidades Europeias) até se chegar aos 27 Estados membros atuais (eram 28 antes de junho de 2016, menos 1, com a ocorrência do Brexit). O processo passou por sete episódios de “Alargamentos”. Em resumo, inicialmente existia a “Europa dos 6” com o Tratado de Paris de 1952, do qual são signatários França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, formalizando a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), aos quais foram paulatinamente acrescidos dos novos Estados-Membros (ALVES, 2017, p. 272-273): 1º Alargamento: Adesão do Reino Unido, Dinamarca e Irlanda – formalizado no Tratado de Bruxelas, de 22 de janeiro de 1972, efetivamente concretizado em 1 de janeiro de 1973; 2º Alargamento: Grécia – conforme Tratado de Atenas, de 28 de maio de 1979, efetivamente concretizado em 1 de janeiro de 1981; 3º Alargamento: Portugal e Espanha – de acordo com o Tratado de Lisboa e de Madri, de 12 de junho de 1985, efetivamente concretizado em 1 de janeiro de 1986; 4º Alargamento: Adesão da Áustria, Suécia e Finlândia – pelo Tratado de Corfu, de 23 de junho de 1994 efetivamente concretizado em 1 de janeiro de 1995; 5º Alargamento: Adesão de 10 países – Estônia, Polônia, República Checa, Eslovênia, Hungria, Letônia, Lituânia, Eslováquia, Malta, Chipre – pelo Tratado de Atenas, de 16 de abril de 2003, com vigência a partir de 1 de maio de 2004. Este alargamento difere de todos os anteriores, começando pelo intervalo de quase dez anos, em segundo, por inaugurar a expansão (termo utilizado habitualmente no mundo anglo-saxão) a leste. Em terceiro lugar e em destaque, por abranger dez novos membros de uma só vez. Enfim, por ser a adesão coletiva que mais dificuldades trouxe para as finanças e para a administração da UE. 51

6º Alargamento: Adesão da Romênia e Bulgária – pelo Tratado de Luxemburgo de 25 de abril de 2005, efetivamente concretizado em 1 de janeiro de 2007; 7º Alargamento: Adesão da Croácia, só concretizada em 2013 – pelo Tratado de Bruxelas, de 9 de dezembro de 2011, efetivamente concretizado em 1 de julho de 2013. Atualmente, o conceito de alargamento evoca, em especial, esta onda de adesões, que se constitui um dos maiores desafios enfrentados pela União Europeia, quer no plano político, quer no plano econômico. Cinco países são candidatos à UE atualmente (MARTINS & COELHO, 2017), sendo: - a Turquia, considerada candidato desde Dezembro de 1999, iniciou negociações em Outubro de 2005 tendo já encerrado, com sucesso, um dossiê (Ciência e Inovação) e estando outros 13 abertos; - a Antiga República Jugoslava da Macedónia foi aceita como país candidato a 16 de Dezembro de 2005 estando já abertas as negociações. Este país tem um contencioso com a Grécia relacionado com a sua designação; - o Montenegro, considerado candidato desde 2010, iniciou negociações com a UE em 2012; - a Sérvia, considerada como país candidato desde Março de 2012, já celebrou um Acordo de Associação nesse mesmo ano e iniciou negociações com a UE em Janeiro de 2014. - a Albânia, considerada país candidato desde 27 de Junho de 2014, dois anos depois da proposta da Comissão nesse sentido;

Também são considerados potenciais candidatos (pediram adesão, mas só poderão ser aceitos quando tiverem condições para tanto) os Estados Bósnia- Herzegovina e o Kosovo. Outros importantes países iniciaram o protocolo de adesão, porém esta iniciativa não foi referendada pelas suas respectivas populações, tais como Suíça, o Liechtenstein e a Noruega, que chegaram a apresentar pedidos de adesão à UE – sendo que as candidaturas dos dois primeiros países foram suspensas na sequência do referendo realizado em 1992. Por seu lado, a Noruega realizou dois referendos – em 1972 e 1994 – e em ambos os eleitores rejeitaram a adesão. A Islândia, que tinha estatuto de país candidato desde 17 de Julho de 2010, suspendeu o seu processo de adesão em 2015 (MARTINS & COELHO, 2017). É inegável que o planeta como um todo está convulsionado em inúmeras situações de conflitos e ameaças terroristas, o que caracteriza essa como uma década de desafios. A crise econômica mundial iniciada em 2008 apresenta profundas repercussões no Continente Europeu, cabendo à UE auxiliar os países mais afetados no processo de enfrentamento dessas dificuldades. Em decorrência deste contexto, cria-se a “União Bancária” capaz de garantir aos usuários desconfiados bancos mais 52

seguros e confiáveis. Quanto ao processo de tomada de decisões, em geral, e o processo de co-decisão dentro das instituições da União Europeia, envolvem cinco principais instituições (COMISSÃO EUROPEIA, 2017):  Parlamento Europeu: representa os cidadãos da União Europeia, que elegem seus membros;  Conselho da União Europeia: representa individualmente os Estados- membros;  Comissão Europeia: defende os interesses de toda a União Europeia;  Tribunal de Justiça: assegura o cumprimento da legislação europeia;  Tribunal de Contas Europeu: fiscaliza as finanças das atividades da União Europeia; Ainda que a União Europeia tenha sido agraciada com o Prémio Nobel da Paz em 2013, já nesta época havia claros sinais de alerta, reflexos de graves conflitos em outras partes do globo, mas que acabaram por impactar profundamente a UE: Com as eleições europeias de 2014, o número de eurocéticos no Parlamento Europeu aumenta. Na sequência da anexação da Crimeia pela Rússia, é estabelecida uma nova política de segurança. O extremismo religioso intensifica-se no Médio Oriente e em vários países e regiões em todo o mundo, conduzindo a conflitos e guerras que resultam num grande número de pessoas que fogem dos seus países e procuram refúgio na Europa. Além de ter de fazer face aos problemas decorrentes desta onda de refugiados, a UE torna-se o alvo de vários atentados terroristas (COMISSÃO EUROPEIA, 2017, p.1).

Assim, apesar dos entraves e dificuldades, a União Europeia continua a evoluir, buscando cada vez mais abranger países agora ao leste do continente. Nesse século XXI, no entanto, os desafios se mostram singulares, uma vez que as mudanças provocadas pela globalização e pela revolução das comunicações impõem aspectos não antes considerados a princípio, exigindo uma postura diferente do bloco – bem como de outros países enquanto agentes individuais. Isso significa dizer que, com o mundo interligado ao nível atual, a União Europeia deve agora aprimorar suas instituições para lidar com cenários mais imprevisíveis, de modo a garantir respostas rápidas e eficazes que mantenham a estabilidade do todo, o que inclui a atual situação provocada pela saída do Reino Unido.

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2.2 O PROCESSO DE ADESÃO DO REINO UNIDO À UNIÃO EUROPEIA

O poder exercido pelo Império Britânico ao longo de séculos ainda hoje é fundamento de orgulho e patriotismo por grande parte dos britânicos4. Em seu apogeu, 1920, o Império dominava cerca de 458 milhões de pessoas, o que representava aproximadamente 25% da população mundial e 20% das terras do planeta, estendendo-se do Caribe (Honduras Britânicas e Guiana Inglesa) até a Austrália e ilhas remotas do Pacífico, passando por um terço da África (destaque para a África do Sul, Nigéria, Egito, Quênia e Uganda) e avançando para a Índia, Birmânia e China (DOMINGUES, 2017, p.1). Durante o século XIX, ela tinha sido urna potência marítima e o vértice de um império planetário. A Europa representava unicamente sua retaguarda e as suas preocupações europeias limitaram-se à manutenção do equilíbrio multipolar continental. [...] Ao longo da primeira metade do século XX, o poderio britânico sofrera considerável erosão, enquanto crescia o poderio americano. (MAGNOLI, 1997, p. 37).

É nesse contexto que se percebe, por exemplo, que a Europa não era prioridade para os britânicos; justamente por isso, a mudança necessária para que estes considerassem a cooperação e integração com outros Estados do continente foi lenta e gradual – e não menos forçada dado o cenário da época, como evidenciado a seguir: A política externa britânica organizava-se em torno de três conjuntos: o império, que lentamente se transformava em Comunidade Britânica; a Aliança Atlântica com Washington; a Europa ocidental. Na ordem de prioridades de Londres, a Europa ocupava apenas a terceira posição. Assim, as negociações para o ingresso britânico no quadro do Plano Schuman tinham se encerrado antes mesmo de começarem realmente. A Grã-Bretanha estava pronta para estabelecer acordos clássicos entre Estados, mas não considerava a possibilidade de conformar-se à posição de simples parceiro num conjunto europeu. [...] Entre o Tratado da CECA e o Tratado de Roma, aconteceu o desastre de Suez. Reagindo à nacionalização do canal, britânicos e franceses desencadearam uma operação militar que terminou com uma retirada humilhante diante da desaprovação americana e à ameaça de intervenção soviética. O episódio de Suez reforçou o europeísmo da França, que acabara de conhecer a derrota na Guerra da Indochina (1945-54) e atolava-se na Guerra da Argélia (1954-62). Contudo, não foi suficiente para abalar as convicções britânicas, que a levaram a afastar-se dos acordos da CEE. (MAGNOLI, 1997, p. 37-38)

4 4 Em uma pesquisa da YouGov (Disponível em: https://yougov.co.uk/news/2014/07/26/britain-proud- its-empire/), foi relatado que 59% acham que o Império Britânico é mais motivo de orgulho do que de vergonha, contra apenas 19% que consideram mais motivo de vergonha do que de orgulho, enquanto 23% responderam não saber. Além disso, foi constatado também que 49% consideram que as colônias britânicas foram deixadas melhor do que estavam, enquanto 15% opinaram que foram deixadas pior e 36% não souberam responder.

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Assim sendo, a “Europa dos Seis” não só não contou com a ajuda da Grã- Bretanha como também enfrentou forte pressão por ela em todos os aspectos. Pode- se afirmar que o Tratado da Comunidade do Carvão e do Aço - CECA e a assinatura do Tratado de Roma deram-se sem a participação inglesa e foram construídos e firmados “apesar” da Grã-Bretanha. A Inglaterra só aderiu ao Conselho da Europa e à União da Europa Ocidental - UEO, formada em 1948, como pacto de defesa mútua contra a Alemanha (Pacto de Bruxelas) (PFETSCH, 2001, p. 73). Ou seja, “Quando o projeto de uma União Europeia esteve em processo de fecundação no horizonte do pós-guerra, o Reino Unido agiu com todas suas forças para abortar este nascituro” (JUNQUEIRA, 2008, p. 125). Depois da independência das antigas colônias asiáticas, soava a hora das colônias africanas. A rebelião anticolonial no Quênia - a célebre revolta dos Mau-Mau liderada por Jomo Keniata - disseminava o nacionalismo pelos territórios britânicos do continente e conduzia o gabinete de Londres a concluir pela concessão das independências. Assim, a esfera de influência britânica restringia-se cada vez mais, enquanto crescia na mesma proporção o poder de atração da Europa. (MAGNOLI, 1997, p. 38).

Outro aspecto difícil de assimilar e processar era o fato de os Estados Unidos da América – agora um dos grandes líderes mundiais polarizando com a União Soviética – já ter sido uma colônia do Império Britânico. Invertera-se o fluxo da influência. E em plena Guerra Fria, a administração de Kennedy via e priorizava a integração europeia como um valioso pilar da arquitetura ocidental, reforçando outra força crucial do ocidente, materializado na Organização do Tratado do Atlântico Norte - OTAN. “De Washington, crescia a pressão para o ingresso britânico na Comunidade, a fim de aprofundar os laços entre a componente europeia e a componente norte- americana do Ocidente” (MAGNOLI, 1997, p.38). E foi assim que, no início dos anos 1960, a Inglaterra se viu compelida a movimentar-se rumo à integração. Inicialmente foi firmada em 1960, “junto com alguns outros países não integrantes da CE, a Convenção de Estocolmo para a criação da Associação Europeia de Livre-Comércio (AELC/Efta) [...] já em 1961 foi apresentado o requerimento formal de admissão à CE. (PFETSCH, 2001, p.74). Em 1961, Harold Macmillan, primeiro-ministro britânico e conservador, candidatou o Reino Unido à Comunidade Europeia. Já nessa altura existia um discurso eurocético (agressivo) dentro da política britânica, nomeadamente por parte do Trabalhista Hugh Gaitskell, que argumentava que a entrada do Reino Unido numa “Europa Federal” seria “o fim do Reino Unido como um Estado independente Europeu, o fim de mil anos de história”. A candidatura foi recusada por mais de uma década pela França de Charles De Gaulle, que temia que o Reino Unido fosse um cavalo de Troia Norte- 55

Americano (ESTORIL INSTITUTE FOR GLOBAL DIALOGUE, 2016, p.16).

Essa pretensão do Reino Unido foi imediatamente rechaçada pelo General Charles De Gaulle, então Presidente da França, e sua oposição refletia uma oposição muito mais profunda, pois ele não só não aceitava como tampouco compreendia a noção de soberanias compartilhadas. Na sua concepção, o Estado Nacional era a única fonte legítima do poder e da soberania. Magnoli (1994, p. 39-40) relata o fato: Em agosto de 1961, finalmente, a Grã-Bretanha formulou um pedido oficial de adesão. Abriram-se as complexas negociações para o ingresso na Comunidade. As conversações, que se arrastaram sobre intrincados problemas de comércio, esbarravam nos acordos preferenciais que ligavam a Grã-Bretanha aos países da Comunidade Britânica [...] não foram motivos econômicos ou detalhes técnicos, mas razões políticas que decretaram o fracasso dessa primeira tentativa [...] O pretendido ingresso da Grã-Bretanha, principal aliada americana na Europa, representaria a consolidação da influência de Washington nos assuntos do continente. No fundo o veto gaullista à Grã-Bretanha representava um veto à Comunidade. Por trás desse veto entrevia-se sua oposição ao mundo bipolar da Guerra Fria e à divisão da Europa em esferas de influência das superpotências nucleares.

Em 1969, com a renúncia do General Charles De Gaulle à Presidência da França e a entrada de Georges Pompidou, abriram-se os caminhos para a continuidade e avanço da integração na Europa, em especial para que se processasse o ingresso britânico e, em geral, para o alargamento da Comunidade em si. As negociações visando a entrada do Reino Unido no bloco foram retomadas já em dezembro daquele ano, resultando no primeiro alargamento da então Comunidade Europeia devido ao tratado de adesão do Reino Unido, Dinamarca, Irlanda e Noruega em janeiro de 1972 – efetivamente concretizado no ano seguinte. Assim a Europa dos Seis se transformou na Europa dos Nove (MAGNOLI, 1997, p. 40; JUNQUEIRA, 2008, p. 125). Os números resultantes deste complexo processo são resumidos por Pfetsch (2001, p.75): Em outubro de 1971 ocorreu uma votação difícil na Câmara dos Comuns sobre a adesão à CE. O resultado da votação, de 356 a 244 a favor do ingresso, mostrou quão divididos estavam os dois partidos. [...] O referendo tardio de junho de 1975 sobre a adesão da Inglaterra à CE, efetiva desde 1973, obteve o surpreendente resultado de 67,2% favoráveis à permanência na CE.

Durante esse processo, percebe-se uma alteração de atitudes por parte do Reino Unido em relação à União Europeia, cabendo aqui investigar as razões para tal mudança que, ao afinal, levou os britânicos a não só se empenharem como inclusive lutar para garantir seu ingresso no bloco. Numa visão simplista (e a história comprova que não totalmente equivocada) poder-se-ia afirmar que em seu orgulho ferido tenha 56

reagido à manifestação negativa e bloqueio das pretensões por parte de Charles De Gaulle. Como já dito, esse fator teve seu impacto, bem como a pressão estadunidense em estabelecer firme aliança com o continente europeu através da parceria já fixada com o Reino Unido; todavia, é possível identificar claramente duas outras grandes motivações presentes nesse cenário:  Para o Reino Unido, a adesão tratava-se de uma questão de política do último recurso (policy of last resort), tendo em vista que o processo de descolonização representava grande risco para o comércio exterior inglês, que poderia perder muitos dos antigos países da Commonwealth (PFETSCH, 2001, p.74);  Por outro lado, o poderio econômico da CEE crescia rapidamente, decorrente do boom de reconstrução dos anos do pós-guerra. Neste contexto, mesmo na Europa a Inglaterra viu reduzir-se sua capacidade de influência junto a antigos parceiros. Ao final, apesar da tendência ligeiramente supranacional da estrutura da CEE, não existia para ela alternativa alguma (PFETSCH, 2001, p.74). Pode-se concluir que a motivação, longe de se apresentar como um ato de cooperação, manutenção da paz, desenvolvimento e segurança de todos os integrantes, para o Reino Unido sempre foi ditado pelos próprios e exclusivos interesses econômicos e tentativa de recuperação de parte da sua influência e prestígio. Junqueira (2008, p.126) é extremamente assertivo ao escrever que “[...] Percebe-se, nitidamente, que o casamento entre a União Europeia e o Reino Unido foi somente conduzido pela razão” porque definitivamente não houve coração, não houve comprometimento, não houve entrega e tampouco integração efetiva. Isto fica evidente em posicionamentos adotados de vários protocolos adicionais, como recusa em adotar o euro e entrar no Espaço Schengen, entre outras divergências, principalmente as pertinentes às políticas sociais. A este respeito escreve Pfetsch (2001, p.76): O Tratado da UE de Maastricht contém dois protocolos adicionais que formalizam a posição marginal da Inglaterra com relação à ampliação de determinados setores da Comunidade. O protocolo sobre determinadas disposições referentes ao Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte inclui a cláusula do assim chamado opting out quanto à união econômica e monetária. A Inglaterra não estaria assim "obrigada ou vinculada [...] a ingressar na terceira fase da união econômica e monetária sem uma decisão específica de seu governo e de seu Parlamento. [...] O outro campo em que a Inglaterra não queria, de modo algum, seguir a política comunitária, era o da política social. Aqui também os ingleses obtiveram um opting out com o Protocolo de Política Social. O protocolo de 1992 abrangia apenas onze em vez dos doze Estados-membros da CE: O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte não é parte quando o 57

Conselho debate propostas [de política social] apresentadas pela Comissão.

Não há consenso entre os pesquisadores sobre as razões desse comportamento. Alguns creem que o Reino Unido agiu desta maneira em decorrência do seu sistema jurídico, uma vez que este não adota uma Constituição escrita (cabe aos tribunais ditar as leis), prevalecendo, normalmente, a jurisprudência. De acordo com Junqueira (2008), isso explicaria o quid ou dificuldade britânica em assinar convenções ou tratados, não passando de um estado de espírito herdado de seu sistema jurídico. Uma segunda causa estaria no modo de prática (práxis) da democracia que, neste sistema especificamente – tratando-se de uma monarquia parlamentarista – se constituiria numa relação direta Estado/Cidadão. Além das razões alegadas, ainda existe um “particularismo ultranacionalista britânico que sequer foi arrefecido pelo seu ingresso na União Europeia: oposição implacável quanto a uma tendência de uma União Europeia do tipo federal” (JUNQUEIRA, 2008, p.126). É possível que essa postura extremamente resistente no governo britânico de repúdio a qualquer espécie de desvio federalista da União Europeia possa provocar naquele a reação de reforço negativo no sentido de não praticar uma cooperação supranacional, e sim uma mísera e inócua cooperação intergovernamental, do tipo já há muito superado pelos demais membros da União Europeia. Muito mais que motivos técnicos, percebe-se que o problema maior sempre foi o sentimento nacionalista, o que não pode permanecer impune. Essas razões e as posturas enumeradas, quando não percebidas pelo praticante desse comportamento – ou mesmo quando percebidas seguem não trabalhadas nem corrigidas – podem levar, como de fato levou, à destruição das relações uma vez estabelecidas já com tanto custo, culminando numa auto sabotagem e auto exclusão da organização.

2.3 ATUAÇÃO DO REINO UNIDO DENTRO DA UNIÃO EUROPEIA

Até o momento, foram relatadas as dificuldades acerca da construção e manutenção identitária britânica, deixando evidente a fragmentação e a fragilidade dessa questão ao longo da história. Além disso, foi discutido também o novo papel do Reino Unido após as duas Grandes Guerras e a descolonização ocorrida durante o século XX, bem como sua atuação – ou falta dela – no processo de integração dos países europeus e constituição da União Europeia. Com isso em mente, traz-se agora 58

a discussão para a postura do Reino Unido dentro da União Europeia, a fim de entender se seu posicionamento relutante e difícil se mantem, independentemente de ser ou não membro do bloco. No intuito de esclarecer questões assertivas a serem consideradas nesse cenário, Santos (2016, p.1) nos relembra, mais uma vez, que “o envolvimento do Reino Unido no processo comunitário confunde-se com um simultâneo grau de ceticismo e distanciamento tipicamente britânicos, quando seria desejável uma maior envolvência”, além de afirmar que “em diversos assuntos comunitários, o Reino Unido sempre foi um dos mais críticos e desconcertados, reflexo de um visível ‘Euroceticismo’ ou ‘patriotismo’ de explicação cultural”. Nesse sentido, ele completa: Além de um rol de peripécias políticas tais como a criação e falência da EFTA, a difícil entrada na CEE ou o conturbado período protagonizado por Thatcher em 80, a sua não integração no Mercado Único (vulgo Espaço Schengen) nos anos 90 contribuiu fortemente para que o Reino Unido fosse desde muito cedo considerado um Estado «suis generis» dispondo de um estatuto especial em várias vertentes dentro da atual União Europeia. A História constitui-se como um irrefutável comprovativo da modesta impregnação britânica na construção europeia desde momentos posteriores ao pós-II Guerra Mundial (SANTOS, 2016, p. 1)

Assim, é com o fim e a vitória na Segunda Guerra Mundial que o Reino Unido, em conjunto com a França, acredita ter em mãos o destino do continente. Na visão britânica, as duas naturalmente se constituiriam como os Estados responsáveis por reestabelecer a Europa enquanto espaço territorial e ideológico aglutinador e de esperança no progresso após a devastação provocada pelos desastrosos conflitos (SANTOS, 2016). Justamente por isso, o Reino Unido via-se como vencedor e país de estatuto especial comparando-se ao resto do continente (SILVA, 2009). Motivado por essa convicção, o líder inglês Winston Churchill desenvolve sua própria ideia e perspectiva de Europa. Em setembro de 1946, em um discurso proferido na Universidade de Zurique, Churchill declara que “é preciso construir os Estados Unidos da Europa” (SILVA, 2009). É neste tópico que se iniciam as discrepâncias, já que a ideia que os outros países tinham de uma União Europeia não condiziam com os ideais ingleses. Isso ficou evidente no Congresso de Haia de 1948, onde se reuniram inúmeros líderes Europeus. Na ocasião, ficou explícito que os britânicos viam como inevitável o estabelecimento de uma instituição intergovernamental que reforçasse a cooperação, enquanto que os demais países europeus, na sua generalidade, viam com bons olhos a criação de associações supranacionais ou de índole federal que fossem ao encontro das ideias Americanas 59

para a Europa – o que era parte do acordo do Plano Marshall (SANTOS, 2016). Nesse sentindo, Gibbins (2012) afirma que a história britânica do pós-guerra oferece uma ampla gama de idéias contestadas sobre como o projeto europeu foi percebido. Para melhor ilustrar essa questão, o autor reune opiniões e perspectivas de diferentes expertos na área, como , Bob Cryer e Peter Mandelson: Roy Jenkins decries the stagnation of an institution whose British members obfuscate the real possibility of achieving change within the Union by allowing themselves to dither over an ‘in or out’ obsession. The emphasis on change echoes the idea that Europe must evolve on the basis of new challenges rather than stay fixed within the framework set by its original architects. Bob Cryer mocks the communal vision of the integration enterprise and constructs Britain’s relationship as that of a zero-sum game: territorial states jostling for a position of economic dominance whereby any power that goes to Brussels is a simultaneous loss to London. […] Peter Mandelson, much like Roy Jenkins, highlights the transitional and developmental nature of the EU by drawing attention to the need for reinvention; that the original purpose of the EU was to safeguard against war and to promote peace, and that its purpose must now be reformulated to achieve further substantive goals (GIBBINS, 2012, p. 9)5

Estas múltiplas posições, explica Gibbins (2012), são apenas pequenos exemplos de como as elites políticas britânicas percebiam a Europa. Vários formularam a ideia de uma União Europeia como ameaça aos interesses britânicos, um ataque à soberania nacional e como tentativa de suplantar a identidade britânica (Britishness) com uma identidade orientada para o continente e impostas por estrangeiros. Em síntese, “o Reino Unido demonstrava simultaneamente a tendência de se unificar ao mesmo tempo em que não se pretendia comprometer” sendo essa ambivalência “uma constante ao longo do périplo britânico na Europa institucional, ao pretender estar envolvido sem estar demasiado impregnado e colher benefícios políticos sem assumir riscos necessários” (SANTOS, 2016, p.3-4). Liderada por Margareth Thatcher, cujo governo de deu no período entre 4 de maio de 1979 a 28 de novembro de 1990, a Grã-Bretanha se revelou um parceiro

5 Tradução livre elaborada pela autora: “Roy Jenkins denuncia a estagnação de uma instituição cujos membros britânicos ofuscam a possibilidade real de alcançar uma mudança dentro da União ao permitir serem dominados por uma obsessão "in or out" (sobre a indecisão de estar dentro ou fora da União Europeia). A ênfase na mudança ecoa a ideia de que a Europa deve evoluir com base em novos desafios, em vez de ficar fixada no quadro estabelecido pelos seus arquitetos originais. Bob Cryer zomba da visão comunal do empreedimento da integração e constrói a relação da Grã-Bretanha como a de um jogo de soma zero: os estados territoriais se empurrando por uma posição de dominância econômica onde qualquer poder que vai para Bruxelas é uma perda simultânea para Londres. [...] Peter Mandelson, tal como Roy Jenkins, destaca o carácter transitório e de desenvolvimento da UE, chamando a atenção para a necessidade de reinvenção; que o objectivo original da UE era salvaguardar a guerra e promover a paz, e o seu objectivo deveria agora ser reformulado para atingir metas substantivas mais distantes” 60

especialmente difícil para a cooperação Europeia, tendo em vista que os interesses britânicos “não aparentaram em nenhuma circunstância serem secundarizados em prol de outras questões que não beneficiassem diretamente os seus interesses” (SANTOS, 2016, p. 6). Muito pelo contrário, esta foi a postura e o tom adotados não só durante todo o “período thatcheriano” como também perdurou por décadas após o seu governo, destacando-se, por exemplo, o “policy-making” britânico em relação à Europa6. No período Thatcher, a política externa britânica em relação à Comunidade Europeia era baseada em negociações estritamente de aspecto econômico e de absoluto interesse próprio; não se constituía surpresa para ninguém que os britânicos enfatizassem e dessem mais prioridade às suas relações com os Estados Unidos da América e os membros da European Free Trade Association – EFTA (também conhecida como Associação Europeia de Livre Comércio), já que ainda havia manifesta relutância de alguns de seus parlamentares em relação à burocracia nos trâmites com a Comunidade. Merece destaque especial as relações entre o Reino Unido e as duas grandes forças da EU: França e Alemanha, que devem ser analisadas com a devida e merecida atenção, uma vez que sempre exerceram grande influência nas decisões de Thatcher em relação à Comunidade Europeia, e atuavam no sentido de frear as pretensões britânicas. São conhecidas as posições do alemão Hemult Schmidt e do francês Valéry Giscard d’Estaing, que pareciam descontentes com a atuação da Primeira- Ministra. Thatcher tinha a plena consciência que os dois maiores Estados da Comunidade tentariam sofrear os ímpetos britânicos (THATCHER, 2013, p. 291). Foi ainda durante a “Era Thatcher” que a questão “identidade europeia” passou a ter importância para a dinâmica das negociações da Comunidade, provocando uma ruptura entre as interações da estrutura burocrática da CEE e a então da Primeira- Ministra, restando clara a ideia de consciência coletiva defendida pelo construtivismo,

6 Estilo muito próprio, sui generis até, de “questionar a Europa e suas ações a partir de um ponto de vista tanto mais distante quanto a própria distância física entre as Ilhas Britânicas e a Europa continental”. A exemplo disso, o mencionado literato de SILVA (SILVA, A. M. – História da Unificação Europeia. Imprensa da Universidade de Coimbra. Coimbra. 2009.) refere-se que em 1980 o RU contribuía com 20% da totalidade dos recursos comunitários e recebia somente 12% das receitas, conjuntura à qual a líder Britânica conservadora Margareth Thatcher se opunha e à qual passou a exigir que ocorresse uma renegociação que melhor distribuísse os fundos europeus. Ficou resolvido com o denominado “cheque britânico”, no conselho de Fontainebleau de Maio do mesmo ano onde se decidiu devolver a partir de 1985 os montantes que até então o RU disponibilizara e não beneficiara” (SANTOS, 2016, p. 6-7).

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em contraponto ao fato de que, para Thatcher, a identidade nacional britânica deveria ser blindada contra identidade europeia. O sucessor tanto de partido quanto de governo de Margareth Thatcher foi John Major, que ocupou o cargo de Primeiro Ministro britânico entre 1990 e 1997, conduzindo o Reino Unido durante o período extremamente crítico em que ocorreram as negociações do Tratado de Maastricht, defendendo nele que [...] o RU não deveria utilizar a moeda única europeia, a não participação na política comum de pescas e demonstrando dúvidas sobre a política externa e de defesa da União Europeia. Major usou as instituições comunitárias como elemento contribuidor [sic] para a unidade do seu partido a nível interno, revelando alguma ambivalência de decisões face à Europa e seguindo a conduta da sua antecessora de “disputar cada vírgula” dos tratados. (SANTOS, 2016, p.7).

Em seguida a Major, o novo líder de governo do Reino Unido foi Tony Blair, que governou entre 1997 e 2007, tendo se destacado como um dos líderes britânicos que mais procurou pacificar diplomaticamente as relações quase sempre conturbadas entre o Reino Unido da União Europeia. É claro que não foram só flores, porque a história mostra que com os britânicos é inevitável não haver reservas em alguns pontos de negociação e as dificuldades inerentes às tentativas de desenvolvimento de aspectos consensuais. Assim, Tony Blair chega ao poder trazendo em sua pasta uma agenda inovadora – em certo sentido até mesmo revolucionária – “que ambicionava colocar a sua comunidade “no coração” da Europa e vice versa”. Ele viabilizou as negociações dos tratados de Amsterdam e de Nice com tanto esmero e dedicação que, ao final do seu mandato como Primeiro Ministro do Reino Unido, aventou-se a hipótese de ele se tornar o primeiro Presidente do Conselho da União Europeia “após a ratificação do Tratado de Lisboa (cujas alterações ao funcionamento comunitário introduziram este cargo), reflexo da visão positiva que os Europeus possuíam da sua liderança política ao nível comunitário” (SANTOS, 2016, p. 7). Mesmo tendo optado pela disposição de Schengen, a prática da Agência de Fronteiras do Reino Unido operava uma política na qual todos os cidadãos da UE (embora obrigados a mostrar seus passaportes) pudessem viajar livremente dentro do território ocupado pelos Estados membros. Assim, até 1997, a abordagem altamente ambígua da Grã-Bretanha em relação à Europa, evidenciada por suas insistentes e contínuas demandas de desistência, era aparente sob os governos trabalhista e conservador; já com a eleição de Tony Blair as expectativas mudam, e o 62

que se espera agora é que a Grã-Bretanha finalmente assuma o papel de europeu comprometido. Na década de 1970, figuras como Peter Shore ou a esquerda do Partido Trabalhista haviam se oposto ativamente à adesão à CE/UE, mas o projeto New Labour de Blair era quase que totalmente pró-europeu; em decorrência disso, esperava-se uma nova relação fundamentalmente diferente daquela que existira sob Thatcher e Major. (SANDERS e HOUGHTON, 2017, p.154) Com o término do mandato de Blair, é eleito Gordon Brown, membro do Partido do Trabalhador, cujo mandato, entre 2007 e 2010, foi um dos que teve a mais curta duração de toda a história britânica. Mesmo assim, sua gestão teve destaque no Tratado de Lisboa que, além da normal e esperada ratificação, recebeu legítimas críticas por não acolher a possibilidade de se efetuar um referendo à própria União Europeia, sinalizando assim a importância e o desejo de muitos em promover uma consulta popular sobre a permanência – ou não – nesta instituição, comprovando que essa vontade é bem anterior e não restrita a 2016 (SANTOS, 2016). Assim, quando se estuda o conjunto de fatos que compõem a relação entre o Reino Unido e a União Europeia em um período mais extenso, de 25 anos por exemplo – de 1985 a 2010, percebe-se que as idas e vindas foram uma constante quando se trata da adesão britânica à UE. Implicou em avanços permeados de recuos, por vezes ambos ocorrendo simultaneamente em diferentes frentes do cenário doméstico do Reino Unido e na UE em geral. Os avanços e retrocessos neste contexto referem-se à dinâmica do que foi vivenciado pelas partes à medida em que os governos e os partidos políticos britânicos apoiaram ou resistiram a grandes e importantes etapas da construção da UE durante este período. Certamente, houve uma mudança marcante nas atitudes dos líderes políticos britânicos no início deste período e no final. É inegável que os primeiros- ministros britânicos – Thatcher, Major e Blair – expressaram um mesmo tipo de discurso costumeiro de que eram seus respectivos desejos colocar a Grã-Bretanha no coração ou no centro da UE (GALLOWAY, 2016) – cantilena7 ou desejo real, se dava muito mais em função de que este “centro” seria, afinal, uma posição privilegiada e de liderança. Uma vez não alcançado este desiderato, tinha como implicações reais transparecer as sistemáticas quebras de prestígio diante de uma comunidade que se

7 Palavra derivada do latim que significa lamentação ou queixa insistente, repetitiva; lamúria, ladainha. Conversa ou narrativa monótona, repetitiva, longa e desinteressante (http://www.osdicionarios.com/c/significado/cantilena). Sinônimos: engodo e lengalenga 63

pretendia liderar. Os impactos das quebras de expectativas eram igualmente avassaladores tanto no seio da comunidade interna do Reino Unido quanto nas suas relações externas – fossem a União Europeia ou o resto do mundo. Em meados da década de 1980, Thatcher insistia que a Grã-Bretanha estava "à frente da manada" na CE no seu apoio ao projeto do Mercado Único. Seu sucessor, Major, chegou ao poder em 1990 com a intenção de colocar a Grã-Bretanha no “coração da Europa "; o governo entrante de Blair em 1997 manifestou que pretendia desempenhar um papel central na direção dos assuntos da UE. Em cada um dos casos, tais reivindicações ou interesses foram eventualmente ultrapassados pela desilusão resultante da realidade e sobre as negociações intermináveis neste fórum. Mesmo assim, seu sucessor não cometeu os mesmos erros de fazer declarações iniciais tão promissoras em condições totalmente adversas. Gordon Brown, como Primeiro-Ministro no período de 2007-2010 se mostrou um visitante relutante em reuniões da UE, mesmo quando necessário juntar-se aos seus pares, líderes da UE, para assinar um tratado. Ele não tinha interesse nem sentia atração pela tradição social-democrática européia e, em vez disso, recorreu pesadamente a escolas britânicas e norte-americanas de pensamento político e econômico (GALLOWAY, 2016). Ainda que já fossem notórias para o mundo as habituais atitudes da Grã- Bretanha de relutância às políticas da União Europeia, no final dos anos de 1990, e especialmente no ano 2000, ela deixa parte dessa imagem e – mesmo que com algumas reservas – se junta aos outros membros do bloco em seus esforços para conseguir maior grau de coordenação na política externa em áreas políticas cruciais (SANDERS e HOUGHTON, 2017). Claro, desde que Tony Blair e Gordon Brown serviram no cargo de primeiros-ministros do Reino Unido, percebeu-se em várias ocasiões a reafirmação dessa resistência; no entanto, as medidas de austeridade do início do século XXI que resultaram numa política comum européia mais restrita em relação aos extrangeiros, camuflou um pouco o posicionamento mais acre do Reino Unido. [...] eventos como a não entrada plena da Grã-Bretanha no Espaço Schengen (cooperação somente policial e judicial) após o Tratado de Amsterdam podem por si só ser o espelho da europeização “à la carte” da qual o Reino Unido foi sendo uma das principais faces. No que respeita à atual União Europeia, o Reino Unido desde muito cedo viu benefícios no Mercado Comum das trocas comerciais de forma muito mais veemente e relevante do que por instância na utilidade da liberdade de circulação dos cidadãos, facto que é evidenciado em alguns dos episódios políticos que se retrataram anteriormente. Foi neste 64

cenário de dúvidas periclitantes a nível interno e de questionamentos às instituições europeias que o atual primeiro-ministro David Cameron, eleito pelo Partido Conservador entrou para o seu primeiro mandato, numa União Europeia envolta nos primeiros sinais de alastramento da hecatombe económica e financeira global de 2008 cujas dificuldades crescentes que se avizinhavam faziam a comunidade de países que este passara a liderar duvidar ainda mais sobre qual deveria ser o posto na Europa e nas respetivas instituições Europeias, em particular a Inglaterra (SANTOS, 2016, p. 8).

Assim, a filiação britânica à União Europeia começa a ser questionada com a crise da zona do euro após 2009 – na qual alguns Estados da UE não honraram o pagamento de suas dívidas nacionais, assim como com a crise grega em 2015 e a determinação de alguns membros do Partido Conservador britânico e do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) em levantar especificamente o debate nessa área, o que culminou com o referendo de junho de 2016 para rescindir a adesão britânica (SANDERS e HOUGHTON, 2017). Na percepção de Galloway (2016), David Cameron como primeiro-ministro ainda tentou muitas vezes contornar o problema da imagem de um Reino Unido isolado e à margem nos círculos da UE, o que resultou na tentativa quase que patética de apaziguar os críticos dos partidos eurocepticos. Dado a pertinência dessa trajetória para a discussão do tema, os detalhes do governo de David Cameron, bem como o jogo de políticas partidárias exercido por ele e que culminaram na determinação do referendo, serão melhor analisados no terceiro capítulo deste Trabalho de Conclusão de Curso – TCC.

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3 O BREXIT

“Europe is not based on a common language, culture and values... Europe is the result of plans. It is in fact, a classic utopian project, a monument to the vanity of intellectuals, a programme whose inevitable destiny is failure; only the scale of the final damage done is in doubt.” Margaret Thatcher, 2002

3.1 O CONTEXTO DO REFERENDO: DAVID CAMERON E POLÍTICAS PARTIDÁRIAS

Para se compreender como de fato a história se desenrolou até chegar à convocação do referendo, é importante entender que a política britânica esteve passando por significativas transformações. Segundo MacShane (2015, p. 22), “o domínio binário de dois grandes partidos que alternam no poder acabou”. Dessa forma, os democratas liberais – uma voz pró-europeia consistentemente importante na política britânica por trinta anos – foram quase eliminados como partido nas eleições gerais de 2015, elegendo apenas oito deputados, o equivalente ao seu status marginal nas décadas de 1960 e 1970. Em decorrência dessa performance, o colapso do partido precipita o ponto de equilíbrio político para fora do campo pró-UE (MACSHANE, 2015). Ao mesmo tempo, com o Scottish Nationalist Party substituindo o Partido Trabalhista na Escócia e os Verdes e Ukip ultrapassando os democratas liberais, a Grã-Bretanha agora é submetida à convivência nem sempre harmoniosa com até seis partidos integrando seu “jogo” político (MACSHANE, 2015). Em um cenário acirrado de lutas políticas como esse, David Cameron, que além de líder do Partido Conservador já exercia o cargo de Primeiro Ministro desde 2010, afim de apaziguar ânimos e críticos tanto adversários quanto de dentro do seu próprio partido, fez da proposta de um referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia um dos temas principais de sua campanha eleitoral em 2014, quando disputou a reeleição. (SZUCKO, 2016). Assim, Seldon e Snowdon (2015) destacam que a decisão de realizar tal referendo foi a maior aposta da carreira política de David Cameron, que esperava o resultado favorável para inclusive ser capaz de desenvolver uma agenda doméstica distinta em seu segundo mandato. 66

Nesse sentido, Romano (2017, p.1) evidencia que “A tática de Cameron, ao se comprometer com o plebiscito, era elevar a pressão sobre os demais membros da UE para negociar flexibilidade para o Reino Unido e neutralizar resistências internas. Ele subestimou o impacto do tema da imigração”. No entanto, assim como ocorreu com Margaret Thatcher e John Major antes dele, a problemática relação do Reino Unido com a União Europeia deixaria seu cargo em ruínas, sendo sua queda considerada em uma escala e impacto ainda maior do que a de seus antecessores: David Cameron entra para os anais da história e para sempre será lembrado como o primeiro-ministro que precipitou a decisão mais importante do país em mais de 50 anos, com profundas consequências para todos os envolvidos (SELDON e SNOWDON, 2015). Mas, enfim, como foi que isso aconteceu? Como já visto e demonstrado em tópicos precedentes no relato desta pesquisa, a ideia de organizar um referendo não se constituía numa novidade. Aliás, esta medida já havia sido até utilizada pelos britânicos em 1975, dois anos após sua entrada na União Europeia. Além disso, como já foi também anteriormente fundamentado e comentado, os britânicos nunca estiveram totalmente pacificados quando à sua integração da UE, e sempre estiveram às voltas com eternos debates – normalmente influenciados por eurocéticos – onde se tentava difundir as já desgastadas ideias de que o Reino Unido precisava retomar as rédeas de seu futuro, de sua soberania, de suas fronteiras e etc. O discurso permanecia o mesmo, e versava sobre a necessidade de “retomar o poder” sobre aquilo que, na opinião de alguns exacerbados nacionalistas, lhes havia sido suprimido enquanto nação soberana. No contraponto, esta visão era contestada pelos mais progressistas e liberais, que reconheciam que o posicionamento customizado do Reino Unido na União Europeia era o fruto de árduas e ferrenhas negociações e acordos firmados, com vantagens obtidas vírgula a vírgula e cheios de ressalvas pró Reino Unido. Os críticos da adesão pareciam desconhecer as vantagens e prerrogativas usufruídas pelo país. No entanto, foi o turbulento cenário internacional que de fato forneceu a munição que faltava para que os eurocéticos pressionassem ainda mais Cameron pelo referendo. Mas antes de entrar nesse mérito, é importante conhecer que questões foram essas que motivaram o agravamento de todo esse conflito interno. Inicialmente é preciso destacar que o clima é de instabilidade geral; com a crise financeira global originada nos Estados Unidos em 2008 e que ressoou fortemente na 67

Europa, colocou-se à prova a reformulação política em curso, que se revelou não ter capacidade para lidar com a série de adversidades que se acumularam, resultando no Tratado de Lisboa, de 2009. Além disso, a catástrofe econômica que tomou a maioria dos seus Estados-membros (denominada de ‘crise da Zona do Euro’) foi efetivamente um desafio que abalou um dos maiores e mais estruturantes motores do processo de integração: a União Econômica e Monetária (SANTOS, 2016). Assim, as dívidas e déficits públicos excessivos de alguns países resultaram em inadimplemento de cláusulas e padrões comunitários obrigatórios, fazendo soar os alarmes da União Europeia. Com a finalidade de se resolver essa questão, foram colocados em prática os programas de ajustamento de condutas adjacentes, que acabaram por provocar uma nova cisão da Europa a outros níveis, maioritariamente entre a “Europa do Norte” (aumento do euroceticismo britânico) e a “Europa do Sul” (países com programas de ajustamento). Essa cisão assumiu rapidamente proporções extra políticas, extra sociológicas e culturais, ocupando integralmente as agendas das instituições da UE entre 2010 e 2014 (SCHMIDT, 2015). Nesse contexto, o papel do governo britânico desde a instalação dessa crise da dívida soberana vinha se restringindo a se envolver na diplomacia “megafone”, inicialmente se instalando nos membros da zona do euro para acelerar as reformas de integração econômica com o fim de dissolver a instabilidade, já que esta impacta negativamente a velocidade da recuperação britânica (BAKER e SCHNAPPER, 2015). David Cameron herdou um problema que, com alguma habilidade política, foi capaz de ir administrando ao longo do seu primeiro mandato, evitando cuidadosamente o seu efetivo enfrentamento; ocorre que essa política de protelamento acabou se revelando um impedimento para a conquista do seu segundo mandato. O que tinha começado como vozes surdas e sem muita expressão, cresceu e passou a se propagar. Vozes que apelavam ao questionamento popular começavam a ganhar força, e com a multiplicação exponencial dos problemas vigentes na Europa a questão da consulta popular se acentuava, evidenciando a necessidade de realizar de vez um novo referendo. Desta maneira, foi quase que num ataque de fanfarrice insana que Cameron garantiu à mencionada ala eurocética – não só de outros partidos, mas inclusive do seu próprio Partido Conservador – que faria em seu segundo mandato o tão esperado referendo à União Europeia numa tentativa de igualmente assegurar a sustentabilidade do sistema social britânico (SANTOS, 2016). Obtido o êxito da reeleição, chega o momento de pagar a conta, e sob muita 68

cobrança para cumprir uma das mais alardeadas promessas de campanha, a situação foi se tornando insustentável: Ao chegar ao poder para o quinquénio 2015-2020, Cameron honrou a sua premissa e marcou para 23 de Junho de 2016 aquilo que se esperava ser uma consulta que produzisse resultados claros e límpidos que garantissem estabilidade sobre a questão. A partir desse enquadramento, a sua busca passou a ser, portanto, a de procurar acordar novos termos da participação britânica, ameaçando não tomar partido pelo “sim” no BREXIT (atuação política arriscada que lhe valeu críticas internas e na Europa)” (SANTOS, 2016, p. 12).

Ao escolher uma forma paliativa de aliviar as pressões a que vinha sendo submetido, prometeu inicialmente um "novo acordo" com a UE, na sequência de uma renegociação da adesão da Grã-Bretanha. Todavia, a estratégia não obteve o sucesso desejado, levando-o a efetuar a promessa fatídica: A promessa de referendo que Cameron fez em seu discurso Bloomberg em janeiro de 2013, em última instância, levou à sua ruína. Dava a impressão de um primeiro-ministro reagir a eventos em vez de dominá-los. A decisão de Cameron de forjar um novo acordo sobre a Europa e desafiar os condenados em seu partido foi descartada por muitos como uma oportunidade política imprudente. O discurso de Bloomberg, alegou, foi um exercício de gestão partidária para neutralizar a questão até depois da eleição geral de 2015. Certamente apaziguou um número crescente de Brexiteers nos bancos dianteiros e traseiros. Mas este ponto de vista descarta o desejo genuíno de Cameron de lidar com o sore recorrente da Europa e sua crença de que o país teria que resolver a questão mais cedo ou mais tarde. É difícil argumentar que ele esquivou o problema. Seu erro, que seria fatal, surgiu na convicção de que poderia conseguir mais do que podia dos parceiros europeus da Grã-Bretanha, dizendo à conferência do Partido Conservador em 2014 que faria progressos na livre circulação e não aceitaria "não" por uma resposta [...] Esperava que Angela Merkel o ajudasse a persuadir outros líderes europeus a darem à Grã-Bretanha salvaguardas mais fortes contra o influxo de imigrantes atraídos pela forte economia da Grã-Bretanha. (SELDON; SNOWDON, 2015, p. 1-2).

Adicionalmente à situação que já vinha se complicando, restava encarar o fato de que nas eleições paralelas em 2014, a Ukip conquistou seus primeiros lugares na Câmara, tendo desde cedo esclarecido que seu principal objetivo político ao entrar na disputa era o de provocar a saída do Reino Unido da União Europeia (MACSHANE, 2015). Além das conturbações internas, a União Europeia vinha tendo que lidar com vários outros fatores de instabilidades externas. Exemplo disso foi a crise na Ucrânia, decorrente da ocupação russa na Península da Crimeia no início de 2014; mas o maior desafio – e o que mais preocupante e impactante para o bloco – é a problemática dos refugiados e das migrações, que atinge seu apogeu nos anos de 2015 e 2016 com a escalada efetiva das hostilidades na Síria e o aumento exponencial do grau de destruição de cidades como Homs, Damasco e Alepo (SANTOS, 2016, p.8-11). 69

São estes os cenários e contextos interno e externo em que se deflagrou a campanha do plebiscito britânico para a saída ou permanência do Reino Unido na União Europeia, em meio às inconstâncias e disfuncionalidades que desafiaram e continuarão a desafiar a estabilidade do continente europeu no curto e médio prazo.

3.2 DA ORGANIZAÇÃO DA CAMPANHA E DA EXECUÇÃO DO REFERENDO

Em princípio, o referendo seria marcado para ocorrer em uma data do ano de 2017, ainda a ser definida. Isto lhes daria o tempo necessário para organizar adequadamente o evento e planejar as melhores estratégias para a obtenção do resultado desejado. Todavia, logo após as eleições, Cameron mostrou-se decidido a dar sequência à sua convocação. Nos meses de junho e setembro de 2015, foram realizados encontros bilaterais entre o Primeiro-Ministro britânico e o Presidente do Conselho da União Europeia, Donald Tusk, para discutir essa possibilidade (SZUCKO, 2016). A 10 de novembro de 2015 Cameron escreve uma carta a Tusk onde declina os quatro pontos ou áreas onde entende que necessita haver ajustes de funcionamento tanto por parte da União Europeia quanto da sua relação com o Reino Unido: A proteção do RU e de outros países de fora do euro contra a discriminação no mercado único; reforçar a competitividade traçando um objetivo para a redução da regulação excessiva, a famosa burocracia de Bruxelas; permitir ao Reino Unido ficar de fora da ambição de uma maior integração na União (ever closer union), dando mais poderes aos parlamentos nacionais na criação de leis europeias; cortar os altos níveis de imigração de cidadãos da UE, reduzindo o seu acesso aos benefícios fiscais. [...] (Tecedeiro, H. Exigências de Cameron à EU: “Só isto? Perguntam Eurocéticos. Diário de Notícias Online, 2015. [...] Na reunião de Dezembro de 2015, os membros do Conselho Europeu acordaram em cooperar estreitamente entre si para encontrar soluções nos quatro domínios acima referidos, marcando reuniões para os dias 18 e 19 de Fevereiro de 2016 (SANTOS, 2016, p. 12).

O Conselho Europeu, analisou o tema do referendo britânico e concordou em buscar soluções para ambas as partes envolvidas e propô-las até o encontro que se daria em fevereiro de 2016, dentro das áreas definidas como prioritárias pelo Reino Unido. Tais negociações ocorreram, efetivamente, no início de fevereiro, quando Donald Tusk apresentou a solicitação de Cameron e o problema foi exaustiva e detalhadamente discutido por vários dias entre os 28 países membros da União Europeia. Paralelamente, num gesto de boa vontade no sentido de dar celeridade à 70

análise e apresentação de soluções, Tusk reuniu-se com alguns dos principais líderes europeus, como o presidente francês, a chanceler alemã e os primeiros-ministros belga, romeno e tcheco8. Neste ínterim, na Inglaterra, Cameron fazia seu jogo de cena e iniciava sua campanha visando a permanência na UE: [...] O mês de Fevereiro introduziu-se com notícias que davam conta de que o primeiro-ministro britânico admitia fazer campanha pela permanência na União Europeia, não obstante ter sido o responsável pela marcação do referendo [...] No dia 4 de Fevereiro defendeu no Parlamento a proposta de renegociação com a União Europeia e garantiu apoio da ministra do Interior, referindo que “o Reino Unido terá uma posição mais forte e melhor” e conseguindo adiar uma possível fratura dentro do seu governo garantindo igualmente que o seu país nunca faria parte de uma união política, monetária, do espaço Schengen ou de um Exército comum. [...] Cerca de uma semana mais tarde algumas sondagens sinalizavam um aumento das intenções de voto a favor do “sim” à saída [...] sendo que Cameron prematuramente afirmou que para o governo Britânico aquilo que saísse de Bruxelas e que será votado pelos britânicos no referendo seria “legalmente vinculativo”. (SANTOS, 2016, p.13).

Após intensas negociações, os líderes da União Europeia finalmente chegaram a um acordo no dia 19 de fevereiro, que reforçou o status especial do Reino Unido dentro do bloco, no intuito de contornar a sua saída. Destaque-se, porém, que de acordo com o estabelecido nas conclusões da reunião do Conselho Europeu, essas decisões negociadas apenas terão efeito somente a partir da data em que o governo do Reino Unido informasse oficialmente que havia decidido permanecer como membro efetivo da União Europeia. O posicionamento do Conselho contendo os respectivos entendimentos de seus pares, e dada a necessidade de se posicionar formalmente pela permanência na EU para usufruir dos benefícios do novo acordo, no dia seguinte ao do encerramento das negociações, o Primeiro-Ministro David Cameron anunciou a realização do referendo britânico, marcando a data para o dia 23 de junho de 2016: [...] As conclusões do Conselho Europeu reforçam a condição diferenciada do Reino Unido dentro da União Europeia ao relembrar que o país tem o direito, conforme acordado em tratados, de: 1) não adotar o Euro e, portanto, manter a libra esterlina como sua moeda (Protocolo nº15); 2) exercer o controle fronteiriço de pessoas e, por conseguinte, não participar do Espaço Schengen (Protocolos nº 19 e 20); e 3) escolher se participa ou não das medidas comunitárias nas áreas de liberdade, de segurança e de justiça (Protocolo nº 21). Sendo assim, observa-se que o governo britânico mantém sua política de relativo distanciamento da União Europeia, evitando um maior envolvimento institucional, principalmente nas áreas apontadas como críticas

8 É importante destacar que o primeiro-ministro tcheco é também o Presidente do Grupo de Visegrado, composto por Eslováquia, Hungria, Polônia e República Tcheca, o qual se opôs fortemente às pretensões britânicas na área de benefícios sociais e livre circulação de pessoas (SZUCKO, 2016). 71

pelo país, a exemplo da política monetária e do controle de fronteiras9 (SZUCKO, 2016, p. 11). [...] No início deste ano, o premiê David Cameron renegociou "condições especiais" para o Reino Unido dentro da união. Entre outros privilégios, o país recebeu garantias de que não será discriminado por não integrar a zona do euro, obteve proteções para a City londrina - o mercado financeiro mais importante da Europa - frente a regulações financeiras do bloco, e ganhou o direito de limitar os benefícios que imigrantes europeus podem pedir no país (BBC BRASIL, 2017b, p.5).

Como pode ser observado, as conclusões do Conselho Europeu, em suas linhas gerais, buscaram satisfazer as principais exigências e solicitações do governo britânico e pertinentes aos temas considerados mais sensíveis. Necessário esclarecer que, ainda que os pedidos do Reino Unido deflagrassem enormes divergências entre os membros do grupo europeu, o compromisso final só pôde alinhado e alcançado em função do consenso entre os Estados membros, entendendo na ocasião que a saída do Reino Unido da União Europeia implicaria em custo ainda mais elevado para todos:  Para os britânicos, a saída da UE significaria eliminar grandes facilidades de mobilidade acadêmica, científica e laboral, tendo por consequência imediata significativa redução na participação em projetos de cooperação científica, tecnológica e de desenvolvimento com outros países europeus, inclusive em intercâmbios. Além disso (e o que aparentemente pesava mais), o país perderia o livre acesso a um mercado de aproximadamente 440 milhões de consumidores.  A União Europeia, por seu turno, com a saída do Reino Unido perderia 13% da população e 16% do PIB do bloco. Além disso, o impacto ainda maior se daria no peso diplomático da UE a nível internacional, já que perderia também um dos membros do Conselho de Segurança da ONU (SZUCKO, 2016, p. 14-15). No entanto, o "pacote de medidas para restringir os benefícios sociais, fornecer salvaguardas financeiras é um compromisso para proteger a Grã-Bretanha de uma união cada vez mais próxima não atendeu às expectativas do público que Cameron e sua equipe haviam levantado" (SELDON e SNOWDON, 2015, p. 2-3). E o que era para ser apenas um jogo de cena política de Cameron – para apaziguar os ânimos e fazer de conta que os eurocéticos e demais opositores tinham obtido o que queriam – começa a se transformar em pesadelo da tragédia anunciada; perdeu-se o controle da situação e a viagem foi vertiginosa ladeira abaixo. Assim, com

9 EUROPEAN COUNCIL. European Council meeting (18 and 19 February 2016) – Conclusions. Brussels, 2016). 72

recorde de 46,5 milhões de eleitores inscritos10, os britânicos se propõem a ir às urnas e responder: "Deve o Reino Unido permanecer como membro da União Europeia ou sair da União Europeia?"11. O Quadro 2 a seguir mostra resumidamente as razões e argumentos tanto para sair quanto para ficar: Quadro 2: As razões de cada lado. PARA FICAR PARA SAIR Quase metade das exportações do Reino Unido vão Comércio O Reino Unido negociaria uma nova relação com a UE para a UE isenta de tarifas de exportação. Como e estaria livre das regras do bloco. Poderia negociar membro do bloco, tem maior poder de barganha nas diretamente com outros países importantes como a negociações comerciais China, Índia e EUA. O Reino Unido contribui com € 430 ao ano por Orçamento O país poderá parar de enviar € 444 milhões a domicílio, comparados com um benefício anual da UE Bruxelas por semana, o que equivale à metade do estimado em € 3.800. Seja qual for o resultado do orçamento para educação. O dinheiro poderia ser referendo, é preciso pagar pelo acesso ao mercado usado em pesquisa científica e novas indústrias comum. A UE cria um padrão único para os 28 países, Regulação O país poderá retormar o controle de áreas como reduzindo a burocracia e beneficiando os negócios legislação trabalhista, saúde e segurança. Deixar o bloco não significa que a imigração cairá. Imigração Reino Unido pode reduzir os custos com o sistema de Países de fora tem maiores índices de imigrantes, imigração que oferece portas abertas a pessoas da incluindo pessoas vindas do bloco. UE e fecha às de outros países que podem contribuir com o país. Em encontros internacionais o Reino Unido é Influência O Reino Unido tem pouca influência dentro da UE. De representado duas vezes: pelo chanceler e pelo fora, pode manter cadeiras em institutos representante da UE. A cooperação ajudou a internacionais e ser uma influência mais forte em combater o Ebola e a pirataria na África. comércio e cooperação. Fonte: O Globo (2017)

Segundo reportagem do G1 MUNDO (2017b) as reviravoltas de expectativas de sucederam rapidamente de modo completamente imprevisível: As casas de apostas britânicas, que na quinta apostavam na vitória do "permanecer", mudaram sua tendência na madrugada desta sexta e passaram a prever a vitória da "Brexit" após a divulgação dos primeiros resultados [...] Após o fechamento das urnas [...] as casas de apostas de Londres apontavam 90% para a vitória da permanência do Reino Unido na União Europeia. Algumas horas depois, com a divulgação dos primeiros resultados, a tendência inverteu e passou a ser 60% a favor da saída do bloco europeu [...] Em decisão histórica, que tem potencial para mudar o rumo da geopolítica mundial pelas próximas décadas, os britânicos decidiram em referendo deixar a União Europeia (UE). A opção de "sair" venceu a de permanecer no bloco europeu por mais de 1,2 milhão de votos de diferença, em resultado divulgado por volta das 3h desta sexta-feira (24). A apuração foi divulgada por áreas de votação e a disputa, bastante acirrada. O "sair" começou à frente e chegou a ser ultrapassado pelo desejo de continuar na UE, mas logo retomou a liderança e foi abrindo vantagem até vencer com quase 51,9% dos votos. Foram 17.410.742 votos a favor da saída e 16.141.242 votos pela permanência.” (G1 MUNDO, 2017b, p.1-2).

Depois do Brexit, é preciso se preparar para um possível “Regretxit”. É muito significativo o número de britânicos arrependidos já no dia seguinte ao do referendo, depois de terem votado sim pela saída do Reino Unido da União Europeia, se

10 No Reino Unido, o voto não é obrigatório, mas o eleitor precisa estar inscrito para poder votar. Fonte: 11 Em tradução livre feita pela autora. 73

constituindo num dos temas que dominam as conversas nas redes sociais. Muitas ações dentre esses arrependidos pululam na internet. Houve inclusive, na Página Oficial do Parlamento do Reino Unido, uma petição requerendo novo referendo que contou com 4.150.262 (quatro milhões, cento e cinquenta mil e duzentas e sessenta e duas assinaturas) de subscritores, sendo que no texto desta petição apela-se ao governo que estabeleça “uma regra que determine que se os votos de saída ou permanência forem inferiores a 60% e a adesão for inferior a 75%, deve haver um segundo referendo”12 (SV/ZAP, 2016, p.1) Mesmo com 4,1 milhões de assinaturas, esta petição foi analisada em 5 de setembro de 2016 e rejeitada. O Quadro 3, a seguir, traz a íntegra da Declaração Oficial da União Europeia a respeito do resultado do referendo:

Quadro 3: Declaração em conjunto das autoridades da UE sobre o resultado do Brexit. Declaração conjunta de Martin Schulz, Presidente do Parlamento Europeu, Donald Tusk, Presidente do Conselho Europeu, Mark Rutte, Presidência rotativa do Conselho da UE, e Jean- Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia

Bruxelas, 24 de junho de 2016

O Presidente Schulz, o Presidente Tusk e o primeiro-ministro Rutte reuniram-se esta manhã, em Bruxelas, a convite do Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, tendo discutido o resultado do referendo no Reino Unido e emitido a seguinte declaração conjunta: «No âmbito de um processo livre e democrático, os britânicos manifestaram a sua vontade de sair da União Europeia. Lamentamos esta decisão mas respeitamo-la. Trata-se de uma situação sem precedentes, mas estamos unidos na nossa resposta. Manter- nos-emos firmes e defenderemos os valores fundamentais da UE que consistem em promover a paz e o bem-estar dos seus povos. A União de 27 Estados-Membros continuará a existir. A União é o quadro do nosso futuro político comum. Estamos ligados pela história, a geografia e interesses comuns, e é nessa base que desenvolveremos a nossa cooperação. Juntos, enfrentaremos os nossos desafios comuns para gerar crescimento, reforçar a prosperidade e garantir a estabilidade e segurança dos nossos cidadãos. As instituições desempenharão plenamente o seu papel neste esforço. Esperamos agora que o governo do Reino Unido dê seguimento à decisão do povo britânico o mais rapidamente possível, por muito doloroso que seja este processo; qualquer atraso só contribuirá para prolongar inutilmente a incerteza. O artigo 50.º do Tratado da União Europeia estabelece o procedimento a seguir caso um Estado-Membro decida retirar-se da União Europeia. Estamos prontos para encetar rapidamente negociações com o Reino Unido sobre as condições dessa saída. O Reino Unido continuará a ser um membro da União Europeia, com todos os direitos e deveres a ela inerentes, até que esteja concluído o processo de negociações. Nos termos dos Tratados ratificados pelo Reino Unido, o direito da UE continua a ser-lhe plenamente aplicável enquanto for membro da União.

12 Página da petição no site oficial do Parlamento do Reino Unido: "Closed petition. EU Referendum Rules triggering a 2nd EU Referendum. We the undersigned call upon HM Government to implement a rule that if the remain or leave vote is less than 60% based a turnout less than 75% there should be another referendum. This petition is closed. All petitions run for 6 months. 4,150,262 signatures. Parliament debated this topic. This topic was debated on 5 September 2016". Disponível em , acesso em 25 mai 2017. 74

Tal como acordado, o «Novo Quadro para o Reino Unido na UE», aprovado no Conselho Europeu de 18 e 19 de fevereiro de 2016, não entrará em vigor e deixará de ter existência. Não haverá renegociações. No que diz respeito ao Reino Unido, esperamos que no futuro seja um parceiro próximo da União Europeia. Aguardamos as propostas do Reino Unido a este respeito. Qualquer acordo que venha a ser concluído com o Reino Unido enquanto país terceiro deverá refletir os interesses de ambas as partes e ser equilibrado em termos de direitos e deveres.» STATEMENT/16/2329 Contatos para a imprensa: Margaritis SCHINAS (+ 32 2 296 05 24), Mina ANDREEVA (+32 2 299 13 82), Alexander WINTERSTEIN (+32 2 299 32 65). Perguntas do público em geral: Europe Direct pelo telefone 00 800 67 89 10 11 Fonte. Portal Oficial da União Europeia, 2017c.

3.3 O REFERENDO EM NÚMEROS: ANÁLISE DO PERFIL DOS ELEITORES

Como já exposto anteriormente nesta pesquisa, o Reino Unido é formado pela Inglaterra, País de Gales, Escócia (que, em conjunto, formam a Grã-Bretanha) e a Irlanda do Norte. O referendo dividiu não só a União Europeia, como também e principalmente o próprio Reino Unido. De acordo com análise do jornal eletrônico G1 MUNDO (2017b, p. 3): Apesar da vitória do "sair", votaram pela permanência a Escócia (62%), a Irlanda do Norte (55,8%) e a região de Londres (59,9%). Todas as outras regiões da Inglaterra e o País de Gales votaram por "sair", com percentuais que variaram de 52,5% (País de Gales) a 59,3% (West Midlands). Na Escócia, o "permanecer" venceu em todos os distritos. A chefe de governo escocês, Nicola Sturgeon, disse que o país "vê seu futuro" como parte do bloco europeu. "A votação aqui mostra claramente que os escoceses veem seu futuro como parte da UE", declarou a dirigente do Partido Nacional Escocês (SNP). O chefe do movimento Sinn Fein, da Irlanda do Norte, afirmou que vai pedir um referendo sobre a união do país com a Irlanda – que fica na mesma ilha da Irlanda do Norte, mas é um outro país e não faz parte do Reino Unido. “O resultado desta noite muda dramaticamente o cenário político aqui no norte da Irlanda e nós vamos intensificar nosso caso para chamar por um referendo”, disse Declan Kearney, em comunicado.

O processo como um todo, foi recheado de informações, contrainformações, escamoteamento de intensões de votos e até mesmo o uso do recurso largamente conhecido pelo mundo dos políticos – o de tentar influenciar votos de uma comunidade/local com a publicação pesquisas tendenciosas. Prova disso está numa análise da BBC em que declina os mais favoráveis à permanência do Reino Unido na UE: “Os partidos Trabalhista, Liberal Democrata, Nacionalista Escocês (SNP), e o galês Plaid Dymru também se dizem a favor da permanência na EU” (BBC BRASIL, 2017b, p. 6). Ironicamente, não se sabe se foi a qualidade da pesquisa, ou se foi jogada de política eleitoral de tentativa de mudança de intensão de voto, mas o fato é que o único país explicitamente citado na análise como indubitavelmente a favor da 75

permanência – País de Gales – foi exatamente o país onde o Brexit venceu como um todo, com 52,5% dos votos. Como ponto de partida para compreender o resultado do processo, há que se avaliar a dimensão da representatividade das forças que atuam e pressionam a política interna do Reino Unido em cada uma das regiões. Um bom indicador é o mapa das últimas eleições gerais que precederam o Brexit – as Eleições Gerais de 2015 – proporcionou a David Cameron um segundo mandato:

Tabela 1: Resumo do Mapa de Apuração das eleições gerais de 2015.

Fonte: YouGov, 2017a.

Destacam-se neste mapa as variáveis que envolvem a representatividade dos partidos políticos no resultado das Eleições Gerais de 2015. Ao avaliar esses dados, pode-se estimar que o resultado, extremamente apertado desse referendo, já se desenhava ao final daquele processo eleitoral. Pode-se perceber que, já em 2015 a tendência para a saída do Reino Unido da União Europeia já era evidenciada pelos números e estatísticas que traduziam a força dos partidos. Para redução de número de variáveis, podem ser excluídos da matriz analítica os partidos Plaid Cynru (Partido Galês) e o British National Party (Partido Britânico Nacional) por terem representatividade inferior a 1% e, portanto pouca ou nenhuma influência sobre o resultado. Dos demais partidos, os de maior expressão são: o Partido Conservador, com 38% do eleitorado, o Partido dos Trabalhadores, com 31%, o UKIP, com 13%; o Liberal Democrata com 8%; o SNP e o Verde, cada um com 4% respectivamente. Votos indefinidos somam 2%. A Tabela 2, a seguir, traz o resultado da pesquisa de intenção de votos efetuada 76

em maio de 2015, segmentada por partido, gênero e faixa etária Tabela 2: Pesquisa das intensões de voto em 18/05/2015.

Fonte: YouGov, 2017b.

Já na naquela ocasião, era possível projetar que poderia ocorrer um “empate técnico”13, tão pequena que era a margem de diferença entre as duas opções, com ligeira vantagem para o permanecer na UE. O resumo da pesquisa pode ser apreciado na Tabela 3, a seguir:

Tabela 3: Votos britânicos no Brexit na ótica: partidos, faixa etária e educação Em relação aos partidos que votaram em 2015 Permanecer Sair Conservadores 39 61 Trabalhadores 65 35 Liberal Democracia 68 32 UKIP 5 95 Verde 80 20 Em relação à idade dos eleitores Permanecer Sair Faixa etária entre 18-24 anos 71 29 Faixa etária entre 25-49 anos 54 46 Faixa etária entre 50-64 anos 40 60 Faixa etária acima de 65 anos 36 64 Quanto ao nível educacional Permanecer Sair *GCSE or lower. Ensino fundamental completo 30 70 *A Level. Ensino médio/colegial que dá acesso à IES 50 50 *Higher below degree. 48 52 *Degree. Bacharelado, pós graduação, mestrado, doutorado, PHD. 68 32 Fonte: (ELECTORAL COMMISSION, 2016; * SK-EDSYS, 2017). Na Tabela 3, são demonstradas as preferências do britânico no Brexit, com a evidenciação da fragilização de seus mais importantes partidos políticos. A votação sobre a saída ou permanência da Grã-Bretanha à União Europeia atravessa linhas partidárias, com significativa divisão dentro dos principais partidos políticos da Grã- Bretanha. Os conservadores votam por sair, 61% a 39%; os trabalhistas (65%) e os democratas liberais (68%) votam em grande parte por permanecerem, mas minorias

13 (IBGE, 2017) É considerado empate técnico quando a diferença entre os candidatos se encontra dentro das margens de erro das pesquisas, ou seja, quando há superposição dos respectivos intervalos de confiança dos candidatos. 77

significativas dentro de cada um deles optam por sair. Somente o UKIP, onde 95% votaram para a sair, e os Verdes, onde 80% votaram para permanecer, não sofreram com cisões internas significativas, mantendo sua hegemonia enquanto forças partidárias.

3.3.1 Resultados do Referendo

O UK, como um todo, é dividido em 12 (doze) regiões administrativas, a saber: Escócia, Londres, Irlanda do Norte, Sudeste, País de Gales, Sudoeste, Noroeste, Leste, e Humber, Nordeste, Midlands Orientaie e Midlands Ocidentais. A Figura 2, a seguir, mostra a localização dessas regiões: Figura 2: Regiões que compõem o Reino Unido e suas localizações.

Fonte: (DREAMSTIME, 2017).

O resultado apresenta um Reino Unido dividido em suas preferências. No conjunto dos quatro países, a preferências ficam assim registradas: - Votos por permanecer na União Europeia: Escócia obteve a maior expressividade e margem de apoio, com 62% a favor da permanência, contra apenas 38% dos eleitores que manifestaram por sair. Na Irlanda do Norte também venceu a opção por ficar na UE, com um resultado menos folgado mas ainda assim significativo, de 55,7% pela permanência contra 44,3% pela saída. 78

- Já os votos que escolhem a saída, foram dados por eleitores da Inglaterra (parte dela) com 53,2% dos votos pela saída, contra 46,8% dos votos pela permanência. No País de Gales a vitória foi ainda mais apertada, registrando 51,7% pela saída contra 48.3% pela permanência. Em virtude da diferença bastante significativa do número de habitantes de cada país, no cômputo geral de todos os votos do Reino Unido a decisão de se desligar da União Europeia é vitoriosa com o resultado de 51,9%, contra os 48,1% que desejavam permanecer. Pode-se dizer que assim se confirma o “empate técnico”, já citado e explicado nos comentários das pesquisas de intenção de votos. A figura 3, a seguir, elaborada pela Comissão Eleitoral do Reino Unido, sintetiza todas essas importantes informações e resultados: Figura 3: Resultado do referendo, por Regiões

Fonte: Electoral Commission (2017b).

O eleitorado registrado e habilitado para participar do referendo no Reino Unido é de 46.500.001, e os votos válidos, num total de 33.551.983, representam 72,2% do universo possível de eleitores britânicos. Os dados do mapa de votação elaborado pela Comissão Eleitoral do Reino Unido foram trabalhados na Tabela 4, a seguir: Tabela 4: Mapa ampliado das votações por região Ficar Total de Turnout Total de Região Leave% Remain% Sair /Permanecer votos Eleitores South East 51,8 48,2 2.567.965 2.391.718 4.959.683 76,8 6.457.921 North West 53,7 46,3 1.966.925 1.699.020 3.665.945 70,0 5.237.064 79

East 56,5 43,5 1.880.367 1.448.616 3.328.983 75,7 4.397.600 West Midlands 59,3 40,7 1.755.687 1.207.175 2.962.862 72,0 4.115.086 South West 52,6 47,4 1.669.711 1.503.019 3.172.730 76,7 4.136.545 Yorkshire and The Humber 57,7 42,3 1.580.937 1.158.298 2.739.235 70,7 3.874.448 London 40,1 59,9 1.513.232 2.263.519 3.776.751 69,7 5.418.581 East Midlands 58,8 41,2 1.475.479 1.033.036 2.508.515 74,2 3.380.748 Scotland 38,0 62,0 1.018.322 1.661.191 2.679.513 67,2 3.987.371 Wales 52,5 47,5 854.572 772.347 1.626.919 71,7 2.269.064 North East 58,0 42,0 778.103 562.595 1.340.698 69,3 1.934.629 Northern Ireland 44,2 55,8 349.442 440.707 790.149 62,1 1.272.382 17.410.742 16.141.241 33.551.983 72,2

Eleitorado Total 46.500.001 100 Votos Válidos 33.551.983 72,2 Fonte: Elaborado a partir dos dados publicados pela Comissão Eleitoral da UK

A figura 4, a seguir é cópia do Mapa das Preferências também elaborado pela Comissão Eleitoral do Reino Unido. Figura 4: Resultados por Preferência e votos consolidados por localidade

Fonte: Electoral Commission (2017b).

Este mapa mostra o resultado das votações distribuídos por localidades, onde se pode constatar que mesmo dentro de uma região onde o voto predominante é de uma determinada opção, existem focos eleitorais que representam o voto contrário, resultando em equilíbrio na apuração geral.

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3.3.1.1 Resultados por regiões

Tabela 5: Região South East e Região Metropolitana de Londres Região sair% Ficar % Votos sair Votos ficar Votos total % turnout Total eleitores South East 51,8 48,2 2.567.965 2.391.718 4.959.683 76,8 6.457.921 London 40,1 59,9 1.513.232 2.263.519 3.776.751 69,7 5.418.581

4.081.197 4.655.237 8.736.434 73,6 11.876.502 Fonte: Elaborada pela autora a partir dos dados da Electoral Comission, 2016.

Na Região South East – que também engloba Londres e região metropolitana é a mais populosa do Reino Unido, com mais de 11,87 milhões de eleitores. Foi massivamente às urnas – no maior índice de comparecimento do certame com 76,8% do total dos eleitores no interior e 69,7% na Capital e sua zona metropolitana, sendo que na região como um todo, o comparecimento médio foi de 73,6%. Também no interior, com seus 4,96 milhões de votos, praticamente deu o tom da eleição com o resultado quase idêntico ao resultado final, com 51,8% da escolha por sair contra 48,2% de permanecer. Mas não se pode falar de homogeneidade nesta região, já que Londres e sua região metropolitana escolheram massivamente por permanecer na EU, com 59,9% e apenas 40,1% para sair. Destaque-se que, além de ser esta a região mais densamente povoada, é também a mais rica, industrializada e detentora do maior índice de educação e tecnologia. É sede de inúmeras grandes empresas multinacionais notadamente das indústrias química e automobilística, além de se constituir o coração do sistema financeiro do país. De onde se pode inferir que os mais ricos e com melhor acesso à educação e condições de vida preferem se manter conectados ao bloco, enquanto que à medida em que as localidades vão ficando mais longe do centro nervoso do Reino Unido, as regiões mais pobres e com menor acesso à educação e tecnologia são mais propensos a acreditar na campanha de que a culpa da crise interna é da falta de soberania.

Tabela 6: Região North West Região Leave% Remain% Sair Ficar Total de votos Turnout Total Eleitores North West 53,7 46,3 1.966.925 1.699.020 3.665.945 70,0 5.237.064 Fonte: Elaborada pela autora a partir dos dados da Electoral Comission, 2016.

A Região North West, a segunda mais populosa, com 5,2 milhões de eleitores e 3,67 milhões de votos válidos, teve 70,0% de comparecimento às urnas, com 53,7% 81

dos votos a favor da saída e 46,3% pela permanência. O foco de voto contrário nesta região se deu em South Lakeland, com 52,9% dos votos para permanecer. Nesta localidade específica, o comparecimento às urnas foi de 80%.

Tabela 7: Região East Região sair% Ficar % Votos sair Votos ficar Votos total % turnout Total eleitores East 56,5 43,5 1.880.367 1.448.616 3.329.083 75,7 4.397.732 Fonte: Elaborada pela autora a partir dos dados da Electoral Comission, 2016.

A Região East, teve um dos mais altos índices de comparecimento às urnas: 75,6% dos 4,40 milhões de eleitores registrados. Com 3,33 milhões de votos válidos, opta pela saída da UE, com 56,5% dos votos, contra os 43,5% que desejariam permanecer. Tabela 8: Região West Midlands Ficar Total de Turnout Total de Região Leave% Remain% Sair /Permanecer votos Eleitores West Midlands 59,3 40,7 1.755.687 1.207.175 2.962.862 72,0 4.115.086 Fonte: Elaborada pela autora a partir dos dados da Electoral Comission, 2016.

A região West Midlands teve um comparecimento às urnas de 72% dos 4,12 milhões de eleitores registrados. Com 2,93 milhões de votos válidos, opta pela saída da UE, com 59,3% dos votos, contra os 40,7% que desejavam permanecer. Tabela 9: Região South West Região sair% Ficar % Votos sair Votos ficar Votos total % turnout Total eleitores South West 52,6 47,4 1.669.711 1.503.019 3.172.830,0 76,7 4.136.545 Fonte: Elaborada pela autora a partir dos dados da Electoral Comission, 2016.

A região South West teve um comparecimento muito alto às urnas de 76,7% dos 4,14 milhões de eleitores registrados. Com 3,17 milhões de votos válidos, opta pela saída da UE, com 52,6% dos votos, contra os 47,4% que desejavam permanecer. Tabela 10: Região Yorkshire and The Humber Ficar Total de Turnout Total de Região Leave% Remain% Sair /Permanecer votos Eleitores Yorkshire and The Humber 57,7 42,3 1.580.937 1.158.298 2.739.235 70,7 3.874.448 Fonte: Elaborada pela autora a partir dos dados da Electoral Comission, 2016. A região de Yorkshire and The Humber teve um comparecimento às urnas de 70,7% dos 3,87 milhões de eleitores registrados. Com 2,74 milhões de votos válidos, opta pela saída da UE, com 57,7% dos votos, contra os 42,3% que votaram por ficar na União Europeia. Tabela 11: Região East Midlands Ficar Total de Turnout Total de Região Leave% Remain% Sair /Permanecer votos Eleitores 82

East Midlands 58,8 41,2 1.475.479 1.033.036 2.508.515 74,2 3.380.748 Fonte: Elaborada pela autora a partir dos dados da Electoral Comission, 2016.

A região East Midland também teve um comparecimento muito alto às urnas de 74,2% dos 3,38 milhões de eleitores registrados. Com 2,51 milhões de votos válidos, opta pela saída da UE, com 58,8% dos votos, contra os 41,2% que desejavam permanecer. É também uma das mais significativas rejeições à UE.

Tabela 12: Região Scotland Ficar Total de Turnout Total de Região Leave% Remain% Sair /Permanecer votos Eleitores Scotland 38,0 62,0 1.018.322 1.661.191 2.679.513 67,2 3.987.371 Fonte: Elaborada pela autora a partir dos dados da Electoral Comission, 2016.

A Escócia, por sua vez, apresenta um comparecimento às urnas abaixo da média geral do evento – 67,2% do total de eleitores possíveis. Por outro lado, representou o mais alto índice de adesão à permanência da UE: 62% desejam ficam contra apenas 38% que votaram por sair. Destaque-se que este resultado deve ser considerado como um sinal de alerta com claros sinais de que se formarão futuros conflitos visando a independência da Escócia em relação ao Reino Unido.

Tabela 13: Região Wales Ficar Total de Turnout Total de Região Leave% Remain% Sair /Permanecer votos Eleitores Wales 52,5 47,5 854.572 772.347 1.626.919 71,7 2.269.064 Fonte: Elaborada pela autora a partir dos dados da Electoral Comission, 2016.

A região Wales teve um comparecimento às urnas de 74,2% dos 2,27 milhões de eleitores registrados. Com 1,63 milhões de votos válidos, opta pela saída da UE, com 52,5% dos votos, contra os 47,5% que desejavam permanecer.

Tabela 14: Região North West Ficar Total de Turnout Total de Região Leave% Remain% Sair /Permanecer votos Eleitores North East 58,0 42,0 778.103 562.595 1.340.698 69,3 1.934.629 Fonte: Elaborada pela autora a partir dos dados da Electoral Comission, 2016. A região North East também teve um comparecimento às urnas dentro da média (60,3%) dos 1,93 milhões de eleitores registrados. Com 1,34 milhões de votos válidos, opta pela saída da UE, também com um dos mais altos indicadores de rejeição à UE, com 58% dos votos, contra os 42% que desejavam permanecer. É também uma das mais significativas rejeições à UE. 83

Tabela 15: Região Northern Ireland Ficar Total de Turnout Total de Região Leave% Remain% Sair /Permanecer votos Eleitores Northern Ireland 44,2 55,8 349.442 440.707 790.149 62,1 1.272.382 Fonte: Elaborada pela autora a partir dos dados da Electoral Comission, 2016.

Assim como a Escócia, Northern Ireland por sua vez, apresenta um comparecimento às urnas abaixo da média geral do evento – 62,1% do total de eleitores possíveis, que é de 1,27 milhões. Por outro lado, também teve alto índice de adesão à permanência da UE: 55,8% desejam ficam contra apenas 44,2% que votaram por sair. Também este resultado deve ser considerado como um sinal de alerta de futuros conflitos visando em relação à permanência ao Reino Unido. Ao se analisar os votos por regiões, é possível visualizar um Reino Unido dividido, com tendência de se fragmentar com a perda da Escócia e da Irlanda do Norte que já estão sinalizando suas posições de se manterem integrados à União Europeia. No aspecto de preferências de votos tendo por critério as faixas etárias dos eleitores e resultado do referendo, apesar da idade dos votantes não ter sido registrada na consulta de intenções, e nem tampouco informada nos mapas disponibilizados pela Comissão Eleitoral, uma sondagem da empresa de pesquisa de mercado YouGov, executada no dia do referendo mostra que 64% dos britânicos que se encontram nas faixas etárias abaixo de 25 anos disseram ter votado por "ficar" na União Europeia. Já os pertencentes à faixa etária de 65 anos ou mais, 61% afirmaram ter votado pela Brexit. (YOUGOV, 2017). Tabela 15: Mapa geral de votação do referendo – parte 1

Fonte: YouGov, 2017. Tabela 15: Mapa geral de votação do referendo – parte 2 84

Fonte: YouGov, 2017.

A referida empresa de pesquisa salienta que, depois da decisão do Reino Unido se retirar da União Europeia, os jovens é que manifestaram maior grau de insatisfação e frustação com o resultado do referendo. Na sua maioria estudantes, participaram ativamente da campanha pela permanência. Todavia, à medida em que a idade aumenta, diminui o percentual de votos de permanência na UE: Figura 5: Relação entre voto pela permanência na EU e faixa etária

Fonte: YouGov, 2017c

De 18 a 24 anos, o percentual de votos para permanecer é de 72%: De 25 a 49 anos, este percentual cai para 48%; e quando a faixa etária é de 50 a 64, este percentual cai para apenas 38%; e quando se consultam as pessoas com mais de 65 anos, apenas 34% disseram que votariam para ficar (nesta faixa, 59% optaram pelo Brexit). Ao se analisar as relações e proporções, as pessoas que estão na faixa etária acima de 65 anos foram mais do dobro da probabilidade de os menores de 25 anos terem votado para deixar a União Europeia. O jornal "The Guardian", por sua vez, realizou uma análise baseada na média de idade de cada região do Reino Unido: Segundo o levantamento, áreas com maior idade média tiveram taxa mais alta de comparecimento do que áreas com pessoas mais jovens. De acordo com o jornal, dados das comissões eleitorais mostram que houve um apoio massivo à permanência na UE em áreas urbanas com idade média de 35 anos ou menos. Em três distritos de Londres com idade média entre 31 e 33 anos, por exemplo, 75% dos eleitores votaram no "ficar". A opção por permanecer no bloco também foi alta em Oxford e Cambridge, cidades universitárias que concentram a maior porcentagem de pessoas entre 18 e 25 anos do país. Políticos das duas correntes mencionaram a diferença de votação por idade em seus discursos pós-resultado. O ex-prefeito de Londres Boris Johnson, 85

que fez campanha a favor do Brexit, fez um discurso tranquilizando as pessoas que não queriam que o país deixasse o bloco e citou "especialmente os mais jovens" (G1 MUNDO, 2017c).

Tim Farron, líder do Partido Liberal Democrata, explica, assumindo como um caráter de verdade inquestionável, que os jovens votaram pelo 'ficar' na União Europeia – e por uma margem considerável – sendo, todavia, pouco representados. Assevera ainda que esses jovens “estavam votando pelo seu futuro, e ele foi tirado deles" (G1 MUNDO, 2017c). Numa análise rápida do mapa de voto do Reino Unido há três fatos que se destacam: o “Ficar” ganha de ampla margem na Grande Londres, Escócia e Irlanda do Norte e perde no resto do país; a Inglaterra, com a exceção de Londres e de outros grandes centros urbanos, como Liverpool e Manchester, votou maciçamente na opção “Leave”, ou “Sair”; perceba-se que as zonas mais ricas, detentoras de maior poder económico, optaram pelo “Ficar”, enquanto as zonas mais pobres, com menor acesso à educação e melhor qualidade de vida, onde se acumulam há séculos vários problemas económicos, consideram a União Europeia o seu “bode expiatório” e votaram no “Sair”. Por meio da teoria da formação identitária, fica aparente essa dinâmica. O Reino Unido como um todo, sendo a Inglaterra e o País de Gales em especial, rejeitam a permanência na União Europeia alegando problemas de soberania (leia-se falta de identidade com o grupo), mas o que se observa na realidade é uma luta de “superegos”, já que ao Reino Unido incomoda o fato de não ser líder da UE, além de não se conformar em precisar seguir as mesmas regras que seus pares. Por se julgar sempre tão especial e merecedor de todas as deferências, passou tempo significativo discutindo e impondo sempre condições privilegiadas e especiais. A frustração do Reino Unido é em relação à União Europeia. Já a Escócia e a Irlanda do Norte não parecem sofrer do mesmo problema. Talvez porque sua frustração seja contra o próprio Reino Unido, pois dado seus históricos precedentes, a dominação deste em relação aos dois países nem sempre foi amigável ou pacífica. Também a nível de análise de formação identitária, tanto a Escócia quanto a Irlanda do Norte ao serem integrados ao Reino Unido por “livre e espontânea pressão” já perderam parte de sua identidade e o que lhes resta, a nível dessas relações internacionais, sejam os interesses comerciais e uma proteção contra uma situação que, pelo jeito, não é realmente confortável para ambos. Ou talvez se revelem o oculto 86

prazer de ver o dominador com os mesmos desconfortos que outrora lhes tenham sido impingido. Em síntese, o que fica claro com a análise do perfil dos eleitores é que o Reino Unido votou divididamente, fato este que expôs diversas fraturas existentes em sua estrutura. Tendo isso em mente, resta agora compreender as consequências, ainda que imediatas, geradas a partir dessa decisão, sendo este o foco do último ponto a ser tratado pelo presente trabalho.

3.4 CONSEQUÊNCIAS IMEDIATAS: O REINO UNIDO PÓS-BREXIT

A campanha do referendo foi marcada por uma série de afirmações sobre o que aconteceria ou não após sua votação; no entanto, como o Brexit ainda está em franco processo de desdobramento, medir as reais consequências dessa decisão ainda é inconcebível, já que a natureza complexa de seu resultado deixa difícil a coleta e o processamento dos dados que nos dirão o que de fato aconteceu (BELAM, 2017, p.1). Mesmo assim, em algumas questões foi possível perceber tendências e mudanças praticamente imediatas após o resultado da votação, sendo então esses aspectos os que serão considerados objetos principais desse último tópico. As primeiras instabilidades notadas quanto ao Brexit ocorreram ainda durante o processo de votação, ou seja, antes de se chegar ao resultado final e se confirmar a saída do Reino Unido da UE. Assim, antes que fosse dado o real veredito, Bolsas na Ásia e os mercados futuros da Europa e dos Estados Unidos já começavam a dar sinais de queda, tendo a Bolsa de Tóquio despencado quase 8% de uma só vez (G1 MUNDO, 2017b). Já Cameron, que chegou a afirmar que continuaria à frente do governo independentemente do resultado do referendo, noticia sua renúncia ao posto de primeiro-ministro no dia seguinte à divulgação oficial do resultado, informando que deixaria o cargo em outubro e por isso o RU precisaria de um novo Primeiro Ministro para lidar com as negociações frente a Europa. Além disso, em entrevista ao jornal “The Times”, Cameron declara que se sentia "responsável" pela consulta, por ter prometido convocar o referendo caso ganhasse as eleições gerais de 2015, mas que ao mesmo tempo era também a pessoa mais adequada para liderar as negociações necessárias graças a suas "sólidas relações" na Europa (G1 MUNDO, 2017b). 87

Porém, nada disso foi o que mais preocupou os britânicos, e sim a baixa exorbitante do valor da libra esterlina, moeda do Reino Unido, que chegou a atingir o menor valor frente ao dólar em 31 anos (G1 MUNDO, 2017b). Assim, Martin (2017, p. 3) declara que: A vítima econômica mais visível, e provavelmente a mais importante, imediata ao Brexit, foi o valor da libra esterlina. A libra caiu para um mínimo de três décadas contra o dólar dos EUA na segunda-feira, tendo perdido 11% do seu valor no espaço de dois dias de negociação. Todos sabemos o que isso significa para nós individualmente: nos tornamos mais pobres quase da noite para o dia. Férias estrangeiras de repente se tornaram mais caras. O preço da bebida e do combustível - importamos muito mais do que exportamos para ambos – subirá (MARTIN, 2017, p. 3).

Assim, Martin (2017) aponta que entre quinta-feira e segunda-feira (entre 23 e 27 de junho) “a base de custo dos fabricantes que exportam do Reino Unido para a zona do euro ficou cerca de 8% mais barata em função da queda da libra contra o euro”, explicando que seria preciso um aumento acentuado das tarifas para compensar uma margem de lucro sem sorte naquela escala. O enfraquecimento da moeda também foi agravado pelo corte dos juros realizado em julho pelo Bank of , o banco central britânico, de 0,5% para 0,25% (BBC BRASIL, 2017 p. 6); no entanto, para aproveitar o fato de a libra estar mais fraca, o que se buscou fazer foi maximizar outros benefícios, como ajudar a reconquistar o gigantesco balanço econômico da Grã-Bretanha e equilibrar seu comércio internacional (MARTIN, 2017). No âmbito da indústria financeira, Martin (2017) aponta ainda que o Reino Unido empresta uma grande quantidade de libra no exterior, o que tende a aumentar de repente o patrimônio líquido da Grã-Bretanha com a queda acentuada da moeda, tornando seus ativos mais valiosos em relação ao seu passivo. Já quanto ao comércio, os políticos britânicos têm conversado durante anos sobre a necessidade de reequilíbrio da economia britânica em relação à produção, exportação e poupança; sendo assim, o declínio de sua moeda após a Brexit poderia conseguir finalmente alcançar esse objetivo (MARTIN, 2017). Quanto ao setor de serviços, este cresceu 0,4% em julho, índice bem mais alto do que se esperava. Isso demonstra que os consumidores continuaram gastando normalmente depois da votação, apesar da redução da confiança entre os pequenos empresários – que foi mostrada através de uma pesquisa da federação britânica das Pequenas Empresas sobre o pessimismo quanto ao futuro pós-Brexit (BBC BRASIL, 2017). Sobre a inflação, que é outro aspecto econômico importante, esta aumentou 88

para 0,6% em julho e se manteve assim em agosto, sinalizando um aumento ínfimo e, por isso, com poucos sinais de que se pudesse vir a refletir nos preços finais ao consumidor (BBC BRASIL, 2017). Apesar das expectativas de cortes, e a afirmação do ex-chanceler George Osborne de que uma votação a favor do Brexit levaria à alta das taxas de hipoteca, as taxas de juros, que esperava-se aumentar, foram mantidas em 0,5%, valor constante desde 2009. (BELAM, 2017). Porém, é importante ressaltar que, mesmo com os índices econômicos acima da expectativa geral, não foi depositado um centavo do novo financiamento anunciado para o NHS até 1 mês após a votação do referendo, o que havia sido prometido em cartazes de campanha em favor do Brexit, onde se “calculou” que £ 350 milhões eram enviados por semana à UE; a alegação era de que, com o Brexit, o Reino Unido poderia reverter essa verba em investimento no Sistema Nacional de Saúde (NHS), resultando num adicional de £ 1.3 bilhões por mês (BELAM, 2017, p.3). Em relação a aspectos sociais, Belam (2017) destaca que "os incidentes relatados de crimes de ódio racial aumentaram 42% na semana anterior e na semana após a votação para deixar a UE”, explicando que esses números já vinham aumentando com os casos recorrentes nos transportes públicos britânicos, sendo o resultado do referendo apenas uma forma de escancarar o racismo cotidiano, que se tornou mais perceptível para a mídia e o público. Além disso, foi perceptível ainda a imediata procura por milhares de britânicos em iniciar o processo de aplicação para dupla cidadania em outros países pertencentes à UE, como uma forma de garantir que, de uma forma ou de outra, não fossem perdidos os benefícios usufruídos até ali. Assim, segundo Smith (2017), funcionários do governo Irlandês estão lidando com um montante de pedidos de cidadania do Reino Unido a uma taxa mensal equivalente ao que era anteriormente o anual, além de situações similares em países como Portugal, Dinamarca, Suécia e Alemanha:

“Irish government officials are currently receiving applications at a rate of around 700 a month. During 2015, the year before the referendum, the total for the whole year was 689. Passport applications from Great Britain jumped by 70.95% in January 2017, compared to the same month in 2016. In Northern Ireland, the increase was even higher, 77.3%.” (SMITH, 2017, p. 3) “Their counterparts across Europe – and especially Portugal, Denmark and Sweden – are all reporting big increases in inquiries about dual citizenship, and access to passports. Most surprising of all is Germany. One of the most favoured destinations for general applications, it is also currently assessing more than 1,000 from Jewish people living in Britain. Descendants of refugees from Nazism, and often of Holocaust victims, they have turned to Germany as 89

a safe haven in the face of Brexit. That total, covering less than nine months since the June referendum, is 40 times the number of such applications to be handled by the federal department in Cologne during the previous year.” (SMITH, 2017, p. 2)

Já no que toca a UE, as maiores preocupações são sobre a onda de plebiscitos de natureza semelhante ao Brexit que a saída do Reino Unido pode provocar em outros países do bloco, já que na França, por exemplo, o Frente Nacional, partido de extrema direita, já entrou com pedido de um referendo semelhante sobre a permanência da França na União Europeia. Da mesma forma, Geert Wilders, líder anti-imigração do Partido da Liberdade na Holanda, pediu também um referendo a respeito do caso holandês (JAIN, 2016, p.1), declarando que os holandeses “querem estar no comando do seu país, do seu dinheiro, das suas fronteiras e das suas políticas de imigração”, e que “logo que possível, os holandeses deveriam ter a oportunidade de se pronunciar sobre a permanência na União Europeia” (ZAP/BBC, 2017, p.1). Seguido dele, Mateo Salvini, líder do partido italiano Liga Norte, escreveu no Twitter: “Viva a coragem dos cidadãos livres! Coração, cérebro e orgulho derrotaram as mentiras, ameaças e chantagens. Obrigado, agora é nossa vez”, dando a entender que em breve faria também o pedido pelo plebiscito. Nesse sentido, a única opinião mais ponderada e cautelosa foi proferida pelo Partido Popular na Dinamarca, que declarou que apesar da decisão “corajosa” dos britânicos, todos “devem manter a cabeça no lugar” (ZAP/BBC, 2017, p.1). Outra tendência percebida foi quanto às incertezas que rodeiam o futuro da Escócia no Reino Unido. Como já vimos, a Escócia foi o país que mais votou pelo Remain, ou seja, pela permanência do Reino Unido na União Europeia, alcançando 62% do total de votos válidos contra 38% decididos a favor do Leave. Nesse sentido, a primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, declarou em seu discurso em Glasgow, onde é realizado o congresso anual do Partido Nacionalista Escocês (SNP), que é necessário que os escoceses reconsiderem sobre o assunto de sua independência "antes que o Reino Unido deixe a União Europeia (UE)". A líder escocesa se dirigiu também à primeira-ministra britânica, Theresa May, a quem advertiu que, "se não for possível proteger nossos interesses dentro do Reino Unido, então a Escócia terá o direito a decidir, de novo, se quer adotar um caminho diferente". Nesse sentido, o principal argumento de Sturgeon é que ela possui o dever político de defender a vontade expressada pelos escoceses no referendo, declarando: 90

"Estou decidida que a Escócia tem que ter a capacidade de reconsiderar a questão da independência, e que faça isso antes que o Reino Unido deixe a UE, se isso for necessário para proteger os interesses de nossos país". É importante destacar que em setembro de 2014 foi organizado e votado um plebiscito no país para decidir sobre a independência da Escócia em relação ao Reino Unido, tendo sido rejeitado a ideia na época, mas que pode vir a ser reconsiderado tendo agora em jogo o fator de permanência na União Europeia (G1 MUNDO, 2017a, p.1-2). Também indo pelo mesmo caminho, o partido Sinn Féin na Irlanda do Norte defendeu uma votação no país para discutir sua unificação com a República da Irlanda, depois de o país, que integra o Reino Unido, ter votado também pela permanência na União Europeia. Nesse sentido, Declan Kearney, presidente do partido, declara: "Temos uma situação em que o Norte vai ser arrastado para fora [da União Europeia] devido a uma votação na Inglaterra (...). O Sinn Féin vai fortalecer o seu pedido, sua exigência de longa data, para uma votação sobre a fronteira", (TSF, 2017, p.1) No geral, o que se pode aferir de acordo com as consequências mais imediatas pós-Brexit, é que o cenário, tanto para o Reino Unido quanto para a União Europeia, é de muita incerteza. Considerando que um país nunca antes deixou o bloco, o que se vem a seguir é um capítulo inédito para a história da integração do continente, o que contribui para a permeação desse cenário nebuloso por mais algum tempo. Além disso, os primeiros impactos sentidos, principalmente no plano econômico, devem ser considerados ainda com cautela até que a situação se normalize, isso mesmo nas áreas em que as mudanças não foram tão significativas. Quanto aos aspectos sociais e de desintegração que ainda podem se alastrar nos próximos anos em ambos contextos – RU e EU – a situação já é mais clara, sendo evidente a decisão da Escócia e Irlanda do Norte ao deixar o Reino Unido, bem como a França, a Holanda e a Itália em organizar novas consultas, ao passo que os remanescentes, Inglaterra e País de Gales, busquem outras formas de continuar usufruindo dos frutos da integração, através, principalmente, do acesso a passaportes e dupla cidadanias com países ainda pertencentes à União Europeia.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Brexit is the result of an English delusion, a crisis of identity resulting from a failure to come to terms with the loss of empire and the end of its own exceptionalism” Nicholas Boyle, 2017

O Brexit é um fenômeno marcante na história recente da integração. Após décadas onde a amalgamação prevaleceu, a saída do Reino Unido da União Europeia se apresenta na contramão dessa tendência e estabelece um clima nebuloso sobre o futuro da Europa. Assim, os fatos que se desenrolarão após o resultado do referendo dependerão de uma série de negociações, mas sem que exista de fato uma expectativa realista de quanto tempo o processo poderá levar nem como ele se dará de fato, indicando que os procedimentos serão feitos de modo experimental. Nesse sentido, foi percebido ao longo das análises presentes nessa pesquisa que o Reino Unido desde o princípio foi considerado um parceiro complexo para a União Europeia, especialmente quando comparado a outros países do bloco, como, por exemplo, a Alemanha e Bélgica. Essas dificuldades se deram por diversos motivos, dentre os quais se destaca a convicção britânica de sua primazia em relação aos demais países europeus, e a consequente dificuldade em se reconhecer com a identidade europeia, além da própria identidade britânica. Outros fatores que se evidenciam é a onipresença dos eurocéticos na política britânica, além da característica intrínseca aos britânicos de se disputar vírgula a vírgula cada aspecto dos tratados e acordos propostos pela UE, resultando em uma adesão “à la carte” de praticamente todos os aspectos considerados pontos cruciais para o pleno funcionamento do bloco europeu. Assim, o Reino Unido jamais abriu mão de aspectos que ele considerasse de importância fundamental, tal como a soberania, a moeda e as fronteiras. Quanto ao Brexit, em si, o que se mostra é um Reino Unido fragmentado em muitos aspectos, tendo deixado evidente em suas consequências – quase imediatas após a votação – a quebra de símbolos da altivez e alardeada identidade britânica. Assim, como já discutido em momento anterior, o britânico construiu sua identidade pautado em vários símbolos, quebrados conforme abaixo descritos:  o primeiro e mais grave para a sua integridade, está nas diferenças de percepção da importância da adesão à União Europeia por parte de dois de 92

seus quatro componentes – a Escócia e a Irlanda do Norte, que em discursos logo após os resultados deixaram evidente a possibilidade de uma cisão iminente. Assim, quebra-se a sua unidade e transparece suas fragilidades.  o segundo é que aqueles que votaram pela saída do Reino Unido da UE não avaliaram adequadamente os impactos dessa nova situação na sua economia, resultando em restrição do seu mercado consumidor – logo, menor demanda – em menor nível de produção, influenciando diretamente o nível de empregos; os símbolos atingidos são a força da sua economia, seu nível tecnológico e de industrialização.  o terceiro ponto, também crucial, está na estabilidade financeira do país. Com os impactos econômicos de redução de mercado consumidor e de produção, é possível inferir que as dificuldades já existentes tendam a se agravar: menor mercado consumidor, menor nível de demanda, menor produção – tudo isso resultando em menor recolhimento de impostos maiores problemas com os financiamentos das dívidas públicas de manutenção dos custos fixos da estrutura. Isto resulta em inflação e, consequentemente, no enfraquecimento da moeda – a libra.  o quarto aspecto – e um dos mais contundentes utilizados na campanha pró- brexit – está no problema de imigração. No reverso da situação, porém, está em administrar a estrutura de serviços do país, nos nichos em que boa parte dos profissionais altamente especializados são mão-de-obra estrangeira, como por exemplo os da área de saúde e de alguns esportes – como o futebol.  o quinto aspecto está no fato de que aqueles que votaram pela saída do Reino Unido da União Europeia são os eleitores menos comprometidos com o futuro, formando um abismo entre o conservadorismo e o progressismo, numa dicotomia que provoca a contradição: crescer, evoluir e pertencer versus tradição, estagnação, envelhecer.

Além dessas fissuras percebidas após a votação, fica aparente também nas estatísticas e análises de como se deu a escolha dos britânicos pelo Brexit, as diferenças de abordagens e visões dentro da própria população – principalmente dos nativos da Inglaterra. Isso se vê, por exemplo, na análise dos votos pró-Brexit, onde se destaca que foram dados por eleitores ocupantes de faixa-etária acima dos 49 anos e decisivas na faixa etária acima de 65 anos. São pessoas no ocaso da vida. Em 93

contrapartida, os jovens foram os que mais quiseram permanecer na União Europeia, pois para eles essa permanência significa poder de mobilidade e acesso, vivência de experiências que vão além de suas fronteiras domésticas, com maiores opções para trabalho, intercâmbios, interação. Ao mesmo tempo, se notam as diferenças de estruturas de acesso à educação, tecnologia e qualidade de vida. Os votos pela permanência na União Europeia foram proporcionados por eleitores da Grande Londres e das maiores cidades do Reino Unido. São moradores das regiões mais ricas, mais industrializadas e de maior acesso à informação de qualidade. São os urbanistas, os cosmopolitas, com um determinado estilo de vida que os fazem se identificar não só com seu bairro e sim com o todo. Detentores de melhores níveis acadêmicos e, por isso, de maior riqueza de informações, também são mais tolerantes com as diferenças e mais susceptíveis à consciência global, além de possuírem maior capacidade de abstração, que se faz necessária para a percepção e estabelecimento dos cenários com os impactos do Brexit no cotidiano do povo britânico. São donos dos votos qualitativos, mas que não foram em número suficientes para prevalecer no certame. Por fim, entende-se que o Brexit é resultado de um jogo político mal calculado de David Cameron ao tentar conquistar a reeleição para o cargo de Primeiro Ministro britânico em 2015, e que suas consequências imediatas desestabilizaram não só a política britânica e europeia, mas também setores de esferas econômicas e sociais – como já elencados no terceiro capítulo. Assim, as próximas etapas deverão ser tomadas com cautela, uma vez que ainda não existe a experiência em lidar com a saída e desligamento de um membro da UE.

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APÊNDICE A – CRONOLOGIA DA CONSTRUÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA

Quadro-resumo com as datas de todos os eventos mais significativos que resultaram na construção da União Europeia, no período de 1948 e 2016.

Predefinição: Cronologia da União Europeia

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Predefini%C3%A7%C3%A3o:Cronologia_Uni%C3%A3o_Europeia

Ano Data e descrição do evento 1948 7-11 de Maio: Congresso de Haia: mais de mil delegados de uma vintena de países europeus debatem novas formas de cooperação na Europa. Pronunciam se a favor da criação de uma “Assembleia Europeia”. 1949 27-28 de Janeiro: Na sequência do Congresso de Haia, é criado o Conselho da Europa, com sede em Estrasburgo. No mesmo ano, começa a ser redigida a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Assinada em Roma em 1950, entrará em vigor em Setembro de 1953. Com o decorrer do tempo, quase todos os países do continente se tornam membros do Conselho da Europa. 1950 9 de Maio: Robert Schuman, ministro francês dos Negócios Estrangeiros, propõe, num discurso inspirado por Jean Monnet, a gestão conjunta dos recursos de carvão e de aço da França e da República Federal da Alemanha numa organização aberta aos outros países europeus. 1951 18 de Abril: Os Seis assinam em Paris o Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). 1952 27 de Maio: Assinatura em Paris do Tratado que institui a Comunidade Europeia da Defesa (CED). 1954 30 de Agosto: A Assembleia Nacional francesa rejeita o Tratado sobre a CED. 20-23 de Outubro: Conclusão dos Acordos de Paris, na sequência da conferência de Londres: estes acordos estabelecem as modalidades de alargamento do Pacto de Bruxelas que dá origem à União da Europa Ocidental (UEO). 1955 1 e 2 de Junho: Conferência de Messina: os ministros dos Negócios Estrangeiros dos Seis decidem o alargamento da integração europeia a toda a economia. 1957 25 de Março: Assinatura em Roma dos Tratados que instituem a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Euratom. 1958 1 de Janeiro: Entrada em vigor dos Tratados de Roma e instalação, em Bruxelas, das Comissões da CEE e da Euratom. 1960 4 de Janeiro: Assinaturada Convenção de Estocolmo que institui, por iniciativa do Reino Unido, a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA). 1962 30 de Julho: Entrada em vigor da política agrícola comum (PAC). 1963 14 de Janeiro: No decurso de uma conferência de imprensa, o general De Gaulle anuncia que a França exprime o seu veto contra a entrada do Reino Unido na CEE. 20 de Julho: Assinatura em Iaundé do acordo de associação entre a CEE e dezoito países africanos. 1965 Abril: Assinatura do acordo sobre a fusão dos órgãos executivos das três Comunidades (CECA, CEE e CEEA), que institui uma Comissão e um Conselho únicos, tendo entrado em vigor em 1 de Julho de 1967. 102

1966 29 de Janeiro: Compromisso do Luxemburgo: a França aceita retomar o seu assento no Conselho, como contrapartida da manutenção da regra da unanimidade, sempre que estiverem em jogo "interesses muito importantes". 1968 1 de Julho: Eliminação, com um ano e meio de antecedência em relação ao prazo previsto, dos últimos direitos aduaneiros intracomunitários aplicados aos produtos industriais. É instituída, paralelamente, uma pauta aduaneira externa comum. 1969 1 e 2 de Dezembro: Cimeira da Haia: os chefes de Estado e de Governo decidem passar da fase de transição para a fase definitiva da Comunidade, adoptando os regulamentos agrícolas definitivos e estabelecendo o princípio dos recursos próprios da CEE. 1970 22 de Abril: Assinatura no Luxemburgo do acordo que prevê o financiamento progressivo das Comunidades a partir de recursos próprios e que estabelece o alargamento dos poderes de controlo do Parlamento Europeu. 30 de Junho: Abertura, no Luxemburgo, das negociações com os quatro países candidatos à adesão (Dinamarca, Irlanda, Noruega e Reino Unido). 1972 22 de Janeiro: Assinatura, em Bruxelas, dos tratados de adesão dos novos membros da CEE (Dinamarca, Irlanda, Noruega e Reino Unido). 24 de Abril: Constituição da "Serpente Monetária". Os Seis decidem limitar a 2,25% as margens de flutuação das respectivas moedas entre si. 1973 1 de Janeiro: Entrada da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido na CEE (referendo negativo na Noruega). 1974 9 e 10 de Dezembro: Cimeira de Paris: os nove chefes de Estado e de Governo decidem reunir-se regularmente num Conselho Europeu (três vezes por ano), propõem a eleição do Parlamento por sufrágio universal e decidem a criação do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER). 1975 28 de Fevereiro: Assinatura, em Lomé, de uma convenção (Lomé I) entre a Comunidade e 46 países da África, das Caraíbas e do Pacífico. 22 de Julho: Assinatura do tratado que reforça os poderes orçamentais do Parlamento Europeu e institui um Tribunal de Contas europeu. Entrada em vigor em 1 de Junho de 1977. 1977 Entrada em vigor em 1 de Junho de 1977. O Tribunal de Contas europeu. 1978 6 e 7 de Junho: Cimeira de Brema: a França e a RFA propõem um relançamento da cooperação monetária mediante a criação de um Sistema Monetário Europeu (SME), que deveria substituir a "Serpente". 1979 13 de Março: Entrada em vigor do Sistema Monetário Europeu (SME). 28 de Maio: Assinatura do Acto de Adesão da Grécia à Comunidade. 7 e 10 de Junho: Primeira eleição, por sufrágio universal directo, dos 410 deputados do Parlamento Europeu. 31 de Outubro: Assinatura, em Lomé, da segunda convenção (Lomé II) entre a CEE e 58 estados da África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP). 1981 1 de Janeiro Adesão da Grécia à Comunidade Europeia. 1984 28 de Fevereiro: Adopção do programa Esprit (Programa europeu de investigação estratégica no domínio das tecnologias da informação). 14 e 17 de Junho: Segundas eleições para o Parlamento Europeu. 8 de Dezembro: Assinatura, no Togo, da terceira Convenção de Lomé (Lomé III) entre os Dez e 66 países da África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP). 1985 Janeiro: Jacques Delors é nomeado Presidente da Comissão das Comunidades Europeias. 2-4 de Dezembro: Conselho Europeu do Luxemburgo: os Dez acordam a revisão do Tratado de Roma, assim como o relançamento da integração europeia mediante a redacção de um "Acto Único Europeu". 1986 1 de Janeiro: Adesão de Espanha e Portugal à Comunidade Europeia. 17 e 28 de Fevereiro: Assinatura, no Luxemburgo e na Itália do Acto Único Europeu. 1987 14 de Abril: A Turquia apresenta o seu pedido de adesão à CEE. 1 de Julho: Entrada em vigor do Acto Único. 27 de Outubro: Adopção, na Haia, pela UEO, de uma plataforma comum sobre a segurança. 1988 Fevereiro: Reforma do financiamento das políticas da CEE. Programação plurianual das despesas 1988-1992. Reforma dos Fundos Estruturais. 1989 Janeiro: O período de exercício de funções do presidente da Comissão, Jacques Delors, é renovado por quatro anos. 15 e 18 de Junho: Terceira eleição do Parlamento Europeu, por sufrágio universal directo. 17 de Julho: A Áustria apresenta o seu pedido de adesão à CEE. 9 de Novembro: Queda do Muro de Berlim. 9 de Dezembro: Conselho Europeu de Estrasburgo, que decide a convocação de uma conferência intergovernamental. 15 de Dezembro: Assinatura da Convenção de Lomé IV com os países de África, das Caraíbas e do Pacífico. 1990 29 de Maio: Assinatura dos acordos que instituem o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD). 103

19 de Junho: Assinaturados acordos de Schengen. 4 e 16 de Junho: Malta e Chipre apresentam os seus pedidos de adesão à CE. 3 de Outubro: Unificação alemã. 14 de Dezembro: Abertura, em Roma, das conferências intergovernamentais sobre a união económica e monetária e sobre a união política. 1991 1 de Julho: A Suécia apresenta o seu pedido de adesão à CE. 21 de Outubro: Acordo sobre a constituição do Espaço Económico Europeu (EEE), que associa a Comunidade e os seus vizinhos da Europa Ocidental. 9 e 10 de Dezembro: Conselho Europeu de Maastricht. 1992 7 de Fevereiro: Assinatura do Tratado da União Europeia em Maastricht. 18 de Março: A Finlândia apresenta o seu pedido de adesão à CE. 25 de Março: A Noruega apresenta o seu pedido de adesão à CE. 2 de Maio: Assinatura, no Porto, do acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE). 2 de Junho: A Dinamarca rejeita, por referendo, o Tratado de Maastricht. 20 de Junho: A Irlanda aprova, por referendo, o Tratado de Maastricht. 20 de Setembro: A França aprova, por referendo, o Tratado de Maastricht. 11 e 12 de Dezembro: Conselho Europeu de Edimburgo. 1993 1 de Janeiro: Realização do mercado único. 18 de Maio: 2.º referendo na Dinamarca: aprovação do Tratado de Maastricht. 1 de Novembro: Entrada em vigor do Tratado de Maastricht. 1994 1 de Abril: A Hungria apresenta o seu pedido de adesão à União Europeia. 8 de Abril: A Polónia apresenta o seu pedido de adesão à União Europeia. 15 de Abril: Assinatura da Acta Final das negociações do ciclo do Uruguay Round do GATT em Marraquexe. 9 e 12 de Junho: Quarta eleição do Parlamento Europeu, por sufrágio universal directo. Aprovação, por referendo, do Tratado de adesão da Áustria. 24 e 25 de Junho: Conselho Europeu de Corfu. Assinatura dos actos de adesão à União Europeia da Áustria, Finlândia, Noruega e Suécia. 16 de Outubro: Aprovação, por referendo, do Tratado de adesão da Finlândia. 13 de Novembro: Aprovação, por referendo, do Tratado de adesão da Suécia. 27 e 28 de Novembro: Rejeição, por referendo, do Tratado de adesão da Noruega. 9 de Dezembro: Conselho Europeu em Essen. 1995 1 de Janeiro: Adesão da Áustria, Finlândia e Suécia à União Europeia. 23 de Janeiro: Início de funções da Comissão presidida por Jacques Santer (1995-2000). 26 de Março: Entrada em vigor da Convenção de Schengen. 2 de Junho: Primeira reunião do grupo de reflexão sobre a Conferência Intergovernamental de revisão dos Tratados. 12 de Junho: Acordos Europeus com a Estónia, Letónia e Lituânia. 22 de Junho: A Roménia apresenta o seu pedido de adesão. 26 e 27 de Junho: Conselho Europeu de Cannes. Atribuição do mandato do grupo de reflexão encarregado de preparar a Conferência Intergovernamental. 27 de Junho: A Eslováquia apresenta o seu pedido de adesão. 27 de Outubro: A Letónia apresenta o seu pedido de adesão. 24 de Novembro: A Estónia apresenta o seu pedido de adesão. 27 e 28 de Novembro: Conferência Euro-Mediterrânica de Barcelona. 8 de Dezembro: A Lituânia apresenta o seu pedido de adesão. 14 de Dezembro: A Bulgária apresenta o seu pedido de adesão. 15 e 16 de Dezembro: Conselho Europeu de Madrid. 1996 16 de Janeiro: A Eslovénia apresenta o seu pedido de adesão. 17 de Janeiro: A República Checa apresenta o seu pedido de adesão. 29 de Março: Abertura da Conferência Intergovernamental no Conselho Europeu de Turim. 21 e 22 de Junho: Conselho Europeu de Florença. 13 e 14 de Dezembro: Conselho Europeu de Dublin. 1997 17 de Fevereiro: Intervenção de Jacques Santer sobre a encefalopatia espongiforme dos bovinos (BSE) perante o Parlamento Europeu. 16 e 17 de Junho: Conselho Europeu de Amesterdão. 104

16 de Julho: Apresentação da Agenda 2000 ao Parlamento Europeu. 2 de Outubro: Assinatura, em Amesterdão, do Tratado "consolidado". 20 e 21 de Novembro: Cimeira sobre o emprego no Luxemburgo. 12 e 13 de Dezembro: Conselho Europeu do Luxemburgo: 1998 1 de Janeiro: Início da presidência britânica. 30 de Março: Lançamento do processo de adesão dos dez Estados candidatos da Europa Central e oriental e de Chipre - seguido de conferências intergovernamentais bilaterais com Chipre, em primeiro lugar, e depois com a Hungria, Polónia, Estónia, República Checa e Eslovénia. 31 de Março: Schengen: supressão do controlo das pessoas nas fronteiras terrestres da Itália. 1 a 3 de Maio: Conselho dos Ministros das Finanças dos Quinze e Conselho Europeu. Decisão sobre os Estados em condições de participar na terceira fase da UEM. 15 e 16 de Junho: Conselho Europeu de Cardiff. 1 de Julho: Início da presidência austríaca. 1999 1 de Janeiro: Início da presidência alemã. Primavera Eleições para o Parlamento Europeu. 1 de Julho: Início da presidência finlandesa. 1 de Dezembro: Entrada da Grécia para o espaço de Schengen. 2000 1 de Janeiro: Início da presidência portuguesa. 1 de Julho: Início da presidência francesa. 2002 1 de Janeiro: Entrada em circulação das moedas e notas do euro. 1 de Julho: Retirada das moedas e notas das moedas nacionais. 2003 31 de Março: No quadro da sua política externa e de segurança, a União Europeia assegura missões de manutenção da paz na região dos Balcãs: primeiro na antiga República Jugoslava da Macedónia e depois na Bósnia e Herzegovina. Nos dois casos, as forças da UE substituíram as forças da NATO. 2004 1 de Maio: Adesão da Polónia, Hungria, República Checa, Eslovénia, Chipre, Estónia, Letónia, Lituânia, Eslováquia e Malta. 29 de Junho: José Manuel Durão Barroso é designado como Presidente indigitado da Comissão Europeia. Javier Solana é nomeado para o cargo de Secretário-Geral do Conselho e Alto Representantepara a política externa de segurança comum e Pierre de Boissieu para o cargo de Secretário-Geral Adjunto. 29 de Outubro: Os 25 Estados-Membros assinam um Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa com vista a simplificar o processo de decisão democrática e o funcionamento de uma Europa com 25 membros e mais. Este Tratado, que prevê também a criação do cargo de ministro europeu dos Negócios Estrangeiros, poderia entrar em vigor caso fosse ratificado pelos 25 Estados-Membros. 2007 1 de Janeiro: A Bulgária e a Roménia, aderem à União Europeia, elevando o número de Estados-Membros para 27. 16 de Janeiro: Hans-Gert Poettering é eleito Presidente do Parlamento Europeu. 1 de Julho: Portugal assume a Presidência do Conselho da União Europeia. 4 de Julho: Realiza-se em Lisboa a primeira cimeira União-Brasil. 26 de Outubro: Realiza-se em Mafra, Portugal, a 20ª Cimeira União Europeia-Rússia. 13 de Dezembro: Assinatura do Tratado de Lisboa pelos 27 Estados-Membros (um documento que teve origem no Tratado assinado em 2004 e que foi objeto de alterações num compromisso assumido pelos governos dos Estados- Membros). Antes de poder entrar em vigor, previsivelmente a 1 de Janeiro de 2009, este Tratado deverá ser ratificado por todos os 27 Estados-Membros. 2011 O Parlamento Europeu aprovou a adesão da Croácia à União Europeia no dia 1 de dezembro de 2011. Foi a primeira vez que o Parlamento Europeu executou esta então nova atribuição 2012 e os croatas votaram e aprovaram em referendo em janeiro de 2012 essa adesão, tornando-se assim este país o 28.º Estado-membro da UE a 1 de julho de 2013 2014 1 de julho: entrada do 28º país na União Europeia, com a adesão da Croácia. 2016 24 de junho: Referendo do Reino Unido tendo como resultado o Brexit – saída do Reino Unido da União Europeia Fontes: Portal da União Europeia (2017); Europa em 12 lições – Portal da UE. Disponível em ; Electoral Commission UK (2017),

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APÊNDICE B - CAPÍTULOS DE NEGOCIAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DE PROCESSO

Reprodução do Controle de cumprimento de Capítulos (protocolos) de adesão Capítulos do acervo Avaliação inicial da Situação atual Início do Conclu- Capítulos Capítulos Capítulos Capítulos comissão processo são do conge- descon- abertos encer- processo lados gelados rados 1 Livre circulação de São necessários es- Geralmente já se 16/01/2006 24/02/2006 - - 25/07/2008 19/04/2010 mercadorias forços onsideráveis aplica o acervo 2 Livre circulação de São necessários es- Geralmente já se 19/07/2006 11/09/2006 - - 17/06/2008 02/10/2009 trabalhadores forços onsideráveis aplica o acervo 3 Direito de Estabeleci- São necessários es- Geralmente já se 21/11/2005 20/12/2005 - - 26/06/2007 21/12/2009 mento e Livre Prestação forços onsideráveis aplica o acervo de Serviços 4 Livre Circulação de São necessários Geralmente já se 25/11/2005 22/12/2005 12/2008 10/2009 02/10/2009 05/11/2010 capitais mais esforços aplica o acervo 5 Contratos Públicos São necessários es- Geralmente já se 07/11/2005 28/11/2005 - - 19/12/2008 30/06/2010 forços onsideráveis aplica o acervo 6 Direito das Sociedades São necessários Geralmente já se 21/06/2006 20/07/2006 12/2008 10/2009 26/06/2007 19/12/2008 mais esforços aplica o acervo 7 Direito da propriedade Não são esperadas Geralmente já se 06/02/2006 03/03/2006 - - 29/03/2007 19/12/2008 intelectual grandes dificuldades aplica o acervo 8 Política de Concorrên- São necessários es- Geralmente já se 08/11/2005 02/12/2005 - - 30/06/2010 30/06/2011 cia forços consideráveis aplica o acervo 9 Serviços Financeiros São necessários es- Geralmente já se 29/03/2006 03/05/2006 - - 26/06/2007 27/11/2009 forços consideráveis aplica o acervo 10 Sociedade da Informa- Não são esperadas Geralmente já se 12/06/2006 14/07/2006 - - 26/07/2007 19/12/2008 ção e Meios de Comuni- grandes dificuldades aplica o acervo cação Social 11 Agricultura e Desen- São necessários es- Geralmente já se 05/12/2005 26/01/2006 12/2008 10/2009 02/10/2009 19/04/2011 volvimento Rural forços consideráveis aplica o acervo 12 Segurança dos Ali- São necessários es- Geralmente já se 09/03/2006 28/04/2006 12/2008 10/2009 02/10/2009 27/07/2010 mentos. Política Veteriná- forços consideráveis aplica o acervo ria e Fitossanitária 13 Pescas São necessários Geralmente já se 24/02/2006 31/03/2006 12/2008 02/2010 19/02/2010 06/06/2011 mais esforços aplica o acervo 14 Política de Transportes São necessários Geralmente já se 26/06/2006 28/09/2006 - - 21/04/2008 05/11/2010 mais esforços aplica o acervo 15 Energia São necessários Geralmente já se 15/05/2006 16/06/2006 - - 21/04/2008 27/11/2009 mais esforços aplica o acervo 16 Fiscalidade São necessários es- Geralmente já se 06/06/2006 12/07/2006 12/2008 10/2009 02/10/2009 30/06/2010 forços consideráveis aplica o acervo 17 Política Econômi-ca e Não são esperadas Geralmente já se 16/02/2006 23/03/2006 - - 21/12/2006 19/12/2008 Monetária grandes dificuldades aplica o acervo 18 Estatísticas Não são esperadas Geralmente já se 19/06/2006 18/07/2006 12/2008 10/2009 26/06/2007 02/10/2009 grandes dificuldades aplica o acervo 19 Política Social e São necessários es- Geralmente já se 08/02/2006 22/03/2006 - - 17/06/2008 21/12/2009 Emprego forços consideráveis aplica o acervo 20 Política Empresarial e Não são esperadas Geralmente já se 27/03/2006 05/05/2006 - - 21/12/2006 25/07/2008 Industrial grandes dificuldades aplica o acervo 21 Redes Transeuro- Não são esperadas Geralmente já se 30/06/2006 29/092006 12/2008 10/2009 19/12/2007 02/10/2009 peias grandes dificuldades aplica o acervo 22 Política Regional e São necessários es- Geralmente já se 11/09/2006 10/10/2006 12/2008 10/2009 02/10/2009 19/04/2011 Coordenação dos Instru- forços consideráveis aplica o acervo mentos Estruturais 23 Sistema Judiciário e São necessários es- Geralmente já se 06/09/2006 13/10/2006 - - 30/06/2010 30/06/2011 Direitos Fundamentais forços consideráveis aplica o acervo 24 Justiça, Liberdade e São necessários es- Geralmente já se 23/01/2006 15/02/2006 12/2008 10/2009 02/10/2009 11/12/2010 Segurança forços consideráveis aplica o acervo 25 Ciência e investigação Não são esperadas Geralmente já se 20/10/2005 14/11/2005 - - 12/06/2006 12/06/2006 grandes dificuldades aplica o acervo 26 Educação e Cultura Não são esperadas Geralmente já se 26/10/2005 16/11/2005 - - 11/12/2006 11/12/2006 grandes dificuldades aplica o acervo 27 Ambiente Totalmente incompa- Geralmente já se 03/04/2006 02/06/2006 12/2008 02/2010 19/02/2010 22/12/2010 tível com o acervo aplica o acervo 28 Consumidores e São necessários Geralmente já se 08/06/2006 11/07/2006 - - 12/10/2007 27/11/2009 Proteção da Saúde mais esforços aplica o acervo 29 União Aduaneira São necessários Geralmente já se 31/01/2006 14/03/2009 12/2008 10/2009 21/12/2006 02/10/2009 mais esforços aplica o acervo 30 Relações Externas Não são esperadas Geralmente já se 10/07/2006 13/09/2006 - - 12/10/2007 30/10/2008 grandes dificuldades aplica o acervo 106

31 Política Externa de Não são esperadas Geralmente já se 14/09/2006 06/10/2006 12/2008 04/2010 30/06/2010 22/12/2010 Segurança e Defesa grandes dificuldades aplica o acervo 32 Controle Financeiro São necessários Geralmente já se 18/05/2006 30/06/2006 - - 26/06/2007 27/07/2010 mais esforços aplica o acervo 33 Disposições Financei- Não são esperadas Geralmente já se 06/09/2006 04/10/2001 - - 19/12/2007 30/06/2011 ras e Orçamentárias grandes dificuldades aplica o acervo 34 Instituições Nada a adotar 35 Diversos Nada a adotar Progresso 33 de 33 33 de 33 Fontes: “Negotiations Chapters” (em inglês)14. Delegação da União Europeia para a República da Croácia. Consultado em 27 de março de 2017;

Quando um país se candidata a fazer parte da União Europeia, é feita uma análise de suas condições de enquadramento e checagem do cumprimento de cada um dos itens de exigências. Esses protocolos tem recebido vários incrementos de critérios ao longo dos anos, de acordo com as necessidades e experiências

14 Conditions for membership Chapters of the acquis Chapter 1: Free movement of goods Chapter 2: Freedom of movement for workers Chapter 3: Right of establishment and freedom to provide services Chapter 4: Free movement of capital Chapter 5: Public procurement Chapter 6: Company law Chapter 7: Intellectual property law Chapter 8: Competition policy Chapter 9: Financial services Chapter 10: Information society and media Chapter 11: Agriculture and rural development Chapter 12: Food safety, veterinary and phytosanitary policy Chapter 13: Fisheries Chapter 14: Transport policy Chapter 15: Energy Chapter 16: Taxation Chapter 17: Economic and monetary policy Chapter 18: Statistics Chapter 19: Social policy and employment Chapter 20: Enterprise and industrial policy Chapter 21: Trans-European networks Chapter 22: Regional policy and coordination of structural instruments Chapter 23: Judiciary and fundamental rights Chapter 24: Justice, freedom and security Chapter 25: Science and research Chapter 26: Education and culture Chapter 27: Environment Chapter 28: Consumer and health protection Chapter 29: Customs union Chapter 30: External relations Chapter 31: Foreign, security and defence policy Chapter 32: Financial control Chapter 33: Financial and budgetary provisions Chapter 34 - Institutions Chapter 35 - Other issues Fonte: (UNIÃOEUROPEIA, 2016)

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vivenciadas ao logo da história de construção da UE, tornando-se o processo de acesso cada vez mais rigoroso. A análise do processo de adesão aqui disponibilizado é o da Croácia, em virtude de nele já estar previsto o novo procedimento de aprovação formal por parte do Parlamento Europeu – protocolo que até então não havia sido utilizado. O Quadro 4, acima, reproduz o controle original deste processo com início e fechamento de cada uma das etapas, denominados “capítulos”, podendo-se extrair daí informações, tais como: lista de critérios/exigências, avaliação inicial da situação do país no momento da análise por parte da comissão encarregada deste processo, se o processo correu tranquilo ou teve paralização em alguma etapa, etc., sendo também bastante útil para se ter ideia de prazos necessários para este ajustamento de conduta, até que o país possa ser considerado membro efetivo da União Europeia.