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20º Congresso Brasileiro de Sociologia 12 a 17 de julho de 2021 UFPA – Belém, PA CP05 - Sociologia e Imagem Violência, mídia e o trágico: uma análise sobre a representação das maras centro- americanas na película "Sin Nombre" Fatima Sabrina da Rosa (Independente) Introdução Esta comunicação trata de apresentar um recorte da pesquisa de doutorado “Los Homies ilustrados: Violência, Mídia e Pós-colonialidade no Cenário das Mara Centro-americanas”. As maras são agrupamentos juvenis envolvidos com a violência, cuja atuação transnacional tem lugar, sobretudo nos países do chamado Triângulo Norte Centro-Americano (TNCA), com atuação também no México e no Sul dos EUA. O TNCA é composto por El Salvador, Guatemala e Honduras, três países com um histórico de violência, terrorismo de Estado e guerras civis que ocasionaram uma série de fluxos migratórios, principalmente de salvadorenhos, para os Estados Unidos, na segunda metade do século XX. As maras formam-se, portanto, do contingente de jovens que, uma vez estabelecidos nas periferias das cidades da Califórnia, necessitaram criar uma sociabilidade para proteger-se das gangues pré-existentes, essas também de corte étnico. Assim surge a Barrio Dieciocho e sua rival, a Mara Salvatrucha. A partir dos anos 1990, deportações massivas dos Estados Unidos põem alguns desses jovens em contato com sociabilidades delitivas formadas em seus países de origem, nos bairros mais pauperizados. Pela influência dos deportados, essas sociabilidades integram-se a uma ou outra das “confederações”, transformando-se em clicas, que são uma espécie de filial de operação local que gerencia, em cada bairro, as atividades ilícitas, como roubos, extorsões e assaltos. Desde então, essas sociabilidades cresceram progressivamente, tornando-se um amplo e dinâmico fenômeno que agrega milhares de jovens. Nas últimas duas décadas, as maras vêm aparecendo na agenda política dos países que territorializam e figurando como preocupação de “segurança nacional”, de modo que os países do TNCA têm adotado diversas estratégias para tentar frear sua reprodução. Dentro desse quadro, a tese citada trata de analisar o fenômeno das maras, enquanto um “cenário” que engloba o fenômeno da violência na América Latina. A metáfora do “cenário” é utilizada em concordância com a perspectiva pós-moderna, de forma a evitar a essencialização do fenômeno e a pretensão de apreendê-lo em sua totalidade. A amplitude de tal fenômeno e sua complexidade tornam esse objeto de estudo um importante pano de fundo para o entendimento de características da pós- modernidade e pós-colonialidade em um cenário empírico, isto é, para além da discussão dessas noções, enquanto teoria crítica epistemológica e literária. Metodologia É importante ter em conta que, à semelhança do que acontece com a chamada narcocultura, as produções audiovisuais em torno das maras têm emergido em uma relação de retro-alimentação com o imaginário acerca da violência que paira sobre as sociedades em que estão inseridas. Desse modo, esta análise constitui-se de uma investigação sobre o contexto que engloba as maras, suas relações sociais e a forma como as produções audiovisuais sobre as mesmas têm influenciado nessa dinâmica. Para tanto, foi utilizada uma abordagem transdisciplinar e transversal que tem como principal aporte uma discussão ancorada nas teorias da pós-colonialidade. Especificamente o recorte que será apresentado aqui utilizou o modelo de análise cinematográfica proposto por Zavala (2003), bem como referências ancoradas na sociologia do cinema e na análise sociosemiótica para tratar de decompor e interpretar com profundidade a película "Sin Nombre". O referencial teórico utilizado para as análises baseia-se fundamentalmente em autores vinculados à análise sobre imagem e imaginário como Jolly (1996) e Durand (1982) e ao pensamento pós-colonial e pós-moderno: Toro (1997), Baudrillard (1990), Imbert (2010), entre outros. A união de tais referenciais ao modelo de Zavala (2003) permitiu identificar que recursos, elementos e símbolos foram utilizados na construção da película para representar os integrantes das maras. Para tanto, foi realizada uma decomposição (decóupage) de um grupo de sequências da película, estabelecendo como unidade de análise cada imagem (corte) que compõe o conjunto. Em cada captura foi realizada uma análise detalhada de elementos que compõem um filme, segundo o modelo de Zavala (2003), são eles: Puesta en escena, narrativa, montagem, imagem e som. A análise aqui empreendida, adaptou o modelo compondo um grupo de categorias com cinco elementos, dois deles agrupados. Desse modo, cada captura é dividida em quatro quadros: 1- puesta en escena e montagem, 2- imagem, 3- ponto de vista da câmera e 4- som. Dentro dessa lógica, entendemos que o quadro 1- puesta em escena e montagem, trata de observar e apontar a forma como os atores e elementos da cena são dispostos e de que modo o diretor organiza as sequências de cortes em conformidade com estes. O quadro 2- imagem, trata de apontar os elementos visíveis plasmados na tela, ressaltando detalhes e efeitos, tais como cores e jogos de luz que visam determinadas sensações nos espectadores. O quadro 3- ponto de vista da câmera (POV) define por qual perspectiva a cena é olhada, se a câmara se posiciona no ator, quais são os ângulos e planos utilizados para cada ponto de observação que se quer dar ao espectador. O quadro 4- Som, trata de captar tudo o que se refere à sonoridade da película, como sons transparentes, músicas e falas. Esses elementos também foram analisados de forma mais geral, em toda a película junto com os aspectos subtextuais, intertextuais e contextuais que compõem este produto audiovisual. O conjunto de sequências eleito para a decomposição constitui-se dos primeiros cinco minutos do filme, onde se veem algumas práticas das maras, como a extorsão e, o que nos interessa fundamentalmente: um ritual que compreende uma espécie de “batismo”. Trata-se de uma sequência sobre uma surra coletiva de treze segundos (em referência à MS 13) em que um jovem deve resistir para que possa ser aceito dentro da pandilla. Este é um dos rituais mais importantes dentro da “mitologia” das maras. A opção por analisar a película Sin Nombre, e não os documentários existentes sobre as maras, se dá pelo fato de que interessava ver a representação dos pandilleros no cine de ficção, pelo entendimento deste como um painel onde o inconsciente coletivo se faz em certa medida visível, sem necessariamente objetivar isso. Desse modo, entende-se que o cinema mapeia e “materializa”, em seus diferentes gêneros, as percepções acerca de medos, preocupações, obsessões e dinâmicas relacionais que constituem um determinado “espírito de tempo”. Para IMBERT (2006), o cinema é um indicador sócio-simbólico capaz de expor o inconsciente coletivo do contexto que trata ou com o qual troca influências. Más allá de la consolidación del cine como documento social, que nos informa sobre la realidad social, el cine es hoy una extraordinaria caja de resonancia, no sólo de lo que está pasando en el mundo —lo que se ve— sino de lo que no se ve, la parte invisible, inconfesable y, en ocasiones, maldita de la realidad social. (IMBERT, 2006, p. 29). Ademais disso, a opção por utilizar o método de análise cinematográfica se deve ao fato de entender que as maras adquiriram certa popularidade nos meios de comunicação, muito provavelmente, ocasionada pela sua estética e sua performance, bem como pelo efeito real que suas práticas violentas têm sobre a vida cotidiana das pessoas que estão inseridas nesse grande contexto de migrações e fronteira. Dessa forma, o imaginário sobre as maras e as histórias reais ou ficcionais em torno desses sujeitos têm iniciado uma disputa por espaço no cinema “de realidade”, ou “cine social mexicano” com os relatos de narcocultura ou cine de violência. Ainda com popularidade significativamente menor que as séries produzidas sobre o contexto do narcotráfico na América Latina e principalmente no México, os filmes que trazem histórias relacionadas às pandillas têm se tornado mais comuns também pelo fato de serem associadas às redes de cartéis e, portanto, fazerem parte do imaginário sobre o narcotráfico. A eleição da metodologia de análise cinematográfica também se constitui em uma estratégia para tentar interpretar as representações das maras no cinema, pelo fato de que interessa mais compreender que recursos são utilizados na película para realizar determinados efeitos de percepção nos espectadores; que relações as representações guardam com os fatos mais concretos sobre as maras; que referências estéticas e cinematográficas são perceptíveis na película e que efeitos ou espectadores são o objetivo de determinado esforço artístico. “El análisis es un trabajo argumentativo sobre la manera como cada uno de los componentes de una película (imagen, sonido, montaje, puesta en escena y narración) se integran para ofrecer una visión particular del mundo” (ZAVALA, 2010, p.24). Conforme Zavala (2003), uma película diz mais sobre seus espectadores do que sobre seus personagens. Nesse sentido, depreende-se que a forma como são construídas cenas e personas busca adequar-se ao público determinado para quem a película se dirige e que impressões visa causar nos espectadores. Para o autor, “áudio-ver” um filme pode proporcionar a sensação de experienciar a situação reproduzida como se ela fosse de fato vivida pelo espectador, posto que o cinema oferece a possibilidade de viver uma experiência tão verossímil, por vezes até mais inteligível do que a situação mesma que retrata. Isso é de fundamental importância para compreender o cine contemporâneo mexicano e da região do TNCA, no qual se destaca uma geração de cineastas preocupados em retratar “problemas reais” dessa sociedade, utilizando o máximo de verossimilhança possível, em alguns casos, como em La jaula de Oro1, utilizando não-atores para interpretar os personagens. Ao ver uma película, a experiência sensorial que se dá não tem apenas uma dimensão presente, mas parte de uma espécie de “bagagem” que o espectador traz a respeito dos diferentes temas e representações tratados no produto audiovisual.