O Embaixador

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O Embaixador O Embaixador Esta obra deve grande parte de sua consistência e credibilidade ao cuidadoso trabalho de orientação e revisão realizado pelo diplomata, ensaísta, historiador, poeta e acadêmico Alberto da Costa e Silva, um dos mais respeitados intelectuais brasileiros. Entre novembro de 2009 e junho de 2010, período em que escrevi o livro, tive no “Embaixador” (como os amigos o chamam de forma carinhosa) um interlocutor atento, generoso e perspicaz. Profundo conhecedor da história brasileira, ele leu e anotou cada um dos capítulos à medida que eu os escrevia. Suas críticas e observações, feitas sempre de forma gentil e ponderada, ajudaram a corrigir enfoques, datas, nomes e informações que, sem o seu crivo, teriam comprometido o resultado final da obra. Membro e ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, Alberto da Costa e Silva é considerado hoje o maior especialista brasileiro em África, autor de várias obras fundamentais para a compreensão da história do tráfico negreiro para a América, entre elas A enxada e a lança: a África antes dos portugueses (1992); A manilha e o Libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700 (2002); Um rio chamado Atlântico (2003); e Francisco Félix de Souza, mercador de escravos (2004). Como poeta, ganhou o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, com Ao lado de Vera (1997). Também foi embaixador do Brasil em cinco países: Portugal, Colômbia, Paraguai, Benim e Nigéria. Em nome de todos os leitores deste livro, beneficiários finais do seu trabalho, agradeço o privilégio de tê-lo tido como companhia nesta jornada pela história do Brasil. Além do embaixador, recebi contribuições de várias pessoas e instituições brasileiras e portuguesas. Tenho particular dívida de gratidão com a jornalista e escritora Iza Salles. Autora de O coração do rei (2009), excelente biografia romanceada de D. Pedro I, Iza forneceu-me parte importante da bibliografia sobre o período, incluindo as obras de Octávio Tarquínio de Sousa, Alberto Pimentel, Hélio Viana, Luis Henrique Dias Tavares, Hugh Owen e Carl Seidler. No trabalho de pesquisa no Brasil tive ainda a colaboração de renomados historiadores, como Cecília Helena de Salles Oliveira, diretora do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (também conhecido como Museu do Ipiranga); Hendrik Kraay, especialista em história brasileira na Universidade de Calgary, no Canadá; Geraldo Mártires Coelho, professor da Universidade Federal do Pará; Antonio Fonseca dos Santos Neto, da Universidade Federal do Piauí; Renata Cristina de Sousa Nascimento, da Universidade Federal de Goiás; Nelly Martins Candeias, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo; Consuelo Pondé, presidente do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia; e Fátima Argon e equipe, que me auxiliaram na busca de documentos no riquíssimo acervo do Museu Imperial de Petrópolis. Devo aos meus editores Paulo Roberto Pires, Leila Name e Janaína Senna o criterioso trabalho final de revisão de texto e checagem das informações. Em Portugal, tenho a registrar meus agradecimentos ao professor Jorge Couto, que me abriu as portas da preciosa Biblioteca Nacional, em Lisboa; ao jornalista Carlos Magno, meu cicerone pela linha de trincheiras e fortificações do Cerco do Porto; a Cristina e José Norton, queridos amigos historiadores, que me forneceram inestimáveis informações sobre as relações Brasil-Portugal na época da Independência; ao professor Daniel Serrão, pelo acesso aos documentos da Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Lapa, responsável pela conservação do coração de D. Pedro I na cidade do Porto; e às equipes do Museu Militar e do Arquivo da Cidade do Porto, que me acolheram de forma tão gentil e prestativa quando lá estive, em meados de 2009. Por fim, um reconhecimento especial a um colaborador que se foi ainda durante o trabalho de pesquisa: o almirante e ex-ministro José Maria do Amaral Oliveira, que seria meu consultor para assuntos navais. Infelizmente, o destino impediu que levássemos o projeto adiante. O almirante Amaral morreu em 2009, deixando inconsolável a sua legião de amigos e admiradores, entre os quais tive a honra de ser incluído. Introdução O projeto de escrever este livro nasceu de uma conversa casual em meados de 2008, durante um simpósio no Museu Histórico Nacional, instituição dirigida de forma exemplar no Rio de Janeiro pela professora Vera Bottrel Tostes. No intervalo dos debates, um dos participantes do encontro, o vicealmirante Armando de Senna Bittencourt, diretor do Patrimônio Histórico e Cultural da Marinha, me fez uma observação curiosa a respeito da Independência do Brasil. “Quando se olha para trás, 1822 parece um milagre”, disse ele. “É inacreditável como uma parte da elite brasileira conseguiu envolver o príncipe regente nos seus planos, separar-se de Portugal e, principalmente, manter o país unido quando tudo indicava que o caminho mais provável seria a guerra civil e a fragmentação territorial.” No ano de sua independência, o Brasil tinha, de fato, tudo para dar errado. De cada três brasileiros, dois eram escravos, negros forros, mulatos, índios ou mestiços. Era uma população pobre e carente de tudo, que vivia à margem de qualquer oportunidade em uma economia agrária e rudimentar, dominada pelo latifúndio e pelo tráfico negreiro. O medo de uma rebelião dos cativos assombrava a minoria branca. O analfabetismo era geral. De cada dez pessoas, só uma sabia ler e escrever. Os ricos eram poucos e, com raras exceções, ignorantes. O isolamento e as rivalidades entre as províncias prenunciavam uma guerra civil, que poderia resultar na divisão do território, a exemplo do que já ocorria nas vizinhas colônias espanholas. Para piorar a situação, ao voltar a Portugal, em 1821 – depois de 13 anos de permanência no Rio de Janeiro –, o rei D. João VI havia raspado os cofres nacionais. O novo país nascia falido. Faltavam dinheiro, soldados, navios, armas e munição para sustentar a guerra contra os portugueses, que se prenunciava longa e sangrenta. As perspectivas de fracasso, portanto, pareciam bem maiores do que as de sucesso. Este livro procura explicar como o Brasil conseguiu manter a integridade do seu território e se firmar como nação independente por uma notável combinação de sorte, acaso, improvisação, e também de sabedoria de algumas lideranças incumbidas de conduzir os destinos do país naquele momento de grandes sonhos e perigos. O Brasil de hoje deve sua existência à capacidade de vencer obstáculos que pareciam insuperáveis em 1822. E isso, por si só, é uma enorme vitória, mas de modo algum significa que os problemas foram resolvidos. Ao contrário. A Independência foi apenas o primeiro passo de um caminho que se revelaria difícil, longo e turbulento nos dois séculos seguintes. As dúvidas a respeito da viabilidade do Brasil como nação coesa e soberana, capaz de somar os esforços e o talento de todos os seus habitantes, aproveitar suas riquezas naturais e pavimentar seu futuro persistiram ainda muito tempo depois da Independência. Em 1877, 43 anos após a morte de D. Pedro I e 12 antes da Proclamação da República, o grande abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco, um dos brasileiros mais ilustrados de seu tempo, perguntava: “Deve ou não o povo participar da política (...) pelas condições especiais em que nos achamos, de território, de população, de trabalho escravo e de distribuição de propriedade?”1 Com linguagem diferente, era a mesma observação que o mineralogista José Bonifácio de Andrada e Silva havia feito em 1812 ao analisar as perspectivas de êxito do Brasil. “Amalgamação muito difícil será a liga de tanto metal heterogêneo, (...) em um corpo sólido e político”, ponderava o futuro Patriarca da Independência em carta a D. Domingos de Sousa Coutinho, embaixador de Portugal na Inglaterra.2 As incertezas de Bonifácio e Nabuco, dois homens separados por mais de meio século na História, poderiam ser traduzidas da seguinte forma: Dá para construir um país com essa matéria-prima? Em outras palavras, seria possível fazer um Brasil homogêneo, coerente e funcional com tantos escravos, pobres e analfabetos, tanto latifúndio e tanta rivalidade interna? Bonifácio e Nabuco, obviamente, não tiveram oportunidade de testar as suas hipóteses. O primeiro morreu em 1838, quando o país ainda se debatia com inúmeros conflitos regionais, como a Revolução Farroupilha do Rio Grande do Sul, que pareciam confirmar os temores da divisão territorial. O segundo faleceu em 1910, sem ver a legião de escravos libertos duas décadas antes incorporados à sociedade produtiva brasileira, como sonhava. Hoje, com o distanciamento oferecido pela passagem do tempo, que resposta haveria para as interrogações de Bonifácio e Nabuco? O Brasil conseguiu, afinal, fazer a “amalgamação de tanto metal heterogêneo em um corpo sólido e político”? Em resumo: o país deu certo ou errado? A resposta, como sempre, depende do ponto de vista do observador. Se comparado aos Estados Unidos, o Brasil poderia ser apontado como um retumbante fracasso. Embora estejam situados no mesmo continente e tenham idêntico tempo de história, os dois países exibem hoje índices econômicos e sociais muito diferentes. Maior potência do planeta, os Estados Unidos tem um Produto Interno Bruto (PIB) aproximadamente 12 vezes superior ao brasileiro e, entre outras conquistas, já mandou um homem para a Lua há mais de quatro décadas, coleciona 74 ganhadores de prêmio Nobel em diversas áreas do conhecimento e apresenta números invejáveis no IDH, o índice das Nações Unidas que mede o grau de desenvolvimento humano. Enquanto isso, o Brasil patina em níveis intoleráveis de pobreza, jamais conseguiu colocar um artefato em órbita e nunca foi premiado com o Nobel. Se, porém, a comparação for o Haiti, um país à beira da ruptura e às voltas com intermináveis conflitos políticos agravados por desastres naturais, o Brasil pode ser considerado um extraordinário caso de sucesso. Essas conclusões apressadas mostram que, na História, sucesso ou fracasso são sempre conceitos relativos e raramente permitem comparações. Brasileiros, norte-americanos, haitianos, ingleses, franceses, russos e chineses são povos com raízes inteiramente diversas, o que explica também as diferenças nas suas trajetórias.
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