O Violão Na Era Do Disco: Interpretação E Desleitura Na Arte De Julian Bream
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Sidney José Molina Júnior O Violão na Era do Disco: interpretação e desleitura na arte de Julian Bream PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO, 2006 Sidney José Molina Júnior O Violão na Era do Disco: interpretação e desleitura na arte de Julian Bream Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTOR em Comunicação e Semiótica sob a orientação do Professor Doutor Arthur Rosenblat Nestrovski. PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO, 2006 ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos fotocopiados ou eletrônicos. ________________________ São Paulo, ______ de ______________________de 2006 Para Ricardo Rizek RESUMO Esta tese procura mostrar como – ao contrário, por exemplo, dos repertórios pianístico, violinístico e orquestral, cujos cânones formaram-se pouco a pouco desde finais do século XVIII – o cânone do violão clássico é um fenômeno do século XX e, como tal, bastante dependente de critérios sonoros fixados por seus intérpretes através de gravações. Em especial, o trabalho destaca a “Era dos LPs” (aproximadamente 1950-90) como centro de um processo no qual a escuta de discos parece ser ao menos tão importante quanto a edição de partituras. Assim, para o violão, a escrita é também som, e as músicas são antes de tudo os músicos. Há, portanto, fortes analogias entre o processo de ascensão e estabilização do instrumento no cenário internacional de concertos e o desenvolvimento conceitual do disco, que caminha do “LP Recital”, simulacro da performance ao vivo, para o “LP Obra”, influenciado pela performance historicamente informada e espécie de simulacro sonoro da partitura editada. Dois artistas centrais para esse processo são estudados no trabalho: o espanhol Andrés Segovia (1893-1987) e – sobretudo – o inglês Julian Bream (1933), cuja larga obra fonográfica lançada durante a segunda metade do século XX analisamos contra o pano de fundo das gravações realizadas por Segovia na primeira metade do século. Para tanto, autores como Dahlhaus, Adorno, Lotman, Said e especialmente Bloom fornecem ferramentas conceituais decisivas para a fundamentação teórica da pesquisa. A partir desses pressupostos, dividimos nosso estudo crítico da discografia de Julian Bream em três momentos: as origens poéticas, onde predomina o desvio em relação a Segovia; o período médio, caracterizado pela constituição de uma voz própria independente; e a fase de maturidade, onde ocorre a “desleitura” do precursor. Nesse percurso, o trabalho realiza também um minucioso levantamento das gravações dos dois intérpretes e recupera o contexto original de seus discos. vii ABSTRACT This thesis shows how the classical guitar canon is a phenomenon of the twentieth century – in contrast, for example, with the piano, violin and orchestral repertoires, whose canons had been formed step by step since the end of the eighteenth century – and dependent as such on the criteria fixed by its interpreters through the medium of sound recording. The project highlights especially, the “Age of LPs” (1950-90) as the central part of a process where the act of listening to recordings seems to be as important as the edition of music scores. So, for the guitar, the writing is also a sound, and the music is primarily the musicians. Therefore, there are important analogies between the ascension and stabilization of the instrument in the international concert scene and the conceptual development of the recordings, which moves from the “Recital LP”, simulacrum of live performance, to the “Art Work LP”, influenced by the historically informed performance and constituting a kind of sound simulacrum of the edited music score. Two important artists who contributed to this process are studied here: Andrés Segovia (1893-1987) and – mainly – Julian Bream (1933), whose wide phonographic work, released during the second half of the twentieth century, has been analyzed in contrast with the recordings made by Segovia in the first half of the century. Taking that into consideration, authors such as Dahlhaus, Adorno, Lotman, Said and especially Bloom provide decisive conceptual tools for the thesis. Based on this theoretical approach, our study of Juliam Bream’s discography has been divided into three moments: the poetical origins (the swerving from Segovia); the middle period (constitution of an independent voice); and the late phase (“misreading” of the precursor). The thesis also includes a detailed research of the recordings made by both interpreters and it restores the original context of their albums. viii SUMÁRIO Apresentação x Agradecimentos xvii PARTE I - O VIOLÃO NA ERA DO DISCO 1 Capítulo I - Performance musical como desleitura 2 1. Performance e crítica 2 2. Encarnação sonora 23 Capítulo II - Un cânone a partir do som 36 1. Interpretações fixadas 36 2. Andres Segovia, centro do cânone do violão 46 Capítulo III - A cena primária de instrução 62 1. Um violonista inglês? 62 2. A cena primária de instrução 81 3. As origens poéticas de Julian Bream 88 PARTE II - UMA DESLEITURA DO LEGADO FONOGRÁFICO 91 DE JULIAN BREAM Capítulo IV - A arte de Julian Bream (1955-64) 92 1. Fair, sweet, cruel (1955-58) 92 2. Voz poética e passividade (1959-64) 110 Capítulo V - Os LPs temáticos e a instrução sonora (1965-78) 130 1. El polifemo de oro (1965-70) 130 2. A life on the road: together? (1971-78) 151 Capítulo VI - La guitarra romantica (1979-95) 180 1. Music of Spain: uma blasfêmia (1979-91) 180 2. All in twilight (1992-95) 226 Aquém e além do cânone sonoro 245 Apêndice I - Discografia de Julian Bream 248 Apêndice II - Versões comparadas de Julian Bream 284 Apêndice III - Uma discografia de Andres Segovia 288 Bibliografia e discografia 315 Ficha técnica dos exemplos gravados 330 ix APRESENTAÇÃO Ao receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade da Flórida, em 1969, o violonista espanhol Andres Segovia (1893-1987) enumerou – como fazia com freqüência – os cinco grandes objetivos que nortearam a sua vida artística. Um desses objetivos colocava em destaque a questão das gravações como parte de seu projeto para o instrumento: The third [goal] was to succeed in making the audiences of the world aware of the guitar. Where I was unable to go myself, my recordings would arrive.1 De fato, desde o advento dos discos comerciais – inicialmente com as gravações mecânicas do início do século XX e, a partir de meados da década de vinte, com as elétricas em 78 rpm – o ato de gravar passou a ser uma atividade importante da carreira de instrumentistas, cantores e regentes. Mas foi apenas após 1948 – com o início da Era dos LPs – que os discos começaram a adquirir o status de projeto estético: as condições técnicas trazidas pelo disco de vinil – o long play – permitiram a solistas e grupos de câmara realizar em estúdio a simulação de um recital ao vivo em duas partes, cada uma com começo, meio e fim. Segovia realizou dezenas de gravações em 78 rpm – nas quais o tempo médio de cada lado era de quatro minutos – entre 1927 e 1949. A Era dos LPs surge para ele, portanto, em um momento em que – com quase sessenta anos de idade – havia atingido o auge da carreira e era reconhecido como a figura central do mundo do violão clássico. Seus primeiros LPs com material inédito, lançados nos anos cinqüenta, confirmam – como podemos ver nos próprios títulos dos álbuns – a concepção do disco como simulacro de recitais: An Andres Segovia Recital (1953), An Andres Segovia Concert (1953), An Andres Segovia Program (1954) e An Evening with Andres Segovia (1954), entre outros. Apesar de serem quase contemporâneos dessa fase de maturidade de Segovia, os primeiros discos do violonista inglês Julian Bream (1933) – tido hoje por consenso como o principal intérprete do instrumento da segunda metade do século vinte – apontam o início da busca por um outro caminho. Dedicados a poucos, ou mesmo a um único autor – como Villa- Lobos and Torroba (1956), A Bach Recital for the Guitar (1957) e Julian Bream Plays Dowland (1957) – começam a se distanciar da idéia do simulacro, como se cada disco aceitasse ser um 1 A citação foi extraída de um pronunciamento feito por Segovia em 27 de fevereiro de 1969. Ver “Segovia’s great objectives” in Guitart Special. Andres Segovia, ano VIII, número XI. Avelino, 2004, p.43. x objeto estético autônomo e independente, com a sua própria poética. Essa idéia do “LP Obra” ganha corpo no cenário internacional a partir da chegada do sistema stereo – em 1958 – e atinge plena maturidade na carreira de Bream com os discos temáticos lançados durante a segunda metade da década de sessenta, como Baroque Guitar (1965), 20th Century Guitar (1966), Classic Guitar (1968) e Romantic Guitar (1970). Não obstante a importância desse processo para a compreensão do desenvolvimento das práticas performáticas no século XX, o interesse dos meios acadêmicos por uma abordagem crítica das gravações de música clássica é um fenômeno bastante recente. Robert Philip afirma: In 1968 I began work on a Ph.D. dissertation at Cambridge,