Monitorização do Património Natural da Albufeira de Pedrógão

Relatório Final

Julho de 05

Coordenação geral:

Prof. Doutor Diogo Figueiredo

Índice Geral

1 INTRODUÇÃO...... 7 2 SISTEMA DE GESTÃO DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA ...... 8 2.1 INTRODUÇÃO ...... 8 2.2 EDIÇÃO DE INFORMAÇÃO BASE ...... 8 2.3 OUTPUTS GRÁFICOS ...... 11 2.4 BIBLIOGRAFIA...... 17 3 FLORA E VEGETAÇÃO ...... 18 3.1 PRÓLOGO ...... 18 3.2 INTRODUÇÃO ...... 18 3.2.1 Caracterização ecológica da área de estudo...... 19 3.2.2 Importância florística...... 20 3.2.3 Selecção das espécies ...... 21 3.2.4 Selecção dos habitats...... 21 3.2.5 Objectivos e estrutura de trabalho ...... 22 3.3 CARTOGRAFIA E DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES ALVO...... 23 3.3.1 Caracterização das espécies...... 23 3.3.2 Metodologia...... 25 3.3.3 Resultados e discussão ...... 27 3.4 CARTOGRAFIA DOS HABITATS ...... 45 3.4.1 Caracterização dos habitats...... 45 3.4.2 Metodologia...... 46 3.4.3 Resultados e discussão ...... 47 3.5 CONCLUSÕES ...... 52 3.6 MEDIDAS DE COMPENSAÇÃO E MINIMIZAÇÃO ...... 53 3.7 BIBLIOGRAFIA...... 57 4 MAMÍFEROS NÃO VOADORES...... 59 4.1 INTRODUÇÃO ...... 59 4.2 METODOLOGIA...... 61 4.3 RESULTADOS...... 73 4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 131 4.5 BIBILIOGRAFIA...... 132 5 RÉPTEIS ...... 134 5.1 INTRODUÇÃO ...... 134 5.2 MATERIAL E MÉTODOS ...... 134 5.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO...... 135 5.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 143 5.5 BIBLIOGRAFIA...... 143 6 ANFÍBIOS...... 144 6.1 INTRODUÇÃO ...... 144 6.2 MATERIAL E MÉTODOS ...... 144 6.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO...... 146 6.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 155 6.5 BIBLIOGRAFIA...... 155 7 AVES...... 156 7.1 INTRODUÇÃO ...... 156 7.2 METODOLOGIA...... 157 7.3 AMOSTRAGEM “ATLAS” ...... 157 7.4 AMOSTRAGEM “ESTIMATIVAS POPULACIONAIS” ...... 158 7.4.1 Aves aquáticas...... 158 7.4.2 Aves de rapina diurnas...... 159 7.4.3 Aves estepárias ...... 163 7.4.4 Passeriformes dos matos ripícolas ...... 167

2 7.4.5 Outras espécies...... 167 7.5 RESULTADOS...... 172 7.5.1 Resultados por espécie ...... 172 7.5.2 Áreas prioritárias para as aves na área de estudo...... 226 7.5.3 Principais impactes negativos sobre a avifauna ...... 233 7.5.4 Propostas de medidas de minimização e compensação de impactes...... 235 7.6 BIBLIOGRAFIA...... 237 8 MACROINVERTEBRADOS TERRESTRES...... 242 8.1 INTRODUÇÃO ...... 242 8.2 METODOLOGIA...... 243 8.2.1 Ordem Coleoptera (Cerambyx cerdo) ...... 243 8.2.2 Ordem Odonata (Coenagrion mercuriale e Oxygastra curtisii)...... 243 8.2.3 Ordem ...... 244 8.3 RESULTADOS...... 244 8.3.1 Ordem Coleoptera (Cerambyx cerdo) ...... 244 8.3.2 Ordem Odonata...... 248 8.3.3 Ordem Lepidoptera...... 251 8.4 DISCUSSÃO ...... 257 8.5 BIBLIOGRAFIA...... 258

3 Índice figuras

Figura 1 – Percentagem de registos na Base de dados para cada grupo biológico...... 10 Figura 2 – Número de espécies identificadas e registadas na base de dados...... 11 Figura 3 – Classificação com nove classes...... 13 Figura 4 - Classificação com oito classes...... 14 Figura 5 - Classificação com sete classes...... 15 Figura 6 - Classificação com seis classes...... 16 Figura 7 - Espécies contempladas neste trabalho. A. Eryngium galioides, B. Linaria ricardoi, C. Marsilea batardae, D. Narcissus cavanillesii, E. Narcissus serotinus, F. Salix salviifolia. Não se encontra incluída foto de Picris willkommii...... 25 Figura 8 - Distribuição de Eryngium galioides na área de estudo (Carta Militar 500)...... 28 Figura 9 - Distribuição de Eryngium galioides na área de estudo (Carta Militar 501)...... 29 Figura 10 - Distribuição de Eryngium galioides na área de estudo (Carta Militar 511)...... 30 Figura 11 - Distribuição de Linaria ricardoi na área de estudo...... 31 Figura 12 - Distribuição de Marsilea batardae na área de estudo (Carta Militar 501)...... 32 Figura 13 - Distribuição de Marsilea batardae na área de estudo (Carta Militar 511)...... 33 Figura 14 - Colheita de esporocarpos de Marsilea batardae e pormenor do seu habitat perto da ponte de Pedrógão (Junho de 2002)...... 34 Figura 15 - Aspecto geral de uma das localidades de Narcissus serotinus próximas do rio Guadiana. ....35 Figura 16 - Distribuição de Narcissus serotinus na área de estudo (Carta Militar 500)...... 36 Figura 17 - Distribuição de Narcissus serotinus na área de estudo (Carta Militar 501)...... 37 Figura 18 - Distribuição de Narcissus serotinus na área de estudo (Carta Militar 502)...... 38 Figura 19 - Distribuição de Narcissus serotinus na área de estudo (Carta Militar 511)...... 39 Figura 20 - Distribuição de Salix salviifolia na área de estudo (Carta Militar 500)...... 40 Figura 21 - Distribuição de Salix salviifolia na área de estudo (Carta Militar 501)...... 41 Figura 22 - Distribuição de Salix salviifolia na área de estudo (Carta Militar 511)...... 42 Figura 23 - Comparação das áreas ocupadas pelas cinco espécies encontradas...... 43 Figura 24 - Efeito da albufeira sobre as espécies alvo. Situação de referência antes da construção da barragem (branco) e após a criação da albufeira de Pedrógão (azul)...... 44 Figura 25 - Distribuição de Habitats segundo Directiva 92/43/CEE...... 49 Figura 26 - Comparação do número de unidades cartográficas ocupadas por cada habitat...... 50 Figura 27 - Efeito da albufeira sobre as unidades cartográficas dos Habitats seleccionados. Situação de referência antes da construção da barragem (branco) e após a criação da albufeira de Pedrógão (azul)...... 51 Figura 28 - Localização das áreas de mitigação...... 54 Figura 29- Cartas militares 1: 25 000 e respectivas quadrículas 2x2 Km...... 62 Figura 30 – Armadilhas utilizadas (Tipo Shermann) para a captura de micromamíferos...... 64 Figura 31 – Locais onde se realizou a armadilhagem fotográfica e número de espécies de mamíferos fotografadas em cada um...... 66 Figura 32 – Máquina usada na armadilhagem fotográfica...... 67 Figura 33 – Exemplo de uma estação de cheiro...... 67 Figura 34 – Localização da área amostrada com estações de cheiro...... 68 Figura 35 – Grelha de amostragem de estações de cheiro...... 69 Figura 36 - Cartas militares 1: 25 000 e quadrículas 2x2 Km...... 71 Figura 37– Indícios de presença encontrados de algumas espécies de mamíferos: trilho lontra (A), cadáver de lontra (B), pegada de toirão (C), latrinas de texugo (D), dejectos de rata-de-água (E) e latrina de geneta (F)...... 74 Figura 38 – Localização das ocorrências de ouriço-cacheiro, Erinaceus europaeus...... 76 Figura 39 – Localização das ocorrências de Toupeira, Talpa occidentalis...... 77 Figura 40 - Localização das ocorrências de lebre, Lepus granatensis...... 78 Figura 41 - Localização das ocorrências de coelho-bravo, Oryctolagus cuniculus...... 79 Figura 42 – Densidade de latrinas de coelho-bravo, Oryctolagus cuniculus...... 80 Figura 43 - Localização das ocorrências de rato-de-água, Arvicola sapidus...... 81 Figura 44 – Localização das ocorrências de rato-cego-mediterrânico, Microtus duodecimcostatus...... 82 Figura 45- Localização das ocorrências de raposa, Vulpes vulpes...... 83 Figura 46 - Localização das ocorrências de doninha, Mustela nivalis...... 84 Figura 47 - Localização das ocorrências de toirão, Mustela putorius...... 85 Figura 48- Localização das ocorrências de fuinha, Martes foina...... 86 Figura 49- Localização das ocorrências de texugo, Meles meles...... 87

4 Figura 50- Localização das ocorrências de lontra, Lutra lutra...... 88 Figura 51 - Localização das ocorrências de gineto Geneta geneta...... 89 Figura 52 - Localização das ocorrências de sacarrabos, Herpestes ichneumon...... 90 Figura 53 - Localização das ocorrências de gato-bravo, Felis silvestris...... 91 Figura 54 - Localização das ocorrências de javali, Sus scrofa...... 92 Figura 55 - Riqueza especifica de mamíferos não voadores, por quadrícula 2x2 Km...... 94 Figura 56 – Distribuição dos indícios das espécies de mamíferos encontrados na área de estudo por habitat...... 95 Figura 57 – Foto de raposas resultante da armadilhagem fotográfica...... 98 Figura 58 - Foto de texugos resultante da armadilhagem fotográfica...... 98 Figura 59 - Foto de lebre resultante da armadilhagem fotográfica...... 99 Figura 60 - Foto de gineto resultante da armadilhagem fotográfica...... 99 Figura 61 - Foto de sacarrabos resultante da armadilhagem fotográfica...... 100 Figura 62 - Foto de fuinha resultante da armadilhagem fotográfica...... 100 Figura 63 - Foto de coelho-bravo resultante da armadilhagem fotográfica...... 101 Figura 64 – Foto de javalis resultante da armadilhagem fotográfica...... 101 Figura 65 – Estações de cheiro onde foi confirmada a presença de raposa...... 103 Figura 66 - Estações de cheiro onde foi confirmada a presença de toirão...... 103 Figura 67 - Estações de cheiro onde foi confirmada a presença de fuinha...... 104 Figura 68 - Estações de cheiro onde foi confirmada a presença de texugo...... 104 Figura 69 - Estações de cheiro onde foi confirmada a presença de lontra...... 105 Figura 70 - Estações de cheiro onde foi confirmada a presença de gineto...... 105 Figura 71 - Estações de cheiro onde foi confirmada a presença de sacarrabos...... 106 Figura 72 Localização dos poisos de Bufo real e Coruja-das-torres onde foram recolhidas plumadas. .107 Figura 73 - Níveis de probabilidade de ocorrência de raposa estimados pelo modelo de regressão logística para a área estudo...... 113 Figura 74 - Níveis de probabilidade de ocorrência de toirão estimados pelo modelo de regressão logística para a área estudo...... 113 Figura 75 - Níveis de probabilidade de ocorrência de fuinha estimados pelo modelo de regressão logística para a área estudo...... 114 Figura 76 - Níveis de probabilidade de ocorrência de texugo estimados pelo modelo de regressão logística para a área estudo...... 114 Figura 77 - Níveis de probabilidade de ocorrência de sacarrabos estimados pelo modelo de regressão logística para a área estudo...... 115 Figura 78 - Valores de marginalidade global para as espécies estudadas...... 116 Figura 79 - Valores de tolerância global para as espécies estudadas...... 116 Figura 80 - Modelo preditivo para a distribuição da raposa, utilizando a ENFA...... 118 Figura 81 - Modelo preditivo para a distribuição do toirão, utilizando a ENFA...... 119 Figura 82 - Modelo preditivo para a distribuição da fuinha, utilizando a ENFA...... 121 Figura 83 - Modelo preditivo para a distribuição do texugo, utilizando a ENFA...... 122 Figura 84 – Modelo preditivo para a distribuição da lontra, utilizando a ENFA...... 123 Figura 85 - Modelo preditivo para a distribuição da geneta, utilizando a ENFA...... 124 Figura 86 - Modelo preditivo para a distribuição do sacarrabos, utilizando a ENFA...... 125 Figura 87 - Áreas prioritárias para a conservação de mamíferos...... 130 Figura 88 - Presença do cágado-mourisco Mauremys leprosa...... 138 Figura 89 - Presença do cágado-de-carapaça-estriada Emys orbicularis...... 139 Figura 90 - Presença do fura-pastos pentadáctilo Chalcides bedriagai...... 140 Figura 91 - Presença da cobra-de-ferradura Coluber hippcrepis...... 141 Figura 92 - Presença da cobra-de-capuz Macroprotodon cucullatus...... 142 Figura 93 - Repartição de anfíbios (seis anuros prioritários) na área de estudo...... 148 Figura 94 - Presença da rã-de-focinho-pontiagudo Discoglossus galganoi...... 149 Figura 95 - Presença do sapo-parteiro ibérico Alytes cisternasii...... 150 Figura 96 - Presença do sapo-de-unha-negra Pelobates cultripes...... 151 Figura 97 - Presença do sapinho-de-verrugas-verdes ibérico Pelodytes ibericus...... 152 Figura 98 - Presença do sapo-corredor Bufo calamita...... 153 Figura 99 - Presença da rela-meridional Hyla meridionalis...... 154 Figura 100– Localização dos troços de rio...... 161 Figura 101 – Localização dos transectos em veículo todo-o-terreno...... 162 Figura 102 - Localização dos transectos em estepe cerealífera...... 166

5 Figura 103 - Pontos de escuta para detecção do bufo-real e respectivos “buffers” de determinação da área prospectada...... 171 Figura 104 – Abundância relativa (indiv./km) de corvo-marinho-de-faces-brancas Phalacrocorax carbo nos principais cursos de água da área de estudo durante o Inverno...... 175 Figura 105 – Abundância relativa (indiv./km) de garça-branca-pequena Egretta garzetta nos principais cursos de água da área de estudo durante o Inverno e Primavera...... 178 Figura 106 – Abundância relativa (indiv./km) de garça-real Ardea cinerea nos principais cursos de água da área de estudo durante o Inverno e Primavera...... 181 Figura 107 – Abundância relativa (indiv./km) de cegonha-branca Ciconia ciconia nos principais cursos de água da área de estudo durante o Inverno e Primavera...... 184 Figura 108 – Localização dos ninhos e colónias de cegonha-branca Ciconia ciconia na área de estudo...... 186 Figura 109 – Abundância relativa (indiv./km) de pato-real Anas platyrhynchos nos principais cursos de água da área de estudo durante o Inverno e Primavera...... 189 Figura 110 - Abundância média (indiv./km) de sisão Tetrax tetrax em áreas de estepe cerealífera durante a Primavera. Os valores (e respectivos erro padrão e desvio padrão) são apresentados para cada uma das classes de uso do solo. A dimensão da amostra de cada classe encontra-se entre parêntesis...... 203 Figura 111 - Variação da abundância relativa (indiv./km) de gaivota-de-asa-escura Larus fuscus nos principais cursos de água da área de estudo durante o Inverno...... 207 Figura 112 - Territórios de Bufo-real com base nos dados dos pontos de escuta e da prospecção a pé. O número 2 corresponde ao indivíduo não reprodutor “floater”, os restantes números correspondem a territórios...... 211 Figura 113 - Abundância média (indiv./km) de calhandra Melanocorypha calandra em áreas de estepe cerealífera durante a Primavera. Os valores (e respectivos erro padrão e desvio padrão) são apresentados para cada uma das classes de uso do solo. A dimensão da amostra de cada classe encontra- se entre parêntesis...... 215 Figura 114 - Abundância média (indiv./km) de calhandrinha Calandrella brachydactyla em áreas de estepe cerealífera durante a Primavera. Os valores (e respectivos erro padrão e desvio padrão) são apresentados para cada uma das classes de uso do solo. A dimensão da amostra de cada classe encontra- se entre parêntesis...... 216 Figura 115 - Abundância relativa (indiv./km) de cotovia-montesina Galerida theklae nos matos ripícolas durante a Primavera...... 218 Figura 116 - Abundância média (indiv./km) de cotovia-montesina/cotovia-de-crista Galerida spp. em áreas de estepe cerealífera durante a Primavera. Os valores (e respectivos erro padrão e desvio padrão) são apresentados para cada uma das classes de uso do solo. A dimensão da amostra de cada classe encontra-se entre parêntesis...... 219 Figura 117 - Abundância relativa (casais/km) de rouxinol-do-mato Cercotrichas galactotes nos matos ripícolas durante a Primavera...... 221 Figura 118 - Abundância média (indiv./km) de chasco-ruivo Oenanthe hispanica em áreas de estepe cerealífera durante a Primavera. Os valores (e respectivos erro padrão e desvio padrão) são apresentados para cada uma das classes de uso do solo. A dimensão da amostra de cada classe encontra- se entre parêntesis...... 222 Figura 119 - Localização das áreas prioritárias para as aves...... 228 Figura 120 - Distribuição das ocorrências de Cerambyx velutinus (localização das árvores)...... 245 Figura 122 - Distribuição do montado de sobro e azinho na área de estudo...... 246 Figura 124 - Ocorrências de C. velutinus na área de estudo (por quadrícula)...... 247 Figura 126 - Pontos de amostragem da Ordem Odonata...... 249 Figura 128 - Riqueza específica da Ordem Odonata...... 250 Figura 129 - Localização dos pontos correspondentes a registos de Lepidópteros Ropalóceros durante os anos de 2004 e 2005...... 253 Figura 131 - Localização por quadrícula das ocorrências de Papilio machaon na área de estudo, durante os anos de 2004 e 2005...... 255 Figura 133 - Localização por quadrícula das ocorrências de Thymelicus acteon na área de estudo, durante os anos de 2004 e 2005...... 256

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1 Introdução

De acordo com o programa de trabalhos, o presente documento corresponde ao relatório final do Contrato de prestação de serviços relativo à Monitorização do Património Natural na Área da Albufeira de Pedrógão.

São apresentados os resultados da monitorização das espécies prioritárias dos seguintes grupos biológicos: Flora e Vegetação, Anfíbios, Répteis, Mamíferos (excepto quirópteros) e Macroinvertebrados Terrestres. Em alguns grupos são acrescentadas outras espécies, consideradas pertinentes. As distribuições são georreferenciadas e integradas numa Base de Dados. Simultaneamente, é apresentada a distribuição dos habitats.

Para cada grupo taxonómico com espécies prioritárias com presença assinalada, são definidos locais prioritários do ponto de vista biológico, propostas medidas de conservação e medidas a tomar no período de desmatação/desarborização. São igualmente propostas algumas medidas de compensação de forma a mitigar os efeitos de enchimento da Albufeira de Pedrógão.

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2 Sistema de Gestão de Informação Geográfica

Equipa responsável: Manuela Correia Miguel Pereira

Coordenação: Miguel Pereira

2.1 Introdução

A gestão e manipulação de conjuntos de dados é inseparável das tecnologias de informação. Os sistemas de informação geográfica (SIG) afiguram-se como ferramentas ideais na sistematização e preparação de informação com finalidades muito diversas. Por exemplo, como suporte de decisão fundamentada em conhecimento, sistematizado em dados recolhidos. Na bibliografia encontramos vários exemplos de programas de monitorização do património natural em albufeiras com utilização de ferramentas SIG {Tsou 2004 2943 /id}{Manos, Bournaris, et al. 2004 2944 /id}{Mouafo, Fotsing, et al. 2002 2945 /id} ; {Smith, Szilβgyi, et al. 2002 2956 /id}. Os trabalhos efectuados em SIG tiveram por base o desenvolvimento de projectos nas aplicações ArcView e Idrisi, que permitiram a edição e manipulação dos dados de campo e da imagem de satélite. O conjunto dos temas editados em formato digital, segue no CD-ROM que acompanha este relatório. A descrição do conteúdo do CD-ROM está disponível no Anexo I.

2.2 Edição de informação base

Esta categoria de informação estrutura-se em três componentes, objecto de trabalho finalizado:

Detecção Remota

Para identificar o tipo de coberto na área de estudo foi utilizada uma imagem Landsat7 ETM+ (path/row 203-34) de 23 de Agosto de 2001. Para o processamento e classificação da imagem de satélite recorreu-se ao software Idrisi32. Seleccionaram-se aleatoriamente 80 quadrados de 1 Km de lado (20 quadrados em cada Carta Militar 1:25 000) que foram fotointerpretados. O resultado desta fotointerpretação foi posteriormente confirmado no campo. Os polígonos obtidos com o trabalho de fotointerpretação foram cruzados com uma grelha de quadrados de 100x100 m e utilizaram-se na classificação apenas os quadrados completos. Para a classificação foi utilizada uma legenda que considerou nove classes de tipo de coberto: 1- Estepe; 2- Montado aberto; 3- Montado denso; 4- Montado com matos; 5- Matos; 6- Florestação; 7- Olival; 8- Regadio; 9- Água.

As classificações iniciais foram entretanto corrigidas relativamente ao erro. Para isso, seleccionaram-se novos quadrados de 100x100 m e eliminaram-se outros. Os novos quadrados foram obtidos muitas vezes fora dos quadrados de 1 Km iniciais. Acrescentaram-se quadrados principalmente para as classes que apresentavam os erros de classificação mais elevados e para as quais existiam também menos quadrados disponíveis para a classificação. Os quadrados foram eliminados quando representavam

8 situações que não definiam perfeitamente a classe em questão, por exemplo quando um quadrado de estepe apresentava algum montado disperso. Em cada classe seleccionaram- se aleatoriamente 25% dos quadrados de 100x100 m, que foram reservados como realidade no terreno, para calcular o erro da classificação. Com os restantes quadrados construíram-se as assinaturas espectrais de cada classe.

Os algoritmos de classificação foram testados e foram seleccionados os que obtiveram menor erro. Na classificação com nove classes o algoritmo utilizado foi o maxlike (maximum likelihood). Com este algoritmo os pixels são atribuídos à classe com maior semelhança, com base numa comparação com a probabilidade de pertencerem a cada uma das assinaturas espectrais consideradas (Eastman 1997). Nas classificações com oito, sete e seis classes utilizou-se o algoritmo maxset (maximum set basic probability classifier), que identifica as classes consideradas e também todas as combinações entre elas (Eastman 1997). Estas combinações de classes foram eliminadas nos casos em que representavam áreas inferiores a 500 ha, dispersos pela área de estudo. A estes pixels atribuíram-se os valores das classes mais próximas. As restantes foram integradas nas classes originais de maneira a minimizar o erro.

Na classificação com nove classes o erro obtido foi de 25%. Na classificação com oito classes o erro obtido foi de 24%. Utilizando sete classes de tipo de coberto o erro da classificação foi 18%. Na classificação com seis classes o erro foi de 16%. Os erros parciais (por classe) mais elevados na classificação com nove classes resultaram principalmente da confusão de Montado aberto com Estepe, de Montado denso com Montado aberto e com Olival, e de Matos com Montado com matos e Florestação. Para a classificação com oito classes os erros parciais mais importantes verificaram-se nas classes Matos e Montado, que se confundiram respectivamente com Montado com matos e com Estepe. Na classificação com sete classes o erro mais elevado corresponde à classe Montado denso, que se confundiu com Estepe e Montado aberto e com Montado com matos e Matos. Devido à agregação adoptada na classificação com seis classes, que juntou numa classe única o Montado denso, o Montado com matos e os Matos, foram reduzidos os erros parciais destas classes e também o erro global.

As classificações foram cortadas pela área de estudo e foi aplicado um filtro, para eliminar áreas muito pequenas e criar imagens mais homogéneas. Foram integrados também nas classificações o regolfo de Pedrógão e a parte do regolfo de Alqueva incluída na área de estudo. Acrescentou-se ainda uma área de olival localizada na Carta Militar 511. Este polígono foi cartografado com o auxílio de GPS. Esta área não foi classificada correctamente com imagem de satélite por ser relativamente recente e por isso o tamanho das árvores não permitiu a sua identificação como pertencendo à classe Olival.

Informação de localização

Em relação aos temas editados para cada grupo biológico, foram referenciados na cartografia militar série M888 - 524 e 131 pontos de Anfíbios e Répteis, respectivamente, para o grupo Herpetofauna; 1808 pontos para Aves; 1289 pontos para Mamíferos; 181 pontos de Macroinvertebrados terrestres e 2217 quadrículas de 100x100m para Flora e vegetação. Edição de tema cartográfico com planos de água dentro da cota 84,8m, para a localização e suporte do grupo Herpetofauna, na totalidade da área de estudo.

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Modelo de dados

O modelo de dados desenvolvido inclui os dados referentes às análises e levantamentos de campo efectuados nesta monitorização. A selecção dos dados de espécies permite a visualização espacial em pontos, por via de uma ligação ODBC ao projecto ArcView. Permite a consulta em função de critérios, dependentes das variáveis registadas. O número de registos existentes na base de dados corresponde a: 774 registos de Herpetofauna (643 de Anfíbios e 131 de Répteis); 1933 registos de Aves; 1336 registos de Mamíferos, 544 registos de Macroinvertebrados terrestres e 2217 registos de Plantas. Para além destes, existem ainda 113 registos relativos a armadilhas e máquinas fotográficas de Mamíferos, áreas de conservação para Aves e Mamíferos e transectos de Aves (Figura 1).

Macro Outros invertebrados 2% 8%

Plantas 32%

Aves 28%

Anfibios Mamiferos 9% Répteis 19% 2%

Figura 1 – Percentagem de registos na Base de dados para cada grupo biológico.

Os registos armazenados na base de dados correspondem a um universo de 145 espécies identificadas e distribuídas pelo conjunto dos grupos estudados (Figura 2).

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Plantas 5 Mamiferos 18

Macro Répteis invertebrados 6 53

Anfibios 7

Aves 56

Figura 2 – Número de espécies identificadas e registadas na base de dados.

2.3 Outputs gráficos

O trabalho foi executado em conformidade com as exigências cartográficas da proposta inicial, assim como das necessidades específicas de cada grupo de trabalho. Foram realizados os seguintes outputs gráficos:

Cartografia de espécies

Foram produzidos os seguintes mapas por grupo: Aves Presença de espécies Transectos a pé ou em veiculo. Riqueza específica de sub-grupos de espécies Índice espécie/Km. Colónias ou ninhos de cegonha

Mamíferos Presença de espécies Riqueza de espécies Locais de alimentação Bufo Real Localização das máquinas fotográficas

Flora e vegetação Presença de espécies. Medidas de mitigação

Répteis e Anfíbios Presença de espécies

11 Macroinvertebrados terrestres Presença de espécies Localização das amostras.

Cartografia de habitats

Para o grupo Flora e vegetação foi produzido um mapa de habitats prioritários segundo a Directiva de habitats (Directiva 92/43/CEE), nas áreas ribeirinhas.

Na classificação da imagem de satélite foi utilizada uma legenda que considerou nove classes de tipo de coberto (Figura 3). A imagem de satélite foi ainda classificada de acordo com mais três legendas, que resultaram da agregação de algumas classes da primeira classificação:

Com oito classes (1- Estepe, 2- Montado, 3- Montado com matos, 4- Matos, 5- Florestação, 6- Olival, 7- Regadio, 8- Água) (Figura 4).

Com sete classes (1- Estepe e Montado aberto, 2- Montado denso, 3- Montado com matos e Matos, 4- Florestação, 5- Olival, 6- Regadio, 7- Água) (Figura 5).

Com seis classes (1- Estepe e Montado aberto, 2- Montado denso, Montado com matos e Matos, 3- Florestação, 4- Olival, 5- Regadio, 6- Água) (Figura 6).

A partir da classificação com nove classes produziu-se também um mapa para o grupo Macroinvertebrados terrestres que apenas considera três classes: 1- Montado, 2- Regolfos de Alqueva e Pedrógão e 3 - Outros (Figura 121).

A cartografia de espécies vai surgindo no contexto deste relatório em função dos diferentes grupos biológicos em análise.

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Figura 3 – Classificação com nove classes.

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Figura 4 - Classificação com oito classes.

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Figura 5 - Classificação com sete classes.

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Figura 6 - Classificação com seis classes.

16 2.4 Bibliografia

Cardoso, P. e Correia, M. (1999). “Aplicação de dados de detecção remota em ecologia”. ESIG’99 (V Encontro Nacional de Sistemas de Informação Geográfica). Correia, M. (2003). “Utilização de detecção remota para a monitorização temporal do uso do solo no Estuário do Tejo”. Dissertação apresentada para a obtenção do Grau de Mestre em Gestão dos Recursos Biológicos. Eastman,J.R. (2001) IDRISI Guide to GIS and Image Processing. Clark Labs, The Idrisi Project, Worcester, MA, USA. Tsou MH (2004) Integrating Web-based GIS and image processing tools for environmental monitoring and natural resource management. Journal of Geographical Systems 6:155-174 Manos B, Bournaris T, Silleos N, Antonopoulos V, Papathanasiou J (2004) A Decision Support System Approach for Rivers Monitoring and Sustainable Management. Environmental Monitoring and Assessment 96:85-98 Mouafo D, Fotsing É, Sighomnou D, Sigha L (2002) Dam, Environment and Regional Development: Case Study of the Logone Floodplain in Northern Cameroon. International Journal of Water Resources Development 18:209-219 Smith S, Szilbgyi F, Horvbth L (2002) Environmental impacts of the Gabcikovo Barrage System to the Szigetk÷z region. Clean Technologies and Environmental Policy 4:54-64

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3 Flora e Vegetação

Equipa responsável: Isabel Marques David Draper Antónia Rosselló-Graell Celeste Santos Silva

Coordenação: Ana Isabel D. Correia

3.1 Prólogo

O actual interesse pela protecção da biodiversidade incluindo, por exemplo, o número de espécies, as comunidades biológicas ou a variabilidade populacional, tem sido um alvo crescente de atenção nas últimas décadas. Tornou-se demasiado evidente, quer para os cientistas quer para o público em geral, que vivemos um período de alarmante perda de biodiversidade. Estima-se que centenas de espécies serão extintas nas próximas décadas (Lawton & May, 1995; Levin, 2001). A crescente preocupação pela redução da diversidade biológica, em conjunto com a utilização sustentável dos recursos naturais tem promovido o desenvolvimento de estudos sobre habitats e espécies afectadas.

A construção da barragem de Alqueva tem promovido vários projectos no âmbito das acções de minimização e/ou compensação. O conhecimento da área de distribuição das espécies e dos seus habitats tem sido um objectivo prioritário. Neste sentido, o presente estudo pretende contribuir, no contexto da flora e vegetação, para o projecto “Monitorização do património natural da albufeira de Pedrógão”, iniciado em 2003. Os resultados visam a 1) cartografia pormenorizada das espécies seleccionadas, 2) cartografia dos habitats seleccionados e 3) proposta de áreas de intervenção e medidas de compensação sobre as espécies e os habitats afectados pela albufeira de Pedrógão.

3.2 Introdução

A flora e vegetação, componente principal da biomassa, constituem o suporte dos principais processos ecológicos. Trata-se de uma entidade de carácter dinâmico, essencial para o funcionamento dos restantes grupos ecológicos. As zonas ribeirinhas, com características variáveis desde o meio aquático até ao meio terrestre, possuem uma elevada diversidade biológica. A flora que coloniza os meios aquáticos e zonas envolventes distingue-se pela presença de características particulares (e.g., estruturais, morfológicas, fisiológicas) que permitem e facilitam a sua implementação e sobrevivência. O escasso conhecimento da biologia destas espécies acentua a reduzida informação e é responsável pela pouca importância que se tem atribuído a esta flora.

A flora ribeirinha, associada às linhas de água, é uma presença frequente na área de estudo embora seja uma componente, muitas vezes, subestimada pelo escasso interesse económico. Contudo, esta flora apresenta um elevado valor ecológico na qualidade da água e na manutenção e estabilização dos leitos. Igualmente, constituem o suporte alimentar da fauna existente e formam o suporte físico, como local de postura e abrigo

18 de várias espécies (peixes, aves, mamíferos). Desempenham um papel fundamental como corredor biológico para além de possuírem um elevado valor intrínseco, do ponto de vista da conservação.

Uma recente avaliação sobre o estado de conservação das galerias ripícolas, efectuada ao longo de várias Bacias Hidrográficas, revelou que o Guadiana apresentava grandes extensões de galerias bem desenvolvidas e com um elevado estado de conservação (Moreira et al., 2002). Estes resultados salientam a importância da área de estudo e de futuras acções no âmbito da sua conservação.

3.2.1 Caracterização ecológica da área de estudo

A distribuição das espécies vegetais encontra-se sobretudo influenciada por factores abióticos, que determinam a existência de nichos específicos para o seu desenvolvimento. Assim, o conhecimento destes factores (e.g., clima, tipo de solo) torna-se essencial para a determinação da área potencial de distribuição de uma espécie e para uma melhor prospecção de campo.

A bacia do Guadiana caracteriza-se pela complexidade e diversidade de formações geológicas com idades compreendidas entre o Precâmbrico e o Quaternário e bem representadas por rochas xistosas onde são frequentes plantas como Dianthus lusitanus Brot. Pontualmente, afloram rochas ígneas e formações sedimentares terciárias como as areias, argilas e calcários que ocorrem dentro da nossa área de estudo, como por exemplo na bacia sedimentar de Moura. Associado à evolução da Zona de Ossa Morena formaram-se nos últimos milhões de anos as falhas de Messejana, Alqueva e Vidigueira. A movimentação desta ultima falha originou a escarpa que separa o Alto do Baixo Alentejo sendo a transição entre estas duas unidades morfológicas feita pela Serra de Portel.

O regime térmico do Sul de Portugal apresenta igualmente uma elevada heterogeneidade. As elevadas temperaturas estivais e a escassa precipitação determinam a existência dum período seco (Verão) característico do clima mediterrâneo e cuja extensão limita a actividade vegetal. As grandes amplitudes térmicas, comuns na área de estudo, encontram-se atenuadas ao nível da bacia do Guadiana pois este constitui um vale desprovido de barreiras orográficas e com certas características oceânicas (Capelo, 1996). Devido às pequenas diferenças altitudinais apenas dois termotipos se encontram presentes: 1) o termomediterrâneo (influência oceânica com invernos temperados) sendo comum ao longo do vale do Guadiana e caracterizado por plantas como Asparagus albus L., Myrtus communis L., Pistacia lentiscus L. ou Rhamnus alaternus L. 2) 2) o mesomediterrâneo (continental com invernos frios) em zonas mais interiores ou quando se sobe em altitude nas pequenas serras do Alentejo permitindo o estabelecimento de plantas como Arbutus unedo L., Erica arborea L., Sanguisorba hybrida (L.) Nordborg ou Viburnum tinus L.

19 3.2.2 Importância florística

Na área de estudo existem poucos dados sobre a flora e vegetação desta zona, com excepção dos trabalhos de Malato-Beliz (1977), Rivas-Martinez et al., (1990) e Capelo (1996). Um estudo recente permitiu revelar novos resultados e quantificar o impacto da albufeira de Alqueva sobre determinadas espécies-alvo (Draper et al., 2003). A área de estudo é caracterizada por vários habitats que albergam uma elevada diversidade de espécies. Inicialmente foram citadas cerca de 550 espécies na área da bacia do Guadiana (HIDROPROJECTO et al., 1998) algumas das quais referidas nos Anexos II e IV da Directiva Habitats (Directiva 92/43/CEE). Dentro deste grupo existem outras espécies vegetais que, apesar de não serem abrangidas pela legislação europeia, apresentam um elevado interesse de conservação no nosso país (espécies RELAPE) e das quais se encontram citadas 97 espécies na bacia do Guadiana (NEMUS, 2001).

Dentro da área afectada pela barragem de Alqueva foram inventariadas 322 espécies pertencentes a 91 famílias de plantas vasculares (Draper et al., 2003). A vegetação ribeirinha, associada às linhas de água, é uma presença frequente na área de estudo. Nos solos arenosos meso-oligotróficos, Fraxinus angustifolia Vahl. é a espécie dominante, sendo substituída nalguns locais por Populus nigra L. e Salix salviifolia Brot. No sub- bosque são visíveis espécies trepadeiras como por exemplo, Aristolochia paucinervis Pomel, Bryonia cretica L., Smilax aspera L. ou Tamus communis L. É também frequente a presença de Crataegus monogyna Jacq. e de espécies ombrófilas como Arum italicum Miller. Em rios e ribeiras submetidas a maior estiagem são comuns espécies resistentes, como por exemplo, Nerium oleander L. ou Securinega tinctoria (L.) Rotm. Nos locais mais húmidos ocorrem espécies vivazes, hemicritófitos e geófitos como Cyperus longus L., Juncus effusus L., Mentha suaveolens Ehrh ou Scirpus holoschoenus L. (Devesa , 1995; Capelo, 1996).

Por outro lado, os matos mediterrâneos constituem outro elemento dominante da paisagem do Guadiana e são dominados por espécies como Cistus ladanifer L., Erica umbellata L., Genista hirsuta Vahl, Lavandula stoechas L., Ulex argenteus Welw. ex Webb. As desmatações sucessivas, próprias do processo de conversão de zonas naturais em áreas agrícolas ou pastoris, criaram condições para a decapitação dos solos e instalação desta vegetação (Capelo, 1996). Em zonas mais áridas com solos siliciosos profundos ocorrem comunidades rupícolas, de orlas arbustivas e herbáceas onde é comum a presença de Retama sphaerocarpa (L.) Boiss.

Outro tipo de vegetação frequente são as comunidades rupestres de taludes rochosos e fissuras de rochas. Em afloramentos xistosos, salienta-se a presença de Dianthus lusitanus Brot. É ainda de destacar a presença de pteridófitos como Cheilanthes acrosticha (Balbis) Tod. e Cosentinia vellea (Aiton) Tod., em fissuras terrosas das rochas, com uma certa acumulação de humidade e matéria orgânica.

As formações arbóreas, originalmente constituídas por Quercus faginea Lam., Q. pyrenaica Willd., Q. rotundifolia Lam. e Q. suber L., apresentam actualmente uma estrutura pouco semelhante à original. Devido à actividade humana, estes bosques, com origem no Pliocénico (Teixeira & Pais, 1976) foram sendo arroteados e atingem actualmente um estado de alteração que normalmente se traduz em “montados” de carácter degradado (Capelo, 1996). Contudo, nas próprias culturas existe uma vegetação constituída por plantas anuais, vivazes ou herbáceas e que apresentam uma sobreposição do seu ciclo vital com o das próprias culturas (Malato-Beliz & Cadete, 1978). Merece

20 particular atenção o endemismo português Linaria ricardoi, geralmente associado a searas de trigo (Coutinho, 1939; Franco, 1981).

3.2.3 Selecção das espécies

Considerando as espécies citadas para a área de estudo (Lousã et al., 1995; Draper et al., 2003), foram inicialmente seleccionadas aquelas que tinham um estatuto internacional de protecção, nomeadamente que estivessem incluídas na Directiva Habitats (Directiva 92/43/CEE). Foram igualmente seleccionadas espécies consideradas importantes ao nível da composição e estrutura de diferentes habitats característicos da área de estudo. Assim, este trabalho abrange cinco espécies de interesse comunitário (Directiva Habitats 92/43/CEE): Linaria ricardoi Cout. Marsilea batardae Launert Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López Picris willkommii (Schultz. Bip.) Nyman Salix salviifolia Brot. Subsp. australis Franco

Adicionalmente, pelos foram seleccionadas mais duas espécies de elevado interesse na área de estudo:

Eryngium galioides Lam.: considerada como espécie RELAPE (espécie classificada como Rara, Endémica, Localizada, Ameaçada ou Em Perigo de Extinção) na área de regolfo de Alqueva. Os seus habitats são os leitos de cheia e as cascalheiras do rio Guadiana e principais tributários. Prevê-se uma profunda alteração destes locais devida à albufeira de Pedrógão, com o consequente impacto nas populações deste taxon. No projecto de Monitorização da albufeira do Alqueva já se constatou que as maiores populações se encontravam a jusante da barragem do Alqueva. Por isso a sua inclusão neste estudo torna-se de interesse particular para a conservação desta espécie nesta área.

N. serotinus: considerada uma espécie abundante na área de estudo, encontra-se igualmente classificada como espécie RELAPE na área de regolfo de Alqueva. As grandes populações que se encontram relacionadas com o leito de cheia do rio Guadiana e principais afluentes poderão ser fragmentadas com o enchimento da albufeira, com o consequente impacto na sua dinâmica populacional. Paralelamente trata-se de uma espécie de referência que, comparativamente, permitirá uma compreensão mais integrada dos dados obtidos para N. cavanillesii.

3.2.4 Selecção dos habitats

O conceito de habitat considerado neste estudo é o designado pela Directiva Habitats 92/43/CEE. Dos habitats incluídos nesta Directiva considerou-se que podiam estar presentes na área de estudo, os seguintes habitats prioritários:

21 3170 * Mediterranean temporary ponds Charcos temporários de poucos centímetros de profundidade que só existem no final do Outono ou Inverno, com uma flora composta principalmente por terófitos e geófitos mediterrâneos. 6210 Semi-natural dry grasslands and scrubland facies on calcareous substrates (Festuco-Brometalia) (* important orchid sites) Prados calcários secos a semi-secos de Festuco-Brometalia caracterizados pela existência de uma rica flora de orquídeas. 6220 * Pseudo-steppe with grasses and annuals (Thero-Brachypodietea) Subestepes de gramíneas e anuais formando pradarias dominadas por terófitos.

Adicionalmente e embora a proposta inicial apenas considerasse os habitats prioritários, foram igualmente incluídos os seguintes habitats não prioritários considerados de particular interesse na área de estudo:

3120 Oligotrophic waters containing very few minerals generally on sandy soils of the West Mediterranean, with Isoetes spp. Águas oligotróficas com poucos minerais geralmente presentes em solos arenosos do Oeste mediterrâneo ou do sector termo-atlântico, compostas por Isoetes spp. 3260 Water courses of plaine to montane levels with the Ranunculion Fluitantis and Callitricho-Batrachion vegetation Cursos de água submontanhosos e de planície com vegetação flutuante de Ranunculus spp. 3280 Constantly flowing Mediterranean rivers with Paspalo-Agrostidion species and hanging curtains of Salix spp. and Populus alba Cursos de água mediterrâneos permanentes cujos leitos são compostos por comunidades nitrófilas anuais e perenes de Paspalo-Agrostidion e as margens arborizadas por Salix spp. e Populus alba. 3290 Intermittently flowing Mediterranean rivers Cursos de água mediterrâneos intermitentes com comunidades de Paspalo- Agrostidion. 8210 Chasmophytic vegetation of calcareous rocky slopes Vertentes calcárias com vegetação casmófita existentes no mediterrâneo e na região euro-siberiana. 8220 Chasmophytic vegetation of siliceous rocky slopes Vertentes silicolas com vegetação casmófita. 92D0 Southern riparian galleries and thickets (Nerio-Tamaricetea and Securinegion tinctoriae) Galerias ribeirinhas termomediterrâneas com comunidades de Nerio-Tamaricetea e presentes no Sudoeste da Península Ibérica (Securinegion tinctoriae).

3.2.5 Objectivos e estrutura de trabalho

No âmbito das acções de minimização e compensação promovidas pela EDIA iniciou-se em 2003 o projecto “Monitorização do património natural da albufeira de Pedrógão” com a duração total de 18 meses e referente a área compreendida nas CM 500, 501, 502 e 511. Dentro do objectivo geral referente ao estabelecimento de um Sistema Integrado de Gestão e Informação Geográfica do Património Natural, os trabalhos de flora e vegetação continham os seguintes objectivos:

22 1) Cartografia pormenorizada das espécies seleccionadas. 2) Cartografia dos habitats seleccionados. 3) Proposta de áreas de intervenção e medidas de compensação sobre as espécies e os habitats afectados pela albufeira de Pedrógão.

De forma a atingir os objectivos do projecto foi seguida a seguinte estrutura de investigação:

Selecção das espécies e dos habitats a cartografar. Definição da metodologia a utilizar. Caracterização e localização dos locais mais susceptíveis de ocorrência das espécies vegetais utilizando um Sistema de Informação Geográfica e selecção prévia das variáveis a considerar, em função das características ecológicas próprias de cada espécie. Realização do trabalho de campo, intensificando o esforço nos locais mais prováveis da presença das espécies referidas. Localização georeferenciada das áreas ou transectos onde se verifique a presença das espécies e dos habitats. Estudo, compilação e análise dos dados cartográficos obtidos para a quantificação e avaliação da alteração das áreas de distribuição. Proposta de medidas de minimização, com vista à preservação do património natural existente. Selecção de áreas de intervenção.

3.3 Cartografia e distribuição das espécies alvo

3.3.1 Caracterização das espécies

Eryngium galioides Lam. (Figura 7A) é um terófito pouco comum existente em zonas de encharcamento temporal. Na área de estudo, o seu habitat preferencial são as cascalheiras dos leitos dos rios. Esta espécie foi encontrada de forma muito pontual sendo conhecidas poucas localidades na área de influência de Alqueva. No anterior projecto de monitorização da flora da albufeira de Alqueva já foi constatado que as maiores populações se encontravam a jusante da barragem. Por estes motivos foi considerada importante a inclusão desta espécie neste projecto.

Linaria ricardoi Cout. (Figura 7B) é um terófito glabro com pequenas flores violáceas (9-12 mm) e com palato amarelo. É considerada um endemismo do SE do País, restrito a campos de searas ou culturas mistas. A implementação de actividades agrícolas de uso intensivo, sobretudo o uso de pesticidas e herbicidas tem promovido alterações no seu habitat preferencial, diminuindo a ocorrência desta espécie. Com a futura alteração desta zona, Lousã et al. (1995) prevêem uma redução de 90% da sua área de distribuição, chegando a hipotetizar a sua eventual extinção. Trata-se de uma espécie prioritária incluída no Anexo II e IV da Directiva Habitats e no Anexo II da Convenção de Berna. No âmbito da sua conservação foi criado um sítio na REDE NATURA 2000: Cuba/Alvito.

Marsilea batardae Launert (Figura 7C) é um pteridófito anfíbio, heterospórico com um rizoma rasteiro muito ramificado. Deste rizoma surgem as frondes com uma lâmina quadrifoliada, característica deste género. É considerado um endemismo na Península

23 Ibérica e em Portugal apenas foi citado nas Províncias de Beira Baixa, Alto e Baixo Alentejo. A sua ocorrência está limitada a linhas de água pouco profundas. A existência de cascalheiras permite o seu estabelecimento e torna importantes as populações existentes nas cabeceiras dos cursos de água: do seu fluxo de diásporas dependerão as populações a jusante (Medina et al., 2002). O desaparecimento e a degradação das zonas húmidas põem em risco a permanência desta espécie em várias zonas (Rosselló-Graell et al., 2000). Trata-se duma espécie incluída nos Anexos II e IV da Directiva Habitats.

Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López (Figura 7D) é um pequeno geófito de flor amarela, de floração outonal, conhecendo-se apenas duas localidades em Portugal, ambas afectadas pela barragem de Alqueva. As restantes populações são restritas no SE da Península Ibérica e do Norte de Africa, sendo normalmente bastante fragmentadas. Trata-se duma espécie incluída nos Anexos II e IV da Directiva Habitats, apresentando um elevado interesse de conservação em Portugal. Salienta-se a existência dum projecto específico com vista à sobrevivência destas populações (Rosselló-Graell, 2001). A translocação de uma das populações que ficaria submersa pela albufeira constituiu uma das acções deste projecto.

Narcissus serotinus L (Figura 7E) é um pequeno geófito de flor branca, de floração outonal, comum na bacia Mediterrânica. Até 1985 era considerada uma espécie rara em Portugal (Dray, 1985). Actualmente, a sua presença encontra-se essencialmente relacionada com a Bacia hidrográfica do Guadiana, existindo somente duas pequenas populações fora desta área, no Algarve. Esta característica confere-lhe a particularidade de ser uma espécie de valor intrínseco nesta zona do País. Pela sua importância, é considerada uma espécie RELAPE na área de regolfo do Alqueva. As grandes populações relacionadas com o Guadiana e principais afluentes desaparecem ou são fragmentadas pela albufeira: cerca de 20% da sua área de distribuição desapareceu. Intrinsecamente, a espécie apresenta problemas de depressão endogâmica, o que em conjunto com a fragmentação, pode alterar o futuro destas populações.

Picris willkommii (Schultz. Bip.) Nyman é um terófito ou hemicriptófito subarrosetado com duplo indumento. É considerada uma espécie endémica da Península Ibérica, tendo sido citada para o litoral do Algarve e de Huelva (Espanha), onde possui uma ocorrência muito pontual, sobre margas azuis (Valdés et al., 1987). Esta espécie foi primeiramente citada para Portugal em 1893, com base num exemplar colhido em Castro Marim e só em 1983 tornou a ser herborizada (Lousã et al., 1995). A sua ocorrência actual em Portugal chegou a ser posta em causa (Sell, 1976). Em Portugal existe em zonas do litoral, de solo calcário ou argiloso-calcário, sob coberto de Ceratonia siliqua L. Trata-se de uma espécie incluída no Anexo IV da Directiva Habitats, apresentando um elevado interesse pela sua raridade.

Salix salviifolia Brot. subsp. australis Franco (Figura 7F) é um microfanerófito existente nas margens de cursos de água, sobretudo nas zonas de clima mais continental. É um dos elementos mais importantes em termos de composição e estrutura das galerias ripícolas, partilhando o habitat com outras espécies de salgueiro como Salix alba e S. fragilis. Trata-se de um endemismo do Sul de Portugal e Lousã et al. (1995) prevêem uma redução de 30% da sua área de distribuição, como consequência da albufeira criada. Esta espécie encontra-se incluída nos Anexos II e IV da Directiva Habitats.

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Figura 7 - Espécies contempladas neste trabalho. A. Eryngium galioides, B. Linaria ricardoi, C. Marsilea batardae, D. Narcissus cavanillesii, E. Narcissus serotinus, F. Salix salviifolia. Não se encontra incluída foto de Picris willkommii.

3.3.2 Metodologia

A cartografia das espécies acima referidas requereu prévia consulta aos Herbários e pesquisa bibliográfica com vista à obtenção de informações sobre as localidades de ocorrência das espécies na área de influência da futura albufeira de Pedrógão. Assim, foram pesquisados os principais herbários da Península Ibérica: Estação Agronómica Nacional, Oeiras (LISE), Estação Nacional de Melhoramento de Plantas (ELVE), Universidade Técnica de Lisboa (LISI), Instituto Botânico de Barcelona (BC) Universidade de Lisboa (LISU), Universidade de Coimbra (COI), Universidade de Madrid (MA) e http://scisun.nybg.org Universidade de Sevilha (SEV). A informação

25 obtida permitiu identificar localidades ou delimitar regiões onde uma determinada espécie tinha mais hipóteses de ocorrer, optimizando-se a fase de prospecção de campo.

Relativamente à prospecção de campo foi elaborada uma quadrícula de 100x100 m (projecção Gauss-Elipsóide International-Datum Lisboa) e sobreposta com as 4 Cartas Militares (CM) do Instituto Geográfico do Exército (1:25000): 500, 501, 502 e 511. A prospecção foi iniciada em localidades conhecidas e de modo centrífugo foram prospectadas as zonas adjacentes. No caso das linhas de água pesquisaram-se as zonas a montante e a jusante, bem como os afluentes próximos.

Em cada quadrícula percorrida anotou-se a presença ou ausência de pelo menos uma das espécies. Em cada ponto de amostragem onde foram detectados núcleos populacionais bem constituídos foram registadas as características do local, da população e das restantes espécies presentes seguindo a metodologia adoptada no “PROGRAMA DE MONITORIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO NATURAL (Área de Regolfo de ALQUEVA + PEDRÓGÃO) PMo 1 Projectos e Acções de Monitorização da Vegetação / Flora Projecto PM0 1.1. Monitorização de Plantas Prioritárias”. A partir dos dados de presença/ausência e da sua respectiva localização nestas quadrículas, foi elaborada a cartografia de cada uma das espécies seleccionadas (Draper et al., 2000). A sua distribuição foi georeferenciada segundo a Quadrícula Quilométrica Gauss-Elipsóide Internacional-Datum 73, com um erro máximo de 100 m. Foram utilizados os softwares MapInfo 4.1 e IDRISI32 Release 2.

É de relembrar que existe um conjunto de factores limitantes, dos quais se destacam a fenologia e a raridade das espécies e a dimensão das populações. A fenologia condiciona a época em que a espécie mais facilmente pode ser detectada (floração, frutificação). Dependendo da espécie, estes períodos podem ser muito curtos. Tendo em conta que as espécies-alvo diferem bastante no seu período de floração/frutificação (Tabela I), isto implicou a realização de saídas de campo dirigidas a cada espécie. Por outro lado, estas saídas tiveram que se repetir várias vezes ao longo do tempo, para garantir a correcta identificação taxonómica e cartografia da espécie. É o caso do género Linaria em que as sementes são imprescindíveis para a sua determinação taxonómica, assim como os esporocarpos, no caso do género Marsilea.

Assim, as prospecções foram realizadas em diferentes épocas do ano de modo a cobrir fenologicamente todos os taxa listados, nomeadamente o seu período de floração, época em que estas espécies são mais aparentes no campo (Tabela I). Os geófitos incluídos no projecto, Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López e N. serotinus L., possuem um ciclo de vida outonal e por isso a sua cartografia foi efectuada durante o Outono. A partir de Fevereiro foi efectuada a cartografia de Linaria ricardoi Cout., Salix salviifolia Brot. subsp. australis Franco e Picris willkommii (Schultz. Bip.) Nyman. No Verão foi realizado o levantamento cartográfico de Eryngium galioides Lam., uma vez que esta espécie floresce e frutifica nesta altura do ano. Relativamente à cartografia do pteridófito aquático Marsilea batardae esta foi efectuada entre os meses de Fevereiro a Setembro, período que abrange a época de crescimento vegetativo da espécie assim como a formação de esporocarpos.

26 Tabela I - Fase reprodutora das espécies estudadas. No caso de M. batardae assinala-se a fase de produção de esporocarpos. Convém lembrar que as fases fenológicas não são fixas no tempo, podendo apresentar flutuações anuais, dependendo da estocacidade ambiental. Meses Taxon I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII Eryngium galioides Linaria ricardoi Marsilea batardae Narcissus cavanillesii Narcissus serotinus Picris willkommii Salix salviifolia

A prospecção foi iniciada em localidades conhecidas e de modo centrífugo foram prospectadas as zonas adjacentes. No caso de espécies associadas a linhas de água, como por exemplo, M. batardae, foram procuradas as zonas a montante e a jusante assim como, os afluentes próximos. No caso de L. ricardoi, foram previamente delimitadas, com recurso aos ortofotomapas, as zonas com culturas mistas, visto ser este o habitat desta espécie.

3.3.3 Resultados e discussão

A área de trabalho abrangeu 640 km2, tendo sido pesquisados ca. de 78% desta área. Das sete espécies seleccionadas, cinco foram encontradas:

Eryngium galioides Lam. Linaria ricardoi Cout. Marsilea batardae Launert Narcissus serotinus L Salix salviifolia Brot. subsp. australis Franco

E. galioides foi encontrado em 40 ha da área percorrida. As populações encontradas situam-se sobretudo a jusante do paredão de Pedrógão, nas cascalheiras do leito do rio embora também ocorram algumas populações a montante do paredão (Figura 8, Figura 9 e Figura 10).

L. ricardoi foi encontrada de forma muito pontual, ocupando unicamente duas quadrículas de 1 ha cada situadas na zona de Alcaria/Marmelar (Figura 11). Trata-se duma localidade nova para esta espécie embora seja de reduzidas dimensões. A população encontra-se numa cultura mista de searas e os escassos núcleos encontram-se na base de oliveiras onde as máquinas de lavoura não conseguem penetrar.

M. batardae só foi encontrada em 16 ha da área percorrida encontrando-se a maioria das populações dentro da área inundada pela albufeira (Figura 12 e Figura 13). De facto, as populações da zona alta do rio desapareceram durante a própria construção do paredão (Figura 14). M. batardae foi referenciada pela primeira vez para a ponte do Pedrógão em 1995 (ICN, s.n) sendo recolhida posteriormente pela presente equipa em 1999 (LISU 171653), que verificou também a ocorrência de E. galioides neste local (Figura 14). Desta forma, a sobrevivência das restantes dependerá da sua capacidade de resiliência assim como da manutenção do seu habitat.

27 Figura 8 - Distribuição de Eryngium galioides na área de estudo (Carta Militar 500).

28

Figura 9 - Distribuição de Eryngium galioides na área de estudo (Carta Militar 501).

29

Figura 10 - Distribuição de Eryngium galioides na área de estudo (Carta Militar 511).

30

Figura 11 - Distribuição de Linaria ricardoi na área de estudo.

31

Figura 12 - Distribuição de Marsilea batardae na área de estudo (Carta Militar 501).

32

Figura 13 - Distribuição de Marsilea batardae na área de estudo (Carta Militar 511).

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Figura 14 - Colheita de esporocarpos de Marsilea batardae e pormenor do seu habitat perto da ponte de Pedrógão (Junho de 2002).

N. serotinus foi encontrado em 1732 ha (3.5% da área percorrida). As populações são de dimensões variadas, mas normalmente encontram-se núcleos de grandes dimensões (Figura 15) relacionados com linhas de água. A maioria dos núcleos foi encontrada a montante do paredão de Pedrógão (Figura 16, Figura 17, Figura 18 e Figura 19).

S. salviifolia foi encontrado em 460 ha da área percorrida ao longo de todo o Guadiana (Figura 20, Figura 21 e Figura 22). Trata-se dum elemento importante na estrutura e composição das galerias ripícolas ficando a maioria dos núcleos submersos pela albufeira de Pedrógão.

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Figura 15 - Aspecto geral de uma das localidades de Narcissus serotinus próximas do rio Guadiana.

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Figura 16 – Distribuição de Narcissus serotinus na área de estudo (Carta Militar 500).

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Figura 17 - Distribuição de Narcissus serotinus na área de estudo (Carta Militar 501).

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Figura 18 - Distribuição de Narcissus serotinus na área de estudo (Carta Militar 502).

38

Figura 19 - Distribuição de Narcissus serotinus na área de estudo (Carta Militar 511).

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Figura 20 - Distribuição de Salix salviifolia na área de estudo (Carta Militar 500).

40

Figura 21 - Distribuição de Salix salviifolia na área de estudo (Carta Militar 501).

41

Figura 22 - Distribuição de Salix salviifolia na área de estudo (Carta Militar 511).

42 Assim, a espécie mais representada é N. serotinus presente em 1732 ha (3.5% da área percorrida). As restantes espécies encontradas apresentam uma distribuição escassa considerando o total da área percorrida. M. batardae e L. ricardoi são as espécies menos frequentes apresentando a última uma distribuição muito pontual (Figura 23).

Figura 23 - Comparação das áreas ocupadas pelas cinco espécies encontradas.

Duas espécies não foram encontradas, N. cavanillesii e P. willkommii:

N. cavanillesii foi intensivamente procurado durante o Outono de 2003 e 2004 mas sem sucesso. As duas únicas populações portuguesas encontram-se localizadas muito a Norte desta zona de estudo. A sua existência nesta área significaria que outras populações intermédias teriam de existir para permitir este fluxo. É de lembrar que, durante o projecto de monitorização da flora de Alqueva não foram encontradas outras populações.

P. willkommii foi pesquisada durante a Primavera de 2004 e 2005. Uma vez mais, pensa-se ser possível descartar actualmente a presença desta espécie, nesta área. O seu habitat preferencial encontra-se relacionado com as zonas litorais, de solo calcário ou argiloso-calcário, sob coberto de Ceratonia siliqua. A sua ocorrência perto da foz do Guadiana e o tipo do habitat potencial não abranger a área de estudo permitem justificar o facto de não ter sido encontrada.

3.3.3.1 Efeito da albufeira

A construção da albufeira de Pedrógão provocará uma redução na área de ocupação de todas as espécies (Figura 24) com a excepção de L. ricardoi cujos núcleos se encontram fora da área inundada pela albufeira.

As espécies mais afectadas são as que se encontram vinculadas a linhas de água pelo desaparecimento do seu habitat preferencial. M. batardae e S. salviifolia sofrem uma diminuição na sua área de distribuição em 68.8% e 72.6% respectivamente (Figura 24). No caso do pteridófito, M. batardae, a maioria das populações encontradas ocorriam a

43 montante do paredão. Para S. salviifolia, embora as populações ocorressem ao longo de todo o rio, a maioria dos núcleos encontra-se abaixo da cota máxima da albufeira.

Igualmente, pelo desaparecimento das cascalheiras e leitos de cheia, E. galioides sofre uma redução de 30% na sua área de ocupação (Figura 24) ficando os restantes núcleos situados a montante do paredão. N. serotinus é a espécie menos afectada sofrendo uma redução de apenas 3% (Figura 24) pois a maioria dos núcleos encontram-se acima da cota máxima da albufeira.

Figura 24 - Efeito da albufeira sobre as espécies alvo. Situação de referência antes da construção da barragem (branco) e após a criação da albufeira de Pedrógão (azul).

As alterações decorrentes do enchimento da albufeira de Pedrógão também afectarão a conectividade entre algumas das espécies. A distância entre os núcleos de E. galioides e S. salviifolia aumentou cerca de 3 e 2 vezes mais respectivamente, após a criação da barragem (Tabela II) e em consequência do alagamento de núcleos intermédios em toda a sua área de ocupação na zona de estudo. Esta disrupção na conectividade entre os núcleos pode afectar negativamente o desenvolvimento destas populações diminuindo os processos de colonização e estabelecimento de novas áreas.

Tabela II - Comparação da distância média entre os núcleos (km) antes e depois do enchimento da barragem. A vermelho as espécies com maior aumento entre os diferentes núcleos.

Antes da albufeira Depois da albufeira Eryngium galioides 179.75 ± 250.93 458.89 ± 1826.51 Linaria ricardoi 141.40 141.40 Marsilea batardae 130.87 ± 55.27 124.69 ± 55.27 Narcissus serotinus 100.26 ± 4.29 100.74 ± 9.56 Salix salviifolia 114.57 ± 95.62 166.98 ± 332.85

N. serotinus apresenta um ligeiro aumento na distância média entre os núcleos sendo pouco afectado pela albufeira. Igualmente, os núcleos de L. ricardoi não se encontram afectados pela albufeira. M. batardae apresenta uma redução na distância média entre os

44 núcleos devido á redução da área de ocupação geral, dentro da área de estudo; os poucos núcleos restantes encontram-se todos situados a jusante do paredão.

Assim, as espécies mais afectadas pela albufeira de Pedrógão são M. batardae e S. salviifolia sendo o principal factor a elevada redução na sua área de ocupação. O aumento da distância entre os núcleos de S. salviifolia é igualmente um factor importante na distribuição desta espécie.

3.4 Cartografia dos habitats

3.4.1 Caracterização dos habitats

Dentro deste projecto encontram-se incluídos os seguintes habitats prioritários:

3170 * Mediterranean temporary ponds Tratam-se de charcos temporários de poucos centímetros de profundidade que só existem no final do Outono ou Inverno, com uma flora composta principalmente por terófitos e geófitos mediterrâneos. Encontram-se presentes neste habitat plantas como Elatine macropoda, Glinus lotoides, Lythrum spp. ou Mentha spp.

6210 Semi-natural dry grasslands and scrubland facies on calcareous substrates (Festuco-Brometalia) (* important orchid sites) Este habitat corresponde a prados calcários secos a semi-secos de Festuco- Brometalia caracterizados pela existência de uma flora rica em orquídeas. Por flora rica entende-se a presença de várias espécies, de uma população importante em termos nacionais ou a presença de orquídeas raras em território nacional. Para além da presença de orquídeas pode ser encontrado Bromus erectus ou Festuca valesiaca.

6220 * Pseudo-steppe with grasses and annuals (Thero-Brachypodietea) Caracterizam-se por serem subestepes de gramíneas e anuais que formam prados dominadas por terófitos. Tratam-se de prados geralmente abertos, ricos em pequenas ervas anuais e que ocorrem normalmente em solos oligotróficos de substrato calcáreo. São também comuns as comunidades perenes Thero-Brachypodietea ou Poetea bulbosae.

Adicionalmente foram incluídos os seguintes habitats não prioritários mas considerados de particular interesse na área de estudo:

3120 Oligotrophic waters containing very few minerals generally on sandy soils of the West Mediterranean, with Isoetes spp. Tratam-se de águas oligotróficas com poucos minerais geralmente presente em solos arenosos do Oeste mediterrâneo ou do sector termo-atlântico. São geralmente compostas por Isoetes spp.

3260 Water courses of plaine to montane levels with the Ranunculion Fluitantis and Callitricho-Batrachion vegetation Este habitat refere-se a cursos de água submontanhosos e de planície com vegetação flutuante ou submersa de Ranunculus spp. São também características espécies como Callitriche spp., Fontinalis antipyretica ou Potamogeton spp.

45

3280 Constantly flowing Mediterranean rivers with Paspalo-Agrostidion species and hanging curtains of Salix spp. and Populus alba Tratam-se de cursos de água mediterrâneos permanentes cujos leitos são compostos por comunidades nitrófilas anuais e perenes de Paspalo-Agrostidion. As margens encontram-se arborizadas por Salix spp. e Populus alba. Para além destas plantas são características Agrostis semiverticillata, Cyperus spp. ou Paspalum paspaloides.

3290 Intermittently flowing Mediterranean rivers Habitat muito semelhante ao anterior mas correspondendo a cursos de água mediterrâneos intermitentes com comunidades de Paspalo-Agrostidion. O fluxo de água encontra-se interrompido e os leitos de cheia encontram-se geralmente secos ou com algumas poças pontuais. Ao contrário do habitat anterior desaparecem as formações arbustivas de Salix e Populus que geralmente precisam de cursos de água permanentes e com um determinado caudal.

8210 Chasmophytic vegetation of calcareous rocky slopes Refere-se a vertentes calcárias existentes no mediterrâneo e na região euro-siberiana. Caracteriza-se pela presença de vegetação casmófita normalmente desenvolvida nas fendas e fissuras onde se acumula alguma matéria orgânica e humidade. Podem ser encontrados pteridófitos como Asplenium spp. ou Cheilanthes acrostica.

8220 Chasmophytic vegetation of siliceous rocky slopes Habitat semelhante ao anterior mas referindo-se a vertentes de origem siliciosa. A vegetação casmófita é típica de substrato silicioso podendo ser encontradas algumas espécies de Saxifraga assim como pteridófitos dos géneros descritos no anterior habitat.

92D0 Southern riparian galleries and thickets (Nerio-Tamaricetea and Securinegion tinctoriae) Tratam-se de galerias ribeirinhas termomediterrâneas com comunidades de Nerio- Tamaricetea presentes no Sudoeste da Península Ibérica (Securinegion tinctoriae). Estas galerias constituem um elemento fundamental nas comunidades ripicolas e ocupam geralmente cursos de água sujeitos a forte secura estival. São características espécies como Nerium oleander, Securinega tinctoria ou Viburnum tinus.

3.4.2 Metodologia

A cartografia dos habitats envolve uma etapa prévia destinada à interpretação dos ortofotomapas (já fornecidos pela EDIA na altura dos projectos do Alqueva) e correspondentes à área de estudo de forma a localizar as zonas susceptíveis de ocorrência dos diversos habitats. Posteriormente foi realizada a etapa de prospecção de campo em que foi percorrida de forma exaustiva toda a área de estudo verificando-se a ocorrência dos habitats e delimitando-se nos ortofotomapas os seus limites. Esta etapa foi efectuada, em concordância com o critério anteriormente mencionado, i.e., na altura em que as espécies características dos diferentes habitats eram detectáveis no campo. A fenologia é mais uma vez, um factor importante pois possibilita a rápida detecção das espécies características de cada habitat.

46 Da mesma forma que a cartografia das espécies, a distribuição dos habitats prioritários foi georeferenciada segundo a Quadrícula Quilométrica Gauss-Elipsóide Internacional Datum Lisboa 73, com um erro máximo de 100 m e com utilização de DGPS. A unidade mínima de superfície é de 0.1 ha. A legenda utilizada nesta cartografia foi a proposta pelo “Interpretation Manual of European Union Habitats, Eur 15/2 October 1999; European Commission, DG Environment” (Directiva Habitat 92/43/CEE). De forma a facilitar a leitura da cartografia realizada, a cada unidade cartográfica foi atribuída uma e só uma unidade de habitat, aquela que tinha maior representação seja em superfície ou em estrutura. Isto significa que, embora num determinado polígono estejam presentes dois ou mais habitats, apenas será citado um. Excepcionalmente poderá ser considerado um complexo de habitat onde as unidades presentes se encontram representadas por igual. A digitalização da cartografia foi realizada pela mesma equipa fornecendo ao CEA/UE a camada correspondente a esta cartografia em formato Arcview para ser integrada na base de dados.

3.4.3 Resultados e discussão

Dos habitats seleccionados foram cartografados 5 unidades distintas (Figura 25), nenhuma delas prioritárias de acordo com a Directiva Habitats:

3260 Water courses of plaine to montane levels with the Ranunculion Fluitantis and Callitricho-Batrachion vegetation 3280 Constantly flowing Mediterranean rivers with Paspalo-Agrostidion species and hanging curtains of Salix and Populus alba 3290 Intermittently flowing Mediterranean rivers 8220 Chasmophytic vegetation of siliceous rocky slopes 92D0 Southern riparian galleries and thickets (Nerio-Tamaricetea and Securinegion tinctoriae)

Adicionalmente num dos polígonos cartografados considerou-se o complexo 3280+92D0. No total foram determinadas 225 unidades cartográficas (Tabela II). Os resultados vêm expressos em ha, com excepção do habitat 3260. Neste caso, as unidades cartográficas não são polígonos mas tramos do leito do rio, devido ao habitat em causa. Para os restantes, esta comparação foi efectuada sempre que possível.

A superfície encontrada varia entre um mínimo de 5,918 ha no caso do Habitat 3280 e um máximo de 201,765 ha para o Habitat 92D0. Em relação ao habitat 3260, este foi encontrado em aproximadamente 78 Km do rio (Tabela III).

Tabela III - Resultados cartográficos relativos aos habitats encontrados. NUMERO UNIDADES COMPRIMENTO HABITAT SUPERFICIE (ha) CARTOGRÁFICAS RIOS (Km) 3260 109 0 78.0895 3290 59 105.68 20.4054 92D0 43 201.765 15.7526 8220 9 29.5619 0 3280 4 5.918 0 3280+92D0 1 10.6489 0

47 Em termos de superfície ocupada, a formação dominante é o habitat 92D0 (Tabela III) constituído maioritariamente pelas galerias de Nerium e Securinega, embora pontualmente também possam existir pequenas unidades de Tamarix. Esta formação é comum nos cursos de água, de regime torrencial, sujeitos a forte secura estival. Em situações de maiores limitações hídricas estas formações substituem os bosques ripários caducifólios. As suas preferências ecológicas incluem leitos de cheia e solos siliciosos de textura areno-argilosa. Esta comunidade é considerada endémica da Península Ibérica (província Luso-Extremadurense). Tratam-se de galerias ripícolas que até ao momento eram comuns no Rio Guadiana onde ocupavam grandes extensões de terreno (Figura 25), na maioria dos casos bem conservadas.

O segundo habitat com maior superfície de ocupação é o referente aos cursos de água intermitente (3290) que se encontram representados por quase toda a zona junto a linhas de água de pequeno caudal (Figura 26; Tabela III). O habitat 3280 e 8220 devem ser consideradas como minoritárias nesta área ocorrendo sobretudo a montante do paredão de Pedrógão (Figura 25). São igualmente minoritárias as formações conjuntas de Nerium, Securinega e Salix, Populus (complexo 3280-92D0).

Os cursos de água com Ranunculus (3260) são também um habitat importante na área de estudo. Encontram-se representados por toda a zona em pequenos riachos e afluentes de pouca profundidade. Em comparação com os outros habitats ocupam uma elevada extensão ao longo dos rios (78 km; Tabela III) e representam o Habitat com mais unidades cartográficas na área de estudo (Figura 26).

48

Figura 25 – Distribuição de Habitats segundo Directiva 92/43/CEE.

49

Figura 26 - Comparação do número de unidades cartográficas ocupadas por cada habitat.

Assim, o Habitat 3260 (cursos de água com Ranunculus), 3290 (cursos de água intermitentes) e 92D0 (galerias ribeirinhas de Nerium e Securinega) são os mais representativos em termos de unidades cartográficas. Estes Habitats são também os mais importantes em termos de superfície e de comprimento de rio ocupado.

3.4.3.1 Efeito da albufeira

O enchimento da albufeira de Pedrógão provocará uma redução na superfície de ocupação dos habitats 92D0, 3290e 8220 sendo o primeiro o mais afectado com uma redução de quase 60% (Tabela IV). As maiores superfícies encontravam-se a montante do paredão e por isso desapareceram com a criação da albufeira. Os restantes Habitats encontram-se pouco afectados pois encontram-se sobretudo em linhas de água ou afluentes secundários ficando fora da cota máxima da albufeira. Este resultado reflecte- se sobretudo na superfície ocupada pelos Habitats já que os registos referentes ao comprimento dos rios referem-se a zonas existentes em rios ou riachos secundários, não fazendo parte do caudal principal do Guadiana e por isso não serão afectados pela albufeira (Tabela IV).

Tabela IV - Efeito da albufeira na superfície/comprimento dos rios dos habitats cartografados. A vermelho os habitats mais afectados. HABITAT SUPERFÍCIE (ha) COMPRIMENTO RIOS (Km) Antes da albufeira Depois da albufeira Antes da albufeira Depois da albufeira 3260 0 0 78.0895 76.6411 3290 105.68 81.018 20.4054 20.4054 92D0 201.765 82.5162 15.7526 15.7526 8220 29.5619 22.7043 0 0 3280 5.918 5.918 0 0 3280+92D0 10.6489 10.6489 0 0

Os mesmos resultados podem ser referidos para o número de unidades cartográficas onde o Habitat mais afectado é também o formado pelas galerias ribeirinhas de Nerium e

50 Securinega ocorrendo uma redução de 42% (Figura 27) pelos mesmos motivos acima referidos. É de salientar que neste caso ocorre também uma diminuição de quase 40% do número de unidades cartográficas do Habitat 3290 pela destruição do seu habitat preferencial.

Figura 27 - Efeito da albufeira sobre as unidades cartográficas dos Habitats seleccionados. Situação de referência antes da construção da barragem (branco) e após a criação da albufeira de Pedrógão (azul).

A albufeira criará um maior isolamento entre as distintas unidades dos Habitats sendo os mais afectados os correspondentes aos cursos de água intermitentes (3290) e às galerias ribeirinhas (92D0). Em consequência do alagamento de núcleos intermédios em toda a sua área de ocupação estes Habitats serão os mais afectados em termos de conectividade (Tabela V). As mesmas considerações referidas para as espécies cartografadas e relativas aos processos de fragmentação e disrupção da conectividade entre núcleos são também importantes no caso dos Habitats.

Tabela V - Comparação da distância média entre os núcleos (km) antes e depois do enchimento da barragem. A vermelho os Habitats com maior aumento entre os distintos núcleos. HABITAT Antes da albufeira Depois da albufeira 3260 795.37 ± 782.86 836.81 ± 803.85 41 3290 757.29 ± 1360.44 1671.57± 1772.82 92D0 1180.55 ± 1164.98 1662.77 ± 1281.10 8220 323.12 ± 123.45 383.66 ± 167.95 3280 521.07 ± 174.76 521.07 ± 174.76 3280+92D0 - -

Assim, o Habitat mais afectado pela albufeira de Pedrógão é o constituído pelas galerias ribeirinhas de Nerium e Securinega cujos núcleos principais formavam parte do caudal principal do Guadiana que será inundado pela albufeira. Estas formações são muito importantes na estrutura e composição dos leitos de cheia funcionando como suporte para outros processos de que dependem outros grupos ecológicos, e.g., corredor ecológico para a fauna tetrápode associada, local de postura e abrigo, suporte alimentar nomeadamente para as comunidades aquáticas. Igualmente permitem a estabilização dos leitos e margens facilitando os processos de colonização de outras espécies vegetais e contribuem para a melhoria da qualidade da água através do seu papel filtrador. Desta

51 forma, a restauração deste Habitat deveria ser considerada fundamental em futuras acções de minimização.

3.5 Conclusões

Das sete espécies seleccionadas apenas cinco foram encontradas: Eryngium galioides, Linaria ricardoi, Marsilea batardae, Narcissus serotinus e Salix salviifolia. N. cavanillesii e P. willkommii não foram encontrados dentro da área de estudo.

A espécie mais abundante é N. serotinus tendo sido encontrado em 1732 ha da área percorrida, seguido por S. salviifolia (460 ha). Eryngium galioides e Marsilea batardae encontram-se pouco representados ocupando respectivamente 40 ha e 16 ha da área percorrida. A espécie menos representada foi L. ricardoi ocupando unicamente 2 ha.

As espécies mais afectadas pela construção da barragem de Pedrógão são Marsilea batardae e Salix salviifolia que sofrem uma diminuição de 68.8% e 72.6% na sua área de ocupação. Igualmente pelo desaparecimento do seu habitat preferencial irá ocorrer uma redução de 30% na área de ocupação de Eryngium galioides. Em consequência do alagamento de núcleos intermédios haverá uma maior distância entre os distintos núcleos de Salix salviifolia e Eryngium galioides.

Narcissus serotinus será pouco afectado pela albufeira. Alguns núcleos irão ficar inundados (3%) mas os restantes ainda permitirão que a espécie mantenha uma boa representação na área de estudo. A fragmentação provocada poderá não ter qualquer efeito nesta espécie e o facto de ser abundante poderá proporcionar a colonização de novas áreas se os núcleos possuírem alguma capacidade de resiliência face ás novas condições.

Linaria ricardoi não será afectada pela albufeira de Pedrógão pois a área detectada encontra-se fora da cota máxima da albufeira.

Relativamente aos Habitats seleccionados foram encontradas 5 unidades cartográficas, nenhuma delas prioritária de acordo com a Directiva Habitats:

3260 Water courses of plaine to montane levels with the Ranunculion Fluitantis and Callitricho-Batrachion vegetation 3280 Constantly flowing Mediterranean rivers with Paspalo-Agrostidion species and hanging curtains of Salix spp. and Populus alba 3290 Intermittently flowing Mediterranean rivers 8220 Chasmophytic vegetation of siliceous rocky slopes 92D0 Southern riparian galleries and thickets (Nerio-Tamaricetea and Securinegion tinctoriae) Adicionalmente num dos polígonos cartografados considerou-se o complexo 3280+92D0.

No total foram determinadas 225 unidades cartográficas variando a superfície encontrada entre um mínimo de 5,918 ha no caso do Habitat 3280 e um máximo de 201,765 ha para o Habitat 92D0. Em relação ao habitat 3260, este foi encontrado em aproximadamente 78 km do rio.

52 Em termos de superfície ocupada, a formação dominante é o habitat 92D0 constituído maioritariamente pelas galerias de Nerium e Securinega. O segundo habitat com maior superfície de ocupação é o referente aos cursos de água intermitente (3290) que se encontram representados por quase toda a zona junto a linhas de água de pequeno caudal.

O habitat 3280 (cursos de água permanentes com Salix e Populus) e 8220 (vegetação casmófita em vertentes silícolas) devem ser considerados como minoritários nesta área ocorrendo sobretudo a montante do paredão de Pedrógão. São igualmente minoritárias as formações conjuntas de Nerium, Securinega, Salix e Populus (complexo 3280-92D0).

A criação da albufeira de Pedrógão provocará uma redução na superfície de ocupação dos habitats 92D0, 3290e 8220 sendo o primeiro o mais afectado com uma redução de quase 60%. As maiores superfícies encontravam-se a montante do paredão e por isso desapareceram com a criação da albufeira. Os restantes Habitats encontram-se pouco afectados pois encontram-se sobretudo em linhas de água ou afluentes secundários ficando fora da cota da albufeira.

Os mesmos resultados podem ser referidos para o número de unidades cartográficas onde o Habitat mais afectado é também o formado pelas galerias ribeirinhas de Nerium e Securinega ocorrendo uma redução de 42% na sua área de ocupação. É de salientar que neste caso ocorre também uma diminuição de quase 40% do número de unidades cartográficas do Habitat 3290 pela destruição do seu habitat preferencial.

A albufeira criará um maior isolamento entre as distintas unidades dos Habitats sendo os mais afectados os correspondentes aos cursos de água intermitentes (3290) e às galerias ribeirinhas (92D0). Em consequência do alagamento de núcleos intermédios em toda a sua área de ocupação estes Habitats serão os mais afectados em termos de conectividade.

3.6 Medidas de compensação e minimização

A vegetação ribeirinha e de zonas envolventes deve ser contemplada, não apenas pelo seu valor botânico, mas também pelas suas vantagens ecológicas. Estas formações são de particular importância no fornecimento de abrigos, alimentação, local de postura e corredores de movimentação da fauna associada. Adicionalmente, têm um papel importante na estabilização dos leitos dos rios, contribuem para a melhoria da qualidade da água através do seu papel filtrador e funcionam como fonte de matéria orgânica para a restante cadeia alimentar. Assim, é de extrema importância a elaboração de medidas de compensação e mitigação que permitam mitigar o impacto da referida obra na flora autóctone e nos habitats envolvidos. De forma a promover o sucesso dessas acções são indicadas 3 áreas onde deveriam ser implementadas as medidas de mitigação propostas (Figura 28).

53

Figura 28 - Localização das áreas de mitigação.

54 A área A situa-se a jusante do paredão e actualmente alberga uma grande proporção de núcleos de espécies e Habitats de interesse, dos quais dependem a sobrevivência de determinadas espécies na área de estudo. A extinção dos núcleos a montante da barragem reduziu consideravelmente a área de ocupação das espécies e nos casos extremos, como em Marsilea batardae, limitou a sua distribuição e sobrevivência aos pequenos núcleos situados a jusante do paredão. Para além deste caso extremo, esta área é também importante para a conservação dos núcleos de Eryngium galioides e Salix salviifolia pois a maioria dos núcleos que não foram submersos encontram-se nesta área. Trata-se igualmente de uma área importante para os habitats cartografados dado que os núcleos não submersos se situam maioritariamente nesta área. É o caso do Habitat 92D0, o mais afectado pela albufeira, situando-se nesta zona os núcleos remanescentes de Nerium e Securinega. Assim, trata-se duma área de intervenção cujas acções têm como objectivo principal a conservação destas espécies e dos habitats envolvidos.

A área B situa-se a montante da barragem, no vale do Ardila, e alberga uma área não afectada pela albufeira permitindo a sobrevivência das poucas populações remanescentes a norte do paredão. É o caso das formações de Nerium e Securinega que ainda possuem alguns núcleos no Rio Ardila. Por outro lado, esta área será pouco afectada pela barragem e por isso poderá funcionar como uma área de intervenção permitindo a execução de acções com o principal objectivo de compensar os impactos de negativos causados pela barragem. Tratando-se de uma cabeceira de rio irá comportar-se como fonte de sementes e diásporas que poderão colonizar as novas margens da albufeira de Pedrógão. Dentro destas acções, por exemplo, inclui-se o estabelecimento de novos núcleos populacionais.

A área C trata-se duma zona não relacionada com cursos de água e que inclui a área de ocupação de Linaria ricardoi assim como a parcela agrícola onde ela foi encontrada. A parcela seleccionada considera-se como a sua potencial área de ocorrência, com base no conhecimento adquirido sobre as suas características metapopulacionais. Como foi referido, trata-se duma espécie não afectada pela barragem mas protegida pela legislação internacional (Directiva Habitats) que obriga a sua conservação. Trata-se, por isso, de uma área de protecção que visa a conservação desta espécie e cujos objectivos deveriam ser considerados tendo em conta a situação global desta espécie na área afectada pelo Alqueva.

Assim, são propostas as seguintes medidas de mitigação que permitirão aumentar a capacidade de resiliência das espécies e Habitats assim como promover a sobrevivência dos núcleos populacionais:

Reforçar os núcleos remanescentes de Marsilea batardae, Salix salviifolia e Eryngium galioides situados a jusante da barragem, nomeadamente na área de intervenção A que engloba o Guadiana e alguns afluentes como a Ribeira de Odearce. Seria aconselhável utilizar material autóctone de diversas idades e proveniente da zona de estudo.

Estabelecer novos núcleos de Marsilea batardae, Salix salviifolia e Eryngium galioides e implementar galerias ripícolas (Habitat 92D0) a montante da barragem, nomeadamente na área de intervenção B. As mesmas indicações

55 relativas à origem e idade do germoplasma deveriam ser consideradas. O número de novos estabelecimentos deverá ser proporcional ao número de núcleos perdidos pela albufeira (1:1).

Monitorização das espécies seleccionadas sobretudo de Marsilea batardae, Salix salviifolia e Eryngium galioides e dos Habitats cartografados, sobretudo o Habitat 92D0. Seguimento e avaliação das acções promovidas (áreas A e B).

Criação de cascalheiras e leitos de cheia nas áreas A e B, de forma a promover a implementação das espécies e a colonização de novas áreas de ocupação.

Restauração das galerias ripícolas degradadas nas áreas A e B. Melhoramento e protecção do habitat.

Implementação de corredores ecológicos entre as áreas A e B. Manutenção da conectividade entre os diversos núcleos populacionais. Tal implica o acondicionamento das margens da nova albufeira com vegetação natural autóctone, contemplando vegetação ribeirinha (galeria ripícola) e vegetação de leitos de cheia (cascalheiras).

Informação e consciencialização aos proprietários da área C sobre a presença de L. ricardoi. Compatibilização dos usos agrícolas com a conservação da espécie. Até não se poder aportar melhores indicações, deverá ocorrer a manutenção das técnicas agrícolas utilizadas na área até ao momento.

Garantir a conservação ex situ das populações das espécies seleccionadas, nomeadamente de Linaria ricardoi, Marsilea batardae, Salix salviifolia e Eryngium galioides. Recolha sistemática de germoplasma como sementes e esporocarpos no caso de Marsilea batardae. Relativamente aos Habitats é necessário garantir a conservação das espécies representativas, nomeadamente nos Habitats mais afectados como as galerias ribeirinhas. Assim, é necessária a conservação ex situ das populações de Nerium oleander e Securinega tinctoria. Estabelecimento de protocolos de conservação e de colecções vivas em Jardins Botânicos.

Desenvolver acções de divulgação e educação ambiental relativas às medidas de conservação da flora a efectuar na área de estudo.

As acções acima propostas têm como principal objectivo mitigar os efeitos negativos sobre a flora. No entanto, pelo papel que desempenham para a sobrevivência de outros grupos biológicos, estas acções terão também como objectivo fomentar a conservação da fauna associada. A vegetação, no seu papel de suporte aos restantes ecossistemas seja como fonte de alimento, abrigo, refúgio ou como local de postura, é uma parte fundamental do ciclo de vida dos restantes grupos biológicos. Neste sentido, as acções de conservação dirigidas às galerias ribeirinhas e espécies associadas podem vir também a salvaguardar as comunidades de animais, nomeadamente os mamíferos associados como a lontra, a rata de água e o toirão, assim como anfíbios, aves dependentes de habitats aquáticos ou mesmo determinados grupos de macroinvertebrados. Assim, para além destas acções globais propostas, poderão ser

56 necessárias acções florísticas especificamente dirigidas à conservação de determinados grupos de animais e cujos objectivos serão definidos pelas respectivas equipas.

3.7 Bibliografia

Capelo, J. 1996. Esboço da paisagem vegetal da bacia portuguesa do rio Guadiana. Silva Lusitana, nº especial: 13-64. Coutinho, X. P. (1939) Flora de Portugal (Plantas Vasculares), 2ª ed. Bertrand (Irmãos) Ltd. Lisboa. Devesa Alcaraz, J. (1995) Vegetación y flora de Extremadura. Universitas Editorial. Badajoz. Directiva 92/43/CEE do Conselho, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens. Jornal Oficial das Comunidades Europeias, Nº L 206/97. Draper, D., Rosselló-Graell, A., Marques, I., Brehm, J., Serra, G. L. & Correia, A. I. D. 2003. Programa de Monitorização do Património Natural (Área de regolfo de Alqueva + Pedrógão), PM1 Projectos e acções de monitorização da Vegetação/Flora, PMo 1.1 Monitorização de Plantas Prioritárias. Relatório Final. Jardim Botânico. Museu Nacional de História Natural. Lisboa. 189 pag. Dray, A. M. 1985. Plantas a proteger em Portugal Continental. Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza. Lisboa. 56 pag. Franco, J. A. (1981) Nova Flora de Portugal. Vol. II. Escolar Editora, Lisboa. García, M. B. 2002. Inventario y monitorización en poblaciones de especies amenazadas. In: Biología de la conservación de plantas amenzadas. Bañares, Á. (Ed.). Organismo Autónomo de Parques Nacionales. Série Técnica. Madrid. HIDROPROJECTO, COBA, HP, WS ATKINS, CONSUGAL, GIBB PORTUGAL. 1998. Plano de Bacia hidrográfica do Rio Guadiana. 1ª fase - Anexo 1. Análise e Diagnóstico da Situação Actual (Análise da Fauna e da Flora e Vegetação). Lisboa. Lawton, J. H. & May, R. M. 1995. Extinction rates. Oxford University Press. Oxford. Levin, S. A. 2001. Encyclopedia of Byodiversity. Academic Press. San Diego. C. A. Lousã, M., Costa, J.C., Capelo, J. Espirito-Santo, Mª.D. & Paes, A. P. 1995. Estudo integrado de impacte ambiental do empreendimento de Alqueva. Vol. IX. Flora e Vegetação. Sociedade de Engenharia e Inovação Ambiental, S.A. Lisboa. Marques , I., Draper, D., Rosselló-Graell, A. Silva, C. S. & Correia, A.I.D. 2003. Flora e Vegetação In : Monitorização do Património Natural da Albufeira de Pedrogão. Primeiro Relatório Parcial de Progresso (Coord : Figueiredo, D.). Universidade de Èvora. Évora. 37 pag. Malato-Beliz, J. 1977. Braxireon humile (Cav.) Rafin – Nouvelle Amaryllidaceé pour le Portugal. Candollea 32(2) : 249-254. Malato-Beliz, J. & Cadete, A. (1978) Catálogo das plantas infestantes das searas de trigo, Volume I – Aristolochiaceae – Lythraceae. Empresa Pública de Abastecimento de Cereais. Lisboa. Medina, L., García Rio, R. & Draper, D. 2002. Notas sobre la flora acuática de Ciudad Real. Botanica Complutensis 26 : 53-58. Moreira, I., Duarte, M. C., Rafael, T. Brito, A & Pinto, S. 2002. Áreas e habitats com valor para a conservação. In: Ecossistemas aquáticos e ribeirinhos. Ecologia, gestão e conservação (ed: Moreira, I., Ferreira, M.T., Cortes, R., Pinto, P. & Almeida, P.R.). Instituto da Água. Direcção de Serviços do Planeamento. Lisboa.

57 NEMUS, 2001. Plano de protecção, recuperação e valorização do coberto vegetal na envolvente das albufeiras de Alqueva e Pedrógão. Lisboa. Rivas-Martinez, S., Lousã, M. Díaz, T. Fernandez-González, F. & Costa, J. 1990. La vegetación del sur de Portugal (Sado, Alentejo y Algarve). Itinera geobotânica 3: 5-126. Rosselló-Graell, A., Draper, D., Tauleigne Gomes, C. & Correia, A.I.D. 2000. Distribuição de Marsilea batardae Launert em Portugal e deteminação do seu estatuto de ameaça. Portugaliae Acta Biol. 19: 219-224. Rosselló-Graell, A., Draper, D., Marques, I., Salvado, E., Albano, S., Albert, M. J., Iriondo, J.M., Correia, A.I.D. 2001. Projecto de salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Primeiro Relatório Parcial de Progresso. Jardim Botânico. Museu Nacional de História Natural. 65 pag. Sell, P.D. 1976. Picris. In: Flora Europae, Vol. 4. Tutin, T.G. et al. (Eds). Cambridge University Press. Cambridge. Valdés, B., Talavera, S. & Fernández-Galiano, E. (1987) Flora Vascular de Andalucía Occidental vol. 3. Ed. Ketres. Barcelona.

58

4 Mamíferos não Voadores

Equipa responsável: Frederico Mestre Joaquim Pedro Ferreira

Coordenação: António Mira Margarida Santos-Reis

4.1 Introdução

São conhecidos os impactes que a construção de barragens geram nos ambientes ripícolas e nas populações animais a eles associadas, ao transformarem sistemas lóticos em sistemas lênticos (Cox & Welcomme 1998; Tiago et al. 2001; Pedroso et al 2003).

Localizada a cerca de 23 km a jusante da barragem de Alqueva a albufeira de Pedrógão irá ter níveis de impactes inferiores aos provocados pelo regolfo de Alqueva, quer pela dimensão da área a intervencionar, quer pelas características do rio Guadiana na maior parte do seu percurso a jusante do paredão de Alqueva ser mais aberto e menos declivoso que o troço a montante, que possuía características estruturais bastante favoráveis para espécies pouco conspícuas, de que é exemplo o gato-bravo Felis silvestris (Pereira et al 2001). No entanto, a vegetação ribeirinha associada ao troço do Guadiana e parte do Ardila é essencial para alguns mamíferos carnívoros e micromamíferos. Dos mamíferos carnívoros destacam-se a lontra Lutra lutra e o toirão Mustela putorius pela sua conhecida associação a ambientes aquáticos e ripícolas (Blandford 1987; Blanco 1998; Birks & Kitchener 1999; Mason & Macdonald 1986). Nos micromamíferos destaca-se pela sua associação às linhas de água a rata-de-água Arvicola sapidus (Blanco, 1998). Por outro lado é conhecida a importância das linhas de água como corredores ecológicos em paisagens fragmentadas (Hossfeld et al 1992, Blanco 1998, Pereira et al 2001).

Como consequência desta intervenção, muitas áreas de coberto homogéneo sofrerão regressão, conduzindo a uma fragmentação na sua continuidade. Este processo irá resultar obviamente, na fuga e dispersão dos indivíduos das populações animais que os habitam. Toda a dinâmica ecológica da área sob influência do futuro albufeira de Pedrógão irá assim ser profundamente alterada, salientando-se o desaparecimento de composições vegetais ripícolas. Algumas espécies de mamíferos possuem características que os tornam particularmente vulneráveis às mudanças na estrutura da paisagem. Em geral, a dimensão dos efeitos negativos dependem das espécies e da escala a que as mudanças ocorrem. Algumas espécies de micromamíferos encontram-se em microhabitats com características muito particulares como é o caso de duas das espécies alvo deste estudo: Rato de cabrera (Microtus cabrerae) em zonas de gramíneas densas e altas com elevada humidade edáfica (San Miguel, 1992; Pita & Mira 2002) e Rata-de-água (Arvicola sapidus), em áreas ripícolas (Blanco, 1998).

Devido às suas dimensões, dietas, e susceptibilidade a perturbações de origem antropogénica, os carnívoros são frequentemente apontados como espécies-chave nos sistemas naturais (Schonewald-Cox et al. 1991). Por outro lado os mamíferos

59 carnívoros, como predadores, tendem a ocorrer em densidades relativamente baixas, ocupando grandes áreas vitais, com um tempo de vida mais longo, com taxas de reprodução mais baixas e um número de crias pequeno, dispersando em longas distâncias enquanto juvenis ou subadultos. No entanto as diferentes espécies não respondem da mesma maneira às alterações da paisagem. De facto, as espécies com grandes territórios são capazes de atravessar zonas abertas num mosaico misto de habitats, a paisagem parece estar ligada, enquanto que para outras o nível de fragmentação poderá dar origem a barreiras de difícil transposição. Para ambos os tipos de espécies, no entanto, existe uma escala “crítica” onde as dimensões espaciais das alterações induzidas na paisagem são altamente restritivas nos seus movimentos (Gittleman et al 2001). Alterações na estrutura da paisagem incluem não só desaparecimento de determinado povoamento vegetal, mas também interacções nos recursos tróficos, cobertura e abrigo, água e nos seus atributos espaciais como por exemplo número e dimensão das manchas de habitat, justaposição e distância entre elas (Gergel & Turner, 2002). Enquanto que espécies especialistas poderão sofrer efeitos negativos profundos mesmo com alterações pequenas nos habitats, outras de carácter mais generalista podem-se adaptar e prosperar em níveis intermédios de fragmentação (Gergel & Turner, 2002).

São estas questões que, pela sua dimensão e natureza, importam aferir quando se avaliam os impactes provocados pelas alterações nos ecossistemas, ou seja pelo que induzem e representam para as populações das espécies alvo deste trabalho. Mas antes de fazer esta avaliação é necessário elaborar uma situação de referência, o mais robusta possível, no que diz respeito à distribuição das espécies e possíveis locais de reprodução. Só depois é possível traçar cenários futuros e propor medidas de conservação para as espécies prioritárias e para as comunidades de mamíferos existentes na área.

Os objectivos e as metodologias delineadas visam responder da melhor forma possível às questões atrás referidas, tendo em conta a dimensão da área de estudo e o tempo de duração do projecto. Apesar de parte da área abrangida por este projecto se inserir na área que foi alvo de avaliação no âmbito dos projectos de Minimização e Compensação de Mamíferos em Alqueva, o facto deste último englobar uma vasta área de estudo não permitiu uma avaliação tão exaustiva como a que foi efectuada na zona de regolfo de Alqueva, então área prioritária. Deste modo, este estudo pretende contribuir de uma forma significativa para colmatar a ausência de conhecimento acerca das espécies-alvo na área cartográfica de intervenção (cartas militares 1: 25 000: 500, 501, 502 e 511). Os objectivos deste projecto no que se refere à componente de mamíferos não voadores são:

i. Monitorizar a presença de Rato de cabrera (Microtus cabrerae), Rata-de-água (Arvicola sapidus), Leirão (Eliomys quercinus), Lontra (Lutra lutra), Toirão (Mustela putorius), Gato-bravo (Felis silvestris) e Lince-ibérico (Lynx pardinus) na área de estudo.

ii. Determinar e cartografar as áreas particularmente relevantes para a conservação de cada uma das espécies referidas, que ocorram na área de estudo, e para os mamíferos (excepto quirópteros) em geral.

60 iii. Propor medidas de conservação para as espécies alvo e para comunidades de mamíferos em geral.

4.2 Metodologia

A estratégia de investigação para análise da distribuição das espécies de mamíferos alvo de monitorização na área de estudo, que engloba as 4 cartas militares 1: 25 000 onde se localizará o albufeira de Pedrógão, foi delineada tendo em conta o conhecimento e a experiência adquiridos no âmbito dos trabalhos de monitorização e estudos de biologia e ecologia realizados para Alqueva acerca das espécies alvo, e o conhecimento dos requisitos mínimos à sua sobrevivência tendo por base os estudos efectuados em outras áreas da sua repartição geográfica.

Foram efectuados transectos diurnos para pesquisa de indícios de presença das espécies alvo presentes na actualidade, sendo registados o número de indícios de presença identificados, bem como as características do habitat envolvente dos mesmos. De modo a obter o máximo possível de informação a amostragem tem sido o mais exaustiva possível em toda a área, e em particular nos biótopos com maiores aptidões para albergarem as espécies alvo. Este método porque não é rígido e linear irá permitir uma boa caracterização da comunidade de mamíferos não voadores da área de estudo, o que se irá revelar extremamente importante para o delinear de propostas de conservação.

A unidade de amostragem seleccionada foi a quadrícula 2x2 Km do sistema de projecção Elipsóide Hayford sistema de coordenadas GAUSS, Datum 73, num total de 160 das quais 15 integram o regolfo da albufeira de Pedrógão. As referidas quadrículas representam as células da estrutura de dados em grelha utilizada no Sistema de Informação Geográfica (SIG) em desenvolvimento. A resolução espacial dos indícios de presença de cada espécie na área prospectada é pontual, e todos os pontos foram georreferenciados. A estratégia delineada para o presente projecto na componente mamológica (excepto quirópteros) consta das seguintes fases:

FASE 1. Inventariação e caracterização das espécies O inventário das espécies por forma a responder a duas solicitações: 1. Determinar os locais de ocorrência das espécies prioritárias de mamíferos. 2. Caracterizar globalmente as comunidades de mamíferos (excepto quirópteros) da área de estudo. Os levantamentos de campo foram realizados, ao longo de um ciclo anual de modo a amostrar o maior número possível de quadrículas 2x2 Km de um total de 160 (embora 3 correspondam a área inundada com a albufeira de Alqueva), que perfazem a área de estudo, sendo as quadrículas amostradas de forma temporal e espacialmente aleatória (Figura 29)

61

Figura 29- Cartas militares 1: 25 000 e respectivas quadrículas 2x2 Km.

62

Assim, e de acordo com as espécies alvo, as metodologias usadas foram as seguintes:

Leirão, Rato de Cabrera e Rata-de-água

Análise de Regurgitos

A caracterização geral das espécies de micromamíferos ocorrentes na área de estudo foi efectuada com base na análise de regurgitos de rapinas nocturnas. Foram prospectados os locais propícios à ocorrência de Coruja-das-torres (Tyto alba) e Bufo-real (Bubo bubo), nomeadamente montes abandonados (coruja das Torres) e afloramentos rochosos (bufo real). Todos os regurgitos recolhidos foram analisados em laboratório e os micromamíferos identificados com base nos crânios e dentes presentes nas regurgitações. Esta metodologia usada noutros trabalhos tem-se revelado adequado para detectar a presença das espécies alvo (Mira et al., 2003).

Transectos

A rata-de-água e o rato de Cabrera podem ser inventariadas com base em indícios de presença, assim, nos locais favoráveis à sua ocorrência (linhas de água, charcos e outras zonas húmidas) foram realizados transectos, sempre que possível com 500 m de extensão, com vista a procurar latrinas, dejectos e túneis na vegetação, típicos destas espécies.

Armadilhagem

Foram efectuadas duas sessões de armadilhagem para micromamíferos (Primavera e Outono) dirigidas ao leirão, num habitat que nos pareceu mais favorável à ocorrência do roedor. A área amostrada foi azinhal relíquial bastante bem conservado e onde existia um pequeno muro de pedra, localizado próximo do paredão da barragem de Alqueva. Em cada sessão, foram usadas 50 armadilhas tipo Shermann, de tamanho médio que permaneceram abertas durante 3 noites. Como isco usou-se uma mistura de sardinha em óleo vegetal com flocos de aveia.

Tendo em conta que a armadilhagem era dirigida ao leirão, esta área apresentava condições bastante favoráveis a uma possível ocorrência da espécie. Não houve capturas desta espécie apesar do esforço de armadilhagem levado a cabo durante 3 noites com o uso de 50 armadilhas tipo Shermann (Figura 30). As armadilhas foram visitadas todas as manhãs bem cedo. O isco utilizado foi sardinhas em óleo com cereais e bocados de maçã fresca.

63

Figura 30 – Armadilhas utilizadas (Tipo Shermann) para a captura de micromamíferos.

Lontra, Toirão, Gato-bravo e Lince-ibérico

Transectos

A inventariação das espécies em epígrafe baseou-se na realização de transectos para pesquisa de indícios de presença (pegadas, trilhos, dejectos e latrinas, tocas, restos de alimento) (Wilson et. al., 1996). Nos habitats mais favoráveis à presença das espécies prioritárias foram ainda realizadas pesquisas intensivas de indícios de presença em locais propícios à sua ocorrência. A dimensão dos transectos em cada quadrícula amostrada foi de pelo menos 1000 m.

Armadilhagem Fotográfica

Foram ainda realizadas sessões de “armadilhagem” fotográfica nas áreas de maior probabilidade de ocorrência de algumas das espécies prioritárias de carnívoros – lince- ibérico, gato-bravo. Este método, cujo uso é cada vez generalizado, tem apresentado bons resultados na detecção de algumas espécies mais raras e elusivas (Wemmer et al. 1996, Cutler & Swann, 1999, Trolle & Kéry 2003). Algumas das vantagens do seu uso residem no facto de se saber o esforço efectivo de amostragem e haver uma identificação precisa das espécies. Uma outra vantagem é a pouca perturbação nas áreas onde poderão ocorrer espécies sensíveis e de hábitos solitários (Zielinsky et. al. 1995). Este método tem sido utilizado com bastante sucesso em Espanha no censo de lince- ibérico (Guzman et. al. 2002 in Sarmento et. al. 2004) e na detecção de gato-bravo no âmbito do censo de lince-ibérico em Portugal (Sarmento et. al. 2004). Para a armadilhagem fotográfica foram seleccionados 12 locais distribuídos pela área de estudo. Os critérios de selecção desses locais foram: a presença de habitats favoráveis à ocorrência de lince-ibérico e gato-bravo (Figura 31), bem como em locais onde foram encontrados potenciais indícios deste último. Foram utilizadas 12 máquinas do tipo Camtrakker que disparavam sempre que um fazia activar um sensor de calor e movimento (ver www.camtrakker.com). O sensor memoriza a temperatura da área onde foi detectada e quando a fonte de calor faz a temperatura variar a câmara é activada e a fotografia é tirada. O sensor encontra-se associado a uma câmara fotográfica de 35 mm, contida numa caixa sintética totalmente protegida da água. O sensor foi programado

64 para estar activo durante 24 horas/dia e uma vez activado a fotografia é tirada cada 20 s até que a temperatura volte ao normal (Sarmento et. al. 2004). Cada máquina foi colocada a cerca de 30-40 cm do chão de modo a permitir um melhor funcionamento dos sensores e permitir um bom enquadramento (Figura 32). O atractivo utilizado foi urina de lince-ibérico fornecida pelo Instituto de Conservação da Natureza. Este era colocado num pequeno troço de cortiça preso numa estaca de madeira colocada a 1,5- 2m da máquina. O uso de urina de lince-ibérico associado à armadilhagem fotográfica é considerado o atractivo mais eficaz para este felino (Guzman et. al. 2002 in Sarmento et. al. 2004).

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Figura 31 – Locais onde se realizou a armadilhagem fotográfica e número de espécies de mamíferos fotografadas em cada um.

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Figura 32 – Máquina usada na armadilhagem fotográfica.

Estações de Cheiro

A espécie para a qual foi dirigida esta metodologia foi o toirão, uma vez que a prospecção de indícios desta espécie é particularmente difícil, foi fundamental recorrer a metodologias complementares. Este método tem sido muito utilizado nos Estado Unidos para uma grande diversidade de espécies, desde canídeos, felinos, mustelídeos entre outros. O método consta da aplicação de uma camada fina de pó, neste caso de pedra, sobre um quadrado de 1m x 1m e no centro é colocado um atractivo, registando- se posteriormente os trilhos (pegadas) (Gittleman et al., 2001) (Figura 33).

Figura 33 – Exemplo de uma estação de cheiro.

As estações de cheiro foram colocadas na área representada na Figura 34, carta 511.

67

Figura 34 – Localização da área amostrada com estações de cheiro.

68 Para fazer a amostragem da área de estudo estabeleceu-se uma rede de quadrículas 1×1 km sendo os pontos de amostragem colocados nas intersecções das linhas Figura 35. Nesses pontos de amostragem foi definido um buffer de 100 metros onde foram, preferencialmente (e sempre que possível colocadas duas estações de cheiro). As estações foram iscadas com dejectos de furão (Mustela putorius furo) no centro da estação de cheiro e com sardinhas em óleo vegetal colocadas a cerca de 2 m da estação. O objectivo era atrair para as proximidades da estação os mamíferos carnívoros e em particular o toirão através de um reforço atractivo com dejectos de furão. A opção, tomada no presente trabalho, de estabelecer uma grelha de amostragem tem por objectivo fazer uma amostragem sistemática e que represente todos os habitats que se encontram na área de estudo. As estações foram colocadas e visitadas diariamente durante três dias (três noites de amostragem), sendo o tempo total despendido com cada estação de quatro dias (entre a montagem e as visitas de verificação). Em cada visita de verificação foram identificadas as espécies a partir das pegadas encontradas.

Figura 35 – Grelha de amostragem de estações de cheiro.

FASE 2. Cartografia

Mapeamento, à escala 1:25 000 de todas as ocorrências, por espécie e níveis de abundância (se possível) em Sistema de Informação Geográfica (Arcview). No total foram amostradas 86 quadrículas de 2x2 Km correspondendo a 54 % da área de estudo e a 66% da área visitável (Figura 36).

69

FASE 3. Modelação ecológica

Toda a informação recolhida foi integrada num sistema de informação geográfica, tendo-se seguido os seguintes passos: 1. Cartografia das ocorrências das espécies 2. Cruzamento das ocorrências das espécies com as cartografias temáticas disponíveis (e.g. habitats, usos do solo; altitude, hidrografia, rede viária, etc.) 3. Cartografia de sensibilidade ecológica (mamíferos não voadores) para toda a área de estudo. A modelação foi dirigida às espécies de mamíferos carnívoros com um número de amostras igual ou superior a 25. Assim, foram construídas por 7 matrizes correspondentes a 7 espécies: lontra, toirão, fuinha, texugo, raposa, sacarrabos e gineto (Tabela VI).

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Figura 36 - Cartas militares 1: 25 000 e quadrículas 2x2 Km.

Tabela VI- Dimensão das matrizes para as 7 espécies de mamíferos carnívoros alvo de modelação, cada célula corresponde à quadrícula 1x1 km. RL – Regressão logística; ENFA – “Ecological Niche Factor Analysis”. Espécies modeladas Dimensão da matriz fuinha toirão lontra texugo raposa sacarrabos geneta (nº células 1x1 km) RL 58 68 146 104 214 116 96 ENFA 29 34 73 52 107 108 48

71 Ao nível dos micromamíferos prioritários a única espécie que foi confirmada na área de estudo foi a rata-de-água, no entanto dado o reduzido número de presenças registadas o facto de não haver informação digital disponível à escala do microhabitat não foi possível modelar a presença da espécie para toda a área de estudo.

Para concretizar este objectivo utilizaram-se dois métodos de para modelar a distribuição potencial das espécies de mamíferos carnívoros: Ecological Niche Factor Analysis (ENFA) e a Regressão Logística Multivariada (RL). No primeiro caso usou-se o programa Biomapper ® v. 3.1 (Hirzel et al, 2004; Hirzel, 2004) e no o SPSS ® v. 12.0 (SPSS, 2003). Uma descrição detalhada destas tuas técnicas de modelação é apresentada no Anexo II.

Os dados referentes às ocorrências das espécies e caracterização dos descritores ambientais passíveis de condicionar a presença das espécies, foram agrupados ao nível da quadrícula 1x1 km. Foi considerado um conjunto de descritores ambientais (variáveis bióticas e abióticas) que incluía a área ocupada pelas diferentes classes de habitats, a presença de afloramentos rochosos na área, altimetria, hidrologia, zonas do regime cinegético especial, entre outros. As variáveis utilizadas num total de 36, encontram-se resumidas na Tabela VII, onde se refere igualmente as respectivas fontes de informação. Os tipos de variáveis empregues para fazer a análise estão expressos na Tabela VIII.

Tabela VII – Variáveis utilizadas na modelação das sete espécies de mamíferos carnívoros, fontes e software utilizado nos cálculos das mesmas. Variável Código Fonte Método Área de Montado denso MONTDENSO Carta de Calculado com o Arcview ® e matos habitats - Área de Estepe e ESTEPE Laboratório montado aberto de Área de Olival OLIVAL Cartografia Área de Regadio REGADIO Biológica Área de Florestação FLORESTACAO Número de manchas de NMONTADO Calculado com a extensão Patch Montado denso e matos Analyst 2.2 (Rempel, 1999) Número de manchas de NESTEPE Estepe e montado aberto Número de manchas de NOLIVAL Olival Número de manchas de NREFGADIO Regadio Número de manchas de NFLORESTACAO Florestação Distância a linhas de DISTRIB Cartas Calculado com o Arcview ®, água militares distância média na quadrícula Distância a estradas DISTESTR 1:25 000 Distância a centros DISTURB urbanos

72 Distância a Alqueva DISTALQ Laboratório de Cartografia Biológica Comprimento de linhas COMPRIB Cartas Calculado com o Arcview ®, de água militares comprimento na quadrícula Comprimento de COMPESTR 1:25 000 Calculado com o Arcview ®, estradas comprimento na quadrícula Número de estradas NESTRADAS Calculado com o Arcview ® Número de ribeiras NRIB Calculado com o Arcview ® Altitude média ALT_MEDIA Modelo Valor médio para a quadrícula, Declive médio nas DECLVRIB digital de calculado com o Arcview ®a linhas de água terreno partir do modelo digital de Declive médio DECLV terreno Amplitude de altitude AMPALT Calculado com o Arcview ® Amplitude de declive AMPDECLV Amplitude de declives AMP_DECLVRIB nas linhas de água Presença/ausência de ROCH Cartas - aglomerados rochosos militares Presença/ausência de MONTE 1:25 000 grandes montes Área de Vegetação AREA_VEG_RIP Laboratório Calculado com o Arcview ® Ripícola de Cartografia Biológica Área de Zonas de Caça CAÇA Instituto Calculado com o Arcview ® Florestal e trabalho de campo NUMP NUMP Carta de Calculado com a extensão Patch MPAR MPAR habitats - Analyst 2.2 (Rempel, 1999) MSI MSI Laboratório MPFD MPFD de MPS MPS Cartografia ED ED Biológica Índice de diversidade SHANNON Calculado com a extensão Shannon-Wienner Spatial Calc Diversity (Ebert, 1999)

4.3 Resultados

Transectos

Nas 86 quadrículas alvo de prospecção foram encontrados 1167 indícios de presença de mamíferos, correspondentes a 16 espécies (Figura 37).

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A B C

D E F

Figura 37– Indícios de presença encontrados de algumas espécies de mamíferos: trilho lontra (A), cadáver de lontra (B), pegada de toirão (C), latrinas de texugo (D), dejectos de rata-de-água (E) e latrina de geneta (F).

As espécies de distribuição mais generalizada foram a raposa (Vulpes vulpes), a lontra (Lutra lutra), o sacarrabos (Herpestes ichneumon) e o texugo (Meles meles), presentes respectivamente em 72 (84 %), 52 (60%), 47 (55%) e 42 (49%) das quadrículas prospectadas (Figura 45; Figura 50; Figura 52; Figura 49). Com uma distribuição por toda a área, mas num número de quadrículas inferior a 50% surgem: a geneta, (Genetta genetta) 40 (47%), o javali (Sus scrofa) 33 (38 %), o toirão (Mustela putorius) 30 (35 %) e a fuinha (Martes foina) 23 (27 %) (Figura 51; Figura 54; Figura 47; Figura 48).Com uma distribuição bastante fragmentada surgem: o gato-bravo (Felis silvestris) presente em apenas 11 (13%) das quadrículas prospectadas, apesar dos esforços de prospecção dirigidos especificamente para este felino (Figura 53), e o ouriço (Erinaceus europaeus) 10 (12%) (Figura 38). Distribuídos de uma forma localizada e pontual, a rata-de-água (Arvicola sapidus) 5 (6 %), a doninha (Mustela nivalis) 3 (3 %), o rato-cego-mediterrânico (Microtus duodecimcostatus) 3 (3 %) e a toupeira (Talpa occidentalis) 2 (2 %) (Figura 43; Figura 46; Figura 44; Figura 39). Quanto às duas espécies de lagomorfos que ocorrem na área, coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus) e lebre (Lepus granatensis), verifica-se que a primeira ocorre por toda a área mas com um baixo número de indícios na maioria das quadrículas, situando-se a grande maioria das quadrículas com maior número de indícios no vale do rio Ardila (Figura 41). Por

74 outro lado, a lebre apresenta uma aparente fragmentação na distribuição, estando presente em 17 (20%) das quadrículas prospectadas (Figura 40).

É de referir que algumas das distribuições poderão não reflectir os padrões reais de ocorrência de algumas espécies na área, tais como: ouriço, lebre, doninha e toupeira, uma vez que foram referenciados aquando da prospecção dirigida para as espécies alvo e não em amostragens dirigidas as estas espécies o que poderá estar a condicionar os dados referentes à sua distribuição. Por exemplo, no caso da lebre o método mais eficaz para confirmar a presença da espécie é a realização de transectos para contagem de indivíduos, através de observação directa. Os animais referenciados são observações ocasionais efectuadas aquando da realização de transectos de prospecção para as espécies alvo deste estudo.

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Figura 38 – Localização das ocorrências de ouriço-cacheiro, Erinaceus europaeus.

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Figura 39 – Localização das ocorrências de Toupeira, Talpa occidentalis.

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Figura 40 - Localização das ocorrências de lebre, Lepus granatensis.

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Figura 41 - Localização das ocorrências de coelho-bravo, Oryctolagus cuniculus.

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Figura 42 – Densidade de latrinas de coelho-bravo, Oryctolagus cuniculus.

80

Figura 43 - Localização das ocorrências de rato-de-água, Arvicola sapidus.

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Figura 44 – Localização das ocorrências de rato-cego-mediterrânico, Microtus duodecimcostatus.

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Figura 45- Localização das ocorrências de raposa, Vulpes vulpes.

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Figura 46 - Localização das ocorrências de doninha, Mustela nivalis.

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Figura 47 - Localização das ocorrências de toirão, Mustela putorius.

85

Figura 48- Localização das ocorrências de fuinha, Martes foina.

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Figura 49- Localização das ocorrências de texugo, Meles meles.

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Figura 50- Localização das ocorrências de lontra, Lutra lutra.

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Figura 51 - Localização das ocorrências de gineto Geneta geneta.

89

Figura 52 - Localização das ocorrências de sacarrabos, Herpestes ichneumon.

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Figura 53 - Localização das ocorrências de gato-bravo, Felis silvestris.

91

Figura 54 - Localização das ocorrências de javali, Sus scrofa.

92 Relativamente às espécies alvo; rato de cabrera, rata-de-água, leirão, lontra, toirão, gato-bravo e lince-ibérico, confirmou-se a presença de quatro (toirão, gato-bravo, lontra e rata-de-água). Não foram encontrados indícios de rato de cabrera, leirão e lince- ibérico nas quadrículas prospectadas. A riqueza específica por quadrícula variou entre uma e nove espécies (Figura 55). Observando a Figura 55 verifica-se que as quadrículas com um número mais elevado de espécies identificadas ocorrem ao longo dos rios Guadiana e Ardila, demonstrando assim a importância ecológica destas áreas naturais para a comunidade de mamíferos, já referida noutros estudos (Mathias et. al. 1998, Santos-Reis et. al. 2003).

93

Figura 55 - Riqueza especifica de mamíferos não voadores, por quadrícula 2x2 Km.

94 Na Figura 56 estão representados os habitats onde foram encontrados os indícios de presença das várias espécies. Algumas espécies por se terem encontrado um baixo número de indícios, como são o caso da doninha, rato-cego-mediterrânico e toupeira não serão alvo de interpretação, apesar de estarem presentes na figura.

100%

Albufeira Alqueva 80% Plantação recente regadio Vinha 60% Pousio Afloramentos rochosos Eucaliptal/Pinhal Olival 40% Montado sem subcoberto Montado com subcoberto Matos 20% Estepe Margem de rio/ribeira

0% s s s s a a s a is i s s i i l e f on r us u n i u e tr l i t a o r eus d atus u u o r s v i lp t o l c eneta f t e p u s mel a eum s lv o g opa atens i dental v s e a ni i r uni l c a s sc t sa s e hn t c l s u e o u a pu an a e c Lutr c l t e l c s i S i p e s e l s m n l i t Me o Mar gr e u e co c i s a F Vu tes M u v G p eus agu l r pus c a M ol A t a T uode pes c Le n r i y d r e r E H O otus r c i M Figura 56 – Distribuição dos indícios das espécies de mamíferos encontrados na área de estudo por habitat.

Assim, analisando a Figura 56 verifica-se que as espécies javali, ouriço, raposa, sacarrabos e texugo parecem ocorrer numa grande variedade de habitats sendo: margem de rio/ribeira, estepe montado com subcoberto e matos, aqueles que assumem um maior destaque, o que está de acordo com o carácter generalista e oportunista destas espécies (Mathias et. al. 1998). A fuinha e o coelho-bravo apresentam uma grande ocorrência nas áreas de matos e montados com subcoberto e que de alguma forma traduz a associação destas espécies a estes tipos de habitats (Mathias et. al. 1998, Matos & Mathias, 2003). Com associação muito forte às margens de rio/ribeiras surgem a lontra e a rata-de-água, o que era previsível tendo em conta os requisitos ecológicos de ambas as espécies (Mathias et. al. 1998). A geneta e o toirão parecem apresentar uma relação de dependência com a margem de rio/ribeira, embora não tão elevada como a da lontra e da rata-de-água. Esta forte associação às linhas de água está relacionada com a disponibilidade de presas e tocas (Mathias et. al. 1998). No caso da geneta a associação a zonas mais florestais como os matos e montados com subcoberto é evidente, pois são conhecidos os seus hábitos arborícolas e de ligação ás áreas de montados bem conservados. O toirão aparece também associado a zonas de montado sem subcoberto, em especial com aglomerados de pedras, pois isso possibilita a presença de locais de abrigo e refúgio, bem como a presença de coelho-bravo (Matos et. al. 2001). Para o gato-bravo, e tendo em conta o baixo número de indícios, verifica-se que este se encontra associado a áreas de estepe e matos, mostrando alguma preferência pelas linhas de água e a áreas florestais, o que está de acordo com outros trabalhos realizados na mesma área geográfica (Pereira et. al. 2001). De facto, as áreas de estepe e matos

95 num sistema de mosaico na paisagem são locais que para além de disponibilizarem recursos alimentares para o gato-bravo, permitem a esta espécie caçar de emboscada nas orlas de transição entre estes habitats (Pereira et. al. 2001). A relação entre o gato- bravo e os habitats abertos e de matos rasteiros foi referenciada em estudos recentes realizados na estremadura espanhola (Lozano et. al. 2003).

Armadilhagem fotográfica

Não sendo possível o estabelecimento de uma metodologia, com um número baixo e disperso de máquinas fotográficas (n=12 iniciais das quais duas foram furtadas), que permitisse a identificação de indivíduos para as espécies de mamíferos carnívoros e como consequência estimar as suas abundâncias relativas, optou-se por usar um Índice de Abundância Relativa (IAR). Este índice tem sido utilizado em os trabalhos que sendo dirigidas a espécies alvo, como é o caso presente, acabam por detectar outras espécies sobre as quais é calculado este IAR (Sunquist & Sunquist 2003 in Sarmento et. al. 2004). Uma unidade de observação detectada, ou uma simples detecção, é considerada quando uma fotografia de uma espécie é tirada por armadilha fotográfica em cada 24 h. Se um macho e uma fêmea forem detectados num período inferior a 24 h são consideradas 2 detecções, ou se na mesma fotografia estiverem mais do que um indivíduo. Se várias fotografias da mesma espécie forem tiradas num intervalo inferior a 24 h serão consideradas uma única detecção.

As armadilhas fotográficas estiveram no campo, não continuamente e em simultâneo, de Fevereiro de 2004 a Julho de 2004. Posteriormente, no mês de Outubro foi efectuada outra sessão de armadilhagem, com 4 máquinas em áreas onde seria provável a ocorrência de gato-bravo. No entanto, posteriormente optou-se por retirar as máquinas para evitar que fossem danificadas ou furtadas no decorrer da actividade cinegética que se intensificou no final daquele mês. Assim, foi efectuado um esforço total de 1109 câmara-dias para um total de 14 locais de armadilhagem. No entanto, devido a problemas de ordem diversa, sobretudo climáticos e falta de bateria, o número total de câmara-dias úteis foi 987. O número de fotos tiradas foi de 192, 126 foram positivas, onde apenas 86 correspondem a períodos de 24h. Pela análise da Tabela VIII verifica- se que a geneta foi a espécie mais fotografada por cada 24h (20), seguida pela fuinha (15), raposa e sacarrabos (11), javali e coelho (9). A geneta esteve ainda presente em 8 das 14 estações de armadilhagem fotográfica, seguida da raposa e fuinha (6), javali (5) e sacarrabos (4). É de notar, tal como o texugo (3), a presença pouco regular de gado (3), embora com um elevado número de fotos (19).

Tabela VIII - Número, percentagem de fotos e câmaras visitadas por cada uma das espécies ou grupo de mamíferos identificados. Espécie Nº fotografias por cada Nº total de fotografias e Câmaras visitadas 24h e respectiva % respectivas %

Lebre 4 (5,71) 6 (4,76) 2

Coelho 9 (10,46) 16 (12,69) 3

Raposa 11(12,79) 15(11,90) 6 Fuinha 15 (17,44) 15(11,90) 6 Texugo 3 (3,48) 8 (6,34) 2

96 Geneta 20(23,25) 20 (15,87) 8 Sacarrabos 11(12,79) 12(9,52) 4

Javali 9 (10,46) 14 (11,11) 5 Cão 1(1,16) 1 (0,79) 1 doméstico Gado 3 (3,48) 19 (15,07) 3 Total 86 126 -

Para calcular o IAR para cada espécie de mamífero carnívoro detectado foram somadas todas as detecções para todas as máquinas durante os dias, em que estiveram activas, multiplicadas por 100 e divididas pelo número total de câmaras-dia. Observando a Tabela IX verifica-se que a geneta foi detectada em 57% das estações e apresenta um IAR de 1,8 a que segue a fuinha (43%, IAR=1,35), a raposa (43%, IAR=0,99), o sacarrabos (29%, IAR=0,99) e o texugo (14%, IAR=0,27). Tendo em conta que os locais onde estavam localizadas as armadilhas fotográficas, por se tratarem de zonas de matos e florestadas, são propícios à ocorrência de espécies arborícolas, como a geneta e a fuinha, estes resultados seriam expectáveis. A elevada presença de raposa, por seu lado, traduz o seu caracter generalista. As espécies alvo desta metodologia, lince- ibérico e gato-bravo, não foram detectadas.

Tabela IX - Resultados da armadilhagem fotográfica para a área de estudo indicando o número (NS) e percentagem (%) de estações de armadilhagem positivas. IAR – Índice de Abundância Relativa. Espécie N S % IAR Raposa 6 43 0,99 Fuinha 6 43 1,35 Texugo 2 14 0,27 Genera 8 57 1,8 Sacarrabos 4 29 0,99

Da Figura 57 à Figura 64 estão representadas algumas fotos obtidas na armadilhagem fotográfica.

97

Figura 57 – Foto de raposas resultante da armadilhagem fotográfica.

Figura 58 - Foto de texugos resultante da armadilhagem fotográfica.

98

Figura 59 - Foto de lebre resultante da armadilhagem fotográfica.

Figura 60 - Foto de gineto resultante da armadilhagem fotográfica.

99

Figura 61 - Foto de sacarrabos resultante da armadilhagem fotográfica.

Figura 62 - Foto de fuinha resultante da armadilhagem fotográfica.

100

Figura 63 - Foto de coelho-bravo resultante da armadilhagem fotográfica.

Figura 64 – Foto de javalis resultante da armadilhagem fotográfica.

101 Estações de cheiro

O número total de estações de cheiro analisadas foi de 72. A raposa é, de todas as espécies detectadas com esta metodologia, aquela que tem mais presenças na área, 27 (38% das estações de cheiro) (Figura 65). Este resultado está em concordância com os obtidos a partir de outras metodologias, indicando a distribuição generalizada desta espécie e uma vez mais demonstra o seu carácter adaptativo e oportunista, adaptando-se relativamente bem a meios alterados por acção do Homem, como é o caso de grande parte da área estudada.

A geneta é a segunda espécie mais comum, presente em 10 (14%) das estações (Figura 70) sendo dificilmente encontrada em estações localizadas em meios muito abertos, como estepes e montados dispersos.

O sacarrabos (Figura 71), o texugo (Figura 68), a lontra (Figura 69) e a fuinha (Figura 67) foram outras espécies detectadas com recurso a esta metodologia, presentes em 8 (11%), 3 (4%), 2 (3%) e 1 (1%) das estações de cheiro. Destas, o sacarrabos foi a que teve mais presenças, o que revela a distribuição generalizada deste herpestídeo. As detecções de lontra são ambas na proximidade do Guadiana, o que seria de esperar tendo em conta as preferências desta espécie por ambientes ribeirinhos. A fuinha foi a espécie menos detectada, o que poderá ter que ver com o facto de grande parte da área ser constituída por zonas pouco arborizadas, em especial montados densos e bem conservados.

Pela observação da figura Figura 66, verifica-se que o toirão (espécie alvo desta metodologia) foi detectado em apenas 4 (6%) estações de cheiro, de onde 3 (75%) se situavam nas margens do rio Guadiana, o que vem destacar a sua preferência por este tipo de habitat. De facto a importância desta linha de água é ainda mais relevante por as suas margens e orlas apresentarem a vegetação ribeirinha/ ripícola menos alterada do que a maioria das linhas de água envolventes e áreas adjacentes (onde existem extensas áreas agrícolas).

102

Figura 65 – Estações de cheiro onde foi confirmada a presença de raposa.

Figura 66 - Estações de cheiro onde foi confirmada a presença de toirão.

103

Figura 67 - Estações de cheiro onde foi confirmada a presença de fuinha.

Figura 68 - Estações de cheiro onde foi confirmada a presença de texugo.

104

Figura 69 - Estações de cheiro onde foi confirmada a presença de lontra.

Figura 70 - Estações de cheiro onde foi confirmada a presença de gineto.

105

Figura 71 - Estações de cheiro onde foi confirmada a presença de sacarrabos.

Armadilhagem micromamíferos

Tendo em conta que a armadilhagem era dirigida ao leirão, a área amostrada apresentava condições bastante favoráveis a uma possível ocorrência da espécie. Não houve capturas desta espécie. A única espécie capturada foi o rato-do-campo (Apodemus sylvaticus).

Análise de regurgitos de rapinas nocturnas

Para além, da armadilhagem foram prospectados poisos de rapinas nocturnas, Bufo-real Bubo bubo e Coruja-das-torres Tyto alba, num total de 14 e 24, respectivamente. Foram encontradas plumadas de Bufo-real e de corujas Coruja-das-Torres em 5 e 14 locais, respectivamente. Estes locais estão representados na Figura 72.

106

Figura 72 Localização dos poisos de Bufo real e Coruja-das-torres onde foram recolhidas plumadas.

107 Nos regurgitos de Coruja-das-torres foram identificadas de 7 espécies (Tabela X), sendo as espécies mais consumidas por esta rapina nocturna: o ratinho ruivo (Mus spretus) (484), o musaranho-de-dentes-brancos (Crocidura russula) (202) e o rato-do- campo (Apodemus sylvaticus) (100); num total de 1130 presas. Estes resultados traduzem a abundância das várias espécies de micromamíferos na área, destacando-se as presenças de rato-cego-mediterrânico (Microtus duodecimcostatus) e musaranho- anão-de-dentes-brancos (Suncus etruscus). Estas duas espécies, típicas do sul do país (ICN 1999), apresentam uma distribuição localizada na área de estudo. Em relação à análise de regurgitos de bufo real foi confirmado o consumo de 37 ratas-de-água, uma das espécies alvo, num total de 655 presas. O consumo de rata-de-água (Arvicola sapidus) pelo bufo real mostra a associação destas duas espécies às linhas de água, donde 36 dos 37 indivíduos foram consumidos na ribeira do Ardila. Os dados de regurgitos de bufo real correspondem a 5 poisos, 4 no rio Ardila e 1 na ribeira do Odearce (Rui Lourenço, comunicação pessoal).

Tabela X – Localização de locais de amostragem, número de espécies identificadas através da análise de regurgitos de coruja-das-torres. Locais de Espécie Total amostragem TA1 Crocidura russula 44 Suncus etruscus 4 Apodemus sylvaticus 25 Mus musculus 9 Mus spretus 64 Mus sp 67 TA2 Crocidura russula 4 Apodemus sylvaticus 2 Mus spretus 4 Mus sp 1 TA5 Suncus etruscus 2 Passeriformes 4 TA6 Suncus etruscus 20 Microtus 29 duodecimocostatus Apodemus sylvaticus 13 Mus musculus 2 Mus spretus 36 Mus sp 16 Passeriformes 102 TA7 Suncus etruscus 9 Apodemus sylvaticus 21 Mus musculus 11 Mus spretus 11 Mus sp 4 Passeriformes 38 TA8 Suncus etruscus 3 Apodemus sylvaticus 4 Mus musculus 1

108 Mus spretus 6 Passeriformes 7 TA9 Suncus etruscus 43 Apodemus sylvaticus 7 Mus spretus 29 Mus sp 16 Muríneo NI 19 Passeriformes 102 TA10 Passeriformes 1 TA11 Mus spretus 4 Mus sp 1 TA12 Crocidura russula 1 Suncus etruscus 1 Mus spretus 21 Mus sp 8 Passeriformes 2 TA13 Crocidura russula 35 Suncus etruscus 1 Apodemus sylvaticus 21 Rattus sp. 2 Mus musculus 3 Mus spretus 118 Mus sp 19 TA15 Crocidura russula 5 Apodemus sylvaticus 6 Mus spretus 6 Mus sp 4 TA18 Crocidura russula 3 Suncus etruscus 4 Mus spretus 6 Mus sp 1 TA19 Mus spretus 3 TA20 Crocidura russula 4 Suncus etruscus 3 Apodemus sylvaticus 1 Mus spretus 7 TA21 Crocidura russula 2 Mus spretus 2 Passeriformes 3

Modelação da distribuição das espécies

Tal como foi referido, a modelação da distribuição das espécies apenas foi efectuada para sete espécies de carnívoros para as quais existiam um número de registos de presenças superior a 25.

Os resultados das regressões logísticas univariadas, bem como os valores de correlação entre as variáveis independentes, apresentam-se nos Anexos III e IV, respectivamente. Os modelos para as várias espécies e os respectivos coeficientes, desvios padrão,

109 significância do teste de Wald estão expressos na Tabela XI. Os resultados referentes à avaliação da qualidade dos modelos, para cada uma das espécies, em termos de ajustamento e validação estão representados na Tabela XII.

O modelo desenvolvido para a geneta o tem um fraco ajustamento e não foi possível validá-lo estatisticamente. Para a lontra o teste de qui-quadrado também revelou a existência de diferenças significativas entre os resultados observados e os previstos pelo modelo (tabela). Assim, optou-se por não proceder à modelação da distribuição destas duas espécies, pela técnica de regressão logística.

Tabela XI - Resultados da regressão logística, por espécie. Apresentam-se para cada espécie as variáveis seleccionadas para o modelo logístico multivariado. Entre parênteses indicam-se as respectivas transformações. B – coeficiente de regressão; S.E. - erro padrão do coeficiente de regressão; Wald – teste de Wald; sig. – nível de significância do teste de Wald. Raposa (Vulpes vulpes) B S.E. Wald Sig. Area de Vegetação ripícola 0,406 0,18 5,02 0,03 Número de manchas de Montado denso e Matos -0,117 0,06 4,241 0,04 Constante 0,452 0,36 1,603 0,21 Toirão (Mustela putorius) B S.E. Wald Sig. Área de Vegetação ripícola 1,223 0,5 6,014 0,01 Nª manchas de Montado denso e Matos 0,434 0,14 10,42 0 Mediana da Área das manchas (ln x)) 1,117 0,5 4,933 0,03 Índice de heterogeneidade paisagística (Shannon-Wienner) (X2) 4,868 2,77 3,095 0,08 Índice de heterogeneidade paisagística (Shannon-Wienner) -8,43 4,13 4,175 0,04 Constante 1,689 1,53 1,215 0,27 Fuinha (Martes foina) B S.E. Wald Sig. Área de Florestação com exóticas 0,407 0,23 3,043 0,08 Número de manchas de Montado denso e Matos 0,206 0,1 3,967 0,05 Amplitude do declive 0,074 0,04 3,037 0,08 Constante -3,086 1,09 7,998 0,01 Texugo (Meles meles) B S.E. Wald Sig. Distância à Barragem de Alqueva 0,063 0,03 3,718 0,05 Índice de heterogeneidade paisagística (Shannon-Wienner) 1,692 0,69 5,952 0,02 Constante -2,051 0,79 6,722 0,01 Lontra (Lutra lutra) B S.E. Wald Sig. Área de Vegetação ripícola 0,452 0,25 3,354 0,07 Comprimento de linhas de agua 0,002 0 13,62 0 Constante -0,77 0,23 11,31 0 Geneta (Geneta geneta) B S.E. Wald Sig. Número manchas de Montado denso e Matos -0,137 0,06 4,556 0,03 Área de Vegetação Ripícola 0,402 0,23 3,12 0,08 Constante 0,585 0,39 2,264 0,13 Sacarrabos (Herpestes icheneumon) B S.E. Wald Sig.

110 Área de Estepe e Montado Aberto (X2) 0,358 0,13 8,237 0 Índice de heterogeneidade paisagística (Shannon-Wienner) 2,516 1,15 4,82 0,03 Dimensão media das parcelas 7,465 3,59 4,326 0,04 Área de Vegetação ripícola 0,683 0,29 5,709 0,02 Constante -14,22 5,22 7,43 0,01

Se analisarmos a Tabela XI, verificamos que a área de vegetação ripícola aparece como a variável presente no maior número de modelos (n=5), seguida do nº manchas de montado denso e matos (n=4) e o índice heterogeneidade paisagística presente em 3 dos 7 modelos. Observando os coeficientes destas variáveis, verifica-se que a área de vegetação ripícola contribui positivamente para a ocorrência das cinco espécies em que foi seleccionada para o modelo. O número de manchas de montado denso e matos tem coeficientes negativos para o gineto e a raposa contudo os modelos para estas duas espécies estão fracamente ajustados pelo que este resultado deve ser interpretado com cautela. No caso do toirão e da fuinha, um coeficiente positivo associado a esta variável, poderá ser indicador uma maior tolerância à fragmentação do habitat embora sejam dependentes da presença de manchas florestais densas e matos para refúgio. A fuinha parece utilizar áreas florestais de exóticas, na ausência da floresta tradicional. Outros trabalhos referem que o isolamento das manchas florestais afecta mais negativamente que a sua dimensão, sendo difícil encontrar fuinha a mais 5 km de habitas montanhosos ou ripícolas (Virgós & Garcia, 2002). Apesar de estes habitats serem muito pobres em recursos poderão ser utilizados como áreas de deslocações ou dispersão. O modelo para o toirão sugere que a sua ocorrência é promovida por um maior número de manchas de montado denso e matos e maiores dimensões das manchas de habitat. A heterogeneidade da paisagem parecer influenciar a presença de toirão que ocorrerá sobretudo em zonas com níveis de heterogeneidade moderados.

Na Tabela XII, verifica-se que o toirão e a fuinha apresentam os valores mais elevados para área sob a curva ROC 0,866 e 0,819, respectivamente, sugerindo um bom ajustamento dos modelos. Por outro lado a raposa o texugo e o gineto têm modelos de baixa performance, de acordo com os valores daquela estatística.

111 Tabela XII - Resumo das estatísticas de avalaição da qualidade dos modelos. %P – Percentagem de presenças correctamente classificadas; %A – percentagem de ausências correctamente classificadas; Ajustamento (phi) – coeficiente de correlação pontual para o ajustamento do modelo e respectivo nível de significância; AUC – área sob a curva ROC; Jackknife (phi) - coeficiente de correlação pontual para a validação do modelo pelo método Jackknife modelo e respectivo nível de significância.

Ajustamento Validação Espécies %P % Ajustamento Qui-quadrado Pearson AUC Jackknife A (Phi) ( phi)

1,0 Vulpes 0,269 0,8 0,217

y 0,6 t i v i t i s Chi-quadrado = 119,54 (ns) n Se 0,4 (P=0,017 vulpes 56,7 70 (P=0,003) 0,2

0,0 0,00,20,40,60,81,0 1 - Specificity 0,652 ROC Curve

1,0 Mustela 0,589 0,8 0,589 y0,6 it iv it Chi-quadrado = 63,77 (ns) s n e putorius 79,4 82, (P<0.001) S0,4 (0,001) 0,2

0,0 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 4 1 - Specificity 0,866

ROC Curve

1,0

0,449 Chi-quadrado = 49,05 (ns) 0,8 0,347

0,6 y ivit it s n e Martes 69 75, (P<0.001) S 0,4 (P=0.008) 0,2

0,0 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 foina 9 1 - Specificity 0,819

1,0 0,359 0,8 0,262 0,6 y it iv it s

Chi-quadrado = 104,65 (ns) n e

S 0,4

Meles meles 69, (P <0,001) 0,2 (P=0,008)

0,0 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 2 1 - Specificity 66,7 0,679

1,0 Lutra lutra 0,476 Chi-quadrado = 277,48 0,8 0,461 y 0,6 it iv it ns e

S 0,4

63 83, (P <0,001) (p<0,001) 0,2 (P<0,001)

0,0 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 6 1 - Specificity 0,758

ROC Curve 0,188 1,0 0,146 Chi-quadrado = 96,13 (ns) 0,8

y 0,6 it iv it s n

Geneta (P=0,066) e (P=0,152)

S 0,4 geneta 0,2 0,0 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 58,3 60, 1 - Specificity 0,657 4

1,0 Herpestes 0,397 0,8 0,293 0,6 y t i iv it

Chi-quadrado = 107,29 (ns) s n ichneunmon 72,4 67, (P<0,001) Se 0,4 (P=0,002) 0,2

0,0 0,00,20,40,60,81,0 2 1 - Specificity 0,749

Distribuição potencial das espécies

Na Figura 73 à Figura 77 representam-se os níveis de probabilidade de ocorrência das 5 espécies de mamíferos modelada por regressão logística.

A raposa (Figura 73) apresenta níveis de probabilidade de ocorrência ligeiramente mais elevados nas áreas contíguas ou adjacentes às linhas de água, tendo, contudo, uma distribuição generalizadas por toda a área de estudo.

112 Figura 73 - Níveis de probabilidade de ocorrência de raposa estimados pelo modelo de regressão logística para a área estudo.

O toirão (Figura 74) apresenta níveis de probabilidade de ocorrência mais elevados ao longo das ribeiras, embora com uma certa descontinuidade, que poderá estar relacionada com a disponibilidade de locais e abrigo e presas decorrentes da presença de vegetação ripícola. Dispersas pela área de estudo ocorrem mais algumas manchas de maior probabilidade de presença, provavelmente associadas a áreas de montados densos e matos ou a níveis moderados de heterogeneidade da paisagem.

Figura 74 - Níveis de probabilidade de ocorrência de toirão estimados pelo modelo de regressão logística para a área estudo.

Observando a Figura 75, verifica-se que os níveis de probabilidade mais elevados para fuinha se localizam na zona noroeste, ao longo da zona florestada da serra do Mendro, e ao longo do rio Guadiana e ribeira de Odearce. As zonas de menor probabilidade de ocorrência situam-se nas zonas de montados abertos e de estepe nos limites superior direito e inferior esquerdo da área de estudo. A espécie apresenta uma distribuição descontínua.

113

Figura 75 - Níveis de probabilidade de ocorrência de fuinha estimados pelo modelo de regressão logística para a área estudo.

Relativamente ao texugo (Figura 76), observa-se que os valores superiores a 50% se probabilidade de ocorrência se situam primordialmente no Sudoeste da área de estudo, onde a heterogeneidade de habitats é mais elevada. Por outro lado, a importância das linhas de água para esta espécie, tal como acontece com outras, reflecte-se na ocorrência de quadrículas de elevada probabilidade de presença ao longo das mesmas.

Figura 76 - Níveis de probabilidade de ocorrência de texugo estimados pelo modelo de regressão logística para a área estudo.

As maiores probabilidades de ocorrência de sacarrabos situam-se ao longo de algumas linhas de água ainda que de um modo descontínuo (Figura 76).

114 Figura 77 - Níveis de probabilidade de ocorrência de sacarrabos estimados pelo modelo de regressão logística para a área estudo.

Modelação com o “Ecological Niche Factor Analysis” (ENFA)

Previamente à utilização do ENFA foi realizada uma análise de correlação de Spearman por forma a evitar problemas de colinearidade (Hosmer & Lemeshow, 2001). Os resultados destas análises encontram-se no Anexo V.

Na Tabela XIII apresenta-se um sumário estatístico dos resultados da modelação da distribuição das sete espécies de carnívoros cujos dados permitiram a sua modelação: Lutra lutra, Martes foina, Mustela putorius, Meles meles, Genetta genetta, Herpestes ichneumon e Vulpes vulpes.

Tabela XIII - Valores de marginalidade global, especialização global, tolerância, número de factores e avaliação do modelo para cada uma das espécies. Espécie Marginalidade Especialização Tolerância Nº de Informação Especialização (M) (S) (1/S) factores explicada explicada Raposa 0.334 1.670 0.599 4 0.838 0.677 Toirão 0.556 2.174 0.460 4 0.875 0.750 Fuinha 0.604 3.128 0.320 4 0.932 0.864 Texugo 0.435 2.264 0.442 3 0.865 0.729 Lontra 0.578 1.731 0.578 3 0.805 0.609 Geneta 0.378 1.632 0.613 4 0.833 0.665 Sacarrabos 0.402 2.239 0.447 3 0.854 0.709

A marginalidade (Figura 78), que varia entre 0 (habitats comuns) e 1 (habitats marginais), reflecte a diferença entre as células com presença e a globalidade das células da área de estudo, isto é, qual a tendência da espécie para estar presente em habitats mais ou menos marginais. Analisando a figura dos valores de marginalidade, e tendo em conta o significado deste parâmetro podemos considerar que as espécies que se encontram em áreas mais marginais (marginalidade superior a 0.5) são o toirão, lontra e fuinha. O que significa que estão presentes em áreas com diferenças acentuadas em relação às condições médias da área de estudo, embora possam haver diferenças nas

115 variáveis que traduzam vários graus de importância de acordo com cada uma das espécies avaliadas.

As espécies mais generalistas, que escolhem habitats mais comuns, são a raposa, o gineto, o sacarrabos e o texugo, destacando-se a primeira como a espécie mais generalista na utilização dos habitats.

Marginalidade

0,7

0,6

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0 Raposa Geneta Sacarrabos Texugo Toirão Lontra Fuinha

Figura 78 - Valores de marginalidade global para as espécies estudadas.

A tolerância (Figura 79), ou a amplitude do nicho ecológico de cada espécie, reflecte também a ecologia das espécies estudadas, confirmando as informações conhecidas para cada uma delas. A ordem pela qual as espécies são apresentadas na Figura 79 reflecte o valor crescente da amplitude do nicho ecológico. A fuinha é a espécie menos tolerante às variações ambientais, escolhendo habitats mais restritos, em oposição à raposa e ao gineto que têm um nicho ecológico mais amplo.

Tolerância

0,7

0,6

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0 Fuinha Texugo Sacarrabos Toirão Lontra Raposa Geneta

Figura 79 - Valores de tolerância global para as espécies estudadas.

116 Tendo em conta que a Ecological Niche Factor Analysis (ENFA) permite, como foi já referido, a intrepretação de dois factores, a marginalidade e a especialização, possibilitando uma melhor interpretação biológica da distribuição das espécies, é fundamental analisar as variáveis que influenciam cada um destes factores, e de que maneira essa influência se verifica (Chefaoui et al., 2005).

O primeiro factor descreve a marginalidade do nicho ecológico da espécie relativamente às condições ambientais da região, enquanto que os factores seguintes explicam a especialização e estão ordenados por ordem decrescente de variância (ou especialização) explicada (Chefaoui et al., 2005).

Para a interpretação dos mapas de ocorrência potencial de cada espécie (Figura 80 à Figura 85) deve-se observar simultaneamente as tabelas com os factores e coeficientes da ENFA (Tabela XIV à Tabela XX). Assim, tendo em conta que para o primeiro factor (que explica toda a marginalidade e parte da especialização), o sinal dos coeficientes das variáveis é fundamental já que traduzem o sentido em que a variável influencia a distribuição da espécie. Já nos factores seguintes (que explicam a especialização) o sinal não tem qualquer significado para a análise. Só foram apresentadas as variáveis que com coeficiente > 0.10 ou < -0.10 (Hirzel et al., 2004, Chefaoui et al., 2005).

As áreas de maior probabilidade de ocorrência de raposa (Figura 80, Tabela XIV), e apesar do seu carácter generalista, são as que apresenta, menor área de zonas de caça, e maiores áreas de ribeiras com vegetação ripícola, áreas sem florestação de espécies exóticas, baixas amplitudes de altitude, maior diversidade de habitats e com maior proximidade dos centros urbanos (o que se poderá dever ao carácter oportunista da espécie). A área florestada é claramente a variável que mais influencia a especialização para esta espécie (Tabela XIV).

117 Tabela XIV - Factores e coeficientes para raposa. Factor 1 Factor 2 Factor 3 Factor 4 36% 16% 10% 6% Caça - Florestação 0.77 Estepe - Ampalt -0.54 0.41 0.62 Comprib 0.39 Estepe 0.39 Montdenso - Olival -0.44 0.57 Florestação - Montdenso 0.31 Olival - Estepe -0.35 0.38 0.48 Ampalt - Olival 0.30 Nmontado - Nmontado 0.33 0.32 0.15 Nmontado - Nmontado - Florestação - MPFD -0.28 0.31 0.12 0.13 Ripicola 0.29 Ripicola 0.12 Montdenso -0.22 Shannon 0.23 Ampalt - Nolival 0.19 0.12 Nestepe 0.22 Shannon -0.19 Distalqueva 0.21 Compestr 0.17 Nolival 0.17 Nestepe 0.15 Disturb - Caça -0.13 0.16 Olival 0.16 Florestação 0.11 MPFD - 0.15

Figura 80 - Modelo preditivo para a distribuição da raposa, utilizando a ENFA.

Para o toirão, as variáveis que mais promovem a sus ocorrência é a extensão de linhas de água com bom coberto de galeria ripícola e alguma diversidade paisagística (Tabela XV). O que está de acordo com os resultados da regressão logística (Tabela XI, Figura 74). Variáveis que apresentam valores mais inferiores à média da área de estudo, nas quadrículas onde a espécie está presente são: a florestação com exóticas, a amplitude de altitude, a dimensão média das parcelas e o comprimento de estradas. Estas variáveis

118 excluem a área da Serra do Mendro, com maiores amplitudes de altitude e florestação com exóticas (Figura 81). As quadrículas com maior comprimento de estradas são também quadrículas que apresentam uma menor probabilidade de presença de Mustela putorius. A área de florestação com exóticas é factor que mais contribui para explicar a especialização.

Tabela XV - Factores e coeficientes para toirão. Factor 1 Factor 2 Factor 3 Factor 4 9% 37% 16% 13% Comprib 0.54 Florestação - Estepe 0.66 Montdenso -0.55 0.78 Ripicola 0.52 Montdenso - Olival 0.51 Estepe -0.46 0.31 Shannon 0.35 Ampalt 0.26 Montdenso 0.46 Ampalt 0.31 Nolival 0.34 Olival - Ampalt 0.19 Olival 0.29 0.25 Florestação - Estepe - Florestação 0.17 Disturb 0.28 0.20 0.24 Ampalt - Nmontado - Disturb 0.10 Florestação -0.25 0.18 0.19 Nmontado 0.17 Comprib - Olival -0.20 0.17 MPFD - Shannon 0.15 Nolival 0.20 0.17 Compestr - Comprib 0.16 0.13 Olival 0.13 Nestepe -0.14 Caça 0,12 Caça -0.13 Distalqueva 0,10 Compestr -0.10

Figura 81 - Modelo preditivo para a distribuição do toirão, utilizando a ENFA.

119 Para a fuinha, tendo em conta as variáveis com maior valor positivo no factor marginalidade (Tabela XVI) a sua presença (Figura 82) é promovida em áreas de diversidade paisagística, com coberto vegetal mais denso, aspecto já referido como relevante para esta espécie (Virgós & García, 2002) e afastadas dos centros urbanos. Virgós & García (2002) referem também a importância dos habitats ripícolas para esta espécie, visto que constituem áreas de coberto vegetal mais denso, variável também considerada importante neste trabalho. As variáveis com coeficiente negativo e que, por isso, têm valores mais baixos do que a média da área indicam que as áreas evitadas são aquelas mais afastadas da albufeira de Alqueva (provavelmente porque as margens do rio Guadiana e a Serra do Mendro, sendo zonas mais densamente cobertas de vegetação estão localizadas nas proximidades da albufeira do que a carta militar (1:25000) 511 e a zona sul da carta militar 500) e com grandes manchas de olival. As variáveis que condicionam a especialização de fuinha são fundamentalmente variáveis de habitat, área de estepe, montado denso e matos, área de olival e florestação de exóticas.

Tabela XVI - Factores e coeficientes para a fuinha. Factor 1 Factor 2 Factor 3 Factor 4 56% 19% 7% 4% Shannon 0.47 Estepe 0.63 Florestação - Nmontado -0.68 0.57 Distalqueva - Montdenso 0.51 Nmontado 0.42 Montdenso -0.47 0.35 Comprib 0.33 Olival 0.47 Comprib - Nolival 0.38 0.34 Montdenso 0.30 Florestação 0.33 MPFD - Olival -0.28 0.34 Ripicola 0.28 Montdenso 0.30 Compestr 0.18 Nolival 0.27 Shannon 0.26 Comprib -0.13 Disturb 0.27 Olival - MPFD 0.17 0.16 Olival - Nolival - Caça 0.11 0.25 0.16 Ampalt 0.25 Estepe 0.14 Nestepe 0.21 Compestr 0.12 Caça - 0.18 MPFD 0.14

120

Figura 82 - Modelo preditivo para a distribuição da fuinha, utilizando a ENFA.

As áreas com maior probabilidade de ocorrência de texugo são aquelas com menor proporção de áreas de caça, maior diversidade paisagística, ribeiras com galeria ripícola e afastadas da albufeira de Alqueva (Figura 83, Tabela XVII). Como curiosidade temos a relação negativa de texugo com a barragem Alqueva, o que poderá estar relacionado com a pouca disponibilidade de recursos existentes neste novo e extenso habitat, nomeadamente no que se refere a locais de abrigo e reprodução para uma espécie social e que era comum nas encostas do Guadiana e seus afluentes. Este mesmo resultado foi obtido na modelação da espécie com recurso à regressão logística (Tabela XI).

Tabela XVII - Factores e coeficientes para texugo. Factor 1 Factor 2 Factor 3 31% 30% 12% Caça - Estepe - Montdenso 0.66 0.51 0.58 Shannon 0.42 Florestação - Estepe 0.60 0.52 Comprib 0.36 Montdenso - Olival 0.40 0.44 Nolival 0.36 Olival - Nmontado 0.12 0.42 Distalqueva 0.28 Ripicola 0.25 Florestação - 0.23 Compestr - 0.18 Nmontado - 0.17 Estepe 0.15 Nestepe 0.14

121

Figura 83 - Modelo preditivo para a distribuição do texugo, utilizando a ENFA.

A lontra, por ser uma espécie “anfíbia” está claramente associada às linhas de água e a ambientes ripícolas (Tabela XVIII, Figura 84). Complementarmente, está potencialmente presente em áreas de paisagem mais diversa e com menores áreas de zonas de caça e florestação com exóticas. O que está de acordo com os resultados da regressão logística (Tabela XI).

Tabela XVIII - Factores e coeficientes para lontra. Factor 1 Factor 2 Factor 3 24% 24% 24% Comprib 0.69 Florestação 0.77 Estepe 0.65 Nolival 0.43 Estepe 0.15 Montdenso 0.56 Ripicola 0.34 Montdenso 0.30 Olival 0.46

Shannon 0.22 Olival 0.29 Florestação 0.15

Florestação - Nmontado 0.10

0.22

Estepe 0.15

Nestepe 0.15 Distalqueva 0.15 Olival - 0.14 Caça - 0.12 Ampalt - 0.10

122

Figura 84 – Modelo preditivo para a distribuição da lontra, utilizando a ENFA.

As zonas com potencialidades de ocorrência de gineto mais elevadas (Figura 85) são áreas com maior comprimento de ribeiras com vegetação ripícola e menores áreas de zonas de caça e florestação com espécies exóticas. (Tabela XIX).

Tabela XIX - Factores e coeficientes para a geneta. Factor 1 Factor 2 Factor 3 Factor 4 34% 16% 9% 7% Comprib 0.52 Florestação - Estepe 0.63 Nmontado -0.52 0.88 Caça - Estepe - Montdenso 0.56 Ampalt 0.50 0.36 0.25 Florestação - Montdenso - Olival 0.49 MPFD 0.36 0.33 0.18 Ripicola 0.32 Ampalt 0.18 Florestação 0.17 Shannon 0.32 Nestepe 0.32 Olival - Nestepe -0.28 0.16 Shannon 0.28 Ripicola - Olival 0.27 0.14 Ampalt - Nmontado 0.13 Nolival -0.17 0.24 Nmontado - Comprib - Florestação -0.13 0.20 0.12 MPFD - Distalqueva 0.13 0.19 Nolival 0.16 Caça 0.11 Olival 0.14 Distalqueva 0.12 Montdenso 0.10

123

Figura 85 - Modelo preditivo para a distribuição da geneta, utilizando a ENFA.

O sacarrabos tal como o gineto e a raposa é uma espécie menos exigente na escolha dos habitats (apresentando estas espécies um valor mais baixo de marginalidade) (Tabela XI). As características que mais favorecem a sua presença são a diversidade de paisagem, a área ripícola e o comprimento de linhas de água (Tabela XX). A área de zonas de caça (como acontece com outras espécies) bem como a área de florestação com exóticas são os factores que diminuem a probabilidade de ocorrência da espécie (Figura 86).

Tabela XX - Factores e coeficientes para sacarrabos. Factor 1 Factor 2 Factor 3 33% 28% 10% Shannon 0.52 Estepe 0.57 Montdenso - 0.71 Ripicola 0.51 Florestação 0.50 Olival - 0.48 Comprib 0.29 Mondenso 0.47 Estepe - 0.47 Estepe 0.28 Olival 0.44 Shannon 0.11 Nolival 0.28 Nestepe 0.27 Caça - 0.27 Florestação - 0.24

124 Figura 86 - Modelo preditivo para a distribuição do sacarrabos, utilizando a ENFA.

Propostas de conservação

Tendo em conta os resultados da distribuição e modelação da sua ocorrência das espécies, surgem um conjunto de propostas de conservação e gestão ambiental, já elaboradas em parecer, mas agora fundamentadas com os dados acima referidos.

Sugerem-se, assim, um conjunto de áreas importantes para as espécies prioritárias cuja presença foi confirmada na área de estudo (rata-de-água Arvicola sapidus, lontra Lutra lutra, toirão Mustela putorius e gato-bravo Felis silvestris) ou que possam funcionar como corredores de dispersão de espécies prioritárias para a conservação (Lince-ibérico Lynx pardinus) que embora não tendo sido confirmadas poderão vir a ocorrer na região no futuro. As áreas sugeridas são também globalmente importante para a comunidade de mamíferos terrestres não voadores em geral. Para a delimitação destas áreas recorreu-se à cartografia de habitat digital (classificação não assistida de imagem de satélite).

Na definição das áreas propostas foram tidos em conta os seguintes pressupostos:

1. A distribuição das espécies alvo na área de estudo;

2. Os hotspots de diversidade de espécies de mamíferos terrestres não voadores;

3. A distribuição dos habitats favoráveis na área de estudo para o grupo acima referido;

4. A continuidade ecológica entre áreas favoráveis para a comunidade de mamíferos terrestres não voadores e em particular para as espécies prioritárias;

5. Resultados da modelação da distribuição das espécies

Assim, e com base nos pressupostos acima referidos, sugerem–se um conjunto de 10 áreas, numeradas de 1 a 10 (Figura 87).

125 Área 1 – Ribeira de S. Pedro

Localização: Carta militar 1:25000 - 511

Justificação: Ribeira bem preservada que atravessa habitats mais humanizados e por isso assume importância como elo de ligação entre áreas melhor conservadas. Por outro lado possibilita a existência de refúgio para a comunidade de mamíferos, para além de se tratar de um dos habitats por excelência da lontra e do toirão, espécies prioritárias de conservação. Esta ribeira conecta com uma das áreas de maior importância, a ribeira de Odearce (ver área 2).

Espécies prioritárias que justificam a proposta: Lontra, toirão e rata-de-água.

Medidas sugeridas: Conservação e recuperação dos troços degradados e/ou destruídos desta linha de água. Reflorestação com espécies arbustivas autóctones e criação de zonas tampão de matos, ao longo do percurso, que sirvam de protecção à linha de água.

Área 2 – Ribeira de Odearce

Localização: Carta militar 1:25000 - 511

Justificação: Ribeira com galerias ripícolas muito bem preservadas que alternam com zonas rupícolas, disponibilizando um conjunto de habitats favoráveis à ocorrência de todas as espécies de mamíferos com prioridade de conservação. Possibilita a existência de refúgio para a comunidade de mamíferos, para além de ser um elo natural de ligação com o rio Guadiana. Trata-se de uma das áreas de maior importância biológica no contexto regional onde se insere. Nesta ribeira foram confirmadas a presença de 3 (toirão, lontra e rata-de-água) das 7 espécies prioritárias (ver mapa distribuição das espécies), bem como de uma grande diversidade de espécies de mamíferos. É de referir ainda que esta área apresenta uma grande adequabilidade para a ocorrência de gato- bravo.

Espécies prioritárias que justificam a proposta: Lontra, toirão, gato-bravo e rata-de- água.

Medidas sugeridas: Conservação e recuperação dos troços degradados e/ou destruídos desta linha de água. Reflorestação com espécies arbustivas autóctones e criação de zonas tampão de matos, ao longo do percurso, que sirvam de protecção à linha de água.

Área 2 – Rio Guadiana (cont.)

Localização: Carta militar 1:25000 - 511

Justificação: Com a construção das albufeiras de Alqueva e Pedrógão grande parte do troço médio do rio Guadiana e do seu vale desapareceram (Alqueva) ou vão desaparecer (Pedrógão). A área a jusante do paredão de Pedrogão assume assim uma importância acrescida, não só pelo facto de permitir a refúgio a indivíduos das várias espécies de mamíferos deslocadas dos habitats destruídos com o EFMA, como também se encontra bem conservada, possibilitando a existência de uma diversidade especifica elevada (ver mapa distribuição das espécies e mapas de modelação de toirão e lontra). Nesta parte do rio Guadiana encontram-se zonas rupícolas de alguma dimensão, habitats preferidos pelas espécies de mamíferos carnívoros com hábitos mais

126 conspícuos, como o gato-bravo e o lince-ibérico. Por outro lado é de salientar que a foz da ribeira de Odearce insere-se neste troço do Guadiana, sendo esta linha de água uma das de maior importância para a conservação (ver área 2).

Espécies prioritárias que justificam a proposta: Lontra, toirão, gato-bravo e rata-de- água.

Medidas sugeridas: Compensação de outras linhas próximas ou adjacentes, tais como afluentes do Guadiana. Onde, se fariam acções de intervenção ao nível da conservação e recuperação dos troços degradados e/ou destruídos dessa linhas de águas. Reflorestação com espécies arbustivas autóctones e criação de zonas tampão de matos, ao longo do percurso, que sirvam de protecção dessas ribeiras. Reflorestação com vegetação ripícola de médio e grande porte (aloendros, freixos, salgueiros) das zonas interníveis.

Área 3 – Ribeira de Marmelar

Localização: Carta militar 1:25000 - 500

Justificação: Ribeira bem preservada que possibilita a existência de refúgio para a comunidade de mamíferos, para além de se tratar de um dos habitats por excelência da lontra e do toirão, espécies prioritárias de conservação.

Espécies prioritárias que justificam a proposta: Lontra, toirão e rata-de-água.

Medidas sugeridas: Conservação e recuperação dos troços degradados e/ou destruídos desta linha de água. Reflorestação com espécies arbustivas autóctones e criação de zonas tampão de matos, ao longo do percurso, que sirvam de protecção à linha de água.

Áreas 4 e 6 – Matagais entre o Mendro (area 4) e a Defesa de S. Brás (areas 6)

Localização: Cartas militares 1:25000 – 500 e 501

Justificação: Área muito bem preservada constituída por matagais mediterrâneos muito desenvolvidos e zonas rupícolas, habitats por excelência de espécies prioritárias para a conservação como o gato-bravo e o lince-ibérico. Constitui também um habitat potencial para o leirão, embora esta espécie não tenha sido detectada na área, recentemente.

Espécies prioritárias que justificam a proposta: gato-bravo, lince-ibérico, toirão e leirão.

Medidas sugeridas: Esta área ardeu no Verão de 2004, pelo que seria fundamental que fossem consideradas áreas refúgio de caça. Sugere repovoamentos ou incremento (se for o caso) de coelho bravo. Não florestar, deixar os matos e os sobreirais recuperarem por si.

Área 5 – Rio Ardila

Localização: Carta militar 1:25000 – 501

127 Justificação: Este troço do rio Ardila, que integra a sua ligação com o rio Guadiana, caracteriza-se pela excelência da estrutura das galerias ripícolas que lhe estão associadas, as quais se encontram muito bem conservadas. Aqui os indícios de lontra e toirão sugerem que ambas as espécies encontram nestas áreas condições muito favoráveis para estabelecerem populações importantes e estáveis. Isto tem que ver não só com a estrutura dos povoamentos ripícolas como também com a disponibilidade alimentar que estes habitats geram. Esta é uma área de elevada importância de conservação.

Espécies prioritárias que justificam a proposta: lontra, toirão e rata-de-água.

Medidas sugeridas: Reflorestação com vegetação ripícola de médio e grande porte (aloendros, freixos, salgueiros) das zonas interníveis.

Área 7 – Matagais e azinhal da foz do Ardila

Localização: Carta militar 1:25000 – 501

Justificação: Área muito bem preservada constituída por matagais mediterrâneos e azinhal bem conservados, que se encontram associados a galerias ripícolas de grande dimensão e em óptimo estado de conservação, criando assim as condições para que esta área seja um “hotspot” de diversidade de espécies de mamíferos.

Espécies prioritárias que justificam a proposta: lontra, gato-bravo, lince-ibérico, toirão e leirão.

Medidas sugeridas: Compensação de outras linhas próximas ou adjacentes, tais como afluentes do rio Ardila. Onde, se fariam acções de intervenção ao nível da conservação e recuperação dos troços degradados e/ou destruídos dessa linhas de águas. Reflorestação com espécies arbustivas autóctones e criação de zonas tampão de matos, ao longo do percurso, que sirvam de protecção dessas ribeiras. Reflorestação com vegetação ripícola de médio e grande porte (aloendros, freixos, salgueiros) das zonas interníveis.

Área 8 – Rio Guadiana

Localização: Carta militar 1:25000 – 501

Justificação: Este troço do rio Guadiana a jusante do paredão de Alqueva caracteriza- se pelo vale associado onde predominam as zonas rupícolas intercaladas com vegetação ripícola desenvolvida. È de salientar que a estrutura do Guadiana neste local, com pequenas ilhotas, geralmente com vegetação ripícola bem desenvolvida tornam-no ideal para a lontra, quer pela disponibilidade de inúmeros locais de refúgio e reprodução seguros, como também pela formação de pegos onde o acesso aos recursos tróficos (peixe e lagostim) fica bastante facilitado.

Espécies prioritárias que justificam a proposta: lontra, gato-bravo, toirão e rata-de- água.

Medidas sugeridas: Compensação de outras linhas próximas ou adjacentes, tais como afluentes do Guadiana. Onde, se fariam acções de intervenção ao nível da conservação

128 e recuperação dos troços degradados e/ou destruídos dessa linhas de águas. Reflorestação com espécies arbustivas autóctones e criação de zonas tampão de matos, ao longo do percurso, que sirvam de protecção dessas ribeiras. Reflorestação com vegetação ripícola de médio e grande porte (aloendros, freixos, salgueiros) das zonas interníveis.

Área 9 e 10 – Rio Ardila e ribeira Toutalga respectivamente

Localização: Carta militar 1:25000 – 502

Justificação: A ribeira da Toutalga e o rio Ardila são elos fundamentais de conexão, no Sítio Moura-Barrancos integrado na Rede Natura 2000, e entre habitats favoráveis de espécies muito ameaçadas como é o caso do gato-bravo ou criticamente em Perigo como é o caso do lince-ibérico. Para além disso estas duas linhas de água são constituídas por habitats ripícolas e rupícolas com bastante importância conservacionista. Exemplo disso é a diversidade de mamíferos que albergam.

Espécies prioritárias que justificam a proposta: lontra, gato-bravo, lince-ibérico, toirão e rata-de-água.

Medidas sugeridas: Compensação de outras linhas próximas ou adjacentes, tais como afluentes do Guadiana, onde se fariam acções de intervenção ao nível da conservação e recuperação dos troços degradados e/ou destruídos dessa linhas de águas. Reflorestação com espécies arbustivas autóctones e criação de zonas tampão de matos, ao longo do percurso, que sirvam de protecção dessas ribeiras. Reflorestação com vegetação ripícola de médio e grande porte (aloendros, freixos, salgueiros) das zonas interníveis.

129

Figura 87 - Áreas prioritárias para a conservação de mamíferos. 130

4.4 Considerações finais

Numa análise a toda a área, tendo em mente os padrões de distribuição das espécies, verifica-se que de entre as espécies alvo a lontra e o toirão serão as espécies sobres as quais os impactes negativos do empreendimento serão maiores. É de salientar que a estrutura do Guadiana com pequenas ilhotas, geralmente com vegetação ripícola tipíca bem desenvolvida e conservada tornam-no ideal para a lontra. Para além disso, os impactes gerados com a albufeira de Alqueva sobre as populações de lontra, nomeadamente ao nível da disponibilidade de abrigos, serão agora reforçados com a submersão das áreas favoráveis contíguas a jusante.

É de reforçar ainda a importância da vegetação ribeirinha/ripícola para a comunidade de mamíferos, bem patente na diversidade de espécies que ocorrem nas áreas de cariz ribeirinho (margens Guadiana, Odearce e Ardila), com particular relevância para aquelas que lhe estão fortemente associadas, como são os casos, além da lontra, da rata- de-água e do toirão.

A descontinuidade na adequabilidade do habitat para o gato-bravo e para o lince-ibérico (espécie não confirmada) nas quadrículas até agora prospectadas, associado ao facto destas espécies “ocorrerem” em densidades muito baixas justifica os resultados, daí a necessidade da aplicação de metodologias complementares como maior intensidade armadilhagem fotográfica. O facto de com este método não se terem ainda registado as presenças das espécies alvo (lince-ibérico e gato-bravo) poder-se-à dever a 3 situações: 1) Reduzida densidade das espécies na área, no caso do lince-ibérico uma possível extinção regional; 2) Um esforço de armadilhagem reduzido, consequência do reduzido número de máquinas utilizado e 3) Estratégia de armadilhagem dispersa pela área. Relativamente aos resultados de modelação para 7 espécies de mamíferos, apesar de alguns modelos não apresentarem uma boa performance, muito por se tratarem de espécies generalistas, puderam-se retirar algumas conclusões importantes como sejam o de reforçar a importância das linhas de água com vegetação ripícola para a mamofauna em geral, para o toirão e a lontra em particular de um modo mais relevante. Por outro lado, os níveis de fragmentação das áreas de montado denso e matos, relacionado com o número e dimensões dos seus fragmentos mostraram também ser relevantes para algumas espécies. Assim, prevê-se que espécies muito dependentes das ribeiras e rios com vegetação ripícola, como a lontra e o toirão, sofram os impactes negativos da albufeira de Pedrógão de forma mais acentuada, que outras espécies, nas suas populações residentes. Sem dúvida, e para mais por se tratar de uma área com forte intervenção humana sobre os habitats naturais, as linhas de água assumem uma importância acrescida muito relevante na dinâmica das populações de mamíferos, predadores e presas. Sendo ecossistemas frágeis, e por serem os sistemas naturais mais afectados com a construção da albufeira de Pedrógão, é sobre eles que deverão ser efectuados os primeiros e principais esforços de conservação.

Em síntese, é de salientar que os impactes negativos gerados com a albufeira de Pedrógão, apesar de não terem a dimensão dos gerados com Alqueva, vão destruir mais um troço do rio Guadiana e habitats de conservação prioritária, com impacto real negativo sobre espécies protegidas, algumas das quais com estatuto de ameaça. Por outro lado, o empreendimento de Pedrógão produz um efeito cumulativo grave aos impactes gerados com Alqueva. Por isto tudo, a necessidade da aplicação de medidas

131 de minimização e compensação aos impactes gerados sobre os valores naturais em causa torna-se prioritária.

4.5 Bibiliografia

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132 Mira, A.; F. Ascensão & S. Alcobia (2003). Distribuição das espécies de roedores e insectívoros. Relatório Final. Relatório não publicado. Unidade de Biologia da Conservação, Évora, 45 pp + anexos. Pedroso N., J.P. Ferreira, C. Baltazar, C. Grilo, H. Matos, I. Pereira, T. Sales-Luis & M. Santos-Reis (2003). Projectos de Monitorização de Mamíferos. Monitorização de carnívoros. Relatório de Progresso. 2ª Fase de Monitorização (Programa de Minimização para o Património Natural). Centro de Biologia Ambiental (FCUL) e Centro de Estudos da Avifauna Ibérica (CEAI), 159 págs. + 11 anexos. Pereira I.; Ferreira, J. P.;. Grilo B. & Santos-Reis M., 2001. Programa de Minimização para o Património Natural - Estudos de Biologia e Ecologia de Animais (Área de Regolfo de Alqueva e Pedrogão). Bloco m) Gato - bravo (Felis silvestris). Relatório Final. EDIA- Empresa de Desenvolvimento das Infraestruturas do Alqueva. Pita, R. & A. Mira (2002). Selecção de Microhabitat e cartografia das colónias de Microtus cabrerae Thomas. 1906. Relatório não publicado, projecto sapiens "Efeitos da Intensificação Agrícola sobre a Biodiversidade de uma área Protegida Costeira: Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina". Universidade de Évora, 46 pp + anexos. San Miguel, A. (1992). Inventario de la Poblacion Española del Topillo de Cabrera (Microtus cabrerare Thomas, 1906). Project 200/G91072010, Ministerio de Agricultura, Pesca y Alimentación, Madrid. Santos-Reis M., J.P. Ferreira, Pedroso N., C. Baltazar, C. Grilo, H. Matos, I. Pereira, T. Sales-Luis, I. Sousa & M. Rodrigues (2003). Projectos de Monitorização de Mamíferos. Monitorização de carnívoros. Relatório Final. 2ª Fase de Monitorização (Programa de Minimização para o Património Natural). Centro de Biologia Ambiental (FCUL) e Centro de Estudos da Avifauna Ibérica (CEAI), 207pp. Sarmento, P., Cruz, J. Monterroso, P., Tarroso, P., Negrões, N. & Ferreira, C. (2004). The Iberian lynx in Portugal. Status survey and conservation action plan. Instituto da Conservação da Natureza (ICN). Schonewald-Cox, C.; Azari, R. & Blume S. (1991). Scale, variable density and conservation planning for mammalian carnivores. Conservation Biology, 5: 491- 495. SPSS, Inc.( 2003). SPSS. Version 12.0. SPSS, Inc., Chicago, Illinois, USA. Tiago P., F. Ribeiro, A.F. Filipe, C.L. Mieiro, L. L. Moreira da Costa & M.J. Collares- Pereira (2001). Programa de minimização para o Património Natural - Estudos de Biologia e Ecologia de peixes dulciaquícolas - área de regolfo de Alqueva e Pedrogão - relatório final, CBA-FCUL, Lisboa, 224 pp. Trolle M. & Kéry M. (2003). Estimation of ocelot density in the pantanal using capture- recapture analysis of camera-trapping data. Journal of Mammalogy. 84(2). 607-614. Virgós, E. & F. García (2002). Patch occupancy by stone martens Martes foina in fragmented landscapes of central Spain: the role of fragment size, isolation and habitat structure. Acta Oecologica, 23:231-237. Wilson, D.E.; F.R. Cole; J.D. Nicchols; R. Rudran & M.S. Foster (eds.) (1996). Measuring and Monitoring Biological Diversity. Standard Methods for Mammals. Smithosonian Institution Press, Washington. Wemmer, C.; T.H. Kunz; G. Lundie-Jenkins & W.J. McShea (1996). Mammalian Signs. In: Wilson, D.E.; F.R. Cole; J.D. Nicchols; R. Rudran & M.S. Foster (eds.). Measuring and Monitoring Biological Diversity. Standard Methods for Mammals. Smithosonian Institution Press, Washington, p:157-176. Zielinski, W. J., T. E. Kucera & R. H. Barret (1995). Current distribution of fisher Martes pennamti in California. California Fish and Game 81: 104-112.

133

5 Répteis

Equipa responsável e coordenação: Paulo Sá Sousa

5.1 Introdução

Estima-se que são 17 as espécies de répteis [2 quelónios (2 tartarugas dulciaquícolas), 1 anfisbénido, 7 sáurios e 7 serpentes] potencialmente ocorrentes na área envolvente do regolfo de Pedrógão (cf. Crespo & Oliveira, 1989; Almeida et al., 2001; Malkmus, 2004). No entanto, este estudo somente abrangeu seis espécies reptilianas consideradas prioritárias pela EDIA. Salienta-se que este lote de espécies representa um desafio aos métodos de amostragem e à persistência dos prospectores. De facto, o fura-pastos ibérico, a cobra-de-capuz Macroprotodon cucullatus e a víbora-cornuda não são tidos como presentes na área de estudo, mas sim a este (Barrancos) ou mais a jusante no Vale do Guadiana. Ademais dada a raridade destas três espécies e/ou a sua dispersão por isolados geográficos, torna-se particularmente difícil a sua detecção (cf. Almeida et al., 2001; Malkmus, 2004).

A cobra-de-ferradura Coluber hippocrepis ocorre preferencialmente em áreas secas e expostas, como zonas de matos e locais rochosos ou pedregosos com escassa cobertura vegetal; além disso é frequente em meios rurais de cultivo como olivais e vinhas, em muros de pedra e ruínas (Barbadillo et al., 1999; Almeida et al., 2001).

5.2 Material e Métodos

Répteis prioritários

Tal como consta na proposta de protocolo aprovada, neste estudo prospectou-se a presença de dois quelónios (o cágado-de-carapaça estriada Emys orbicularis e o cágado-mourisco Mauremys leprosa), um escincído (o fura-pastos ibérico Chalcides bedriagai) e três serpentes (a cobra-de-ferradura Coluber hippocrepis, a cobra-de-capuz Macroprotodon cucullatus e a víbora-cornuda Vipera latastei).

Enquadramento

O estudo desenvolveu-se genericamente na Zona de Influência do futuro Regolfo de Pedrógão, concretamente na área conjunta das 4 cartas militares 1:25000 (nºs 500, 501, 502 e 511) que interceptam os concelhos de Moura e da Vidigueira. No entanto, houve maior esforço de amostragem nas zonas mais próximas do regolfo de Pedrógão.

Para todas as cinco espécies em geral amostrou-se durante Junho, Julho, Setembro e Outubro de 2004 e desde 15 de Março até ao final de Maio de 2005. Todavia, decorreu entre Março e Abril de 2005 uma amostragem intensiva dedicada à víbora-cornuda, pois é nesse período que os machos deambulam no início da época de reprodução (Salvador & Pleguezuelos, 2002). De Maio a Junho 2004 e 2005 a amostragem focou- se sobretudo nas tartarugas dulcaquícolas ou cágados.

134 A amostragem foi sistematizada por estratos/habitats mais favoráveis a cada espécie mas abarcando a heterogeneidade da área de estudo. Houve prospecção intensiva de locais propícios para detectar espécies muito difíceis ou raras com sejam o cágado-de- carapaça-estriada Emys orbicularis, o fura-pastos ibérico Chalcides bedriagai, a cobra- de-capuz Macroprotodon cucullatus e a víbora-cornuda Vipera latastei. Os resultados que apresentamos reportam-se obviamente a estes curtos períodos de amostragem, apesar de que estas últimas espécies geralmente necessitam de monitorizações anuais sucessivas e detalhadas para se assinalar a sua eventual presença.

Métodos de amostragem

Os métodos e técnicas de campo usados são aflorados em Campbell & Christman (1982), Barbadillo et al. (1999), Almeida et al. (2001) e Salvador & Pleguezuelos (2002), a saber:

• Prospecção diurna, levantado pedras e troncos, espreitando moroiços, ruínas e muros, visitando cascalheiras e afloramentos rochosos etc., todos os locais que possam servir de refúgio aos répteis. • Prospecção intensiva dirigida aos habitats preferenciais da víbora cornuda. • Varrimento visual com binóculos durante transectos ao longo de linhas de água e margens de albufeiras para detecção de tartarugas dulcaquícolas. • Cruzeiro rodoviário diurno ou nocturno a velocidade constante pelas estradas e caminhos, particularmente para detectar serpentes activas ou atropeladas. • Inquérito às pessoas rurais, no intuito de assinalar a presença da cobra-de- ferradura Coluber hippocrepis, cujas características morfológicas e hábitos comensais e antropófilos ajudam à sua detecção (Barbadillo et al., 1999; Salvador & Pleguezuelos, 2002), designadamente nas imediações das quintas e dos montes alentejanos. Também se estendeu o inquérito aos pastores na tentativa de localizar eventuais populações rarefeitas de víbora cornuda.

5.3 Resultados e Discussão

Reptéis prioritários

Globalmente os resultados actuais primam pela "ausência" de presenças confirmadas, designadamente na área abaixo da cota 85 m, tal como era expectável para algumas das espécies de répteis prioritários consideradas. Esse é o caso flagrante da víbora-cornuda: objectivamente não se assinalou a sua presença em locais aparentemente idóneos para a espécie, em toda a área prospectada. Realizaram-se alguns inquéritos exploratórios juntos das populações locais (e.g. trabalhadores rurais, pastores), mas as respostas foram geralmente ambíguas, ou por falta de conhecimento ou mesmo pela confusão na identificação da víbora que é tomada pela cobra-de-ferradura Coluber hippocrepis, esta última mais frequente e observável pelas pessoas.

Foram feitas várias observações do cágado-mourisco Mauremys leprosa nas margens do rio Guadiana, do rio Ardila e também noutras ribeiras afluentes, a par de localizações em albufeiras de pequena e média dimensão, um pouco por toda a área amostrada (Figura 88).

135 Mais raro e mais difícil de detectar, o cágado-de-carapaça estriada Emys orbicularis foi assinalado na carta 502, nas ribeiras de Safara e da Toutalga e outras próximas, pelo que é expectável que ainda possa vir a ser detectado noutros locais próximos (Figura 89). Também houve duas presenças registadas na ribeira de Marmelar e em duas linhas de água na Margem Esquerda do Guadiana (carta 511). Não obstante, estes locais de presença não deveriam de maneira alguma ser intervencionados ou perturbados, já que nos termos da lei vigente obriga à protecção integral dos habitats onde esta espécie ocorre.

O fura-pastos pentadáctilo ibérico Chalcides bedriagai, após uma intensa prospecção, foi somente encontrado em quatro locais maioritariamente na carta 502 (Figura 90). Estes resultados estão de acordo com a tendência biogeográfica desta espécie que mostra populações costeiras relativamente comuns ao passo que são escassas no interior da Península Ibérica (Barbadillo et al., 1999; Salvador & Pleguezuelos, 2002; Malkmus, 2004).

A cobra-de-ferradura Coluber hippocrepis foi encontrada atropelada nas estradas e observada em zonas rurais de olival e de sequeiro; também foi registada através de informações de inquérito (Figura 91).

Sobre a cobra-de-capuz Macroprotodon cucullatus ainda que haja poucos registos estes configuram resultados bastante positivos dado o carácter discreto desta espécie e a especificidade dos habitats (montados, matorrais) em que ela ocorre (Figura 92).

Outros répteis

O anfisbénido licranço Blanus cinereus, espécie fossorícola, foi detectado em zonas de montado, debaixo de pedras ou troncos ou em montículos de terra. Foi avistado o fura- pastos tridáctilo ibérico Chalcides striatus, por entre os ervaçais dos pequenos vales mais húmidos, sobretudo na carta 502. Mas de entre os sáurios (e répteis) a espécie esmagadoramente presente é a sardanisca-do-mato Psammodromus algirus, muito comum pelo solo dos montados, matorrais e charnecas. Algumas lagartixas ibéricas Podarcis hispanica ocorrem nos afloramentos rochosos e nos troncos das árvores (montados) e nos muros. Apesar de não constituírem espécies prioritárias, as serpentes mais indicadas pelas pessoas, as mais observadas vivas ou atropeladas correspondem à cobra-rateira Malpolon monspessulanus e à cobra-de-escada ou riscadinha Elaphe scalaris. Durante os transectos para detecção de cágados foram também observados vários exemplares da cobra-de-água viperina Natrix maura.

136

Figura 88 - Presença do cágado-mourisco Mauremys leprosa.

138

Figura 89 - Presença do cágado-de-carapaça-estriada Emys orbicularis.

139

Figura 90 - Presença do fura-pastos pentadáctilo Chalcides bedriagai.

140

Figura 91 - Presença da cobra-de-ferradura Coluber hippcrepis.

141

Figura 92 - Presença da cobra-de-capuz Macroprotodon cucullatus.

142 5.4 Considerações Finais

No contexto geral, a zona a desmatar na envolvente de Pedrógão não merece outras recomendações especiais dirigidas às espécies de répteis consideradas, para além das boas práticas ambientais actualmente vigentes. Aliás, no troço inundável do Guadiana e Ardila, apenas o cágado-mourisco Mauremys leprosa parece estar presente, embora seja uma espécie protegida é geralmente comum e terá alguma plasticidade adaptativa ao enchimento do (menor) regolfo de Pedrógão.

Do ponto de vista do interesse da conservação dos répteis, os eventuais parques de madeira desmatada deverão ser instalados em terrenos esqueléticos pobres de vegetação e na proximidade dos aglomerados populacionais. A área entre o rio Ardila e Safara parece ser bastante interessante para futuros projectos de conservação das espécies de répteis prioritárias consideradas.

5.5 Bibliografia

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143

6 Anfíbios

Equipa responsável e coordenação: Paulo Sá Sousa

6.1 Introdução

Sabe-se que são 13 as espécies de anfíbios [4 urodelos (2 salamandras, 2 tritões) e 9 anuros (5 sapos, 4 rãs)] potencialmente ocorrentes na área envolvente do regolfo de Pedrógão (cf. Crespo & Oliveira, 1989; Sá-Sousa, 2004; Malkmus, 2004). Este estudo incidiu sobre seis espécies de anuros consideradas prioritárias pela EDIA tal como consta na proposta de protocolo aprovada. Não obstante, os dados de monitorização de Alqueva indicaram que a presença da rela-comum Hyla arborea poderia estar apenas localizada na Serra de Portel (Sá-Sousa, 2004). É expectável que em termos gerais o regolfo criado pelo açude de Pedrógão venha a ter níveis de impactos inferiores aos provocados pela albufeira de Alqueva, quer pela dimensão da área a intervencionar, quer pelas características do rio Guadiana que enquanto rio grande não é propício à existência de anfíbios aquáticos (Sá-Sousa, 2004). Porém, nos terrenos encharcados que marginam o Guadiana ou mesmo nos pegos que se formam pelo enchimento das cavidades rochosas entre variações de nível de água criam condições propícias à colonização temporária pelos anfíbios durante a época de acasalamento (Malkmus, 2004).

6.2 Material e Métodos

Anfíbios prioritários

Neste estudo monitorizaram-se seis espécies de anuros: o sapo-parteiro ibérico Alytes cisternasii, o sapo-corredor Bufo calamita, a rã-de-focinho-pontiagudo Discoglossus galganoi, o sapo-de-unha-negra Pelobates cultripes, o sapinho-de-verrugas verdes ibérico Pelodytes ibericuss, a rela-meridional Hyla meridionalis e a rela-comum Hyla arborea.

Enquadramento

O estudo desenvolveu-se genericamente na Zona de Influência do futuro Regolfo de Pedrógão, concretamente na área conjunta das 4 cartas militares 1:25000 (nºs 500, 501, 502 e 511) que interceptam os concelhos de Moura e da Vidigueira. No entanto, houve maior esforço de amostragem nas zonas mais próximas do regolfo de Pedrógão, também naquelas que estão abrangidas pela cobertura em ortofotomapa.

O período de amostragem geral decorreu em Maio, Junho, Setembro a 15 Novembro de 2004 e retomou de 15 Fevereiro a Maio de 2005. No entanto, houve interrupções prolongadas da monitorização causadas pelo Outono/Inverno de 2004 e subsequente Primavera de 2005 particularmente frios e sobretudo anormalmente secos!

A amostragem foi tendencialmente aleatória, ainda que pragmaticamente sujeita aos condicionalismos espaciais (existência de acessos e caminhos transitáveis; habitats

144 disponíveis, etc.), aos constrangimentos temporais (época sazonal, condições meteorológicas vigentes; duração útil de uma jornada de amostragem, etc.) e necessidades metodológicas específicas (duas ou mais réplicas por local visitado; uso de métodos de amostragem diferentes, etc.). Nesta 1ª fase somente se fizeram reconhecimento do terreno e algumas saídas de campo para amostragem na área de maior prioridade abaixo da cota 85 m. Os resultados que apresentamos reportam-se obviamente a estes curtos períodos de amostragem.

Métodos de amostragem

A metodologia seguida está cabalmente descrita em Campbell & Christman (1982), Vogt & Hine (1982) e Jaeger (1994). Só foram consideradas as observações correctamente georreferenciadas (com precisão de 100 m). Os métodos e técnicas de campo usados foram similares aos empregues anteriormente na monitorização de anfíbios na zona de influência de Guadiana/ Alqueva, a saber:

• Prospecção nocturna intensiva, usando qualquer utensílio (e.g. manejo de camaroeiro, redes, armadilhas) ou modo, para encontrar posturas e/ou girinos de das espécies consideradas, sobretudo em áreas restritas. • Detecção visual durante transectos pedestres nocturnos • Cruzeiro rodoviário nocturno a velocidade constante pelas estradas e caminhos na área de estudo, particularmente em noites muito nubladas e/ou chuvosas. A presença das espécies é validada quer por animais vivos que atravessavam a estrada, quer por animais atropelados. • Observação avulsa ou qualquer outra desenquadrada dos métodos acima referidos, mas sempre validada com a diagnose de indivíduos.

Quantificação da abundância relativa

A percepção do número de indivíduos amostrados é diferente, por um lado, devido às duas fases de vida características dos anfíbios: a fase larvar obrigatoriamente aquática e fase adulta, marcadamente terrestre no caso dos "sapos" ou aquática no caso das "rãs". Por outro lado, os diferentes métodos de amostragem usados mostram um rendimento desigual na intercepção dos indivíduos amostrados (Heyer et al. 1993). Por exemplo, nos pontos de escuta bioacústica somente são detectados aqueles machos que estão a vocalizar e, por sua vez, tal comportamento depende muito das condições ambientais de temperatura e de humidade (Márquez & Bosch, 1995). Houve que encontrar uma fórmula de avaliação da abundância relativa (ABD) que fosse transversal e menos dependente dos métodos de amostragem empregues. Uma solução prática é considerar as seguintes classes de abundância relativa: Adultos de anfíbios I < 5 ind. presente II 6-20 ind. frequente III 21-50 ind. comum IV 51-100 ind. abundante V > 100 ind. muito abundante

Larvas/girinos de urodelos/anuros I < 100 larvas presente II 100-200 larvas ocasional III > 200 larvas frequente

145

6.3 Resultados e Discussão

Anuros prioritários

Globalmente os anuros considerados (e.g. Alytes cisternasii, Bufo calamita, Pelobates cultripes, Hyla meridionalis) são encontrados um pouco por todo o lado na zona de estudo ainda que aparentemente com abundância relativa baixa. Entre todas as réplicas e entre os diferentes métodos usados, os dados que se apresentam estão depurados e assim reflectem sempre a melhor estimativa obtida. Ainda assim, a área entre o rio Ardila e Safara (carta 502) e entre Pedrógão e Marmelar (carta 511) são as que mais se destacam em diversidade específica (Figura 93). No entanto, a área abaixo da cota 85 m parece não evidenciar nenhuma particularidade batracofaunística digna de nota, já que são sobretudo as espécies comuns aquelas que aí foram encontradas (e.g. Rana perezi, Pelobates cultripes, Bufo calamita).

A zona de influência do regolfo de Pedrógão é predominantemente mais desarborizada e relativamente árida o que não propicia a presença diversa de anuros mais exigentes em termos de humidade relativa, como seja, por exemplo, a rã-de-focinho-pontiagudo Discoglossus galganoi. Esta espécie não se afasta da proximidade de água, tendo preferência por terrenos encharcados, remansos de linhas de água, pegos, charcas, etc. (Malkmus, 2004). Na área em estudo este anuro foi mais facilmente detectado a atravessar as estradas em dias chuvosos. Face aos resultados de distribuição geográfica obtidos não se infere que seja uma espécie comum na zona de influência do regolfo de Pedrógão (Figura 94).

O sapo-parteiro ibérico Alytes cisternasii é marcadamente terrestre e fossador, prefere os solos arenosos em zonas abertas dos vales dos rios ou montados e formações de matorral associadas (Figura 95). Nas primeiras chuvadas outonais de 2004 e 2005 os adultos foram detectados nos terrenos mobilizados, nas estradas e caminhos onde saltitam enquanto noutros períodos apenas foram detectados pelas vocalizações. Porém, as larvas/girinos são largados preferencialmente em linhas de águas temporárias, com alguma persistência de caudal, onde se encontraram na respectiva época de reprodução, ainda que em menor número de locais do que seria expectável face ao esforço de amostragem. Não é de descurar que a prolongada secura tenha enviesado por defeito os resultados de monitorização desta espécie.

Pelobates cultripes é um sapo terrícola resistente aos largos períodos de seca. Na área de estudo é relativamente comum já que ocorre em sequeiros e.g. searas, estepes, pastagens, cultivos, grandes clareiras (Figura 96). Durante a amostragem a maioria das observações incidiram sobre indivíduos adultos activos ou atropelados nas estradas ou em actividade no campo.

Entretanto, o sapinho-de-verrugas verdes ibérico Pelodytes ibericus foi observado apenas no triângulo geográfico Pedrógão-Marmelar-Alqueva (carta 500). Porém, não se confirmou a sua presença na área da cota 85 m (Figura 97). Também a época anormalmente seca de 2004/2005 não permitiu que fossem encontrados novos registos, na mesma área ou noutra.

146 O sapo-corredor Bufo calamita é tanto comum como ubiquista no tipo de locais/habitats que ocupa na área de estudo (Figura 98). Foi observado nas poças temporárias ou os barrancos que surgem após fortes chuvadas ou então os terrenos encharcados pelo desnível das águas das albufeiras, locais onde mais tarde se encontraram alguns girinos. Nos dias chuvosos é uma espécie que deambula pelas estradas alcatroadas e, portanto, foi bastante assinalável nos cruzeiros rodoviários.

A rela-meridional Hyla meridionalis foi detectada nos locais idóneos para a espécie. Devido aos seus hábitos trepadores (arborícola) e às preferências aquáticas, foi achada em locais com vegetação abundante e relativamente húmidos, frequentemente nas imediações de zonas encharcadas, entre juncos, canas e silvas, nas galerias ripícolas, na orla de charcas, etc., sendo comum um pouco por toda a zona de amostragem (Figura 99). A sua detecção foi mais fácil pelo método de bioacústica, o que pode implicar uma sub-avaliação da abundância relativa já que somente os machos são detectados.

Ao invés, a eventual presença da rela-comum Hyla arborea, sobretudo onde existia algum relevo (nas cartas militares 500 e 511) não foi registada, pelo que se suspeita da sua ausência efectiva na área de estudo.

147

Figura 93 - Repartição de anfíbios (seis anuros prioritários) na área de estudo.

148

Figura 94 - Presença da rã-de-focinho-pontiagudo Discoglossus galganoi.

149

Figura 95 - Presença do sapo-parteiro ibérico Alytes cisternasii.

150

Figura 96 - Presença do sapo-de-unha-negra Pelobates cultripes.

151

Figura 97 - Presença do sapinho-de-verrugas-verdes ibérico Pelodytes ibericus.

152

Figura 98 - Presença do sapo-corredor Bufo calamita.

153 Figura 99 - Presença da rela-meridional Hyla meridionalis.

154 Outros anfíbios

Observaram-se alguns urodelos adultos e suas formas larvares, nomeadamente da salamântiga Pleurodeles waltl e do tritão pigmeu Triturus (marmoratus) pygmaeus que foi observado maioritariamente em charcos temporários e charcas para o gado. Mais rara na zona de estudo, Salamandra salamandra foi avistada (em zonas arborizadas da área de estudo (e.g. montados) quase sempre na Margem Direita do Guadiana (cartas 500 e 511) deambulando em dias chuvosos. As larvas são frequentes em linhas de água temporárias.

Também se assinalaram alguns exemplares adultos de sapo-comum Bufo bufo sobretudo a atravessar as rodovias. Sem dúvida, a rã-verde Rana perezi foi o anuro aquático mais frequente e abundante, o qual é fácil de detectar um pouco por todo o lado onde haja uma linha de água, charca e/ou albufeira.

6.4 Considerações Finais

A longa secura de 2004/2005 provavelmente enviesou dalguma forma os resultados finais, designadamente com as espécies menos detectadas, particularmente o sapinho-de- verrugas-verdes ibérico Pelodytes ibericus, espécie efectivamente prioritária, cuja detecção está condicionada por: 1) distribuição geográfica real ser ou não escassa na zona; 2) apresentar uma época de acasalamento temporã e 3) colonizar apenas charcos ou encharcados efémeros que dificultam a prospecção.

6.5 Bibliografia

Campbell, H.W. & Cristman, S.P. (1982). Field techniques for herpetological community analysis. Wildlife Research Reports (Washington), 13: 193-200. Crespo, E.G. & Oliveira, M.E. (1989). Atlas da Distribuição dos Anfíbios e Répteis de Portugal Continental. S.N.P.R.C.N., Lisboa. Jaeger, R.G. (1994). Transect sampling. In: Heyer, W.R., Donnelly, M.A., Diarmid, R.W., Hayek, L.C. & Foster, M.S. (eds.). Measuring and Monitoring Biological Diversity: standard methods for Amphibians. pp. 103-107. Smithsonian Institution Press, New York. Malkmus, R. (2004). Amphibians and reptiles of Portugal, Madeira and the Azores- Archipelago. A.R.G. Gantner Verlag K.G. Ruggel (Germany). 448 pp. Márquez, R.; Bosch, J. (1995). Advertisement calls of the midwife toads Alytes (Amphibia, Anura, Discoglossidae) in continental Spain. J. Zool. Syst. Evol. Research 33: 185-192. Sá-Sousa, P. (2004). Monitorização de anfíbios (não publicado). Relatório final Trabalhos em Biologia no Alqueva. Unidade de Biologia da Conservação, Universidade de Évora, Évora. 25 pp. Vogt, R.C. & Hine25 pp., R.L. (1982). Evaluation of techniques for assessment of amphibian and reptile populations in Wisconsin. Wildlife Research Reports (Washington), 13: 201-217.

155 7 Aves

Equipa responsável: Pedro Beja Rui Borralho João Rabaça Rui Morgado Luís Gordinho Alexandre Vaz Inês Henriques Ana Teresa Marques Rui Lourenço Pedro Geraldes Luís Reino João Pinheiro António Mello

Coordenação: Francisco Moreira

7.1 Introdução

O presente trabalho relata as actividades desenvolvidas no âmbito do contrato de prestação de serviços relativo à Monitorização do Património Natural da Área da Albufeira de Pedrógão – Componente Aves. De acordo com o estipulado no contrato e regulamento do programa de monitorização este trabalho inclui:

(1) uma descrição das metodologias utilizadas no trabalho de campo e no tratamento da informação recolhida durante o período Dezembro de 2003 - Junho de 2004;

(2) o mapeamento dos locais de ocorrência (ao nível da quadrícula Gauss 1x1 km) das espécies consideradas prioritárias, no período de Inverno e de Primavera, bem como um mapeamento exacto do total das observações efectuadas.;

(3) uma análise quantitativa dos dados recolhidos nos vários tipos de amostragens efectuadas nas duas épocas;

(4) uma estimativa dos efectivos populacionais invernantes e reprodutores para algumas das espécies estudadas;

(5) o mapeamento dos locais de particular importância para as espécies-alvo (e.g. parada nupcial, nidificação, dormitórios, colónias, etc.) bem como das áreas prioritárias do ponto de vista biológico que devem ser tidos em consideração para a calendarização da desmatação;

(6) a identificação e avaliação dos principais impactes negativos do empreendimento sobre a avifauna e a proposta de medidas para sua minimização e compensação;

156 7.2 Metodologia

O estudo desenvolveu-se na zona de influência do futuro regolfo de Pedrógão, concretamente na área conjunta das 4 cartas militares (CM’s) 1:25000 números 500. 501, 502, 511, que interceptam os concelhos de Moura e Vidigueira. A estratégia de amostragem preconizada baseia-se em duas abordagens paralelas: (a) uma abordagem de tipo “Atlas”, cujo objectivo foi caracterizar os padrões de ocorrência das espécies prioritárias na área de estudo e (b) uma abordagem complementar de “Estimativas populacionais”, onde, para algumas espécies com maior interesse de conservação, se pretenderam efectuar contagens absolutas dos seus efectivos ou caracterizar os padrões de abundância relativa ao longo da área de estudo.

7.3 Amostragem “Atlas”

Para proceder ao levantamento tão completo quanto possível das áreas de ocorrência de espécies prioritárias, optou-se por adoptar uma metodologia de tipo Atlas (Bibby et al. 1992). Esta aproximação metodológica, já utilizada nos projectos de monitorização dos impactos da albufeira de Alqueva, tem várias vantagens, nomeadamente: i) objectividade e estandardização dos métodos de amostragem, permitindo o estabelecimento de uma boa situação de referência em comparação com a qual poderão ser aferidas eventuais alterações no estatuto, distribuição e abundância relativa das espécies prioritárias; ii) equidade na distribuição geográfica do esforço de amostragem, permitindo obter índices de abundância relativa comparáveis a grande escala espacial; iii) possibilidade de relacionar os dados obtidos com os padrões globais de utilização do solo e organização da paisagem, permitindo, através de modelação estatística adequada, prever a resposta das espécies prioritárias às alterações introduzidas pela criação do açude de Pedrógão; iv) possibilidade de identificação de áreas prioritárias de conservação, por combinação dos mapas de distribuição das diferentes espécies estudadas.

A componente de Atlas das monitorizações consistiu basicamente numa prospecção sistemática das espécies prioritárias, através de um procedimento estandardizado, em todas as quadrículas Gauss de 1×1 km da área abrangida pelo Programa de Monitorização. A prospecção de cada quadrícula consistiu numa visita de 15 minutos, em que a área foi percorrida lentamente em viatura automóvel, com paragens em pontos de escuta e observação. Estes pontos eram, sempre que possível, locais com habitat favorável à ocorrência das espécies prospectadas, ou com condições de visibilidade particularmente adequadas para a sua detecção. Em cada uma das quadrículas procurou-se aferir a presença/ausência das espécies prioritárias. A localização exacta do primeiro contacto com cada uma das espécies prioritárias foi registada nas CM’s 1:25000. Como informação adicional, registaram-se o número de indivíduos observados, habitat de observação, comportamento, etc. Foi constituída uma equipa de campo com um a dois elementos para cada uma das 4 CM’s que compõem a área de estudo.

Para além dos dados recolhidos no decurso das visitas às quadrículas Gauss de 1×1 km, foram também consideradas observações adicionais de espécies prioritárias recolhidas no decurso do restante trabalho de campo na área de estudo. A localização exacta destas observações foi também registada nas CM’s 1:25000.

157 O trabalho de Atlas de Inverno decorreu entre 1 de Dezembro de 2003 e 31 Janeiro de 2004 e o de Primavera entre 1 de Maio e 30 de Junho de 2004. Estas datas foram definidas de modo a que todas as espécies prioritárias migradoras invernantes e estivais estivessem presentes na área de estudo. O trabalho de campo decorreu durante a maior parte do período diurno, por vezes com interrupção durante as horas mais quentes do dia devido à reduzida actividade de algumas das espécies.

Na sequência do processamento dos resultados do Atlas e observações adicionais produziu-se para cada espécie prioritária uma carta de distribuição na área de estudo com base na sua presença/ausência nas quadrículas Gauss de 1×1 km prospectadas. De acordo com o estipulado no contrato, os dados brutos correspondentes às observações georeferenciadas são fornecidos à EDIA em formato digital. Os mapas produzidos para cada espécie são apresentados no Anexo VII.

7.4 Amostragem “Estimativas Populacionais”

Esta abordagem é variável conforme a espécie ou grupo de espécies a considerar. Para algumas espécies não foi realizado nenhum esforço particular, devido a problemas metodológicos e logísticos (e.g. alcaravão Burhinus oedicnemus, gaivotas). Para outras, as estimativas terão origem nos trabalhos efectuados durante o Atlas, eventualmente com algumas confirmações posteriores. No entanto, para vários grupos a seguir discriminados foram delineadas abordagens específicas.

7.4.1 Aves aquáticas a) Açudes e albufeiras

Com o objectivo de se melhorar o conhecimento sobre a distribuição das diferentes espécies de aves aquáticas na área de estudo, bem como de obter estimativas mais rigorosas da dimensão das suas populações, foram efectuadas contagens direccionadas a este grupo nos açudes e albufeiras da região. Estas contagens, que estiveram integradas nos trabalhos de Atlas, consistiram na visita a todos os açudes e albufeiras das CM’s 1:25000 que compõem a área de estudo e na contabilização do número de indivíduos de cada uma das espécies-alvo presente. Foram realizadas duas destas contagens, uma no Inverno e outra na Primavera. b) Principais cursos de água

A amostragem de aves aquáticas no Rio Guadiana e nos seus principais afluentes foi realizada através de censos em 25 troços de rio previamente seleccionados. As localizações dos troços foram definidas de forma sistemática ao longo de toda a extensão dessas galerias ripícolas, com a condição de estarem separadas entre si por cerca de 2 a 3 km (Figura 100). Em cada local, o início e o fim do transecto foram definidos em função da presença de estruturas facilmente identificáveis no terreno (moinhos de água, ruínas, pontes, etc.), com a condição de o comprimento do transecto ter aproximadamente 500 m. Estes troços foram percorridos uma vez durante o Inverno e outra durante a Primavera. Durante esses percursos todas as aves aquáticas prioritárias presentes na galeria ripícola foram contabilizadas. A abundância de cada espécie foi ponderada pela distância percorrida e expressa sob a forma de um índice quilométrico de abundância (n.º de indivíduos/km).

158 c) Colónias de aves nidificantes

Durante a Primavera foi efectuada uma busca dirigida à localização de colónias de aves nidificantes. O esforço concentrou-se na localização de ninhos ou colónias de garças, tendo sido dada também alguma atenção a espécies como a perdiz-do-mar Glareola pratincola, a gaivina-de-bico-preto Sterna nilotica, e a gaivina-de-faces- brancas Chlidonias hybridus. Numa primeira fase foi reunida toda a informação referente à ocorrência destas espécies na área de estudo durante o período reprodutor. Essa informação foi recolhida durante os trabalhos de campo de Primavera, nomeadamente durante os trabalhos de Atlas e contagens de açudes e albufeiras. A partir desta informação, tendo em conta também o conhecimento da biologia e comportamento destas espécies, e o próprio conhecimento da área de estudo, foram identificados locais de nidificação potencial, que foram visitados ao longo da época reprodutora no sentido de se confirmar a sua nidificação. Paralelamente, principalmente para as garças, foram também prospectados locais onde a nidificação das espécies foi alguma vez registada e efectuados alguns inquéritos junto da população local.

7.4.2 Aves de rapina diurnas

A amostragem das populações de aves de rapina diurnas da área de estudo teve como objectivo melhorar o conhecimento sobre a distribuição e fenologia das diferentes espécies na área, bem como de efectuar estimativas das suas abundâncias relativas ou dos seus efectivos populacionais. As metodologias utilizadas, em parte, foram adaptadas de Palma (2001) e de Leitão et al. (2001), tendo sido aplicadas de acordo com a época do ano (época de reprodução ou de invernada), com o local (zonas afectadas directamente pelo futura albufeira ou não) e em função do calendário de desmatação, de forma a atingir os objectivos pretendidos. Essas metodologias dividiram-se em 2 grupos: i) Transectos em veículo todo-o-terreno

A aplicação desta metodologia traduziu-se na realização de transectos ao longo de estradas e caminhos distribuídos pela área em estudo de forma tão homogénea e representativa quanto possível. Definiram-se 12 transectos de comprimento relativamente semelhante, utilizando a rede de caminhos existente em cada carta (Figura 101). Os caminhos nos quais se estabeleceram transectos foram escolhidos com a directriz teórica de realizar três percursos com orientação norte-sul e 10 km de comprimento por carta, um em cada terço de mesma. Posteriormente, escolheram-se os troços de caminhos situados mais próximo do ideal teórico, procurando que os diferentes habitats fossem amostrados na mesma proporção em que estavam representados no terreno e excluindo caminhos com curvas pronunciadas que enviesariam os resultados (Smith & Nydegger, 1985). Finalmente, os transectos foram classificados, de acordo com a proporção de pseudo-estepe que atravessavam, em pseudo-estepários (dominados por pousio/pastagem, searas, alqueives, montado aberto sem mato, etc.) e não-estepários (situados em áreas de montado fechado, matos, povoamentos florestais de produção lenhosa, olivais, vinhas, etc.).

A rede de transectos, com cerca de 180 km de comprimento total, foi percorrida três vezes no Inverno e seis vezes na Primavera. Durante a sua realização, manteve-se uma

159 velocidade de deslocação baixa e relativamente constante (10-20 km/hora) e fez-se recurso a técnicas de medição directa para cada ave, que permitem georeferenciar com precisão a sua localização. Esta metodologia foi aplicada entre 7 de Dezembro de 2003 e 23 de Janeiro de 2004, para a época de invernada, e entre 21 de Abril e 21 de Maio de 2004 para a época de reprodução nas 4 cartas militares (escala 1:25.000) que são o âmbito geográfico deste estudo de monitorização. Para optimizar a recolha paralela de dados sobre aves de rapina e aves estepárias (ver capítulo 2.2.3-b), os transectos em habitats não-estepários foram realizados ao final da manhã e a meio da tarde, e os transectos em habitats pseudo-estepários ao início da manhã e ao final da tarde. Dado que este procedimento foi adoptado nas quatro cartas não deverá constituir um factor de enviusamento importante para as comparações a efectuar dentro da área de estudo, só eventualmente na comparação com outras áreas e trabalhos. O conjunto de transectos utilizado foi idêntico na época de nidificação e no período de invernada, só o número de replicados é que variou.

160

Figura 100– Localização dos troços de rio.

161

Figura 101 – Localização dos transectos em veículo todo-o-terreno.

162 Para as espécies mais comuns na área de estudo serão apresentadas estimativas da sua abundância relativa para as épocas relevantes (Inverno, Primavera ou ambas), sob a forma de um índice quilométrico de abundância. À semelhança de Palma et al. (2004), optámos por exprimir esse índice em número de indivíduos detectados por 100 quilómetros de transectos percorridos (indiv./100 Km).

Com vista à avaliação da selecção de habitat pelas espécies mais representativas de aves de rapina, comparou-se qualitativamente a sua ocorrência nas diferentes classes de uso do solo consideradas (utilização) com a disponibilidade relativa destas. Essa análise qualitativa foi realizada tanto para a Primavera como para o Inverno. Para a maioria das espécies serão apresentadas percentagens de ocorrência por habitat. ii) Procura de ninhos de algumas espécies-alvo

Foram utilizados quatro métodos de procura sistemática de ninhos: observações a partir de pontos fixos dispersos por forma a cobrir o território a prospectar; deslocações de automóvel no interior de territórios previamente identificados de forma a tentar restringir a área de procura dos ninhos através da observação do comportamento das aves; deslocações a pé (principalmente no interior de áreas florestais) para procura de ninhos em árvore no interior dos territórios previamente identificados através de outros métodos; busca direccionada de ninhos de espécies inconspícuas ou raras – não detectáveis a partir de pontos fixos ou transectos – nas áreas mais favoráveis à sua nidificação (e.g. águia-real Aquila chrysaetos, águia-de- Bonelli Hieraaetus fasciatus, peneireiro-das-torres Falco naumanni). A aplicação destas metodologias decorreu entre a primeira quinzena de Dezembro e a segunda quinzena de Junho. Com a aplicação deste conjunto de métodos foi possível, no interior das 4 cartas militares (escala 1:25000) conseguir um grau de cobertura bastante satisfatório das áreas potenciais para a nidificação da maioria das espécies. Deve salvaguardar-se que, num estudo deste tipo para as espécies em causa, a aplicação do método dos mapas (Bibby et al. 1992) não permite a detecção de todos os ninhos existentes, o que só é conseguido por um estudo de longo termo de acompanhamento da comunidade, pelo que é plausível que alguns ninhos ou territórios não tenham sido encontrados.

7.4.3 Aves estepárias a) Abetarda Otis tarda e grou Grus grus

Para estas duas espécies foi adoptada a metodologia de censo absoluto com o objectivo principal de efectuar estimativas mais rigorosas da dimensão das suas populações na área de estudo. Os censos decorreram em simultâneo para as duas espécies no Inverno e apenas direccionados à abetarda na Primavera. Esta metodologia consiste basicamente em percorrer em veículo todo-o-terreno um transecto previamente definido, que se assume que cobre toda a área a amostrar, apontando todas as observações das espécies-alvo (Bibby et al. 1992). Para cada bando observado é registado: a hora de detecção; a sua dimensão; o sexo e idade dos indivíduos (sempre que possível); o habitat utilizado; e a sua localização nas CM’s 1:25000. A área prospectada (com cerca de 11.000 ha) correspondeu, grosso modo, às principais manchas abertas da área de estudo, incluindo zonas de cerealicultura extensiva, pastagens, montados e olivais abertos. No caso do grou foram ainda prospectadas zonas passíveis de serem utilizadas como dormitórios.

163

Durante o Inverno foram efectuados dois censos durante o mês de Janeiro de 2004. Durante a Primavera foram realizados mais 2 censos, o primeiro em Abril, com o objectivo de detectar machos de abetarda em parada nupcial, e o segundo a meio de Junho, numa altura em que já se iniciava a ceifa do cereal, de modo a ser possível detectar algum indício de nidificação da espécie na área, por exemplo através da detecção de grupos familiares alimentando-se nos restolhos.

Cada censo teve a participação de 2 equipas e a duração de dois dias, tendo sido percorridos em média 315 km/censo. Os censos iniciaram-se ao nascer-do-sol e prolongaram-se até ao final do dia. Sempre que se justificou foram realizadas pausas a meio do dia devido à considerável diminuição de detectabilidade das espécies nas horas de maior calor (Bibby et al. 1992). b) Sisão Tetrax tetrax e tarambola-dourada Pluvialis apricaria

Com o objectivo de avaliar a abundância invernal e primaveril de sisão, e invernal de tarambola-dourada, nas 4 cartas consideradas no presente Programa de Monitorização, foram efectuadas contagens a partir de veículo todo-o-terreno ao longo uma rede de transectos lineares, com registo das distâncias perpendiculares de avistamento e modelação da visibilidade do meio (Burnham et al. 1980. Buckland et al. 1993, Borralho et al. 1996). Para essas contagens foram utilizados os transectos já definidos para a amostragem de aves de rapina (ver capítulo 7.4.2). No caso destas duas espécies, no entanto, apenas os troços desses transectos que atravessavam habitats pseudo-estepários foram considerados.

A rede de transectos foi percorrida três vezes no Inverno e seis vezes na Primavera, isto para tentar garantir a observação de um número mínimo de sisões e de tarambolas (40 a 60 indivíduos ou grupos, consoante a unidade analítica considerada, Burnham et al. 1980, Buckland et al. 1993), que permitisse uma estimativa robusta da sua densidade.

A maior parte dos recenseamentos foi efectuada nas primeiras três horas após o nascer-do-sol e nas últimas três antes do pôr-do-sol, sempre por equipas de dois observadores deslocando-se a baixa velocidade (10-20 km/hora). Estes registaram todos os grupos de sisões e tarambolas detectados ao longo dos transectos, as suas distâncias perpendiculares de detecção ao centro geométrico aproximado dos grupos, o número e sexo (quando possível) dos indivíduos que os compunham, e o tipo de uso do solo onde se encontravam. As contagens de Inverno foram realizadas entre 7 de Dezembro de 2003 e 23 de Janeiro de 2004, e as de Primavera foram efectuadas entre 21 de Abril e 21 de Maio de 2004.

Para estas duas espécies serão apresentadas estimativas de densidade (nº de indivíduos/10ha), que serão obtidas utilizando o programa DISTANCE (Laake et al. 1993). No caso de não existirem observações em número suficiente que permitam o seu cálculo de uma forma robusta, serão apresentadas, alternativamente, estimativas de abundância relativa, sob a forma de um índice quilométrico de abundância (nº de indivíduos/km).

Com vista à avaliação da selecção de habitat dos sisões e tarambolas, comparámos qualitativamente a sua ocorrência nas diferentes classes de uso do solo consideradas

164 (utilização) com a disponibilidade relativa desses usos do solo. Esta análise qualitativa foi realizada tanto para a Primavera (sisões) como para o Inverno (ambas as espécies). Para ambas as espécies serão apresentadas percentagens de ocorrência por habitat. c) Passeriformes

Em relação aos passeriformes o esforço de amostragem foi concentrado nos passeriformes típicos de zonas abertas (ou estepários) e nos passeriformes típicos de matos ripícolas (ver capítulo 7.4.4). Esta decisão baseou-se no facto destes 2 grupos incluírem um número substancial de espécies consideradas como prioritárias segundo o regulamento do projecto e, sobretudo no caso dos passeriformes dos matos ripícolas, do facto de estarem associados a habitats particularmente sensíveis à construção deste tipo de infra-estruturas.

As densidades populacionais dos passeriformes típicos de zonas abertas apenas foram caracterizadas durante a época reprodutora, uma vez que é durante esta época do ano que as suas populações deverão possuir maior interesse de conservação, ao estarem presentes vários migradores estivais.

A amostragem destas espécies foi efectuada através de transectos lineares nas principais áreas de estepe cerealífera. Numa primeira fase identificaram-se as principais manchas de habitats estepários existentes nas 4 cartas militares que compõem a área de estudo. Utilizou-se depois uma estratégia estratificada, na qual o número de transectos em cada mancha de estepe foi definido em função da dimensão dessa mancha, fazendo corresponder por exemplo à mancha que ocupava 15% da área total de habitat estepário, 15% dos transectos. A localização dos transectos numa determinada mancha foi definida com base no sorteio de quadrículas 1x1 km dessa mancha. Em cada quadrícula foi definido um ponto de início do transecto facilmente identificável no terreno (intersecção de caminhos, casas, marcos geodésicos, cotas mais elevadas, etc.). A orientação do transecto foi definida em função da existência de outros pontos identificáveis no terreno com a condicionante de o comprimento do transecto não ser inferior a 500 m. Foram definidos deste modo 20 transectos que se distribuíram pelas quatro cartas militares da área de estudo (Figura 102).

Para caracterizar os habitats que ocorriam em cada transecto, foi medida, ao longo de cada um deles, a representatividade (expressa em % de comprimento total) de vários tipos de uso do solo (cereal, pousio, lavrado, etc.). Posteriormente, cada transecto foi classificado numa de 4 classes, de acordo com os seguintes critérios: se a representatividade do tipo de uso do solo dominante no transecto fosse superior ou igual a 70% do seu comprimento total, esse uso do solo definia a classe; quando um transecto era constituído por diferentes tipos de uso do solo, não existindo nenhum deles que fosse dominante (portanto com uma representatividade inferior a 70%) era incluído na classe "misto". Quando o uso do solo dominante a que pertencesse o transecto se alterasse da primeira para a segunda visita (nomeadamente de pousio para lavrado) optou-se por considerá-los como dois transectos independentes.

165

Figura 102 - Localização dos transectos em estepe cerealífera.

166 Cada um destes transectos foi percorrido duas vezes na época reprodutora, uma no início de Abril e outra no início de Junho. Nestes percursos pedestres as aves foram contabilizadas ao longo de uma linha de progressão cujo comprimento variou entre 500 m e 1200 m (média=880 m, comprimento total=17.625 km, n=20). Foram registadas as distâncias perpendiculares das aves ao transecto. A realização dos transectos ocorreu nas três primeiras horas após o nascer-do-sol e nas últimas horas antes do pôr-do-sol (ao fim da tarde), período em que a conspicuidade das aves é mais elevada (Bibby et al. 1992, Robbins 1981). Os censos não foram efectuados em dias com condições climatéricas adversas (e.g. chuva ou vento forte).

Em cada transecto a abundância de cada espécie foi ponderada pela distância percorrida e expressa sob a forma de um índice quilométrico de abundância (n.º de indivíduos/km), considerando-se para tal o valor máximo das duas contagens. A partir destes valores foi calculado o valor médio (e variabilidade) da abundância relativa de cada uma das espécies no habitat estepe cerealífera, bem como em cada um dos tipos de uso do solo em que este habitat foi classificado.

7.4.4 Passeriformes dos matos ripícolas

Os passeriformes típicos dos matos ripícolas, tal como aconteceu com os passeriformes de zonas abertas, foram também unicamente amostrados durante a época reprodutora, altura em que as suas populações possuem maior interesse de conservação, ao estarem presentes vários migradores estivais.

Para a estimativa da abundância destas espécies foram utilizados os troços de rio já definidos para a amostragem de aves aquáticas nos principais cursos de água da área de estudo (capítulo 7.4.1b), Figura 100). Estes troços foram percorridos duas vezes na época reprodutora, uma no mês de Maio e outra no mês de Junho. Nestes percursos pedestres, de aproximadamente 500 m, foram registados todos os contactos com as espécies-alvo em ambas as margens do rio. A realização destes percursos ocorreu nas três primeiras horas após o nascer-do-sol e nas últimas horas antes do pôr-do-sol (ao fim da tarde), período em que a conspicuidade das aves é mais elevada (Bibby et al. 1992, Robbins 1981). Os censos não foram efectuados em dias com condições climatéricas adversas (e.g. chuva ou vento forte). A abundância de cada espécie foi ponderada pela distância percorrida e expressa sob a forma de um índice quilométrico de abundância (n.º de indivíduos/km). Para cada percurso foi considerado o valor máximo de abundância das duas contagens.

7.4.5 Outras espécies a) Cegonha-branca Ciconia ciconia

Com base na experiência prévia de alguns dos elementos da equipa no recenseamento desta espécie (cf. e.g. Franca & Granado 1988), considerou-se que seria possível durante os trabalhos de Atlas (cf. capítulo 7.3) anotar todos os ninhos isolados e pequenas colónias sem que tal implicasse outras alterações metodológicas. Adicionalmente, preconizou-se que seria necessária uma visita adicional a duas ou três colónias maiores, particularmente se situadas em meio urbano ou em árvores de folhagem densa, para estimar com maior rigor o número de ninhos presentes.

167

Na prática, o recenseamento funcionou aproximadamente desse modo, com a maior parte dos ninhos a serem detectados durante o Atlas de Inverno (Dezembro/ Janeiro) e com as taxas de ocupação a serem determinadas durante o Atlas de Primavera (Maio/ Junho). Como previsto, só dois núcleos obrigaram a uma visita adicional para apurar estimativas: o de Moura e o de Entre Águas (perto da confluência do Rio Ardila com o Rio Guadiana), ambos na CM 501. No caso do núcleo de Moura também foram efectuados inquéritos para simplificar a prospecção.

É importante referir que a metodologia utilizada provavelmente não permitiu a detecção de todos os ninhos ocupados existentes na área de estudo. Os casais isolados com ninhos em galerias ripícolas densas e em eucaliptais são particularmente difíceis de detectar sem um esforço adicional. Em todo o caso, a estimativa populacional para a área de estudo apresentada neste relatório deverá estar bastante próxima da realidade. b) Cegonha-preta Ciconia nigra

Para recensear a população nidificante desta espécie na área de estudo, tentou tirar-se o maior partido possível das sinergias entre as diferentes linhas de trabalho em curso durante a Primavera, por forma a optimizar a recolha de dados. A sequência de procedimentos de campo, em regra, foi a seguinte: Para todas as aves desta espécie observadas durante o Atlas (cf. capítulo 7.3) e durante as amostragens orientadas para a obtenção de estimativas populacionais dos outros grupos de espécies-alvo de aves (capítulo 7.4), o local exacto de observação e, no caso das aves em voo, a sua direcção e altitude, foram cuidadosamente assinalados em fotocópias das cartas 1/25000. Essa informação foi posteriormente digitalizada produzindo-se um mapa de toda a área de estudo com os registos assinalados. Em seguida, sempre que possível, foram inquiridos habitantes ou trabalhadores das áreas onde a espécie foi observada (guardas de zonas de caça, madeireiros, pastores, etc.), procurando-se obter informações relativas à existência de ninhos e à sua localização. Esta abordagem permitiu obter informações, não só sobre os ninhos actualmente existentes, como também sobre ninhos antigos cujos suportes foram entretanto destruídos. Finalmente, visitaram-se as áreas mais favoráveis à sua nidificação (escarpas ou pedras à beira de cursos de água permanentes, barrancos cobertos de denso matagal onde existam árvores grandes, etc.) situadas próximos dos locais onde a espécie foi vista e, a partir de pontos fixos de observação e/ou de percursos a pé, tentaram localizar-se os restantes ninhos.

De notar que, durante a prospecção dirigida ao bufo-real (ponto 7.4.5c)), foram visitadas todas as fragas e afloramentos rochosos fluviais existentes na região, o que teria permitido detectar outros casais nidificantes nesse habitat que não tivessem sido identificados pelos demais processos.

Complementarmente, foi solicitada à Divisão de Habitats e Ecossistemas do Instituto da Conservação da Natureza toda a informação existente sobre a nidificação da espécie nas quatro cartas militares que constituem o âmbito geográfico do presente estudo. Os dados fornecidos por essa Divisão, no entanto, nada acrescentaram aos nossos dados de campo. Apesar do trabalho de campo para o presente recenseamento ter tido uma forte contribuição de dados não sistemáticos colhidos no âmbito de outras linhas de

168 trabalho do mesmo programa, somos da opinião de que o grau de cobertura obtido será bastante próximo do conseguido noutros estudos recentes realizados em Portugal e dirigidos exclusivamente a esta espécie (e.g. Rosa 1995, Pacheco 2001).

Atendendo à importância aparentemente reduzida da população invernante em Portugal, mesmo quando comparada apenas com a da Estremadura espanhola (Álvarez et al. 1993), no Inverno não foi aplicada qualquer metodologia específica para detecção da espécie. Os registos apresentados relativos a essa época foram efectuados no âmbito Atlas e das amostragens orientadas para a obtenção de estimativas populacionais dos outros grupos-alvo de aves. c) Bufo-real Bubo bubo

Para localização dos indivíduos de bufo-real recorreu-se à técnica dos pontos de escuta com reprodução das vocalizações conspecíficas (playback) (e.g. Penteriani & Pinchera 1991, Zuberogoitia & Campos 1998, Lourenço et al. 2002). Este método consiste na indução e escuta das respostas dos indivíduos e permite de uma forma rápida fazer uma localização e contagem do número de casais reprodutores (Martínez & Zuberogoitia 2002). Este procedimento deve ser realizado entre Novembro e Janeiro, o período de maior actividade vocal desta espécie, coincidindo com o início da época de reprodução (Donázar 1988, Casanova & Galli 1998), sendo que Ruiz- Martínez et al. (1996) referem o período de Janeiro e primeira quinzena de Fevereiro como de maior actividade vocal na Serra Morena (Sul de Espanha). Neste caso os trabalhos de campo com recurso a pontos de escuta decorreram entre 26 de Dezembro de 2003 e 17 de Janeiro de 2003.

A técnica utilizada nos pontos de escuta foi estruturada em três períodos: (1) período de escuta de vocalizações espontâneas (SCP), com duração de cinco minutos; (2) período de reprodução das vocalizações conspecíficas (PP), com duração de cinco minutos; (3) período de escuta das respostas induzidas pela vocalização reproduzida (PPP), com duração de 10 minutos. A existência de um período inicial de escuta de vocalizações espontâneas pode permitir a detecção de indivíduos flutuantes, ou seja, machos jovens ou não acasalados, que raramente respondem às vocalizações reproduzidas, uma vez que não estão a defender um território (Martínez & Zuberogoitia 2002).

O período de escuta de respostas de 10 minutos parece ser o que optimiza a detecção, uma vez que alguns indivíduos apresentam uma resposta tardia às vocalizações (Lourenço 2000), sendo esta a duração sugerida por alguns autores (Zuberogoitia & Campos 1998), ou aproximada (15 min.) (Martínez & Zuberogoitia 2002).

Os pontos foram realizados nas primeiras quatro horas seguintes ao ocaso, que engloba o período do dia de maior actividade vocal do Bufo-real (Mikkola 1983, Casanova & Galli, 1998).

Para fazer uma cobertura mais eficaz da área envolvente à Albufeira, onde a ocorrência de Bufo-real era mais provável foram realizados 33 pontos de escuta (Figura 103). Dado que a detecção das respostas dos indivíduos é realizada até cerca de 2000 metros do ponto de escuta (Lourenço 2000), sendo que num raio de 1500 metros todas as respostas são facilmente escutadas pelos investigadores (Mikkola 1983), foram definidos buffers de 500 metros por forma a contabilizar a área total

169 coberta neste trabalho. O resultado relativo à área amostrada pelos pontos de escuta é, respectivamente de um maior grau de eficácia para um menor grau: 25.7 km2 para um buffer de 0.5 km; 70.0 km2 para um buffer de 1 km; e 65.1 km2 para um buffer de 1.5 km.

Em Fevereiro de 2004, iniciou-se a fase de prospecções a pé dos habitats potenciais, para detecção dos locais de nidificação. Este método apesar de altamente moroso, parece ser o que apresenta maior eficácia (Zuberogoitia & Campos 1998). No entanto, para identificação de territórios apenas, o método dos pontos de escuta revela-se como mais vantajoso em termos da relação custos-resultados (Lourenço 2000. Martínez & Zuberogoitia 2002).

170

Figura 103 - Pontos de escuta para detecção do bufo-real e respectivos “buffers” de determinação da área prospectada.

171 7.5 Resultados

7.5.1 Resultados por espécie

Neste capítulo são apresentados os resultados obtidos para cada uma das espécies estudadas. Estes resultados integram o conjunto dos resultados parciais obtidos nas diferentes metodologias de amostragem utilizadas ao longo do estudo.

Foi considerado um total de 61 espécies (Anexo VI), 55 que figuram na lista de espécies prioritárias do regulamento do projecto e mais 6 que a equipa detectou na área de estudo e que decidiu também monitorizar devido aos seus estatutos de conservação desfavoráveis a nível nacional ou europeu e/ou ao facto de serem espécies de ocorrência rara na região ou mesmo no país. É o caso da garça-branca- grande Egretta alba, da gaivina-preta Chlidonias niger, do andorinhão-real Apus melba, do andorinhão-cafre Apus caffer, do chasco-ruivo Oenanthe hispanica e do tordo-zornal Turdus pilaris.

Das 61 espécies, 24 foram detectadas nas duas épocas de amostragem, podendo considerar-se residentes, 16 delas são espécies invernantes e 21 só foram detectadas durante a Primavera – correspondendo a nidificantes estivais, principalmente, ou a migradores de passagem (Anexo VI). No caso da águia-pesqueira a única observação de que dispomos foi já obtida na presente Primavera (2005), fora do âmbito dos trabalhos de campo da presente monitorização. A sua inclusão nesta listagem de resultados assume assim um carácter de excepção, que fica a dever-se sobretudo ao facto de se tratar de uma espécie de especial interesse em termos de conservação (ICN 2004).

Na apresentação das espécies foi seguida a ordem proposta por Voous (1977) e a nomenclatura vernácula constante na lista de Sacarrão & Soares (1979). Os respectivos mapas de distribuição – invernante, primaveril ou ambos, conforme a espécie – podem ser consultados no Anexo VII.

Mergulhão-pequeno Tachybaptus ruficollis

Espécie presente na área de estudo ao longo de todo o ciclo anual. No Inverno é gregária e frequenta águas abertas, o que facilita bastante a sua detecção. Na Primavera ocorre aos pares em ambientes mais confinados, refugiando-se frequentemente na vegetação palustre, de tal forma que as vocalizações são muitas vezes a melhor forma de a detectar.

Durante os trabalhos de Inverno do presente programa, foi detectada sobretudo na Albufeira de Alqueva e troços vizinhos dos rios Guadiana e Ardila (CM 501) e na zona sudoeste da área de estudo (sobretudo na CM 511). Na região oriental (CM 502) só foi detectada no açude dos Ourives, a oeste da Amareleja, onde, no entanto, foram contados treze indivíduos. As restantes observações referem-se quer a aves isoladas quer a grupos de até 24 indivíduos, com uma média de quatro aves por bando (n=30). Só cerca de 20% das observações foram efectuadas em meios lóticos, todas as restantes ocorreram em meio lênticos.

Os percursos a pé realizados ao longo de troços de rio no Inverno permitiram-nos estimar a sua abundância relativa nesse habitat em 0.3 indiv./km.

172

Elias et al. (1998) não detectaram a espécie na área correspondente à CM 502 e, estranhamente, indicam uma abundância relativa muito baixa para a zona da CM 511.

Na Primavera foi observado em menos quadrículas da Albufeira de Alqueva e não foi observado de todo nos cursos principais dos rios Guadiana e Ardila. Em contrapartida, surgiu em alguns açudes nos quais não foi detectado durante o Inverno, caso dos da Ínsua e de Vale Manantio (CM 501), do da Herdade dos Arrochais (CM 502), etc.. A importância relativa da CM 511 manteve-se durante a Primavera.

Foram observadas aves isoladas e grupos de até seis aves mas, como seria de esperar, a média de aves por bando diminuiu para 1,9 (n=32). Não foi observado nos percursos a pé realizados ao longo de troços de rio nesta época.

O padrão de ocorrência da espécie na nossa área de estudo apresenta semelhanças com o observado por Lopes et al. (2004a) para a zona de influência da albufeira de Alqueva, que também referem uma distribuição mais dispersa durante o Inverno, assim como uma maior utilização dos cursos de água (o Rio Guadiana nesse caso) nessa época. Na nossa área de estudo, no entanto, a espécie pareceu ser mais abundante durante o Inverno (cerca de 100 aves observadas vs. cerca de 30 aves observadas na Primavera), enquanto que estes autores não registaram flutuações significativas nos seus efectivos ao longo do ano.

Mergulhão-de-crista Podiceps cristatus

Espécie presente na área de estudo durante todo o ano mas que é mais abundante no Inverno, altura em que a Albufeira de Alqueva provavelmente acolhe indivíduos provenientes de outras áreas.

Foi possível confirmar a nidificação de alguns casais (<5) mas em apenas dois locais, a Albufeira de Alqueva (CM 501) e o açude de Rio Torto (CM 511). Durante a época de reprodução também foram observadas aves em açudes situados na zona dos Montes da Matosa (CM 511) e na Ribeira de Selmes, a norte da povoação (CM 500).

No Inverno está presente nas mesmas áreas onde nidifica mas o número de aves em Alqueva aumenta, supostamente porque algumas aves que nidificam em albufeiras menores e com mais vegetação palustre, situadas fora da área de estudo, para aí se deslocam. Será possivelmente o caso de parte da população nidificante na Albufeira do Esporão, a sul de Reguengos de Monsaraz (obs. pess.).

No Inverno de 2003/ 2004 foram observados oito indivíduos diferentes no açude de Rio Torto e 10 a 12 na pequena parte da Albufeira de Alqueva que está dentro da área de estudo. Este segundo número tem pouco significado uma vez que o quantitativo presente na globalidade da albufeira é muito maior e, por isso, o número de aves presentes nessa zona da área de estudo deve variar quase diariamente.

Elias et al. (1998) não detectaram a espécie na zona correspondente à área de estudo do presente programa. Tal poderá ficar a dever-se à ausência, à data, da Albufeira de Alqueva e ao tipo de prospecção realizada, em que uma pequena zona húmida como o açude de Rio Torto facilmente passaria despercebida.

173 Corvo-marinho-de-faces-brancas Phalacrocorax carbo O corvo-marinho-de-faces-brancas é uma espécie exclusivamente invernante no nosso país, podendo ser observado essencialmente entre finais de Setembro e meados de Abril.

Na área de estudo ocorreu de forma bastante heterogénea, estando a maior parte das observações associadas ao curso do Rio Guadiana. As restantes observações foram registadas ao longo do Rio Ardila, Rib.ª de Odearce, e em açudes e albufeiras de dimensão variável, incluindo o plano de água de Alqueva. Para um total de 83 bandos observados, o número médio de indivíduos por bando foi de 12.5, com um máximo de 130. Durante a amostragem dos principais cursos de água da área de estudo foi possível observar a espécie em 20% dos troços amostrados, tendo-se estimado a sua abundância relativa em 1.95 indiv./km. Foi mais frequente e abundante nos troços realizados no Rio Guadiana (Figura 104).

Foi também identificado um dormitório da espécie no açude do Rio Torto (CM 511), onde foi contabilizado um total de 278 aves. É de realçar que este valor é superior ao número de aves observadas por Lopes et al. (2004a) em toda a zona envolvente da albufeira de Alqueva, e que representa cerca de 17% do total nacional, em 1999 (Gilissen et al. 2002).

Durante os trabalhos do Atlas das Aves Invernantes do Baixo Alentejo (Elias et al. 1998) foram muito escassas as observações desta espécie nesta região o que pode sugerir um acréscimo recente do número de indivíduos a invernar nesta área.

174

Figura 104 – Abundância relativa (indiv./km) de corvo-marinho-de-faces-brancas Phalacrocorax carbo nos principais cursos de água da área de estudo durante o Inverno.

175 Garça-pequena Ixobrychus minutus

A garça-pequena é uma espécie estival, pouco comum, que tem uma distribuição relativamente mal conhecida no nosso país. Ocorre associada a zonas húmidas de vários tipos (cursos de água, lagoas costeiras, pauis, barragens, etc.) onde selecciona áreas de vegetação densa (normalmente canaviais) para criar isoladamente ou em pequenas colónias (Rufino 1989). Apresenta também um comportamento bastante tímido, o que a torna uma espécie de difícil detecção.

Na área de estudo foi observada em apenas duas ocasiões. Um desses registos foi obtido no dia 9 de Junho, na CM 502, e refere-se à observação ocasional de 1 indivíduo em vôo baixo sobre o Rio Ardila. O outro foi obtido a 15 de Junho, no decorrer da amostragem de um troço do Rio Guadiana, na CM 500, e corresponde à observação de um indivíduo que se encontrava poisado na margem do rio numa zona de vegetação ripícola desenvolvida. Em nenhum destes locais se obteve qualquer indício da sua reprodução, pelo que esta se deverá considerar apenas como possível.

Lopes et al. (2004b) apresentam um padrão de ocorrência de garça-pequena na vizinha área da albufeira de Alqueva muito semelhante ao obtido no presente estudo. Estes autores também registaram a espécie em apenas duas ocasiões durante os seus trabalhos e, embora tenham observado um casal numa delas, também não confirmaram a sua nidificação.

Garça-branca-pequena Egretta garzetta

Espécie presente na área de estudo durante todo o ano mas que é claramente mais abundante no Inverno.

Na década de 1980 existia uma grande colónia de ardeídeos na zona do Moinho das Fazendas (CM 511), onde a garça-branca-pequena se reproduzia conjuntamente com a garça-boieira (Bubulcus ibis), o goraz (Nycticorax nycticorax) e a garça-vermelha (Ardea purpurea) (Grimmett & Jones 1989). Essa colónia estava situada em pequenas ilhas fluviais do Guadiana, perto da foz da Rib.ª de Odearce. Em 1981, estimou-se que aí existiriam 1000 a 1500 ninhos de garça-branca-pequena, valor que baixou para 120. em 1986 e 1987, e depois para apenas 15 em 1989 (Dias 1989). De acordo com Farinha & Trindade (1994), em 1991 a espécie ainda ocupou 30 ninhos no local mas, em 1992 e 1993, não houve reprodução, possivelmente devido a perturbação humana excessiva (inc. extracção de areias). De facto, no dia 16 de Maio de 1992, não foram observadas quaisquer garças na área (L.Gordinho, G.Elias, P.Geraldes, A.S.Rodrigues e N.C. Santos, dados inéditos). O mesmo sucedendo durante a realização dos trabalhos de campo para o presente estudo, isto apesar das diversas visitas ao local (e.g. 09.06.2004). Actualmente parece já não nidificar na área.

No Inverno, comparativamente à garça-real, parece preferir cursos de água e albufeiras de menor dimensão, tais como a Rib.ª de Odearce, o Rio Torto e a Rib.ª de Pias, actualmente ainda preterindo a Albufeira de Alqueva. Apesar disso, tem uma distribuição relativamente contínua ao longo do curso do Rio Guadiana. Por esses motivos apresenta uma distribuição particularmente ampla na CM 511 (55% das presenças). Nesta carta, mais concretamente no açude do Rio Torto, foi inclusivamente detectado um dormitório da espécie, onde foram contabilizadas 16 aves conjuntamente com cerca de 300 garças-boieiras.

176

Nos percursos ao longo de troços de rio foi também mais frequente e abundante na CM 511 (Figura 105). A sua abundância relativa neste habitat foi estimada em 1.05 indiv./km e a sua frequência de ocorrência em 32%.

177 Figura 105 – Abundância relativa (indiv./km) de garça-branca-pequena Egretta garzetta nos principais cursos de água da área de estudo durante o Inverno e Primavera.

178 A distribuição da abundância relativa da espécie na área de estudo é algo semelhante à apresentada por Elias et al. (1998), no entanto, a metodologia desse trabalho não permitiu identificar a importância da CM 511 para a garça-branca-pequena, nem detectá-la na CM 502.

Tal como sucede com a garça-real, a distribuição da garça-branca-pequena obtida durante a Primavera é bastante semelhante à distribuição obtida no Inverno. Também neste caso, a percentagem de presenças diminuiu para 6,1% e as nossas estimativas de abundância relativa e de frequência de ocorrência nos troços de rio baixaram para 0.39 (0-2) indiv./km e 20.8%, respectivamente (Figura 105).

O conjunto dos resultados obtidos no decorrer dos trabalhos aponta para um efectivo populacional na área de estudo de cerca de 30-50 indivíduos na Primavera e 50-100 indivíduos no Inverno.

Na Primavera de 2005, já após o final dos trabalhos de campo para o presente programa de monitorização, foi descoberta uma colónia desta espécie (e de garça- boieira Bubulcus ibis) a montante da futura barragem de Pedrogão (entre a ponte da E.N. 258 e Azenhas Velhas). Esta colónia, com dezenas de casais, situa-se numa ilha do Rio Guadiana povoada por salgueiros e que ficará submersa com o enchimento da Albufeira de Pedrogão (J. Lima Santos com. pess.).

Garça-branca-grande Egretta alba (ou Casmerodius albus)

Espécie invernante muito rara na área de estudo. Actualmente poderá não ocorrer todos os anos e, mesmo em Invernos excepcionais nunca deverão estar presentes mais de meia dezena de indivíduos.

Os registos desta espécie efectuados em Portugal Continental entre 1995 e 1997 estiveram sujeitos a homologação pelo Comité Português de Raridades da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (Costa et al. 1999). Durante esse período foram homologados apenas oito registos (Costa et al. 2000).

Elias et al. (1998) não apresentam uma única observação da espécie mas, posteriormente, publicaram-se mais 30 registos, de um máximo de cinco indivíduos juntos, sendo nítido que a espécie tem vindo a tornar-se mais frequente em Portugal (Elias 2003, 2004).

Nidificou pela primeira vez em França em 1994 (Marion & Marion 1994) e em Espanha em 1997 (Martínez Vilalta et al. 1998). A evolução histórica dos seus registos no país vizinho foi revista por De Juana & Ferrer (1996). Começou por nidificar apenas na Catalunha mas actualmente já o faz também na Comunidade Valenciana e na Andaluzia, totalizando mais de dez casais. O incremento da população invernante também foi significativo, por exemplo no Delta do Ebro passou de 10 indivíduos em 1997 para 131 em 2002 (Fouces Sáez 2003).

Durante o Inverno de 2003/ 2004 foi observado um indivíduo isolado na área de estudo. Todas as observações foram efectuadas no açude do Rio Torto situado na Herdade da Rabadoa (Beja), ou seja, na zona sudoeste da área de estudo (CM 511).

179 A primeira foi realizada no dia 17 de Dezembro de 2003 e a última a 14 de Janeiro de 2004. A ave foi observada a pescar nas margens providas de alguma vegetação palustre do açude e a repousar nas árvores mortas sem folhas que existem no seu braço ocidental.

Tanto quanto foi possível apurar, tratou-se da primeira observação da espécie na zona correspondente à área de estudo do presente programa. No entanto note-se que, na versão de Lopes et al. (2004b) a que tivemos acesso (disponível em www.edia.pt), esta espécie é mencionada no índice mas foi omitida do texto, presumivelmente por lapso.

Apesar das polémicas em torno da identificação e do estatuto na Europa das subespécies Neárctica E.a. egretta (Gantlett 1997, van den Berg 1997) e Oriental E.a. modesta (AERC 2002, Briz & Risco 2004) desta garça, as observações efectuadas no dia 14 de Janeiro apontam para um indivíduo da subespécie nominotípica E.a. alba (L.Gordinho, obs. pes.).

Garça-real Ardea cinerea

Espécie presente na área de estudo durante todo o ano mas que é claramente mais abundante no Inverno.

Tanto quanto sabemos, a sua nidificação nunca foi confirmada na área, nem sequer considerada provável (cf. e.g. Rufino 1989 ou Dias 1989).

No Inverno, frequenta sobretudo as margens dos grandes rios (Guadiana, Ardila e Rib.ª de Odearce) e albufeiras (Alqueva e açude do Rio Torto). Também ocorre em pequenos açudes, aparentemente preferindo os localizados em zonas mais planas e desarborizadas. Por esses motivos, tem uma distribuição mais ampla e é claramente mais abundante nas CM’s 501 e 511 (79,3% das presenças).

Os transectos a pé ao longo de troços dos principais cursos de água realizados no Inverno permitiram-nos estimar a sua abundância relativa nesse tipo de habitats entre os 1,43 e os 1,58 indiv./km e a sua frequência de ocorrência entre os 40 e os 48%. Preferiu os troços de rio mais largos ou em zonas mais amplas (Rio Guadiana e troço terminal do Rio Ardila) em detrimento dos mais estreitos ou em zonas mais fechadas (Figura 106).

Relativamente ao Atlas, a sua presença foi registada em 13,6% das quadrículas 1x1 km em que a área de estudo foi dividida, tendo sido registadas cerca de 70 aves.

No Atlas das Aves Invernantes do Baixo Alentejo (Elias et al. 1998), apesar da malha utilizada ser diferente (UTM 10x10 km), a espécie parece ter sido registada em maior número na CM 500 e em menor número nas CM’s 502 e 511. Estas diferenças deverão estar relacionadas com a abordagem quantitativa mais grosseira daquela obra e, no caso da CM 501, com a presença da Albufeira de Alqueva.

180 Figura 106 – Abundância relativa (indiv./km) de garça-real Ardea cinerea nos principais cursos de água da área de estudo durante o Inverno e Primavera.

181 As semelhanças entre a distribuição desta espécie obtida durante o Inverno e a distribuição obtida durante a Primavera são óbvias. Essas semelhanças, em parte, deverão estar relacionadas com a provável presença de um número elevado aves não reprodutoras, que passam todo o ano em áreas de elevada disponibilidade alimentar (Snow & Perrins 1998). Apesar disso, na Primavera a espécie foi registada em apenas 7% das quadrículas e as nossas estimativas de abundância relativa e de frequência de ocorrência nos troços de rio baixaram para 0.93 (0-6) indiv./km e 25%, respectivamente. O número de aves observadas durante esta época reduziu-se também ligeiramente, para cerca de 40-50.

Cegonha-preta Ciconia nigra

Espécie predominantemente estival na área de estudo onde, no entanto, ocorrem alguns indivíduos isolados durante o Inverno.

No Inverno frequenta sobretudo as margens de grandes cursos de água e de albufeiras de média dimensão. Na Primavera recorre ao mesmo tipo de habitat para se alimentar mas nidifica em barrancos dominados por extensos matagais ou em florestações antigas com bastante subcoberto. O ninho pode ser edificado numa grande árvore ou numa escarpa à beira rio.

No âmbito dos trabalhos de campo do presente projecto foi possível realizar duas observações de Inverno, ambas na primeira quinzena de Janeiro e possivelmente referentes ao mesmo indivíduo. Uma no dia 9 de Janeiro, de uma ave a sobrevoar o açude de Outeiro do Ouro, localizado a oeste de Alqueva (CM 501); outra no dia 14 de Janeiro, de uma ave poisada na margem do Guadiana a montante do Barranco dos Castelos, situado junto ao troço terminal do Guadiana na área de estudo (CM 511).

Durante os trabalhos de Atlas de Primavera foi possível detectar a presença de dois casais na área de estudo. Um deles foi detectado numa zona de montado de sobro e azinho na parte norte da CM 500 e o outro num troço do Rio Ardila na parte leste da CM 502. Posteriormente foram realizadas visitas às áreas mais favoráveis à nidificação da espécie junto desses locais, que vieram a confirmar a sua reprodução. Os ninhos encontravam-se edificados em árvore (CM 500) e em escarpa (CM 502).

Elias et al. (1998) não apresentam nenhum registo de Inverno na área. Rufino (1989) confirmou a nidificação na área da CM 502, considerando-a provável na zona da CM 500. Uma década mais tarde, Rosa (1995) voltou a registar a presença da espécie nesta área, mais concretamente nas UTM 10x10 km correspondentes à zona norte das CM’s 501 e 502. Mais recentemente, Lopes et al. (2004b) estimaram a população reprodutora de Cegonha-preta na área de regolfo da Albufeira de Alqueva em pelo menos seis casais, confirmando a nidificação em quatro locais e considerando-a provável noutros dois. Entre estes últimos, encontrava-se a foz da Rib.ª das Barbas de Lebre, situada na CM 491, muito próximo da CM 501. Em 2004 o casal foi avistado nesta área no início da época reprodutora (Março) mas desapareceu pouco depois (M. Banha Coito, com. pess.). Note-se que a rocha onde provavelmente nidificava ficou submersa pelas águas da Albufeira de Alqueva em 2003.

O casal por nós detectado na CM 502 seria portanto já conhecido de trabalhos anteriores como Rufino (1989) ou Rosa (1995). De salientar, no entanto, que este ano o casal não nidificou na escarpa habitual, uma vez que esta se encontrava

182 parcialmente derrubada (R. Lourenço com. pess.). Em relação ao ninho da CM 500 tudo aponta para que se trate de um novo local de nidificação conhecido desta espécie.

Cegonha-branca Ciconia ciconia

Espécie presente na área de estudo durante todo o ano mas que é mais abundante na Primavera.

No Inverno parece preferir margens relativamente largas e planas de cursos de água (rios Guadiana, Ardila e Torto; ribeiras de Odearce e S. Pedro, etc.) e de albufeiras (Alqueva, Rio Torto, etc.) de grande e média dimensão. Também utiliza regularmente terrenos abertos aráveis, especialmente aqueles em que é praticada agricultura de regadio (Ínsua, Defesa de S. Brás, etc.).

Por esses motivos, tem uma distribuição particularmente ampla nas CM’s 501 e 511 (79,2% das presenças). Parece ser menos abundante do que as garças real e branca- pequena no troço inferior do Guadiana.

No Inverno foi observada em apenas 2 dos troços de rio percorridos a pé, ambos localizados no Rio Guadiana, na CM 511 (Figura 107). A sua abundância relativa nesse habitat foi estimada em 0.22 indiv./km. Relativamente à globalidade da área de estudo, está presente em 8.3% das quadrículas 1x1 km.

O padrão de distribuição revelado pelo presente estudo é bastante semelhante ao apresentado por Elias et al. (1998). Só para a área da CM 511 é que é indicada uma abundância relativa menor.

183

Figura 107 – Abundância relativa (indiv./km) de cegonha-branca Ciconia ciconia nos principais cursos de água da área de estudo durante o Inverno e Primavera.

184 Como a população nidificante desta espécie começa a frequentar os ninhos bastante cedo (Dezembro/ Janeiro), a distribuição de Inverno, em parte, coincide com a de Primavera.

Atendendo ao que foi dito anteriormente, não surpreende que, na Primavera, a percentagem de quadrículas Gauss 1x1 km em que a espécie foi registada tenha aumentado para os 11,6%, nem que a abundância relativa e a percentagem de ocorrência nos troços de rio amostrados tenham subido para os 1,56 (0-30) indiv./km e 20%, respectivamente (Figura 107). Esta estimativa de abundância relativa encontra-se, no entanto, provavelmente enviesada uma vez que, por coincidência, um dos troços de rio amostrados englobava a antiga colónia de Entre Águas.

Na Primavera é nítido o aumento do número de registos em torno da albufeira de Alqueva e do futuro açude de Pedrogão. Também é notável o incremento do número de observações em áreas onde a espécie estava praticamente ausente durante o Inverno, particularmente na CM 502.

No caso da cegonha-branca, espécie SPEC 2 (BirdLife/ EBCC 2000) e do Anexo I da Directiva Aves, optou-se por incluir também um mapa ilustrando a distribuição dos ninhos da espécie na área de estudo (Figura 108).

185

Figura 108 – Localização dos ninhos e colónias de cegonha-branca Ciconia ciconia na área de estudo.

186 A comparação entre a distribuição dos ninhos e a distribuição das indivíduos revela uma enorme discrepância, sendo a primeira muito mais restrita do que a última. Dois factores importantes para explicar este padrão são: (1) a provável presença de um número elevado de indivíduos não reprodutores na área e, (2) o facto de os cerca de 55 casais reprodutores utilizarem uma área de alimentação que vai muito para além da quadrícula 1x1 km em que se situam os respectivos ninhos.

Entre as principais colónias que existiam na área de estudo merece destaque a de Entre Águas, localizada perto da confluência dos rios Guadiana e Ardila (CM 501). Nesta colónia existiam pelo menos 22 ninhos, 15 dos quais – no mínimo – ocupados. O local vai ficar submerso com o enchimento da albufeira de Pedrógão.

Nessa carta militar existem apenas cerca de 11 outros ninhos ocupados: sete na cidade de Moura, quatro fora dela.

As outras três colónias identificadas situam-se na CM 511, mais especificamente no Monte da Matosa, no Monte das Aldeias e no Rio Guadiana junto à foz da Rib.ª de Odearce - a primeira com 4 ninhos e as outras duas com 2 ninhos cada. A recolha de informação sobre ninhos de cegonha-branca na CM 502 não foi tão sistemática como no resto da área de estudo.

Frisada Anas strepera

A frisada é uma espécie que se supõe ser de nidificação recente no nosso país e que se encontra provavelmente em expansão (Rufino 1989). Actualmente tem um núcleo populacional residente relativamente pequeno no nosso território (estimado em cerca 200 a 300 casais em 1991) ao qual se juntam aves migradoras durante o Inverno.

Na área de estudo foi possível observar a espécie nas duas épocas, embora sempre de forma pouco numerosa. Durante o Inverno a frisada apenas foi detectada numa ocasião. Esse registo, efectuado durante o censo a açudes e albufeiras, foi obtido no açude do Rio Torto (CM 511), a 14 de Janeiro de 2004, e diz respeito à observação 8 indivíduos.

Na Primavera, a frisada ocorreu de forma mais dispersa na área de estudo. O açude do Rio Torto voltou a ser o local mais importante para a espécie, onde se registou a presença de 10 indivíduos. Foram ainda observadas mais 14 aves distribuídas por 3 açudes de dimensão média ou reduzida e pelo plano de água de Alqueva.

Apesar de não ter sido confirmada a sua nidificação, tudo indica que ela ocorra, tal como acontece em vários locais da vizinha albufeira de Alqueva (Lopes et al. 2004a). A área de estudo deverá albergar um pequeno núcleo populacional residente de ca. 10-30 indivíduos.

Marrequinha Anas crecca

A marrequinha é uma espécie invernante no nosso país, podendo ser observado entre Outubro e Fevereiro. Na área de estudo foi apenas detectada por 3 vezes. Os registos foram obtidos no decorrer dos censos a açudes e albufeiras, e correspondem a observações em 3 açudes de pequena ou média dimensão localizados na parte oeste da

187 área de estudo (CM’s 500 e 511). O maior bando observado foi de 30 indivíduos. Estimamos uma população invernante na área de estudo de cerca de 50 indivíduos.

Pato-real Anas platyrhynchos

Espécie muito comum no nosso país, onde pode ser observada numa grande diversidade de habitats aquáticos. A população portuguesa é maioritariamente residente, podendo ser reforçada durante o Inverno com a chegada de algumas aves oriundas do Norte e Centro da Europa.

Durante o Inverno distribuiu-se de forma dispersa na área de estudo, ocorrendo sobretudo em açudes e albufeiras de dimensão variável, incluindo o plano de água de Alqueva (85% dos registos). Foi também observada ao longo de cursos de água como a Rib.ª de Odearce e os rios Ardila e Guadiana, embora com menor frequência. De facto, durante esta época a espécie ocorreu em apenas 2 dos 25 troços de rio amostrados, apresentando um baixo valor de abundância relativa neste habitat (Figura 109). O maior registo da espécie durante o Inverno foi obtido no açude do Rio Torto na CM 511, onde foi contabilizado um total de 150 indivíduos.

Na Primavera a espécie manteve o mesmo padrão de distribuição, embora mais alargado, ocupando agora cerca do dobro da área ocupada durante o Inverno. Este alargamento poderá ficar a dever-se à dispersão de alguns indivíduos ou casais, que abandonam as principais massas de água onde foram observados durante o Inverno, em busca de locais de nidificação alternativos.

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Figura 109 – Abundância relativa (indiv./km) de pato-real Anas platyrhynchos nos principais cursos de água da área de estudo durante o Inverno e Primavera.

189 Os principais habitats seleccionados continuaram a ser os açudes (dos mais reduzidos até à albufeira de Alqueva), representando cerca de 60% do total de registos obtido. Notou-se, no entanto, um aumento da importância dos cursos de água, desde os rios Guadiana e Ardila até às linhas de água mais remotas, que passaram a representar cerca de 30% das ocorrências. É ainda de referir a observação da espécie em zonas agrícolas a alguma distância de habitats aquáticos.

Os resultados obtidos na amostragem dos principais cursos de água da região durante esta época estão também de acordo com o que atrás foi referido, mostrando que a espécie passou a ser muito mais frequente neste habitat, ocorrendo agora em 8 dos 25 troços percorridos, atingindo uma abundância relativa de 1,17 indiv./km (Figura 109).

O conjunto dos resultados obtidos aponta para uma população residente na área de estudo de cerca de 300 a 400 indivíduos.

Arrabio Anas acuta

O arrabio é uma espécie exclusivamente invernante no nosso país, onde pode ser observado essencialmente entre Novembro e Março.

Esta espécie foi detectada apenas por uma vez na área de estudo. Este registo, efectuado no decorrer dos censos a açudes e albufeiras, foi obtido no açude do Rio Torto (CM 511), no dia 14 de Janeiro de 2004 e diz respeito à observação de 1 fêmea.

Lopes et al. (2004a) também referem uma única observação desta espécie durante os trabalhos de monitorização de aves aquáticas na zona de influência de Alqueva. De facto, trata-se de uma espécie pouco comum na região leste alentejana, onde não foi detectada, por exemplo, durante os trabalhos do Atlas das Aves invernantes do Baixo Alentejo (Elias et al. 1998).

Pato-trombeteiro Anas clypeata

Trata-se de uma espécie principalmente invernante no nosso país, para a qual existem também registos de nidificação pontuais (Rufino 1989).

Na área de estudo, durante o Inverno, foi apenas detectada no açude do Rio Torto, na CM 511. Este registo, efectuado no decorrer dos censos a açudes e albufeiras, diz respeito à observação de 36 indivíduos.

Na Primavera voltou a ser observado no mesmo local 1 macho adulto em plumagem nupcial, não tendo sido possível, no entanto, confirmar a nidificação da espécie.

Lopes et al. (2004a) apresentam um padrão de ocorrência na zona da albufeira de Alqueva semelhante ao obtido neste estudo. Nessa área a espécie foi também observada essencialmente durante o Inverno e em baixo número, não tendo sido confirmada a sua reprodução.

De referir que nem Elias et al. (1998), nem Rufino (1989) apresentam qualquer registo invernante ou nidificante, respectivamente, para a zona correspondente à área de estudo do presente programa.

190 Pato-de-bico-vermelho Netta rufina

O pato-de-bico-vermelho é um nidificante raro e irregular no nosso país, onde as maiores concentrações são observáveis durante o Inverno ou durante o final do Verão e Outono.

Na área de estudo foi possível observar a espécie nas duas épocas estudadas. Em Dezembro observou-se um máximo de 8 indivíduos no açude do Rio Torto, na CM 511, enquanto que no mês de Maio se detectaram 2 casais no mesmo local. De salientar que nesta ocasião foi possível confirmar a nidificação de um dos casais através da observação de crias junto de uma das fêmeas.

Tanto quanto sabemos, a nidificação da espécie na área do presente programa, ou até mesmo a sua presença durante o Inverno, era até este momento desconhecida (e.g. Rufino 1989, Elias et al. 1998, Farinha & Neves 1999), facto que poderá estar relacionado com a construção relativamente recente deste açude.

Zarro-comum Aythya ferina

Trata-se de uma espécie principalmente invernante no nosso país, que poderá nidificar esporadicamente (Rufino 1989).

Na área de estudo foi apenas observada no açude do Rio Torto, na CM 511, onde foi contabilizado um máximo de 175 indivíduos no dia 5 de Janeiro de 2004. Esta observação é especialmente interessante se atendermos ao elevado número de indivíduos registado e ao facto de se tratar de uma zona, onde aparentemente a sua ocorrência não era conhecida (e.g. Elias et al. 1998).

Na monitorização de aves aquáticas na área de influência de Alqueva também só foi observado num local, nesse caso no açude da Herdade do Esporão, tendo sido contabilizados 100 indivíduos (Lopes et al. 2004a).

Zarro-negrinha Aythya fuligula

Espécie invernante no nosso país, que ocorre muito esporadicamente durante a Primavera (Rufino, 1989).

Foi registada na área de estudo durante os censos a açudes e albufeiras em apenas duas ocasiões durante o mês de Janeiro de 2004. Uma dessas observações, de 25 indivíduos, efectuou-se no açude do Rio Torto, na CM 511. A outra, de 17 indivíduos, foi efectuada num açude de dimensão mais reduzida na CM 502.

Com base nestes resultados estimamos uma população invernante na área de estudo inferior a 50 indivíduos. É de salientar que Elias et al. (1998) não registaram o zarro-negrinha nesta região durante o Atlas das Aves Invernantes do Baixo Alentejo, e que Lopes et al. (2004a) apenas detectaram 2 indivíduos desta espécie durante os trabalhos de monitorização de aves aquáticas na zona de influência da albufeira de Alqueva.

Falcão-abelheiro Pernis apivorus

As estimativas populacionais desta espécie têm variado substancialmente nas últimas décadas. Rufino et al. (1985) avaliaram-na em 5 a 10 casais, Rufino (1989) em 10 a

191 100 e Palma et al. (1999) em 100 a 150. Estes últimos autores atribuem essa discrepância a diferenças de cobertura.

No sul do país, Palma et al. (1999) referem a ocorrência da espécie em quase toda a bacia hidrográfica do Tejo e do Sado mas não na do Guadiana. Gordinho (2002) obteve alguns indícios de nidificação da espécie na bacia do Guadiana, na região de Redondo, ca. 60 km a norte de Pedrogão.

Palma et al. (1999) afirmam que o habitat do falcão-abelheiro no sul do país são os montados de sobro com clareiras instalados em terreno ligeiramente ondulado ou plano.

Nas áreas de regolfo de Alqueva e Pedrogão as principais áreas de sobro situam-se nas serras de Portel e do Mendro (CM 490) cujo relevo poderia não ser muito favorável à espécie. Não obstante, Coverley (1939) afirma ter detectado dois ninhos na região de Portel.

Palma et al. (2004) obtiveram três registos desta espécie. Dois na Primavera, nas CM’s 481 (Monte do Trigo) e 441 (Juromenha), e um no Inverno, na CM 452 (Rosário). Essas observações foram efectuadas no final do período não reprodutor e no início do período reprodutor em montados de azinho, pelo que aqueles autores as atribuem a indivíduos em migração.

Durante os trabalhos de campo para o presente programa de monitorização foi efectuado um só registo desta espécie, na CM 511. Essa observação realizou-se durante os transectos de automóvel, no dia 21 de Abril, entre o Monte dos Monteses e o açude de Rio Torto. A ave foi observada muito perto (a ca. 10 m) numa zona de montado de azinho aberto em cuja envolvente existia alguma pseudo-estepe (parte da qual foi fortemente intervencionada no Inverno de 2003/2004 para instalação de um olival).

Rufino (1989) afirma que a nossa população não deverá ocupar os respectivos territórios antes de Maio, pelo que poderia tratar-se de uma ave em passagem migratória.

Peneireiro-cinzento Elanus caeruleus

Espécie presente na área de estudo ao longo de todo o ciclo anual, sem que sejam nítidas alterações substanciais do seu efectivo populacional.

No Inverno, o peneireiro-cinzento ocorreu na área de estudo associado às principais manchas de cerealicultura. Nestas zonas foi observado em campos de cereal, pousios e pastagens, mas quase sempre associado à presença de algum estrato arbóreo ou perto da zona de transição para áreas mais arborizadas. Foi também observado em montados de azinho mais ou menos abertos e em olivais. Pareceu ser mais abundante na parte oeste da área de estudo (70% dos registos nas CM’s 500 e 511) o que deve reflectir a maior disponibilidade de habitat favorável à sua ocorrência. Apesar de, no Inverno, ser uma das aves de rapina diurnas com distribuição mais ampla na área de estudo, durante o Atlas a sua presença só foi registada em 9% das quadrículas.

192 Através dos transectos de automóvel foi possível estimar a sua abundância relativa em cerca de 2 indiv./100km.

Elias et al. (1998) apenas assinalam a sua presença numa quadrícula situada na área da CM 511, justamente no sector ocidental onde, de acordo com o presente trabalho, a espécie tem actualmente uma distribuição mais ampla. Os vários registos por nós efectuados nas restantes três cartas poderão ser fruto da aparente expansão da espécie no nosso país (Palma et al. 1999), resultado de um maior esforço de observação ou um misto de ambas as situações.

Na Primavera o peneireiro-cinzento ocorreu no mesmo tipo de habitats. Foi registado em 5,5% das quadrículas, estimando-se a sua abundância relativa em cerca de 0.75 indiv./100km através de 1071,78 km de transectos de automóvel. Foi localizado um único possível ninho, cerca de 500 m a Leste do Monte das Eirinhas, na CM 501.

Milhafre-preto Milvus migrans

Espécie estival relativamente rara e com uma distribuição bastante esparsa na área de estudo. Apesar de não ter sido detectada na CM 501 em 2004, nas Primaveras de 1999 e 2003 foram feitos dois pares de registos nessa área e inclusive foi confirmada a nidificação a leste de Corte Serrão (Palma et al. 2004). Assim parece lícito concluir que a espécie está presente em toda a área de estudo parecendo ser menos rara na área da CM 500.

O milhafre-preto foi observado sobretudo em zonas florestais (83% dos registos), especialmente montados (75%), com apenas 17% das observações em áreas agrícolas (pousios).

Durante os transectos de automóvel foram obtidos dois registos desta espécie o que permitiu estimar a sua abundância relativa em cerca de 0.19 indiv./100km. Palma et al. (2004) obtiveram densidades muito superiores na área de influência da Albufeira de Alqueva, mesmo no período pós-desmatação (1,13 indiv./100km). Essa diferença surge provavelmente porque a área de influência de Alqueva inclui sub-áreas onde esta espécie ocorre de forma contínua e em densidades mais altas, como é o caso de Mourão (CM 483).

Milhafre-real Milvus milvus

Espécie que, actualmente, parece já não nidificar na área de estudo ou que, pelo menos, será muitíssimo rara como nidificante.

Rufino (1989) ainda confirmou a sua nidificação algures na carta 1/ 50000 que engloba a carta 1/ 25000 número 502.

No Inverno também é pouco comum, frequentando sobretudo a metade nordeste da CM 502, nomeadamente áreas próximas da Amareleja a sul e a oeste. Outros registos foram efectuados na zona do Monte do Azinhal (junto ao limite entre as CM’s 500 e 511) e na área do Monte das Loendreiras (a Leste de Moura). Um dos registos refere- se à observação simultânea de dois indivíduos, todos os outros dizem respeito a aves isoladas. Ocorreu fundamentalmente em olivais sem subcoberto arbustivo e, mais raramente, em montados de azinho também sem subcoberto.

193

Durante os transectos de automóvel foram observados apenas dois indivíduos o que nos permite situar a sua abundância relativa em torno dos 0.4 indiv./100km.

Elias et al. (1998) também registaram apenas dois ou menos indivíduos nas áreas correspondentes à CM 502 e à zona de transição entre as CM’s 500 e 501.

Grifo-comum Gyps fulvus

Espécie maioritariamente sedentária, cujos juvenis e não-reprodutores dispersam para Marrocos e para o Sahel (Hagemeijer & Blair 1997). As colónias mais próximas da área de estudo localizam-se na zona norte da província de Sevilha, aproximadamente à latitude de Moura, a uma distância pouco inferior à que separa aquela área das colónias fronteiriças da região de Campo Maior - Portalegre (Martí & del Moral 2003). Na bacia hidrográfica do Rio Tejo a maioria das crias abandona os ninhos entre a segunda quinzena de Junho e a primeira de Julho, embora algumas (poucas) só o façam na segunda quinzena de Agosto (Pacheco & Monteiro 2001). Dado que as amostragens de Primavera para o presente Programa de Monitorização decorreram entre meados de Abril e o final de Junho, ainda haveria poucos juvenis desta espécie em dispersão na altura. Não obstante, obtiveram-se dois registos primaveris desta espécie na área de estudo: um na zona da Ínsua (CM 501) no dia 12 de Maio e outro no Vale de Vinagre (CM 502) a 20 de Junho. A primeira ave encontrava-se a sobrevoar alto terrenos agrícolas de regadio lavrados recentemente e a segunda numa zona de matos. À escala da paisagem, as observações foram efectuadas numa área de regadio (pivot) rodeada de montado aberto e de pseudo-estepe, e numa zona de matos estrecortados com montado denso (respectivamente).

O grifo não foi observado durante os transectos de automóvel, pelo que não é possível estimar a sua abundância relativa em termos de IKA. No entanto, o facto de só ter sido registado em 0.3% das quadrículas, indica que aquela deverá ser extremamente baixa. Durante o Inverno não foi obtido qualquer registo desta espécie.

Palma et al. (2004) apenas registaram o Grifo na área de influência da albufeira de Alqueva durante a fase pré-desmatação, correspondendo as observações a 1% da área amostrada. A maioria das observações de Palma et al. (2004) refere-se ao período de Inverno que, nesta espécie, corresponde ao início do período reprodutor. Apesar disso, duas das três observações efectuadas mais a sul (CM 492), correspondem ao período de Primavera. Estas observações sugerem que poderão existir algumas variações locais no padrão de ocorrência da espécie, muito embora variações inter-anuais e variações devidas à presença da albufeira de Alqueva também não sejam de excluir. Palma et al. (2004) não observaram o grifo na CM 501.

Águia-cobreira Circaetus gallicus

Espécie estival pouco abundante e com uma distribuição relativamente esparsa na área de estudo. Foi registada em apenas 2.8% das quadrículas, com 50% das observações na CM 500.

Aparentemente, para nidificar, prefere zonas florestais com árvores de grande porte e abundante subcoberto, na vizinhança próxima de áreas abertas que utiliza para caçar. Isto explicaria o elevado número de registos na CM 500 onde ao sopé da Serra do

194 Mendro surgem bons terrenos de caça. No seio da área de estudo do presente Programa de Monitorização só era conhecido um ninho, na zona da Sobreira de Cima, situada na CM 501 (L. Gordinho obs. pes.). As aves não foram observadas na área durante a Primavera de 2004. Esta espécie também poderá nidificar nalguns barrancos do troço inferior do Rio Guadiana e do troço médio e superior do Rio Ardila.

Não foi observado um único indivíduo durante os transectos de automóvel o que sugere que a abundância relativa da espécie na área deverá ser bastante baixa. Palma et al. (2004) estimaram a abundância desta espécie na área de influência da Albufeira de Alqueva após a desmatação em 0.65 indiv./100km. Esses autores salientam a diminuição do número de presenças da águia-cobreira nos vales das principais linhas de água na fase pós-desmatação de Alqueva. Palma et al. (2004) confirmaram a nidificação em três locais nas CM’s 481 e 490 correspondendo basicamente às serras de Portel e do Mendro. O número de presenças na CM 501 – a única amostrada em três Primaveras – também diminuiu bastante em 2004 (apenas três contra seis de 1999 e seis de 2003). Apesar do observador responsável ter sido o mesmo, as datas ou horas de amostragem e as flutuações anuais no efectivo populacional da espécie poderão ter adicionado o seu efeito ao da construção da Albufeira de Alqueva.

Tartaranhão-ruivo-dos-pauis Circus aeruginosus

Espécie principalmente residente no nosso país, onde ocorre associada às principais zonas húmidas costeiras (Rufino 1989). É observada sobretudo em estuários, lagunas, pauis e arrozais, e selecciona normalmente caniçais para nidificar (Rufino 1989).

Na área de estudo o tartaranhão-ruivo-dos-pauis pode considerar-se como um invernante raro. Os dois únicos registos desta espécie foram obtidos na principal mancha de pseudo-estepe da área de estudo, na CM 511 e referem-se à observação de um indivíduo num campo de cereal, a 17 de Dezembro de 2003, e à observação de dois indivíduos, possivelmente imaturos, no açude do Rio Torto, a 5 de Janeiro de 2004.

No decorrer do Atlas das Aves Invernantes do Baixo Alentejo a espécie foi essencialmente observada nas zonas do Estuário do Sado e da Lagoa de Santo André, tendo sido muito esporádica a sua ocorrência no interior alentejano (Elias et al. 1998). Durante esse trabalho o registo mais interior foi obtido na zona da Barragem de Odivelas, que se encontra ainda a cerca de 40 km da área de estudo da presente monitorização.

Mais recentemente, Palma et al. (2004) detectaram a espécie na área de influência da albufeira de Alqueva, onde a consideraram “pouco comum”. Como não se tratava de uma das espécies-alvo desse estudo, os autores não referem nem o local nem a data dessas observações.

Tartaranhão-azulado Circus cyaneus

Espécie invernante na área de estudo, onde pode ser observada essencialmente de Setembro a Março. Tem uma distribuição particularmente contínua na maior mancha de pseudo-estepe existente na área considerada, que ocupa a metade ocidental da CM 511 e a metade sul da CM 500. Também ocorre em manchas de pseudo-estepe de

195 menor dimensão, tais como as zonas do M.te Novo dos Pereiros e do M.te dos Parradinhos (CM 502) ou do M.te da Casqueira – Ínsua (CM 501). Por esses motivos, o número de presenças foi relativamente equilibrado nas quatro cartas.

A maior parte das observações (75%) foi efectuada em áreas abertas dominadas por vegetação herbácea; nomeadamente em prados, pousios e restolhos (41%) e nas searas (34%). Também frequenta áreas com muito pouca ou nenhuma vegetação, tais como terrenos lavrados, plantações florestais recentes, searas recém germinadas, etc. (17%). É raro em zonas arborizadas, ocorrendo apenas quando o arvoredo é muito disperso e o subcoberto arbustivo raro ou inexistente.

Nos transectos de automóvel efectuados durante o Inverno, apenas foi observado um indivíduo. Toda a restante informação deriva dos trabalhos de Atlas. Relativamente à totalidade da área de estudo, foi registada em apenas 4% das quadrículas. Elias et al. (1998) registaram-na em toda a área correspondente à considerada no presente estudo, com menores abundâncias no sector central, um padrão consistente com o agora apresentado.

Tartaranhão-caçador Circus pygargus

Espécie estival, relativamente comum e bem distribuída na área de estudo.

A distribuição obtida na Primavera (de 2004) reflecte, grosso modo, a disponibilidade de habitats pseudo-estepários na área de influência do futuro açude de Pedrógão. Nesta óptica, surpreendem as ausências de registos em torno de Amareleja, na zona de Parradinhos e na margem esquerda da Ribeira de Toutalga (CM 502) ou na zona de Marmelar (CM 500).

Globalmente, durante os trabalhos de Atlas, a espécie foi detectada em cerca de 9,7% das quadrículas. Palma et al. (2004) detectaram o tartaranhão-caçador em 17,2% da área de influência da Albufeira de Alqueva. Essa diferença é fácil de explicar atendendo à extensão de habitat favorável existente na área das CM’s 481 a 483 e 492, e ao facto de se terem amostrado duas Primaveras (1999 e 2003) e não apenas uma (2004).

Através dos 1071,78 km de transectos de automóvel foi possível estimar a sua abundância relativa em cerca de 1.68 indiv./100km. Este valor também é bastante inferior ao obtido por Palma et al. (2004), mesmo para o período de pós-desmatação e início do enchimento (2.91 indiv./100km). Tal deverá ter uma explicação semelhante à avançada para a percentagem de presenças.

Palma et al. (2004) estimaram a população nidificante na área de influência da Albufeira de Alqueva em 8 a 30 casais, referindo uma redução da área ocupada da ordem dos 55% após a desmatação e o enchimento daquela albufeira. No caso da CM 501, única área comum a ambos os trabalhos, aqueles autores avançam com um total de 20 presenças (13 em 1999, 7 em 2003) contra as 10 do presente trabalho. Salienta- se a ausência da espécie na margem direita do Rio Guadiana e na margem esquerda do Rio Ardila em 2004. Nesta área Palma et al. (2004) confirmaram a nidificação do tartaranhão-caçador em dois locais: Monte Novo da Charnequinha e Monte das Galinhas. Em 2004 esses locais continuaram a ser frequentados pela espécie.

196 Gavião da Europa Accipiter nisus

Espécie presente na área de estudo durante todo o ano mas que é claramente mais abundante no Inverno. Todos os registos foram realizados na área da Serra do Mendro que abrange a metade norte da CM 500 e o quarto noroeste da CM 501. Essa área é dominada por montados com matos, eucaliptais e matagais. Nos transectos de automóvel apenas foi detectado um indivíduo o que torna impossível estimar com o mínimo de rigor a sua abundância relativa.

Apesar das conhecidas dificuldades de detecção desta espécie diminuírem a nossa percepção relativamente à sua real abundância, estamos em crer que, mesmo durante o Inverno, ela é pouco comum na área.

Elias et al. (1998) não apresentam qualquer registo de gavião nas quadrículas correspondentes à área de estudo do presente programa, só imediatamente a norte. Tal facto deverá estar relacionado com as já referidas dificuldades de detecção da espécie e com o diferente esforço de amostragem.

Em virtude da escassez da espécie na área durante a época de nidificação e das dificuldades acrescidas de detecção nessa altura do ano (Snow & Perrins 1998), não foi obtido qualquer registo durante o Atlas nem durante os transectos. Apesar disso, uma vez que autores como Rufino (1989) consideram a nidificação desta espécie provável na área da CM 502, mantém-se o que foi dito no primeiro parágrafo deste texto.

Palma (et al. 2004) afirmam unicamente que o gavião é uma espécie regular mas pouco comum na área de influência da Albufeira de Alqueva (inc. C.M. 501), não detalhando diferenças entre Inverno e Primavera (apesar da respectiva prospecção ter abarcado duas Primaveras e três Invernos).

Águia-real Aquila chrysaetus

A águia-real está presente na área de estudo durante todo o ano.

Durante o Inverno a espécie foi detectada por 2 vezes, ambas durante o mês de Janeiro. Um desses registos diz respeito à observação de 2 indivíduos adultos num montado de azinho junto do Rio Ardila (CM 502) e foi obtido de forma ocasional. O outro refere-se à observação de 1 adulto também em montado de azinho na CM 500 e foi efectuado no decorrer dos transectos em veículo todo-o-terreno dirigidos a rapinas.

Na Primavera apenas foi possível observar a espécie em mais uma ocasião. O registo foi obtido durante os trabalhos de Atlas, a 5 de Maio, e corresponde à observação de um indivíduo adulto que sobrevoava uma zona de matagal mediterrânico com algumas azinheiras dispersas, na CM 500 muito perto do local onde a espécie tinha sido observada no Inverno.

A observação de aves adultas em 2 locais distintos (afastados cerca de 30 km) pode indiciar a presença de dois casais nesta região.

Rosa (1996) detectou um casal desta espécie no conjunto das CM’s 502, 503, 513 e 514 e observações mais recentes apontam para que esse casal se mantenha nessa área,

197 nomeadamente na zona correspondente à CM 513 (L. Gordinho, A. Vaz e L. Reino com. pess.).

Durante os trabalhos do Programa de Monitorização do Património Natural na área de regolfo da albufeira de Alqueva (1999-2003) foi também detectado um casal na CM 491, que terá perdido o seu local de nidificação com o enchimento da albufeira (Palma et al. 2004).

É possível que as aves detectadas no decorrer do presente estudo ocupem estes territórios (ou pelo menos um deles), uma vez que não foi detectado qualquer indício de nidificação no interior da área de estudo.

Águia-calçada Hieraaetus pennatus

Espécie estival na área de estudo onde, no entanto, ocorrem esporadicamente indivíduos isolados durante o Inverno.

Durante os trabalhos de Atlas levados a cabo no Inverno de 2003/ 2004 foi possível obter um registo na zona do M.te Carneiro, situado na encosta esquerda do Rio Guadiana, entre a Barragem de Alqueva e a confluência com o Rio Ardila. Essa zona é dominada por montados de azinho e zambujeiro de densidade bastante variável. A observação foi efectuada num local em que o subcoberto era composto por giestas e prado. Curiosamente o registo de Inverno foi efectuado numa das cartas militares em que a espécie é menos abundante na Primavera (ver adiante).

Elias et al. (1998) não obtiveram um único registo de Inverno para a metade interior do Alentejo.

Na Primavera é muito mais comum e tem uma distribuição claramente mais alargada. No entanto, mesmo nessa época de amostragem, a águia-calçada foi registada em apenas 2.8% das quadrículas 1x1 km em que a área de estudo foi dividida. Foi observada nas quatro cartas militares que constituem a área estudada mas grande parte dos registos foi realizada nas CM 500 (67%) e 511 (22%).

Nos 1071.78 km de transectos de automóvel que foram efectuados só se registaram quatro indivíduos, o que permite estimar a sua abundância relativa em cerca de 0.37 indiv./100km. Essa estimativa é ligeiramente inferior à obtida por Palma et al. (2004), na Primavera de 2003, para toda a área de influência da Albufeira de Alqueva (0.49 indiv./100km). Todavia não parece ser tão frequente na zona central da área de estudo como noutras regiões do Baixo Alentejo (Palma et al. 1999).

A Águia-calçada foi registada numa grande diversidade de habitats mas a maior parte das observações realizaram-se em áreas florestais, especialmente montados (41%).

Palma et al. (2004) estimaram a população reprodutora em toda a área de influência da Albufeira de Alqueva (1999-2003) em apenas três a 15 casais. Para a CM 501 (a única comum aos dois trabalhos), esses autores apresentam apenas três registos realizados em duas Primaveras, sem que a nidificação tivesse sido confirmada.

198 Águia de Bonelli Hieraaetus fasciatus

Espécie residente na área de estudo mas cujo efectivo poderá ser ligeiramente ampliado no Inverno devido à ocorrência de imaturos em dispersão.

No Inverno a espécie foi apenas detectada na parte oeste da CM 502, local onde foi observado um indivíduo adulto a 6 de Janeiro. Em Invernos anteriores, nomeadamente no decurso do programa de monitorização de aves estepárias na área de regolfo da Albufeira de Alqueva (1999-2003), observou-se pelo menos uma ave imatura na carta 501. Os registos correspondentes foram efectuados na zona do Monte Novo do Ratinho e da Sobreira de Cima (L. Gordinho com. pess.). Aparentemente, num dos dois primeiros Invernos, terá ainda havido uma observação à saída de Moura rumo ao Cais do Fragal (Palma et al. 2004).

No decurso dos trabalhos de campo de Primavera foi possível localizar um casal reprodutor. A zona de ocorrência das aves foi delimitada com recurso aos dados do Atlas e a registos suplementares efectuados durante a prospecção dirigida ao bufo- real. A descoberta foi posteriormente comunicada a um estudioso da espécie que descobriu o ninho e confirmou a nidificação (M. C. Pais com. pess.). O ninho é em árvore e está localizado perto do Rio Ardila na parte oeste da CM 502. A área é dominada por matos entrecortados com algumas manchas de montado denso e de matagal, mas está muito perto de uma grande zona de pseudo-estepe, habitat de caça privilegiado para a espécie. O casal de adultos foi observado com regularidade por nós na zona entre Janeiro e Maio de 2004 e posteriormente por M.C. Pais. Na Primavera foi ainda detectado um indivíduo adulto no canto sudoeste da CM 501, a cerca de 20 km do ninho da CM 502, não tendo sido possível confirmar se se tratava de um dos membros desse casal ou de um indivíduo adicional.

O casal reprodutor detectado no decurso dos trabalhos, aparentemente, não era conhecido (M. C. Pais, com. pess.). De acordo com Palma et al. (2004) os ninhos mais próximos conhecidos (na área de influência da Albufeira de Alqueva) situavam- se nos quadrantes noroeste das CM’s 491 e 492.

Águia-pesqueira Pandion haliaetus

Trata-se de uma espécie que sofreu uma forte regressão populacional no decorrer do século passado. No início desse século a águia-pesqueira era aparentemente comum, nidificando ao longo da costa, nomeadamente no distrito de Leiria e na costa sudoeste e vicentina (Coverley 1939). No entanto, entre 1978 e 1984 a população nidificante já não ultrapassava os três casais (Rufino 1989). Actualmente a espécie está extinta como nidificante, ocorrendo essencialmente como migradora de passagem ou invernante, podendo ser também observados indivíduos não reprodutores durante o período estival. A maioria das observações outonais e invernantes é efectuada na metade sul do país ao longo da faixa litoral (Farinha & Costa 1999). Tal como foi referido na introdução dos resultados, trata-se da única espécie incluída nesta listagem que não foi observada durante as duas épocas de trabalho de campo que compunham a presente monitorização. O único registo na área de estudo de que dispomos foi obtido já na presente Primavera (2005), mais concretamente no dia 28 de Maio, e refere-se à observação de um indivíduo imaturo próximo da confluência entre os rios Ardila e Guadiana, na CM 501 (J. Lima Santos com. pess.).

199 A presença da espécie nesta região foi também registada por Palma et al. (2004) durante o programa de monitorização de aves de rapina na área de influência da albufeira de Alqueva (1999-2003). Tanto quanto foi possível apurar, os registos mais próximos da área de estudo do presente programa de monitorização foram efectuados na zona da Póvoa de S. Miguel (CM 492, R. Lourenço com. pess.). Entre 1999 e 2003 não foi registada pelas equipas da Erena na CM 501 (L. Gordinho com. pess.).

Esmerilhão Falco columbarius

Espécie invernante rara na área de estudo onde deverá estar presente em pequeno número entre Setembro e Março.

Foram obtidos cinco registos de esmerilhão, quatro dos quais na grande mancha de pseudo-estepe situada na zona sudoeste da CM 511. O quinto registo foi realizado na área da Ínsua, localizada no canto sudoeste da CM 501. Um registo refere-se à observação simultânea de dois indivíduos, todos os outros dizem respeito a aves isoladas. É possível que alguns destes registos se refiram às mesmas aves que, no entanto, deveriam ser no mínimo três.

Todos os esmerilhões foram observados em terrenos abertos aráveis sem árvores nem arbustos; nomeadamente em pousios, searas, parcelas de forragem e parcelas lavradas. Três dos cinco registos provêm dos transectos de automóvel que permitiram estimar a sua abundância relativa em cerca de 0.6 indiv./100km.

Elias et al. (1998) não apresentam qualquer registo de esmerilhão nas quadrículas correspondentes à área de estudo do presente programa. Tal facto deverá estar relacionado com as conhecidas dificuldades de detecção da espécie e com o diferente esforço de amostragem.

Peneireiro-das-torres Falco naumanni

O peneireiro-das-torres é uma espécie estival em Portugal, que ocorre de modo fragmentado no Sul do País (Palma et al. 1999, Rocha et al. 2002). A sua população reprodutora foi estimada em 286 a 291 casais (Rocha et al. 2002), apresentando uma tendência populacional negativa (Palma et al. 1999). Atendendo ao seu estatuto de ameaça a nível europeu, foi colocado na categoria SPEC 1 (BirdLife/ EBCC 2000), sendo uma das nove espécies desta categoria que ocorrem em Portugal (Costa et al. 2003). Prefere habitats agrícolas de sequeiro (Palma et al. 1999, Rocha et al. 2002) evitando culturas lenhosas e regadios (Martí & Del Moral 2003).

Espécie estival muito rara na área de estudo onde foram obtidos apenas dois registos, provavelmente respeitantes a um único indivíduo (macho imaturo).

A primeira observação data de nove de Junho de 2004 e foi efectuada na ponte da Estrada Nacional número 258 (Moura – Pedrógão) sobre o Rio Guadiana. Nesse dia a ave foi observada detalhadamente poisada a 100 m de um ninho ocupado de peneireiro-vulgar (Falco tinnunculus).

200 O segundo registo, feito seis dias depois, diz respeito a um macho imaturo (provavelmente o mesmo) observado em voo (a caçar) perto do Rio Guadiana a sul de Pedrógão. Atendendo ao observado, não é de crer que a espécie actualmente nidifique na área de estudo, o que não significa que não o venha a fazer num futuro próximo.

A IBA mais próxima onde o peneireiro-das-torres nidifica é a de Cuba, onde em 2001 existiam 20 casais, cerca de 10% da população nacional (Costa et al. 2003, Rocha et al. 2002). Esta área situa-se a oeste de Pedrógão, a menos de 20 km em linha recta.

Palma et al. (2004) efectuaram três registos desta espécie na metade sul da CM 492, todos no período pré-desmatação de Alqueva, pelo que a ocorrência da espécie na CM 502, até 2002, não era improvável. Desse trabalho merecem ainda destaque duas confirmações da nidificação da espécie nas CM 474 e 482, a última das quais menos de 20 km a norte da área de estudo do presente trabalho (CM 501).

Ógea Falco subbuteo

Espécie estival no nosso país, onde os primeiros indivíduos podem ser observados a partir do final de Abril.

Na área de estudo foi observada apenas por 2 vezes. Os registos foram obtidos durante os trabalhos de Atlas, em áreas agrícolas das CM´s 500 e 511, nos dias 5 e 21 de Maio, respectivamente.

Apesar de nenhum dos locais onde foi observada corresponder ao que é normalmente descrito como sendo o seu habitat mais típico de nidificação – que são as paisagens mistas de bosquetes e terrenos agrícolas, ou manchas florestais na proximidade de albufeiras, pauis ou arrozais (Rufino 1989) – a data tardia das observações (especialmente da segunda) aponta para essa possibilidade.

De realçar que Rufino (1989) não refere a ógea como nidificante para esta região, e que Palma et al. (2004) não observaram qualquer indivíduo desta espécie durante os trabalhos de monitorização de aves de rapina na área de regolfo de Alqueva (primaveras de 1999 e 2003).

Falcão-peregrino Falco peregrinus

Trata-se de uma espécie rara no nosso país, onde nidifica em fragas costeiras ou interiores (Rufino 1989). Uma parte importante da população portuguesa nidifica no Alentejo, designadamente nos seus alcantilados costeiros. No interior alentejano é mais rara. Aí é observada quase exclusivamente durante o Inverno e de forma pontual (Elias et al. 1998).

Na área de estudo esta espécie foi apenas detectada numa ocasião. Esse registo, de apenas um indivíduo, foi efectuado na CM 511, numa área agrícola localizada a norte da Rib.ª de Odearce, a 11 de Dezembro de 2003.

É de salientar que Elias et al. (1998) não apresentam qualquer registo desta espécie nas quadrículas correspondentes à área de estudo do presente programa e que Palma et

201 al. (2004) também não observaram a espécie durante a monitorização de aves de rapina na área de regolfo de Alqueva (primaveras de 1999 e 2003).

Grou Grus grus

Espécie invernante na área de estudo onde está presente de finais de Outubro a princípios de Março. Quase todos os registos foram efectuados na região oriental da área de estudo (CM 502), em torno dos troços médio e superior do Rio Ardila. A excepção foi um bando de nove aves observadas sobre a Herdade de Vale Manantio, numa madrugada do início de Janeiro, em voo a média altitude rumo a Moura.

Quatro dos sete registos foram obtidos em dois dormitórios utilizados no Inverno de 2003/ 2004. Ambos estavam situados em ilhas do leito do Rio Ardila, um perto do Moinho do Viegas, onde pernoitaram mais de dezena e meia de indivíduos, outro próximo da foz da Ribeira de Safara, onde dormiram temporariamente mais de cinquenta aves.

Sisão Tetrax tetrax

Espécie presente na área de estudo ao longo de todo o ciclo anual.

A maior parte dos registos invernantes foram obtidos na parte oeste da área de estudo, sobretudo na extensa mancha agrícola da CM 511, e dizem respeito à observação de bandos cuja dimensão variou entre os 2 e os 45 indivíduos (média=14,4 indivíduos; n=24). A maioria das observações ocorreu em campos de restolho (ca. 36%), pousios (ca. 27%) e campos de cereal ou lavrados (ca. 27%), tendo-se registado ainda a ocorrência de um bando num montado aberto.

Durante os transectos em veículo todo-o-terreno a espécie não foi observada pelo que não se pôde efectuar qualquer estimativa da sua abundância ou densidade nesta época do ano. Apesar disso, a partir dos resultados obtidos durante os trabalhos de Atlas, é possível avançar com uma estimativa de cerca de 250 indivíduos para sua população invernante na área de estudo.

Durante a Primavera verificou-se um aumento da área ocupada pela espécie, que passou a ocorrer de forma muito mais visível nas CM´s 500. 501 e 502. Esta expansão primaveril, já observada noutros trabalhos (e.g. Moreira 2000), está relacionado com o facto de nesta época se assistir à progressiva desagregação dos bandos invernantes e à posterior distribuição dos machos reprodutores pelas áreas adequadas ao estabelecimento dos seus territórios primaveris. Durante esta época a maioria dos registos correspondeu, efectivamente, a machos isolados, que foram observados essencialmente em pousios ou pastagens (ca. 70% dos registos), onde efectuavam as suas paradas nupciais. Outros habitats utilizados incluíram as searas, os campos lavrados, o girassol, e os montados abertos e olivais. O número total de indivíduos observados durante os trabalhos de Atlas de Primavera foi de 94.

Durante as contagens em veículo todo-o-terreno a espécie foi registada por 26 vezes. Os indivíduos observados eram também maioritariamente machos que utilizavam zonas de pousio (cerca de 80% dos registos). Estas observações revelaram-se no entanto escassas para permitir estimativas de densidade (e até de abundância relativa)

202 robustas durante este período, evidenciando a provável desadequação desta metodologia para a amostragem desta espécie.

Em contrapartida a espécie foi frequentemente observada nos transectos a pé dirigidos a passeriformes estepários, onde apresentou uma abundância média de 2,52 indiv./km (erro padrão=0.505, n=20). A espécie foi mais abundante nos transectos em “pousio” (Figura 110), resultado que é explicado pelo facto da maioria dos indivíduos detectados (cerca de 90%) serem machos.

Tetrax tetrax 9

7

5

3 nº de indivíduos/km

1

DP EP -1 cereal (7) pousio (8) misto (5) Média

Figura 110 - Abundância média (indiv./km) de sisão Tetrax tetrax em áreas de estepe cerealífera durante a Primavera. Os valores (e respectivos erro padrão e desvio padrão) são apresentados para cada uma das classes de uso do solo. A dimensão da amostra de cada classe encontra-se entre parêntesis.

Abetarda Otis tarda

Trata-se de uma espécie residente no nosso país, onde pode ser observada essencialmente no Alentejo, em planícies abertas dedicadas à agricultura cerealífera extensiva (Rufino 1989).

Durante o Inverno foi apenas registada em duas ocasiões, ambas na parte oeste da área de estudo e durante o mês de Dezembro. Um dos registos foi efectuado durante os trabalhos de Atlas, e corresponde à observação de 1 indivíduo numa pequena mancha de agricultura extensiva (cerca de 300 ha) rodeada de olival, na parte leste da CM 511. O segundo registo diz respeito à observação de 2 indivíduos numa zona de pousios junto da povoação de Selmes (CM 500) e foi efectuado durante os transectos para contagens invernais de sisões e tarambolas.

Durante os dois censos invernais dirigidos à espécie, foram percorridas estas e outras zonas adequadas à sua ocorrência na área de estudo, não tendo sido efectuada qualquer observação.

Durante a Primavera a espécie voltou a ser detectada apenas nas CM’s 500 e 511. Na CM 500 a espécie foi observada por mais 2 vezes na mesma zona em que tinha sido

203 observada durante o Inverno. Os registos foram obtidos em Abril durante o primeiro censo primaveril, quando foram observadas 3 fêmeas num pousio, e em Maio, durante os trabalhos de Atlas, quando foi detectado 1 indivíduo também em pousio. Em Junho, no segundo censo primaveril, voltou a ser observado 1 indivíduo nesta carta militar, agora um pouco mais a norte e num campo de girassol recente. Na CM 511 a espécie não voltou a ser observada onde o fora no Inverno. Em contrapartida, passou a ser observada na principal mancha de estepe cerealífera dessa carta militar (parte oeste da carta militar). Nesse local foram observados um total de 11 machos adultos durante os trabalhos de Atlas, a 20 de Maio, e de 22 indivíduos, 18 deles identificados como machos adultos, durante o segundo censo primaveril, a 16 de Junho. De referir que nas duas ocasiões os indivíduos utilizavam campos com girassol em início de crescimento e também que em nenhuma delas se observou quaisquer comportamentos de carácter reprodutor (paradas nupciais, etc.).

Esta espécie foi também observada em 15% dos transectos a pé dirigidos aos passeriformes estepários, onde atingiu uma abundância média de 0.62 indiv./km (erro padrão=0.393, n=20). Nas três ocasiões em que a espécie foi detectada (em 2 transectos “mistos” e num transecto maioritariamnete ocupado por cereal) os indivíduos utilizavam parcelas de girassol.

Do conjunto destes resultados, destacam-se: (i) a possibilidade de a espécie nidificar na CM 500. onde foram observadas fêmeas em plena época de nidificação; (ii) a ocorrência no período pós-reprodutor de um assinalável número de machos adultos na CM 511; e (iii) a forte selecção dos campos de girassol durante Maio e Junho, altura em que as suas sementes (e provavelmente as próprias plântulas) parecem constituir um importante recurso alimentar para a espécie na região.

Alcaravão Burhinus oedicnemus

O alcaravão é uma espécie residente no nosso país onde frequenta habitats abertos com vegetação herbácea ou arbustiva rala e estrato arbóreo reduzido ou inexistente (Rufino 1989).

Durante o Inverno esta espécie apenas foi observada na zona oeste da área de estudo (essencialmente na CM 511). As aves encontravam-se isoladas ou em bandos, cujo tamanho variou entre os 4 e os 70 indivíduos. Ocorreu principalmente em parcelas lavradas, em parcelas semeadas com cereal ou com o cereal em início de crescimento, mas também em zonas de montado aberto e em olival. De referir que durante o Atlas das Aves Invernantes do Baixo Alentejo (Elias et al. 1998) a espécie não foi detectada na quadrícula UTM 10x10 km correspondente à parte central da CM 511, onde se detectaram as maiores abundâncias da espécie durante o presente estudo, facto que poderá ficar a dever-se à diferente metodologia utilizada associada à baixa detectabilidade da espécie nesta época do ano.

Durante a Primavera verificou-se um aumento assinalável da área de distribuição da espécie que passou das 8 quadrículas ocupadas no Inverno para 34. Para este resultado contribui o facto de nesta época a espécie ocorrer aos pares e não concentrada em bandos como no Inverno. A maior parte dos registos continuou a ser obtido na CM 511 (ca. 70%), onde a área de ocorrência da espécie se alargou. Aumentou também a sua representação na CM 500 e passou a ser observada nas CM’s 501 e 502. Os habitats mais usados nesta época foram os campos lavrados (incluindo girassol em

204 crescimento) e os olivais, com cerca de 30% dos registos cada. As restantes observações repartiram-se por pousios/pastagens (15%), montado de azinho (9%), campos de cereal (6%) e pinhal e vinha (3%, cada).

O alcaravão ocorreu também em 30% dos transectos a pé dirigidos a passeriformes estepários, onde foi possível estimar a sua abundância média relativa em 0.40 indiv./km (erro padrão=0.147, n=20).

O conjunto dos resultados obtidos nas diferentes épocas e com as diferentes metodologias aponta para uma população da ordem da centena de indivíduos na área de estudo.

Perdiz-do-mar Glareola pratincola

Espécie estival, que pode ser observada na metade sul do nosso país a partir de finais de Março. Frequenta zonas abertas (pastagens, pousios e terrenos lavrados) nas proximidades de água, mas também salinas e arrozais (Farinha & Costa 1999).

Esta espécie foi observada por duas vezes na área de estudo. As observações foram registadas no açude do Rio Torto, na CM 511, a 21 de Maio e a 16 de Junho e referem-se à observação de 6 e 3 indivíduos adultos, respectivamente. Nas duas ocasiões as aves foram observadas poisadas numa pequena ilha no centro do açude, sem que tivesse sido possível confirmar a sua nidificação. No entanto, a data tardia das observações e o seu afastamento no tempo indiciam essa possibilidade.

Embora a espécie se reproduza em boa parte do Alentejo e Algarve (cf. Rufino 1989, Farinha & Costa 1999), e inclusivamente na área de influência da vizinha albufeira de Alqueva (Moreira et al. 2000), a sua ocorrência na área de estudo, tanto quanto sabemos, era até este momento desconhecida.

Tarambola-dourada Pluvialis apricaria

Espécie invernante na área de estudo, onde pode ser observada essencialmente de meados de Novembro a meados de Fevereiro.

A tarambola-dourada ocorreu principalmente na parte oeste e centro da área de estudo (CM’s 500, 501 e 511) associada às principais manchas de cerealicultura. Foi observada, sobretudo em pousios e pastagens, mas também em campos de cereal e alqueives. Para um total de 30 observações efectuadas durante o trabalho de Atlas, o número médio de indivíduos observado por bando foi de 35, com um máximo de 325 registado numa pastagem na CM 511.

A análise dos dados obtidos durante os transectos em veículo todo-o-terreno permitiu estimar a sua abundância média em 5.4 indivíduos/10 km. Das 12 observações efectuadas durante esses percursos 7 foram realizadas em pousio e 5 em cereal ou terreno lavrado.

A partir do conjunto de resultados obtidos estimamos um efectivo invernante na área de estudo de cerca de 800 indivíduos.

205 Durante o Atlas das Aves Invernantes do Baixo Alentejo (Elias et al. 1998) a espécie não foi detectada nas quadrículas UTM 10x10 km correspondentes às CM’s 500 e 501, o que pode estar relacionado com a diferente metodologia utilizada nesse estudo.

Guincho-comum Larus ridibundus

Espécie invernante pouco comum na área de estudo onde existem registos esporádicos de não reprodutores durante a Primavera. A sua ocorrência parece ter-se tornado mais regular desde o enchimento da Albufeira de Alqueva (Lopes et al. 2004a, obs. pess.). Efectivamente, os dois únicos registos obtidos, ambos no âmbito do Atlas, foram efectuados nessa albufeira. Nos dois casos foram observados indivíduos isolados voando baixo sobre a água em busca de alimento. Um dos indivíduos foi avistado da barragem, o outro do Cerro do Pião (CM 501).

Elias et al. (1998) não apresentam nenhum registo para a zona correspondente à área de estudo do presente programa.

Lopes et al. (2004a) registaram três indivíduos junto à foz do Rio Degebe (CM 501) em Junho de 2003, confirmando a possibilidade de ocorrerem indivíduos não reprodutores na área de estudo do presente Programa de Monitorização durante a Primavera.

Gaivota-de-asa-escura Larus fuscus

Espécie presente na área de estudo durante todo o ano mas que é muito menos rara no Inverno. Na Primavera ocorre esporadicamente sob a forma de indivíduos não reprodutores isolados, geralmente imaturos.

Relativamente ao Inverno, foram obtidos catorze registos de um máximo de três indivíduos juntos. A maior parte proveio da zona sudoeste da área de estudo (CM 511) e da margem sul da Albufeira de Alqueva (CM 501), não tendo sido registada na região oriental da área considerada (CM 502). As observações foram efectuadas tanto em cursos de água principais (Rio Guadiana e Ribeira de Odearce) como em albufeiras de dimensão muito variável (desde pequenos açudes à grande albufeira de Alqueva).

Foi observada em 3 dos troços de rio percorridos a pé durante o Inverno, todos localizados no Rio Guadiana e na CM 511 (Figura 111). A sua abundância relativa nesse habitat foi estimada em 0.22 indiv./km. Na Primavera não foi registada nos troços de rio amostrados.

206

Figura 111 - Variação da abundância relativa (indiv./km) de gaivota-de-asa-escura Larus fuscus nos principais cursos de água da área de estudo durante o Inverno.

207

Elias et al. (1998) também não registaram a espécie na zona correspondente à CM 502, no entanto, esses autores referem maiores abundâncias relativas para a área abrangida pela CM 500 do que para a englobada na CM 501. Um possível efeito da presença da albufeira de Alqueva e/ou de diferenças de cobertura.

Na Primavera foi registado um único indivíduo imaturo (em plumagem de 1.º Verão) no dia 11 de Maio de 2004. A ave estava poisada numa pequena ilha da albufeira de Alqueva situada na zona de Tapada, cerca de 3,5 km a Leste da vila de Alqueva. Tratava-se certamente de um não reprodutor.

Lopes et al. (2004a) não registaram a Gaivota-de-asa-escura na CM 501 (a que correspondem as quadrículas UTM 5x5 km números 23, 24 e 26 desse estudo) durante a Primavera. No Inverno os mesmos autores observaram um máximo de nove indivíduos, em Fevereiro, junto à foz do Rio Degebe.

Gaivina-de-bico-preto Sterna nilotica

Neste relatório será utilizada a denominação científica da gaivina-de-bico-preto recentemente proposta pelo Comité de Aconselhamento Taxonómico da Associação Europeia de Comités de Raridades (AERC TAC 2003), que refere não existirem mais razões para manter esta espécie isolada no género Gelochelidon.

Trata-se de uma espécie estival e migradora de passagem no nosso país, onde pode ser observada entre Março e Setembro em lagoas costeiras, salinas, arrozais e barragens. Algumas décadas após o último registo de nidificação conhecido no nosso país, foi descoberta na Primavera de 1999 uma colónia desta espécie na albufeira da herdade do Esporão (Vaz 1999). Mais recentemente, Lopes et al. (2004a) confirmaram a existência de pelo menos mais duas colónias na área de influência da albufeira de Alqueva. Na área de estudo foi observada apenas por uma vez, no açude do Rio Torto (CM 511), a 16 de Junho. Nessa ocasião foi observado um indivíduo adulto poisado na margem do açude, sem que tenha sido detectado qualquer indício de reprodução. A ocorrência da espécie neste local, onde aparentemente não tinha sido ainda observada (e.g. Rufino 1989, Farinha & Costa 1999) vem certamente no seguimento da sua recente expansão na região.

Gaivina-de-faces-brancas Chlidonias hybridus

Trata-se de um migrador de passagem relativamente comum no nosso país, onde também nidifica, embora de forma escassa e localizada. Frequenta normalmente zonas húmidas com abundante vegetação aquática flutuante, tanto pauis como açudes (Rufino 1989).

Na área de estudo apenas foi detectada por uma vez. Esse registo foi obtido no dia 15 de Abril, no açude do Rio Torto, na CM 511, e refere-se à observação de 1 indivíduo adulto em vôo baixo sobre o açude. A data deste registo, o facto de não ter sido observado qualquer comportamento de carácter reprodutor, e ainda o facto da espécie não ter sido detectada no local em visitas subsequentes levam-nos a admitir que se trataria de uma ave em passagem pré-nupcial. De referir que, tanto quanto sabemos, a

208 espécie não tinha ainda sido detectada nesta região (e.g. Farinha & Costa 1999, Lopes et al. 2004a).

Gaivina-preta Chlidonias niger

Trata-se de um migrador de passagem pouco comum no nosso país, onde nidifica muito esporadicamente. Em passagem é sobretudo observado ao longo da faixa costeira, onde ocorre numa grande variedade de habitats aquáticos (estuários, salinas, pisciculturas, arrozais, açudes, etc.).

Na área de estudo foi possível detectar a espécie por duas vezes durante a Primavera. Os 2 registos foram obtidos no açude do Rio Torto, na CM 511, e referem-se à observação de 1 adulto no dia 21 de Maio e de 3 adultos no dia 1 de Junho. Apesar das datas das observações serem algo tardias, o facto de não se ter observado qualquer indício de nidificação e de não termos detectado a espécie no local em visitas posteriores, levam-nos a crer que se trataria possivelmente de indivíduos em passagem pré-nupcial.

É de salientar que se trata de um local onde, aparentemente, a ocorrência da espécie não tinha ainda sido registada (e.g. Farinha & Costa 1999). É possível que a sua ocorrência nesta região esteja relacionada com a construção da albufeira de Alqueva, local onde tem sido observada com alguma regularidade durante as últimas primaveras (e.g. Lopes et al. 2004a, L. Gordinho in Elias 2005).

Cortiçol-de-barriga-preta Pterocles orientalis

Espécie residente no nosso país, onde ocorre sobretudo no Alentejo associada a pastagens, pousios e culturas arvenses de sequeiro em zonas de fraca densidade populacional (Rufino 1989). Trata-se de uma espécie para a qual existe pouca informação, facto que se deve à sua baixa conspicuidade e também à sua raridade. Na área de estudo apenas foi observada durante o Inverno e apenas por uma vez. O registo foi obtido numa pequena mancha de cerealicultura localizada no canto sudeste da CM 511. Nessa ocasião foram contabilizados 16 indivíduos que utilizavam um campo de cereal.

Elias et al. (1998) não apresentam nenhum registo invernante para a zona correspondente à área de estudo do presente programa. Rufino (1989) menciona a presença da espécie nesta região durante a Primavera, embora apenas para a zona correspondente à parte leste da área de estudo. Actualmente, tanto quanto nos foi possível apurar, o núcleo de ocorrência regular mais próximo da área estudada situa- se na CM 492, imediatamente a norte da CM 502 (Moreira et al. 2000).

Bufo-real Bubo bubo

O recenseamento da população de bufo-real da área de estudo através de pontos de escuta com reprodução de vocalizações conspecíficas e de prospecções a pé permitiu detectar a presença de 10 territórios de casais reprodutores desta espécie e um indivíduo não reprodutor “floater” (Figura 112). Durante os trabalhos de Atlas de Inverno foi efectuado também um registo de um macho a vocalizar numa zona onde não se efectuou prospecção dirigida (troço terminal do Rio Guadiana, na CM 511), sendo assim possível a existência de um casal adicional.

209 Os dez casais detectados a partir da metodologia direccionada estavam distribuídos ao longo de 84,5 km de linhas de água principais prospectadas, o que resulta num valor de 11,8 casais/100 km. A distância média entre cada território subsequente foi de 5,9 km, valor aproximado ao estimado por outros autores em áreas importantes para o bufo-real, tendo em conta a sua densidade (e.g. Martínez et al. 1992, Donázar 1988, Lourenço 2000. Palma et al. 2004). A elevada concentração de casais ao longo do Rio Ardila é um forte indicador da sua importância para esta espécie. Tal como esperado, os casais estavam localizados nos troços fluviais com declives mais acentuados e encostas rochosas.

Com base em dados não sistemáticos, estimamos que o período reprodutor do bufo- real na região (o período mais sensível em termos de perturbação) deverá estar compreendido entre 1 de Janeiro e 30 de Junho.

De referir ainda que Elias et al. (1998) apenas apresentam seis registos da espécie para todo o Baixo Alentejo, nenhum dos quais em quadrículas correspondentes à área de estudo do presente trabalho. Essa disparidade justifica-se pelo facto de aqueles autores não terem realizado uma prospecção dirigida a esta espécie.

210

Figura 112 - Territórios de Bufo-real com base nos dados dos pontos de escuta e da prospecção a pé. O número 2 corresponde ao indivíduo não reprodutor “floater”, os restantes números correspondem a territórios.

211

Andorinhão-cafre Apus caffer

Espécie com distribuição sub-Sahariana extensa mas bastante fragmentada que, aparentemente, colonizou há pouco tempo o Paleárctico Ocidental (Chantler & Driessens 1995). Nessa região ocorre no Sul da Península Ibérica e na região central de Marrocos (Snow & Perrins 1998).

Em Espanha nidifica em ninhos de andorinha-dáurica Hirundo daurica, pelo que o seu habitat de reprodução está condicionado pelo desta espécie, que geralmente nidifica em grutas, minas, pontes, túneis, passagens hidráulicas, etc. Ocasionalmente utiliza ninhos de andorinha-dos-beirais Delichon urbicum (F.Barrios in Martí & Del Moral 2003).

Os primeiros registos de andorinhão-cafre em Portugal Continental datam do final de Agosto de 1983 altura em que, alegadamente, foram observados vários juvenis recentemente saídos do ninho juntamente com adultos na zona do Ludo, Faro (G. & R. Vowles in Neves 1990).

Para além deste local existem apenas mais tês outros onde se confirmou a sua nidificação em Portugal Continental. Um deles situa-se numa zona a norte de Mértola e foi descoberto em Julho de 1995 (Moore 1996). Em Junho de 1999 um casal foi encontrado a nidificar a norte de Castro Marim (Viney 2002) e finalmente, em Julho de 2002, foram observados 4 indivíduos e descoberto um ninho nas Portas de Rodão, Castelo Branco (C.Noivo in Elias et al. 2004).

O primeiro registo na área de regolfo de Alqueva e Pedrogão foi obtido a 24 de Setembro de 2002, da ponte da E.N. 255 sobre o Rio Ardila (entre Moura e Alqueva). Esse registo foi de um único indivíduo e não se obtiveram quaisquer evidências de nidificação (A.Blomdahl in Elias et al. 2004).

Durante os trabalhos de campo para o presente Programa de Monitorização aquele local foi prospectado cuidadosamente no dia oito de Junho (de 2004) mas a espécie não foi observada. No mesmo dia, num sítio onde existia uma observação anterior não publicada de dois indivíduos sem mais evidências de reprodução (D. Patacho com. pess.), foram observadas pelo menos três aves.

O local em causa situa-se a sul de Pedrógão, numa zona junto ao Rio Guadiana onde existem muitos blocos de granito de grandes dimensões. Alguns desses blocos encontram-se amontoados e/ou carcomidos por baixo, formando pequenas grutas. Nas encostas, entre os blocos, dominam os zambujeiros (Olea europaea var. sylvestris) e as azinheiras (Quercus rotundifolia) de talhadia dispersos e o prado seco baixo (pastoreado regularmente por cabras e ovelhas). Mesmo junto ao rio existem ainda alguns salgueiros (Salix sp.) e tamargueiras (Tamarix sp.) isolados.

O local situa-se a jusante da futura Barragem de Pedrógão pelo que não ficará submerso com o enchimento da respectiva albufeira.

Nesse mesmo local, no dia 15 de Junho, foi observado um andorinhão-cafre a entrar numa pequena gruta existente sob grandes blocos graníticos arredondados. Uma vez que essa gruta era inacessível, apenas foi possível considerar a nidificação provável,

212 através da observação de “aves frequentando um local onde provavelmente existe um ninho” (código 8, cf. ICN et al. 1999).

Apesar disso, em Portugal, trata-se apenas do quinto local conhecido onde a nidificação da espécie é provável ou foi confirmada, o que só por si justificaria a sua inclusão no presente relatório. Além disso, a zona poderá albergar dois casais o que a tornaria mais importante que o Sotavento Algarvio.

Andorinhão-real Apus melba (ou Tachymarptis melba)

Em Portugal, o andorinhão-real é uma espécie estival típica de escarpas, desde que altas e em zonas pouco habitadas, seja nas serras, em vales alcantilados ou no litoral (Rufino 1989). As maiores colónias situam-se no Douro, sendo a costa sudoeste a segunda zona mais importante para a nidificação desta espécie. Nidifica ainda nas serras da Arrábida, Sintra e Montejunto e na zona de Campo Maior (Rufino 1989).

Em Espanha nidificava (1985-97) na zona fronteiriça de Villarreal (frente a Juromenha) mas, aparentemente, deixou de o fazer (Purroy 1997, Martí & Del Moral 2003). Não nidifica na província de Huelva pelo que os locais de cria mais próximos da área de estudo do presente Programa de Monitorização são em Badajoz e na zona norte da província de Sevilha.

Durante os trabalhos de campo para o vertente estudo a espécie foi observada em várias ocasiões, quase sempre indivíduos isolados. Uma dessas observações foi efectuada no local descrito para o andorinhão-cafre de onde uma ave isolada foi vista em vôo alto no dia oito de Junho.

A observação mais interessante teve lugar no dia 17 de Junho, na ponte da Estrada Nacional número 258 (Moura – Pedrógão) sobre o Rio Guadiana. Nesse dia, cerca das 11 horas da manhã, foram observados em simultâneo três indivíduos aparentemente visitando ninhos situados do lado norte da ponte, perto da extremidade mais próxima de Pedrógão. Uma prospecção cuidadosa desse sector da ponte revelou a presença de cerca de 163 ninhos de andorinha-dos-beirais Delichon urbicum (73 do lado norte, 90 do lado sul) mas não foi visto qualquer ninho de andorinhão-real. Não foi possível excluir a possibilidade de existir pelo menos um ninho dentro da estrutura da ponte, ao qual as aves acederiam por frinchas dirigidas para baixo que existem ao longo de todo o seu bordo inferior. No entanto, a frequência com que as aves foram observadas em torno da ponte, leva-nos a encarar essa hipótese apenas como possível, não nos parecendo lícito aplicar o código de nidificação referido para o andorinhão-cafre.

Rufino (1989) refere que esta espécie se desloca a distâncias consideráveis do ninho para se alimentar, mas os mais de 70 Km que separam Pedrógão de Juromenha parecem demasiado. Caso não existisse nenhum local de nidificação mais próximo, tratar-se-ia provavelmente de indivíduos não reprodutores.

Estas observações afiguram-se como interessantes por terem sido efectuadas longe dos locais de nidificação conhecidos e pelos indícios, mesmo ténues, de nidificação obtidos. Foram fundamentalmente esses os motivos para a adicionar à lista de espécies alvo do presente estudo.

213 Calhandra Melanocorypha calandra

A calhandra é uma espécie residente no nosso país, que frequenta sobretudo zonas de cultura arvense, de pousio, ou de sapal recuperado para fins agrícolas, em áreas de planície ou de planalto (Rufino 1989).

Na área de estudo ocorreu ao longo de todo o ano associada às principais manchas de habitat estepário, que se localizam predominantemente na parte oeste da área de estudo (CM’s 500 e 511). O mapa de ocorrência primaveril deverá representar mais fielmente a distribuição da espécie na área de estudo uma vez que durante o Inverno, a presença nesta região de grande número de indivíduos de uma outra espécie de alaudídeo (laverca Alauda arvensis) com um chamamento potencialmente confundível com o da espécie em causa, poderá ter contribuído, em determinados locais, para uma sobrevalorização da população invernante. Assim, é bastante provável que a mancha de estepe cerealífera da CM 511, a mais extensa da área de estudo, constitua o principal bastião desta espécie na região estudada, não devendo, no entanto, o núcleo populacional aqui existente ultrapassar a meia centena de indivíduos.

A maior parte das observações foram realizadas ou em pousios/pastagens (ca. 45% dos registos) ou em terrenos lavrados (incluindo cereais ou girassol em início de crescimento e uma zona onde estava a ser instalado um olival de regadio, ca. 45% dos registos) em zonas de relevo suave com cobertura arbustiva/ arbórea reduzida ou inexistente.

A dimensão média dos bandos invernais observados foi de 6.5 indivíduos, contendo o maior bando cerca de 30 aves. Durante a Primavera a dimensão média dos registos reduziu-se para 1.6 indivíduos, com a maior observação a corresponder a 6 indivíduos juntos.

A espécie foi ainda observada em 40% dos transectos realizados a pé no habitat estepe cerealífera, onde atingiu uma abundância média de 1,50 indiv./km (erro padrão=0.563, n=20). Foi mais abundante nos transectos “mistos” onde ocorreu associada às sementeiras de girassol (Figura 113).

214 Melanocorypha calandra 8

6

4

2 nº de indivíduos/km

0

DP EP -2 cereal (7) pousio (8) misto (5) Média

Figura 113 - Abundância média (indiv./km) de calhandra Melanocorypha calandra em áreas de estepe cerealífera durante a Primavera. Os valores (e respectivos erro padrão e desvio padrão) são apresentados para cada uma das classes de uso do solo. A dimensão da amostra de cada classe encontra-se entre parêntesis.

Calhandrinha Calandrella brachydactyla

A calhandrinha-comum é uma espécie estival no nosso país onde pode ser observada a partir da primeira metade de Abril. Ocorre em grande parte do nosso território em locais com vegetação esparsa como dunas, pousios e terrenos lavrados, sendo particularmente abundante no sul do país (Rufino 1989).

Na área de estudo ocorreu de forma localizada, registando-se a quase totalidade das observações na principal área aberta da região estudada, situada na CM 511. Nesta zona foi maioritariamente observada em terrenos lavradas (ca. 75% dos registos), designadamente numa extensa área lavrada de cerca de 1000 ha onde estava a ser instalado um olival de regadio (ca. 40% dos registos) e em zonas de girassol em início de crescimento (ca. 23% dos registos). A sua presença residual no resto da área de estudo poderá ter ficado a dever-se à menor disponibilidade de habitat propício à sua ocorrência nesses locais e/ou à sua baixa detectabilidade em zonas de abundância mais reduzida.

Na amostragem das áreas de estepe cerealífera foi possível observar a espécie em 20% dos transectos realizados, resultando a sua abundância média em 0.26 indiv./km (erro padrão=0.127, n=20). Foi mais abundante nos transectos “mistos”, onde ocorreu associada aos campos lavrados, estando ausente dos transectos maioritariamente ocupados por cereal (Figura 114).

215 Calandrella brachydactyla 1,8

1,4

1,0

0,6 víduos/km ndi

0,2 nº de i

-0,2 DP EP -0,6 cereal (7) pousio (8) misto (5) Média

Figura 114 - Abundância média (indiv./km) de calhandrinha Calandrella brachydactyla em áreas de estepe cerealífera durante a Primavera. Os valores (e respectivos erro padrão e desvio padrão) são apresentados para cada uma das classes de uso do solo. A dimensão da amostra de cada classe encontra-se entre parêntesis.

Cotovia-montesina Galerida theklae

A cotovia-montesina é uma espécie residente no nosso país onde ocorre essencialmente na região interior e no Algarve (Rufino 1989).

Na área de estudo, onde se pode considerar uma espécie comum, apresentou um padrão de distribuição muito semelhante nas duas épocas, ocorrendo ao longo de toda a região prospectada, embora de uma forma assimétrica, sendo aparentemente muito mais abundante nas CM’s 501 e 502 (85% das presenças) do que nas restantes. Esta diferença de abundâncias poderá explicar-se em parte pela maior heterogeneidade do uso do solo na parte leste da área de estudo, originando um mosaico de culturas, zonas florestadas e zonas de matos mais complexo, a que esta espécie parece estar mais associada (e.g. Rufino 1989). No entanto, a principal razão para tão marcada diferença entre cartas militares deverá residir na diferente confiança na identificação da espécie por parte dos diferentes observadores que participaram nos trabalhos. De facto, a separação desta espécie da sua congénere cotovia-de-crista Galerida cristata, muito semelhante em termos de morfologia e plumagem, apresenta algumas dificuldades, sendo inclusivamente avançada a possibilidade de existir hibridação entre as duas espécies. A distribuição real na área de estudo deverá ser por isso mais homogénea do que aquela que aqui se apresenta.

Os principais habitats onde ocorreu ao longo do ano foram os pousios/pastagens e os montados de azinho, ambos sendo utilizados limpos ou com algum estrato arbustivo, totalizando cerca de 60% dos registos obtidos. A espécie foi ainda observada em campos de cereal, em lavrados e também em zonas de matos, vinhas, olivais e plantações florestais recentes, mostrando ser bastante ecléctica no que diz respeito às suas preferências de habitat.

216 Na amostragem dos matos ripícolas foi possível observar a espécie em 33% dos percursos efectuados, tendo a sua abundância relativa neste habitat sido estimada em 0.7 indiv./km. A espécie foi mais frequente nos troços de rio localizados nas CM’s 501 e 502, particularmente nos mais estreitos ou em zonas mais fechadas (Rio Ardila e Ribeira de Toutalga (Figura 115).

217

Figura 115 - Abundância relativa (indiv./km) de cotovia-montesina Galerida theklae nos matos ripícolas durante a Primavera.

218

Durante a realização dos transectos a pé em estepe cerealífera assumiu-se a dificuldade de distinção entre a Galerida theklae e a Galerida cristata e considerou-se as 2 espécies conjuntamente como Galerida spp. Estas espécies ocorreram em 19 dos 20 transectos realizados, atingindo valores de abundância média de 3,25 indiv./km (erro padrão=0.500. n=20). Foram mais abundantes nos transectos “mistos” do que nos transectos realizados em pousio ou em cereal (Figura 116).

Galerida spp. 9

8

7

6

5

4

3 nº de indivíduos/km 2

1 DP EP 0 cereal (7) pousio (8) misto (5) Média

Figura 116 - Abundância média (indiv./km) de cotovia-montesina/cotovia-de-crista Galerida spp. em áreas de estepe cerealífera durante a Primavera. Os valores (e respectivos erro padrão e desvio padrão) são apresentados para cada uma das classes de uso do solo. A dimensão da amostra de cada classe encontra-se entre parêntesis.

Cotovia-pequena Lullula arborea

Esta espécie é considerada a mais eclética e bem distribuída dos nossos Alaudideos devendo nidificar provavelmente em todo o nosso território (Rufino 1989).

Na área de estudo está presente ao longo de todo o ano, encontrando-se bem distribuída e podendo considerar-se uma espécie comum. As distribuições de Inverno e Primavera na área de estudo são relativamente semelhantes embora se observem locais onde a espécie foi detectada no Inverno e não na Primavera (por exemplo canto noroeste da CM 501) e vice-versa (por exemplo canto noroeste e nordeste da CM 500 e parte sul da CM 502), sugerindo alguma movimentação de indivíduos no interior da área de estudo ao longo do ano.

Elias et al. (1998) apresentam uma distribuição invernante contínua da espécie em toda a região do leste alentejano. A única falha nessa distribuição é exactamente na área correspondente à parte leste da CM 501, área onde a espécie se mostrou relativamente abundante neste estudo.

219 Em ambas as estações a esmagadora maioria das observações ocorreu em zonas de montado mais ou menos aberto (ca. 65-70% dos registos) e em olival (ca. 20-25% dos registos), parecendo existir em ambos os casos uma preferência por sub-cobertos mais limpos. Ocorreu também nalgumas áreas mais abertas mas sempre com algum estrato arbóreo presente ou na confluência com zonas mais arborizadas.

Esta espécie foi também observada durante os transectos a pé realizados em estepe cerealífera onde atingiu uma abundância média de 0.594 indiv./km (erro padrão=0.209, n=20), ocorrendo em 33% dos transectos. Este resultado deve-se ao facto de não ter sido definido um limite máximo de distância de deteccão durante as contagens, correspondendo estas observações a indivíduos que se encontravam nas orlas entre as áreas de estepe cerealífera e manchas arbóreas (sobretudo montados e olivais).

Petinha-dos-campos Anthus campestris

A petinha-dos-campos é uma espécie estival no nosso país, onde pode ser observada a partir de Abril. Os seus habitats principais são as zonas de montanha não arborizadas e com pouco mato do norte e centro do país e as zonas de cultura cerealífera da metade sul do território, onde aparentemente é menos abundante (Rufino 1989).

Na área de estudo ocorreu associada às principais manchas de habitat estepário, que se localizam predominantemente na parte oeste da área de estudo (CM’s 500 e 511). Foi particularmente abundante na área aberta da CM 511 onde se registaram cerca de 70% das observações. Tal como a calhandrinha-comum, ocorreu fortemente associada às zonas lavradas, incluindo alqueives e áreas com girassol em início de crescimento (ca. 65% das observações). Os pousios foram o segundo habitat mais utilizado com aproximadamente 15% das observações. Durante a amostragem das áreas de estepe cerealífera através de transectos apenas foi detectada por 2 vezes, uma num transecto em pousio e outra num transecto “misto”, tendo a sua abundância neste habitat sido estimada em 0.110 indiv./km (erro padrão=0.077, n=20). De referir que Rufino (1989) não regista a espécie na área equivalente à área de estudo do presente programa.

Rouxinol-do-mato Cercotrichas galactotes

Espécie estival no nosso país, onde pode ser observada a partir de Maio. Encontra-se muitas vezes associada a vegetação termomediterrânica típica dos leitos de rios e ribeiras do centro e sul do país (e.g. loendrais, tamargais). Outros habitats potenciais de nidificação incluem as vinhas, os olivais, os amendoais, os laranjais e mesmo pinhais jovens.

Na área de estudo a espécie foi observada ao longo das galerias ripícolas do Rio Guadiana e dos seus principais afluentes (Rio Ardila, Rib.ª de Toutalga e Rib.ª de Odearce), sendo aparentemente mais abundante na Rib.ª de Odearce do que nos restantes cursos de água, onde ocorreu de forma mais dispersa. As formações arbustivas dominadas por loendro Nerium oleander constituíram o principal habitat de ocorrência da espécie, que também foi observada em zonas dominadas por tamargueira Tamarix sp. ou tamujo Securigena tinctoria.

220

Figura 117 - Abundância relativa (casais/km) de rouxinol-do-mato Cercotrichas galactotes nos matos ripícolas durante a Primavera.

221

Os percursos efectuados ao longo dos troços de rio seleccionados permitiu estimar a sua abundância no habitat matos ripícolas em 1.02 casais/km e a sua frequência de ocorrência em 37,5% (Figura 117). A Rib.ª de Odearce foi o local onde se registaram os maiores valores de abundância.

As diferentes metodologias de amostragem utilizadas no decorrer dos trabalhos de campo da presente monitorização permitiram detectar um mínimo de 18 territórios desta espécie no interior da área de estudo.

Chasco-ruivo Oenanthe hispanica

O chasco-ruivo é uma espécie estival que pode ser observada no nosso país a partir de Abril. É uma espécie típica de áreas descobertas, no geral bastante secas e cuja distribuição no nosso país coincide em boa parte com a zona de influência mediterrânica (Rufino 1989).

Na área de estudo foi observado de forma algo escassa e dispersa. Destacam-se no entanto 2 áreas onde foi possível obter as maiores concentrações de registos: (a) a parte central da CM 511, onde a espécie foi observada na grande mancha lavrada onde estava a ser instalado um olival de regadio e, (b) no canto sudoeste da CM 502, onde a espécie foi essencialmente observada em zonas de pousio.

Para além das zonas lavradas, onde foram obtidos 55% dos registos, e dos pousios (15%), a espécie foi ainda observada em olivais (15%), montados (10%) e vinha (5%).

Oenanthe hispanica 2,6

2,2

1,8

1,4

1,0

0,6 nº de indivíduos/km 0,2

-0,2 DP EP -0,6 cereal (7) pousio (8) misto (5) Média

Figura 118 - Abundância média (indiv./km) de chasco-ruivo Oenanthe hispanica em áreas de estepe cerealífera durante a Primavera. Os valores (e respectivos erro padrão e desvio padrão) são apresentados para cada uma das classes de uso do solo. A dimensão da amostra de cada classe encontra-se entre parêntesis.

Na amostragem das áreas de estepe cerealífera foi possível observar esta espécie em 25% dos transectos realizados, onde apresentou uma abundância relativa média de

222 0.392 indiv./km (erro padrão=0.170. n=20). Foi mais abundante nos transectos “mistos” onde ocorreu associado aos lavrados (Figura 118).

Tordo-zornal Turdus pilaris

Trata-se de uma espécie exclusivamente invernante na Península Ibérica. A sua presença e abundância no nosso país são muito variáveis, aumentando nos Invernos muito frios (Tait 1924, Reis Júnior 1930). Factores tróficos e sucesso reprodutor nas áreas de nidificação também poderão influenciar aquele padrão (Elias et al. 1998). Os dados de recuperação de aves anilhadas no estrangeiro revelaram a chegada ao nosso país de aves oriundas da Suécia, Noruega, Finlândia, Bélgica e Grã-Bretanha (Pimenta & Santarém 1996).

Durante os Invernos de 1992-93 a 1994-95 Elias et al. (1998) obtiveram 11 registos de tordo-zornal no Baixo Alentejo: seis de um a dois indivíduos, três de três a seis aves e dois de mais de sete indivíduos. Nove desses onze registos foram efectuados no Inverno de 1993-94, que foi o mais rigoroso dos três. As observações foram realizadas em olivais, vinhas e montados de sobro e azinho abertos.

Um dos registos de mais de sete indivíduos foi efectuado na área correspondente à CM 500. Houve ainda uma observação de três a seis aves a norte da Amareleja e outra de um a dois indivíduos a sul de Pedrógão, ambas aparentemente fora da área de estudo do presente Programa de Monitorização.

Mais recentemente foram publicadas observações de grandes bandos de aves desta espécie efectuadas em Portugal Continental. Entre estas destacamos cerca de 85 indivíduos em Monfortinho em 20 de Janeiro de 1994 (L. Silva in Neves & Costa 1995), 110 aves na Serra da Estrela a nove de Dezembro de 2001 (Elias 2003) e cerca de 500 indivíduos em Odelouca a sete de Dezembro de 1992 (R. Vowles in GTR/ SPEA 1997).

No decurso dos trabalhos de campo para o presente Programa de Monitorização esta espécie só foi observada numa quadrícula, a do Monte de Cortes de Cima, na CM 500. A primeira observação foi realizada no dia nove de Janeiro (de 2004), tendo sido observados cerca de cinquenta indivíduos. A espécie foi ainda observada no local dia 14 desse mesmo mês, mas em menor número.

As aves encontravam-se a frequentar sobretudo uma vinha, fazendo no entanto frequentes incursões a uma galeria ripícola pouco extensa e a um olival próximos. Na envolvente existiam sobretudo olivais e, a uma distância maior, algumas manchas de pseudo-estepe, encontrando-se os montados bastante fragmentados na área.

Nos dois Invernos que durou a monitorização de aves na área de influência da Albufeira de Alqueva (1999 e 2003) não tivemos conhecimento de qualquer observação desta espécie (L. Reino & J. Ministro com. pess.). Essa foi a principal razão para a incluir entre as espécies alvo do presente estudo. Tanto quanto julgamos saber, também não existe nenhum registo de tão grande número de indivíduos no interior do Baixo Alentejo.

223 Felosa-pálida-ocidental Hippolais opaca

De acordo com o Comité de Aconselhamento Taxonómico da Associação Europeia de Comités de Raridades (AERC TAC 2003), a felosa-pálida (sensu latu, H. pallida ssp.) deve ser tratada como duas espécies separadas – felosa-pálida-ocidental (H. opaca) e felosa-pálida oriental (H. pallida). Essa separação tem por base diferenças claras na morfologia, nas vocalizações, no comportamento e na genética. De acordo com esta sistemática, a felosa-pálida ocidental (daqui em diante felosa-pálida) é uma espécie monotípica que se distribui apenas pela Península Ibérica e pelo Noroeste de África (Hagemeijer & Blair 1997).

No nosso país é uma espécie estival bastante rara. Rufino (1989) não confirmou a nidificação da espécie no nosso território mas considerou-a provável numa carta topográfica 1/50.000 (Silves) e possível noutras sete. As cartas mais próximas da presente área de estudo em que Rufino (1989) assinalou a presença da felosa-pálida, foram as a norte de Mourão e a norte de Mértola. Durante esse trabalho a espécie foi observada em amendoais, associados ou não a figueiras, na proximidade de pequenas hortas e normalmente perto de linhas de água.

Tanto quanto nos foi possível apurar, entre 1990 e 2002 existem apenas mais 4 registos publicados sobre a ocorrência desta espécie em Portugal Continental. Esses registos dizem respeito essencialmente à observação de machos a cantar, sem que tenha sido possível confirmar a sua nidificação. Essas observações foram efectuadas na zona de Mértola (C. C. Moore in GTR/SPEA 1999), na Serra de São Mamede, Portalegre (R. Matias & D. Geraldes in Elias 1999, Gordinho 2002), e no Rio Degebe (a norte da presente área de estudo, J. T. Tavares in Rabaça & Moreira 2004). Durante este período existe ainda uma observação não publicada na Serra da Adiça (P. Catry & H. Costa, com. pess.).

Durante a realização dos trabalhos de campo do Programa de Monitorização de Passeriformes na área de influência da albufeira de Alqueva a espécie não foi detectada (Rabaça & Moreira 2004).

Durante o presente programa de monitorização, a felosa-pálida foi observada numa única quadrícula 1x1 km: a de Entre Águas, junto à confluência dos rios Ardila e Guadiana (CM 501). A primeira observação foi efectuada no dia 16 de Junho por volta das 11 horas da manhã. Nessa data observou-se detalhada e demoradamente um macho adulto cantando insistentemente e transportando ocasionalmente insectos no bico. No dia seguinte cerca das oito horas o local foi de novo visitado. Desta vez foram observados dois indivíduos: o macho, cantando frequentemente (especialmente quando perturbado), e uma outra ave adulta silenciosa, provavelmente fêmea, ambos transportando esporadicamente insectos no bico. Também foram observadas a perseguirem-se em voo, perseguições essas presumivelmente de carácter nupcial.

A zona era dominada por choupos-negros (Populus nigra) e salgueiros (Salix sp.) mas também aí existiam algumas tamargueiras (Tamarix sp.) e silvas (Rubus ulmifolius). Na envolvente, para além das águas e cascalheiras do Guadiana, existia, a norte, uma enorme barreira de terra com algumas nogueiras (Juglans regia) adultas no topo situada na orla de um extenso pomar de laranjeiras (Citrus sinensis) e, a sul, uma seara de trigo. O macho cantava preferencialmente à vista, do terço superior da copa

224 de um choupo-negro, virado para o rio. O ninho era provavelmente num salgueiro mas não foi observado.

Na zona também estavam a nidificar dois casais de Felosa-poliglota (Hippolais polyglotta).

Felosa-do-mato Sylvia undata

A felosa-do-mato é uma espécie residente no nosso país, onde ocorre associada a formações arbustivas (Rufino 1989). Apresenta uma distribuição homogénea ao longo do nossso território, com excepção de parte do Alentejo, onde não encontra habitat favorável (Rufino 1989).

Na área de estudo está presente ao longo de todo o ano, ainda que de forma desigual nas duas épocas.

Durante o Inverno a espécie foi detectada nas 4 cartas militares, num total de 26 quadrículas de 1x1 km. A maior parte dos registos durante esta época (cerca de 75%) foram obtidos na Serra do Mendro (situada na parte norte das CM’s 500 e 501), onde a espécie chegou a ser localmente abundante. Estas observações foram registadas em zonas de mato contínuo e em montado e pinhal com sub-coberto arbustivo desenvolvido. Os restantes registos invernantes foram obtidos em matos associados à galeria ripícola do Rio Ardila (CM 502) e numa zona de montado com mato sob- coberto na CM 511. Durante a Primavera a espécie continuou a ocorrer no mesmo tipo de habitats, no entanto verificou-se uma forte redução da sua área de distribuição, que foi particularmente evidente na Serra do Mendro, e também na CM 511, onde deixou de ser detectada.

Durante a amostragem dos matos ripícolas a espécie foi apenas observada num troço da Ribeira de Toutalga, tendo a sua abundância relativa neste habitat sido estimada em 0.08 casais/km.

O padrão de ocorrência observado sugere que o núcleo populacional da área de estudo poderá ser maioritariamente invernante.

Toutinegra-tomilheira Sylvia conspicillata

Espécie estival no nosso país, onde ocorre de forma descontínua associada a matos esclerófilos pouco desenvolvidos com clareiras e moitas altas dispersas (Rufino 1989). A sua presença foi registada em 24 cartas topográficas 1/50.000 de Portugal Continental, nove das quais no Alentejo (Rufino 1989). As cartas mais próximas da nossa área de estudo em que registou a espécie foram as de Portel e Mourão, onde a sua nidificação foi considerada possível.

No vale da Ribeira de Alcarrache (canto noroeste da CM 492) existia (2000-2003) uma pequena população desta toutinegra. Nesse local esta espécie frequentava predominantemente zonas de pousios antigos, com manchas esparsas de matos baixos dominados por tojo (Ulex parviflorus eriocladus) (Rabaça et al. 2002).

225 De acordo com Rabaça & Moreira (2004), em 2003, o núcleo de Alcarrache persistiu devido à manutenção da estrutura do habitat naquela área porque a EDIA, S.A. acedeu ao pedido de não desmatação do bloco correspondente. De acordo com a mesma fonte, nessa Primavera (2003), foram obtidos os primeiros registos na área de regolfo de Alqueva fora do vale da Ribeira de Alcarrache e em habitats diferentes dos referidos por Rabaça et al. (2002). Esses registos foram efectuados em três locais da CM 481 (a norte de Portel), em montados de azinho e formações arbustivas, e num local da CM 474 (Monsaraz), em montado de azinho aberto.

Durante os trabalhos de campo para o presente Programa de Monitorização, a espécie foi registada na Primavera de 2004, em duas quadrículas (1x1 km) da CM 502. A primeira observação, efectuada no dia 19 de Junho, correspondeu a um indivíduo frequentando loendros do leito da ribeira reduzida a pegos situada no fundo do B.co do Vale das Éguas. O segundo registo, de três indivíduos, ocorreu num giestal da margem direita da Rib.ª de Toutalga, no dia 21 de Junho, sugerindo fortemente que a espécie teria nidificado, ou estaria a nidificar, na área. De acordo com Rabaça et al. (2002), a época de reprodução desta espécie na região decorre até Julho, pelo que mesmo o primeiro registo deverá corresponder a uma situação de nidificação e não de dispersão pós-nupcial.

Durante a amostragem dos matos ripícolas através de percursos ao longo dos principais cursos de água da área de estudo apenas foi observada numa ocasião, exactamente na Rib.ª de Toutalga, no mesmo local onde tinha sido anteriormente detectada. A sua abundância relativa neste habitat foi estimada em 0.08 casais/km.

Os resultados obtidos sugerem um maior eclectismo em termos de habitat da população local e confirmam a existência de outros núcleos para além do vale da Ribeira de Alcarrache.

7.5.2 Áreas prioritárias para as aves na área de estudo

As áreas prioritárias foram definidas a partir do cruzamento do conjunto da informação recolhida para as diferentes espécies de aves durante o Inverno de 2003/2004 e Primavera de 2004. No caso da CM 501 utilizaram-se ainda alguns dados das Primaveras de 1999 e 2003 recolhidos no âmbito do Programa de Monitorização do Património Natural na área do regolfo da Albufeira de Alqueva. Nesse processo foi dada especial atenção aos locais de particular importância para as espécies consideradas (zonas importantes para a invernada, dormitórios, ninhos, colónias, etc.), bem como a zonas de concentração invulgar de indivíduos ou de espécies e a zonas de ocorrência de espécies com estatuto de conservação mais desfavorável.

Sempre que possível fez-se coincidir os limites das áreas identificadas com limites naturais facilmente identificáveis no terreno (caminhos, linhas de água, linhas de cumeada, etc.). Quando tal não era razoável (obrigando a definir áreas muito maiores ou muito menores do que as efectivamente frequentadas pelas aves), optou-se por fazer coincidir os limites das áreas importantes para as aves com as curvas de nível, ou com os limites dos usos do solo da carta elaborada pela UMC – Universidade de Évora.

226 Foram definidas 24 áreas sensíveis para as aves na área de estudo, encontrando-se duas delas na zona a inundar (Figura 119). A maior parte das áreas seleccionadas corresponde a territórios de bufo-real (11) e a zonas de especial importância para as aves estepárias (7). As restantes dizem respeito a zonas importantes para outras espécies (e.g. cegonha-preta, cegonha-branca, felosa-pálida, etc.) ou outros grupos (e.g. rapinas diurnas, aves aquáticas, etc.). As áreas seleccionadas e os respectivos critérios de selecção são a seguir apresentados por carta militar, começando pelas 2 áreas que se localizam no interior da área a inundar (áreas A e B, Figura 119), e seguindo-se depois para as restantes (áreas 1-22, Figura 119).

227

Figura 119 - Localização das áreas prioritárias para as aves.

228 Áreas prioritárias para as aves na zona a inundar (áreas A e B)

Carta militar 500

Área A

Esta área corresponde a um troço do Rio Guadiana localizado na junção das CM’s 500 e 501. A área delimita um território ocupado de bufo-real, para o qual, apesar dos esforços, não foi possível encontrar o ninho. Nesta zona foi ainda detectado durante a Primavera um casal de rouxinol-do-mato e considerada possível a nidificação da garça-pequena.

Carta militar 501

Área B

Trata-se de uma grande colónia de cegonha-branca situada junto à confluência do Rio Ardila com o Rio Guadiana numa zona denominada por Entre Águas. Nesta colónia existiam pelo menos 22 ninhos, 15 dos quais – no mínimo – ocupados.

Adicionalmente, nos 64.000 ha da área de estudo, este local foi o único em que a felosa-pálida foi observada.

Existe ainda outro motivo de interesse avifaunístico nesta área, embora não dizendo respeito a espécies consideradas como prioritárias. Trata-se de uma monumental colónia de abelharuco Merops apiaster, muito provavelmente a maior da área de estudo. A colónia localiza-se numa barreira de terra alta e íngreme da margem direita do Rio Ardila e vai ficar submersa com o enchimento da albufeira. Nesta colónia existiam, em meados de Julho de 2004, mais de 800 buracos completamente escavados mas nem todos corresponderão a ninhos ocupados (cf. Snow & Perrins 1998). A andorinha-das-barreiras Riparia riparia também foi observada na área em pequenos números e poderá nidificar no mesmo talude.

Áreas prioritárias para as aves na restante área de estudo (áreas 1 a 22)

Carta militar 500

Área 1

Esta é a principal área estepária da CM 500. Localiza-se na parte sudoeste da carta, junto da povoação de Selmes, tem cerca de 800 ha e é composta essencialmente por zonas de pousio. É uma área utilizada ao longo de todo o ano pela abetarda, embora em pequeno número. É de realçar a observação neste local de 3 fêmeas desta espécie em plena época reprodutora, o que indica a possível nidificação no local. O sisão é outra das espécies-alvo com estatuto de conservação desfavorável que foi observado regularmente nesta zona. Destacam-se as observações neste local de um bando com cerca de 30 indivíduos durante o Inverno, e de 10 a 20 machos reprodutores durante a Primavera. Nesta área deverão criar igualmente 1 a 3 casais de tartaranhão-caçador.

Área 2

Esta área localiza-se na parte norte desta carta militar, cerca de 1 km a sudeste da povoação de Vera Cruz, em plena serra de Portel. É uma zona ocupada essencialmente por montado de sobro e azinho, na qual se confirmou a nidificação de

229 cegonha-preta. Nesta área foi também observada a águia-cobreira durante a Primavera.

Área 3

Área com cerca de 950 ha localizada imediatamente a sudeste da anterior. É uma área composta por zonas de matos, de sobreiro e de pinheiro manso, onde foram observadas várias espécies de rapinas diurnas, nomeadamente a águia-real, a águia- calçada, a águia-cobreira, a ógea e o gavião, sendo possível que algumas delas nidifiquem no local. Adicionalmente, representa uma das zonas mais importantes para a felosa-do-mato na área de estudo durante o Inverno.

Carta militar 501

Área 4

É a zona mais importante para aves estepárias da CM 501.

Durante a época de Inverno foram aqui observadas cerca de 70 tarambolas-douradas. Durante a Primavera foram detectados 15 a 20 machos reprodutores de sisão, 3 machos de tartaranhão-caçador, 4 casais de calhandra, 2 casais de calhandrinha, 2 casais de petinha-dos-campos e 1 casal de alcaravão. Nesta área existe ainda um ninho de cegonha-branca ocupado (perto do Monte da Casqueira). Na Primavera de 1999 foi também aqui observado um casal de peneireiro-cinzento e, na Primavera de 2003, um casal de chasco-ruivo.

Área 5

Nesta área, localizada na parte central da carta militar, existe um ninho de águia- cobreira que, no entanto, não foi utilizado na Primavera amostrada. Nesta área foram obtidas também elevadas densidades de felosa-do-mato.

Área 6

Esta é provavelmente a segunda área mais importante para aves estepárias na CM 501. Na Primavera foram aqui observados 5-10 machos reprodutores de sisão, 1 casal de peneireiro-cinzento, pelos menos 2 machos de tartaranhão-caçador e 1 casal de alcaravão. Assinale-se ainda a existência de um ninho de cegonha-branca ocupado no telhado do Monte Cid Almeida.

Na Primavera de 1999 foi também aqui detectado 1 casal de petinha-dos-campos.

O grou e a abetarda também podem ser aqui observados nalguns Invernos.

Carta militar 502

Área 7

No centro desta área existe um ninho de bufo-real que está ocupado na Primavera de 2004. Adicionalmente, na zona noroeste desta área, especificamente num giestal da margem direita da Rib.ª de Toutalga, foram observados no dia 21 de Junho de 2004 três indivíduos de toutinegra-tomilheira sugerindo fortemente que a espécie teria nidificado, ou estaria a nidificar, no local. Nesta área foi ainda detectado um casal de rouxinol-do-mato.

230

Área 8

É provavelmente a zona mais importante para as aves estepárias nesta carta militar. No Inverno de 2003/ 2004 foram aí observados bons números de sisão (35+) e de calhandra (6+). Na Primavera foram aqui detectados 5 machos reprodutores de sisão, 2 machos de tartaranhão-caçador, 1 casal de peneireiro-cinzento, 2 casais de chasco- ruivo e 1 casal de calhandra.

Área 9

Nesta zona existe um ninho ocupado de águia-de-Bonelli. Foram ainda registados nesta área um casal de rouxinol-do-mato e boas densidades de cotovia-montesina.

Área 10

Esta área alberga um ninho ocupado de bufo-real. No Inverno foi também observado um casal de águia-real (aves adultas) a caçar nas imediações. É também uma área com elevadas densidades de cotovia-montesina.

Área 11

No centro desta área também existe um ninho ocupado de bufo-real. Além disso, no dia 19 de Junho de 2004, foi observada uma toutinegra-tomilheira nos loendros do leito do B.co do Vale das Éguas, sugerindo que a espécie teria nidificado, ou estaria a nidificar, no local. A felosa-do-mato e a cotovia-montesina são outras das espécies- alvo que foi possível observar na área.

Área 12

Nesta zona existe um ninho bufo-real e outro de cegonha-preta, ambos estiveram ocupados na Primavera de 2004. Além disso, em alguns invernos (dependendo do caudal do Rio Ardila, entre outros factores), constitui-se aí um dormitório de grou. No Inverno de 2003/2004 dormiram na área mais de dezena e meia de indivíduos.

Área 13

Nesta zona existe um território de bufo-real. No Inverno foram também aqui observadas altas densidades de felosa-do-mato. Durante a primavera destaca-se a observação de uma garça-pequena, constituindo assim este local um dos dois únicos onde foi possível observar a espécie na área de estudo.

Área 14

Nesta área existe um território ocupado de bufo-real e um dormitório de grous. Foi ainda aqui observada a felosa-do-mato durante o Inverno, e o rouxinol-do-mato (que deverá nidificar) durante a Primavera. As notas sobre o dormitório de grous da área 12 também se aplicam a este dormitório, sendo de referir que, no Inverno de 2003/2004, aqui dormiram temporariamente mais de cinquenta indivíduos.

Carta militar 511

Área 15

231 Trata-se da principal área estepária da área de estudo. A área definida tem cerca de 2000 ha e é composta por um mosaico agrícola de campos de cereal, pousios e lavrados. Em meados de Junho foram aqui contabilizadas 22 abetardas, um número muito significativo, se atendermos ao facto de a sua ocorrência no local ser praticamente desconhecida. Para além disso aqui ocorrem também os maiores números de sisão (100 indivíduos no Inverno e pelo menos 25 machos reprodutores na Primavera) e de calhandra (mínimo de 15 casais) da área de estudo. Esta área parece ser igualmente importante para outras espécies-alvo típicas de zonas abertas como a tarambola-dourada (mínimo de 175 indivíduos) calhandrinha (mínimo de 5 casais), a petinha-dos-campos (mínimo de 5 casais), o alcaravão (mínimo de 5 casais) e o tartaranhão-caçador (4 a 5 casais).

Área 16

Neste troço da Rib.ª de Odearce existe um território ocupado de bufo-real, cujo ninho não foi possível detectar. É ainda uma área com importante para o rouxinol-do-mato, tendo-se contabilizado 3 casais desta espécie neste pequeno troço.

Área 17

Esta área corresponde ao açude do Rio Torto, na CM 511. Este açude, com uma superfície de cerca de 100 ha, é bastante recente (1998), pelo que a sua importância para a avifauna era até agora relativamente desconhecida. Este local revelou-se como o mais importante para as aves aquáticas na área de estudo, principalmente no Inverno. Nesta época chegou a albergar 400 patos de 8 espécies diferentes. Neste açude constituíu-se também um dormitório de garças – onde se contabilizaram um máximo de de 300 garças-boieiras, 16 garças-brancas-pequenas, 5 garças-reais e uma garça-branca-grande – e de corvos-marinhos-de-faces-brancas – cerca de 280 indivíduos. Na época reprodutora apesar de albergar um número de aves aquáticas consideravelmente inferior, continuou a revestir-se de alguma importância. Durante esta época é de destacar a presença do pato-trombeteiro, do pato-de-bico-vermelho (para o qual se confirmou a nidificação), da gaivina-de-faces-brancas e da gaivina- preta (observadas provavelmente em passagem migratória), da perdiz-do-mar (que provavelmente nidificou) e da gaivina-de-bico-preto (nidificação possível). Foi ainda confirmada a nidificação no local do mergulhão-pequeno e do mergulhão-de-crista.

Área 18

Área estepária com cerca de 650 ha junto a Pedrógão. É composta por um mosaico agrícola de campos de cereal, pousios e lavrados. Esta área destaca-se pela elevada densidade de sisões que alberga, quer durante o Inverno, com bandos de até 45 indivíduos, quer durante a Primavera com pelo menos 15 machos reprodutores. Nesta área foram também detectadas algumas petinhas-do-campo, 1 casal de alcaravões, 1 casal de peneireiro-cinzento e 2 casais de tartaranhão-caçador.

Área 19

Esta área localiza-se cerca de 1 km a sul de Pedrógão e corresponde a um troço do Rio Guadiana, no qual foi detectado um território ocupado de bufo-real, não tendo sido, no entanto, confirmada a sua reprodução.

232 Na Primavera foram ainda observadas no local o peneireiro-das-torres, o andorinhão- real, e o andorinhão-cafre. Estas 3 observações representam 3 novos registos destas espécies na região, e a confirmar-se a nidificação de andorinhão-cafre, seria apenas o quinto local de nidificação conhecido no país.

Área 20

Esta área engloba um troço do Rio Guadiana e os troços finais dos seus afluentes Rio Torto e Rib.ª de Odearce. Foi aqui detectado um território de bufo-real, para o qual não foi confirmada a nidificação. É também uma zona frequentada pela garça-real e pela garça-branca-pequena durante todo o ano.

Área 21

Trata-se de um troço do Rio Guadiana que parece sofrer pouca perturbação. Durante os trabalhos de Atlas de Inverno foi possível detectar um território de bufo-real e observar uma cegonha-preta neste local. Nessa ocasião foram ainda observados 63 corvos-marinhos-de-faces-brancas e uma garça-real a alimentarem-se no rio.

Áreas 22

Trata-se de uma pequena área estepária com cerca de 250 ha. Constitui um dos três locais da área de estudo onde foi possível observar a abetarda – apenas 1 indivíduo durante o Inverno. Ainda durante o Inverno foi aqui observado o maior bando de alcaravões com 70 indivíduos. Na Primavera é de destacar a boa densidade de sisão nos seus pousios (mínimo de 5 machos reprodutores na área).

7.5.3 Principais impactes negativos sobre a avifauna

Os impactes negativos sobre a avifauna decorrentes da construção do açude de Pedrógão serão essencialmente de 2 tipos: (i) impactes directos e permanentes resultantes da perda de habitat por desmatação, desarborização e inundação das áreas situadas à cota dos 85 m e a cotas inferiores; (ii) impactes indirectos e temporários resultantes do aumento da perturbação na área envolvente ao empreendimento originada pela instalação dos estaleiros afectos à obra, construção de novos caminhos e acessos, aumento do tráfego de veículos pesados, funcionamento e movimento de máquinas afectas à obra, actividade dos trabalhadores, etc.

A intensidade destes impactes será bastante variável consoante as espécies ou grupos de espécies envolvidos, devendo ser mais forte para espécies associadas ou dependentes de habitats rupícolas, ripícolas e palustres que ocorrem na área do futuro regolfo. Dentro deste grupo destacamos aquelas espécies que ocorrem nesses locais durante a época reprodutora e para as quais houve indícios de nidificação. É o caso da felosa-pálida, do rouxinol-do-mato, do bufo-real e da cegonha-branca.

Seguidamente é apresentado um resumo dos principais impactes decorrentes da construção e enchimento do açude nas diferentes espécies de aves observadas, com especial destaque para aquelas referidas no parágrafo anterior.

233 Felosa-pálida

A felosa-pálida poderá ser a espécie mais afectada com a destruição do habitat na área de regolfo, uma vez que se trata do único local da área de estudo onde foi observada. Esta situação é particularmente gravosa se atendermos ao facto de o último registo conhecido da espécie na região (e no país) datar já de Junho de 2002, ocasião em que não foi possível confirmar a sua nidificação (Rabaça & Moreira 2004). Por estas razões consideramos que o impacte da construção do açude sobre esta espécie será de elevada magnitude.

Rouxinol-do-mato

Em relação ao rouxinol-do-mato, os resultados obtidos durante os trabalhos de Primavera apontam para a existência de pelo menos 18 casais desta espécie na área de estudo, dos quais 5 (cerca de 30%) se localizam na área a inundar. Consideramos que o impacte sobre esta espécie será moderado a forte, uma vez que a construção da albufeira conduzirá a uma redução significativa do seu efectivo reprodutor na área de estudo.

Bufo-real

Em relação ao bufo-real, dos dez territórios potenciais identificados, apenas três se encontram na proximidade da área de regolfo da futura albufeira de Pedrógão. Dois deles, localizados no Rio Ardila, apenas poderão ser afectados ao nível de perda de habitat de alimentação, embora a redução da área não pareça significativa. No terceiro (que corresponde à Área prioritária A), embora não tenha sido encontrado nenhum local de nidificação, a prospecção intensiva da área a inundar parece excluir, com elevada probabilidade, a afectação de locais fundamentais do território (poisos ou ninho). Assim, este casal poderá ser moderadamente afectado, embora tal deva suceder sobretudo pela inundação de áreas de alimentação.

Cegonha-branca

A cegonha-branca é outra das espécies para a qual prevemos um impacte moderado a forte. Embora não dependendo dos habitats ribeirinhos, a sua maior colónia na área de estudo, com cerca de 22 ninhos, ocorre na zona a inundar.

Aves aquáticas

Para o conjunto das espécies de aves aquáticas mais amplamente distribuídas na área de regolfo – corvo-marinho-de-faces-brancas, garça-branca-pequena e garça-real é difícil avaliar os potenciais impactes do enchimento da albufeira. Se por um lado poderá haver perda de habitat de alimentação, ou pelo menos perda da qualidade desse habitat, por outro lado vai ocorrer um aumento de áreas ribeirinhas e espelho de água, que proporcionarão outras oportunidades alimentares. O corvo-marinho-de- faces-brancas, em particular, poderá beneficiar desta alteração. A tendência populacional para estas espécies poderá ser parcialmente determinada pela evolução das populações piscícolas.

Outras espécies de aves aquáticas que poderão beneficiar do aumento da área de água aberta após o enchimento do açude são os mergulhões e alguns anatídeos.

234 De realçar, no entanto, que a possível utilização destas novas áreas por algumas destas espécies estará sempre dependente do grau de perturbação humana a que estas áreas ficarão sujeitas.

Abelharuco

O abelharuco é outra das espécies que será muito afectada. Na área de estudo esta ave nidifica quase exclusivamente em barreiras de terra nas margens dos principais cursos de água, pelo que a subida do respectivo nível até à cota dos 85 m acarreta a destruição de quase todas as suas colónias. Só na CM 501 vão ficar submersas três colónias, que correspondem a um total de mais de 1000 buracos.

Restantes espécies

Na restante área de estudo os impactes deverão resultar essencialmente da perturbação gerada por todos os trabalhos de construção da infra-estrutura e deverão afectar todas as espécies presentes. Destacamos aqui, no entanto, aquelas que, pelas suas características comportamentais, consideramos mais sensíveis à perturbação, que são a cegonha-preta, a abetarda, o grou, as várias espécies de rapinas diurnas e os anatídeos.

7.5.4 Propostas de medidas de minimização e compensação de impactes

Seguidamente são propostas um conjunto de medidas de minimização e compensação dos impactes negativos previstos sobre as diferentes espécies. Para maior facilidade de consulta estas medidas encontram-se referidas por áreas prioritárias.

Áreas A, 7, 10, 11, 12, 13, 16, 19, 20 e 21 Correspondem a territórios ocupados de bufo-real. A perturbação destes locais deve ser evitada ao máximo, especialmente durante a época de reprodução da espécie (1 de Janeiro a 30 de Junho), de modo a assegurar o seu sucesso reprodutor. Para tal seria necessário evitar: (i) a circulação de veículos afectos à obra nestes locais, (ii) a abertura de novos acessos a estas áreas e (iii) a instalação de estaleiros ou parques de madeira no interior dos seus perímetros.

No caso da área A isso implicaria também a não realização de trabalhos de desmatação e desarborização durante o período reprodutor da espécie.

No caso da área 10 convém reforçar que os caminhos que dão acesso à curva mais pronunciada do Rio Ardila existente entre os Moinhos da Botelhinha e da Figueira, não deverão ser de todo utilizados no âmbito dos trabalhos de construção do Açude de Pedrogão.

Para a área 11 acresce referir que os caminhos que dão acesso ao Rio Ardila, por ambas as margens, imediatamente a montante do Barranco do Vale das Éguas não devem ser de todo utilizados no âmbito dos trabalhos de construção do Açude de Pedrogão.

Na área 12, os caminhos que conduzem à foz do Barranco do Moinhato/ Valtamujo e o caminho que liga o Monte Agudo à cumeada (166 m) a Leste da do M.te dos

235 Parradinhos Novo (ausente da CM 502), não deverão ser utilizados no Inverno nem na Primavera pelo pessoal afecto à obra. Os caminhos que conduzem à zona do Moinho do Viegas (por ambas as margens) não deverão ser utilizados pelos ditos trabalhadores durante o Inverno.

A área 13 está sujeita a grande perturbação, nomeadamente por parte dos proprietários, de elementos da zona de caça local (ZCT 779) e de pescadores desportivos. Essa perturbação inclui pilhagem sistemática dos ninhos de bufo-real que tem conduzido a sucessivos insucessos reprodutores do casal. Seria desejável evitar perturbação adicional por parte dos trabalhadores sob ordens da EDIA. É especialmente sensível a área imediatamente a jusante dos Moinhos da Caveira.

O que foi dito sobre a perturbação do casal de bufo-real da área 13 também é válido para a área 14. Nesta zona (onde também ocorrem grous) conviria que os trabalhadores sob ordens da EDIA não acedessem à foz da Ribeira de Safara durante o Inverno e a Primavera, e às margens do Rio Ardila mais a jusante durante o Inverno.

Paralelamente a estas medidas de minimização, sobretudo relacionadas com a redução de perturbação junto dos seus locais de cria, seria também importante prolongar a monitorização da sua população na área de estudo durante as fases de enchimento e pós-enchimento, única forma de se avaliar com precisão o possível impacte deste empreendimento sobre os seus efectivos.

Área B

Para tentar minimizar o impacte da futura albufeira sobre a colónia de cegonha-branca e o casal conhecido de felosa-pálida, sugerimos que a desarborização desta pequena área seja adiada para Setembro assegurando assim a conclusão com sucesso dos respectivos ciclos reprodutores. No caso da cegonha-branca isto permitirá que os últimos juvenis abandonem definitivamente o ninho (em Agosto ainda voltam frequentemente aos ninhos para dormir). Para compensar de algum modo a perda da colónia de cegonha-branca, propomos que, adicionalmente, sejam colocados alguns (20+) suportes artificiais (poste + plataforma) onde as cegonhas possam nidificar logo na época seguinte. Idealmente, e se os proprietários concordarem, esses suportes deverão ser colocados num local o mais semelhante possível ao original (i.e. à periferia dos pomares de citrinos do Entre Águas). Finalmente, para tentar compensar a perda da colónia de abelharuco, sugerimos que seja construída uma estrutura artificial semelhante a uma cota mais elevada, o mais perto possível do local original. A implementação desta medida de compensação deverá revelar-se pouco onerosa.

Áreas 1, 4, 6, 8, 15, 18 e 22

Estas áreas correspondem às principais zonas de ocorrência de aves estepárias na área de estudo. Seria importante evitar a perturbação nestas áreas ao longo de todo o ano, sobretudo nas áreas 1, 15 e 22 onde foi observada a abetarda. Para tal seria necessário evitar a circulação de veículos afectos à obra nestes locais e a instalação de estaleiros ou parques de madeira no interior dos seus perímetros.

236 Área 2 e 3

Constituem locais de extrema importância para a cegonha-preta, principalmente, e para uma série de aves de rapina, todas elas espécies muito sensíveis à perturbação. Trata-se de mais uma zona onde era muito importante, pelo menos durante a época reprodutora (Fevereiro a Agosto), evitar a perturbação provocada pela circulação de veículos afectos à obra, ou pela instalação de estaleiros ou parques de madeira.

Conhecendo-se os riscos de mortalidade que as linhas de transporte aéreo de energia acarretam para estas espécies, seria igualmente importante, como medida de compensação, a instalação de dispositivos de afugentamento nas linhas de alta tensão que atravessam esta área, provenientes de Alqueva, bem como de protecções contra electrocussão nos seus postes.

Área 5

Trata-se de um local de nidificação da águia-cobreira. O único acesso à parte sul da área (via Herdade da Sobreira de Baixo), encontra-se fechado a cadeado e assim deverá continuar. As linhas de alta tensão recentemente instaladas para “escoar” a produção de energia eléctrica da barragem de Alqueva passam sobre esta área. Recomendamos a sua devida sinalização, bem como a colocação de protecções contra electrocussão nos seus postes, por forma a reduzir o risco de mortalidade das aves que aqui ocorrem.

Área 9

Nesta zona existe um ninho-ocupado de águia de Bonelli. As nossas recomendações para esta área são basicamente as indicadas para as áreas onde existem territórios de bufo-real (áreas A, 7, 10, 11, 12, 13, 16, 19, 20 e 21), mas aqui conviria proibir o uso do caminho que conduz do Monte dos Colos à margem direita do Rio Ardila ao pessoal afecto às obras de construção do Açude de Pedrógão, permitindo-o apenas aos proprietários e usuários locais.

Área 17

Trata-se do açude do Rio Torto. Seria desejável evitar a perturbação numa faixa de 500 m em torno deste açude de modo a assegurar a tranquilidade das centenas de aves aquáticas que o utilizam ao longo de todo o ano.

Para o caso particular da colónia mista de garça-branca-pequena e de garça-boieira, que se instalou na área de regolfo já após o final dos trabalhos de campo (Primavera de 2005), sugere-se a monitorização da evolução dos seus efectivos até à submersão.

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241

8 Macroinvertebrados Terrestres

Equipa responsável: Diogo Figueiredo Otília Sardinha Amália Espiridião Rui Raimundo Manuel Cândido

Coordenação: Diogo Figueiredo

8.1 Introdução

De acordo com o programa de trabalhos, a monitorização dos macroinvertebrados terrestres decorreu na área da futura albufeira de Pedrógão, corresponde às cartas militares nº 500, 501, 502 e 511, que interceptam os seguintes concelhos: Beja, Moura, Portel, Serpa e Vidigueira. O objectivo foi o mapeamento georreferenciado de locais e abundância relativa das seguintes espécies de insectos: Papilio machaon hispanicus (Lepidoptera; Paplilionidae), Euphydryas aurini (Lepidoptera; Nymphalidae), Prosepinus proserpina (Lepidoptera; Sphingidae), Dicranura iberica (Lepidoptera; Notondontidae), Cerambyx cerdo (Coleoptera; Cerambycidae), Coenagrion mercuriale (Odonata; Coenagrionidae), Oxygastra curtisii (Odonata; Corduliidae).

No caso dos Lepidópteros, apesar de não constarem na lista de espécies alvo fornecida pela EDIA foram ainda tidas em consideração duas espécies com interesse conservacionista - Thymelicus acteon (Rottemburg, 1775) (Lepidoptera; Hesperiidae) e Melitaea aetherie (Hübner, 1826) (Lepidoptera; Nymphalidae).

A espécie Thymelicus acteon está incluída na categoria SPEC 2 visto tratar-se de uma espécie cuja distribuição global está concentrada e Ameaçada na Europa (van Swaay & Warren, 1999). A sua distribuição actual apresenta um decréscimo de 20 a 25% comparativamente aos últimos 25 anos. Na Extremadura espanhola encontra-se amplamente distribuída com colónias numerosas (Garcia Villanueva et al., 1997). Em Portugal está bastante dispersa, sendo cada vez menos frequente (Maravalhas, 2003).

A espécie Melitaea aetherie, espécie tipicamente mediterrânica, ocupa na Europa somente o Sul da Península Ibérica, estando presente em apenas 3 países europeus (Itália, Espanha e Portugal). Tem um Estatuto de Conservação SPEC 3, porque apesar de Ameaçada na Europa tem uma distribuição global não concentrada na Europa. A sua distribuição actual apresenta um decréscimo de 25 a 50% comparativamente aos últimos 25 anos (van Swaay & Warren, 1999). Na Extremadura espanhola existe uma única colónia em Valverde de Leganés (província de Badajoz), próximo da fronteira portuguesa, Concelho de Mourão (Garcia Villanueva et al., 1997). Em Portugal foi localizada na Caparica há cerca de 90 anos e posteriormente no Algarve, em Oeiras e em Alcobaça (Maravalhas, 2003). No entanto um modelo de distribuição (Generalised Additive Model, GAM) gerado para esta espécie, e que relaciona a sua ocorrência com um conjunto de factores climáticos e fisiográficos existentes nas quadrículas onde ela

242 ocorre, refere o interior alentejano como local de elevada probabilidade de ocorrência da espécie Melitaea aetherie (Miguel B. Araújo in Maravalhas, 2003).

Neste 2º relatório apresentam-se os resultados cumulativos de todas as amostragens realizadas até ao mês de Agosto de 2004. Decorrente dos trabalhos realizados no âmbito do Programa de Monitorização de Alqueva, a grande maioria destas espécies não tem localização confirmada na área de Alqueva e Pedrógão.

8.2 Metodologia

Uma vez que o conjunto de espécies a inventariar apresentam nichos ecológicos e habitats potenciais bem diferenciados, foram adoptados diversos métodos de prospecção. Esta prospecção foi acompanhada com recolha de informação georreferenciada, de modo a cartografar as espécies consideradas com base no modelo probabilísticos de ocorrência destas espécies, nos pontos previamente seleccionados. Para cada sítio de amostragem regista-se a ocorrência (presença/ausência) e abundância.

8.2.1 Ordem Coleoptera (Cerambyx cerdo)

A colecta dos dados referentes ás duas espécies do Género Cerambyx: Cerambyx cerdo e Cerambyx velutinus, foi efectuada através da recolha de troncos de árvores mortas ou bastante atacadas (para posterior identificação dos estágios larvares, após eclosão no insectário), ou através da captura de adultos durante as saídas de campo (diurnas e nocturnas). Foi efectuada uma prospecção prévia baseada na sintomatologia apresentada pelas árvores hospedeiras para uma melhor identificação dos locais. A colecta de dados efectuou-se em todas as quadrículas 1x1 Km, nas cartas militares referidas. A informação recolhida foi a seguinte: presença (confirmada/possível) e data de registo.

A identificação dos adultos foi efectuada segundo os caracteres morfológicos descritos por Bense (1995). A identificação larvar foi efectuada de acordo com a chave dicotómica para o Género Cerambyx elaborada por Marovic (1973).

Foi efectuada uma prospecção a toda a zona de estudo que compreende a totalidade das cartas militares correspondentes.

8.2.2 Ordem Odonata (Coenagrion mercuriale e Oxygastra curtisii)

Selecção de sítios de monitorização no troço do Rio Guadiana e nos troços do seus afluentes, que se localizam na área do Regolfo, nas cartas militares 500, 5001, 502 e 511. a) Levantamento e monitorização de adultos Através da realização de transectos ao longo do curso de água e durante o período de voo. b) Levantamento e monitorização das ninfas Recorrendo à utilização de uma manga entomológica de arrasto; foram realizados 6 arrastos nos diferentes sítios seleccionados para monitorização.

243 8.2.3 Ordem Lepidoptera a) Rhopalocera (Superfamílias Hesperioidea e Papilionoidea)

Realizaram-se transectos em áreas de provável ocorrência para cada uma das espécies alvo (Papilio machaon, Euphydryas aurinia, Thymelicus acteon e Melitaea aetherie ) durante os meses de Março a Setembro, nos dias em que as condições atmosféricas assim o permitiram – céu limpo, sem vento e temperatura média entre 20 e 37°C.

Durante os percursos teve-se em atenção a observação das potenciais plantas- hospedeiras das borboletas para levantamento de lagartas e posturas.

Realizaram-se fichas descritivas dos locais monitorizados e registo da ocorrência e abundância de todas as espécies visualizadas ao longo dos transectos e nos locais seleccionados. b) Famílias Sphingidae e Notondontidae

Após a identificação dos locais de provável existência de Dicranura iberica, isto é, galerias ripícolas com Salgueiros e Choupos, foram colocadas, durante a noite, armadilhas luminosas nos locais seleccionados. Realizaram-se batimentos nos Salgueiros e Choupos existentes nas margens de alguns bosques ripícolas para levantamento de lagartas.

Para o levantamento da espécie de Esfingídeo Proserpinus proserpina, também de hábitos nocturnos, foram colocadas armadilhas luminosas em locais arenosos nas margens de ribeiros e lagos, locais prováveis de localização das espécies vegetais potenciais plantas-hospedeiras.

8.3 Resultados

8.3.1 Ordem Coleoptera (Cerambyx cerdo)

Os resultados obtidos confirmam o C. velutinus como espécie presente na área de estudo. Foram detectadas 29 ocorrências desta espécie na região (Figura 120). Todas estas ocorrências foram localizadas em azinheiras, e estão representadas a verde as respectivas localizações das árvores hospedeiras na Figura 120.

Não se registraram quaisquer ocorrências de C. cerdo na área de estudo. Na área de estudo total cerca de 41,7% correspondem a habitat susceptível de ter presença das espécies alvo: sobreiros e azinheiras. Na Figura 121 pode observar-se em tom castanho a distribuição, em conjunto, de azinheiras e/ou sobreiros.

Das 640 quadrículas inventariadas, que correspondem à totalidade da área de estudo, apenas 29 tinham presença confirmada de C. velutinus (a vermelho na Figura 122).

De referir que a área compreendida a Sul da localidade de Alqueva e a Norte de Marmelar a existência de um incêndio de grandes proporções no Verão de 2004, o que afectou uma área de montado importante. Área essa que ainda não tinha sido inventariada.

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Figura 120 - Distribuição das ocorrências de Cerambyx velutinus (localização das árvores).

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Figura 121 – Distribuição do montado de sobro e azinho na área de estudo.

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Figura 122 - Ocorrências de C. velutinus na área de estudo (por quadrícula).

247

8.3.2 Ordem Odonata

Foram realizadas inventariações em 60 locais na área de estudo (Figura 123). Nalguns locais foram realizadas duas réplicas. No total, foram realizadas 93 amostragens, entre Novembro de 2003 e Junho de 2005. As amostragens tiveram particular incidência entre os meses de Primavera e Verão.

Foram inventariadas 17 espécies, cuja lista se apresenta.

Zigoptera Lestidae Lestes Leach, 1815 viridis (Vander Linden, 1825) Coenagrionidae Cercion Navas, 1907 lindenii (Selys, 1840) Ischnura Charpentier, 1840 graellsii (Rambur, 1842) pumilio (Charpentier, 1825) Platycnemididae Platycnemis Burmeister, 1839 acutipennis Selys, 1841 latipes Rambur, 1842 Anisoptera Aeshnidae Aeshna Fabricius, 1775 mixta Latreille, 1805 Anax Leach, 1815 imperator Leach, 1815 parthenope (Selys, 1839) Gomphidae Onychogomphus Selys, 1854 forcipatus (Linnaeus, 1758) Libellulidae Orthetrum Newman, 1833 cancellatum (Linnaeus, 1758) coerulescens (Fabricius, 1798) Brachythemis Brauer, 1868 leucosticta (Burmeister, 1839) Crocothemis Brauer, 1868 erythraea (Brullé, 1832) Sympetrum Newman, 1839 fonscolombii (Selys, 1840) striolatum (Charpentier, 1840) Trithemis Brauer, 1868 annulata (Palisot de Beauvois, 1807)

248

Figura 123 - Pontos de amostragem da Ordem Odonata.

249

Figura 124 - Riqueza específica da Ordem Odonata.

250

Como se pode constatar não foi assinalada a presença de nenhuma das duas espécies alvo: Coenagrion mercuriale e Oxygastra curtisii.

A maior diversidade obtida foi ao longo do Rio Ardila e na Ribeira de Marmelar (Figura 124). As ribeiras de Odearce (carta 511) e da Toutalga (502), Barranco do Valtamujo e Barranco do Moinhato (ambos na carta 502) apresentam pontos em que não se encontraram quaisquer indivíduos (a vermelho no mapa). Nos dois primeiros casos, no primeiro ano apesar de existirem condições para que estas espécies ocorressem, estas não estavam presentes nos locais. No segundo ano as ribeiras apresentavam condições pouco favoráveis à ocorrência das espécies (seca extrema). No caso dos barrancos foi efectuada amostragem apenas no segundo ano e as condições dos pegos eram de seca extrema (sem água).

8.3.3 Ordem Lepidoptera

Durante os anos 2004 e 2005 foram prospectadas as cartas militares 500, 501, 502 e 511. Foram registados 92 locais de presença de espécies, correspondentes a 69 quadrículas. As amostragens foram realizadas nos períodos da Primavera/Verão e durante o início do Outono de 2004 e Primavera de 2005 (Figura 125). Nestes locais foi assinalada a presença de 34 espécies de Lepidópteros Ropalóceros repartidas por 5 famílias (Tabela XXI)

251

Tabela XXI – Espécies de Lepidópteros Ropalóceros inventariados na área de regolfo de Pedrogão (nº de locais com presença por Carta Militar) durante os anos de 2004 e 2005.

Espécie Família 500 501 502 511 total Thymelicus sylvestris Hesperiidae 2 8 2 12 Thymelicus acteon Hesperiidae 2 4 3 9 Cacharodes alcea Hesperiidae 1 1 Gegenes nostrodamus Hesperiidae 1 4 3 8 Spialia sertorius Hesperiidae 2 3 2 7 Papilio machaon Papilionidae 2 9 2 1 14 Colias crocea 2 2 14 10 28 Gonepteryx cleopatra Pieridae 2 2 2 6 belemia Pieridae 3 3 Euchloe crameri Pieridae 1 1 Pieris brassicae Pieridae 1 2 3 Pieris rapae Pieridae 7 9 19 9 44 Pontia daplidice Pieridae 3 2 5 10 Vanessa cardui Nymphalidae 1 1 2 Melitaea aetherie Nymphalidae 1 1 Charaxes jasius Nymphalidae 1 1 Pararge aegeria Nymphalidae 2 1 3 Lasiommata megera Nymphalidae 1 1 Coenonympha pamphilus Nymphalidae 5 7 14 4 30 Maniola jurtina Nymphalidae 10 8 19 13 50 Pyronia cecília Nymphalidae 1 8 17 10 36 Melanargia ines Nymphalidae 3 3 Thecla quercus Lycaenidae 1 1 2 Laesopis roboris Lycaenidae 1 1 2 4 Satyrium ilicis Lycaenidae 1 1 Satyrium esculi Lycaenidae 1 2 3 Lycaena phlaeas Lycaenidae 2 2 7 5 16 Lampides boeticus Lycaenidae 1 2 1 4 Syntarucus pirithous Lycaenidae 5 4 4 3 16 Celastrina argiolus Lycaenidae 1 1 Glaucopsyche melanops Lycaenidae 1 1 Aricia cramera Lycaenidae 4 5 5 11 25 Polyommatus bellargus Lycaenidae 1 1 Polyommatus icarus Lycaenidae 3 5 11 12 31 Total espécies 54 79 144 101 Total de Pontos 17 22 28 25

252

Figura 125 - Localização dos pontos correspondentes a registos de Lepidópteros Ropalóceros durante os anos de 2004 e 2005.

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Os locais com mais espécies registadas encontram-se nas cartas 511 e 502, respectivamente com 12 e 11 na primeira e 10 na segunda carta. As espécies de distribuição mais generalizada foram: Papilio machaon, Colias crocea, Pieris rapae, Coenonympha pamphilus, Maniola jurtina, Pyronia cecilia, Lycaena phlaeas, Syntarucus pirithous, Aricia cramera e Polyommatus icarus. As espécies com maior número de registos foram: Maniola jurtina, Pieris rapae e Pyronia cecília, respectivamente com 50, 44 e 36 registos cada.

A espécie Papilio machaon foi registada em 14 (20%) das quadrículas prospectadas: 2 locais na carta militar 500 (Selmes, Vidigueira), 9 na carta militar 501 (Moura), 2 na carta militar 502 (Amareleja) e 1 local na carta militar 511 (Pedrógão, Vidigueira), num total de 14 observações. Em alguns locais foram observados mais de que um exemplar. A maioria dos registos foi efectuada no mês de Setembro de 2004 (Figura 126).

Presente em oito (12%) das quadrículas prospectadas, a espécie Thymelicus acteon foi registada em 2 locais na carta militar 500 (Selmes, Vidigueira), 4 na carta militar 502 (Amareleja) e 3 na carta militar 511 (Pedrógão, Vidigueira); não houve registos desta espécie na carta militar 501 (Moura). Tem sido localizada em orlas de zonas cultivadas, em áreas secas e estepárias, com vegetação rasteira. A maioria dos registos foi obtida na Primavera/Verão de 2004 (Figura 127). Não foram obtidos registos de ocorrência da espécie Euphydryas aurinia na área de estudo. Também para as espécies Proserpinus proserpina e Dicranura iberica não foram confirmadas ocorrências na área de estudo de regolfo da albufeira de Pedrógão.

Com uma distribuição muito localizada e pontual a espécie Melitaea aetherie foi registada num único local na carta militar 502, Amareleja. Numa área de terrenos incultos com flores silvestres e cardos e orlas de terrenos cultivados, a uma altitude de 165 metros, entre o Rio Ardila e a Ribª de Toutalga, uma zona relativamente plana. Nesta “nova” colónia foram registados 8 indivíduos.

254 Figura 126 - Localização por quadrícula das ocorrências de Papilio machaon na área de estudo, durante os anos de 2004 e 2005.

255 Figura 127 - Localização por quadrícula das ocorrências de Thymelicus acteon na área de estudo, durante os anos de 2004 e 2005.

256 8.4 Discussão

É muito importante salientar a “descoberta“ da colónia da espécie Melitaea aetherie na zona da Amareleja, uma vez que se trata de uma espécie com Estatuto de Conservação de Ameaçada, da qual não se conhece a sua exacta distribuição em Portugal. Estes dados constituem, por si só, uma mais valia para a cartografia desta espécie em Portugal continental e duma área com especial interesse para a conservação.

No entanto, e apesar de o mesmo local ter sido visitado no ano de 2005, não se observaram indivíduos desta espécie.

A espécie Thymelicus acteon pode ser considerada comum nesta área de estudo, em que prevalecem as áreas secas e estepárias, com vegetação rasteira, gramíneas do género Bromus, plantas-hospedeiras das lagartas (Maravalhas, 2003).

Na área de estudo apesar de terem sido detectados alguns habitats propícios à existência da espécie Proserpinus proserpina, isto é, clareiras ou margens de florestas, locais quentes e húmidos nas margens de linhas de água e em que existem as plantas-hospedeiras das lagartas – Epilobium spp e Oenothera spp (van Helsdingen et al., 1996), não houve observação ou registo.

Também para a espécie Dicranura iberica os habitats favoráveis são as zonas húmidas, os pauis e galerias ripícolas com árvores do género Salix spp. e Populus spp., as principais plantas-hospedeiras das lagartas (Rougeot & Viette, 1980). Apesar de se encontrarem nesta área de estudo, são em muito pequena quantidade, o que reduz a probabilidade da existência desta espécie na área.

Papilio machaon parece ter uma distribuição normal nesta área de estudo. O facto de a maioria dos registos ter sido efectuada já no Outono de 2004, tem a ver com o facto das condições meteorológicas: um Inverno muito chuvoso seguido de uma Primavera também muito chuvosa e com temperaturas mínimas muito baixas, o que provavelmente terá prolongado a actividade da espécie e o aparecimento da última geração no Outono.

A seca que se fez sentir durante o ano de 2005, terá impedido o normal desenvolvimento da flora, nomeadamente na área de estudo, o que fez com que as espécies da fauna mais directamente com ela relacionada também tenham tido um desenvolvimento anormal. Por isso durante o ano de 2005 houve uma diminuição do número de indivíduos, assim como uma diminuição dos locais com ocorrência de borboletas, relativamente ao ano anterior de 2004.

Os efeitos negativos da desmatação sobre as espécies de Lepidópteros existentes na área de estudo residem principalmente na destruição dos habitats de alimentação e/ou reprodução.

De qualquer modo os locais de corte de vegetação não irão afectar directamente as espécies em causa, uma vez que as principais zonas se situam a uma cota superior a 90 metros e não são zonas que irão ser afectadas pelo enchimento da albufeira de

257 Pedrógão. Foram poucos os pontos onde foram encontradas em 2004 as espécies em estudo que coincidem com a zona desmatada.

Assim os impactos sobre as espécies de Lepidópteros identificadas na área de regolfo de Pedrógão não serão significativos em termos de espécies.

Durante o ano 2005 devido às condições meteorológicas excepcionais, não foi possível verificar se a diminuição de efectivos se deveu somente á seca ou, se de algum modo, houve impacto da desmatação ocorrida durante o Outono de 2004.

8.5 Bibliografia

Araújo, M. B. & P. Garcia-Pereira. 2003. Cartografia da Diversidade de Borboletas em Portugal Continental in Maravalhas, E. (Ed.) As borboletas de Portugal, 121-128. Edição Vento Norte, Porto. Garcia-Villanueva, V.; A. B. Caselles; J. M. N. Pérez & M. N. Manzano. 1997. Atlas de los Lepidópteros Ropalóceros de Extremadura (Hesperioidea & Papilionoidea). Inst. Extremeño de Entomol.. Badajoz. 122 pp. Maravalhas, E. (Ed.). 2003. As Borboletas de Portugal. Edição Vento Norte, Porto. 455 pp New, T. R. 1997. Conservation. Oxford University Press. Australia. 248 pp. Pollard, E. & T. J. Yates. 1993. Monitoring for Ecology and Conservation. Chapman & Hall. London. 274 pp. Rougeot, P. C. & P. Viette. 1980. Guia de campo de las Mariposas Nocturnas de Europa y Norte de Africa. Ediciones Omega, S. A., Barcelona, 237 pp. Swaay, C. van; M. Warren & A. Grill. 1997. Convention on the conservation of European Wildlife and Natural Habitats. Threatened Butterflies in Europe – provisional report. Dutch Butterfly conservation (De Vlinderstichting), Wageningen. 95 pp. van Heldsdingen, P. J. et al (Eds). 1996. Background information on Invertebrates of the Habitats Directive and the Bern Convention.Part I – Crustacea, Coleoptera and Lepidoptera. Nature and Environment, Nº 79, Strasbourg, Council of Europe Publishing. van Swaay, C. & M. Warren. 1999. Red Data Book of European Butterflies (Rhopalocera). Nature and Environment, Nº 99, Council of Europe, Strasbourg. Viedma, M. G. & M. Gomez-Bustillo. 1985. Revision del Libro Rojo de los Lepidopteros Ibericos. Ministerio de Agricultura, Pesca y Alimentación. Instituto Nacional para la Conservación de la Naturaleza. Madrid. 25 pp. Bense, U. 1995.Longhorn beetles. Illustrated key to the Cerambycinae and Vesperidae of Europe. Apollo Books. Denmark. 11, 239. Marovic, R. 1973. The development of Cerambyx cerdo L.(Col. Cerambycidae) under laboratory conditions. Acta entomologica Jugoslava. Jugoslavia.

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