7 - Estado da arte sobre a taxonomia e filogenia de

Rodrigo M. Feitosa

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FEITOSA, RM. Estado da arte sobre a taxonomia e filogenia de Proceratiinae. In: DELABIE, JHC., et al., orgs. As formigas poneromorfas do Brasil [online]. Ilhéus, BA: Editus, 2015, pp. 75-84. ISBN 978-85-7455-441-9. Available from SciELO Books .

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Estado da arte sobre a taxonomia e fi logenia de Proceratiinae

Rodrigo M. Feitosa

Resumo

Proceratiinae atualmente engloba três gê- recentes que incluíram membros de Proceratiinae neros de formigas em duas tribos: e entre seus terminais parecem apontar para uma po- na tribo Proceratiini e sição basal de Discothyrea que aparece como grupo como único membro da tribo Probolomyrmecini. -irmão de um clado formado por Probolomyrmex + A subfamília está presente em todo o mundo, es- Proceratium. Ainda assim, um estudo mais abran- pecialmente nas regiões tropicais, onde a maior gente e que inclua um número maior de espécies se parte de suas cerca de 140 espécies ocorre. Nas faz necessário para o estabelecimento das relações Américas, Proceratiinae apresenta cerca de 40 fi logenéticas em Proceratiinae. espécies distribuídas desde o sul do Canadá até Esta subfamília é relativamente pouco repre- a Argentina. No Brasil, os três gêneros da subfa- sentada em coleções mirmecológicas. Isso ocorre mília estão representados por apenas seis espécies porque os indivíduos são raramente capturados formalmente descritas, sendo que Probolomyrmex com as técnicas mais tradicionais de coleta. O extra- apresenta três espécies, Discothyrea possui duas tor de Winkler tem se mostrado o método mais efi - espécies e Proceratium está representado no país ciente para amostrar exemplares de Proceratiinae, por uma única espécie. embora estes sejam coletados sempre em número Proceratiinae pode ser morfologicamente bastante reduzido. Esta aparente raridade se deve reconhecida pela seguinte combinação de carac- em grande parte ao hábito críptico das espécies e às teres: tamanho relativamente pequeno; inserções baixas densidades populacionais das colônias, que antenais total ou parcialmente expostas; olhos re- raramente alcançam 100 indivíduos. Os ninhos são duzidos a ausentes; sutura promesonotal fundida normalmente encontrados em cavidades no solo de ou ausente; garras tarsais anteriores simples, nun- fl orestas, entre as folhas da serapilheira, troncos em ca pectinadas ou com dentes pré-apicais; pecíolo decomposição e sob rochas. Com relação ao hábito sem tergitos laterais; e lobo jugal ausente nas asas alimentar, as observações feitas até então sugerem anteriores das formas sexuadas. Embora diferen- uma preferência destas formigas por ovos de pe- tes estudos indiquem que Proceratiinae seja um quenos artrópodes de solo, em especial aracnídeos. membro do complexo poneroide de subfamílias, Virtualmente nada é conhecido sobre o sistema de nenhum estudo fi logenético foi proposto para forrageamento das espécies proceratiíneas e suas testar suas relações internas. Estudos moleculares estratégias reprodutivas.

FEITOSA, Rodrigo M. Estado da arte sobre a taxonomia e fi logenia de Proceratiinae. In: DELABIE, Jacques H. C. et al. As formigas poneromorfas do Brasil. Ilhéus: Editus, 2015. p. 75-84.

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PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 75 113/01/20163/01/2016 11:48:5611:48:56 Abstract

State of the art of the and proposed. Molecular studies that have included phylogeny of the subfamily Proceratiinae - proceratiine species as terminals seem to indicate Th e subfamily Proceratiinae comprises three a basal position for the Discothyrea, which genera in two tribes: Discothyrea and Proceratium represents the sister group of a clade formed by in the Proceratiini, and Probolomyrmex as the only Probolomyrmex + Proceratium. However, a broader member of the Probolomyrmecini. Th e subfamily study including a high number of species is needed is present in all regions of the world, especially in to improve the knowledge on the phylogenetic the tropics, where most of its 140 species occur. relationships in Proceratiinae. In the New World, Proceratiinae contains around Th e subfamily is relatively poorly represented 40 species distributed from southern Canada in myrmecological collections. Th is is due the fact to Argentina. In Brazil, the three genera of the that individuals are rarely captured by traditional subfamily are represented by only six species; three collecting techniques. Th e Winkler apparatus has species of Probolomyrmex, two of Discothyrea and proved to be the most effi cient method to collect a single species of Proceratium. specimens of Proceratiinae, although the number of Proceratiinae can be morphologically individuals in the samples is always very low. Th is recognized by the following combination of apparent rarity is mostly due the cryptic habits of characters: size relatively small; antennal insertions the species and the relatively low size of colonies, totally or partially exposed; eyes strongly reduced which rarely reach 100 individuals. Nests are oft en to absent; promesonotal suture fused or absent; found in cavities in the forest fl oor, in the interstices tarsal claws of forelegs simple, never pectinate of the leaf litter, decaying logs, and under stones. nor possessing preapical projections; petiole Regarding the diet, the few observations made without laterotergites; and jugal lobe absent in the thus far suggest a preference of these to prey forewings. Although the position of Proceratiinae upon eggs of small soil , particularly within the poneroid subfamilies is relatively well arachnids. Virtually nothing is known about the established, a phylogenetic study to investigate the foraging systems and the reproductive strategies of internal relations of the subfamily has never been most proceratiine species.

Sistemática de Proceratiinae sinonímias genéricas reduziu um imenso arranjo de nomes a apenas nove gêneros (Acanthoponera, Diferentes estudos recentes têm adiciona- Aulacopone, Discothyrea, Ectatomma, do importantes informações sobre a taxonomia e Gnamptogenys, Heteroponera, , fi logenia das linhagens de formigas em um nível Proceratium e Rhytidoponera). Neste período, o gê- abrangente (ver Capítulo 8 deste livro por FER nero Probolomyrmex era considerado membro da NÁNDEZ; LATTKE); no entanto, há ainda um tribo Platythyreini. défi cit considerável acerca da fi logenia interna de Apesar de não ter realizado uma análise boa parte das subfamílias, tribos ou mesmo gê- cladística, Brown (1958) comparou a morfologia neros, o que é verdade também para a subfamília de Ectatommini a de diversos outros grupos de Proceratiinae. Até 2003, a maioria das formigas , concluindo que Ectatommini apresen- desta subfamília era considerada como pertencen- tava os gêneros mais basais, sendo Acanthoponera te à tribo Ectatommini que, juntamente com ou- o gênero que reunia o maior número de caracte- tras tribos, formavam um táxon muito abrangente rísticas ancestrais e do qual se derivava diretamen- e heterogêneo, a subfamília Ponerinae (BOLTON, te Heteroponera que, por sua vez, seria mais inti- 1994; BOLTON, 1995). mamente relacionado à Aulacopone, Discothyrea, Brown (1958) apresentou a primeira pro- Gnamptogenys, Proceratium e Rhytidoponera, en- posta de classifi cação para Ectatommini. Neste quanto Ectatomma e Paraponera formariam uma trabalho, uma série extensiva e bem justifi cada de linhagem distinta.

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PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 76 113/01/20163/01/2016 11:48:5611:48:56 Em 1975, Brown publica a última parte de sua de caracteres de morfologia externa. Neste estu- série de trabalhos sobre a sistemática de Ponerinae. do, Lattke demonstrou que Ectatommini era um Neste artigo, Brown revisa a tribo Platythyrei- grupo polifi lético e propôs uma nova classifi cação ni e comenta as relações entre Probolomyrmex e para os gêneros que o compõem, revalidando as Platythyrea. Embora tenha incluído ambos na mes- tribos Paraponerini, com Paraponera como único ma tribo, Brown reconhece as diferenças marcantes membro e Proceratiini, englobando Discothyrea e entre estes gêneros, especialmente no que se refere Proceratium. Os demais gêneros foram mantidos à morfologia das larvas. Ainda assim, nos trabalhos em Ectatommini (Figura 7.1A). subsequentes, a classifi cação de Brown para as tri- Os resultados de Lattke foram contestados bos poneríneas foi mantida por diferentes autores. por Keller (2000) que afi rmou que a classifi cação Em 1994, Lattke propôs uma análise cladística proposta era fi logeneticamente inconsistente, já para Ectatommini utilizando um grande conjunto que Ectatommini era polifi lética e as análises de

Figura 7.1 – Relações entre os gêneros de Ectatommini sensu Brown (1958), com as propostas para a reclassifi cação da tribo segundo (A) Lattke (1994) e (B) Keller (2000). (Modifi cado de Feitosa, 2011)

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PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 7777 113/01/20163/01/2016 11:48:511:48:57 Lattke foram baseadas em propostas de classifi ca- passa a englobar o gênero Probolomyrmex, até en- ção irrelevantes para a escolha dos grupos exter- tão considerado membro da tribo Platythyreini. nos. Keller ampliou a matriz de Lattke com novos No mesmo trabalho, Bolton (2003) conside- táxons e caracteres e desenvolveu uma nova análi- rou as subfamílias originadas do desmembramento se fi logenética (Figura 7.1B). Seus resultados con- de Ponerinae como membros de um agrupamento fi rmaram a distância evolutiva entre Paraponera informal, o qual chamou de poneromorfas. Este ter- e os demais gêneros e também a monofi lia do mo foi aceito por algum tempo e apareceu com fre- clado formado por Heteroponera, Ectatomma e quência na literatura dos anos seguintes ao trabalho Rhytidoponera. Contudo, a relação encontrada de Bolton. No entanto, fi logenias recentes utilizando por Lattke entre Discothyrea e Proceratium não foi dados moleculares demonstraram que as ponero- demonstrada por Keller, invalidando a justifi cati- morfas formam na verdade uma assembleia artifi - va de Lattke para a criação da tribo Proceratiini e cial, com um grupo monofi lético, o complexo pone- perpetuando a instabilidade nas classifi cações do roideo (no qual se inclui Proceratiinae), excluindo- grupo. se as subfamílias e Dadas as evidências de que Ectatommini e que juntas formam o complexo ectaheteromorfo mesmo Ponerinae constituíam agrupamentos ar- e, ao lado de e , compõem tifi ciais, Bolton (2003) desmembrou boa parte das o atual clado formicoide (MOREAU et al., 2006; tribos reconhecidas por Brown (1958, 1975) e divi- OUELLETTE et al., 2006; BRADY et al., 2006; RA diu Ponerinae em seis subfamílias: A mblyoponinae, BELING et al., 2008) (Figura 7.2). Ectatomminae, Heteroponerinae, Paraponerinae, Mais recentemente, Keller (2011) publicou Ponerinae e Proceratiinae. A maior parte dos gêne- uma das análises fi logenéticas mais abrangentes ros que até então formavam a tribo Ectatommini já feitas para formigas, utilizando exclusivamente agora se encontram divididos nas subfamílias caracteres morfológicos, com ênfase nos grupos Ectatomminae (Ectatomma, Gnamptogenys, incluídos no complexo poneromorfo de Bolton Rhytidoponera e Typhlomyrmex), Heteroponerinae (2003). Apesar das grandes divergências entre este (Acanthoponera, Aulacopone e Heteroponera) e trabalho e as propostas recentes que utilizaram Proceratiinae (Discothyrea, Probolomyrmex e dados moleculares, a análise de Keller comprova a Proceratium). Assim, Proceratiinae aparece pela parafi lia do complexo poneromorfo. primeira vez na literatura e além dos gêneros Os estudos moleculares recentes que inclu- Discothyrea e Proceratium (já tidos como fi logene- íram membros de Proceratiinae entre seus termi- ticamente relacionados em trabalhos anteriores) nais parecem apontar para uma posição basal de

Figura 7.2 – Sumário das relações fi logenéticas entre subfamílias de formigas reconstruídas com base em dados moleculares. O tamanho dos triângulos indica a diversidade de cada subfamília (Modifi cado de Keller, 2011)

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PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 78 113/01/20163/01/2016 11:48:511:48:57 Discothyrea que aparece como grupo-irmão de um de conhecimento taxonômico em Proceratiinae clado formado por Probolomyrmex + Proceratium. e forneceram chaves de identifi cação para as es- Da mesma forma, as topologias obtidas por Keller pécies da subfamília, com ênfase nos táxons que (2011) com base em caracteres morfológicos apon- ocorrem na Colômbia. tam para a mesma relação interna, o que pode ser A subfamília é relativamente pouco repre- considerada uma boa indicação de que esta possa sentada em coleções mirmecológicas. Isso ocorre ser de fato a história evolutiva do grupo. Ainda as- porque os indivíduos são raramente capturados sim, um estudo concentrado na subfamília e que com as técnicas mais tradicionais de coleta. O inclua um número maior de espécies se faz urgen- extrator de Winkler tem se mostrado o méto- temente necessário para uma melhor compreen- do mais efi ciente para amostrar exemplares de são das relações fi logenéticas em Proceratiinae. Proceratiinae, embora estes sejam coletados sem- Pelo conceito atual de subfamílias de for- pre em número bastante reduzido. Esta aparente migas, Proceratiinae ainda engloba as duas tri- raridade se deve em grande parte ao hábito críp- bos e três gêneros nela combinados por Bolton tico das espécies e às baixas densidades popula- (2003): Discothyrea e Proceratium em Proceratiini cionais das colônias, que raramente alcançam 100 e Probolomyrmex em Probolomyrmecini. A sub- indivíduos. Os ninhos são normalmente encon- família está presente em todo o mundo, especial- trados em cavidades no solo de fl orestas, entre as mente nas regiões tropicais, onde a maior parte de folhas da serapilheira, troncos em decomposição e suas cerca de 140 espécies ocorrem. sob rochas. Nas Américas, Proceratiinae apresenta cerca Com relação ao hábito alimentar, as obser- de 40 espécies distribuídas desde o sul do Canadá vações feitas até então sugerem uma preferência até a Argentina. No Brasil, os três gêneros da subfa- destas formigas por predar ovos de pequenos artró- mília estão representados por apenas seis espécies podes de solo, em especial aracnídeos (BROWN, formalmente descritas, sendo que Probolomyrmex 1954; 1979). Virtualmente nada é conhecido sobre apresenta três espécies, Discothyrea possui duas es- o sistema de forrageamento das espécies procera- pécies e Proceratium está representado no país por tiíneas e suas estratégias reprodutivas. uma única espécie. Proceratiinae pode ser morfologicamente reconhecida pela seguinte combinação de carac- Representantes de Proceratiinae no Brasil teres: tamanho relativamente pequeno; inserções antenais total ou parcialmente expostas; olhos re- Discothyrea Roger, 1863 duzidos a ausentes; sutura promesonotal fundida ou ausente; garras tarsais anteriores simples, nunca Discothyrea é representado atualmente por pectinadas ou com dentes pré-apicais; pecíolo sem 32 espécies válidas distribuídas mundialmente. tergitos laterais; e lobo jugal ausente nas asas ante- São formigas diminutas reconhecidas principal- riores das formas sexuadas. mente pela seguinte combinação de caracteres: Com relação à taxonomia alfa da subfamí- corpo compacto e de perfi l arredondado; mandí- lia, até o momento, com exceção das Discothyrea bulas sem dentes ou dentículos nas margens mas- neotropicais, todos os gêneros proceratiíneos fo- tigatórias; inserções antenais posicionadas sobre ram objeto de revisões taxonômicas. Contudo, es- uma plataforma fronto-clipeal que se estende ante- tes trabalhos encontram-se relativamente defasa- riormente na cápsula cefálica cobrindo as mandí- dos e o acúmulo em coleções mirmecológicas de bulas em vista frontal; segmento apical das antenas exemplares que não se enquadram nas descrições formando uma clava extremamente desenvolvida; de espécies descritas evidencia a necessidade de escapos antenais curtos, nunca ultrapassando a novos trabalhos. As chaves taxonômicas atual- margem posterior da cabeça; olhos fortemente mente utilizadas para a identifi cação de espécies reduzidos, formados por um único omatídeo ou neotropicais de Proceratiinae são basicamente completamente ausentes; e quarto segmento abdo- as encontradas nos trabalhos de O’Keefe; Agosti minal (segundo gastral) fortemente curvado para (1997), para Probolomyrmex e Baroni-Urbani; de frente, projetando-se ventralmente sob o mesosso- Andrade (2003), para Proceratium. Não menos ma (Figura 7.3). importante é a contribuição recente de Sosa-Cal- Na Região Neotropical, o gênero é represen- vo; Longino (2008) que revisaram o estado atual tado por oito espécies, sendo que apenas duas delas

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PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 7979 113/01/20163/01/2016 11:48:511:48:57 Figura 7.3 – Discothyrea sexarticulata, operária em (a) vista frontal e (b) vista lateral. Foto: Estella Ortega (Antweb, CASENT0281862).

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estão registradas para o Brasil, D. neotropica Bruch incomum comparado à frequência com que gran- e D. sexarticulata Borgmeier. Tradicionalmente, os de parte dos gêneros poneroides é registrada. Estas exemplares deste gênero coletados no Brasil são formigas possuem hábitos crípticos e colônias de identifi cados com base no número de segmentos tamanho populacional reduzido. Os ninhos são antenais (seis em D. sexarticulata e nove em D. encontrados nos interstícios da serapilheira e em neotropica). Isto ocorre como consequência dos troncos em decomposição no solo de fl orestas. trabalhos de Borgmeier (1949; 1954) que utilizou As espécies deste gênero que possuem sua esta característica como critério para separar as biologia conhecida são conhecidas por estocar e espécies neotropicais de Discothyrea nos últimos predar ovos de aracnídeos (BROWN, 1954; 1979). estudos taxonômicos conduzidos para o gênero A especialização neste item alimentar é tão signi- nesta região. Contudo, este caráter utilizado isola- fi cativa que algumas espécies não apenas conso- damente tem se mostrado frágil na delimitação de mem ovos de aranhas, mas também podem esta- espécies do gênero (SOSACALVO; LONGINO, belecer suas colônias no interior das ootecas destes 2008). animais (DEJEAN et al., 1999). Outro caráter de importância taxonômica é a posição dos espiráculos propodeais, que também Probolomyrmex Mayr, 1901 apresenta graus signifi cativos de variação. Devi- do ao tamanho reduzido das espécies do gênero, Probolomyrmex é atualmente representado a tarefa de se conferir nomes aos indivíduos cole- por 21 espécies distribuídas em todas as regiões tados pode consistir em um desafi o considerável, tropicais do mundo. Este é o único gênero inclu- já que as dimensões dos exemplares tornam muito ído na tribo Probolomyrmecini (BOLTON, 2003) difíceis a contagem de segmentos antenais e a ob- e pode ser morfologicamente diagnosticado pelos servação de demais estruturas. De fato, o peque- seguintes caracteres: corpo alongado e fi liforme; no número de espécies reportado para o Brasil é mandíbulas com seis a oito dentes; inserções an- provavelmente um artefato da ausência de traba- tenais posicionadas sobre uma plataforma fronto- lhos taxonômicos para o grupo nesta região. As- clipeal que se estende anteriormente na cápsula sim, dada a natureza problemática dos limites ta- cefálica cobrindo as mandíbulas em vista frontal; xonômicos entre espécies de Discothyrea, é muito antenas com 12 segmentos; olhos ausentes; quar- provável que um estudo minucioso revele novas to segmento abdominal (segundo gastral) nunca espécies para o Brasil. Felizmente, neste momento curvado para frente (Figura 7.4). De fato, o corpo há um estudo em andamento que almeja a revisão alongado e a ausência de uma curvatura ventral no taxonômica das espécies de Discothyrea do Novo segundo segmento do gáster são sufi cientes para Mundo (J. SOSA-CALVO, em prep.). separar Probolomyrmex dos demais proceratiíneos. Como já mencionado para a subfamília, a Taylor (1965) foi o primeiro a apresentar coleta de exemplares de Discothyrea é um evento uma revisão global do gênero com base em um

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PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 8800 113/01/20163/01/2016 11:48:511:48:57 Figura 7.4 – Probolomyrmex petiolatus, operária em (a) vista frontal e (b) vista lateral. Foto: April Nobile (Antweb, CASENT 0102222).

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número relativamente pequeno de indivíduos; mirmecológicas tem aumentado substancialmente. tanto que neste trabalho a Região Neotropical foi Este aumento na representatividade do gênero em representada por espécimes de apenas duas locali- coleções brasileiras tem evidenciado o quão frágeis dades. Em 1994, Agosti revisou taxonomicamente parecem ser os limites morfológicos entre as espé- as espécies de Probolomyrmex do Novo Mundo e cies do gênero. Ainda, entre o material recém-a- forneceu uma chave de identifi cação para as espé- cumulado, certamente existem espécies ainda não cies até então conhecidas. Esta chave foi atualiza- descritas e que devem aumentar a diversidade do da três anos depois com a descrição de uma nova gênero para a Região Neotropical. As espécies bra- espécie para a Costa Rica (O’KEEFE; AGOSTI, sileiras do gênero são objeto de uma revisão taxo- 1997) e segue sendo a principal referência para a nômica em andamento (R.M. FEITOSA, em prep.). identifi cação das espécies neotropicais do gêne- A difi culdade em se coletar exemplares de ro. Atualmente são conhecidas quatro espécies de Probolomyrmex está diretamente relacionada ao Probolomyrmex para os neotrópicos: P. b oliv i e n si s hábito de vida críptico das espécies dos gêneros. Mann, P. brujitae Agosti, P. p eti ol atu s Weber e P. Os ninhos são feitos no solo, entre folhas na sera- guanacastensis O’Keefe; Agosti. pilheira e, especialmente, em cavidades no interior O primeiro registro do gênero para o Bra- de frutos secos, troncos e gravetos caídos no solo sil foi formalmente publicado por Delabie et al. de fl orestas úmidas. O corpo fi liforme e a ausên- (2001) que relatam a presença de P. p eti ol atu s cia de olhos indicam que as formigas deste gênero para uma área da Amazônia Oriental. Desde en- raramente se expõem na superfície do solo e que tão duas outras espécies foram reportadas para o preferem os interstícios da serapilheira e suas ca- Brasil, P. brujitae (NASCIMENTO et al., 2004) e vidades naturais. P. b oliv i e n si s (R.M. FEITOSA, dados não publi- Dada a similaridade morfológica com os cados). Assim, com exceção de P. guanacastensis, demais gêneros da subfamília, Taylor (1965) suge- restrita à Costa Rica, todas as demais espécies do re que os membros de Probolomyrmex sejam pre- gênero ocorrem no Brasil, distribuídas em todas as dadores especialistas de ovos de aracnídeos, assim regiões do país, com exceção da Região Sul. como Discothyrea e Proceratium. No entanto, Ito Embora amplamente distribuído e sendo o (1998) observou a predação de miriápodes polixe- gênero de Proceratiinae com o maior número de nídeos por P. dammermani, indicando que a dieta espécies registradas no Brasil, Probolomyrmex está das espécies de Probolomyrmex pode ser mais am- longe de ser considerada uma formiga comumente pla do que a dos demais gêneros. coletada. Como já mencionado para Proceratiinae, a coleta de exemplares de Probolomyrmex é um Proceratium Roger, 1863 evento bastante incomum. Com a popularização do extrator de Winkler como técnica de coleta de Entre os gêneros de Proceratiinae, Proceratium formigas, o número de exemplares em coleções é o que apresenta melhor situação taxonômica. Isso se

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PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 8811 113/01/20163/01/2016 11:48:511:48:59 deve ao monumental trabalho de Baroni-Urbani e em coleções mirmecológicas brasileiras seja muito de Andrade (2003), que revisaram o gênero global- baixa. Como já mencionado para os demais mem- mente. Além de ilustrar e lidar com a taxonomia bros da subfamília, as colônias de Proceratium são das espécies viventes e fósseis de todo o mundo, estabelecidas na serapilheira e em madeira em de- os autores apresentam uma análise cladística para composição no solo de fl orestas. o gênero e fornecem chaves de identifi cação que A biologia de Proceratium é de certa forma seguramente são as principais ferramentas atuais similar à de Discothyrea. Brown (1954; 1979) con- para se nomear espécies de Proceratium em todas duziu alguns experimentos em condições artifi - as regiões biogeográfi cas. ciais e demonstrou que operárias de Proceratium Com 77 espécies válidas, Proceratium é o preferem ovos de aranhas a fragmentos de insetos gênero mais diverso da subfamília e se encontra como recurso alimentar. distribuído nas regiões tropicais e temperadas do planeta. Este gênero compõe a tribo Proceratiini Perspectivas ao lado de Discothyrea e compartilha com este a forte curvatura ventral do segundo segmento gas- Como visto, talvez com exceção de tral. Contudo, Proceratium pode ser rapidamente Proceratium, os demais gêneros de Proceratiinae separado dos demais gêneros da subfamília por necessitam com relativa urgência de uma atuali- não apresentar as inserções antenais sobre uma zação taxonômica, especialmente nos neotrópicos. plataforma fronto-clipeal, de modo que as man- Por suas dimensões continentais e heterogenei- díbulas são perfeitamente visíveis em vista frontal dade de ecossistemas, o Brasil certamente guarda (Figura 7.5). uma porção signifi cativa da diversidade de formi- No Novo Mundo são conhecidas 23 espé- gas desta subfamília que ainda aguarda descrição cies viventes de Proceratium, o que demonstra que formal. O emprego relativamente recente de téc- o gênero também é atualmente o mais diverso da nicas massivas de coleta de formigas de serapilhei- subfamília neste continente. Apesar da grande di- ra, aplicadas principalmente em levantamentos versidade global, o Brasil registra uma única es- quantitativos, tem proporcionado um aumento pécie para o gênero, P. brasiliense, encontrada em substancial da representatividade de formigas, até áreas de Floresta Atlântica do sul da Bahia à Santa então tidas como raras, em coleções entomológi- Catarina. cas. Este material é com certeza o substrato sobre Entre os representantes de Proceratiinae no o qual novas propostas taxonômicas poderão ser Brasil, Proceratium é sem dúvida o mais raramente desenvolvidas. coletado. Operárias são eventualmente capturadas Em Proceratiinae, dois trabalhos em anda- sozinhas ou em pares em amostras de serapilheira, mento aparecem, ao lado da publicação de Baro- o que faz com que a representatividade do gênero ni-Urbani; de Andrade (2003), como as futuras

Figura 7.5 – Proceratium catio, operária em (a) vista frontal e (b) vista lateral. Foto: April Nobile (Antweb, CASENT 01178756).

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PPoneromorfasoneromorfas ddoo BBrasil_miolo.inddrasil_miolo.indd 8822 113/01/20163/01/2016 11:411:49:00:00 ferramentas de identifi cação para as espécies da BROWN, W. L., Jr. A remarkable new species of subfamília com ocorrência no Brasil. Tratam-se Proceratium with dietary and other notes on the genus das revisões taxonômicas de Discothyrea (J. SO- (: Formicidae). Psyche, v. 86, p. 337-346, 1979. SA-CALVO, em prep.) e Probolomyrmex (R.M. DEJEAN, A.; GRIMAL A.; MARHERBE M. C.; FEITOSA, em prep.) para a Região Neotropical e SUZZONI J. P. From specialization in spider egg para o Brasil, respectivamente. Com a publicação predation to an original nesting mode in a “primitive” destes trabalhos, pesquisadores brasileiros serão, ant: a new kind of leptobiosis. Naturwissenschaft en, v. esperançosamente, capazes de identifi car todas as 86, p. 133- 137, 1999. espécies de Proceratiinae com ocorrência no país. DELABIE, J. H. C., VASCONCELOS, H. L., VILHENA, Referências J. M. S; AGOSTI, D. First record of the ant genus Probolomyrmex (Hymenoptera: Formicidae) in Brazil. Revista de Biologia Tropical, v. 49, p. 397-398, 2001. BOLTON, B. Identifi cation guide to the ant genera of the world. Harvard University Press. Cambridge, FEITOSA, R. S. M. Revisão Taxonômica e Análise Massachusetts, 1994. 222 p. Filogenética de Heteroponerinae (Hymenoptera: Formicidae). Tese de Doutorado apresentada ao BARONIURBANI, C.; DE ANDRADE, M. L. Th e Programa de Pós-Graduação em Entomologia ant genus Proceratium in the extant and fossil record da Faculdade de Filosofi a Ciências e Letras da (Hymenoptera: Formicidae). Museo Regionale di Scienze Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto. São Paulo, Naturali Monografi e (Turin), v. 36, p. 1-492, 2003. Brasil. 2011. XIII + 297 p. BOLTON, B. A New General catalogue of the Ants ITO, F. Colony composition and specialized predation of the Word. Harvard University Press. Cambridge, on in the enigmatic ponerine ant genus Massachusetts. 1995. 504 p. Probolomyrmex (Hymenoptera, Formicidae). Insectes BOLTON, B. Synopsis and classifi cation of Formicidae. Sociaux, v. 45, p. 79-83. 1998. Memoirs of the American Entomological Institute, v. KELLER, R. A. Cladistics of the tribe Ectatommini 71, p. 1-370, 2003. (Hymenoptera: Formicidae): a reappraisal. BORGMEIER T. Formigas novas ou pouco conhecidas Systematics; Evolution, v. 31, p. 59-69, 2000. de Costa Rica e da Argentina (Hymenoptera: Formicidae). KELLER, R. A. A phylogenetic analysis of ant Revista Brasileira de Biología, v. 9, p. 201- 210, 1949. morphology (Hymenoptera: Formicidae) with special BORGMEIER T. Uma nova Discothyrea com seis reference to the poneromorph subfamilies. Bulletin of articulos antenais (Hymenoptera: Formicidae). Revista the American Museum of Natural History, v. 355, p. Brasileira de Entomologia, v. 1, p. 191-194. 1954. 1-90, 2011.

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Estado da arte sobre a taxonomia e fi logenia de Proceratiinae | 83

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