Universidade de S˜ao Paulo Instituto de Astronomia, Geof´ısica e Ciˆencias Atmosf´ericas Departamento de Astronomia
Gustavo Rocha da Silva
Campos Magn´eticos em Afterglows de Gamma-Ray Bursts
S˜ao Paulo 2009
Gustavo Rocha da Silva
Campos Magn´eticos em Afterglows de Gamma-Ray Bursts
Disserta¸c˜ao apresentada ao Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geof´ısica e Ciˆencias Atmosf´ericas da Universidade de S˜ao Paulo como parte dos requisitos para a obten¸c˜ao do t´ıtulo de Mestre em Ciˆencias.
Area´ de Concentra¸c˜ao: Astronomia Orientador(a): Prof. Dr. Reuven Opher
S˜ao Paulo 2009
Para o Papai, a Mam˜ae, Tati, Clara e Ro, que me ensinaram algo que os sentidos, ainda que ampliados, n˜ao podem capturar.
Agradecimentos
Certamente esta ´ea p´agina mais dif´ıcil desta disserta¸c˜ao e ao mesmo tempo a mais agrad´avel. Mais dif´ıcil porque as palavras de afeto devem fazer jus ao sentimento e a lembran¸ca, e mais agrad´avel pois essa ´ea sensa¸c˜ao de lembrar das pessoas aqui citadas. Por motivos hist´oricos, agrade¸co inicialmente `as pessoas que muito me influenciaram no interesse pela pesquisa, assim como na minha escolha pelo mestrado em astronomia: Professora Vera Jatenco-Pereira, Aline Vidotto e Diego Falceta-Gon¸calves. A convivˆencia com vocˆes foi sempre animadora e me incentivou a caminhar adiante. Agrade¸co ao meu orientador Reuven Opher, por me auxiliar a enxergar a simplici- dade nos trabalhos mais indecifr´aveis. A capacidade de s´ıntese e de argumenta¸c˜ao sempre foi motivo de inspira¸c˜ao e continuar´asendo uma meta a ser alcan¸cada profissionalmente. Agrade¸co tamb´em aos amigos do grupo Ana, Ulisses, Luiz Felippe (companheiro de via- gens) e Rafael. Aos professores do IAG, que auxiliaram direta ou indiretamente na minha forma¸c˜ao e pesquisa, desde a gradua¸c˜ao. Em particular ao Jorge Horvath que sempre se mostrou particularmente interessado no meu trabalho e acess´ıvel para a troca de id´eias. Espero que ele passe a torcer pela sele¸c˜ao brasileira em breve. Aos meus pais, cujas palavras de agradecimento s˜ao insuficientes para demonstrar senti- mento de tal natureza. Gra¸cas a eles cresci aprendendo a buscar e cultivar conhecimento e valores eternos. As` minhas muito amadas irm˜as Clara e Thais com quem tudo compartilho. A` Roberta, pelo quanto a sua compreens˜ao diminuiu o peso de me privar da convivˆencia durante a elabora¸c˜ao deste trabalho. Este trabalho ´eem muito dedicado a vocˆee ao quanto n´os crescemos juntos. Entre as minhas maiores conquistas nos ´ultimos dois anos, relaciono os meus amigos no IAG que propiciaram `aminha experiˆencia na p´os-gradua¸c˜ao uma oportunidade ´unica de convivˆencia, al´em de muita cafe´ına. Inicialmente colegas e agora amigos Thiago Triumpho (futuro milion´ario), Thiago Almeida, Bruno Dias, Vin´ıcius Busti, Tatiana Lagan´a, Oscar Cavichia (R´a), Fernanda e Tatiana (chuiquititas). Ao Marcus Vin´ıcius (TF) companheiro de todas as conversas. Com carinho tamb´em agrade¸co a oportunidade de dividir sala com duas pessoas e amigos fant´asticos que foram o Alessandro e o Mairan, que tornaram o meu ambiente de trabalho t˜ao agrad´avel quanto a minha pr´opria casa. Outro que n˜ao posso deixar de citar, ainda que n˜ao no IAG ´eo Max Ujevic, amizade ilustre que veio de brinde com o mestrado. Agrade¸co a Mirr Corporation Iluminatti Society, por preencher minha mente com ima- gina¸c˜ao, vocˆes certamente s˜ao os amigos mais presentes na minha vida. Aos meus amigos F´abio, Gustavo e Thiago (Kibe), com quem a convivˆencia durante anos permitiu que a minha mente vagasse por lugares que n˜ao teria acesso sozinha. Vocˆes certamente influen- ciaram as minhas escolhas mais acertadas, incluindo a astrof´ısica. Ao Marcos e Ulisses funcion´arios do IAG, de quem sempre pude contar com muita aten¸c˜ao e boa vontade. Ao` pessoal da secretaria, principalmente `aMarina minha amiga, que com certeza me ajudou sempre mais do que o necess´ario. Agradecimentos aos amigos que mesmo sem o nome aqui participam de diversos mo- mentos importantes na minha vida. Ao CNPQ pela bolsa concedida durante toda a realiza¸c˜ao da disserta¸c˜ao, assim como a CAPES/PROEX pelo aux´ılio na participa¸c˜ao de eventos cient´ıficos.
A Esta tese/disserta¸c˜ao foi escrita em LTEX com a classe IAGTESE, para teses e disserta¸c˜oes do IAG. “Para que a pesquisa continue florescendo no campo fragmentado e complexo do saber, escolho a palavra c´eu. C´eu convoca, um pouco em desordem, as almas viajantes e as tecnologias galopantes. Nos ´ultimos vinte anos aprendemos mais do c´eu do que em dois mil, e isso gra¸cas `auni˜ao da astronomia e da f´ısica. A astrof´ısica ´eo casamento da Terra e do c´eu no pensamento humano, da f´ısica, pr´atica de laborat´orio que consiste em extrair leis da mat´eria deste mundo, e da astronomia, que ´eum olhar dirigido para o inacess´ıvel. Sem a f´ısica, a astronomia n˜ao tem cabe¸ca, mas, sem a astronomia a f´ısica n˜ao tem asas.”
Michel Cass´e
“A verdade n˜ao faz sentido, a grandeza do mundo me encolhe. Aquilo que provavelmente pedi e finalmente tive, veio no entanto me deixar carente como uma crian¸ca que anda sozinha pela terra. T˜ao carente que s´oo amor de todo o universo por mim poderia me consolar e me cumular [...]”
Clarice Lispector
Resumo
O objetivo da pesquisa descrita ao longo desta disserta¸c˜ao de mestrado, foi investigar o fenˆomeno e os problemas em aberto na astrof´ısica de Gamma-Ray Bursts e em particular explicar o campo magn´etico nos afterglows. O modelo de bola de fogo prediz que o espectro n˜ao t´ermico do afterglow ´edevido a radia¸c˜ao s´ıncroton, a qual requer fortes campos magn´eticos ( 1G na regi˜ao do afterglow), ∼ e part´ıculas aceleradas relativisticamente. Em modelos alternativos o campo magn´etico ´e ainda mais importante. O principal problema no que se refere ao campo magn´etico em afterglows est´arelacionado com o fato de que a regi˜ao de emiss˜ao ´emuito mais distante da fonte progenitora. Isto implica que o campo magn´etico gerado na fonte n˜ao ´esuficiente para explicar as observa¸c˜oes, sugerindo que o campo deve ser gerado na regi˜ao do choque. No entanto, o campo magn´etico no meio interestelar ´e 1µ G, o que requer forte amplifica¸c˜ao ∼ na regi˜ao do choque. Simula¸c˜oes num´ericas sugerem que a instabilidade Weibel possa amplificar o campo magn´etico, por´em instabilidades do plasma podem apenas gerar campo na ordem do skin depth, enquanto as observa¸c˜oes sugerem que o campo deve persistir em uma distˆancia de 109 skin depths. No presente trabalho sugerimos que as flutua¸c˜oes naturais do plasma preditas pelo Teorema da Flutua¸c˜ao-Dissipa¸c˜ao (FDT), podem explicar o campo semente gerado na regi˜ao do choque. Calculamos analiticamente o campo magn´etico e mostramos que com parˆametros t´ıpicos podemos gerar campo de at´e10−2 G. O campo gerado pelas flutua¸c˜oes depende essencialmente da densidade e temperatura do plasma, podendo explicar o campo. Mecanismos adicionais s˜ao necess´arios para amplificar o campo magn´etico. N´os sugerimos que a turbulˆencia pode ser este mecanismo, mas uma abordagem mais realista exigiria c´alculos computacionais eficientes.
Abstract
The objective of the research, summarized in this master’s thesis, is to investigate the phenomena and unsolved problems of Gamma-Ray Bursts and, in particular, to explain the magnetic fields in the Gamma-Ray Burst afterglows. The fireball model predicts that the non-thermal spectrum of the afterglow is synchroton radiation, which requires strong magnetic fields ( 1 G in the afterglow region) and relativistically accelerated ∼ particles. In alternative models the magnetic field is even more important. The main problem concerning magnetic fields in afterglow is that the emission region is located at a distance that is too far from the source. This implies that the magnetic field generated at the source is not enough to explain the observations, suggesting that the field must be generated in the shock region. However the magnetic field in the interstellar medium is 1µ G, which requires that the field is strongly amplified in the shock region. Numerical ∼ simulations suggest that Weibel instability could amplify the magnetic field, but plasma instabilities can only generate fields on the order of plasma skin depth, while observations suggests that the field must persist in a distance over 109 skin depths. In the present work we suggest that the plasma fluctuations predicted by the Fluctuation-Dissipation Theorem (FDT) can explain the seed field generated at the shock. We perform analytical calculations of the magnetic field and we show that with typical parameters we can generate a magnetic field of 10−2 G. The field generated by the FDT depends essentially of the density and the temperature of the plasma medium and can explain the large structure field. However an additional mechanism in necessary to amplify the magnetic field. We argue that turbulence can be the mechanism, but a realistic approach will require efficient numerical simulations.
Lista de Figuras
1.1 Localiza¸c˜ao de todos os 2704 GRBs detectados pelo BATSE em coordenadas gal´acticas. O plano da gal´axia ´ea linha horizontal no meio dafigura. . . . 23 1.2 Distribui¸c˜ao de 140 bursts como fun¸c˜ao do pico de contagem. Uma lei de potˆencia do tipo -3/2 ´eesperada para uma distribui¸c˜ao homogˆenea das fontes. 24 1.3 Curvas de luz dos bursts detectados pelo BATSE, demonstrando a variabi- lidadeediversidade...... 25 1.4 Histograma mostrando a distribui¸c˜ao de bursts de acordo com o tempo
caracter´ıstico T90 para as observa¸c˜oes do BATSE...... 26
1.5 Raz˜ao de dureza em fun¸c˜ao de T90 para os GRBs do BATSE. Bursts curtos apresentam valores mais elevados da raz˜ao do que bursts longos...... 26 1.6 Exemplo de espectro ajustado com a fun¸c˜ao de Band. Aqui α = 0.967 − ± 0.022 e β = 2.427 0.07...... 27 − ± 1.7 Esquema de montagem do SWIFT e os principais instrumentos a bordo. . 30 1.8 Histograma mostrando a distribui¸c˜ao de bursts de acordo com o redshift para as observa¸c˜oes antes e depois do SWIFT...... 31
2.1 Representa¸c˜ao da dinˆamica que ocorre na evolu¸c˜ao do material ejetado, com choquesinternoseexternos...... 42 2.2 O espectro s´ıncroton nos regimes de resfriamento r´apido e lento, conforme deduzidoporSarietal.(1996)...... 57 2.3 Curva de luz ignorando auto-absor¸c˜ao para um choque esf´erico e relativ´ıstico. A curva divide-se em quatros segmentos. As letras B,C,D e H, representam a rela¸c˜ao com a respectiva regi˜ao da figura anterior 2.2. O fluxo observado varia no tempo como indicado. Extra´ıdo de (Sari et al., 1996)...... 58 2.4 Curva de luz caracter´ıstica para modelos com intera¸c˜ao de ventos de estrelas massivas em v´arias frequˆencias. A frequˆencia diminui de A para E (cima para baixo). Curvas t´ıpicas no ´optico e em raios-x s˜ao respectivamente A e D. Extra´ıdo de (Chevalier e Li, 2000)...... 59 2.5 Diagrama esquematizando as quatro regi˜oes que se formam a partir do cho- que. O RS e o FS s˜ao gerados a partir da intera¸c˜ao da bola de fogo com o meio que circunda a fonte. O FS varre o meio externo, enquanto o RS atravessa o material ejetado. Extra´ıdo de Xu (2009)...... 60
3.1 Diagrama esquematizando as trˆes fases obedecidas pela maior parte dos afterglows em raios-x. Duas fases ´ıngremes separadas por uma fase de de- caimento suave. Extra´ıdo de Nousek et al. (2006) ...... 62 3.2 Diagrama esquematizando as cinco fases obedecidas pela maior parte dos afterglows em raios-x. Duas fases ´ıngremes separadas por uma fase de de- caimento suave como na figura anterior, por´em com a possibilidade de flares
(V) e uma terceira quebra em tb3 Extra´ıdo de Nousek et al. (2006) . . . . . 63 3.3 Curvas de luz observadas pelo SWIFT, com os respectivos ajustes evidenci- ando as diferentes fases de decaimento na emiss˜ao. Extra´ıdo de Panaitescu etal.(2006)...... 65 3.4 Curvas de luz obtidas para jatos com diferentes estruturas, dinˆamica e ˆangulo de vis˜ao. O painel ao alto ´ede um jato uniforme, feito a partir de simula¸c˜oes hidrodinˆamicas. Extra´ıdo de Eichler e Granot (2006). . . . . 71
4.1 O choque no afterglow (referencial do choque). Extra´ıdo de Waxman (2006). 74 4.2 Diagrama demonstrando a instabilidade. Uma flutua¸c˜ao magn´etica causa a deflex˜ao do movimento do el´etron ao longo do eixo x, resultando em densidades de corrente j de sinais opostos nas regi˜oes I e II o que acaba por amplificar a flutua¸c˜ao original. Extra´ıdo de Medvedev e Loeb (1999). . . . 79 4.3 Os el´etrons de altas energias (pontos vermelhos) s˜ao encontrados onde os filamentos de correntes de ´ıons s˜ao fortes (em azul). Extra´ıdo de Hededal etal.(2004)...... 81 4.4 Evolu¸c˜ao da raz˜ao entre press˜ao do g´as e press˜ao magn´etica. Simula¸c˜ao com 1024 c´elulas num´ericas. Inicialmente o campo precisa ser preenchido com um pequeno campo magn´etico. As imagens s˜ao tiradas em t=2 e t=12. Em t=12 o g´as se torna turbulento devido a instabilidade. Extra´ıdo de Zhang etal.(2009)...... 83 4.5 Raz˜ao entre a energia electromagn´etica e energia cin´etica para a energia total como fun¸c˜ao do tempo. As diferentes linhas est˜ao relacionadas com diferentes resolu¸c˜oes: 10243 (linha s´olida), 7683 (linha cortada) e 5123 (linha pontilhada). Simula-se com campo magn´etico inicial diferente (dois valores) para cada resolu¸c˜ao. Extra´ıdo de Zhang et al. (2009)...... 84 4.6 Exemplo de trajet´oria dos el´etrons seguida por flutua¸c˜oes, ou sobre a in- fluˆencia da instabilidade Weibel. Extra´ıdo de Hededal (2005)...... 84 4.7 Emiss˜ao a partir de v´arios pontos ao longo da trajet´oria da part´ıcula, (a)α ≫ ∆θ apenas parte da emiss˜ao ´eobservada. (b) α ∆θ a emiss˜ao de toda a ≪ trajet´oria ´eobservada. Extra´ıdo de Medvedev (2000)...... 85 4.8 Jitter e espectro s´ıncroton para um afterglow t´ıpico se propagando em um
53 meio uniforme. Os dados utilizados s˜ao E = 10 ergs, ǫe = 0.1, ǫB = 0.0001, −3 nMI = 1cm e o ´ındice de distribui¸c˜ao de energia dos el´etrons s = 2.5, computados a t = 0.1 , 1 e 10 dias. Extra´ıdo de Medvedev et al. (2007). . . 87 4.9 Curva polarim´etrica do GRB080213. Observa¸c˜oes s˜ao comparadas com di- versos modelos existentes na literatura (para mais detalhes veja Lazzati et al. (2003)). A regi˜ao cinza mostra onde deve ocorrer a quebra no ´optico. Extra´ıdodeCovino(2009)...... 90
4.10 Grau de polariza¸c˜ao linear em fun¸c˜ao do ˆangulo de vis˜ao do observador θv
e do ˆangulo θj de abertura do jato no modelo s´ıncroton com campo em 2 larga escala. As diferentes curvas mudam os valores do produto yj =(γθj) . Extra´ıdodeTomaetal.(2009)...... 92 4.11 O mesmo de 4.10, por´em com um campo em pequena escala orientado ale- atoriamente. Extra´ıdo de Toma et al. (2009)...... 93
6.1 Vis˜ao esquem´atica de uma bolha (fora de escala). A regi˜ao de free-streaming
(A), passa atrav´es do termination shock no raio Rw para entrar na regi˜ao quente formada pelo material do vento que passou pelo choque (B). A ele- vada press˜ao t´ermica na bolha quente cria uma casca (borda grossa) de raio
Rb que se expande em dire¸c˜ao ao meio. Extra´ıdo de van Marle et al. (2006). 104 Sum´ario
1. Introdu¸c˜ao aos Gamma-Ray Bursts ...... 19 1.1 Introdu¸c˜ao...... 19 1.1.1 BATSEeCGRO ...... 21 1.1.2 HETE-2eBeppo-Sax...... 28 1.1.3 SWIFT ...... 29 1.1.4 FERMI ...... 32 1.2 EstruturadaDisserta¸c˜ao ...... 33
2. GRBs e Bolas de Fogo ...... 35 2.1 ModelodeBoladeFogo ...... 35 2.1.1 ProblemadaCompacidade...... 36 2.2 Dinˆamica Relativ´ıstica de uma Bola de Fogo ...... 38 2.2.1 Radia¸c˜ao S´ıncroton ...... 42 2.3 EspalhamentoComptonIverso...... 48 2.4 HidrodinˆamicadeGRBs ...... 49 2.4.1 Casok=0 ...... 50 2.4.2 Casok=2 ...... 51 2.5 Evolu¸c˜aoHidrodinˆamicadoGRB ...... 52 2.6 DinˆamicadoAfterglow ...... 54
3. O Afterglow ...... 61 3.1 AfterglowsemRaios-X ...... 61 3.2 ProblemascomosModelos...... 69 4. Campos Magn´eticos em GRBs ...... 73 4.1 Acelera¸c˜ao de Part´ıculas ...... 73 4.2 Campos Magn´eticos em Gamma-Ray Bursts ...... 76 4.3 Radia¸c˜aoJitter ...... 82 4.4 Polariza¸c˜ao ...... 87
5. Teorema da Flutua¸c˜ao-Dissipa¸c˜ao ...... 95 5.1 Introdu¸c˜ao...... 95 5.2 Teorema da Flutua¸c˜ao-Dissipa¸c˜ao ...... 97
6. Procedimento Anal´ıtico ...... 101 6.1 C´alculo Anal´ıtico do Campo Magn´etico em Afterglows de GRBs ...... 101
7. Conclus˜oes e Perspectivas ...... 107
Referˆencias ...... 111
Apˆendice 127
A. Livre Caminho M´edio para uma Blast Wave ...... 129
B. Dedu¸c˜ao do Teorema da Flutua¸c˜ao-Dissipa¸c˜ao ...... 131 Cap´ıtulo 1
Introdu¸c˜ao aos Gamma-Ray Bursts
1.1 Introdu¸c˜ao
O per´ıodo que compreende os anos de 1962 a 1973 pode ser considerado um marco para a astronomia e astrof´ısica. Nesse per´ıodo ocorreram descobertas not´aveis como quasares, estrelas de raio-x, radia¸c˜ao c´osmica de fundo, pulsares e gamma-ray bursts. Essas ob- serva¸c˜oes diversificaram a astrof´ısica e deram origem a uma s´erie de novos estudos e como consequˆencia novos modelos se dedicavam a explicar as diferentes observa¸c˜oes. A f´ısica co- nhecida permitiu que a maior parte dessas observa¸c˜oes fosse explicada pouco tempo ap´os as descobertas. Por outro lado, de toda a lista de descobertas recentes um t´opico ainda permanece envolto em maior mist´erio at´ehoje : os gamma-ray bursts (Katz, 2002). Gamma-ray bursts (GRBs daqui em diante) podem ser considerados uma das mais importantes descobertas da astrof´ısica nas ´ultimas d´ecadas. Al´em disso, s˜ao as explos˜oes mais energ´eticas observadas ap´os o Big Bang podendo durar da fra¸c˜ao de um segundo at´e dezenas de segundos. GRBs s˜ao pulsos curtos e intensos de raios-γ, as fluˆencias observadas costumam variar de 10−4 ergs/cm2 a 10−7 ergs/cm2, onde o limite superior acima de tudo est´arestrito `as caracter´ısticas dos detectores e n˜ao dos bursts em si. Isso corresponde a uma luminosidade isotr´opica da ordem de 1051 1052 ergs/s, tornando-os os objetos mais − luminosos no c´eu. O hist´orico da descoberta dos GRBs se remete ao per´ıodo de guerra fria, onde estava em vigˆencia desde 1963 o tratado para a n˜ao utiliza¸c˜ao ou testes de armas nucleares. O tratado pro´ıbia explos˜oes nucleares na atmosfera, sob a ´agua e no espa¸co. O sat´elite US Vela carregava detectores com o intuito de monitorar explos˜oes nucleares que pudessem vir a violar o tratado. O conjunto de sat´elites Vela (do verbo velar) orbitava em torno de 20 Cap´ıtulo 1. Introdu¸c˜ao aos Gamma-Ray Bursts
100000 km acima da superf´ıcie e carregava a bordo detectores de raios-γ, raios-X, assim como instrumentos capazes de detectar part´ıculas carregadas e neutrons. No dia 2 de julho de 1967, os sat´elites Vela registraram um novo fenˆomeno. Uma explos˜ao nuclear com elevada emiss˜ao em raios-γ que n˜ao pareciam provenientes da ex- plos˜ao de armas nucleares, uma vez que essas produzem um sinal bastante caracter´ıstico que consiste em um pico de emiss˜ao em gamma logo ap´os a explos˜ao (escala de tempo da ordem de milion´esimo de segundo) e depois um decr´escimo gradual. Essas explos˜oes tamb´em n˜ao estavam relacionadas com supernovas, ou com a atividade solar, sendo que a varia¸c˜ao desta ´ultima j´atinha sido monitorada anteriormente pelo sat´elite Vela. Apenas em 1973 um grupo de n˜ao astrˆonomos em Los Alamos publicou os seus resultados (Klebe- sadel et al., 1973). As primeiras publica¸c˜oes descreviam bursts que duravam de 0.1 a 30 segundos e que n˜ao aparentavam origem local. Esse fato pode ser conclu´ıdo uma vez que se conhece a diferen¸ca entre os tempos de detec¸c˜ao em diferentes detectores. Essa diferen¸ca permite estabelecer restri¸c˜oes sobre a localiza¸c˜ao da fonte, uma vez que os detectores est˜ao em diferentes distˆancias com rela¸c˜ao a fonte emissora. No caso de se conhecer a posi¸c˜ao relativa entre os detectores, pode-se obter um ˆangulo para a fonte relativo a linha que une os dois detectores. No caso do uso de trˆes detectores ou mais por exemplo, pode-se prever ao menos duas medidas independentes que permitem relacionar se a origem ´elocal ou cosmol´ogica. Com esse tipo de observa¸c˜ao, pode-se perceber que o surto observado n˜ao apontava na dire¸c˜ao de novas ou supernovas conhecidas e nem para o sol ou regi˜ao do sistema solar. A quest˜ao sobre se os GRBs tinham origem local ou cosmol´ogica foi sem sombra de d´uvida o tema que suscitou o maior debate na literatura do tema. At´eaproximadamente o in´ıcio dos anos 90 existia um consenso entre pesquisadores que GRBs eram gerados a partir de instabilidades magn´eticas em estrelas de neutrons gal´acticas, sendo que a evidˆencia mais forte para esse modelo era a detec¸c˜ao de duas linhas espectrais (20 e 40 keV) que poderiam ser relacionadas com a frequˆencia c´ıclotron de um objeto com campo magn´etico de pelo menos 1012 G, t´ıpico de uma estrela de neutrons (Narayan et al., 1992). Tsvi Piran em um dos seus artigos (Piran, 2009) conta que foi Bohdan Paczynski quem se manteve c´etico em rela¸c˜ao a hip´otese de origem gal´actica para GRBs. O principal argumento utilizado por ele era uma cr´ıtica `as observa¸c˜oes, no fato de que essas linhas n˜ao eram observadas Se¸c˜ao 1.1. Introdu¸c˜ao 21 simultaneamente por dois detectores no mesmo burst. A palavra final desse debate s´oveio anos mais tarde com observa¸c˜oes no ´optico dos chamados afterglows, que permitiriam a determina¸c˜ao espectrosc´opica do redshift. O avan¸co na compreens˜ao dos GRBs evoluiu e continua a evoluir pautado no avan¸co das t´ecnicas de observa¸c˜ao em altas energias. As datas que correspondem aos lan¸camentos de grandes miss˜oes espaciais tamb´em servem de marco para a evolu¸c˜ao hist´orica na com- preens˜ao dos GRBs. Nas pr´oximas se¸c˜oes apresentaremos as miss˜oes mais importantes, assim como tamb´em discutiremos as principais implica¸c˜oes das observa¸c˜oes na evolu¸c˜ao dos modelos.
1.1.1 BATSE e CGRO
O divisor de ´agua na pesquisa relacionada a GRBs certamente foi o lan¸camento do Compton Gamma-ray Observatory (CGRO). O CGRO carregava a bordo um instrumento denominado Burst and Transient Source Experiment (BATSE), que consistia em um ar- ranjo de oito detectores de grande ´area (LADs), sens´ıveis principalmente na faixa de 50-300 keV , em conjunto com pequenos detectores menores para espectroscopia. Em combina¸c˜ao com o instrumento denominado Energetic Gamma-Ray Experiment Telescope (EGRET), observa¸c˜oes de GRBs puderam ser feitas na faixa de 15 keV a 30 GeV. O BATSE pode elevar a estat´ıstica de bursts detectados de algumas centenas para milhares (2704 bursts detectados), o que contribuiu para identificar o fenˆomeno com maior profundidade, assim como estudar a hip´otese de origem cosmol´ogica, tema este de maior controv´ersia `a´epoca. A busca de GRBs no BATSE foi realizada examinando emiss˜oes maiores que > 5.5σ acima da emiss˜ao de background em escalas de tempo de 64, 256 e 1024 ms (Dermer e Fryer, 2008) e triggers fracos de at´e0.5 f´otons cm−2s−1, o que corresponderia a uma sensibilidade no fluxo de energia de at´e10−7ergs/cm2s. Em alguns casos raros, na faixa de raios-x duros e raios-γ moles, o pico no fluxo pode alcan¸car centenas de f´otons por cm−2s−1. Podemos expressar a sensibilidade de um detector de alta energia em termos de um
fluxo de energia limite Φthr, e impor a condi¸c˜ao de que Φ > Φthr para a detec¸c˜ao. Para 2 fontes n˜ao colimadas de luminosidade L∗ e distˆancia d,Φ= L∗/4πd , de modo que a distˆancia para um determinado fluxo seja: 22 Cap´ıtulo 1. Introdu¸c˜ao aos Gamma-Ray Bursts
L d(Φ) = ∗ (1.1) r4πΦ Deste modo, temos uma rela¸c˜ao bem conhecida para o n´umero de fontes distribu´ıdas uniformemente com densidade n0 em um espa¸co Euclidiano:
d(Φ) N(>φ)= N( Considerando um volume V qualquer e Vmax o volume para o qual uma fonte com fluxo Φ pode ser detectado, temos que: 1 N Φ V/V = ( i )−3/2 (1.3) h maxi N Φ i=1 thr X Um dos principais resultados do BATSE foi sobre a escala de distˆancia dos GRBs. Como dissemos anteriormente na era pr´e-BATSE a comunidade estava dividida entre modelos que defendiam a origem gal´actica dos bursts e modelos que previam origem cosmol´ogica. Essa discuss˜ao se tornou t˜ao acirrada que deu origem ao chamado Grande Debate , fazendo referˆencia ao debate entre Shapley e Curtis sobre o tamanho da gal´axia ocorrido em 1920 em Harvard. Em abril de 1995 um outro debate intitulado Escala de Distˆancias para Gamma-Ray Bursts ocorreu na mesma sala, onde os agora protagonistas Bohdan Paczynski e Donald Lamb defendiam respectivamente a origem cosmol´ogica e gal´actica para GRBs (Dermer e Fryer, 2008). Bohdan argumentava que depois do acr´escimo na amostra de bursts realizada pelo BATSE era poss´ıvel visualizar uma distribui¸c˜ao isotr´opica no c´eu com ausˆencia de momento de dipolo (o que corresponderia a nossa posi¸c˜ao com rela¸c˜ao ao centro da gal´axia) e ausˆencia de concentra¸c˜ao no plano da gal´axia, o que consistia em fortes evidˆencias a favor da origem cosmol´ogica. Al´em disso, os dados apontavam para uma ausˆencia de bursts fracos, distanciando-se dessa forma da lei que prevˆe(equa¸c˜ao 1.2) a rela¸c˜ao entre o n´umero de bursts e o fluxo de energia, indicando que ou a densidade de n´umero de bursts ´ediminu´ıda para largas distˆancias ou o espa¸co no qual est˜ao inseridos ´en˜ao-Euclidiano. Esse ´ultimo fato ´econsistente com a distribui¸c˜ao de objetos cosmol´ogicos (altos redshifts) e inconsistente com a distribui¸c˜ao de objetos gal´acticos. As figuras 1.1 e 1.2 ilustram o comportamento que acabamos de descrever. Se¸c˜ao 1.1. Introdu¸c˜ao 23 Figura 1.1: Localiza¸c˜ao de todos os 2704 GRBs detectados pelo BATSE em coordenadas gal´acticas. O plano da gal´axia ´ea linha horizontal no meio da figura. O BATSE era suficientemente sens´ıvel para detectar bursts origin´arios de fora da gal´axia. No entanto o problema sobre a origem cosmol´ogica n˜ao estava completamente resolvido uma vez que o halo gal´actico poderia mascarar uma distribui¸c˜ao similar a que foi observada. A era BATSE ainda ´erespons´avel pela nomenclatura atual utilizada em GRBs que segue o seguinte modelo GRBAAMMDD, onde AA, MM e DD, significam respectivamente os dois ´ultimos d´ıgitos do ano, o mˆes e o dia de descoberta do burst. No caso de se descobrir mais de um evento no mesmo dia s˜ao acrescentadas as letras a,b,c e assim por diante, como no caso de GRB051221a, um dos GRBs detectados no dia 21 de dezembro de 2005. Outras observa¸c˜oes importantes tamb´em foram feitas com o BATSE, entre elas a da diversidade morfol´ogica das curvas de luz para os GRBs, variando desde curvas suaves, 24 Cap´ıtulo 1. Introdu¸c˜ao aos Gamma-Ray Bursts Figura 1.2: Distribui¸c˜ao de 140 bursts como fun¸c˜ao do pico de contagem. Uma lei de potˆencia do tipo -3/2 ´eesperada para uma distribui¸c˜ao homogˆeneadas fontes. com cresimento r´apido at´ecurvas com muitos picos e alta variabilidade, em um intervalo de milisegundos at´eminutos (figura 1.3). Um ponto interessante que repousa sobre as observa¸c˜oes realizadas nesta ´epoca ´eo da determina¸c˜ao do tempo de dura¸c˜ao dos bursts. Isso fez com que os GRBs passassem a ser classificados em dois grupos: longos e curtos (ou ainda moles e duros respectivamente). A distribui¸c˜ao de bursts pelo intervalo de tempo no qual eram contabilizados resultou em bimodalidade. O crit´erio oficialmente adotado para a classifica¸c˜ao ´eo chamado T90 (ou T50) e que corresponde ao intervalo de tempo necess´ario para a contagem de 5% a 95% (ou 25% a 75%) dos f´otons em raios-γ na faixa de 50 keV - 300 keV . Bursts com T90 > 2s s˜ao denominados longos e com T90 < 2s s˜ao denominados curtos, sendo que os curtos representam aproximadamente 30% da amostra do BATSE (figura 1.4). A diferen¸ca entre as duas classes curtos e longos pode tamb´em ser visualizada no espec- tro. O BATSE mediu a fluˆencia de um burst em diferentes canais, cada um correspondendo a uma faixa de energia. A chamada raz˜ao de dureza, definida como a raz˜ao entre a fluˆencia Se¸c˜ao 1.1. Introdu¸c˜ao 25 Figura 1.3: Curvas de luz dos bursts detectados pelo BATSE, demonstrando a variabilidade e diversidade. no canal 3 (100 - 300 keV ) e o canal 2 (50 - 100 keV ), representou uma medida da du- reza espectral de um burst. Bursts curtos tendem a apresentar valores mais elevados da raz˜ao de dureza dos que os longos como pode ser visto na figura 1.5, o que evidenciou a possibilidade de que cada classe esteja associada a diferentes progenitores. Ainda no que se refere ao espectro, os estudos do BATSE demonstraram que a energia de pico das emiss˜oes se encontram tipicamente na faixa de 100 keV - MeV . Uma excelente 26 Cap´ıtulo 1. Introdu¸c˜ao aos Gamma-Ray Bursts Figura 1.4: Histograma mostrando a distribui¸c˜ao de bursts de acordo com o tempo carac- ter´ıstico T90 para as observa¸c˜oes do BATSE. Figura 1.5: Raz˜ao de dureza em fun¸c˜ao de T90 para os GRBs do BATSE. Bursts curtos apresentam valores mais elevados da raz˜ao do que bursts longos. Se¸c˜ao 1.1. Introdu¸c˜ao 27 fun¸c˜ao emp´ırica (equa¸c˜ao 1.4) que ajusta os espectros foi encontrada por Band (Band et al., 1993): hν)α exp( −hν ) se hν