Mascotes E “Merchandising” No Futebol Carioca Da Década De 1940 Flavio Mota De Lacerda Pessoa

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Mascotes E “Merchandising” No Futebol Carioca Da Década De 1940 Flavio Mota De Lacerda Pessoa Mascotes e “merchandising” no futebol carioca da década de 1940 Flavio Mota de Lacerda Pessoa 1 INTRODUÇÃO 1. Esboçando a discussão No dia 27 de outubro, o Jornal dos Sports 1 publicava um anúncio que tomava o espaço de cerca de duas colunas de largura e de aproximadamente um quarto da altura da página. Tomando grande destaque no layout do anúncio, destacava-se de perfil, uma exuberante morena, cabelos longos, lisos e pretos, que cobriam os ombros até o início 1 A partir da próxima menção ao Jornal dos Sports , utilizarei sempre a sigla JS . 2 das costas, cinturinha fina, fartos seios e quadris. No alto da cabeça, um laçarote daquelas que são usualmente desenhados na forma de uma gravata borboleta. Trajando o tradicional maiô utilizado nos concursos de misses, a beldade segurava o que parecia ser uma revista, com ela mesma na capa, de costas. Enquanto se espantava, boquiaberta, com a publicação que tinha às mãos, a moça cruzava as suas longas pernas bem delineadas, que terminavam em sandálias de salto alto. Seu perfil mostrava um olho arregalado, e de sua boca, surgia um balão com o texto de maior destaque do anúncio:_“Que cousa louca!...” A moça? Era a já famosa e desejada Miss Campeonato de 1944. Sua posição ressaltava seus atributos sexuais. A coluna erguida reforçava uma expressão de espanto, mas também realçava o desenho arredondado do bumbum, que repousa sobre um pequeno retângulo, que serve de moldura à seguinte mensagem: “colaboram críticos de nomeada e altas figuras do esporte.” 2 O JS anunciava, assim, que estava para chegar às bancas3 o Álbum Miss Campeonato . “Vide o álbum Miss Campeonato. Tudo o que o lápis mágico de Molas creou! O campeonato em caricatura.” 4 Tratava-se do primeiro de uma série de anúncios de um produto com lançamento previsto para o dia primeiro de dezembro daquele ano. A edição especial reunia todas as charges que o cartunista argentino Lorenzo Molas havia desenhado durante o campeonato carioca de 1944. Este teria sido o primeiro campeonato de futebol do Rio de Janeiro a ser registrado, rodada a rodada, pelos desenhos do artista portenho. 2. Proposta do artigo. Este artigo não aborda a produção discursiva das charges de Lorenzo Molas, mas procura ter em conta os demais elementos que a envolvem. Pesquisando a produção pioneira de charges esportivas diárias publicadas no JS , nos deparamos com outras evidências que não poderíamos ignorar: uma série de anúncios e crônicas que usavam ou mencionavam as mascotes elaboradas pelo cartunista portenho para representar os clubes cariocas, na elaboração das charges. Percebemos, então, que o alcance dessas 2 Ibidem. 3 JS , 27 de outubro de 1944, p.7 4 Ibidem. 3 mascotes era ainda maior do que se supunha. Não se limitando à sua função original, as mascotes figuravam em mensagens publicitárias, abrindo novas possibilidades mercadológicas. Na pesquisa sobre as charges, refletíamos a respeito da criação das mascotes enquanto possível materialização da interpretação da imprensa a respeito da identidade de clubes e torcedores. Se na década de 1940, os jornais eram os principais veículos onde os torcedores se informavam sobre os eventos esportivos, os periódicos assumiriam papel central nas relações entre esporte e o público consumidor. Buscando sempre estimular, atrair ou ampliar o número de leitores e torcedores, lançavam mão de toda sorte de promoções, ofertas, brindes, lançamentos e criação de novos produtos. O futebol, que surgiria na virada entre os séculos XIX e XX, na dinâmica dos fenômenos atrelados à modernidade, despontava gradativamente como uma excelente oportunidade de negócios diversos. Mário Filho lançava “histórias do Flamengo” no ano do cinquentenário do clube. Dois anos depois, no calor da campanha pela construção do Estádio Municipal na região do Maracanã, O negro no futebol brasileiro era anunciado em seu jornal. Para a seleção das fontes analisadas neste artigo, privilegiamos as que trazem as mascotes para o centro das atenções em outros meios para além das charges. Reunimos anúncios de naturezas diversas: produtos editoriais, lançamento de souvenir, uma promoção, e demais menções em crônicas do periódico. O objetivo é refletir sobre o papel da imprensa em duas frentes. Analisaremos a contribuição da imprensa à interpretação histórica da prática esportiva, estimulando a paixão do torcedor, expandindo as oportunidades de mercado, tornando cada vez mais sólida a ponte entre seus anunciantes e o seu público. 3. Imprensa empresarial Marcos Antônio da Silva afirma que a revista O Cruzeiro se tornaria um tipo de imprensa que unia capital disponível à pluralidade de ligações com mercados de consumo e produção. A estratégia de “criação de fatos”, adotada consistia em desencadear campanhas, cívicas ou morais, articuladas pela revista. Dessa forma, o 4 periódico estabelece em torno do nome da empresa, uma boa imagem frente a consumidores e anunciantes. Aumenta-se o capital, alimentando também o poder econômico e político. A tiragem do periódico que era de cerca de onze mil exemplares em 1943, quando iniciou uma reforma gráfica e editorial, chegaria a atingir 887 mil em novembro de 1957 5. Compreendendo as potencialidades do esporte quanto ao interesse e entusiasmo das massas, torna-se inevitável o exercício de reflexão sobre a importância do papel do esporte neste jogo de relações sociais, políticas e econômicas. Seja na Austrália, nos Estados Unidos ou no Brasil, a imprensa ultrapassou muito os limites da divulgação, chegando a interferir ou contribuir com a organização, forma, interpretação e produção de sentido e memória social sobre as mais diversas práticas esportivas. Garth Henniker e Ian Jobling abordam a trajetória de Richard Coombes, editor do jornal esportivo de Sidney, The Referee , no artigo que demonstram como a imprensa articulou nas primeiras décadas do século XX, princípios imperialistas no desenvolvimento das práticas esportivas na Austrália, mesmo sobreposto a discursos nacionalistas, assumindo a frente de interesses nacionais junto aos demais órgãos federativos responsáveis 6. Não é intenção deste artigo investigar ou pesquisar a recepção dos leitores, nem tão pouco buscar índices ou números que comprovem o sucesso mercadológico das charges, pois acreditamos em seu potencial de retorno financeiro para o jornal como um reforço motivador em torno do esporte. O lançamento de novos produtos, ainda que de forma modesta, com poucos produtos lançados muito eventualmente, pode servir de ponto de partida para a nossa discussão. Uma informação que ainda não conseguimos encontrar é a tiragem diária do periódico nesta época. A dificuldade está na falta de documentação específica sobre este dado, relativas ao período observado. Marcos Antônio Silva precisou recorrer ao depoimento de Millôr Fernandes, para obter a 5 O autor afirma ter recorrido a depoimento do humorista Millôr Fernandes para conseguir a informação sobre as tiragens. A tiragem de 887 mil incluiria a soma das edições nacional e internacional. Ibidem. 6 HENNIKER, Garth e JOBLING, Ian. Richard Coombes and the Olympic movement in Australia: imperialism and nationalism in action. Sporting traditions , 5 tiragem aproximada da Revista O Cruzeiro (cerca de dez mil exemplares) na década de 1940, no livro a respeito do Amigo da Onça, que a revista publicou por duas décadas 7. Nelson Werneck Sodré aponta um período de crise da imprensa, quando a demanda cada vez mais crescente pedia maiores tiragens numa proporção não compatível com os altos custos do maquinário e do papel. Este período é caracterizado por uma significativa transformação na imprensa brasileira, quando a configuração familiar, de menor tiragem, e caderno mais enxuto, vai dando lugar àquelas de características mais empresariais, que investem alto capital. Para se manter num mercado de forte concorrência, era preciso reunir condições de importar papel e maquinário que permitissem levar às ruas, tiragens que atendessem à demanda. Edições maiores, com suplementos especiais, exigem maiores investimentos, como a folha salarial para um quadro maior de jornalistas, diagramadores, fotógrafos, ilustradores e demais funcionários 8. A partir da segunda metade do século XX, começam a surgir tiragens em escala nacional. Este desenvolvimento da imprensa, passando a lidar com um número cada vez maior de leitores, fortalece a saúde econômica, e muitas vezes, aumenta seu poder de barganha política. O periódico de Mário Filho, por tratar de um segmento específico, certamente não precisava do mesmo porte e investimento de grandes jornais como O Globo , O Correio da Manhã , ou o Jornal do Brasil . Não temos qualquer indício da tiragem do JS , a não ser pelo slogan publicado diariamente abaixo do logotipo: “O diário esportivo de maior circulação da América do Sul”, mas que não necessariamente expressa a verdade. De todo jeito, o caderno de um exemplar do JS continha algo entre quatro e doze páginas, exigindo provavelmente uma folha salarial bastante modesta, se compararmos com os números operados pela grande imprensa. Este fato pode ter facilitado a contratação de melhores profissionais. Os custos de impressão, facilitados pela média diária de seis a oito páginas, talvez propiciasse uma tiragem semelhante à das grandes revistas semanais. Soma-se a isso, o potencial mercadológico de Mário Filho, sempre à 7 SILVA, Marco Antônio da. Prazer e poder do Amigo da Onça-1943-1962 . Rio de Janeiro: paz e Terra, 1989, p.31 8 SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966 , pp.449-453 6 frente de
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