Leitura Da Folha N.º 111 (Paredes) – Paços De Ferreira Da Carta Militar De Portugal
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O País à la carte: leitura da folha n.º 111 (Paredes) – Paços de Ferreira da Carta Militar de Portugal Luís Moreira* Palavras-chave Carta Militar de Portugal; geografia histórica; história da cartografia; paisagem; território. Keywords Carta Militar de Portugal [Portugal’s Military Letter]; historical geography; history of cartography; landscape; territory. Resumo Abstract A partir de meados do século XIX, à medida que se From the mid-19th century, as they proceeded with the procedeu à consolidação e institucionalização do Es- consolidation and institutionalization of the modern Sta- tado moderno, possuir mapas topográficos era uma te, to have topographic maps was an urgency felt by the urgência sentida pelos sucessivos governos, que, no successive governments that, in order to modernize and sentido de modernizar e desenvolver o País, lançaram develop the Country, launched a series of public construc- uma série de obras públicas e de fomento nacional. tions and national fostering. The basis for the planning A base para o planeamento e gestão deste esforço foi and management of this effort was the modern geodetic a moderna cartografia geodésica e topográfica, assen- and topographic mapping, based on a chorographic map te num mapa corográfico composto por 37 folhas, consisting of 37 sheets, scale 1:100 000. However, in the na escala 1:100 000. Contudo, já no século XX, foi 20th century it was necessary to survey a new cartogra- necessário proceder ao levantamento de uma nova phic series of the entire national territory, coordinated by série cartográfica do conjunto do território nacional, a military organism and on a larger scale, embodied in the coordenado por um organismo militar e numa esca- Carta Militar de Portugal [Portugal’s Military Letter], la maior, materializada na Carta Militar de Portugal, the most important Portuguese cartographic achievement a mais importante realização cartográfica portuguesa of the 20th century. In this paper, we will take as an exam- do século XX. Neste texto, tomaremos como exemplo ple of reading and analysis the sheet 111 (Paredes) – Pa- de leitura e análise a folha n.º 111 (Paredes) – Paços ços de Ferreira. de Ferreira. * Professor de Geografia no Agrupamento de Escolas de Lousada e Professor Auxiliar Convidado no Departamento de Geografia da Universidade do Minho. Investigador no Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. | 195 | Oppidum | ano 9 | número 8 | 2015 1. Introdução retomados quase cinquenta anos depois, na se- quência de todos os condicionalismos impostos, Num pequeno texto memorialístico (e algo sobretudo pela Guerra Peninsular, pela Revolu- intimista), intitulado “The map as biography…” ção Liberal e pelas Guerras Civis. [O mapa como biografia…], publicado em 1987, na revista The Map Collector, o geógrafo Brian Contudo, a concretização das políticas públi- Harley afirmava que estudar mapas e, em par- cas preconizadas e dirigidas pelo Estado Liberal, ticular, mapas antigos, era, em certo sentido, o que emerge no período da Regeneração (1851), mesmo que realizar várias biografias: a do mapa, exigia um conhecimento rigoroso e detalhado do enquanto produto técnico e/ou obra de arte, a do território nacional, assim como das suas popula- território representado e a de todos aqueles que, ções e dos recursos naturais. direta e indiretamente, com ele se relacionaram, O planeamento e desenvolvimento de obras incluindo o autor do estudo. públicas, nomeadamente a construção de infraes- Partindo deste texto, pretendemos ensaiar a truturas rodo e ferroviárias, a construção e am- biografia da folha n.º 111 daCarta Militar de Por- pliação de portos marítimos, a definição dos limi- tugal, na escala 1:25 000, que, no seu conjunto, tes, especialmente a fixação da fronteira terrestre, constitui um dos melhores exemplos do patrimó- bem como a aplicação das reformas administra- nio cartográfico português do século XX. tivas e fiscais exigiam mapas precisos, para apoio dos decisores políticos, militares e técnicos. 2. A moderna cartografia Assim, em 1852, enquadrada no Ministério 1 das Obras Públicas, Comércio e Indústria, foi topográfica portuguesa criada a Direção-Geral dos Trabalhos Geodési- A cartografia científica, geodésica e topográ- cos, sob a direção de Filipe Folque (1800-1876), fica instituiu-se tardiamente em Portugal – so- que assumiu a responsabilidade de compor a pri- mente a partir da segunda metade do século XIX meira série cartográfica portuguesa, intitulada – pese, embora, algumas tentativas ensaiadas nos Carta Geral do Reino (também denominada Car- finais do século XVIII. ta Chorographica do Reino), na escala 1:100 000, À medida que se concluía a Carte de France constituída por 37 folhas, levantadas entre 1853 (1744-1793) – um projeto cartográfico científi- e 1892 e editadas entre 1856 e 1904. Tratava-se co, dirigido por quatro gerações da família Cas- do primeiro mapa científico/corográfico do país, sini, composto por 182 folhas, na escala ca. 1:80 mas, não obstante a sua importância, rapidamen- 000 –, quase todos os países europeus pretende- te se constataram as limitações impostas pela es- ram imitar este modelo. Em Portugal, o projeto cala, pelo que se sentiu necessidade de compor de compor a Carta Geral do Reino foi atribuído um mapa com maior pormenor2. ao lente da Academia Real da Marinha, Francisco Deste modo, a partir de 1899, decide-se pu- António Ciera, e ao Real Corpo de Engenheiros. blicar a Nova Carta Chorographica, na escala 1:50 Os trabalhos de levantamento topográfi- 000, fazendo uso de cinco cores, sendo a série co e o estabelecimento de uma rede geodésica composta por 178 folhas, editadas por processos iniciaram-se no decorrer da década de 1790 e heliográficos, a partir de 1906. Este novo instru- prolongaram-se até 1804, altura em que se in- mento cartográfico, cuja série não se chegou a terromperam, por decisão do Governo, só sendo completar no tempo previsto, servia, tal como a 1 O essencial sobre a recente evolução da cartografia topográfica portuguesa pode ser consultado em Dias (1995; 1998; 2000; 2001), Branco (2003) e Dias e Rossa (2007). 2 Em 1865 havia sido editado o primeiro mapa científico do conjunto de Portugal, intituladoCarta Geográfica de Portugal, na escala 1:500 000, uma solução de recurso enquanto se processava o levantamento das folhas da Carta Geral do Reino. | 196 | Luís Moreira. O País à la carte: leitura da folha n.º 111 (Paredes) – Paços de Ferreira da Carta Militar de Portugal. p. 195-208 antecessora, para apoiar a execução de diversos rem os trabalhos de levantamento topográfico: a projetos de fomento (Dias, 1995: 63-68; Bran- região envolvente da capital (cujas tarefas prepa- quinho, 2003: 148-150). ratórias estavam adiantadas), as áreas de exercí- cios e instalações militares e as entradas naturais Paralelamente a esta evolução impulsionada na fronteira terrestre (particularmente Chaves, por um organismo civil, a cartografia militar pro- Almeida e Elvas). curou manter a própria produção ajustada às suas necessidades. No último quartel do século XIX, Nesta primeira fase, que decorre até 1937, o Exército desenvolveu dois grandes projetos: o foram utilizados métodos clássicos na composi- levantamento nacional à escala 1:250 000, con- ção cartográfica das cerca de 40 folhas, editadas cretizado na Carta Itinerária de Portugal, que ser- a partir de 1934. Desde então, foram utilizados viria para planeamento dos movimentos e deslo- processos fotogramétricos que permitiram au- cações de tropas; e um levantamento topográfico mentar o ritmo de produção/edição, mas im- na escala 1:20 000, para representação detalhada plicando uma alteração técnica relativamente do terreno de algumas áreas estratégicas do País. às folhas anteriormente editadas: o elipsoide de Bessel foi substituído pelo de Hayford, enquanto Neste sentido, o Corpo do Estado-Maior a projeção de Bonne foi substituída pela de Gauss editou, a partir de 1881, a Carta dos Arredores (Dias e Rossa, 2007: 37). de Lisboa, muito embora a área representada se estendesse um pouco mais para norte e para sul A primeira edição da Carta Militar de Portu- da capital, pelo que, já durante a I República, mu- gal, designação que consta nas 633 folhas que daria a sua designação para Carta Topográfica de compõem o mapa do conjunto de Portugal, pro- Portugal, revelando o desejo de alargar o levanta- longou-se até 1965. Atualmente, algumas folhas mento a todo o País. correspondentes a determinadas áreas do País já contam com seis edições. Contudo, a implantação da República, as in- cursões monárquicas, a participação na I Guerra Para além do elipsoide e da projeção cartográ- Mundial e toda a instabilidade social, política, fica, as primeiras folhas daCarta Militar possuem económica e militar que caracterizou todo o pe- outras características que as diferenciam das de- ríodo de governação republicana, desarticularam mais. Desde logo, a ausência da legenda; também os principais projetos cartográficos militares, que a identificação de algumas folhas, mas não a sua só foram restabelecidos no final da Ditadura Mili- numeração, foi alterada nas edições seguintes; tar (1926-1933), para desenvolver a mais impor- por fim, para a figuração dos diversos fenómenos tante série cartográfica nacional: aCarta Militar e elementos da superfície terrestre foram utiliza- de Portugal, na escala 1:25 000. dos símbolos e cores diferentes, destacando-se as curvas de nível a preto, ou as estradas a azul. O Decreto-Lei n.º 21904, de 24 de novembro de 1932, criou, oficialmente, os Serviços Carto- gráficos do Exército e atribuiu-lhes a execução da 3. A folha n.º 111 (Paredes) Carta Topográfica Militar, na escala 1:25 000. Os primeiros ensaios para a composição deste mapa – Paços de Ferreira da decorreram a partir de 1926, sob orientação da Carta Militar de Portugal Secção de Cartografia Militar do Estado Maior A folha em análise foi editada, pela primeira do Exército, que, em 1928, editou a folha de Lis- vez, em 1935 e liga-se a outras elaboradas na mes- boa, aproveitando os levantamentos existentes da ma época: Valongo (n.º 123, 1936), Penafiel (n.º Carta dos Arredores de Lisboa/Carta Topográfica 112, 1937), Marco de Canaveses (n.º 124, 1937) de Portugal.