ISSN 2176-2899 Foto: Sergio Luiz Gonçalves

COMUNICADO Riscos climáticos e TÉCNICO viabilidade econômica da 94 produção de soja no sul do

Londrina, PR Julho, 2018

Sergio Luiz Gonçalves Rubson Natal Ribeiro Sibaldelli 2

Riscos climáticos e viabilidade econômica da produção de soja no sul do Rio Grande do Sul1

1Sergio Luiz Gonçalves, Engenheiro Agrônomo, Doutor, pesquisador da Embrapa Soja, Londrina, PR 2Rubson Natal Ribeiro Sibaldelli, Matemático, Especialista em Estatística, Londrina, PR

A região sul do Rio Grande do Sul O objetivo deste relato é descrever (RS), tradicionalmente caracterizada pe- as avaliações feitas em 20 áreas de las suas pastagens naturais e pecuária soja, escolhidas aleatoriamente, em 18 extensiva, tem restrições ambientais à municípios da região centro-sul do RS, produção agrícola, produzindo principal- durante a safra 2017/2018, reconhecida- mente arroz. Com a expansão da cultura mente seca, visando estimar as perdas de soja para todos os cantos do país, de rendimento de grãos por deficiência a região passou a ser vista como uma hídrica, assim como qual seria a neces- nova fronteira agrícola, onde essa cultu- sidade de coberturas para operações ra vem sendo cultivada em proporções financeiras de crédito e seguro agrícola. cada vez maiores. No entanto, limita- Foram visitadas áreas em Cruz Alta, ções climáticas têm sido destacadas nas Tupanciretã, Júlio de Castilhos, Santa últimas décadas em função de conside- Maria, São Sepé, Caçapava do Sul, ráveis riscos de deficiência hídrica para Canguçu, , Capão do Leão, vários cultivos agrícolas (Berlato et al., Bagé, , Rosário do Sul, 1995; Cunha et al., 1998, 2001; Maluf , Manoel Viana, São Francisco et al., 2001; Matzenauer; Anjos, 2004). de Assis, Santiago, e São Isto tem sido considerado pelos suces- Luís Gonzaga. Partindo-se de fatores sivos zoneamentos de riscos climáticos agronômicos básicos como estande de feitos para o RS. Porém, a cultura da plantas e uniformidade das lavouras, soja vem participando de uma gradual número médio de vagens por planta e transformação da tradicional paisagem número de grãos por vagem, foi possí- dos pampas, principalmente porque nos vel fazer estimativas de produtividade últimos anos as perdas por seca foram nas áreas avaliadas. Em seguida, foi insignificantes. Na safra 2017/2018, no realizada uma análise de viabilidade entanto, a distribuição de chuvas foi infe- econômica das diferentes situações rior àquela dos últimos anos, provocan- verificadas, considerando as produtivi- do queda de produtividade em muitas dades estimadas, os custos médios de lavouras. produção e as condições de pagamento de financiamentos agrícolas. 3

Para melhor entendimento da atual os profissionais consultados, oscilaram transformação da paisagem é inevitável entre 30 a 35 sacas de soja/ha, incluindo algumas perguntas: Qual a viabilidade o custo do arrendamento das terras. econômica e sustentabilidade do culti- Para a liberação de crédito oficial, o vo da soja na região? Esse sistema de agente financeiro segue o disposto no produção continuará se expandindo nas Zoneamento Agrícola e Agroclimático próximas safras ou nas próximas déca- do Ministério da Agricultura, Pecuária e das? Para responder a esses questiona- Abastecimento – MAPA ou, na sua falta, mentos é preciso uma análise criteriosa segue as orientações das instituições considerando os efeitos das principais oficiais de pesquisa (Banco do Brasil, variáveis envolvidas neste sistema pro- 2018). Isto é válido para a liberação de dutivo, além dos riscos climáticos, que crédito tradicional e também de várias são a econômica e a tecnológica. modalidades de seguro agrícola. Em O relato das observações feitas nas substituição ao antigo VBC (valores lavouras serve para a melhor compre- básicos de custeio), existe hoje um ensão da transformação da paisagem sistema de faixas de produtividade e iniciada nos últimos anos. Como já foi custos de produção, onde é feito, para enfatizado, diversos estudos de riscos cada agricultor, um orçamento analí- climáticos para várias culturas na re- tico, que considera o seu histórico de gião evidenciaram significativos riscos produção, o nível tecnológico realizado de deficiência hídrica, sendo que eles por ele e a produtividade regional. Em são mais evidentes no sudoeste do RS, função das variações no preço da soja envolvendo as regiões da Campanha e de diferentes faixas de produtividade Gaúcha, caracterizada pela cobertura esperada, pode-se estimar que essa vegetal do tipo campos (Fontana et al., liberação de recursos gira em torno de 2007), com destaque para municípios 70% do custo de produção. O nível de cobertura para possíveis sinistros fica como Dom Pedrito, Rosário do Sul, na faixa de 70% da produtividade espe- Alegrete, São Borja, , rada (variando de 50 a 75%, conforme e . o enquadramento do agricultor). As Do lado econômico, enfatizam-se modalidades tradicionais como Proagro os custos de produção de soja predo- e Pronaf cobrem basicamente os gastos minantes na região, obtidos por profis- financeiros provenientes do contrato sionais do sistema produtivo (indústrias com o agente financeiro. O seguro agrí- compradoras e exportadoras de soja, cola tende a cobrir parte do faturamento profissionais da área de planejamento esperado inicialmente, porém, o seu agropecuário e das carteiras agrícolas custo é alto e muitos agricultores não dos agentes financeiros) e também de aderem. É possível perceber então, que agricultores. De modo geral, os custos a produção necessária para cobrir o cus- de produção na última safra, segundo teio da lavoura (financiamento e taxas) 4

é significativamente mais baixa que a função dos baixos preços da terra ou de produção esperada inicialmente. Outra sua oportunidade de arrendamento. O modalidade de financiamento para a resultado disto, embora lento, é o cres- produção de soja na região não envol- cimento paulatino da produtividade da ve os agentes financeiros tradicionais soja na região. Isto pode ser verificado (bancos) e independe de zoneamento pelos dados de produtividade histórica agrícola. Ela inclui as parcerias entre de soja (IBGE, 2018) que mostram a agroindústria e o agricultor, onde a que, mesmo na porção mais crítica do agroindústria cede sementes e, eventu- sudoeste do RS, a produtividade da soja almente, outros insumos, que são pagos evoluiu de aproximadamente 1000 kg/ha pelo agricultor após a colheita em sacas na safra 2005/2006, para mais de 2300 de soja. Paralelamente, é possível ao kg/ha em 2014/2015. Nesta última safra agricultor fazer um seguro em diversas (2017/2018), os dados de produtividade modalidades, com as várias segurado- (EMATER, 2018) mostraram que, na ras que atuam na região. região da Campanha e na Zona Sul, a estiagem prejudicou as produtividades, É comum o agricultor financiar o cus- porém, não foi suficiente para reduzir a teio do arroz em um ano e, na mesma boa média de produtividade do estado. área, cultivar a soja no ano seguinte, Neste caso, pode-se dizer que houve porém sem financiamento bancário, uma variabilidade na produtividade, utilizando apenas o sistema de trocas com alguns municípios produzindo mais mencionado anteriormente. No ano que outros, em função de diferenças de subsequente, ao voltar a cultivar o arroz, manejo e fertilidade de solo e de distri- este apresenta melhores rendimentos buição hídrica, porém, ainda se mantive- de grãos, beneficiado pela melhor ferti- ram numa faixa acima de 2000 kg/ha (33 lidade do solo deixada pela soja e pela sacas/ha). grande redução de ervas daninhas de No cenário descrito anteriormente, as folhas estreitas prejudiciais ao arroz. observações mais relevantes podem ser Outro fator importante a ser consi- assim sintetizadas: as lavouras visitadas derado é o nível tecnológico emprega- foram semeadas predominantemente do, que tem aumentado nas últimas em novembro de 2017 (algumas em décadas. A região, caracterizada pela meados de outubro e outras em início pecuária tradicional, pouco investiu no de dezembro). As lavouras da região passado em melhorias de estrutura e central (Cruz Alta, Tupanciretã, Júlio de fertilidade dos solos. Isto vem sendo Castilhos e Santa Maria), cultivadas em modificado por agricultores de outras sistemas tradicionais, foram semeadas, regiões, que utilizam tecnologias de de modo geral, em outubro e novembro correção do solo, adubação e uso de de 2017 e apresentaram uma boa pro- plantio direto. Tais agricultores foram dutividade média, não havendo sinais atraídos para a região sul do RS em graves de perdas por deficiência hídrica. 5

Na região de Pelotas, no sistema de soja Luís Gonzaga) o padrão das lavouras de em rotação com o arroz, todas as áreas soja avaliadas foi o mesmo, apresentan- de soja apresentavam potencial produ- do estimativas de produtividades abaixo tivo abaixo do esperado inicialmente, do esperado inicialmente, ficando na porém sem mostrar sinais de grandes faixa de 30 a 50 sacas/ha. Nas áreas prejuízos financeiros. Em Capão do avaliadas, houve sintomas de deficiên- Leão, município prejudicado pela estia- cia hídrica, porém, não muito severa, gem, a área vistoriada tem histórico de com todas as lavouras ainda apresen- produção de 72 sacas/ha. Nesta safra tando bons estandes, boa altura de (2017/2018), em função da seca, houve plantas e bom número de vagens e de quebra significativa de produtividade, grãos, mostrando uniformidade e pouca porém ainda apresentava potencial de infestação de ervas daninhas (Figura 1). produção entre 40 a 45 sacas/ha. Nas Houve variabilidade nesses detalhes em outras regiões a oeste, sudoeste e norte função da distribuição hídrica irregular (Bagé, Rosário do Sul, Alegrete até São ocorrida na região. Foto: Sergio Luiz Gonçalves

Figura 1. Área de soja em Alegrete, região da Campanha, em 5 de abril de 2018. 6

um moderno manejo dos solos, trazido Considerações finais por agricultores tecnificados, revelando Na região sul do Rio Grande do um potencial produtivo latente e que vai Sul, a disponibilidade hídrica na safra aos poucos elevando a produtividade 2017/2018 foi deficiente e variável, re- regional da soja. Está claro, no entanto, sultando em quedas de produtividade que a região carece de pesquisa agríco- da soja, confirmando os já conhecidos la em várias áreas, como, por exemplo, riscos de deficiência hídrica da região. rotação de culturas e integração lavou- Isto foi agravado pela variabilidade de ra-pecuária, fertilidade e manejo de tipos de solos da região. solos, plantio direto, busca de cultivares Na safra 2017/2018, considerando com melhor adaptação à região, além os preços da soja (destacando que, em de ajustes fitotécnicos específicos por função da proximidade do porto de Rio cultivar. Grande, o agricultor local recebeu um Assim, independente dos riscos preço 10% superior, em comparação climáticos e de possíveis projeções de com a soja produzida no interior do mudanças climáticas, o fator econômico Paraná), os custos de produção (entre tem um grande peso na equação final da 30 e 35 sacas/ha), a liberação de crédito de, no máximo, 70% dos valores de cus- viabilidade do cultivo da soja na região. teio e a cobertura de sinistros ao redor de O agente financeiro liberando recursos 70% da produção prevista inicialmente, proporcionais à capacidade produtiva a produtividade estimada no campo (nas regional e do próprio agricultor, gera áreas vistoriadas) garantiu, de modo ge- um equilíbrio que viabiliza a atividade ral, os valores dos financiamentos, sem na região. Mesmo naqueles municípios a necessidade de coberturas de perdas onde os riscos climáticos são conside- pelo evento estiagem (déficit hídrico) rados mais altos, com taxas e encargos ocorrido, salvo exceções. mais altos para os financiamentos, ainda existe a alternativa do sistema de trocas O aumento da área de soja atual- entre a agroindústria e o agricultor. mente existente no sul do Rio Grande Portanto, há indicações atuais de favo- do Sul também é favorecido pelo tradi- rabilidade ao cultivo da soja na região, cional cultivo do arroz no estado. Nesse que deverá manter-se em alta, nas pró- sistema, toda a estrutura existente para o armazenamento de arroz é também ximas safras ou nas próximas décadas, utilizado para a soja. enquanto os preços da soja continuarem atrativos. O antigo modo de manejo de pastos tradicionais está sendo substituído por 7

EMATER. Informativo conjuntural. 2018. Referências Disponível em: . BANCO DO BRASIL. Crédito rural de custeio. Acesso em: 17 mai. 2018. 2018. Disponível em: . dos campos do Rio Grande do Sul por meio de Acesso em: 16 mai. 2018. imagens AVHRR/NOAA. Revista Brasileira de BERLATO, M. A.; FONTANA, D. C.; BONO, Agrometeorologia, v. 15, n. 1, p. 69-83, 2007. L. Tendência temporal da precipitação pluvial IBGE. Produção Agrícola Municipal. 2018. anual no Estado do Rio Grande do Sul. Revista Disponível em: . Acesso em: 16 mai. 2018. 1995. MALUF, J. R. T.; CUNHA, G.; MATZENAUER, CUNHA, G. R. da; BARNI, N.A .; HAAS, J. C.; R.; PASINATO, A.; PIMENTEL, M.; CAIAFFO, M. MALUF, J. R. T.; MATZENAUER, R.; PASINATO, Zoneamento de riscos climáticos para a cultura de A.; PIMENTEL, M. B. M.; PIRES, J. L. F. feijão no Rio Grande do Sul. Revista Brasileira Zoneamento agrícola e época de semeadura para de Agrometeorologia, v. 9, n. 3, p. 468-476, soja no Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de 2001. Agrometeorologia, v. 9, n. 3, p. 446-459, 2001. MATZENAUER, R.; ANJOS, C. S. dos. Disponibilidade hídrica para a cultura da soja em CUNHA, G. R. da; HAAS, J. C.; DALMAGO, G. A.; anos de El Niño, La Niña e neutros, nas regiões PASINATO, A. Perda de rendimento potencial em climáticas do Planalto Médio e Depressão Central soja no Rio Grande do Sul por deficiência hídrica. do Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de , v. 6, n. Revista Brasileira de Agrometeorologia Agrometeorologia, v. 12, n. 2, p. 315-322, 2004. 1, p. 111-119, 1998.

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