Estrelas Be: Fotosferas, Envelopes e Evolu¸c˜ao na Seq¨uˆencia Principal
Ronaldo Savarino Levenhagen
Orientador: Prof. Dr. Nelson Vani Leister
Tese apresentada como requisito para a obten¸c˜ao do grau de Doutor em Ciˆencias
Departamento de Astronomia Instituto de Astronomia, Geof´ısica e Ciˆencias Atmosf´ericas Universidade de S˜ao Paulo Brasil Outubro 2004 Dedicada
`a minha querida Rose e meu pequeno Bruno Estrelas Be: Fotosferas, Envelopes e Evolu¸c˜ao na Seq¨uˆencia Principal
Ronaldo Savarino Levenhagen
Resumo
As estrelas Be compreendem uma grande faixa de massas e temperaturas. Por defini¸c˜ao, s˜ao objetos de tipo B com classe de luminosidade entre V e III que apre- sentam, ou apresentaram alguma vez, linhas de Balmer em emiss˜ao (eventualmente metais uma vez ionizados) e/ou linhas com padr˜oes de absor¸c˜ao shell1, possivelmente formadas em um envelope circunstelar. Embora se saiba h´a muito tempo que esses objetos s˜ao rodadores r´apidos e que giram pelo menos 1,5 a 2 vezes mais r´apido do que as estrelas B normais, ainda ´e incerto se esses objetos s˜ao ou n˜ao em m´edia rodadores cr´ıticos, n˜ao obstante as re- centes observa¸c˜oes interferom´etricas de HD 10144 (Achernar)2 (uma estrela Be t´ıpica) indicarem se tratar de um rodador cr´ıtico. Devidoas ` suas altas taxas de rota¸c˜ao, as quais originam distor¸c˜oes geom´etricas e distribui¸c˜oes n˜ao uniformes de temperatura dependentes da latitude estelar, os valores de velocidade de rota¸c˜ao derivados por m´etodos cl´assicos s˜ao sistematicamente subes- timados. Al´em disso, os efeitos da rota¸c˜ao, aliadosapresen¸ ` ca do envelope circunstelar, mascaram as condi¸c˜oes f´ısicas desses objetos, resultando em diferen¸cas significativas em seus est´agios evolutivos na seq¨uˆencia principal. Neste trabalho apresentamos os resultados do estudo espectrosc´opico de estrelas Be em duas vertentes. Na primeira tratamos o tema da forma¸c˜ao e estrutura do envelope circunstelar de estrelas Be, atrav´es das an´alises de duas estrelas, HD 127972 (η Cen) e HD 10144 (Achernar). Nesse estudo identificamos e caracterizamos seus
1Neste trabalho, palavras, express˜oes e siglas estrangeiras, `a exce¸c˜ao de nomes pr´oprios, ser˜ao apresentadas em it´alico. 2As estrelas ser˜ao referenciadas, sempre que poss´ıvel, por seus c´odigos Henry-Drapper (HD). No caso de estrelas muito conhecidas, estas ser˜ao explicitadas com seus nomes entre parˆenteses. iv modos de pulsa¸c˜ao, os quais se constituem em um poss´ıvel mecanismo de perda de massa e forma¸c˜ao do envelope. Al´em disso, estudamos a estrutura de seus envelopes circunstelares atrav´es da modelagem de perfis de Balmer em emiss˜ao. Na segunda vertente quantificamos as condi¸c˜oes f´ısicas de 141 estrelas de campo, onde 114 s˜ao de tipo Be e 27 estrelas s˜ao B normais. Nesse estudo, comparamos os est´agios evolutivos desses objetos obtidos atrav´es de m´etodos cl´assicos com os est´agios evolutivos corrigidos dos efeitos da rota¸c˜ao elevada. Concluimos que o “fenˆomeno Be” pode ocorrer em todas as fases da evolu¸c˜ao estelar na seq¨uˆencia principal. Be Stars: Photospheres, Envelopes and Evolution in the Main Sequence
Ronaldo Savarino Levenhagen
Abstract
Be stars encompass a large mass and temperature range. By definition, they are B-type objects with luminosity classes V to III that have, or have shown at least once, Balmer lines in emission (eventually single-ionized metals) and/or lines with shell ab- sorption patterns possibly formed in a circumstellar envelope. Though it has long been known that these objects are fast rotators and that they rotate at least 1.5 to 2 times faster than normal B stars, it is still uncertain whether or not these objects are in average critical rotators, although recent interferometric observations on Achernar (a typical Be star) pointed it out to be a critical rotator. Due to their high rotation rates which originate geometrical distortions and non- uniform temperature distributions dependent on the stellar latitude, the rotation velocity values derived from classical methods are systematically underestimated. Moreover, the rotation effects allied to the continuum emission due to the presence of a circumstel- lar envelope disguise the physical conditions of these objects, resulting in significative differences of their main-sequence evolutionary stages. In this work we present the results of the spectroscopic study of Be stars in two approaches. In the first one we treat the subject of formation and structure of the cir- cumstellar envelope of Be stars through the analyses of two stars, HD 127972 (η Cen) and HD 10144 (Achernar). In this study we identify and characterize their pulsation modes, which constitute in a possible mechanism of mass loss and envelope formation. Moreover we study the structure of their circumstellar envelopes through the modelling of Balmer profiles in emission. In the second approach we quantify the physical condi- tions of 141 field stars, where 114 are Be-type stars and 27 stars are normal B stars. In this study, we compared the evolutionary stages of these objects obtained through classical methods with evolutionary stages corrected for high rotation effects. We con- vi clude that the “Be phenomenon” can occur at whatever stage of the stellar evolution on the main sequence. Agradecimentos
Ao meu orientador Prof. Dr. Nelson Vani Leister pela orienta¸c˜ao, confian¸ca, amizade, paciˆencia e incentivo. Ao Prof. Dr. Jean Zorec pela acolhida durante meu est´agio no Institut d’Astrophysique de Paris, pela ajuda, incentivo, amizade e discuss˜oes acadˆemicas. Aos meus pais, irm˜aos e familiares pelo apoio e carinho. A` minha esposa Roseli e meu filho Bruno, por tudo. Aos colegas do IAG pelos bons momentos... em especial ao Eduardo Amˆores, Mauro, Marcus Vin´ıcius, Anselmo, Fab´ıola e C´assio. Ao pessoal da secretaria, Marina, Carminha, Ana L´ucia e Concei¸c˜ao. Aos colegas do IFUSP pela amizade, em especial ao Henady, Benˆe, Haddad, Lamas, AlbertoeAlexandreSanches. A` FAPESP pelo suporte financeiro sob contrato 00/10029-6 e aux´ılio 1998/10138-8.
vii “En fait de decouvertes nouvelles, il ne faut pas trop se presser de raisoner, quoiqu’on en ait toujours assez d’envie: et les vrais philosophes sont comme les ´el´ephants, qui en marchant ne posent jamais le second pied `a terre que le pre- mier ne soit bien affermi.” Fontenele (si`ecle XVII) ´Indice
Resumo iii
Abstract v
Agradecimentos vii
1 Introdu¸c˜ao 1 1.1 Descri¸c˜aodaTese...... 3
2 Fundamentos Te´oricos 5 2.1AsestrelasBe...... 5 2.1.1 Defini¸c˜ao do “fenˆomenoBe”...... 5 2.1.2 Caracter´ısticasdosperfisespectrais...... 6 2.1.3 Caracter´ısticas do cont´ınuo...... 8 2.1.4 Variabilidades ...... 10 2.2 Parˆametros fundamentais da estrela central ...... 15 2.2.1 Propor¸c˜aodeestrelasBe...... 15 2.2.2 Rota¸c˜ao...... 16 2.2.3 Temperatura efetiva, massa e luminosidade ...... 17 2.2.4 Idades...... 19 2.3EnvelopescircunstelaresdeestrelasBe...... 20 2.3.1 Modelos baseados na rota¸c˜aoelevada...... 20 2.3.2 Modelos baseados em ventos impulsionados por radia¸c˜ao.... 21 2.3.3 Modelos baseados em ventos e rota¸c˜ao...... 22 2.3.4 Mecanismos adicionais de forma¸c˜aodoenvelope...... 23
ix ´Indice x
2.4 Teoria das Pulsa¸c˜oes N˜aoRadiais...... 24 2.4.1 Caracteriza¸c˜aodosmodospulsacionais...... 26
3 Amostragem e redu¸c˜ao de dados 28 3.1 Dados: origens, caracter´ısticas e redu¸c˜ao...... 28
4An´alise sismol´ogica e circunstelar 36 4.1 HD 127972 ...... 36 4.1.1 Varia¸c˜oesdosperfisdelinhaobservadas...... 36 4.2 HD 10144 ...... 45 4.2.1 Varia¸c˜oesobservadasdosperfisdelinha...... 45 4.3 Modelagem de perfis de Balmer em emiss˜ao...... 47 4.3.1 Modelagem para HD 127972 e HD 10144 ...... 55
5 Estudo da fotosfera de estrelas Be 59 5.1 S´ınteseespectral...... 59 5.1.1 Modelos de atmosferas estelares e transferˆencia radiativa . . . . 59 5.2 M´etodo cl´assico de estimativa de parˆametros fotosf´ericos...... 61 5.3 Dependˆencia das raz˜oesdelinhasdeh´elio com a abundˆancia...... 67 5.4 Corre¸c˜ao dos parˆametros por efeitos da rota¸c˜ao...... 71 5.5Resultados...... 73
6 Data¸c˜ao do “fenˆomeno Be” 80 6.1 Ocorrˆencia do “fenˆomenoBe”...... 80 6.2Idades,luminosidadesemassas...... 82
7 Conclus˜oes e perspectivas 92
Bibliografia 95
Anexo 107
A Trabalhos publicados 107 A.1Anaisdecongresso...... 107 A.2Artigoscompletos...... 110 Lista de Figuras
2.1 Localiza¸c˜ao no diagrama HR dos principais grupos de estrelas vari´aveis (adaptado de Unno et al. 1989)...... 24
4.1 Amostragem de espectros observados no MCT/LNA, centrados em He i λ 6678 A...... ˚ 37 4.2 Periodograma da linha de He iλ6678 A˚ de HD 127972, obtido a partir de espectros observados no MCT/LNA no per´ıodo 1997/1998...... 38 4.3 Espectros dinˆamicos da linha de He iλ6678 A,˚ obtido a partir dos res´ıduos de todos os 652 espectros observados no MCT/LNA. (Esquerda) Dia- grama em fase com o sinal de 1,48 c/d. (Centro) Diagrama em fase com o sinal de 3,8 c/d. (Direita) Diagrama em fase com o sinal de 5,3 c/d. . 38 4.4 Varia¸c˜oes em velocidade radial, largura equivalente e largura a meia altura das linhas de He iλ6678 A˚ de HD 127972, obtidos a partir de espectros observados no MCT/LNA no per´ıodo de 1996 a 2000. . . . . 40 4.5 Curva de luz de HD 127972 constru´ıda a partir de dados de fotometria obtidos com o sat´elite Hipparcos no per´ıodo de 1990 a 1992, em fase com a principal freq¨uˆencia detectada em an´alises fotom´etricas e espec- trosc´opicas(1,5c/d)...... 40 4.6 Periodogramas (esquerda) e diagramas de n´ıveis de significˆancia (direita) para as ´epocas de 1996, 1997/1998 e 2000, relativos ao cont´ınuo adja- cente `a linha He i λ6678 A.˚ As regi˜oes azul e vermelha foram sobrepostas em umaunicaescalapositivadevelocidades...... ´ 42
xi Lista de Figuras xii
4.7 Diagramas de amplitude e fase para os sinais detectados nas vpl. (Painel superior esquerdo) Diagrama para o sinal de 9,2 c/d; (Painel superior direito) Diagrama para os sinais de 5,3 e 10,3 c/d; (Painel inferior es- querdo) Diagrama para o sinal de 1,5 c/d; (Diagrama inferior esquerdo) Diagramaparaosinalde3,8c/d...... 44 4.8 (Esquerda) Periodograma dos resultados de todas as s´eries temporais de espectros de 1997 at´e 1999, onde ao lado se encontra um diagrama com os n´ıveis de significˆancia. (Direita) Periodograma com os resultados das s´eries temporais de espectros centrados em He iλ 6678 A˚ obtidos durante a campanha de 1997 no MCT/LNA, onde o respectivo perfil de linha m´edio ´emostradonopainelinferior...... 47 4.9 Diagramas de amplitude e fase para os sinais de 0,76 (esquerda), 1,27 (centro)e1,72c/d(direita)...... 47 4.10 Estrutura do envelope circunstelar de uma estrela Be...... 49 4.11 Esquematiza¸c˜ao do modelo de envelope circunstelar para estrelas Be em
rota¸c˜ao e expans˜ao (com velocidades VΩ e Vr respectivamente) adotado neste trabalho. As zonas (1) e (2) representam a parte frontal do anel, em rela¸c˜ao ao observador, enquanto (3) e (4) s˜ao as regi˜oes traseiras. . 51 4.12 Esquematiza¸c˜ao do modelo de envelope circunstelar na aproxima¸c˜ao plano-paralela. As placas (a) e (b) representam respectivamente a parte
traseira e frontal do anel, em rela¸c˜ao ao observador, enquanto se e s∗ representam respectivamente aarea ´ total da placa e aarea ´ projetada pelaestrelanamesma...... 52 4.13 Esquema em que se mostram os deslocamentos Doppler necess´arios para oc´alculo de perfis em emiss˜ao. A curva maior representa o perfil de linha observado, enquanto as gaussianas representam a intensidade de emiss˜ao/absor¸c˜ao de cadaatomoindividual...... ´ 53 4.14 Perfis m´ediosdeHα de HD 127972 para as ´epocas de 1996, 1997, 1998, 2000 e 2001 (linhas cheias) e seus respectivos ajustes (pontilhado). . . . 56 Lista de Figuras xiii
4.15 Perfis m´edios de Hα de HD 10144 para as ´epocas de 1991, 1993, 1994, 1995, 1998, 2000 (linhas cheias) e seus respectivos ajustes (pontilhado). As ordenadas representam a intensidade de cada perfil em seu respectivo painel, enquanto que as abscissas representam a velocidade radial em km s−1. Os perfis foram subtra´ıdos de suas componentes fotosf´ericas, de modo que o n´ıvel do cont´ınuoiguala-seazero...... 58
5.1 Transformada de Fourier de um perfil de He iλ4471A˚ da estrela HD 10144. A an´alise de seu primeiro m´ınimo em freq¨uˆencia indicou uma velocidade de rota¸c˜ao de ∼ 223 km.s−1...... 64 5.2 Diagrama de Kiel com as solu¸c˜oes de temperatura e gravidade da estrela HD 127972...... 65 5.3 Raz˜oes de larguras equivalentes para linhas de He i em fun¸c˜ao da tem- peratura e abundˆancia, com log g =3.0 dex; Em (a) vemos que raz˜oes de larguras equivalentes de He i 4144/He i 4026 e em (b) He i 4388/He i 4144 apresentam pouca dependˆencia com a abundˆancia; O mesmo ocorre no caso de raz˜oes de He i 4438/He i 4026 (c) e He i 4438/He i 4121 (d); Em (e) temos raz˜oes de He i 4471/He i 4121 e em (f) de He i 4471/He i 4144, as quais apresentam grande dependˆencia com a abundˆancia. . . . 69 5.4 Raz˜oes de larguras equivalentes para linhas de He i em fun¸c˜ao da tem- peratura e abundˆancia, com log g =4.0dex;Raz˜oes de larguras equiva- lentes de He i 4144/He i 4026 (a) e He i 4388/He i 4144 (b) apresentam pouca dependˆencia com a abundˆancia de He i; O mesmo ocorre no caso de raz˜oesdeHei 4438/He i 4026 (c) e He i 4438/He i 4121 (d); Raz˜oes de He i 4471/He i 4121 (e) e He i 4471/He i 4144 (f) apresentam grande dependˆencia com a abundˆancia...... 70 5.5 Espectros te´oricos calculados para uma estrela B2IV com V sin i = −1 150kms , diferentes inclina¸c˜oes i e taxas de velocidades angulares Ω/Ωc (Fr´emat et al. 2002)...... 74 Lista de Figuras xiv
5.6 Espectros de algumas estrelas Be ajustados com o algoritmo AMOEBA. (Pain´eis superiores da primeira linha) HD 10144 e HD 104582; (Pain´eis da segunda linha) HD 105435 e HD 105937; (Pain´eis da terceira linha) HD 112091 e HD 112078; (Pain´eis daultima ´ linha) HD 164947 e HD 37490...... 75
6.1 (Painel superior)Diagrama HR de 114 estrelas Be de campo constru´ıdo a partir das interpola¸c˜oes bilineares de parˆametros fundamentais obtidos
pelo m´etodo cl´assico (esquerda). Diagrama τ/τSP X massa para 114 es- trelas Be de campo (direita). (Painel central) Freq¨uˆencia de estrelas Be
de baixa massa (< 7M) em fun¸c˜ao do est´agio evolutivo na seq¨uˆencia principal (esquerda). Freq¨uˆencia de estrelas Be de massa intermedi´aria
(entre 7 e 14M)emfun¸c˜ao do est´agio evolutivo na seq¨uˆencia princi- pal (direita). (Painel inferior) Freq¨uˆencia de estrelas Be de alta massa
(acima de 14M) em fun¸c˜ao do est´agio evolutivo na seq¨uˆencia principal. 88 6.2 (Painel superior)Diagrama HR de 114 estrelas Be de campo constru´ıdo a partir das interpola¸c˜oes bilineares de parˆametros fundamentais cor-
rigidos da rota¸c˜ao estelar elevada (esquerda). Diagrama τ/τSP X massa para 114 estrelas Be de campo (direita). (Painel central) Freq¨uˆencia
de estrelas Be de baixa massa (< 7M) em fun¸c˜ao do est´agio evolu- tivo na seq¨uˆencia principal (esquerda). Freq¨uˆencia de estrelas Be de
massa intermedi´aria (entre 7 e 14M) em fun¸c˜ao do est´agio evolutivo na seq¨uˆencia principal (direita). (Painel inferior) Freq¨uˆencia de estrelas
Be de alta massa (acima de 14M) em fun¸c˜ao do est´agio evolutivo na seq¨uˆenciaprincipal...... 90 Lista de Tabelas
3.1 Observa¸c˜oes espectrosc´opicas de HD 127972 e HD 10144 utilizadas nos estudosdevpl...... 30 3.2 Caracteriza¸c˜ao dos espectros da amostragem de estrelas analisadas. . . 32 3.2 Continua¸c˜ao...... 33 3.2 Continua¸c˜ao...... 34 3.2 Continua¸c˜ao...... 35
4.1 Resultados das an´alises de vpl em todos os perfis de linha de HD 127972. 39 4.2 Sinais detectados em fotometria e espectroscopia (em c/d)...... 41 4.3 Parˆametros fundamentais de HD 127972...... 42 4.4 Resultados dos parˆametros e |m|...... 43 4.5 Freq¨uˆencias detectadas com valores de significˆancia maiores que 70% para todos as ´epocas e linhas. Um asterisco marca os sinais que s˜ao interpretadoscomoaliases...... 46 4.6 Parˆametros fundamentais de HD 10144...... 46 4.7 Parˆametro pulsacional para as freq¨uˆenciasdevpl...... 48 4.8 Parˆametros do envelope circunstelar de HD 127972...... 55 4.9 Parˆametros do envelope de HD 10144...... 57
5.1 Caracter´ısticas das linhas de h´elioestudadas...... 68 5.2 Raz˜oes de for¸cas de oscilador log gf...... 71 5.3 Parˆametros f´ısicos cl´assicos e corrigidos da rota¸c˜ao...... 76 5.3 Continua¸c˜ao...... 77 5.3 Continua¸c˜ao...... 78 5.3 Continua¸c˜ao...... 79
xv Lista de Tabelas xvi
6.1 Estimativas de idades, massas e luminosidades para 114 estrelas Be. . . 84 6.1 Continua¸c˜ao...... 85 6.1 Continua¸c˜ao...... 86 6.1 Continua¸c˜ao...... 87 Cap´ıtulo 1
Introdu¸c˜ao
As estrelas Be (estrelas de tipo espectral B com linhas em emiss˜ao) foram descobertas pelo padre Angelo Secchi em 1867 com a observa¸c˜ao da estrela HD 5394 (γ Cas). As estrelas B e Be s˜ao objetos que ocupam o mesmo dom´ınio do diagrama HR, situadas entre a seq¨uˆencia principal de idade zero (ZAMS)easeq¨uˆencia principal terminal (TAMS), por´em possuem caracter´ısticas diferenciadas em seus espectros. Em princ´ıpio, as estrelas B normais s˜ao objetos cujo espectro n˜ao apresenta variabilidades, enquanto queasestrelasBes˜ao objetos onde os padr˜oes de variabilidade est˜ao praticamente sempre presentes. Tais variabilidades se manifestam em todos os dom´ınios espectrais, desde o ultravioleta distante ao infravermelho. Uma estrela Be ´e, por defini¸c˜ao, um objeto de tipo B cujo espectro apresenta, ou apresentou em algum dado momento, emiss˜oes em linhas de Balmer ou metais, e/ou apresenta (ou j´a apresentou alguma vez) absor¸c˜oes denominadas shell em suas linhas de Balmer. O grau de emiss˜ao e/ou absor¸c˜ao shell ´e diferente de uma estrela a outra e costuma ser vari´avel com o tempo para um mesmo objeto. Tanto os padr˜oes de emiss˜ao como os de absor¸c˜ao shell em um espectro Be podem desaparecer momen- taneamente, dando ent˜ao ao espectro desse objeto uma aparˆencia de um espectro B normal. O “fenˆomeno Be” tamb´em est´a presente em algumas estrelas O e A, as quais s˜ao conhecidas como Oe e Ae. Os fenˆomenos de emiss˜ao e absor¸c˜ao shell se manifestam tamb´em no espectro cont´ınuo de uma estrela Be, especialmente em comprimentos de onda pr´oximosades- ` continuidade de Balmer. Esses fenˆomenos produzem uma segunda descontinuidade de
1 Cap´ıtulo 1. Introdu¸c˜ao 2
Balmer, de car´ater vari´avel e que, dependendo da ´epoca e do objeto, se apresentam em emiss˜ao ou em absor¸c˜ao. A primeira explica¸c˜ao do “fenˆomeno Be” foi proposta por Otto Struve em 1931 e foi baseada nas propriedades de politropos em rota¸c˜ao r´ıgida, formuladas por Jeans em 1919. De acordo com a hip´otese de Struve, o envelope circunstelar que produz a emiss˜ao e/ou a absor¸c˜ao shell, se forma atrav´es da eje¸c˜ao de mat´eria pelo equador da estrela, a qual gira com velocidade de ruptura. Um dos problemas enfrentados por esse modelo ´e que, nessa ´epoca, n˜ao haviam ind´ıcios observacionais que confirmassem ahip´otese de rota¸c˜ao cr´ıtica entre estrelas B e Be. Al´em disso, o modelo de Struve n˜ao explica as mudan¸cas de fase das estrelas Be. Chamamos de fase de uma estrela Be a um dos poss´ıveis aspectos de seu espectro: o aspecto B normal, B com emiss˜ao, B com absor¸c˜ao de tipo shell,ouumacombina¸c˜ao qualquer desses aspectos. Essas varia¸c˜oes, assim como as caracter´ısticas de emiss˜ao e shell s˜ao supostas devidasapresen¸ ` ca de um envelope circunstelar. A mudan¸ca de fase das estrelas Be ´eumadascaracter´ısticas principais da variabilidade de seus espectros no dom´ınio do vis´ıvel. Entre os principais problemas relacionadosas ` estrelas Be, ainda em aberto, podemos citar dois, que ser˜ao abordados neste trabalho:
1. Origem e estrutura de seus envelopes circunstelares;
2. Origem do “fenˆomeno Be”.
Dado que as estrelas Be rodam, em m´edia, com velocidades pr´oximas a valores cr´ıticos, por´em ainda assim inferiores, ent˜ao a rota¸c˜ao elevada ainda ´e insuficiente para explicar os fenˆomenos de perda de massa e forma¸c˜ao do envelope circunstelar (item 1). Atualmente, os mecanismos mais aceitos que, atuando em conjunto com a rota¸c˜ao elevada, poderiam levar a eje¸c˜ao de mat´eria, s˜ao (Slettebak 1988):
• Ventos estelares;
• Transferˆencia de mat´eria em um sistema bin´ario;
• Campos magn´eticos; 1.1. Descri¸c˜ao da Tese 3
• Pulsa¸c˜oes n˜ao radiais.
Dentre os modelos existentes para estrelas Be, o mais aceito atualmente explica o fenˆomeno de forma¸c˜ao do envelope circunstelar atrav´es de perdas discretas de massa geradas pelo acoplamento de energia entre os modos de oscila¸c˜ao n˜ao radiais e/ou pelo alcance da velocidade cr´ıtica devido ao campo de velocidade adicional introduzido pelas oscila¸c˜oes. Em rela¸c˜aoa ` quest˜ao descrita no item 2, esse problema ainda hoje se constitui em um assunto em aberto. O problema fundamental consiste em saber se o “fenˆomeno Be” ocorre em estrelas B normais em todos os est´agios evolutivos na seq¨uˆencia principal ou se ´eumprodutodaevolu¸c˜ao desses objetos entre a ZAMS eaTAMS.
1.1 Descri¸c˜ao da Tese
Os objetivos deste trabalho consistem em basicamente duas etapas: (1) busca de ind´ıcios de ocorrˆencia de atividade fotosf´erica (aqui interpretadas como oscila¸c˜oes n˜ao radiais) atrav´es de an´alises de s´eries temporais de espectros de duas estrelas Be bri- lhantes, HD 127972 (η Cen) e HD 10144 (Achernar) de modo a obter ind´ıcios para responder ao problema do item 1; (2) atrav´es da redu¸c˜ao e an´alise de uma amostragem de espectros de estrelas Be (114 objetos), monitoradas no Brasil e no Chile, obtemos estimativas de seus parˆametros f´ısicos fotosf´ericos, como temperatura efetiva, gravidade superficial e velocidade de rota¸c˜ao projetada e, por interpola¸c˜ao em modelos de estru- tura interna, obtemos suas idades e massas. Com esse processo, procedemos a uma data¸c˜ao do “fenˆomeno Be” em estrelas de campo e obtemos elementos importantes para tentar responder ao problema do item 2. Esta tese se subdivide como segue: Cap´ıtulo 2: definimos estrelas de tipo Be, descrevemos brevemente os fundamentos te´oricos sobre pulsa¸c˜oes n˜ao radiais (PNR’s) nesses objetos, bem como a problem´atica de seus envelopes circunstelares. Cap´ıtulo 3: apresentamos a amostragem de estrelas Be observadas e os procedi- mentos de redu¸c˜ao dos espectros. Cap´ıtulo 4: apresentamos os resultados obtidos das an´alises de s´eries temporais 1.1. Descri¸c˜ao da Tese 4 dos espectros observados de duas estrelas Be, HD 127972 e HD 10144. Apresentamos tamb´em os resultados de modelagem num´erica de seus envelopes circunstelares. Cap´ıtulo 5: descrevemos os procedimentos de an´alise dos espectros dos objetos apresentados no cap´ıtulo anterior, de modo a obter os parˆametros fundamentais de suas fotosferas. Apresentamos tamb´em o m´etodo de Transformada de Fourier para obter estimativas das velocidades de rota¸c˜ao projetadas (V sin i). Cap´ıtulo 6: apresentamos as idades das estrelas Be observadas e seus est´agios evo- lutivos na seq¨uˆencia principal em fun¸c˜ao da massa. Cap´ıtulo 7: conclus˜oes e perspectivas deste trabalho. Cap´ıtulo 2
Fundamentos Te´oricos
2.1 As estrelas Be
2.1.1 Defini¸c˜ao do “fenˆomeno Be”
AsestrelasBes˜ao usualmente definidas como estrelas B com classe de luminosidade entre V e III (pertencentes `aseq¨uˆencia principal) que apresentam, ou apresentaram alguma vez, linhas de hidrogˆenio (e/ou metais) em emiss˜ao em seus espectros e/ou absor¸c˜oesdetiposhell (Jaschek et al. 1981). Atualmente, esta defini¸c˜ao n˜ao abrange t˜ao somente as estrelas B, mas foi extendida tamb´em para estrelas de tipo O tardio at´e Aavan¸cado que apresentam a mesma fenomenologia, a qual chegou at´e a ser conhecida como “fenˆomeno OBAe” (Frost & Conti 1976; Andrillat et al. 1986; Marlborough 2000) ou, mais comumente, “fenˆomeno Be”. As estrelas supergigantes B n˜ao est˜ao inclu´ıdas neste grupo por se tratarem de objetos em est´agios evolutivos muito diferentes: s˜ao muito mais massudas e intrinsecamente mais luminosas do que as Be an˜as ou gigantes e, em geral, apresentam apenas as linhas de Balmer em emiss˜ao. Os espectros de estrelas Be podem mostrar linhas em emiss˜ao com uma invers˜ao central mais ou menos intensa (espectro Be) ou podem ainda apresentar o que se chama um espectro de tipo shell, caracterizado pela presen¸ca de linhas de absor¸c˜ao de hidrogˆenio e metais ionizados com regi˜oes centrais estreitas e profundas, que po- dem ou n˜ao apresentar emiss˜oes nas asas (tipos Be-shell ou B-shell, respectivamente). Um mesmo objeto pode apresentar um espectro de tipo Be em uma ´epoca e evoluir
5 2.1. As estrelas Be 6 para um de tipo B-shell ou mesmo Be-shell em outra. Estes espectros s˜ao representa- tivos de diferentes fases de uma mesma fenomenologia, conhecida genericamente como “fenˆomeno Be”. A origem das linhas em emiss˜ao ´e comumente atribu´ıdaapresen¸ ` ca de envelopes gasosos extensos que orbitam a estrela. Dada a ampla variedade de objetos compreendidos pela defini¸c˜ao de estrelas Be, bem como `a complexidade morfol´ogica de seus espectros, ´e muito prov´avel a existˆenciademaisdeumfenˆomeno f´ısico respons´avel pelas emiss˜oes. Al´emdasestrelasBecl´assicas, existem outros grupos de objetos que apresentam linhasdehidrogˆenio em emiss˜ao e que n˜ao est˜ao inclu´ıdos na defini¸c˜ao acima men- cionada. Esses objetos compartilham, n˜ao obstante, de caracter´ısticas comunsas ` es- trelas Be cl´assicas e os fenˆomenos f´ısicos que neles ocorrem poderiam, eventualmente, possuir v´ınculos com a origem das estrelas Be. Entre esses objetos se encontram as estrelas B[e], as quais se diferenciam das Be cl´assicas por apresentarem linhas proibidas em emiss˜ao na regi˜ao do espectro vis´ıvel, bem como um forte excesso no infravermelho atribu´ıdoa ` poeira circunstelar. As estrelas B[e] constituem uma categoria muito hete- rogˆenea de objetos, compreendendo basicamente cinco subtipos diferentes de objetos (Lamers et al. 1998) em est´agios evolutivos distintos, a saber:
• estrelas B[e] supergigantes da classe LBV;
• nebulosas planet´arias compactas;
• estrelas simbi´oticas;
• objetos Ae/Be de Herbig;
• um grupo peculiar ainda n˜ao classificado devidoa ` complexidade de seus espectros.
O estudo do “fenˆomeno Be” pode ser sumarizado em termos de dois temas globais: a natureza da estrela central e a origem, estrutura e evolu¸c˜ao do envelope circunstelar. Os aspectos mais relevantes desses temas ser˜ao detalhados nas se¸c˜oes seguintes.
2.1.2 Caracter´ısticas dos perfis espectrais
Na regi˜ao do vis´ıvel, a caracter´ıstica mais marcante do “fenˆomeno Be” constitui a presen¸ca de linhas de Balmer em emiss˜ao. O car´ater morfol´ogico da emiss˜ao ´emuito 2.1. As estrelas Be 7 peculiar e difere de um objeto a outro, al´em de sofrer varia¸c˜oes com o passar do tempo para uma mesma estrela. A emiss˜ao pode variar em intensidade e na quantidade de linhas da s´erie de Balmer em que ocorre, onde com freq¨uˆencia a intensidade tende a decrescer dos membros inferiores da s´erie em dire¸c˜ao aos membros superiores (p. ex. de Hα at´eHδ). Por outro lado, o car´ater da emiss˜ao pode ser d´ebil e confinado ao interior da linha de Balmer. Em termos estat´ısticos, a intensidade da emiss˜ao nas linhas da s´erie de Balmer decresce dos subtipos espectrais B mais avan¸cados (early-type) aos mais tardios (late-type), por´em existem grandes dispers˜oes nessas estimativas (Briot 1971; Briot & Zorec 1981). Essa dispers˜ao ´e na verdade uma conseq¨uˆencia dos padr˜oes de variabilidade e da individualidade das estrelas Be. As linhas de Balmer em emiss˜ao nesses objetos exibem uma grande variedade morfol´ogica, sendo freq¨uente a ocorrˆencia de picos duplos em emiss˜ao, relativamente sim´etricos, bem como outros tais como em formato de “garrafa”, perfis shell com de- press˜oes centrais abaixo do n´ıvel do cont´ınuo ou ainda perfis altamente assim´etricos (Hubert-Delplace & Hubert 1979; Andrillat 1983; Slettebak et al. 1992; Hanuschik 1996; Ballereau et al. 1995). Dado que as emiss˜oes em Hα s˜ao superpostas ao espectro de absor¸c˜ao da estrela, em geral ´edif´ıcil separar as contribui¸c˜oes da fotosfera estelar das do envelope. Isto ocorre tamb´em com as linhas de He i, as quais podem apresentar em alguns casos perfis compostos com asas em emiss˜ao. Em muitas estrelas Be ´ecomumtamb´em a presen¸ca de linhas em emiss˜ao de metais uma vez ionizados. Cerca de 25% das estrelas estudadas por Slettebak (1982) apre- sentaram emiss˜ao em Fe ii. Muito embora os primeiros membros da s´erie de Balmer apare¸cam esporadicamente em emiss˜ao para todos os subtipos Be, as linhas de Fe ii aparecem em emiss˜ao somente para subtipos mais quentes que B5. Al´em do ferro, nos espectros de estrelas Be costumam aparecer tamb´em linhas de outros metais ioniza- dos. Alguns objetos apresentam linhas em emiss˜ao de Si ii eMgii, enquanto alguns espectros de estrelas Be-shell exibem linhas finas em absor¸c˜ao de Ti ii eCrii. Na regi˜ao infravermelha do espectro, algumas estrelas Be n˜ao s˜ao distingu´ıveis das B normais, enquanto outras apresentam emiss˜oes nas linhas de Paschen, bem como no O i λλ 7774, 8446, no tripleto do Ca ii (λλ 8498, 8542, 8662) e na linha de Fe ii λ 7712. Em termos estat´ısticos, a emiss˜ao nas linhas de Paschen decresce desde os subtipos B 2.1. As estrelas Be 8 avan¸cados at´e os subtipos A, sendo dif´ıcil encontrar emiss˜oes al´em do subtipo espectral B6. E´ interessante notar que, embora as emiss˜oes nas linhas de Balmer geralmente apare¸cam somente nos trˆes primeiros membros da s´erie, as emiss˜oes nas linhas de Paschen chegam freq¨uentemente at´eovig´esimo termo. O espectro ultravioleta das estrelas Be ´e muito rico em linhas em absor¸c˜ao de metais de baixa ioniza¸c˜ao. Al´em disso, se observam linhas intensas de ressonˆancia de elementos altamente ionizados como O vi,Nv,Siiv eCiv que podem ser assim´etricas, indicando a poss´ıvel presen¸ca de ventos, ou ainda apresentar componentes m´ultiplas em absor¸c˜ao deslocadas em dire¸c˜ao ao violeta. As transi¸c˜oes correspondentes a elementos muitas vezes ionizados tamb´em s˜ao observados em estrelas OB normais de subtipos espectrais mais avan¸cados que B3 e t˜ao tardios quanto B8 (Kogure & Hirata 1982). Este fenˆomeno ´e conhecido como superioniza¸c˜ao e implica na existˆencia de uma fonte de energia n˜ao radiativa, uma vez que o campo de radia¸c˜ao de uma estrela de tipo B tardio n˜ao ´e suficiente para induzir essas transi¸c˜oes.
2.1.3 Caracter´ısticas do cont´ınuo
Uma das caracter´ısticas principais do cont´ınuo de estrelas Be consiste na presen¸ca de um duplo salto na descontinuidade de Balmer. A primeira descontinuidade ocorre em 3750 A˚ e corresponde ao fluxo proveniente da estrela central, sendoutil ´ na deter- mina¸c˜ao da temperatura efetiva da estrela (Barbier & Chalonge 1939; Divan 1979; Zorec 1985) bem como da gravidade superficial (Zorec 1985, 1986) de acordo com o m´etodo de classifica¸c˜ao BCD (Chalonge & Divan 1952; Divan & Zorec 1982). A se- gunda descontinuidade de Balmer aparece em dire¸c˜ao a comprimentos de onda mais curtos (3647 A),˚ o que implica que se forma em um meio com menor densidade que a fotosfera. Essa descontinuidade pode estar em absor¸c˜ao ou em emiss˜ao, e est´arela- cionada com os fenˆomenos que tomam lugar no envelope circunstelar. De acordo com a fase Be em que se encontra, uma mesma estrela pode apresentar a segunda compo- nente da descontinuidade de Balmer em emiss˜ao ou em absor¸c˜ao. Emiss˜oes intensas nas linhas de Balmer costumam em geral estar acompanhadas de uma descontinuidade em emiss˜ao, enquanto que as fases intensas shell espectrosc´opicas se caracterizam por apresentar uma segunda descontinuidade em absor¸c˜ao. 2.1. As estrelas Be 9
As estrelas Be apresentam tamb´em importantes excessos no infravermelho pr´oximo (Gehrz, Hackwell & Jones 1974) e distante (Cote & Waters 1987) atribu´ıdos `a emiss˜ao livre-livre e livre-ligado origin´aria do envelope circunstelar. No infravermelho distante, a o´ındice espectral a (Sν ∝ ν ) observado assume valores de 0,6 a valores maiores que 1 para comprimentos de onda correspondentesaregi˜ ` ao de r´adio, indicando uma mudan¸ca estrutural em regi˜oes distantes da estrela (Waters et al. 1991; Waters & Marlborough 1994). Algumas observa¸c˜oes realizadas no infravermelho e no r´adio de estrelas Be fornecem ind´ıcios da presen¸ca de poeira, a qual poderia ser um remanescente de etapas evolutivas pr´evias da estrela e n˜ao ter rela¸c˜ao com o “fenˆomeno Be”. A maioria das estrelas Be emitem luz polarizada no cont´ınuo (Wood, Bjorkman & Bjorkman 1997; Yudin 2001) sendo essa polariza¸c˜ao de car´ater vari´avel, podendo atingir valores da ordem de at´e 2%. Poeckert, Bastien & Landstreet (1979) sugeriram uma correla¸c˜ao entre a porcentagem de polariza¸c˜ao e a intensidade de emiss˜ao nas linhas, ainda que em alguns casos ocorra uma defasagem na mesma. At´e este momento, as tentativas de detec¸c˜ao de polariza¸c˜aoemperfisdelinhasn˜ao tˆem fornecido resultados satisfat´orios (Shorlin et al. 2002), mas t˜ao somente um limite superior para o campo magn´eticodaordemde103 gauss (Floquet et al. 2002). Oavan¸co das t´ecnicas interferom´etricas tem permitido a obten¸c˜ao das primeiras evidˆencias diretas da forma dos envelopes circunstelares de estrelas Be assim como dos diˆametros angulares das estrelas centrais. Os primeiros estudos deste tipo realiza- dos parecem indicar que as Be est˜ao envolvidas por envelopes achatados no equador (Dougherty & Taylor 1992). De acordo com Quirrenbach et al. (1993, 1994) as es- trelas com espectros Be-shell possuem envelopes com achatamentos maiores que as estrelas Be, e os ˆangulos de polariza¸c˜ao s˜ao sempre perpendiculares ao eixo maior do envelope (Quirrenbach et al. 1997). Recentemente, conseguiu-se obter a primeira me- dida do achatamento rotacional de uma estrela Be (HD 10144) com um quociente de semi-eixos de 1,56 (Domiciano de Souza et al. 2003). Em compara¸c˜ao com as estrelas B normais, a maioria das estrelas Be n˜ao bin´arias possuem luminosidades em raios X qualitativamente similares, ainda que com valores ligeiramente maiores (Cohen, Cassinelli & Macfarlane 1997; Cohen 2000). Por outro lado, as estrelas Be em sistemas bin´arios exibem aumentos no fluxo de raios X por um 2.1. As estrelas Be 10 fator 10 ou maior, que se repetem em escalas de tempo de semanas a anos (Coe 2000).
2.1.4 Variabilidades
A variabilidade ´e uma caracter´ıstica intr´ınseca das estrelas Be, as quais apresentam varia¸c˜oes tanto no espectro de linhas como no cont´ınuo, em todas as regi˜oes do espectro, desde o ultravioleta at´e o infravermelho e em escalas diferentes de tempo de horas a d´ecadas. A variabilidade difere em geral de uma estrela a outra, e para uma estrela dada entre uma ´epoca e outra. Em alguns casos, observam-se longos per´ıodos de relativa quiescˆencia (da ordem de d´ecadas) seguidos de per´ıodos curtos, muito ativos (da ordem de anos). Em outros casos existe uma oscila¸c˜ao mais ou menos regular das varia¸c˜oes, as quais tomam lugar em escalas de tempo de dias, meses ou mesmo anos. As estrelas Be se comportam de uma maneira muito individual, o que torna imposs´ıvel predizer seu comportamento. Descreveremos a seguir algumas das varia¸c˜oes mais relevantes.
Mudan¸cas de fase: B ⇔ Be ⇔ Be-shell
As mudan¸cas de fase s˜ao transforma¸c˜oes de um espectro Be em um espectro shell ou ainda em um espectro B normal. O intervalo de tempo entre duas fases Be, duas fases shell ou duas fases normais (meses, anos ou d´ecadas) pode variar de uma ´epocaaoutra, para uma dada estrela. Por exemplo, a estrela HD 5394 (γ Cas) exibiu apenas duas fases shell separadas por quatro anos em um s´eculo (Baldwin 1939, 1940, 1941). Os intervalos de tempo diferem de uma estrela a outra. Para a estrela HD 200120 (59 Cyg) o intervalo de tempo entre suas duasultimas ´ fases shell foi de um ano (Barker 1982), enquanto que para HD 23862 (Pleione) foi de 35 anos (Gulliver 1977). O aparecimento de espectros de tipo Be e Be-shell foi originalmente atribu´ıdo a um efeito geom´etrico dependente do ˆangulo de inclina¸c˜ao do eixo de rota¸c˜ao da estrela, atrav´es do qual se esperava encontrar transi¸c˜oes entre um tipo de espectro e outro. Hummel (1998) propˆos que as varia¸c˜oes Be ⇔ Be-shell poderiam ser explicadas supondo que o plano equatorial da estrela e o plano orbital do envelope, suposta uma geometria disc´oide, estivessem inclinados um em rela¸c˜ao ao outro, de modo que os efeitos de precess˜ao seriam capazes de fazer com que o disco apresentasse distintas orienta¸c˜oes em rela¸c˜ao ao observador. A maior dificuldade deste modelo reside no fato de que os efeitos de precess˜ao deveriam 2.1. As estrelas Be 11 ser necessariamente peri´odicos, enquanto que as mudan¸cas de fase mencionadas n˜ao s˜ao necessariamente peri´odicas. O modelo de disco em precess˜ao foi idealizado para explicar as varia¸c˜oes fotom´etricas de HD 5394. Zorec et al. (2000) explicam com maior fidelidade a curva de luz observada para esse objeto, supondo a ocorrˆencia de uma eje¸c˜ao discreta de mat´eria como uma protuberˆancia gigante. Depois da eje¸c˜ao, esse material rapidamente teria entrado emorbita ´ e em seguida teria se dissipado. Esse cen´ario poderia explicar de maneira mais razo´avel as varia¸c˜oes fotom´etricas irregulares observadas. As varia¸c˜oes Be ⇔ B poderiam indicar uma forte mudan¸ca na distribui¸c˜ao de material circunstelar, implicando em alguns casos na perda completa do envelope cir- cunstelar e sua posterior reconstru¸c˜ao. Como exemplo, a estrela HD 138749 (θ CrB) mostrou um intenso espectro shell at´e 1980, depois do que seu espectro se converteu em um tipo B normal. Depois de mais de 20 anos a atividade circunstelar recome¸cou (Adelman 2003). Fenˆomenos similares a este foram observados nas estrelas HD 217675 (o And) (Gulliver, Bolton, & Poeckert 1980) e em HD 47670 (ν Pup) (Rivinius et al. 1999). O estudo dessa fenomenologia pode fornecer muita informa¸c˜aoutil ´ sobre o mecanismo que d´a origem ao envelope (Gayley, Owocki & Cranmer 1999).
Varia¸c˜oes V/R
Os perfis em emiss˜ao com duplo pico de muitas estrelas Be apresentam o que se chama varia¸c˜ao V/R. Trata-se da varia¸c˜ao do quociente entre a intensidade da emiss˜ao da asa violeta (V) e da asa vermelha (R) do perfil de linha. Este tipo de varia¸c˜ao foi inicialmente estudada por McLaughlin (1937), o qual descobriu uma oscila¸c˜ao quase peri´odica (da ordem de anos a d´ecadas) desse quociente em certas estrelas Be, as quais foram chamadas vari´aveis c´ıclicas V/R. O comportamento quase peri´odico dura por al- gum tempo e desaparece, n˜ao constituindo uma caracter´ıstica permanente que permita distiguir uma categoria particular dentro das Be. Essa varia¸c˜ao ocorre principalmente nas linhas de hidrogˆenio, notadamente na linha de Hα, muito embora j´a tenha sido observada tamb´em em linhas de He iλ 6678 A,˚ como no caso da estrela HD 127972 (Le- venhagen et al. 2003). Na tentativa de explicar a origem dessas varia¸c˜oes, sugeriu-se apresen¸ca de um anel equatorial el´ıptico de mat´eria circunstelar emorbita ´ Kepleri- 2.1. As estrelas Be 12 ana (McLaughlin 1961). Este modelo, posteriormente desenvolvido por Huang (1972, 1973) e por Albert & Huang (1974) alcan¸ca um bom acordo com algumas observa¸c˜oes atrav´es de ajustes de parˆametros geom´etricos. N˜ao obstante, ele n˜ao ´e capaz de ex- plicar, entre outras coisas, o caso no qual V/R < 1 para os membros baixos da s´erie de Balmer e V/R > 1 para os membros altos. Al´em disso, esse modelo falha ao tentar explicar espectros de duplo pico observados em estrelas vistas a partir do p´olo (Cidale 1998). Outra teoria para explicar essa fenomenologia ´e a de oscila¸c˜oes globais do disco (Okazaki 1991, 2000). Segundo essa abordagem, ondas de densidade originadas por perturba¸c˜oes em discos Keplerianos seriam as respons´aveis pelas varia¸c˜oes V/R.
Varia¸c˜oes fotom´etricas e espectrofotom´etricas
Domesmomodocomooespectrodelinhas,oespectrocont´ınuo das estrelas Be tamb´em sofre varia¸c˜oes com o passar do tempo. Essas varia¸c˜oes foram observadas com maior freq¨uˆencia na regi˜ao do espectro vis´ıvel e s˜ao em geral irregulares, com escalas de tempo que v˜ao desde fra¸c˜oes de dia at´ed´ecadas. Um estudo estat´ıstico de estrelas Be (Feinstein 1968) mostrou que aproximadamente metade das 72 estrelas observadas durante 3 anos variavam mais do que 0,06 magnitudes em V; um ter¸co delas variavam mais de 0,06 magnitudes em (U-V) e um quinto variavam mais de 0,06 magnitudes em (B-V). A varia¸c˜ao fotom´etrica das estrelas Be foi confirmada por estudos posteriores (Nordh & Olofsson 1977; Harmanec et al. 1982; Levenhagen et al. 2003). Em geral, as estrelas Be apresentam um excesso de fluxo de car´ater vari´avel, positivo ou nega- tivo no cont´ınuo de Paschen e que est´a correlacionado com a temperatura efetiva da estrela central devidoa ` emiss˜ao livre-livre/ligado-livre eadifus˜ ` ao eletrˆonica no meio circunstelar (Zorec & Briot 1991). As varia¸c˜oes fotom´etricas observadas podem ser peri´odicas ou irregulares e ocorrem em diferentes escalas de tempo. As varia¸c˜oes peri´odicas ou multiperi´odicas de curto per´ıodo ocorrem em escalas de tempo da ordem de um dia (Balona 1990, 1995; Oudmai- jer & Drew 1997) e podem ser tamb´em acompanhadas de varia¸c˜oes espectrosc´opicas. O fato de apresentarem per´ıodos t˜ao curtos sugere que elas se originariam em uma zona muito pr´oxima da fotosfera estelar. Dado que n˜ao se sabe com seguran¸ca se a rota¸c˜ao r´apida desses objetos ´e suficiente para dar origem ao envelope circunstelar (Slettebak 2.1. As estrelas Be 13
1987)(ainda que seja poss´ıvel que as velocidades de rota¸c˜ao projetadas calculadas at´e hoje em dia possam estar subestimadas), as varia¸c˜oes de curto per´ıodo se constituem chaves importantes para identificar mecanismos adicionais para que uma estrela B em rota¸c˜ao r´apida se transforme em uma Be. Essas varia¸c˜oes encontram-se na maioria das Be avan¸cadas (Penrod 1986) por´em n˜ao aparecem em estrelas Be de tipos mais tardios do que B5 (Baade 1989). A origem das varia¸c˜oes de curto per´ıodo ´e usualmente atribu´ıdaas ` pulsa¸c˜oes n˜ao radiais (Baade 1982; Rivinius et al. 2003; Levenhagen et al. 2003) (assunto esse que ser´a abordado mais adiante) ainda que existam outros cen´arios poss´ıveiscomoaid´eia de que as varia¸c˜oes de curto per´ıodo sejam moduladas pela rota¸c˜ao estelar e essa modula¸c˜ao seja mantida pela presen¸ca de um campo magn´etico (Sareyan et al. 2002). Al´em das varia¸c˜oes de curto per´ıodo (da ordem de fra¸c˜oes de dia), ocorrem tamb´em em estrelas Be varia¸c˜oes fotom´etricas quase c´ıclicas ou irregulares, com escalas de tempo relativamente grandes, da ordem de meses, anos ou d´ecadas (Percy et al. 1988). Essas varia¸c˜oes tamb´em s˜ao acompanhadas de varia¸c˜oes espectrofotom´etricas que compreen- dem uma ampla faixa espectral (Barbier & Chalonge 1941; Divan 1979). O compor- tamento espectrofotom´etrico de grande per´ıodo tem sido estudado em muitas estrelas Be (Moujtahid et al. 1998, 1999) e estaria relacionado com a estrutura de densidade e temperatura do envelope circunstelar na regi˜ao pr´oximaa ` estrela central, podendo resultar essencialmente de varia¸c˜oes na opacidade do envelope e refletir varia¸c˜oes no fluxo de massa ou mesmo mudan¸ca da sua estrutura.
Varia¸c˜oes de velocidade radial
As medi¸c˜oes de perfis de linhas em emiss˜ao e/ou linhas shell permitem estimar o estado cinem´atico do envelope circunstelar, se este est´a se expandindo, contraindo ou em uma situa¸c˜ao est´atica. Tipicamente, as velocidades radiais dos envelopes medidos na faixa vis´ıvel do espectro s˜ao baixas, da ordem de cerca de 50 kms−1, podendo alcan¸car ou mesmo exceder 100 kms−1 em certas ´epocas de alta atividade. O comportamento das velocidades radiais no envelope tem sido estudado em grande detalhe a partir de espectros shell,devido`a boa precis˜ao com que se pode determinar a posi¸c˜ao de seus centr´oides. Em muitas estrelas, as velocidades radiais desses centr´oides possuem 2.1. As estrelas Be 14 valores distintos para diferentes perfis da s´erie de Balmer. A varia¸c˜ao da velocidade em fun¸c˜ao do n´umero de linhas da s´erie de Balmer define a chamada progress˜ao de Balmer. Merrill (1952) estudou a evolu¸c˜ao da progress˜ao de Balmer com o tempo para um grande n´umero de estrelas Be. Em princ´ıpio, podendo-se localizar a regi˜ao na qual cada uma das linhas da s´erie se forma, ent˜ao o sinal da progress˜ao informa se a expans˜ao ou a contra¸c˜ao est´a acelerada ou desacelerada. Dessa forma, o comportamento da progress˜ao de Balmer pode prover informa¸c˜ao importante sobre o campo de velocidades no envelope. De modo geral, sup˜oe-se que os membros mais altos da s´erie de Balmer (por exemplo Hδ) se formam em camadas mais profundas que os membros mais baixos (Hα).
Erup¸c˜oes
Gra¸cas a numerosos levantamentos fotom´etricos realizados foi poss´ıvel confirmar a existˆencia de abrilhantamentos repentinos em estrelas Be (Mennickent et al. 1994; Pavlovski et al. 1997). Os primeiros ind´ıcios dessa fenomenologia foram observados na estrela HD 37490 (Ω Ori), onde as varia¸c˜oes fotom´etricas foram seguidas de varia¸c˜oes nas emiss˜oes nas linhas, bem como varia¸c˜oes polarim´etricas (Guinan & Hayes 1984; Brown & Wood 1992). Usando observa¸c˜oes provenientes do sat´elite Hipparcos, Hubert & Floquet (1998) detectaram aumentos repentinos de brilho em escalas de tempo cur- tas (dias) e longas (anos) para uma grande amostragem de estrelas Be. Conhecidas na literatura por erup¸c˜oes (outbursts), essas variabilidades podem ser interpretadas como resultantes de mudan¸cas abruptas na profundidadeoptica ´ de camadas ejetadas pela estrela (Hubert et al. 2000), ou ainda como eje¸c˜oes discretas de mat´eria (Zorec et al. 2000). Recentemente, publicaram-se levantamentos efetuados durante os experimentos MACHO e OGLE de comportamentos fotom´etricos similares detectados em milhares de estrelas Be nas Nuvens de Magalh˜aes (Cook et al. 1995; Keller et al. 2002).
Componentes discretas em absor¸c˜ao
De maneira similaras ` estrelas OB luminosas (Prinja & Howarth 1986), muitas estrelas Be apresentam componentes discretas em absor¸c˜ao, as quais s˜ao linhas finas sobrepostas ao perfil de linhas de ressonˆancia como Si iv,Civ e outros metais superionizados, 2.2. Parˆametros fundamentais da estrela central 15 recorrentes em intervalos de tempo de dias ou horas. Essas linhas no entanto n˜ao est˜ao presentes em estrelas B normais (Underhill & Doazan 1982), sugerindo serem parte integral do “fenˆomeno Be”. As componentes discretas em absor¸c˜ao provavelmente refletem varia¸c˜oes de densidade que podem ser devidas `a instabilidade do vento, ou ainda ser desencadeadas pela variabilidade da estrela central (Owocki et al. 1999). Grady et al. (1987) interpretam essa fenomenologia como devidas a eje¸c˜oes de massa que podem ser favorecidas nas zonas equatoriais.
2.2 Parˆametros fundamentais da estrela central
2.2.1 Propor¸c˜ao de estrelas Be
As estrelas Be representam, em m´edia, cerca de 17% das estrelas B. De acordo com Zorec & Briot (1997), o n´umero relativo de estrelas Be alcan¸ca um m´aximo no subtipo espectral B1 (∼ 34%), onde essa distribui¸c˜ao independe da classe de luminosidade (V a III). Este resultado sugere que o fenˆomeno Be n˜ao est´a confinado a uma fase evolutiva particular. N˜ao obstante, tanto a propor¸c˜aodeestrelasBeemnossaGal´axia como nas Nuvens de Magalh˜aes varia significativamente de aglomerado a aglomerado, chegando em alguns casos a ser da ordem de 40%. Essa superabundˆanciadeestrelasBeem certos aglomerados ´e atribu´ıdaaumfenˆomeno evolutivo e foi sugerida uma correla¸c˜ao entre metalicidade e abundˆancia de Be (Maeder, Grebel & Mermilliod 1999). Com a estat´ıstica atual ainda n˜ao ´eposs´ıvel chegar a uma conclus˜ao definitiva a respeito, restando ainda sem resposta definitiva a pergunta sobre a natureza da estrela central: esses objetos nascem como Be ou evoluem de B a Be? A distribui¸c˜ao da freq¨uˆencia observada de estrelas Be em fun¸c˜ao do tipo espectral se explica relacionando a probabilidade de observar uma estrela Be com a intensidade de emiss˜ao nas linhas de Balmer. Essas intensidades est˜ao correlacionadas com a temperatura efetiva da estrela, dado o car´ater radiativo dominante de suas fun¸c˜oes fonte. Multiplicando essa probabilidade pela distribui¸c˜aodetodasasestrelasBn˜ao supergigantes, obtem-se a distribui¸c˜ao das estrelas Be (Zorec & Fr´emat 2004). Isto implicaria que o “fenˆomeno Be” tem a mesma probabilidade de produzir-se em todos os subtipos espectrais desde O tardio at´eAavan¸cado. Em todos os subtipos espectrais 2.2. Parˆametros fundamentais da estrela central 16
O a propor¸c˜ao de estrelas Be ´ebaixaporduasraz˜oes:
1. A ioniza¸c˜ao elevada do meio circunstelar faz decrescer o n´umero de recombina¸c˜oes do hidrogˆenio;
2. A evolu¸c˜ao r´apida das estrelas de maior massa, que as faz passar ao estado p´os seq¨uˆencia principal em comparativamente poucos anos.
A distribui¸c˜ao das fra¸c˜oes nos tipos espectrais tardios se explica unicamente com a fun¸c˜ao fonte das linhas de Balmer, as quais decrescem de maneira sens´ıvel para temperaturas mais baixas do que para subtipo B7.
2.2.2 Rota¸c˜ao
As estrelas Be possuem em m´edia velocidades de rota¸c˜ao maiores do que as correspon- dentes a uma estrela B normal do mesmo subtipo espectral e classe de luminosidade. As velocidades de rota¸c˜ao projetadas (V sin i)m´ediasdeestrelasBeemfun¸c˜ao do tipo espectral e classe de luminosidade s˜ao maiores do que para as estrelas B normais por um fator da ordem de 1,5 a 2. Por esse motivo, esses objetos s˜ao denominados “rodadores r´apidos”, uma vez que apresentam velocidades de rota¸c˜ao pr´oximos aos valores cr´ıticos. As linhas fotosf´ericas em absor¸c˜ao apresentam larguras (em unidades de velocidade) de v´arias centenas de kms−1 (Slettebak 1982; Uesugi & Fukuda 1982). Essas larguras re- presentam a velocidade de rota¸c˜ao das estrelas projetadas na dire¸c˜ao da linha de visada (V sin i), ainda que nem sempre V sin i esteja relacionada linearmente com a largura das linhas fotosf´ericas. Muitos autores tentaram estimar V atrav´es de diferentes m´etodos (Balona 1975; Chen & Huang 1987; Porter 1996; Chauville et al. 2001; Levenhagen & Leister 2004). Os resultados desses trabalhos sugerem que as estrelas Be n˜ao atingem suas velocidades cr´ıticas de rota¸c˜ao uma vez que suas velocidades de rota¸c˜ao est˜ao, em m´edia, entre 70% a 80% da velocidade cr´ıtica. Stoeckley (1968), Collins & Truax (1995) e Townsend et al. (2004) observaram que, para estrelas com rota¸c˜ao pr´oxima a 80% da velocidade cr´ıtica, as linhas possuem larguras que subestimam a velocidade de rota¸c˜ao real da estrela devido ao efeito de obscurecimento gravitacional causado pela rota¸c˜ao elevada (essa quest˜ao ser´a abordada mais adiante). Por outro lado, a deter- mina¸c˜ao da distribui¸c˜ao de velocidades de rota¸c˜aodasestrelasBe´e muito importante 2.2. Parˆametros fundamentais da estrela central 17 no estudo da forma¸c˜ao de seus envelopes circunstelares, uma vez que este estudo imp˜oe v´ınculos aos modelos de forma¸c˜ao do envelope extendido. Ainda que n˜ao se saiba com certeza se as estrelas Be s˜ao rodadores cr´ıticos, como parecem sugerir as observa¸c˜oes interferom´etricas de Domiciano de Souza et al. (2003), as estrelas Be tardias e/ou de classes de luminosidade III se aproximam muito mais da rota¸c˜ao cr´ıtica do que as mais avan¸cadas (Zorec & Fr´emat 2004).
2.2.3 Temperatura efetiva, massa e luminosidade
A determina¸c˜ao dos parˆametros fundamentais das estrelas Be n˜ao ´e um processo simples e est´a sujeita a grandes incertezas. A presen¸ca de envelopes circunstelares extendidos afeta tanto o espectro de linhas desses objetos como o cont´ınuo da estrela central, di- ficultando sobremaneira a determina¸c˜ao de tipos espectrais e classes de luminosidade e, por extens˜ao, de uma temperatura efetiva apropriada para cada estrela. A variabi- lidade intr´ınseca e o excesso de fluxo do cont´ınuo e das linhas torna dif´ıcil tamb´em a determina¸c˜ao de suas magnitudes visuais. Desse modo, n˜ao se pode tomar a magnitude visual de uma Be obtida em uma ´epoca arbitr´aria, uma vez que ´e necess´ario conhecer ahist´oria observacional da estrela e o tipo de correla¸c˜ao existente entre o brilho e a intensidade da emiss˜ao. Al´em disso, para a maioria das estrelas Be, n˜ao existe in- forma¸c˜ao direta da inclina¸c˜ao de seus eixos de rota¸c˜ao, bem como da dependˆencia da temperatura superficial com a latitude, devidaa ` rota¸c˜ao r´apida, o que constitui uma incerteza adicional em rela¸c˜aoa ` suas classes espectrais. As estimativas das massas das estrelas Be, por outro lado, n˜ao apresentam precis˜ao satisfat´oria. Em geral as estrelas Be se encontram em sistemas bin´arios, pertencendo a sistemas semi-separados ou interativos, nos quais existe uma forte transferˆencia de massa entre as componentes, o que deforma as curvas de luz e afeta as estimativas de massas e raios (Slettebak 1987). N˜ao obstante tenham sido obtidos alguns progressos nos m´etodos de an´alise das curvas de luz e de velocidade em sistemas com discos de acres¸c˜ao, que permitem obter raios e massas com certa confiabilidade (Maxted et al. 1995; Hill et al. 1997), ainda hoje n˜ao existem m´etodos diretos adequados para obten¸c˜ao das massas das estrelas Be uma vez que, na maioria dos casos, sup˜oem- se massas normais correspondentes `a suas temperaturas efetivas (Harmanec 1988). 2.2. Parˆametros fundamentais da estrela central 18
De maneira geral, esses valores variam entre 3,5 M (B8V) e 16 M (B0V) segundo Popper (1980). Uma maneira mais plaus´ıvel de obten¸c˜ao de valores de massas mais confi´aveis seria atrav´es do estudo da curva de velocidade radial da Be principal e suas companheiras em bin´arias visuais. Os candidatos para esse m´etodo s˜ao sistemas com per´ıodos orbitais suficientemente curtos e com elementos orbitais bem conhecidos, derivados da interferometria Speckle, como por exemplo para a estrela HD 143275 (δ Sco). Os raios das estrelas Be tamb´em podem ser obtidos como fun¸c˜ao da magnitude visual observada (corrigida do avermelhamento), atrav´es de uma estimativa da tem- peratura efetiva, da corre¸c˜ao bolom´etrica e da paralaxe. As incertezas na temperatura efetiva e na magnitude visual j´a mencionadas, assim como os erros na paralaxe afetam bastante essas determina¸c˜oes. Em geral, os raios mais confi´aveis s˜ao aqueles correspon- dentes a estrelas Be em aglomerados abertos n˜ao muito distantes, com paralaxes bem determinadas (Harmanec 2000). Outra maneira de se obter raios estelares consiste em usar as paralaxes e as determina¸c˜oes interferom´etricas dos diˆametros angulares (Code et al. 1976; Vakili et al. 1984). Em geral, os raios se encontram na faixa de 2,7 R
(para uma B8V) e 7 R (para uma B0V). A temperatura efetiva pode ser estimada supondo-se um campo de radia¸c˜ao isotr´o- pico e conhecendo-se o diˆametro angular e o fluxo total da estrela, integrando sobre todos os comprimentos de onda recebidos fora da atmosfera (Code et al. 1976). Por outro lado, podem-se obter temperaturas efetivas de maneira menos direta mediante acompara¸c˜ao de modelos com observa¸c˜oes no espectro cont´ınuo e de linhas. Como j´a mencionamos anteriormente, esses espectros s˜ao observados distorcidos pela presen¸ca dos envelopes. Assim, as estrelas Be mostram normalmente excesso de fluxo tanto no vis´ıvel (Zorec & Briot 1991) como no infravermelho, saltos de Balmer at´ıpicos e deficiˆencias ou excessos de fluxo no ultravioleta (Underhill & Doazan 1982; Snow & Stalio 1987). Por outro lado, se considerarmos que a fotosfera subjacenteas ` Be ´e similaras ` estrelas B, ent˜ao ´eposs´ıvel adotar-se as temperaturas desses objetos como representativas. N˜ao obstante, devemos ter em conta que a rota¸c˜ao r´apida das estrelas Be pode produzir efeitos de obscurecimento gravitacional e que, nessas circunstˆancias, o termo temperatura efetiva deixaria de ter significado. Igualmente, ´e usual tomar- 2.2. Parˆametros fundamentais da estrela central 19 se os valores das temperaturas de estrelas B normais como valores estimativos das temperaturas de estrelas Be, encontrando-se tipicamente entre 12000 K (B8) e 30000 K (B0) (Underhill & Doazan 1982). Antes da miss˜ao Hipparcos, as magnitudes absolutas das estrelas Be eram determi- nadas atrav´es de m´etodos indiretos, como estrelas pertencentes a sistemas bin´arios, aglomerados abertos ou associa¸c˜oes, ou m´etodos estat´ısticos baseados em sua dis- tribui¸c˜ao espacial e cinem´atica. Dada a baixa qualidade e pouca quantidade de estrelas analisadas, os resultados obtidos eram muitas vezes contradit´orios. Atrav´es de medidas de paralaxe efetuadas pelo sat´elite Hipparcos, Briot & Robichon (2000) determinaram valores mais precisos para as magnitudes absolutas. Seus resultados confirmaram que as estrelas Be, em m´edia, s˜ao mais brilhantes (0,5 mag) do que as estelas B do mesmo tipo espectral e que, al´em disso, essa diferen¸ca aumenta com o tipo espectral (Zorec & Briot 1991).
2.2.4 Idades
Como mencionado anteriormente, a propor¸c˜ao de estrelas Be parece n˜ao apresentar dependˆencia com a classe de luminosidade, a qual poderia indicar que o “fenˆomeno Be” pode aparecer em qualquer etapa da evolu¸c˜ao de uma estrela Be. Atrav´es do estudo de estrelas Be em aglomerados, Feinstein (1990) e Fabregat & Torrej´on (2000) encontraram um ind´ıcio de que o “fenˆomeno Be” possui maiores probabilidades de ocorrˆencia na segunda metade da vida de uma estrela B sobre a seq¨uˆencia principal. Em um estudo detalhado das idades individuais de 50 estrelas Be com observa¸c˜oes
BCD,Zorec&Fr´emat (2004) observaram que a rela¸c˜ao idade/τsp (onde τsp ´e o tempo de vida de uma estrela de massa M sobre a seq¨uˆencia principal antes de chegara ` fase de contra¸c˜ao secund´aria) cresceamedidaemqueamassadaestrelaBediminui. `
Tomando-se a m´edia das rela¸c˜oes idade/τsp sobre todas as faixas de massa, Zorec & Fr´emat (2004) obtˆem o resultado estat´ıstico de Feinstein (1990) e Fabregat & Torrej´on (2000). N˜ao obstante, ´e importante notar que o “fenˆomeno Be” em estrelas B de alta massa aparece para uma fra¸c˜ao idade/τsp menor do que nas estrelas B tardias. Por outro lado, mencionamos anteriormente que a rota¸c˜ao de estrelas menos massudas ´e maior do que nas estrelas Be avan¸cadas, sugerindo que estas devem rodar mais 2.3. Envelopes circunstelares de estrelas Be 20 rapidamente e por mais tempo para que apare¸ca o “fenˆomeno Be”. Este fato pode ter implica¸c˜oes importantes nos fenˆomenos de redistribui¸c˜ao de momento angular interno esuasconseq¨uˆencias no surgimento do “fenˆomeno Be”.
2.3 Envelopes circunstelares de estrelas Be
Os modelos propostos para explicar a forma¸c˜ao e estrutura dos envelopes de estrelas Be baseiam-se em diferentes mecanismos capazes de dar origem ao envelope, sendo os principais a rota¸c˜ao estelar elevada e os ventos estelares.
2.3.1 Modelos baseados na rota¸c˜ao elevada
Modelos de disco
Omodelob´asico de atmosfera de uma estrela Be foi proposto por Struve (1931) o qual sugeriu que, pelo fato desses objetos serem rodadores r´apidos, ent˜ao o envelope se originaria a partir da eje¸c˜ao de material na regi˜ao equatorial. O material assim ejetado acumular-se-ia em um envelope em forma disc´oide onde o g´as, ionizado pela radia¸c˜ao ultravioleta proveniente da estrela, seria o respons´avel pela presen¸ca de linhas em emiss˜ao. A diversidade dos perfis observados se explicaria de acordo com a orienta¸c˜ao entre o envelope circunstelar e a linha de visada do observador. Marlborough (1969), Poeckert & Marlborough (1978) e Waters (1986) propuseram modelos de disco considerando um envelope isot´ermico confinadoaregi˜ ` ao equatorial da estrela, em rota¸c˜ao e expans˜ao. Devidoageometriadomodelo,oparˆ ` ametro de maior importˆancia na forma dos perfis calculados ´e a inclina¸c˜ao do eixo de rota¸c˜ao com rela¸c˜aoa ` linha de visada do observador. Esse modelo descreve satisfatoriamente as observa¸c˜oes de perfis de Hα,apolariza¸c˜ao do cont´ınuo e a distribui¸c˜ao de energia em algumas de suas regi˜oes, por´em falha ao tentar descrever o comportamento de perfis de Hβ. 2.3. Envelopes circunstelares de estrelas Be 21
Modelos ad-hoc de disco
Os principais modelos ad-hoc de disco foram propostos por Waters et al. (1987) e Hanuschik (1996), os quais sup˜oem que o envelope (ainda disc´oide) possui uma escala de altura dependente da distˆanciaa ` estrela. Uma das dificuldades desses modelos reside no fato de que, segundo as observa¸c˜oes, a componente de radia¸c˜ao cont´ınua no vis´ıvel deve ser produzida pr´oxima da estrela (Stee 1998) enquanto que, de acordo com esses modelos de disco (que s˜ao abertos) quase n˜ao h´amat´eria pr´oximoa ` estrela, o que impossibilita a emiss˜ao de radia¸c˜ao cont´ınua observada.
Modelos de an´eis
Huang (1972) e Albert & Huang (1974) propuseram um modelo de anel el´ıptico onde o material circunstelar se encontra fortemente concentrado no plano equatorial, em um anel el´ıptico com campo de velocidades Kepleriano. Atrav´es deste modelo, pode-se explicar as varia¸c˜oes V/R como efeito do movimento orbital uniforme do anel, por´em o modelo falha em explicar os casos onde as varia¸c˜oes V/R n˜ao s˜ao peri´odicas.
2.3.2 Modelos baseados em ventos impulsionados por radia¸c˜ao
Modelos com simetria esf´erica
Doazan & Thomas (1982) propuseram um modelo de envelope circunstelar formado por v´arias regi˜oes fora dos equil´ıbrios radiativo e hidrost´atico que comp˜oem a transi¸c˜ao entre uma fotosfera, em equil´ıbrio, e o meio interestelar. O envelope, neste caso geo- metricamente esf´erico, come¸ca com uma cromosfera, seguida por uma coroa com ven- tos acelerados e termina com uma regi˜ao de freamento. A principal vantagem deste modelo reside na previs˜ao da presen¸ca de linhas de elementos superionizados no ultra- violeta distante, por´em falha ao tentar explicar a polariza¸c˜ao observada, bem como em justificar a geometria esf´erica adotada, uma vez que as observa¸c˜oes interferom´etricas (Quirrenbach et al. 1997) sugerem que os envelopes de estrelas Be n˜ao s˜ao esf´ericos. 2.3. Envelopes circunstelares de estrelas Be 22
2.3.3 Modelos baseados em ventos e rota¸c˜ao
Modelos que implicam em zonas de alta ioniza¸c˜ao
Aobserva¸c˜ao de elevados fluxos de mat´eria e a presen¸ca de linhas de elementos alta- mente ionizados no ultravioleta n˜ao s˜ao contempladas pelos modelos de disco. Essas observa¸c˜oes sugerem a presen¸ca de uma componente quente de g´as circunstelar, al´em da componente que d´aorigem`a emiss˜ao no infravermelho e em linhas. O modelo de disco foi ent˜ao adaptado de modo a incorporar o caso em que o material ´e impulsionado em forma de vento pela press˜ao de radia¸c˜ao (Castor, Abbott & Klein 1975), uma vez que este tenha escapado do equador da estrela, a qual roda com velocidade cr´ıtica. As solu¸c˜oes decorrentes da presen¸ca de ventos poderiam incluir pequenas flutua¸c˜oes em densidade, as quais poderiam eventualmente crescer e formar ondas de choque, originando desta maneira a emiss˜ao em raios X bem como a ocorrˆencia de esp´ecies altamente ionizadas (Marlborough 1987; Bjorkman 1994). O modelo de disco apre- senta muitas dificuldades, entre elas a limita¸c˜ao de que todas as estrelas rodam com velocidade cr´ıtica, bem como o cen´ario de eje¸c˜oes de mat´eria apenas pelo equador, uma vez que as observa¸c˜oes no ultravioleta sugerem que a mat´eria seja ejetada em todas as dire¸c˜oes desde a superf´ıcie estelar (Snow 1981). Com esses modelos n˜ao ´eposs´ıvel explicar tamb´em as transi¸c˜oes de fase entre um espectro de tipo Be-shell e Be, B ou shell e vice-versa.
Bi-estabilidade de ventos e envelopes
Lamers & Pauldrach (1991) e Lamers & Cassinelli (1999) propuseram o modelo de bi-estabilidade induzido por rota¸c˜ao como mecanismo de forma¸c˜ao do disco. Em um vento conduzido por radia¸c˜ao, Pauldrach & Puls (1990) encontraram duas solu¸c˜oes est´aveis em condi¸c˜oes f´ısicas diferentes. A rota¸c˜ao r´apida das estrelas Be poderia induzir a transi¸c˜ao do vento de uma solu¸c˜ao para outra dentro do envelope; a existˆencia simultˆanea das duas solu¸c˜oes asseguraria um vento polar tˆenue e r´apido, bem como um vento equatorial denso e lento, configura¸c˜ao essa que explica algumas das observa¸c˜oes. Este modelo,util ´ no estudo de estrelas B[e], n˜ao prevˆe densidades suficientes no equador de forma a gerar o disco circunstelar nas estrelas Be. O mecanismo de bi-estabilidade 2.3. Envelopes circunstelares de estrelas Be 23 combinado com a rota¸c˜ao ´e utilizado nos modelos de Stee & Ara´ujo (1994) em forma ad-hoc, atrav´es da parametriza¸c˜ao do incremento da densidade do vento na regi˜ao equatorial.
Modelo de vento comprimido
No modelo de vento comprimido (WCD) de Bjorkman & Cassinelli (1993) a rota¸c˜ao de um vento (impulsionado pela radia¸c˜ao) produz um fluxo de g´as em dire¸c˜ao ao equador. Se a rota¸c˜ao for suficientemente alta, as linhas de fluxo de hemisf´erios opos- tos se interceptam no equador, formando uma regi˜ao de choque densa e confinada ao plano equatorial, onde supostamente ocorreria a forma¸c˜ao de esp´ecies altamente ioni- zadas. Esse modelo foi calculado supondo que o gradiente de press˜ao ´e desprez´ıvel, uma hip´otese v´alida para regi˜oes distantes do disco. N˜ao obstante, quando o material chega ao equador da estrela, a densidade aumenta e esses gradientes se tornam impor- tantes, o que requer um estudo hidrodinˆamico do problema. Esse estudo foi realizado por Owocki et al. (1994), o qual concluiu que, quando as componentes de for¸cas n˜ao radiais s˜ao levadas em conta, a compress˜ao do vento desaparece e, adicionando-se ainda ao modelo o efeito do obscurecimento gravitacional, observa-se uma intensifica¸c˜ao do vento polar (Owocki, Cranmer, & Gayley 1996; Petrenz & Puls 2000). Esse resultado ´eoposto`as predi¸c˜oes originais da teoria de WCD, o qual falha tamb´em em reproduzir o excesso infravermelho observado (Porter 1997).
2.3.4 Mecanismos adicionais de forma¸c˜ao do envelope
Do exposto at´e aqui torna-se evidente que a rota¸c˜ao, e mesmo os ventos impulsiona- dos pela press˜ao de radia¸c˜ao, ainda que sejam fatores importantes e necess´arios para explicar a forma¸c˜ao do envelope, n˜ao s˜ao suficientes sozinhos para prover um modelo consistente com todas as observa¸c˜oes. Em particular, ´eimposs´ıvel explicar algumas das variabilidades das estrelas Be como as mudan¸casdefaseBe⇔ B ou Be-shell sem recorrer a algum outro mecanismo desencadeante adicional. Outras teorias alternativas ou complementares que favorecem a forma¸c˜ao do envelope s˜ao:
1. eje¸c˜oes discretas de mat´eria; 2.4. Teoria das Pulsa¸c˜oes N˜ao Radiais 24
Figura 2.1: Localiza¸c˜ao no diagrama HR dos principais grupos de estrelas vari´aveis (adaptado de Unno et al. 1989).
2. mecanismos de transferˆencia de massa em sistemas bin´arios;
3. pulsa¸c˜oes n˜ao radiais;
4. campos magn´eticos.
2.4 Teoria das Pulsa¸c˜oes N˜ao Radiais
O estudo das pulsa¸c˜oes n˜ao radiais (PNR) em estrelas early-type teve seu in´ıcio a par- tir do trabalho realizado por Ledoux em 1951, o qual demonstrou que o longo per´ıodo fotom´etrico (de ∼ 50 horas) observado na estrela HD 44743 (β CMa) poderia ser explicado em termos de um fenˆomeno de batimento entre dois modos de pulsa¸c˜ao. Investiga¸c˜oes realizadas posteriormente mostraram que um grande n´umero de objetos apresenta variabilidades similares, aparecendo confinadas a regi˜oes espec´ıficas do dia- grama Hertzprung-Russell (doravante diagrama HR) conforme ilustra a Figura (2.1). Historicamente, os efeitos das pulsa¸c˜oes n˜ao radiais sobre os perfis de linha espec- trais foram iniciados por Osaki (1971), cujo trabalho demonstrou que as oscila¸c˜oes introduzem varia¸c˜oes peri´odicas em larguras equivalentes e profundidades de perfis es- pectrosc´opicas. As pesquisas das assim chamadas varia¸c˜oes dos perfis de linhas (vpl) 2.4. Teoria das Pulsa¸c˜oes N˜ao Radiais 25 em outras al´em das da classe das β Cephei apresentou poucos avan¸cos at´eoadvento do trabalho de Smith & Karp (1976), atrav´es do qual verificou-se a incidˆencia de vpl de pequenas amplitudes em perfis de estrelas O8 e B5. No ano seguinte, Smith (1977), baseado nas previs˜oes de Osaki (1971), mostrou que as vpl poderiam ser explicadas com sucesso como um efeito das PNR, e sugeriu que esse fenˆomeno se extende al´em da regi˜ao das β Cephei no diagrama HR. O desenvolvimento das t´ecnicas de modelagem das vpl em anos seguintes (Smith 1978; Buta & Smith 1979; Smith 1981) estabeleceu uma nova classe de pulsadores, as vari´aveis 53 Per, distinta das β Cephei por n˜ao exi- birem varia¸c˜oes em velocidade radial de longo termo nem varia¸c˜oes de grande escala temporal, ocupando uma regi˜ao mais extensa do diagrama HR. Uma caracter´ıstica peculiar das estrelas 53 Per reside no fato de apresentarem linhas espectrais estreitas, indicando que suas velocidades de rota¸c˜ao s˜ao baixas. A primeira detec¸c˜ao de vpl em estrelas early-type com linhas alargadas foi feita por Walker et al. (1979), o qual observou padr˜oes em emiss˜ao (com intensidades inferiores a 1% do cont´ınuo) migrando do azul para o vermelho no interior da linha de He iλ6678 Ada˚ estrela HD 149757 (ζ Oph). Os autores desse trabalho sugeriram que os assim chama- dos bumps eram gerados pela migra¸c˜ao de manchas (spots) ao longo do disco estelar. Contudo, Vogt & Penrod (1983) mostraram que as variabilidades observadas em HD 149757 eram modeladas com sucesso por frentes de onda migrat´orias na superf´ıficie estelar (PNR). Nos anos subseq¨uentes, foram detectadas vpl em muitas outras estre- las early-type com linhas alargadas, o que levouacria¸ ` c˜ao de uma segunda classe de estrelas conhecida como vari´aveis ζ Oph. A` semelhan¸ca das vari´aveis 53 Per, as estre- las dessa nova categoria encontram-se ao longo de tipos espectrais O e B, com classes luminosidade entre I e V. Para que um modo de PNR seja excitado em uma estrela qualquer, ´e necess´aria a existˆencia de um mecanismo atrav´es do qual a energia t´ermica proveniente do n´ucleo estelar seja convertida em vibra¸c˜oes ac´usticas. A natureza desses mecanismos f´ısicos, no caso das vari´aveis ζ Oph e 53 Per, continua at´eosdiasdehojeaserumaquest˜ao em aberto. No caso das vari´aveis β Cephei e SPB (slowly pulsating B stars), atribui-se aocorrˆencia de vpl ao chamado mecanismo-κ (Cox et al. 1992), similar ao presente nas vari´aveis δ Cephei. Esse mecanismo ´e caracterizado por varia¸c˜oes abruptas na 2.4. Teoria das Pulsa¸c˜oes N˜ao Radiais 26 opacidade da zona de ioniza¸c˜ao devidoapresen¸ ` ca de elementos do grupo do ferro, o que impede a livre passagem do fluxo radiativo e a energia excedente ´e convertida em energia de oscila¸c˜ao. As estrelas vari´aveis de tipos ζ Oph e 53 Per, por outro lado, ocorrem em regi˜oes pobres em ferro, como as Nuvens de Magalh˜aes e aglomerados de baixa metalicidade, e dessa forma ´epoucoprov´avel que esse mecanismo seja o respons´avel pela excita¸c˜ao de modos de pulsa¸c˜ao para esses objetos. Uma possibilidade para essas estrelas reside no mecanismo proposto por Lee & Saio (1986, 1987), onde a convec¸c˜ao, presente nas regi˜oes centrais da estrela, produz oscila¸c˜oes de modo-g de alta ordem queentramemressonˆancia com as camadas superficiais e induzem o aparecimento de oscila¸c˜oes n˜ao radiais.
2.4.1 Caracteriza¸c˜ao dos modos pulsacionais
Como as amplitudes das oscila¸c˜oes n˜ao radiais s˜ao relativamente pequenas se compara- das com o diˆametro da estrela, podemos trat´a-las como perturba¸c˜oesemumestado de equil´ıbrio esf´erico. Desprezando-se os efeitos da rota¸c˜ao da estrela ou de campos magn´eticos e, assumindo que o estado n˜ao perturbado est´aemequil´ıbrio independente m iσt do tempo, ent˜ao as perturba¸c˜oes da vari´aveis f´ısicas s˜ao proporcionais a Y (θ, φ)e , m onde Y s˜ao harmˆonicos esf´ericos, θ ´e a colatitude, φ ´eoˆangulo azimutal, σ ´ea freq¨uˆencia angular e t o tempo. Pode-se descrever um modo pr´oprio de oscila¸c˜ao da estrela (modo normal) atrav´es de trˆes quantidades, n, e m, e a perturba¸c˜ao total em umpontodaestrela´e a soma das perturba¸c˜oes introduzidas por cada modo pr´oprio de oscila¸c˜ao: