UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Comportamento e análise bioacústica do repertório vocal da Lontra longicaudis (Olfers, 1818), Rio Grande do Norte, Brasil.

IZABELA COSTA

Orientador: Prof. Dr. Gilberto Corso Co-orientador: Profª. Drª. Renata Santoro de Sousa-Lima

NATAL – RN 2020

IZABELA COSTA LAURENTINO

Comportamento e análise bioacústica do repertório vocal da Lontra longicaudis (Olfers, 1818), Rio Grande do Norte, Brasil.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- graduação em Ciências Biológicas do Centro de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Gilberto Corso Coorientadora: Profª. Drª. Renata Santoro de Sousa-Lima

NATAL – RN 2020

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Leopoldo Nelson - •Centro de Biociências - CB

Laurentino, Izabela Costa. Comportamento e análise bioacústica do repertório vocal da Lontra longicaudis (Olfers, 1818), Rio Grande do Norte, Brasil / Izabela Costa Laurentino. - Natal, 2020. 85 f.: il.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Biociências. Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas. Orientador: Prof. Dr. Gilberto Corso. Coorientadora: Profa. Dra. Renata Santoro Sousa Lima.

1. Mamíferos - Lontra Neotropical - Dissertação. 2. Latrinas - Dissertação. 3. Comunicação - Dissertação. I. Corso, Gilberto. II. Lima, Renata Santoro Sousa. III. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. IV. Título.

RN/UF/BSCB CDU 599.74

Elaborado por KATIA REJANE DA SILVA - CRB-15/351

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Título da tese: Comportamento e análise bioacústica do repertório vocal da Lontra longicaudis (Olfers, 1818) no Rio Grande do Norte, Brasil.

Autora: Izabela Costa Laurentino

Orientador: Prof. Dr. Gilberto Corso

Coorientador: Profª. Drª. Renata Santoro de Sousa-Lima

Data da defesa: 19 de agosto de 2020

Parecer:

Banca examinadora:

______Prof . Dr. Gilberto Corso (presidente) Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

______Prof.ª. Drª. Renata Santoro de Sousa-Lima Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

______Drª. Luane Maria Stamatto Ferreira Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

______Prof.ª Drª. Caroline Leuchtenberger Instituto Federal de Farroupilha (IFF/RS)

Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus por me dar saúde, inteligência e força de vontade para não desistir. Em especial aos meus pais, Francisco de Assis e Lenira, por todo amor e carinho e incentivo nas horas mais difíceis, obrigada pela torcida por acreditarem no meu potencial de nunca desistir. A Rafael Turíbio, companheiro que escolhi para vida, obrigado pelo apoio que é fundamental em todas as etapas deste projeto, desde a escolha das áreas de estudo, logística, às inúmeras andanças em campo, e aos cuidados comigo. Também pela paciência e compreensão nos momentos mais difíceis, e pelos maravilhosos momentos compartilhados em campo, sem você tudo seria um pouco mais difícil. Agradeço aos meus sogros, Nilza e Paulo, por contribuir de forma direta e indireta na realização deste trabalho, e em especial ajudando e acreditando nas pesquisas vinculadas ao Projeto Lontra Viva.

Agradeço ao meu magnífico orientador Dr. Gilberto Corso, que abraçou a realização desta pesquisa em prol da conservação da Lontra longicaudis do Rio Grande do Norte, sempre mostrando confiança em meu trabalho, incentivando a buscar novos conhecimentos. Obrigado por todos os ensinamentos ao longo desses anos, pelo apoio e paciência durante esse projeto, por me ajudar de todas as formas, sempre me incentivando e discutindo sobre cada ideia de forma otimista. Obrigado de coração, por todo auxílio cedido e pela amizade, sempre mostrando-se prestativo e atencioso quando mais precisei, dando-me a oportunidade de concluir esta meta no Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas.

Agradeço à minha espetacular coorientadora Prof.ª Dr.ª Renata Sousa-Lima por sua confiança nesse trabalho, por ter sido a minha iniciadora no mundo da pesquisa, mais precisamente, agradeço por ter me ensinado princípios básicos de respeito e ética profissional. Obrigado por todos nossos momentos de estudo, trabalhos, convivências, divertimentos, angústias e compartilhamento de sonhos. Será inesquecível a excelente oportunidade em poder trocar experiências com você, reflexões e opiniões que me fizeram ser uma profissional e uma pessoa melhor, pois sem a sua amizade esse projeto não seria possível.

Agradeço a família do Laboratório de Bioacústica da UFRN, em especial mais uma vez a Prof.ª Dr.ª Renata Sousa Lima, por emprestar os equipamentos do Laboratório para realização da pesquisa em campo. Muito obrigada Samara, Cibele, Luane, Lara e Luane, as quais eu procurei com mais frequência para esclarecer dúvidas e sempre todas se mostraram dispostas.

Enfim, meus agradecimentos também vão a todos outros integrantes do Laboratório, que sempre apoiaram a pesquisa de forma positiva, em destaque à Maria Rosiemillia, como aluna de Iniciação Científica no qual me ajudou em algumas análises dos sons gravados por horas e horas, fazendo com que os gráficos do RAVEN ficassem mais detalhados.

Assim como todos os colaboradores diretos da estruturação da ideia e desenvolvimento do projeto de pesquisa, o Prof. Dr. Umberto, coordenador do PPGCB-UFRN, pelas horas de conversas no qual se preocupava em dizer “você está fazendo muita coisa, cuidado pra não perder os prazos”, ao Prof. Dr. Jonas Oliveira por me apoiar e ajudar na revisão do texto dessa Dissertação, ao grande idealizador Prof. Dr. Bruno Lobão (UFRN), que me apresentou “o polvo” e a partir dele conseguimos várias vertentes na pesquisa, especialmente com a Prof.ª Dr.ª Renata Sousa-Lima, e consequentemente também afinamos parcerias com as Prof.ª Dr.ª Lilian Zaros (Coleta de fezes - Laboratório de Parasitologia - UFRN), Prof.ª Dr.ª Simone Almeida (Coleta de carcaças - Museu de Morfologia - UFRN) e ao Prof. Dr. Mauro Pichorin (Departamento de Botânica e Zoologia - UFRN) por ajudar na identificação de sons produzidos pelas aves noturnas nos vídeos capturados por câmeras traps.

Ao Programa de Pós Graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte pela oportunidade e estrutura oferecida, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa concedida, e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Conselho de Ética da UFRN (CEUA) pelas licenças concedidas.

Gostaria de agradecer a todos que de algum modo me auxiliaram e que eu envolvi nas atividades relacionadas à produção desse trabalho. Como todo projeto de conservação, acredito que parte do princípio para a realização e sucesso do trabalho vem decorrente das pessoas as quais você consegue cativar com o propósito, dessa forma, tornando essas pessoas parte atuante de todo um processo que visa a conservação da biodiversidade, e por consequência, um mundo melhor.

E às , animais espetaculares, lindas às vezes desengonçadas mas tão misteriosas e fantásticas, que mesmo ao insistir em vê-las, me permitiam serem vistas várias vezes por câmeras traps, no qual deixaram seus rastros ao longo do caminho da pesquisa, comprovando

sua presença e resistência diante das condições mais adversas, bem como por me oferecem um campo de trabalho repleto de desafios e realizações.

Por fim, agradeço profundamente a todos que, direta ou indiretamente auxiliaram esta pesquisa divulgando o Projeto Lontra Viva (através das redes sociais e entrevistas), que atua no Estado do Rio Grande do Norte desde o ano de 2012, destacando os trabalhos realizados em prol da conservação da Lontra longicaudis.

Enfim, obrigada a todos.

Izabela Costa Laurentino 2020

“Consagre ao Senhor tudo o que você faz, e os seus planos serão bem-sucedidos”. Provérbios 16:3

Resumo

A Lontra longicaudis (Olfers, 1818) é um mamífero carnívoro com membranas interdigitais nos dedos das patas que permitem uma excelente adaptação ao estilo de vida semiaquático. Representantes da família Mustelidae e subfamília Lutrinae. A L.longicaudis possui uma das mais amplas distribuições geográficas, ocorrendo do norte do México até a Argentina. É um animal arisco e de difícil visualização, pois possuem, em geral, hábitos noturnos e crepusculares, principalmente no Nordeste do Brasil. Uma das maneiras de se estudar o habitat da espécie é através da observação indireta, juntamente com vestígios como carcaças, rastros, latrinas, muco anal e fezes. Apesar da distribuição da espécie ser considerada pelo IUCN (International Union for Conservation of Nature) como “Dados Insuficientes”, estudos recentes descrevem que a espécie é classificada como “Quase ameaçada” no Nordeste do Brasil e “Vulnerável” no domínio de Mata Atlântica devido ao alto nível de degradação do hábitat. Causas que ameaçam as lontras são os conflitos com pescadores e proprietários de psicultura e carcinicultura, consequentemente o desmatamento das margens dos rios. Pelo presente trabalho, já foram confirmados confirmou-se a ocorrência de L.longicaudis em 19 municípios inseridos em 08 bacias hidrográficas, no qual 12 desses municípios estão inseridos no Litoral Oriental do Estado. Dentre os 19 municípios, 13 estão inseridos em área de Mata Atlântica e 09 estão inseridos em Áreas de Proteção Ambiental (APA Bonfim Guaraíras e Piquiri-Una). Destacamos o município de Nísia Floresta, onde foi confirmado o número maior de ocorrência da espécie nos rios, possivelmente devido a concentração de atividades de psicultura carcinicultura. Através das latrinas, conseguimos registrar a presença de 09 espécies de vertebrados (mamíferos, répteis e aves) que utilizam o local oportunisticamente para se alimentar das fezes e/ou obter alimentos, como por exemplo os insetos. Os resultados revelaram que a dependência alimentar na Mata Atlântica não é sazonal, apresentando baixa relação com períodos menos produtivos (estação seca) ou de escassez de alimentos. Além disso, os indivíduos que comeram nas latrinas não têm os mesmos hábitos alimentares das lontras. Espécies insetívoras estão usando as latrinas para se alimentarem, mas eles podem não estar necessariamente consumindo matéria fecal, mas sim predando a fauna de invertebrados associada com as latrinas. Mesmo espécies herbívoras, como a iguana, acredita-se que esteja consumindo as fezes das para adquirir nutrientes importantes. Em geral, o consumo fecal de mamíferos, limitado a duas das cinco espécies de mamíferos capturadas em vídeo, não diferem significativamente de outros taxa. Portanto, latrinas comunitárias de Lontras Neotropicais são um importante recurso alimentar que volta para a comunidade de vertebrados da Mata Atlântica e invertebrados. Com

relação as gravações realizadas, registramos um total de 83 filmagens de lontras, comprovando que a espécie no Rio Grande do Norte é bastante ativa no período noturno e/ou crepuscular, no qual através de uma análise comportamental das lontras em suas latrinas, formulamos um etograma com base em estudos já realizados com a espécie em cativeiro. Assim, podemos perceber que lontras em cativeiro possuem um comportamento mais limitado do que as lontras que estão em seu habitat natural. Não que a espécie limite seu comportamento em cativeiro, mas no habitat natural, mesmo sendo um mamífero topo de cadeia alimentar (semiaquático), conforme registros, os machos se deslocam frequentemente para realizar sua marcação territorial, forragear, bem como, possivelmente ir a procura de fêmeas para acasalamento. Portanto, comportamentos sociais da espécie, foram observados nos trazendo informações úteis sobre algumas e possíveis funções, se tratando da existência da comunicação intraespecífica nas latrinas, contradizendo um pouco da literatura, no qual esta descreve na maioria das vezes que a L. longicaudis possui hábitos solitários. Através de um sistema de vigilância por câmeras traps juntamente com o gravador Song Meter, realizamos gravações de áudios da Lontra longicaudis em habitat natural. As gravações foram analisadas através do programa RAVEN disponibilizado pelo Cornell Lab of Ornithology, no qual descrevemos 7 tipos de vocalizações da Lontra Neotropical em habitat natural. Os resultados mostraram tipos vocais semelhantes com das espécies Lutra lutra, Enhydra lutris, e Lontra canadensis. O repertório vocal descrito é composto por sete tipo de som, onde quatro já foram descritos anteriormente por outras espécies, como o “whine” (Enhydra lutris), “chirp” (Lutra lutra), “grunt” (Enhydra lutris), e “blow” (Lutra lutra). Este é o primeiro estudo à examinar os comportamentos sociais de L.longicaudis em latrinas, bem como o seu repertório vocal, ambos de grande importância para conservação da espécie. Nesse aspecto, para reverter a situação do seu Estado de Conservação “Quase Ameaçada (NT) ou Vulnerável”, antes que a L. longicaudis se encontre “Ameaçada” e posteriormente entre em “Extinção”, faz-se necessário uma série de medidas públicas ,, em especial: [i] melhoraria da legislação vigente;[ii] maior investimento em educação e programa de proteção ambiental; [iii] aperfeiçoamento do controle da poluição e desmatamento.

Palavras Chaves: Lontra Neotropical; Latrinas; Bioacústica e Comportamento Social.

Lista de Figuras

Capitulo 1.

Figura 1. Registros de Lontra longicaudis nos municípios. A. Ceará Mirim. B. Macaíba. C. Tibau do Sul. D. São Gonçalo do Amarante. E. Parnamirim. F. Nísia Floresta. G. São José de Mipibu. Registros de fezes com muco anal e pegadas de Lontra longicaudis nos municípios de. H. Extremoz. I. Senador Georgino Avelino. J. Ares. K. Goianinha. L. Pedro Velho. M. Canguaretama. N. Montanhas. O. Baia Formosa e P. Vila Flor.

Figura 2. Registros de Lontra longicaudis (Olfers, 1818), (1) nordeste do Brasil e (2) estado do Rio Grande do Norte. Ocorrência nos municípios do Rio Grande do Norte, bacias hidrográficas com predominância de Mata Atlântica. Tipo de registro: F. Pegadas. S. Sinais (latrinas e muco anal). I. Entrevistas. C. Carcaça. CT. Câmera Trap.

Capítulo 2.

Figura 1. Diagrama esquemático do local do estudo mostrando a colocação das armadilhas da câmera de vídeo e a posição dos cinco Latrinas de lontras neotropicais. As imagens foram modificadas de Fotosearch.com, Depositphotos.com e Smartkids.com.

Figura 2. A: Armadilha da câmera de vídeo (círculo superior) e latrina (elipse inferior); B: lontra neotropical capturada por vídeo defecando.

Figura 3. Número de defecação de lontras e marcação de aromas visitas (triângulos vazios) e visitas em que indivíduos matéria fecal consumida das latrinas (quadrados pretos) nas latrinas comunais das lontras neotropicais, Lontra longicaudis, a 2 m de extensão ao longo do rio Boa Cica, município de Nísia Floresta / RN, Brasil.

Figura 4. Exemplos de capturas de vídeo de espécies visitantes registradas no local do estudo durante o dia e a noite no latrinas comunais de lontras neotropicais, Lontra longicaudis, ao longo do rio Boa Cica, município de Nísia Floresta / RN, Brasil: A - Procyon cancrivorus; B - Cerdocyon thousand; C - Sylvilagus brasiliensis; D - Rattus norvegicus; E – Didelphis albiventris; F - Tigrisoma lineatum; G - Aramidas saracura; H - Tupinambis teguixina; I - Iguana-iguana.

Figura 5. Representação visual da cadeia alimentar em latrinas comunais de Lontra longicaudis. Imagens foram modificados a partir de Supercoloring.com; Canstockphoto.com e Dreamstime.com.

Capítulo 3.

Figura 1. Localização aproximada das latrinas, ambas próximas aos rios Campo de Santana e Boa Cica, localizados no município de Nísia Floresta. A) Mapa do Brasil, B) Nordeste do Brasil, C) Estado do Rio Grande do Norte.

Figura 2. Alguns modelos dos registros comportamentais de Lontra longicaudis em latrinas, localizadas no município de Nísia Floresta. A. Deslocamento, B. Cheirar, C. Defecar e urinar, D. Esfregar, E. Marcação de cheiro, F. Interação entre indivíduos, G. Cavar e H. Higiene (catar ou coçar).

Figura 3. Total geral das gravações que ocorreram nas latrinas (com a presença de lontra e sem a presença de lontra) via câmera trap nas estações do ano: Verão, Outono, Inverno e Primavera.

Figura 4. Números de observação de lontras e o número de filmagem que não foi registrado a presença de lontra e a probabilidade de se registrar indivíduos nas estações.

Figura 5. O número de gravações (59) de Lontra longicaudis (machos e fêmeas) realizadas nas latrinas, ao longo do ciclo cicardiano. O gráfico evidencia um comportamento crepuscular uma vez que os registros estão concentrados entre 18h e 21h.

Capítulo 4.

Figura 1. Imagens do local do estudo (latrinas). A: Equipamentos (câmera trap e gravador), B: Imagem de um indivíduo; C: Imagem de dois indivíduos; e D: Imagem de três indivíduos.

Figura 2. Imagens dos espectrogramas feitos no Programa R, para os tipos de chamada: A) Tipo 1; B) Tipo 2; C) Tipo 3 (da faixa de frequência entre 6 e 8, ocorre uma interação do habitat natural, com a presença de chuvas e movimentos da vegetação Guadua ssp.); D) Tipo 4; E) Tipo 5; F) Tipo 6 e G) Tipo 7. O eixo Y representa a frequência (kHz) e o eixo X representa o tempo (s).

Figura 3. Imagem do espectrograma onde registrou indivíduo adulto (mãe) juntamente com um filhote em uma latrina.

Figura 4. Imagem do espectrograma onde registrou dois indivíduos adultos em uma latrina.

Lista de Tabelas

Capítulo 2.

Tabela 1. Lista das espécies capturadas em vídeo nas latrinas comunais de Lontra longicaudis ao longo de um trecho de 2 m ao longo das margens do Rio Boa Cica em 2018. (Guilda trófica: HER = herbívora, INS = insetívora, CAR = carnívora e OMN = onívora).

Capítulo 3.

Tabela 1. Etograma dos comportamentos da Lontra longicaudis registrados nas latrinas. A frequência observada para cada comportamento observado está registrado em ”N”.

Tabela 02. Novas hipóteses no qual diferenciam os machos adultos, machos juvenis e fêmeas em latrinas de Lontra longicaudis. MA: Macho adulto; MJ: Macho juvenil e LNI: Não identificados.

Capítulo 4.

Tabela 1. Estatísticas descritivas para todos os tipos vocais produzidos pela Lontra longicaudis (Olfers, 1818) entre as variáveis (Média ± DP). Para as análises separamos os tipos de chamadas por: Frequência Baixa (LF); Frequência Alta (HF); Frequência Média (CTF); Frequência Fundamental (PF); Potência Máxima (MXP); Potência Média (AVP), Delta Time (DT) e Delta Frequency (DF) e comparamos com os tipos de classificação de Almonte, 2014.

Tabela Anexo. Caracterização dos tipos vocais produzidos pela Lontra longicaudis (Olfers, 1818). Para as análises separamos os tipos de chamadas por: Frequência Baixa (LF); Frequência Alta (HF); Frequência Média (CTF); Frequência Fundamental (PF); Potência Máxima (MXP); Potência Média (AVP), Delta Time (DT) e Delta Frequency (DF).

SUMÁRIO Introdução Geral ...... 12 Capítulo 1 ...... 16 Novos registros e atualizações sobre a distribuição geográfica de Lontra longicaudis (Olfers, 1818) no Estado do Rio Grande do Norte, Brasil...... 16 Resumo ...... 17 Abstract ...... 17 Introdução ...... 18 Material e Métodos ...... 18 Resultados ...... 19 Discussão ...... 22 Referências ...... 24 Capítulo 2 ...... 27 Comer ou não comer: ingestão e evitação do conteúdo fecal das latrinas comunais de Lontra longicaudis (Olfers, 1818) ...... 27 Resumo ...... 28 Abstract ...... 28 Introdução ...... 29 Materiais e métodos ...... 31 Resultados ...... 32 Discussão ...... 35 Referências ...... 38 Capítulo 3 ...... 41 Latrinas Comunais de Lontra longicaudis (Olfers, 1818): Centro de informação social ou toalet público? ...... 41 Resumo ...... 42 Abstract ...... 42 Introdução ...... 43 Material e Métodos ...... 44 Resultados ...... 47 Discussão ...... 53 Referências ...... 48 Capítulo 4 ...... 56 Análise Bioacústica do repertório vocal da Lontra longicaudis (Olfers, 1818) no Rio Grande do Norte, Brasil...... 61 Abstract ...... 62 Resumo ...... 62 Introdução ...... 63 Material e Métodos ...... 64 Resultados ...... 66 Discussão ...... 71 Referências ...... 75 Conclusão ...... 78 Referência Extra Textual ...... 80 Anexos ...... 83 Justificativa de Ética ...... 83 Apêndices ...... 84

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INTRODUÇÃO GERAL

A Lontra longicaudis (Olfers, 1818), também conhecida como Lontra Neotropical, é um mamífero da ordem Carnivora que integra a família Mustelidae, a qual possui 22 gêneros agrupados em duas subfamílias, Lutrinae e Mustelinae (WILSON, 2005). Dentro desta família, a L. longicaudis pertence subfamília Lutrinae juntamente com outras 12 espécies de lontras (Koepfli et al. 2008), as quais estão agrupadas em seis gêneros (Aonyx, Enhydra, Lutrogale, Pteronura, Lutra e Lontra - KRUUK, 2006) distribuídos por todos os continentes, exceto Austrália e Antártica (FOSTER-TURLEY et al., 1990). Três outras espécies de lontra também ocorrem na região Neotropical: Lontra felina (Peru e Chile), Lontra provocax (Argentina e Chile) e Pteronura brasiliensis (Brasil), esta última ocorrendo juntamente com L. longicaudis em algumas áreas de sua distribuição geográfica. A Lontra Neotropical é um animal de médio porte que apresenta o corpo alongado com tamanho corporal total entre 90 a 130 cm, seu peso pode variar entre 5 a 12 kg, possui uma pelagem densa e curta de coloração geral marrom-pardacenta, levemente mais clara na região ventral, especialmente na garganta (BERTONATTI e PARERA, 1994). É uma espécie de hábito semiaquático e, portanto, apresenta algumas adaptações morfológicas para a locomoção na água, tais como patas apresentando membranas interdigitais, cauda longa levemente achatada na extremidade e grandes vibrissas (EMMONS, 1990; SILVA, 1994), as quais têm papel importante na propulsão e locomoção do animal embaixo d’água, bem como na localização de presas (CIMARDI, 1996). A L.longicaudis possui uma das mais amplas distribuições geográficas, abrangendo uma faixa contínua que inicia na região noroeste do México e estende-se até o norte da Argentina (FOSTER-TURLEY et al., 1990; CHEBEZ, 1999; EISENBERG e REDFORD, 1999), ocorrendo em todo o território brasileiro (EMMONS, 1990). Desta forma, L. longicaudis é reconhecida como sendo a espécie de lontra mais amplamente distribuída na América do Sul, podendo ser encontrada em ambientes de lagos, rios e estuários (FOSTER-TURLEY et al., 1990). Ainda são poucos estudos sobre a Lontra Neotropical, mesmo com o aumento de trabalhos nos últimos anos, estes são, em sua grande maioria, geograficamente restritos e/ou direcionados a registros de ocorrência e distribuição local (Parera, 1993; Ramírez-Bravo, 2010) e análises da composição da dieta e uso do habitat (DE ANDRADE et al., 1997; PARDINI e TRAJANO, 1999; COLARES e WALDEMARIN, 2000; QUADROS e MONTEIRO-FILHO, 2001; RHEINGANTZ et al., 2011). Alguns estudos sobre reprodução e fisiologia da espécie foram realizados com a espécie em cativeiro (COLARES e BEST, 1991) e outros sobre a

13 história evolutiva e ecologia molecular da espécie (TRINCA, 2012) e o mais recente referente aos animais vertebrados que utilizam suas latrinas como fonte de alimento (LAURENTINO et al., 2019). Ainda existe uma carência de estudos sobre a Lontra Neotropical, por esta espécie se tratar de um animal de difícil visualização na natureza, não apenas por possuir hábitos solitários, noturnos e crepusculares, mas também por ser arisco e apresentar vocalização discreta e comportamento elusivo (MACDONALD, 1990), o que dificulta consideravelmente a condução de investigações ecológicas sobre sua área de vida, estruturas familiares, padrões populacionais e de comportamento. Contudo, a amostragem de vestígios é um método não invasivo, fácil de implementar e de baixo custo, quando comparado com outras metodologias utilizadas em estudos de distribuição e preferências de hábitat das espécies (ROSAS-RIBEIRO et al., 2017; LAURENTINO et al., 2020). Em termos de status de conservação, a lontra neotropical é classificada como “Dados Insuficientes” pela IUCN (WORLD CONSERVATION UNION; WALDEMARIN e ALVAREZ, 2008), e consta no Apêndice I (Espécies Ameaçadas”) da CITIES (Convention on the International Trade in Endangered Species of Fauna and Flora), a qual regula o comércio internacional de espécies ameaçadas. No Brasil, esta espécie foi recentemente retirada da lista nacional de espécies ameaçadas (MMA, 2008), embora em três Estados da federação (Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul) a espécie é considerada “Vulnerável” (MACHADO, et al., 1998; INDRUSIAK e EIZIRIK, 2003). De acordo com Rodrigues et al. (2013), a espécie é considerada “Vulnerável” no bioma Floresta Atlântica, especialmente na Floresta Atlântica nordestina, onde existe uma forte tendência de declínio populacional devido à degradação ambiental do bioma na região. Entre os anos 1960 a 1970 houve a ameaça de extinção da espécie devido à comercialização da sua pele, por possuir alto valor comercial no mercado internacional. Nos tempos atuais, as principais ameaças a esta espécie compreendem a perda e fragmentação do habitat, atropelamentos em estradas (MACDONALD e MASON, 1994), constantes conflitos com proprietários de psicultura (WALDEMARIN e ALVAREZ, 2008) e poluição das águas por dejetos orgânicos, produtos químicos e pesticidas agrícolas (MACDONALD e MASON, 1985; WALDEMARIN e ALVAREZ, 2008). De acordo com Macdonald e Mason (1990), a poluição pode causar efeitos diretos (intoxicação do animal resultando na morte ou redução do sucesso reprodutivo) ou indiretos (atinge o suprimento de alimento ou destruição do habitat). Estudos recentes apresentam informações que a L.longicaudis possui uma ampla expansão de distribuição em áreas de biomas Caatinga e Mata Atlântica (ROSAS-RIBEIRO et

14 al., 2017). Considerando as recomendações de Rheingantz et al. (2014), o mapa de distribuição da espécie do território brasileiro foi atualizado. Apesar da baixa ocorrência, o Nordeste do Brasil é considerada uma área prioritária para estudos futuros, pois esta região é considerada a mais seca de todo o país (RHEINGANTZ et al. 2014; ROSAS-RIBEIRO et al., 2017). Os registros atuais no Estado do Rio Grande do Norte, mostram que a população de lontras está localizada em bacias hidrográficas entre os biomas Caatinga e Mata Atlântica (ROSAS- RIBEIRO et al., 2017; LAURENTINO et al., 2020). Em termos comportamentais, apesar das lontras obterem a maior parte de seu alimento no ambiente aquático, ainda depende de habitats terrestres para descansar, dar à luz a seus filhotes e cuidar de seus filhotes (WALDEMARIN e COLARES, 2000; CARVALHO- JUNIOR, 2007). Lontras neotropicais visitam as margens dos rios ao longo de todo o ano, para defecar e marcar seu território, bem como realiza atividades durante a estação seca, que coincide com o período reprodutivo das espécies (PERACCHI et al., 2006). Como não tem hábito de formar grupos, esta espécie é normalmente visualizada sozinha ou em casais (SANTOS, 2011). Em suas latrinas, esta espécie apresenta comportamentos olfativos e de marcação, sugerindo que as latrinas não são usadas apenas para defecar, mas sim, desempenham também um papel fundamental na comunicação podendo ser um centro de informações para monitorar a localização e as atividades de potenciais parceiros e/ou concorrentes (observação pessoal). Logicamente, as Lontras Neotropicais estudadas em cativeiro permitem que sejam observadas a qualquer momento em um período de 24 horas; contudo, utilizando técnicas não invasivas em habitat selvagem o registro da espécie ocorre com maior frequência em suas latrinas (Laurentino et al., 2019). Até o momento, não foi realizado estudos formais do repertório vocal de Lontra longicaudis, com base na literatura, mas, é provável que o repertório seja semelhante a de outras espécies de lontras já realizados com a Enhydra lutris (MCSHANE et al., 1995), Aonyx cinerea (LEMASSON et al., 2014), Lutra lutra (GNOLI e PRIGIONI, 1995), Lontra canadensis (ALMONTE, 2014). Apesar de todas as pesquisas já realizadas com a espécie, pouco se sabe sobre o seu comportamento social, no entanto, será que a L. longicaudis realiza alguma comunicação entre os indivíduos da própria espécie através de suas latrinas? Ou as latrinas servem apenas como banheiro público e fonte de alimento para outros vertebrados? Mesmo sabendo que os mustelídeos de um modo geral possuem repertório vocal, é possível descobrir se esta espécie, com hábitos solitários, vocaliza no seu habitat natural? O objetivo desta pesquisa é atualizar a distribuição da espécie no Estado do Rio Grande do Norte principalmente em área de Mata Atlântica; verificar quais os animais vertebrados utilizam as latrinas como fonte de alimento;

15 expandir conhecimentos referente aos comportamentos observados através dos vídeos capturados por câmeras traps de Lontra longicaudis em habitat natural, investigando se a espécie possui comportamento social de comunicação através de suas latrinas; bem como descrever pela primeira vez o repertório vocal da L.longicaudis em seu habitat natural.

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Capítulo 1

Novos registros e atualizações sobre a distribuição geográfica de Lontra longicaudis (Olfers, 1818) no Estado do Rio Grande do Norte, Brasil.

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Novos registros e atualizações sobre a distribuição geográfica de Lontra longicaudis (Olfers, 1818) no Estado do Rio Grande do Norte, Brasil.

Izabela Laurentino, Rafael Sousa e Gilberto Corso.

Published in The Journal of Biodiversity data Check List: https://doi.org/10.15560/16.1.83

Resumo

Lontra longicaudis (Olfers, 1818), lontra neotropical, é um mamífero de tamanho médio, carnívoro e semi-aquático com uma ampla distribuição geográfica do México até o Uruguai. Embora o número de estudos sobre esta espécie tenha sido aumentando, a grande maioria deles se concentra no uso de dieta e habitat. Este artigo atualiza a distribuição desta espécie fornecendo novos registros em 19 municípios (13 na Mata Atlântica) no estado do Rio Grande do Norte. Estes novos registros são importantes para a conservação de L. longicaudis.

Palavras-chave: Mata Atlântica, Área de Proteção Ambiental, Bacia Hidrográfica, América do Sul.

Abstract

Lontra longicaudis (Olfers, 1818), Neotropical Otter, is a medium-sized, carnivorous, semi- aquatic mammal with a wide geographic distribution from Mexico to Uruguay. Although the number of studies on this species has been increasing, the vast majority of them focus on diet and habitat use. This paper updates the distribution of this species by providing new records from 19 municipalities (13 in the Atlantic Forest) in the state of Rio Grande do Norte. These new records are important for the conservation of L. longicaudis.

Keywords: Atlantic Forest, Environmental Protection Area, river basin, South America.

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Introdução

Lontra neotropical, Lontra longicaudis (Olfers, 1818), é um mamífero carnívoro semi- aquático de tamanho médio da família Mustelidae, com ampla distribuição no Brasil, ocorrendo em quase todos os corpos d'água, como rios, córregos, lagoas e estuários (EISENBERG e REDFORD, 2000; RODRIGUES et al., 2013). Embora encontrado em uma ampla variedade de habitats associados a ecossistemas e estuários de água doce, seu comportamento indescritível se reflete na deficiência de dados sobre sua biologia (SIVASOTHI e NOR, 1994). Apesar de sua ampla distribuição, do México ao Uruguai, e em termos de status de conservação, a Lontra Neotropical é classificada como “Quase Ameaçada” (RHEINGANTZ e TRINCA, 2015). A espécie também é classificada como “Quase Ameaçada” no Nordeste do Brasil; é vulnerável no domínio da Mata Atlântica devido ao alto nível de degradação do habitat (RODRIGUES et al., 2013). Os registros atuais de espécies mostram que a população está localizada em bacias hidrográficas entre os biomas Caatinga e Mata Atlântica (ROSAS- RIBEIRO et al. 2017). No Estado do Rio Grande do Norte, o domínio da Mata Atlântica corresponde a um mosaico de florestas e outros ecossistemas associados, incluindo florestas ombrófilas densas e esparsas, manguezais, restinga e litoral. Atualmente, há uma pressão antrópica crescente nos territórios das lontras por fragmentação de habitat e poluição da água. A consequente degradação dos habitats das espécies justificou a suspeita de que várias populações de lontras neotropicais estão em declínio (MELO, 2013). Para entender melhor a distribuição de L. Longicaudis no estado do Rio Grande do Norte, esta pesquisa teve como objetivo preencher as lacunas nos registros de distribuição e ecologia dessa espécie, principalmente em área de Mata Atlântica ainda pouco conhecida.

Material e Métodos

O estudo foi realizado entre 2017 e 2018, na costa leste do estado, ao longo das oito bacias hidrográficas (Ceará Mirim, Potengi, Pirangi, Trairi, Jacu, Catu, Guaju e Curimataú). As margens dos rios estavam cobertas com a vegetação predominante da Mata Atlântica. Empregamos o banco de dados do Registro Nacional de Unidades de Conservação do Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2015) para pesquisar as unidades de conservação nos níveis federal, estadual e municipal. Compilamos essas informações com o programa ARCGIS 10.1. Posteriormente, visitamos todas as extensões dos rios perenes nos municípios próximos ao Oceano Atlântico. Realizamos entrevistas semi-estruturadas com as comunidades de

19 pescadores ao longo dos rios para obter informações sobre a ocorrência de lontras. Passamos cinco dias em cada município e trabalhamos em torno de 5 km do rio por dia a pé, de barco e carro. Concluímos 190 entrevistas, com dez pessoas de cada município. Com base nas entrevistas, procuramos sinais diretos e indiretos da lontra. Os principais sinais da presença de lontras foram carcaças, fezes, marcas de garras de pegadas e latrinas. Os trechos do rio foram navegados usando um motor externo (velocidade controlada ≤ 7 km / h), andando de caiaque ou andando pelas trilhas, dependendo das condições do habitat. Durante o trabalho de campo, usamos uma câmera fotográfica, binóculos e GPS. As câmeras das armadilhas foram colocadas perto de enseadas, trilhas ou latrinas frescas para obter registros fotográficos das espécies, conforme a autorização do ICMBio nº 32910.

Resultados

Novos registros. : Rio Grande do Norte:

Ao longo da bacia hidrográfica do Ceará Mirim: • Município: Ceará Mirim (05°38’16”S, 035°23’03”W), Maio 2017, carcaça e fezes (Fig. 1A). • Município: Extremoz (05°42’19”S, 035°16’48”W), Junho 2017, carcaças e fezes (Fig.1H). • Município: São Gonçalo do Amarante (05°47’35”S, 035°19’22”W), Julho 2017, carcaças e fezes (Fig. 1D).

Ao longo da bacia hidrográfica do Potengi: • Município: Macaíba (05°52’04”S, 035°27’41”W), Agosto 2017, carcaça e fezes (Fig.1B).

Ao longo da bacia hidrográfica do Pirangi • Município: Parnamirim (05°59’04”S, 035°07’39”W), Setembro 2017, fezes, muco anal e registro via câmeras traps (Fig. 1E). • Município: Nísia Floresta (06°07’23”S, 035°07’32”W), Outubro 2017, fezes e registro via câmeras traps (Fig. 1F).

Ao longo da bacia hidrográfica do Trairi • Município: São José de Mipibu (06°66’04”S, 035°15’30”W), Novembro 2017, fezes e registro via câmeras traps (Fig. 1G).

Ao longo da bacia hidrográfica do Catu: • Município: Senador Georgino Avelino (06°08’46”S, 035°09’15”W), Dezembro 2017, fezes e pegadas (Fig. 1I). • Município: Arês (06°12’19” S, 035°08’52”W), Janeiro 2018, fezes e pegadas (Fig. 1J). • Município: Tibau do Sul (06°16’58” S, 035°02’43”W), Fevereiro 2018, carcaças e fezes (Fig. 1C). • Município: Vila Flor (06°19’37” S, 035°05’10”W), Março 2018, fezes e pegadas (Fig. 1P).

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Ao longo da bacia hidrográfica do Guaju • Município: Baia Formosa (06°27’17”S, 035°58’48”W), Abril 2018, fezes (Fig. 1O).

Ao longo da bacia hidrográfica do Curimataú • Município: Canguaretama (06°24’52”S, 035°11’09”W), Maio 2018, carcaças, fezes e pegadas (Fig. 1M). • Município: Pedro Velho (06°25’05”S, 035°13’50”W), Junho 2018, fezes e pegadas (Fig. 1L). • Município: Montanhas (06°28’20”S, 035°16’16”W), Julho 2018, fezes e pegadas (Fig. 1N).

Ao longo da bacia hidrográfica do Jacu • Município: Goianinha (06°15’15”S, 035°13’04”W), Agosto 2018, fezes (Fig. 1K). • Município: Santo Antônio (06°19’23”S, 035°26’57”W), Setembro 2018, entrevistas, nas quais afirmam a existência de lontra. • Município: São José do Campestre (06°19’42”S, 035°42’02”W), Junho 2018, entrevistas, nas quais afirmam a existência de lontra. • Município: Passagem (06°16’51”S, 035°23’52”W), Outubro 2018, entrevistas, nas quais afirmam a existência de lontra.

Figura 1. Registros de Lontra longicaudis nos municípios. A. Ceará Mirim. B. Macaíba. C. Tibau do Sul. D. São Gonçalo do Amarante. E. Parnamirim. F. Nísia Floresta. G. São José de Mipibu. Registros de fezes com muco anal e pegadas de Lontra longicaudis nos municípios de. H. Extremoz. I. Senador Georgino Avelino. J. Ares. K. Goianinha. L. Pedro Velho. M. Canguaretama. N. Montanhas. O. Baia Formosa e P. Vila Flor.

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Identificação. Lontra longicaudis (Olfers, 1818) pertence à família Mustelidae, subfamília Lutrinae (Wozencraft 2005). A espécie está distribuída na América Central e do Sul, do noroeste do México ao Uruguai (EMMONS, 1990; CHEHÉBAR, 1990; CHEBEZ, 1999; EISENBERG e REDFORD 1999). É um animal de tamanho médio, com corpo alongado e pelagem densa e curta, geralmente de cor marrom-acinzentada, ligeiramente mais clara na região ventral, principalmente na garganta (BERTONATTI e PARERA, 1994). É uma espécie com hábito semi-aquático e, portanto, possui algumas adaptações morfológicas para locomoção na água, como patas com membranas interdigitais, cauda alongada levemente achatada e grandes vibrissas (EMMONS, 1990; SILVA, 1994).

Nosso estudo obteve novos registros de lontras nos municípios localizados na costa leste do estado, confirmando os resultados anteriores de Laurentino e Sousa (2014) e Rosas-Ribeiro et al., (2017) em 15 municípios. Em todas as bacias de hidrográficas estudadas, confirmamos os registros de ocorrência de L. Longicaudis. Além disso, foram encontrados novos registros confirmando a presença da lontra em 04 municípios (Arês, Goianinha, São Gonçalo do Amarante e Tibau do Sul), totalizando 19 municípios estudados do Rio Grande do Norte, incluindo 13 no Litoral Oriental e em Área de Mata Atlântica (Figura 2).

Figura 2. Registros de Lontra longicaudis (Olfers, 1818), (1) nordeste do Brasil e (2) estado do Rio Grande do Norte. Ocorrência nos municípios do Rio Grande do Norte, bacias hidrográficas com predominância de Mata Atlântica. Tipo de registro: F. Pegadas. S. Sinais (latrinas e muco anal). I. Entrevistas. C. Carcaça. CT. Câmera Trap.

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A Lontra longicaudis foi identificado através de estudos anteriores no estado do Rio Grande do Norte. O primeiro registro da espécie foi de Laurentino e Sousa (2014) nos municípios de Baia Formosa, Canguaretama, Ceará-Mirim, Extremoz, Macaíba, Nísia Floresta, Parnamirim, Pedro Velho, Senador Georgino Avelino e Vila Flor. Rosas-Ribeiro et al. (2017) posteriormente atualizaram os registros na região Nordeste do Brasil e confirmaram a presença de L. longicaudis no Rio Grande do Norte nos municípios de Macaíba, São José de Mipibu, Passagem, Santo Antônio, São José do Campestre e Montanhas.

Discussão

De acordo com Pardini e Trajano,1999; Waldemarin e Colares, 2000; e Quadros e Monteiro-Filho, 2002, a lontra tem o hábito de demarcar seu território com fezes e muco anal, que servem como marcas de perfume e indicam a presença de lontras. Nas latrinas das lontras, as fezes foram frequentemente observadas com escamas de peixes e restos de crustáceos. A ação do sol e do clima seca as fezes. As escamas não digeridas que permanecem nas fezes escuras e secas facilitaram a identificação de fezes de lontras (LAURENTINO et al., 2019). Às vezes, as fezes foram depositadas juntamente com o muco anal. A excreção de apenas muco anal pode informar uma lontra da presença de outros indivíduos que ocupam o mesmo território. As marcas anais podem ser usadas por indivíduos para distinguir sexo e se as mulheres estão grávidas ou têm filhos (TEIXEIRA et al., 2008). Obtivemos registros do período ativo da lontra neotropical com as armadilhas fotográficas. Os registros revelaram principalmente hábitos solitários, crepusculares e noturnos, corroborando com os dados de FONSECA et al. (1984). No entanto, também obtivemos registros das espécies interagindo com outras da mesma espécie, provavelmente filhotes ou parceiros de acasalamento. Portanto, o uso de armadilhas fotográficas foi útil no estudo, considerando que a espécie possui hábitos noturnos e natureza tímida, pois permitiu o monitoramento de vários pontos (SILVA, 2016). Além disso, foram encontrados registros diurnos de lontras mortas nas estradas próximas a casas localizadas perto ou nas margens dos rios. É notável que seis municípios estejam na Área de Proteção Ambiental Bonfim- Guaraíras (Tibau do Sul, Goianinha, Arês, Senador Georgino Avelino, Nísia Floresta e São José de Mipibu) e três na Área de Proteção Ambiental Piquiri-Una (Goianinha, Canguaretama e Pedro Velho). Além disso, alguns registros de espécies foram encontrados em cinco municípios localizados na área de transição da Mata Atlântica para a região semiárida (Santo Antônio, São José do Campestre, Passagem, Pedro Velho e Montanhas).

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Estudos de tamanho populacional de Lontra longicaudis (Olfers, 1818) são difíceis de realizar, porque a espécie é difícil de observar no ambiente natural. A espécie possui características esquivas, como hábitos noturnos e uso de grandes áreas do território. Segundo Dietrich (1995), recursos práticos, como armadilhas fotográficas e busca de trilhas, aliados a entrevistas realizadas na comunidade local, se mostraram satisfatórios, pois fornecem dados integrados. Alguns estudos sugerem que o outro pode tolerar ações humanas, dependendo do tamanho da área alterada e da presença de áreas preservadas nas proximidades (PARDINI e TRAJANO 1999; KASPER, 2008). As áreas de conservação são geralmente extensas e regulam a atividade humana através de planos de manejo; eles visam promover a conservação dos recursos naturais e manter a qualidade ambiental das comunidades locais (RYLANDS e BRANDON, 2005). Devido ao aumento da habitação humana na região, houve vários impactos nesses ecossistemas, reduzindo a Mata Atlântica a fragmentos e remanescentes secundários. Além disso, esses fragmentos são encontrados em estágios de regeneração avançada, média e inicial, distribuídos pontualmente na costa leste do estado do Rio Grande do Norte. Sabe-se que a Mata Atlântica do Rio Grande do Norte está em uma situação crítica de conservação. Considerando que não há diferenças entre as espécies de vegetação da Mata Atlântica entre as sete bacias, acreditamos que a intensidade de uso dos locais de marcação de lontras está relacionada à cobertura vegetal do local, com os locais mais utilizados localizados em áreas com cobertura vegetal mais abundante. Esse resultado corrobora com vários estudos em diferentes regiões do país que identificaram a preferência do L. longicaudis por áreas de florestas e rios preservados com vegetação abundante (WALDEMARIN e COLARES, 2000; 2002; ALARCON e SIMÕES-LOPES, 2003). No entanto, a cobertura vegetal explica apenas parcialmente o uso do espaço utilizado por esta espécie, considerando que a marcação ocorreu em áreas mais preservadas. Destaca-se a necessidade de estudos adicionais para identificar os fatores, como a localização dos abrigos, o grau de cobertura vegetal e o grau de antropização, que influenciam o uso do espaço utilizado pela L. longicaudis.

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Referências

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Capítulo 2

Comer ou não comer: ingestão e evitação do conteúdo fecal das latrinas comunais de Lontra longicaudis (Olfers, 1818)

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Comer ou não comer: ingestão e evitação do conteúdo fecal das latrinas comunais de Lontra longicaudis (Olfers, 1818)

Izabela Laurentino, Rafael Sousa, Gilberto Corso e Renata Sousa-Lima

Published in Latin Journal of Aquatic Mammals American Magazine: https://doi.org/10.5597/00248

Resumo

Latrinas grupais tem uma função biológica e ecológica importante para as espécies que as constroem e para espécies que visitam estes locais e usam as fezes para obtenção de nutrientes e microrganismos que ajudam na digestão de compostos secundários de difícil processamento. Porém, animais coprófagos têm que lidar com custos associados a parasitas e outros patógenos presentes nas latrinas, como ocorre em latrinas de Lontras Neotropicais. Essa espécie carnívora usa suas latrinas para depósito de excrementos e para marcação química de seus territórios. O objetivo deste estudo foi identificar quais vertebrados se associam a estas latrinas e as usam como fonte alimentar. As Latrinas foram monitoradas com armadilhas de vídeo mensalmente em ciclos de 24 horas. Nove espécies de vertebrados foram registradas, dentre elas aves, répteis e mamíferos. A dependência dos visitantes às latrinas não é relacionada a períodos com menor disponibilidade de alimento (estação seca). Espécies visitantes que se alimentam nas latrinas não tem os mesmos hábitos alimentares que as lontras. Assumir que outros mamíferos evitariam se alimentar de fezes nas latrinas por perigo de doenças não está correto. Porém, as visitas se limitaram a duas espécies de mamíferos que podem ser resistentes ou menos susceptíveis a doenças encontradas em fezes de lontras.

Palavras-chave: Lontra neotropical, Dieta, Fezes, Ciclagem de nutrientes, Infecção, doença.

Abstract

Communal latrines have important biological and ecological roles for the latrine builder species and for other taxa that visit these sites and use feces to obtain nutrients and microorganisms that aid in digestion of compounds hard to process. Nonetheless, coprophagous animals must deal with the costs associated with parasites and other pathogens present in latrines. Parasites and

29 pathogens are found in Neotropical otter latrines. This species is carnivorous and uses latrines for territorial marking. The objective of this study was to identify vertebrate species associated with otter latrines and species that use feces as food resource. Latrines were monitored with camera traps on a monthly basis in 24-hour cycles. We recorded nine species of vertebrates, including birds, reptiles and mammals, visiting the latrines. Feeding dependency from latrines in the Atlantic Forest may not be related to periods of low food availability (dry season). Visitors that ate at the latrines do not have the same feeding habits as otters. The assumption that mammals would avoid ingesting disease-loaded feces from latrines did not hold, since two mammal species did. We speculate these mammals might be more resistant or less susceptible to pathogens found in otter feces.

Key words: Neotropical otter, diet, feces, nutrient cycling, infection, disease.

Introdução

Latrinas ou pontos de defecação são locais onde vários co-específicos deixam repetidamente seus excrementos. Esse comportamento ocorre em muitas espécies de mamíferos: primatas (IRWIN et al., 2004; GONZÁLEZ-ZAMORA et al., 2012), roedores (PIÑERO et al., 2012), marsupiais (RUIBAL et al., 2011), grandes herbívoros mamíferos (FRAGOSO, 1994; LAMOOT et al., 2004; WRONSKI e PLATH, 2010) e carnívoros (GORMAN e TROWBRIDGE, 1989; JORDAN et al., 2007), incluindo duas espécies semi- aquáticas, a Ariranha (LEUCHTENBERGER et al., 2012) e a Lontra neotropical (este estudo). As latrinas comunitárias têm importantes recursos biológicos e papéis ecológicos para as espécies construtoras de latrinas (GONZÁLEZ-ZAMORA et al., 2012), tais como: centro de informações e comunicação interespecífica (GORMAN e TROWBRIDGE, 1989; LARIVIÈRE, 1999; JORDAN et al., 2007), reprodução (RUIBAL et al., 2011; BARJA et al., 2011), defesa contra predadores (JORDÂNIA et al., 2007; BARJA et al., 2011) e prevenção de doenças intestinais decorrente da reinfestação de parasitas (LAMOOT et al., 2004). Os depósitos de excrementos de animais também representam um importante recurso para espécies de vertebrados que não sejam construtor de latrinas (LEUCHTENBERGER et al., 2012). Espécies coprófagos beneficiam da aquisição de nutrientes, especialmente durante períodos produtivos (LIVINGSTON et al., 2005; SOLANO-UGALDE, 2005; CAMPOS et al., 2011) e de microrganismos que auxiliam na digestão de compostos químicos presentes em sua dieta (CAMPOS et al., 2011), mas são mais suscetíveis a doenças causadas por patógenos e

30 fezes carregadas de parasitas (WEINSTEIN et al., 2018). Gambás, roedores e algumas aves são conhecidas por visitar e forragear latrinas de guaxinim (PAGE et al., 1999; LOGIUDICE, 2001) que são carregados com sementes parcialmente digeridas que atraem onívoros e espécies granívoras, e lagartos insetívoros que atacam insetos que se alimentam das fezes. As latrinas devem ser menos atraentes para taxa que apresentam dieta diferente das espécies construtoras, bem como o conteúdo pode ter pouco valor alimentar para essas espécies. Na medida em que espécies que usam recursos de comunidades heteroespecíficas as latrinas devem lidar com uma troca entre ganhos de forragem e custos de doenças (WEINSTEIN et al., 2018). A lontra neotropical, Lontra longicaudis (Olfers, 1818), é um mustelídeo semi-aquático (Ordem Carnivora) que habita habitats continentais de água doce, bem como águas salobras e estuários marinhos (BLACHER, 1987). A espécie é distribuída do nordeste do México para o Uruguai e Argentina, a leste de os Andes (EMMONS e FEER, 1997). Embora a morfologia da Lontra atesta sua adaptação a uma vida aquática ela ainda depende de habitats terrestres para descansar, dar à luz e cuidar de seus filhotes (WALDEMARIN e COLARES, 2000; CARVALHO-JUNIOR, 2007). Essas lontras se alimentam principalmente na água e predam peixes aquáticos (peixes, camarões, moluscos) e terrestres espécies (aves) (IL e RS, obs. pessoal). A espécie é classificada como piscívora dentro de sua família (Mustelidae), embora sua o hábito alimentar varia com a disponibilidade local de presas (PARDINI, 1998; QUADROS, 1998) e pode ser um generalista ou um especialista priorizando algumas espécies de peixes e crustáceos (UCHÔA et al., 2004). As latrinas comunitárias desta espécie são notáveis (KASPER et al., 2008) e potencialmente chamam a atenção de outros espécies. Parasitas e patógenos também são encontrados em latrinas de Lontras Neotropical (VIEIRA et al., 2015). Amostras de latrinas de Ariranha são amostradas para estudar a sua dieta (ROSAS et al. 1999; RIBAS et al., 2012) e a remoção de itens por outros taxa podem influenciar os resultados desses estudos (LIVINGSTON et al., 2005; NORRIS e MICHALSKI, 2010). Portanto, nós monitoramos as latrinas de lontras neotropicais para testar: 1) se esses locais atrair heteroespecíficos que usam matéria fecal como recurso alimentar durante períodos de baixa disponibilidade de alimentos (estação seca); 2) se aqueles as espécies têm hábitos alimentares semelhantes aos do construtor de latrinas; e 3) se espécies de vertebrados suscetíveis à contaminação patógenos fecais diferem na maneira como usam os recursos presente nesses locais de vertebrados menos suscetíveis a doença. Supondo que a contaminação seja mais alta para outros mamíferos, prevemos que 1) o número de visitantes usando as latrinas de Lontras Neotropicais durante a estação seca são superiores durante a estação chuvosa; 2) visitantes que

31 usam conteúdo fecal como alimento são principalmente carnívoros ou onívoros; e 3) mamíferos não ingerem conteúdo fecal, mas outros visitantes fazem.

Materiais e Métodos

A área de estudo compreende um trecho de 2 m ao longo da margens do rio Boa Cica no município de Nísia Floresta (06 ° 05'37.45 "S; 35 ° 07'58.57" W), dentro do Área de Proteção Ambiental Bonfim Guaraíras, no estado do Rio Grande do Norte, Brasil (pesquisa autorizada pelo ICMBio 32910-12 e Comitê de Ética Animal 079.006 / 2018). Duas armadilhas para câmera de vídeo (®Bushnell Trophy Cam 8MP) foram instaladas, um de cada lado no rio com 2 m de extensão de terreno alagado, na mesma altura e ângulo, amostrando continuamente (24 horas) de janeiro a dezembro de 2018. Essas duas armadilhas cobriam a área de cinco latrinas de lontras neotropicais (Figura 1) Os animais capturados com vídeo foram identificados ao nível da espécie e seu comportamento alimentar observado com base nas filmagens. Foi contado o número de visitas por espécie, bem como o número de vezes que as lontras neotropicais foram registradas defecando (veja a Tabela 1).

Figura 1. Diagrama esquemático do local do estudo mostrando a colocação das armadilhas da câmera de vídeo e a posição dos cinco Latrinas de lontras neotropicais. As imagens foram modificadas de Fotosearch.com, Depositphotos.com e Smartkids.com

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Resultados

A prevalência estimada de defecação foi de 62% (a número de depósitos fecais observados dividido pelo número total registros). A Figura 2 mostra a posição de uma das latrinas e a armadilha da câmera (Figura 2A) e uma lontra defecando a latrina (Figura 2B).

Figura 2. A: Armadilha da câmera de vídeo (círculo superior) e latrina (elipse inferior); B: lontra neotropical capturada por vídeo defecando.

A Figura 3 mostra o número de detecções de lontras defecando por mês e / ou marcação de cheiro na latrina. Comportamento da marcação de odor e deposição de fezes nas latrinas comunais é sazonal, mais alta na estação seca (seca e estação chuvosa definida de acordo com MOLION e BERNARDO, 2000) (df = 1; χ2 = 5,24; valor p = 0,022). No entanto, nem todos os visitantes consumiram matéria fecal nas latrinas. O número visitas coprófagas foram plotadas ao longo dos meses e, contrário à deposição fecal por lontras, não mostrou sazonalidade (df = 1; χ2 = 2,35; valor de p = 0,12).

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Figura 3. Número de defecação de lontras e marcação de aromas visitas (triângulos vazios) e visitas em que indivíduos matéria fecal consumida das latrinas (quadrados pretos) nas latrinas comunais das lontras neotropicais, Lontra longicaudis, a 2 m de extensão ao longo do rio Boa Cica, município de Nísia Floresta / RN, Brasil.

Contabilizando as visitas que usaram as latrinas comunitárias para alimentos e aqueles que não o fizeram, contamos nove espécies de vertebrados capturados em vídeo, principalmente aves (n = 209), seguidos por mamíferos (n = 112) e répteis (n = 56) (Tabela 1 e Figura 4). Contrariamente à nossa previsão, carnívora ou onívora visitantes comiam nas latrinas tanto quanto outros indivíduos com diferentes hábitos alimentares (insetívoros e herbívoros) (df = 1; χ2 = 2,30; valor de p = 0,129) e mamíferos ingeriram tanto conteúdo fecal como outros táxons, não mostrando nenhuma evitação particular (df = 1; χ2 = 1,12; valor p = 0,29). No entanto, apenas duas espécies de mamíferos que ingeriram fezes: Didelphis albiventris e Rattus norvegicus (Tabela 1).

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Tabela 1. Lista das espécies capturadas em vídeo nas latrinas comunais de Lontra longicaudis ao longo de um trecho de 2 m ao longo das margens do Rio Boa Cica em 2018. (Guilda trófica: HER = herbívora, INS = insetívora, CAR = carnívora e OMN = onívora).

VIDEO RECORDS

e e

2018

2018 2018

Guia 2018

2018

sem

s

ESPÉCIES Nome Comum I

T 2018

O Z

R 2018R

T s

Trófico V

B U

JUL JUL 2018

SE

JAN JAN 2018 JUN 2018

FE

MA DE

A O

AG NOV 2018

MAR 2018MAR

Visita

TOTAL

Visita

Porcentagem de Porcentagem de consumode fezes Estação Seca Chuvoso Seca consumindo fezes • Aves

Aramides saracura Saracura INS 21 11 09 11 15 08 12 14 11 07 22 25 48.1% 38.9% 166 Tigrisoma lineatum Soco CAR 03 02 05 04 03 05 03 05 04 03 02 04 11,0% 12.0% 43

• Répteis

Iguana iguana Iguana HER 02 04 03 05 03 02 01 07 02 04 03 06 15.7% 5.4% 42 Tupinambis teguixin Teiu OMN - 02 01 02 - 01 01 01 01 - 02 03 0% 8.4% 14

• Mamíferos

Cerdocyon thous Raposa OMN - - 01 02 01 - - - 01 - - 01 0% 3.6% 06 Procyon cancrivorus Guaxinim CAR 01 02 - - 01 01 02 - - 02 01 02 0% 7.1% 12 Coelho Sylvilagus brasiliensis HER ------07 0% 4.2% 07 Selvagem Didelphis albiventris Timbu OMN 04 06 05 04 07 05 06 04 05 07 06 04 20.0% 12.6% 63 Rattus norvegicus Ratasana OMN 01 02 01 03 04 02 01 02 01 03 02 02 5.2% 7.8% 24

Total por mês 32 29 25 31 34 24 26 33 25 26 38 54 55.7% 44.3% 377

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Figura 4. Exemplos de capturas de vídeo de espécies visitantes registradas no local do estudo durante o dia e a noite no local latrinas comunitárias de lontras neotropicais, Lontra longicaudis, ao longo do rio Boa Cica, município de Nísia Floresta / RN, Brasil: A - Procyon cancrivorus; B - Cerdocyon thous; C - Sylvilagus brasiliensis; D - Rattus norvegicus; E - Didelphis albiventris; F - Tigrisoma lineatum; G - Aramidas saracura; H - tupinambis teguixina; I - iguana-iguana.

Discussão

Segundo CHEIDA et al. (2006), as Lontras neotropicais defecariam e marcariam mais durante a estação seca, que coincide com o período reprodutivo das espécies (). No entanto, não houve sazonalidade no consumo de fezes pelos visitantes nas latrinas amostradas, o que mostra que os visitantes usam recursos desses locais o ano inteiro. Esses visitantes podem influenciar estudos sobre dietas de lontras, uma vez que alguns removem e outros adicionam itens a essas latrinas ao defecarem. Estudo semelhante com a lontra gigante (Pteronura brasiliensis) no bioma Pantanal (LEUCHTENBERGER et al., 2012) observados 29 espécies de vertebrados visitando as latrinas

36 de ariranhas. Apesar das diferenças no habitat (nosso trabalho foi realizado em Mata Atlântica e o outro estudo foi no período de cheia Pantanal) e a distância entre as duas áreas (cerca de 2900 km), tivemos uma alta sobreposição de espécies. Em nosso estudo, observamos duas aves: Tigrisoma lineatum e Aramides saracura; o primeiro também foi observado nas latrinas Pantanal enquanto o segundo não, mas sim uma outra espécie do mesmo gênero - a Aramides cajanea. Comparando os répteis, observamos duas espécies: Iguana iguana e Tupinambis teguixin; o primeiro também está presente em o Pantanal estuda junto com outras espécies de Tupinambis: T. Merianae. Registramos cinco espécies de mamíferos, mas apenas um é comum em ambos os estudos: o canídeo Cerdocyon thous. Além disso, o Pantanal apresenta maior biodiversidade que o Mata Atlântica. De fato, o rio Boa Cica é um fragmento de Mata Atlântica que sofreu um forte impacto antropogênico. Portanto, a biodiversidade de mamíferos e aves é severamente afetado em nossa área de estudo quando comparado com o Pantanal e a semelhança na fauna dos visitantes mostra a importância dessas latrinas comunitárias como recurso alimentar (Figura 5). Nossos resultados revelam que a dependência alimentar na Mata Atlântica não é sazonal e pode não estar relacionada a períodos menos produtivo (estação seca) ou escassez de alimentos e estar relacionado a preferências alimentares dessas espécies visitantes. Além disso, contrariamente às nossas hipóteses originais, os visitantes que comeram nas latrinas não têm os mesmos hábitos alimentares das lontras. Espécies insetívoras (por exemplo, Aramides saracura) estão usando as latrinas para alimentar, mas eles podem não estar necessariamente consumindo matéria fecal e em vez disso, poderia estar predando a fauna de invertebrados associada com as latrinas. Mesmo espécies herbívoras, como a iguana, estriam consumindo fezes das latrinas para adquirir nutrientes importantes (por exemplo, cálcio, CAMPOS et al., 2011). Em geral, o consumo fecal de mamíferos, limitado a duas das cinco espécies de mamíferos capturadas em vídeo, não diferem significativamente de outros taxa. Portanto, latrinas comunitárias de Lontras Neotropicais são um importante recurso alimentar que volta para a comunidade de vertebrados da Mata Atlântica e invertebrados, como mostra a representação visual de essa cadeia alimentar (Figura 5). O uso desses locais pode ser mais explorado para abordar as perguntas sobre quais itens são removidos (ou adicionados) às latrinas e como o valor nutricional dos itens removidos completam a dieta dos visitantes. Contaminação dos visitantes e suscetibilidade a parasitas encontrados nas latrinas também são de interesse e pode revelar como essas interações

37 ecológicas influenciar a distribuição das espécies no espaço e no tempo (WEINSTEIN et al., 2018).

Figura 5. Representação visual da cadeia alimentar em latrinas comunais de Lontra longicaudis. Imagens foram modificado a partir de Supercoloring.com; Canstockphoto.com e Dreamstime.com

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Referências

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Capítulo 3

Latrinas Comunais de Lontra longicaudis (Olfers, 1818): Centro de informação social ou toalet público?

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Latrinas Comunais de Lontra longicaudis (Olfers, 1818): Centro de informação social ou banheiro público?

Izabela Laurentino, Rafael Sousa, Gilberto Corso, Bruno Lobão e Renata Sousa-Lima

Resumo

As latrinas são ambientes importante de comunicação olfativa intraespecífica em mamíferos, especialmente para espécies solitárias ou amplamente distribuídas. Apesar de serem difíceis de encontrar e monitorar de perto, as latrinas podem fornecer informações úteis sobre funções sociais de um grupo. Através de armadilhas fotográficas observamos comportamentos sociais em locais de latrina da lontra. O objetivo deste estudo foi averiguar se as latrinas de Lontra longicaudis seriam usadas como fonte de comunicação ou se seriam apenas como locais de defecação. As latrinas foram monitoradas com armadilhas de vídeo mensalmente em ciclos de 24 horas, entre o mês de janeiro de 2018 a setembro de 2019. As lontras no local da latrina mostraram comportamentos olfativos e comportamentos de marcação, sugerindo que as latrinas não são usadas apenas como banheiro público, mas realizam também um papel na comunicação entre os membros do grupo, no qual é possível monitorar as atividades de potenciais parceiros sexuais e/ou concorrentes.

Palavras-chave: Comportamento Animal, Etograma, Câmera Trap, Lontra Neotropical, Mamíferos.

Abstract

Latrines are important sites for intraspecific olfactory communication in mammals, especially for solitary or widely distributed species. Latrines can be difficult to find and to closely monitor, but can provide useful information about their possible ecological functions. In this sense, photographic traps in latrines can be used to identify social behaviors of the species. The aim of this study was to describe whether south american otters Lontra longicaudis (Olfers, 1818) latrines are effectively used as a source of intraspecific communication or just as defecation sites. Latrines were monitored once a month with video traps in 24-hour cycles from January 2018 to September 2019. Otters showed olfactory behaviors and marking behaviors, suggesting that latrines are not only used for defecation but also play a role in intraspecific communication.

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We suggest that L. longicaudis latrines function as information centers where individuals can monitor the location and activities of potential sexual partners and / or competitors.

Key words: Animal Behavior, Ethogram, Trap Camera, Neotropical Otter, Mammals.

Introdução

Muitos animais depositam regularmente fezes em locais específicos conhecidos como latrinas (BROWN MACDONALD, 1985; GORMAM e TROWBRIDGGE 1989). Visitas repetidas de animais a locais específicos promovem interações com outros indivíduos (DANCHIN et al., 2004). O comportamento de uso da latrinas é particularmente comum em mamíferos carnívoros de pequeno e médio portes, como por exemplo o Mellivora capensis (BEGG et al., 2003) e o Suricata suricatta (JORDAN et al., 2007). Em espécies territoriais, as latrinas podem ser mais concentradas em fronteiras territoriais para impedir a entrada de indivíduos de outros grupos (GORMAN e MILLS, 1984; KILSHAW et al., 2009). As latrinas também podem ser mais abundantes na área central de um grupo para reduzir os esforços de marcação e maximizar a probabilidade de encontro de intrusos (DARDEN et al., 2008; EPPLEY et al., 2016; JORDAN et al., 2007). De modo geral, os locais de marcação são selecionados de modo que a detecção do sinal pelos receptores seja potencializada (ROBERTS e GOSLING, 2001). As latrinas desempenham um papel importante na comunicação olfativa em várias espécies (BROWN e MACDONALD, 1985). Os mamíferos muitas vezes dependem de pistas olfativas presentes em fezes, urina e outras secreções para trocar informações com co- específicos (BRADBURY e VEHRENCAMP, 2011; WYATT, 2014). Entre os carnívoros, os sinais olfativos geralmente desempenham um papel fundamental em comunicação intraespecífica (BEAUCHAMP et al., 1976; GORMAN, 1980; BROWN e JOHNSTON, 1983; KRANZ,1996; MOLTENO et al., 1998). Em diferentes espécies e sob condições ecológicas diferentes, sinais químicos encontrados em urina, fezes e muco anal podem servir como indicadores confiáveis para transmitir informações sobre sexo ou estado reprodutivo de um individual (BROWN & MACDONALD, 1985), bem como manter a organização social do grupo (JORGENSON et al., 1978; BROWN, 1979; MACDONALD, 1985; GESE e RUFF, 1997; SILLERO-ZUBIRI e MACDONALD, 1998). Os odores na latrina podem persistir no ambiente muito tempo, com o potencial de atingir um amplo público (MÜLLER-SCHWARZE, 2006; WYATT, 2014) sem a necessidade

44 de interação presencial entre indivíduos para que se comuniquem (DARDEN, et al., 2008; WRONSKI et al., 2013). Consequentemente, as latrinas podem funcionar como centros de informações entre grupos sociais, ou entre indivíduos de espécies que apresentam hábitos solitários e são dispersos no seu habitat (DARDEN et al., 2008; EPPLEY et al., 2016). Neste contexto, as latrinas podem ajudar a coordenar o comportamento social e reprodutivo permitindo que os indivíduos da mesma espécie monitorem a atividade e condição de potenciais parceiros sexuais e concorrentes (SNEDDON, 1991; ROSTAIN et al., 2004; WRONSKI et al., 2006; DARDEN et al., 2008). O comportamento social das lontras inclui marcação de locais ao longo da costa dos cursos d’águas, conhecidos como latrinas (TESTA et al., 1994; BOWYER et al., 1995; KRUUK, 1996), onde depositam fezes e urina, além de secreções das glândulas anais (BEM-DAVID et al., 1998). Embora a função social nos locais de latrina de lontras ainda não seja claramente compreendida (ou seja, marcação para estabelecer domínio social, marcação de locais de alimentação, etc.), observações diretas através da remoção das fezes, sugerem que a taxa de visitação nas latrinas são altas (TESTA et al., 1994, KRUUK, 1996; BOWYER et al. 1995; BEN-DAVID et al., 1998; Laurentino, observação pessoal). A distribuição de latrinas da Lontra longicaudis (Olfers, 1818) ao longo dos rios depende das variáveis dos habitats, sendo que no Rio Grande do Norte elas mostram preferências por locais com declives, rasos e vegetados (Laurentino, observação pessoal). Sabe- se que as latrinas de L. longicaudis também são utilizadas como fonte de alimento para outros vertebrados (LAURENTINO et al., 2019), no entanto, ainda existe falta de estudos sobre latrinas de L. longicaudis, no que tange às suas possíveis funções ecológicas ligadas a interações sociais e a funções comunicativas. O objetivo deste estudo é analisar os comportamentos realizados por Lontra longicaudis em duas latrinas, para respondermos à seguinte pergunta central: As latrinas na região analisada são utilizadas apenas para deposição de fezes e urina ou são também utilizadas como centro de informações para a espécie? Neste estudo, investigamos alguns tipos de marcação comportamental da Lontra longicaudis (Olfers, 1818), e elaboramos um etograma com auxílio de câmeras traps instaladas nas latrinas.

Material e Métodos

A frequência do uso das latrinas no Rio Grande do Norte, varia de acordo com o nível dos rios e sua localização, sendo que podem ser ativas por longos períodos, geralmente encontradas em margens de rios, em áreas de difícil acesso, considerando a presença de

45 cobertura arbórea da vegetação de Mata Atlântica. O trabalho de campo foi realizado no município de Nísia Floresta, Rio Grande do Norte/Brasil (Figura 1). A pesquisa foi autorizada pelo ICMBio 32910-12 e Comitê de Ética Animal 151.002/2019. Neste estudo escolhemos duas latrinas utilizadas por Lontra longicaudis (Olfers, 1818) uma no rio Campo de Santana (5º 58’ 23.89” S, 35° 11’ 46.08” O) e uma no Rio Boa Cica (6º 05’ 29.92” S, 35° 08’ 01.31” O).

Figura 1. Localização aproximada das latrinas, ambas próximas aos rios Campo de Santana e Boa Cica, localizados no município de Nísia Floresta. A) Mapa do Brasil, B) Nordeste do Brasil, C) Estado do Rio Grande do Norte.

A pesquisa foi realizada entre os meses de setembro de 2018 a setembro de 2019. Para descrever padrões diários de uso de latrinas e comportamento da lontra (Figura 2), realizamos um monitoramento através de câmeras traps com sensor de movimento. As gravações de vídeo foram realizadas em períodos de 24hrs, durante todos os dias nos meses indicados. O nascer do sol do Rio Grande do Norte, se dá aproximadamente entre 5:30h da manhã e o pôr do sol às 17:30hs, sendo que pelo fato do Rio Grande do Norte se encontrar perto da zona equatorial, há poucas variações nestes horários. Durante as gravações, separamos os registros por estação do ano e por sexo, identificando os machos (através dos testículos) e as fêmeas (pelas mamas proeminentes). Não foi possível identificar todos os indivíduos, porque não temos observações detalhadas dos registros de vídeo como apresentado na figura 2. Muitas vezes, apenas a cauda da lontra foi registrada, após sair do rio e ao se deslocar para a terra com os pelos molhados. No inverno,

46 considerando o aumento das chuvas, o sensor de calor da câmera trap não funciona tão bem, sendo este um aspecto que impactou na qualidade de algumas gravações.

Figura 2. Imagem que representa as gravações dos vídeos dos comportamentos capturados de Lontra longicaudis no Rio Grande do Norte em suas latrinas no habitat natural.

Todas as filmagens de lontras adquiridas pelas câmeras traps, foram selecionadas e separadas sendo que foram identificadas tanto fêmeas com filhotes, como machos. Além disso, em muitos casos, pelo ângulo da gravação foi possível diferenciar adultos de machos juvenis comparando o tamanho dos testículos. Os registros das fezes depositadas nas latrinas, na maioria das vezes foram colocadas uma sobre a outra, durante uma mesma semana. Com base em nossas gravações, nossos dados revelaram que o macho realiza marcações frequentes nas latrinas. Considerando a anatomia do saco escrotal (fig. 3) a Lontra longicaudis (masculino) pode ter um comportamento sexual promíscuo, acasalando-se com mais de uma fêmea (Kenagy e Trombulak, 1986). De acordo com Rosas et al., (2011) a frequência copulatória é alta quando os testículos são grandes e naquelas em que a cópula não é muito frequente, os testículos são pequenos, como por exemplo na Pteronura brasiliensis, espécie da mesma família.

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Figura 3. Registros de Indivíduos machos de Lontra longicaudis nas latrinas. Latrina 1 (A: Macho adulto (testículos mais protuberantes) e B: Macho juvenil (testículos menos protuberantes)) e Latrina 2 (C: Macho adulto (testículos mais protuberantes) e D: Macho juvenil (testículos menos protuberantes).

Resultados

Analisamos todos os vídeos e separamos aqueles que contêm imagens de Lontra longicaudis, registramos o comportamento animal usando um etograma (Tabela 1) adequado para o ambiente da latrina. Para fins interpretativos, também descrevemos os comportamentos de acordo com a divisão do tempo de uso de latrinas, com padrões sazonais dividindo o ano em quatro estações.

Tabela 1. Etograma dos comportamentos da L. longicaudis registrados nas latrinas. O número de registros de lontras para cada comportamento observado está registrado em”N”.

Comportamento N Descrição Deslocar 62 Uso da latrina como rota de deslocamento. Deitar-se no chão e esfrega todo o corpo na latrina, Esfregar 20 principalmente a cabeça e pescoço. Marcação de 22 Urinar com a elevação e abanar da cauda. cheiro Arranhar 03 Arranhar troncos com as garras.

Observar 10 Para e observa em todas as direções por alguns segundos

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Cheirar 20 Deitar-se no local cheirando as marcações alheias. Defecar 08 Acessar o local apenas para defecar. Urinar 18 Acessar o local apenas para urinar.

Cavar 11 Ao se deitar na latrina, cava revirando os sedimentos.

Higiene 02 Deitar-se na latrina, se catando ou limpando o pelo. Interação Social Presença de mais de um indivíduo no local ao mesmo tempo 06 entre indivíduos (atividade social).

De acordo com os comportamentos descritos na tabela 1, podemos afirmar que as latrinas de Lontra longicaudis não são usadas apenas como depósitos de excrementos, fezes e urina (Figura 2C). Foram observados diferentes comportamentos no qual destacamos os registros de marcação de cheiro (Figura 2E), bem como os atos de esfregar (Figura 2D), cheirar (Figura 2B), cavar (Figura 2G) e se catar (Figura 2H). Além disto, foi observado que a lontra também utiliza as latrinas como locais de deslocamento (Figura 1A). Além disso, acrescentamos que em algumas filmagens, algumas vezes a lontra “para” e fica apenas observando o ambiente ao seu redor. Este comportamento é conhecido como “alerta”, também é realizado por ratos e camundongos, estes animais assumem a postura de alerta muitas vezes para fazer uma avaliação de risco do ambiente, assim, esse comportamento defensivo é utilizado como uma pré análise para opções de escape, verificando a posição do predador. (GUIMARÃES-COSTA et al., 2007; CALVO et al., 2019). Também capturamos registros de lontras com mais de um indivíduo, no mesmo vídeo a com a presença 2 ou 3 indivíduos (Figura 2F), sendo provavelmente fêmeas acompanhadas de seus filhotes.

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Figura 2. Registros comportamentais de L. longicaudis em latrinas, localizadas no município de Nísia Floresta. A. Deslocamento, B. Cheirar, C. Defecar e urinar, D. Esfregar, E. Marcação de cheiro, F. Interação com a mesma espécie., G. Cavar, H. Se catar. A Figura “F” também representa o registro de dois indivíduos, utilizando a latrina simultaneamente e ao se encontrarem se agarram (em um aparente ato de briga).

Dentre um total de 342 filmagens foram registrados 83 videos em que foram identificados espécimes de L. longicaudis, cada um com 60 segundos de duração. De acordo com a Figura 3, podemos observar que o maior número de filmagem de lontras foi no verão (29) e o menor no outono (15), entre o inverno (18) e a primavera (21) os registros foram bem próximos. Em relação ao número total de disparos da câmera com a presença de lontras ou não, foi observado que no outono e no verão tivemos um número maior de disparo da câmera (90) com ou sem a presença de lontra, já no inverno tivemos (80) e na primavera (82).

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Figura 3. No total de 342 filmagens, foram capturados 83 vídeos com L. longicaudis, cada um com 60 segundos de duração. Número de filmagem de lontras foi no verão (29) e o menor no outono (15), entre o inverno (18) e a primavera (21) os registros foram bem parecidos.

Figura 4. Considerando os registros e os não registros de lontra construímos a probabilidade de se registrar indivíduos para cada uma das quatro estações.

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Considerando o total de 83 videos de L. longicaudis, separamos os resultados por estação do ano (figura 5) e por sexo, sendo que identificamos o maior registros de machos (testículos = 48) do que de fêmeas (mamas proeminentes = 11). Os machos foram mais registrados no outono (14) e as fêmeas na primavera (5), no entanto temos 24 registros de lontras não identificadas. Além disto, a partir do total de filmagens com lontra (machos e fêmeas), determinou-se que ambos possuem hábitos crepusculares e noturnas, principalmente nas horas entre 18h e 21h.

Figura 5. O número de gravações realizadas nas latrinas de L. longicaudis, ao longo do ciclo circadiano. O gráfico evidencia um comportamento crepuscular uma vez que os registros estão concentrados entre 18h e 21h.

Em nossas observações, observamos alguns comportamentos de marcação fazendo uma análise comparativa entre machos adultos (MA) e machos juvenis (MJ), tomando sempre o cuidado de contar também os indivíduos machos que não foram identificados em nenhuma destas categorias (NI), isto é, aqueles que não eram reconhecidamente fêmeas, tampouco podiam ser identificados como machos adultos ou juvenis. Conforme descrito na Tabela 2 quatro medidas comportamentais foram realizadas. A primeira versa sobre quem marca mais, o macho adulto ou o juvenil? Para computar esta estatística foram usados todos os registros do ano. A segunda medida diz respeito a marcação dos machos sobre as fezes dos outros, a saber, perguntamos se o indivíduo marca mais a si mesmo, se esfregando nas próprias fezes, ou

52 primeiramente ele se esfrega nas fezes deixadas por outros indivíduos. A terceira medida comportamental mostra que o macho juvenil passa mais tempo na latrina do que os machos adultos, ou seja, o macho adulto na maioria das vezes ao chegar na latrina faz a sua marcação e em poucos segundos (entre sete e dezenove segundos) observa o local até se deslocar para o rio, já o macho juvenil, além de deixar suas fezes, algumas vezes passa aproximadamente um minuto se esfregando e observado toda a latrina ao seu redor. Para fins de contagem cada vez que um indivíduo passava mais do que sete segundos na latrina dizemos que ele ficou muito tempo na latrina. A quarta pergunta diz respeito a quem defeca sobre as fezes do outro, obtivemos alguns registros de lontras defecando no mesmo local, no mesmo dia, mas em horários diferentes, para alguns não foi possível identificar o sexo, no entanto conseguimos identificar tantos machos juvenis sobrepondo as fezes dos machos adultos quanto o oposto.

Tabela 02. Novas hipóteses no qual diferenciam os machos adultos, machos juvenis e fêmeas em latrinas de Lontra longicaudis. MA: Macho adulto; MJ: Macho juvenil e LNI: Não identificados.

Lontras Novas hipóteses observadas nos comportamentos observadas MA MJ LNI Quem defeca mais, macho adulto ou macho juvenil? 15 07 12

Qual macho se esfrega nas fezes alheias antes de se esfregar nas próprias? 02 05 03 Qual tipo de macho fica mais tempo na latrina? 03 05 05

Qual tipo de macho defeca sobre as fezes do outro? 04 05 04

O número de machos adultos e juvenis observados no ano foi de 24 para cada grupo, deste número não temos como saber a repetição das observações. Desta forma, a tabela 2, apesar do número amostral baixo, nos sugere que os machos adultos usam mais a latrina para defecar do que os juvenis. Além disto os juvenis parecem se esfregar nas fezes dos adultos mais do que o contrário. Temos a partir desses dados a sugestão de que os juvenis ficam mais tempo na latrina, mas o número amostral é baixo para realizar uma análise mais precisa. Por fim, sobre o hábito de defecar sobre as fezes alheias pouco se pode afirmar, pois as frequências observadas de machos adultos e juvenis são muito semelhantes.

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Discussão

O uso de latrina (isto é, o uso repetido de locais específicos de defecação) é descrito para vários mamíferos carnívoros, facilitando o vínculo social através da comunicação olfativa (DRÖSCHER e KAPPELER, 2014). Muitas espécies não apenas defecam, mas também costumam urinar e depositar informações hormonais (fêmeas em especial), contudo, as latrinas podem funcionar para transmitir mais de uma mensagem, além da comunicação olfativa em muitos casos. (DRÖSCHER e KAPPELER, 2014). Lontra canadensis utilizam latrinas não só como “depósitos” de fezes, urina e muco anal (BOWYER et al., 1995; BEN-DAVID et al., 1998; ROSTAIN, 2000), mas como forma de comunicação e consequentemente realizando interações sociais entre lontras da mesma espécie podendo se tornar um comportamento dominante da espécie (ROSTAIN, 2004). De acordo com Barrocas (2016) de modo geral as Lontra canadensis, possuem sistemas sociais flexíveis no uso do espaço, a sociabilidade é entrelaçada e podem fazer pequenos grupos, além disto devido às mudanças de recursos elas podem realizar mudanças frequentes na dinâmica de grupos. Nas latrinas das Lontra canadensis os indivíduos solitários podem reunir informações sobre presença de indivíduos próximos podendo até decidir unir-se em algum grupo, ou detectar outros indivíduos altamente conectados ou familiares (BAROCAS et al., 2016). Estudos realizados com as latrinas de Lontra canadensis, descrevem que as latrinas não servem apenas para comunicação olfativa, mas também para decisões sociais consistentes com as hipóteses da complexidade social (FREEBERG et al., 2012). Outros estudos com a mesma espécie mostram que os ajustes observados referente ao tamanho dos grupos sociais, variam ao longo do ano e sazonalmente (CHAPMAN et al., 1995; SUEUR et al., 2011). Além disto, subgrupos maiores são formados durante períodos de alta disponibilidade de recurso (ASENSIO et al., 2009; SMITH et al., 2008). Em nossos registros, confirmamos que a L. longicaudis têm o hábito de arranhar caules de árvores em suas latrinas. De acordo com Parera (1996) e Waldemarin e Colares (2000). Nas latrinas de L. longicaudis apresentam marcas feitas com as unhas (garras) nos barrancos de areia, e nos caules das plantas, provavelmente, para demarcar seu território. Fadel (2008), ao montar um etograma de Lontra longicaudis em cativeiro, observou que o ato de se “esfregar” pode servir para manutenção do pêlo ou para demarcação de território. Tivemos um grande número de deslocamento de L. longicaudis sendo especialmente machos. De acordo com Parera (1996) o deslocamento dos machos também pode estar

54 relacionado à procura de fêmeas para acasalamento, onde o casal permanece junto por um curto espaço de tempo, somente durante o período de acasalamento. Alguns estudo realizados por Carvalho-Junior (2007), indicam que a L. longicaudis assume um comportamento que varia de solitário a de um grupo social básico, podendo o grupo, a depender da época do ano, ser constituído por um fêmea adulta e seus filhotes. O estudo de Parera (1996) vai na mesma direção, quando descreve apenas grupos formados por fêmeas que acompanham seus filhotes. Nos nossos resultados, observamos a presença de alguns grupos de lontras, com até três indivíduos, entre os meses de dezembro a maio (de primavera até outono), nos horários entre 18 hrs até 00 hrs. Os lontras foram mais registradas entre a primavera e verão, assim nosso resultados coincidem com a idéia de Carvalho-Júnior (2007). Tal estudo relata que a associação entre adultos e jovens podem ser mais frequentes no outono, quando teoricamente, os filhotes que nasceram no final da primavera e verão estão maiores. Contudo, observamos que as visitas contínuas realizadas por L. longicaudis nas suas latrinas, executaram mais comportamentos de marcação de cheiro do que banheiro público, e isto sugere que as dicas sensoriais são amplamente reconhecidas por outros indivíduos da mesma espécie. Com base nos comportamentos capturados de L. longicaudis em latrinas, é possível elaborar novas hipóteses de comportamento diferenciando os tipos de marcações entre machos adultos e machos jovens, mesmo sendo solitário, contudo ocorre no mesmo dia em locais exclusivos com sobreposição, como ocorre por exemplo com o Mellivora capensis (BEGG et al., 2002). Foi observado que os machos possuem tipos de marcações diferentes sendo que o mais jovem procura marcar mais a si próprio do que marcar o local da latrina. Também foi observado que as fêmeas utilizam as mesmas latrinas que os machos, depositando fezes juntamente com o muco anal. De acordo com Teixeira et al., (2008) o muco anal de Lontra longicaudis pode trazer diversas informações para indivíduos da mesma espécie que habitam o mesmo território, distinguindo o sexo, se a fêmea está no cio, se está prenha ou com filhotes. Com os nossos resultados, podemos afirmar que as latrinas de L. longicaudis são utilizadas como um centro de informações sociais, local adequado para explorar a relação entre socialidade e a comunicação química. Por meio de marcas e feromônios a L. longicaudis mantém comunicação com outros indivíduos da mesma espécie, utilizando as latrinas de ambientes de fácil acesso à água, como barrancos (solo em declive) de areia e troncos. Essas marcações seriam, por outro lado, improváveis sendo feitas diretamente na água, por que as substâncias de cheiro seriam rapidamente levadas e diluídas pela correnteza dos rios. Embora não possamos explorar a ocorrência de comportamentos em outras latrinas, com nossos dados percebemos que existe um padrão significativo de visitas de lontras à latrina no

55 qual sugerem um feedback entre comunicação olfativa e talvez de decisões sociais. Nossos resultados sugerem que no comportamento social da L.longicaudis, as latrinas podem funcionar como um entreposto geral de troca de informações sobre a presença e possivelmente estado reprodutivo de co-específicos. Além disso, tendo sido descritas as características relacionadas a diversas demarcações de odores, postulamos que também eventualmente as latrinas possam servir como prováveis local de encontro, tanto para atividades agonísticas, quanto para atividades reprodutivas e de atividade social.

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Capítulo 4

Análise Bioacústica do repertório vocal da Lontra longicaudis (Olfers, 1818) em latrinas

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Repertório vocal da Lontra longicaudis (Olfers, 1818) em latrinas

Izabela Laurentino, Rafael Sousa, Maria Silva, Gilberto Corso e Renata Sousa-Lima

Resumo

Esta pesquisa examina em detalhes os comportamentos vocais de Lontra longicaudis (Olfers, 1818) em duas latrinas localizadas no município de Nísia Floresta (Rio Grande do Norte). As gravações foram realizadas através do gravador Song Meter, juntamente com um sistema de vigilância por 24hrs através de Câmeras Traps. A análise espectral das vocalizações foi executada no software RAVEN Pro 1.5 (Cornell Lab of Ornithology, Ithaca, NY). Os resultados sugerem que a L. longicaudis possui um repertório vocal compostos por 07 tipos vocais. Utilizamos os parâmetros acústicos que incluíam frequência, potência e duração do som. Este é o primeiro estudo a analisar o repertório vocal de Lontra longicaudis. e os resultados mostraram tipos vocais semelhantes os das espécies Lutra lutra, Enhydra lutris, e Lontra canadensis. Considerando os sete tipos de sons encontrados, quatro já foram descritos por outras espécies anteriormente, como o “whine” (Enhydra lutris), “chirp” (Lutra lutra), “grunt” (Enhydra lutris), e “blow” (Lutra lutra). Este é o primeiro estudo com o objetivo de compreender a sistema de comunicação acústica desta espécie. Embora poucos dos comportamentos observados em vida silvestres desta espécie, as informações obtidas neste estudo sobre os comportamentos vocais em latrinas da Lontra longicaudis fornecem bases para investigações futuras sobre os comportamentos vocais de outras lontras.

Palavras Chave: Lontra Neotropical; Repertório Vocal; Comunicação acústica em latrinas.

Abstract

This research examines in detail the vocal behavior of Lontra longicaudis (Olfers, 1818) in two latrines located in the municipality of Nísia Floresta (Rio Grande do Norte). The recordings were made through the Song Meter recorder, together with a 24-hour surveillance system through Camera Traps. The spectral analysis of the vocalizations was performed using the RAVEN Pro 1.5 software (Cornell Lab of Ornithology, Ithaca, NY). The results suggest that L. longicaudis has a vocal repertoire composed of 07 vocal types. We used acoustic parameters that included frequency, power and duration of the sound. This is the first study to analyze

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Lontra longicaudis vocal repertoire. and the results showed vocal types similar to those of the species Lutra lutra, Enhydra lutris and Lontra canadensis. Considering the seven types of sounds found, four have been previously described by other species, such as “whine” (Enhydra lutris), “chirp” (Lutra lutra), “grunt” (Enhydra lutris), and “blow” (Lutra lutra). This is the first study to understand the acoustic communication system of this species. Although few of the behaviors observed in wildlife of this species, the information obtained in this study on the vocal behaviors of Lontra longicaudis latrines provides a basis for further investigation into the vocal behaviors of other otters.

Key words: Neotropical Otter; Vocal Repertoire; Acoustic communication in latrines.

Introdução

Os mustelídeos exibem uma grande diversidade em sua vida social sendo que algumas espécies são mais sociais que outras (JOHNSON et al., 2000; LOD´E et al., 2003). As lontras exibem variações em sua estrutura social de grupo, com família extensa porem às vezes apenas indivíduos solitários (LEMASSON, 2014). Em funções relacionadas ao habitat selvagem, proteção e atração por parceiros, o que se sabe sobre o sistema de comunicação de mustelídeos refere-se principalmente a hábitos individualistas e comunicação intergrupos associados a pistas olfativas (EISENBERG e KLEIMAN, 1972; POWELL, 1979; LOD´E et al., 2003). A partir de vários estudos conduzidos por diferentes pesquisadores, como os de Almonte (2014), Gnoli e Prigioni (1995) e Leuchtenberger et. al., (2014), há uma categorização básica das vocalizações de mustelídeos que se estende pelas diferentes espécies de lontras. As chamadas são categorizados como: chitters, gritos, chamadas de contato e bufões. No entanto, as vocalizações da subfamília Lutrinae ainda não estão bem conhecidos (GNOLI e PRIGIONI, 1995), alguns estudos de vocalização realizados em membros da subfamília Lutrinae explicaram parcialmente o repertório vocal da Pteronura brasiliensis (BEZZERA, SOUTO e SCHIEL, 2011), Enhydra lutris (McSHANE, ESTES, REIDMAN e STAEDLER, 1995), Lutra lutra (GNOLI e PRIGIONI, 1995) e Lontra canadensis (ALMONTE, 2014) sugerem que eles apresentam sistemas vocais complexos. Esses estudos mostraram que, apesar das diferenças no comportamento social, existem semelhanças nos tipos de chamada exibidos e na maneira como eles são usados, além disso todos exibem um "grito", que é uma chamada estridente, além disso e a Lutra lutra e a Pteronura brasiliensis exibem um "golpe" que é descrito como expiração do ar (ALMONTE, 2014).

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Lemasson (2014), destaca que tipos de vocalização usados por as lontras variam entre os diferentes contextos sociais. Freeberg et al., (2012) propõe que espécies que vivem em grupos sociais complexos, apresentam um sistema de comunicação mais sofisticado, o que é necessário para lidar com uma ampla gama de interações sociais em diferentes contextos comportamentais, como por exemplo o repertório vocal para Pteronura brasiliensis está intrinsecamente ligada à socialidade (FREEBERG et al., 2012; LEUCHTENBERGER et. al., (2014)). A Lontra longicaudis (Olfers, 1818) é um mustelídeo que está incluído na sub-família Lutrinae, a qual é formada por 13 espécies de lontras, divididas em sete gêneros, contendo espécies de água doce e de água salgada, espalhadas por todas as partes do mundo, exceto Austrália e Antártida. É um mamífero carnívoro e semi-aquático, de difícil visualização, pois possuem, em geral, hábitos solitários, noturnos e crepusculares, e são ariscos, com vocalização discreta e comportamento elusivo (LARIVIÈRE, 1999; ROSAS, 2004; KRUUK, 2006). A Lontra Neotropical, entre as espécies de lontras, possui uma das mais amplas distribuições geográficas, ocorrendo do norte do México até a Argentina, e em quase todo o Brasil (CHEHÉBAR, 1990; EMMONS, 1997), podendo ser encontrada em ambientes de lagos, rios e estuários (MASON, 1990). A partir da pouca pesquisa sobre a espécie, até o momento, não foram realizados estudos formais em sistemas vocais de Lontra longicaudis (Olfers, 1818), e com base na literatura, é provável que o repertório seja semelhante a outras espécies de lontras. O objetivo deste estudo é descrever o primeiro repertório vocal da Lontra longicaudis (Olfers, 1818) em latrinas, a fim de categorizar os tipos de sons emitidos pela espécie. Para entender melhor a função do repertório vocal em latrinas, utilizamos câmeras traps para visualizar o comportamento das lontras enquanto estavam nas latrinas. As gravações audiovisuais ofereceram uma visão direta do comportamento e das vocalizações das lontras em tempo real, permitindo que esta pesquisa fosse realizada sobre a função das vocalizações com seus comportamentos associados.

Material e Métodos

A área de estudo compreende um trecho ao longo da margens do rio Boa Cica no município de Nísia Floresta (06 ° 05'37.45 "S; 35 ° 07'58.57" W), inserido na Área de Proteção Ambiental Bonfim Guaraíras, no estado do Rio Grande do Norte, Brasil (pesquisa autorizada pelo ICMBio nº 32910 e Comitê de Ética Animal nº 151.002/2019).

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Duas armadilhas para câmera de vídeo (®Bushnell Trophy Cam 8MP) e um gravador Song Meter (Fig.1), foram instaladas, uma de cada lado com aproximadamente 2m de extensão de terreno, margeando o rio, colocados na mesma altura e ângulo, com amostragem contínua (24 horas). Junto a câmera de vídeo foi colocado um gravador Song Meter utilizando uma frequência amostral de 44.100Hz e programado para gravar 12 horas continuamente (17:00 às 05:00 hr) entre os meses de abril a novembro de 2019. As gravações foram analisadas no software RAVEN Pro 1.5 (Cornell Lab of Ornithology, Ithaca, NY). Os espectrogramas foram produzidos com base nos parâmetros utilizado por Almonte (2014), ou seja, tamanho da janela (FFT) de 512 e sobreposição de 87,5%. Foram extraídas as seguintes variáveis: LF (low frequency); HF (high frequency); CTF (center frequency); PF (peak frequency); MXP (max power); AVP (average power); DT (delta tima) e DF (delta frequency). Todas as unidades de frequência foram medidas em kHz e as unidades temporais foram medidas em segundos (s). A tendência central dos valores dos parâmetros acústicos extraídos dos sons foram comparados àquelas descritas na literatura para cada tipo sonoro da espécie Lontra canadensis (ALMONTE, 2014). Foi utilizando o RAVEN PRO 1.3 para obter um espectrograma (Tipo de Janela: Hann: 256; Sobreposição de 50%; Transformação discreta de Fourier (dft): 256h) do vocal. Os adultos produziram 11 sons distintos: whine, chirp, chatter, creek, squeak, scream, grunt, swish, hiss, blow e hiccup. Os filhotes produziram 4 sons distintos: whine, chirp, chatter e whistle. Portanto, a classificação secundária consiste em quatro tipos de chamadas distintos conforme apresentado em estudos com outras espécies: whine (Enhydra lutris), chirp (Lutra lutra), grunt (Enhydra lutris), e blow (Lutra lutra). Para descrever os tipos vocais produzidos pela Lontra longicaudis (Olfers, 1818) entre as variáveis (Média ± DP), separamos os tipos de chamadas por: Frequência Baixa (LF); Frequência Alta (HF); Frequência Média (CTF); Frequência Fundamental (PF); Potência Máxima (MXP); Potência Média (AVP), Delta Time (DT) e Delta Frequency (DF) e comparamos com os tipos de classificação de Almonte, 2014.

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Figura 1. Imagens do local do estudo (latrinas). A: Equipamentos (câmera trap e gravador), B: Imagem de um indivíduo; C: Imagem de dois indivíduos; e D: Imagem de três indivíduos.

Classificação dos Sons

Após uma análise manual detalhada dos dados selecionados sete tipos acústicos diferentes foram determinados, os quais foram caracterizados de acordo com características espectrais. utilizando-se RAVEN PRO 1.5 para obter um espectrograma do som Tipo 1 e 2 (Tamanho de janela 512; Hop Size: 256; 124 Hz; Sobreposição: 87.5%; Transformação discreta de Fourier (DFT): 512; Scale: 6300.0 Hz); Tipo 3 (Tamanho de janela 512; Hop Size: 256; 124 Hz; Sobreposição: 87.5%; Transformação discreta de Fourier (DFT): 1024; Escala: 6300.0 Hz); Tipo 4 a 7 (Tamanho de Janela: 512; Hop Size: 256; 124Hz; Sobreposição: 87.5%; Transformação discreta de Fourier (DFT): 512; Escala: 6300.0 Hz).

Resultados

O esforço amostral resultou 244 dias e 2.928 horas de gravação. Os tipos de sons e a descrição de cada tipo de som são apresentados abaixo e na tabela 1.

Tabela 1. Estatísticas descritivas para todos os tipos vocais produzidos pela Lontra longicaudis (Olfers, 1818) entre as variáveis (Média ± DP). Para as análises separamos os tipos de chamadas por: Frequência Baixa (LF); Frequência Alta (HF); Frequência Média (CTF); Frequência Fundamental (PF); Potência Máxima (MXP);

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Potência Média (AVP), Delta Time (DT) e Delta Frequency (DF) e comparamos com os tipos de classificação de Almonte, 2014.

Tipo de Tipo de som som (classificação de LF HF CTF PF MXP AVP DT DF (N) Almonte, 2014) 447 4801,8 3186,9 3359,2 63,6 43,8 0,121 4688,8 T1 (n=5) Whine +/- +/- +/- +/- +/- +/- +/- +/- 200 700 290 324 13,2 10,8 0,04 698

708 4757 2196 1421 57,0 39,3 0,09 4050 T2 (n=2) N/A +/- +/- +/- +/- +/- +/- +/- +/- 215 178 818 43 1,9 0,2 0,01 36

1365 4710 2756 2929 59,7 42,7 1,31 3345 T3 (n=3) N/A +/- +/- +/- +/- +/- +/- +/- +/- 238 392 186 177 4,2 4,2 0,29 614

410 5164 3273 3359 58,8 43,1 0,10 4754 T4 (n=3) Chirp +/- +/- +/- +/- +/- +/- +/- +/- 134 139 81 254 10,2 9,5 0,03 271

1921 4176 3101 3101 58,3 44,3 0,32 2255 T5 (n=3) N/A +/- +/- +/- +/- +/- +/- +/- +/- 500 137 86 132 2,8 2,3 0,07 637

1941 4503 3273 3273 87,0 66,2 1,10 2562 T6 (n=3) Grunt +/- +/- +/- +/- +/- +/- +/- +/- 208 386 41 70 6,5 5,9 0,3 574

T7 (n=1) Blow 730 4088 3186 3359 78 61 0,30 3358

Descrição dos contextos da comunicação acústica e características dos tipos sonoros

Tipo 1: Este som foi encontrado em todas a gravações com mais de um indivíduo, podendo ser descrito em cativeiro como “chamadas de contato” (ALMONTE, 2014) ou um som social. Este som varia na frequência (Hz) que é mais alta em filhotes e também na qualidade tonal (algum são bem ruidosos). Este tipo de som possui características espectrais similares aos “whine”, tipo vocal descrito em todos os repertórios vocais de lontras (McSHANE et al, 1995; ALMONTE, 2014).

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Tipo 2: Pode ser descrito também como “chamada de contato”, porém ocorrendo entre mãe e filhote. Este tipo sonoro foi detectado quando o par fêmea e filhote se afastava e sua frequência tende a ser mais grave do que o tipo 1 e ter uma estrutura mais harmônica com bandas de frequência mais definidas.

Tipo 3: Este tipo de som lembra o som de um “rosnar” no qual ocorre quando duas lontras adultas se encontram na mesma latrina, por acessos diferentes e interagem de forma agressiva. Este tipo de som e mais longo e tem modulação de amplitude marcada ao longo de sua duração o que perceptualmente resulta em um som mais ruidoso de que os sons dos tipos 1 e 2.

Tipo 4: Este tipo de som, possui características espectrais parecidas com “chirp’ descrito por Almonte (2014) em cativeiro como uma “chamada de contato” para Lontra canadensis. Neste estudo este tipo sonoro ocorre geralmente com a presença de dois ou mais indivíduos, podendo ser considerado um chamado social. Este tipo sonoro ‘e curto como os tipos 1 e 2 mas ‘e ruidoso como o tipo 3 porém mais agudo.

Tipo 5: Este tipo de som ruidoso parece com o som de um “expirar” (expelindo o ar pelo nariz de forma mais forte) e ocorre em indivíduos solitários ou entre duplas (mãe e filhote).

Tipo 6: Este som apresenta características similares ao “grunt” (McSHANE et al, 1995; ALMONTE 2014). Este grunhido e relativamente longo e possui um tom agudo, e ocorre durante interações agonísticas entre lontras durante embates físicos e ao se afastarem, ambas ficam rosnando (emitindo sons do tipo 3) uma para outra.

Tipo 7: Este tipo de som, possui característica similar ao “blow” (DUPLAIX, 1971; Watson, 1978; GREEN et al., 1984; BOUCHARDY, 1986; MASON & MACDONALD, 1986; GNOLI & PRIGIONI, 1995; ALMONTE, 2014), soando como o tipo 3 porém bem mais curto.

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A B

C D

E F

70

G

Figura 2. Imagens dos espectrogramas feitos no Programa R, para os tipos de chamada: A) Tipo 1; B) Tipo 2; C) Tipo 3 (da faixa de frequência entre 6 e 8, ocorre uma interação do habitat natural, com a presença de chuvas e movimentos da vegetação Guadua ssp.); D) Tipo 4; E) Tipo 5; F) Tipo 6 e G) Tipo 7. O eixo Y representa a frequência (kHz) e o eixo X representa o tempo (s).

Identificação dos emissores

Os espectrogramas de cada arquivo editado foram inspecionados para distinguir cada chamada produzida pela espécie, juntamente com o registro de vídeo, facilitando a identificação do indivíduo produzindo a chamada. Quando a identificação individual, nos adultos era possível verificar o sexo, já os filhotes não puderam ser identificados individualmente por não obter visualizações da genitália nos vídeos.

Sons emitidos em sequência durante interações entre indivíduos

Durante uma das filmagens algumas das chamadas foram utilizadas entre um adulto (provavelmente a mãe) e um filhote. A figura 3 mostra um trecho da gravação de áudio onde o Tipo 5 foi pronunciado mais pelo indivíduo adulto (mãe), algumas vezes em sequência, e o Tipo 2 e 4 pelo filhote. Ao se distanciar, o filhote pronuncia mais o som Tipo 4.

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Figura 3. Imagem do espectrograma, retirado do programa RAVEN, onde registrou indivíduo adulto (mãe) juntamente com um filhote em uma latrina.

Já a figura 4 mostra, dois indivíduos adultos, onde o Tipo 6 ocorre quando se confrontaram de forma agressiva, e o Tipo 3 ao se distanciarem um do outro.

Figura 4. Imagem do espectrograma, retirado do programa RAVEN, onde registrou dois indivíduos adultos em uma latrina.

Discussão

Este é o primeiro estudo a analisar o repertório vocal de Lontra longicaudis. e os resultados mostraram tipos vocais semelhantes a Lutra lutra (GNOLI & PRIGIONI, 1995), Enhydra lutris (McSHANE et al., 1995), e Lontra canadensis (ALMONTE, 2014). O repertório vocal descrito é composto por sete tipo de som, onde quatro já foram descritos por outras

72 espécies, como o “whine” (Enhydra lutris), “chirp” (Lutra lutra), “grunt” (Enhydra lutris), e “blow” (Lutra lutra). Dentre os 7 tipos de sons produzidos por Lontra longicaudis, os Tipos 1,4,6 e 7 foram também registrados em Lontra canadensis (ALMONTE, 2014), e o Tipo 7 em Lutra lutra (GNOLI & PRIGIONI, 1995). Já os Tipos 1 e 6 foram registrados também na espécie Enhydra lutris (McSHANE et al, 1995). Um estudo realizado com Lontra canadensis (ALMONTE, 2014) apresentou quatro tipos vocais distintos. Esta classificação levou em conta diferenças vocais entre adultos e filhotes apresentando variações individuais, sugerindo que as vocalizações provavelmente são modificadas ao longo do desenvolvimento dos filhotes. Encontramos similaridades e diferenças entre os tipos de sons emitidos pelas espécies Enhydra lutris (FLEMING, 1822), Lutra lutra (LINNAEUS, 1758) e Lontra canadensis (SCHREBER, 1777), a partir desses sons, utilizamos-os como artefato de classificação, no qual também usamos o contexto comportamental para nos guiar. Considerando os quatro tipos de chamadas distintos conforme apresentado em estudos com outras espécies, descrevemos um por um para Lontra longicaudis. O som “whine” encontrado em Enhydra lutris (McSHANE et al., 1995) e Lontra canadensis (ALMONTE, 2014), possui características espectrais similares ao nosso som tipo 1, podendo ser considerado como “chamada de contato”, as espécies tiveram resultados aproximado, no qual este tipo de som foi mais produzido por filhotes e entre adultos e filhotes intercalados, e isso sugere que o “whine” é um tipo de som comum para o repertório vocal de lontras, podendo ser o vocal no qual os tipos de chamadas podem ser modificados dos filhotes para os adultos (ALMONTE, 2014). O som “chirp” foi encontrado a Lutra lutra (GNOLI & PRIGIONI, 1995) e Lontra canadensis (ALMONTE, 2014), possui características espectrais similares ao nosso som tipo 2, podendo apresentar variações individuais, ocorrendo entre mãe e filhote. De acordo com Gordan (2015), os “chirps” produzidos pela Lutra lutra em cativeiro, são usados para transmitir mensagens amigáveis. O som “grunt” foi registrado apenas por indivíduos órfãos (Enhydra lutris), ouvidos durante a auto-limpeza (McSHANE et al., 1995) no entanto, também foi registrado em Lontra canadensis (ALOMONTE, 2014), entre dois indivíduos adultos, particularmente expressos quando a lontra estava em um estado de excitação moderadamente agitado, conforme descrito por Amonte (2014) ao observar a espécie em cativeiro. Em nossos dados, o “grunt” possui características sonoras com o som tipo 6, possui observações comportamentais parecidas com

73 a observação relatada por Almonte (2014), no entanto, em nossas gravações não podemos confirmar os sexos dos dois indivíduos. Já o som “blow” possui várias discursões referente ao repertório vocal da Lutra lutra, descrito inicialmente por Duplaix (1971) como uma “chamada sexual”, ou refere-se a sons proferidos durante o namoro (GREEN et al., 1984). Watson (1978) e Mason & Macdonald, (1986), descrevem o som “blow” como chamadas emitidas por um filhote enquanto sua mãe estava forrageando. O Bouchardy (1986), menciona-o como esse som “blow”, observado em filhotes pedindo leite. De acordo com Gnoli & Prigioni (1995) e Almonte (2014), o som “blow” em Lutra lutra e Lontra canadensis, descrito como som Tipo 7 em Lontra longicaudis, parece ser uma reação imediata à visão de um perigo em potencial, no entanto, ainda não está claro se este som é um som de alarme ou um indicativo de ameaça. Considerando que o número amostral em nosso estudo é pequeno, não podemos afirmar se a duração de cada tipo de som pode variar ou não para cada indivíduo. O som de Tipo 2, em Lontra longicaudis, pode ser uma variação do Tipo 1, considerando que o número amostral é pequeno, foi possível verificar através de gravação com câmera traps, o filhote vocaliza o Tipo 1 e 2, no entanto, existe uma diferença significativa entre o tipo 1 e 2 nos filhotes. Os resultados, de modo geral, mostraram que a Lontra longicaudis tem um repertório vocal semelhante ao da Lontra canadensis (ALMONTE, 2014). Porém, encontramos um maior número de tipos sonoros que podem ter sido resultantes de uma subcategorização de um mesmo tipo (devido ao número amostral baixo) ou porque nosso esforço foi realizado em ambiente natural onde poderíamos, teoricamente, observar contextos sociais mais diversificados e consequentemente tipos vocais mais variados. Segundo Almonte (2014), o repertório vocal de uma espécie pode ser influenciado por restrições evolutivas e pressões seletivas imposta pelo meio ambiente e sistema social . Uma maior de tipos de interação em ambiente natural estaria resultando em um repertório sonoro mais rico conforme a Hipótese de Complexidade Social para a Comunicação (FREEBERGER et al., 2012). De todas as espécies de lontras, a ariranha (Pteronura brasiliensis) é a mais social e também a que apresenta maior repertório vocal. Os membros de um grupo de ariranhas se comunicam extensivamente com um sistema vocal elaborado e também usam as marcações de cheiro para transmitir informações sobre status social, status sexual e para fins de demarcação territorial (LEUCHTENBERGER et al., 2014). Uma vez que existem grandes diferenças de comportamento social nas lontras, seria de se esperar que a comunicação pode variar muito. Os estudos relacionados ao sistema vocal de lontras, a grande maioria foram feitos com espécimes em cativeiro dentre elas a Enhydra lutris

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(McSHANE et al., 1995), Aonyx cinerea (LEMASSON et al., 2014), Lontra canadensis (ALMONTE, 2014) e Lutra lutra (GNOLI & PRIGIONI, 1995; GORDAN, 2015). Contudo a metodologia aplicada pode limitar o tipo de comportamento, as interações sociais e consequentemente o seu sistema de comunicação. Como exemplo podemos citar o estudo realizado em habitat natural com Pteronura brasiliensis (LEUCHTENBERGER et al., 2014), esta espécie apresentou um sistema de comunicação mais complexo, como resultado de uma maior intensidade de interações sociais. As latrinas são locais utilizados pelas lontras como forma de comunicação, principalmente através da marcação de cheiro, para manter territórios e transmitir o status social aos membros do grupo (Rostain, Ben-David, Groves, & Randall 2004). Ao estudar o sistema vocal de lontras, podemos adquirir uma compreensão melhor de seus comportamentos sociais (ALMONTE, 2014). Ressaltamos que o nosso estudo descreve o repertório vocal da Lontra longicaudis em latrinas, o que pode limitar o contexto comportamental e oportunidades comunicativas da espécie. Contudo, nosso estudo corrobora com outros da literatura para outras espécies e contribui para um melhor entendimento das diferenças e similaridades na evolução dos sistemas de comunicação vocal em mustelídeos.

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Referências

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ANEXO

Anexo 1. Caracterização dos tipos vocais produzidos pela Lontra longicaudis (Olfers, 1818). Para as análises separamos os tipos de chamadas por: Frequência Baixa (LF); Frequência Alta (HF); Frequência Média (CTF); Frequência Fundamental (PF); Potência Máxima (MXP); Potência Média (AVP), Delta Time (DT) e Delta Frequency (DF).

SOUND CUT LF HF CTF PF MXP AVP DT DF Tipo 1 01 447.0 6182.9 3100.8 3100.8 73.2 51.1 0.211 5735.9 02 502.8 6105.0 3186.9 3186.9 88.5 66.6 0.191 5602.2 03 113.0 4801.8 3186.9 3359.2 53.7 37.4 0.121 4688.8 03 734.4 4801.8 3876.0 3962.1 63.6 43.8 0.121 4067.4 03 395.4 4575.8 3531.4 3703.7 53.5 38.2 0.117 4180.4

Tipo 2 02 922.6 4935.8 3014.6 1464.3 55.1 39.5 0.071 4013.2 02 493.1 4579.1 1378.1 1378.1 58.9 39.1 0.099 4085.9

Tipo 3 01 1365.3 4710.4 3100.8 3186.9 66.2 48.2 1.431 3345.0 02 911.2 5102.5 2670.1 2928.5 56.1 37.9 1.313 4191.3 03 1455.4 4148.0 2756.2 2756.2 59.7 42.7 0.756 2692.6

Tipo 4 01 573.8 4918.2 3100.8 2928.5 79.0 60.8 0.167 4344.4 01 409.9 5164.1 3273.0 3359.2 58.8 43.1 0.091 4754.3 01 245.9 5246.1 3273.0 3531.4 56.3 39.0 0.104 5000.2

Tipo 5 01 1921.0 4176.1 3100.8 3186.9 62.8 46.6 0.316 2255.1 02 2458.3 4022.6 3186.9 3100.8 57.8 44.3 0.197 1564.4 03 1459.2 4296.5 3014.6 2928.5 58.3 42.0 0.319 2837.3

Tipo 6 01 1941.0 4503.2 3273.0 3273.0 87.0 66.2 1.101 2562.1 02 2128.4 3745.9 3186.9 3186.9 76.1 61.1 0.516 1617.6 03 1623.8 4615.1 3273.0 3359.2 91.5 75.4 1.269 2991.3

Tipo 7 01 730.1 4088.7 3186.9 3359.2 78.5 61.1 0.298 3358.6

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CONCLUSÃO GERAL

Considerando que o conhecimento sobre a Lontra Neotropical (Lontra longicaudis - Olfers, 1818) ainda possui uma grande lacuna entre os pesquisadores do mundo a fora, onde os estudos morfológicos e moleculares integrados, biologia reprodutiva, dinâmica populacional e iniciativas de monitoramento a longo prazo ainda são escassas de pesquisa, contudo, as pesquisas realizadas neste trabalho, apresentou novas descobertas sobre a espécie, contribuindo com novos dados relevantes para futuras pesquisas com Lontra longicaudis. Estudos de tamanho populacional de L. longicaudis são difíceis de realizar, porque a espécie é difícil de observar no ambiente natural, bem como a espécie possui características esquivas, como hábitos noturnos e crepusculares. Ao utilizar recursos práticos, como armadilhas fotográficas e busca de trilhas, aliados a entrevistas realizadas na comunidade local, se mostram satisfatório, considerando que através deste método não invasivo foi possível confirmar a ocorrência de L. longicaudis. em 19 municípios do Estado do Rio Grande do Norte, inseridos em 08 bacias hidrográficas, 13 em área de Mata Atlântica e 09 em Áreas de Proteção Ambiental (APA Bonfim Guaraías e Piquiri-Una). Além disso, alguns registros de espécies foram encontrados em 05 municípios localizados na área de transição da Mata Atlântica para a região semiárida. Em nossa pesquisa realizada com câmeras traps versus Lontra Neotropical, revelaram que a dependência alimentar na Mata Atlântica não é sazonal e pode não estar relacionada a períodos menos produtivo (estação seca) ou escassez de alimentos e estar relacionado a preferências alimentares de outras espécies visitantes. Além disso, os visitantes que comeram nas latrinas não têm os mesmos hábitos alimentares das lontras. Espécies insetívoras usaram as latrinas para se alimentar, mas eles podem não estar necessariamente consumindo matéria fecal e em vez disso, poderia estar predando a fauna de invertebrados associada com as latrinas. Em geral, o consumo fecal de mamíferos, limitado a duas das cinco espécies de mamíferos capturadas em vídeo, não diferem significativamente de outros taxa. Portanto, latrinas comunitárias de Lontras Neotropicais são um importante recurso alimentar que volta para a comunidade de vertebrados da Mata Atlântica e invertebrados. Com base em estudos realizados em latrinas de L. longicaudis, elas não são utilizadas apenas como banheiro público, mas também são utilizadas como um centro de informações sociais, tornando isso como um sistema adequado para explorar a relação entre socialidade e a comunicação química. Por meio de marcas e feromônios a L. longicaudis mantém comunicação com outros indivíduos da mesma espécie, em latrinas com ambientes de fácil acesso à água,

79 como barrancos (solo em declive) de areia e troncos. Considerando a análise comportamental da espécie em duas latrinas, com os dados obtidos podemos afirmar que existe um padrão significativo de visitas de lontras às latrinas, sugerindo um feedback entre comunicação olfativa e talvez de decisões sociais. Portanto, o comportamento social da L.longicaudis nas latrinas possuem várias funções, como troca geral de informações na presença de co-específicos tonando-se possíveis pólos de atividade social, assim diferindo em parte das descobertas anteriores no qual relatam que as L. longicaudis são animais predominantemente solitários. Nossa pesquisa também se destacou em estudar o sistema vocal de lontras, para adquirir uma compreensão melhor de seus comportamentos sociais. No entanto, nossos resultados se limitou a descrever o repertório vocal da Lontra longicaudis em latrinas, no qual sugerem que a L. longicaudis possui um repertório vocal compostos por 07 tipos vocais. Considerando que este é o primeiro estudo a analisar o repertório vocal de Lontra longicaudis. os resultados mostraram tipos vocais semelhantes os das espécies Lutra lutra, Enhydra lutris, e Lontra canadensis, tendo em vista que quatro deles já foram descritos por outras espécies anteriormente, como o “whine” (Enhydra lutris), “chirp” (Lutra lutra), “grunt” (Enhydra lutris), e “blow” (Lutra lutra). Embora poucos dos comportamentos observados em vida silvestres desta espécie, as informações obtidas neste estudo sobre os comportamentos vocais em latrinas da Lontra longicaudis fornecem bases para investigações futuras sobre os comportamentos vocais de outras lontras. Por fim, os resultados apresentados nos capítulos confirmam o alto potencial da utilização de métodos não-invasivos, representam um campo promissor para novas pesquisas para o estudo de diversas questões sobre a ecologia e comportamento de L. longicaudis. Na medida em que novos dados forem gerados utilizando-se métodos não-invasivos, será possível realizar novas descobertas comportamentais da Lontra Neotropical como um todo, ajudando a identificar áreas prioritárias de preservação para espécie, obter uma melhor compreensão dos impactos e perda de habitat em sua dinâmica populacional, de forma a embasar a elaboração de estratégias que viabilizem sua persistência nestes ambientes em longo prazo e fornecendo assim dados sólidos para embasar futuros planos para sua conservação e manejo em âmbitos regional, nacional e internacional.

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REFERÊNCIAS EXTRA TEXTUAL

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ANEXOS

Justificativa de Ética

A pesquisa de Izabela Costa Laurentino, Matrícula nº 20181008722, enquanto aluna do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, nível Mestrado, orientada pelo Prof. Gilberto Corso, e co-orientanda pela Profa. Dra. Renata Santoro Sousa-Lima, foi autorizada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio; Licença SISBIO número 32910). O ICMBio é o órgão federal com finalidade de executar e fazer executar a política e diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente (Lei nº 6.938/1981), sendo competência deste, através do SISBIO, conceder autorização para a coleta de material biológico de espécimes da fauna silvestre em território brasileiro. A observação e gravação de imagens e som para fins científicos também foi autorizado também pela Comissão de Ética do Uso de Animais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, protocolo 002/2019, Certificado nº 151.002/2019, como consta em anexo.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE COMISSÃO DE ÉTICA NO USO DE ANIMAIS – CEUA Av. Salgado Filho, S/N – CEP: 59072-970 – Natal / RN Fone: (84) 99229-6491 / e-mail: [email protected]

CERTIFICADO

Natal (RN), 04 de abril de 2019.

Certificamos que a proposta intitulada “Análise bioacústica da vocalização de Lontra longicaudis (Olfers, 1818) no estado do Rio Grande do Norte, Brasil”, protocolo 002/2019, CERTIFICADO nº 151.002/2019 , sob a responsabilidade de Gilberto Corso - que envolve a produção, manutenção e/ou utilização de animais pertencentes ao filo Chordata, subfilo Vertebrata (exceto o homem), para fins de pesquisa científica (ou ensino) - encontra-se de acordo com os preceitos da Lei n.º 11.794, de 8 de outubro de 2008, do Decreto n.º 6.899, de 15 de julho de 2009, e com as normas editadas pelo Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal (CONCEA), foi aprovada, após adequações, pela COMISSÃO DE ÉTICA NO USO DE ANIMAIS da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – CEUA/UFRN.

Vigência do Projeto Janeiro 2020 RELATÓRIO FEVEREIRO 2020 Quantidade: Espécie Linhagem Idade Peso aprox. M F Total Lontra longicaudis - Variado - x x - Ao longo dos rios Pium e Boca Cica (Nísia Floresta/RN) e rio Trairi (São Origem José de Mipibu/RN) Ao longo dos rios Pium e Boca Cica (Nísia Floresta/RN) e rio Trairi (São Manutenção José de Mipibu/RN) Não há contato direto com os animais, apenas gravações vocal e OBSERVAÇÃO comportamental

Informamos ainda que, segundo o Cap. 2, Art. 13, do Regimento Interno desta CEUA, é função do professor/pesquisador responsável pelo projeto a elaboração de relatório de acompanhamento que deverá ser entregue tão logo a pesquisa seja concluída. O descumprimento desta norma poderá inviabilizar a submissão de projetos futuros.

Josy Carolina Covan Pontes Coordenadora da CEUA-UFRN Gestão 2019-2010

www.ceua.propesq.ufrn.br