Revista Brasileira de Geociências Otávio Nunes Borges Lima et al. 37(4 - suplemento): 204-215, dezembro de 2007

Estratigrafia do Grupo Bambuí na e geologia do depósito fosfático de Cedro do Abaeté,

Otávio Nunes Borges Lima1, Alexandre Uhlein2 & Walter de Britto3

Resumo Este trabalho descreve o Grupo Bambuí na Serra da Saudade, caracterizando depósitos de fosfato sedimentar. Apresentam-se descrições das unidades litoestratigráficas, com auxílio de coluna estratigráfica, mapa e seções geológicas. As litofácies da Formação Serra da Saudade incluem: (1) ritmito pelito-arenoso; (2) arenito fino com estratificação cruzada hummocky; (3) ritmito areno-pelítico verde (verdete) glauconítico; (4) ritmito fosfático; (5) carbonatos retrabalhados (calcirudito e calcarenito). Os sedimentos da Fm. Serra da Sau- dade foram depositados em uma plataforma relativamente profunda, periodicamente influenciada por ondas de tempestades, mostram padrão de granocrescência ascendente, são imaturos e depositados numa bacia sob a influência de processos colisionais. Os ritmitos fosfáticos (fosfoarenitos) estão situados próximos à cidade de Cedro do Abaeté-MG. Os ritmitos consistem de intraclastos fosfáticos em uma matriz microcristalina (mi- crítica) formada por grãos de fluorapatita, em adição a outros minerais detríticos como o quartzo, K-feldspato, plagioclásio, micas e clorita. A fosfatização é uma fase sindiagenética, mas com importante desenvolvimento de wavelita por alteração supergênica.

Palavras-chave: Grupo Bambuí, Formação Serra da Saudade, sedimentologia, glauconita, fosfato sedimentar.

Abstract Stratigraphy of the Bambuí Group in the Serra da Saudade, Minas Gerais, and Geology of the Phosphate Deposits. This work focalizes the Bambuí Group in the Serra da Saudade, including lith- ostratigraphical units description, geological map, and cross sections drawing. The lithofacies of the Serra da Saudade Formation were described: (1) pelitic-psamitic rhythmites; (2) sandstone with hummocky cross estrat- ification; (3) green glauconitic rhythmite; (4) phosphatic rhythmite; (5) reworked carbonates (calcirudites and calcarenites). The pelitic-sandy sediments of Serra da Saudade Formation were deposited on a platform lying at a mean water depth periodically influenced by storm currents. The Serra da Saudade Formation terrigenous rocks show coarsening upward sequence, are immature sediments and were accumulated in a basin under the influence of collisional processes. The phosphatic rhythmite (phosphoarenite) is situated near Cedro do Abaeté city. It consists of phosphate intraclasts in a microcrystalline grained matrix (micrite), rich in fluorapatite, and addition to detrital quartz, feldspar, muscovite and other minerals.The phosphatization is a syn-diagenetic phase, but with important development of the wavelite by the supergene alteration.

Keywords: Bambuí Group, Serra da Saudade Formation, sedimentology, phosphate.

INTRODUÇÃO A Serra da Saudade constitui o do- tida nos sucessivos trabalhos realizados, como no Pro- mínio elevado de cristas interplanálticas que acompa- jeto São Francisco (COMIG/CPRM 2002). nham os interflúvios das bacias hidrográficas do alto rio A Formação Serra da Saudade possui rochas São Francisco e do rio Indaiá, no centro-oeste mineiro, areno-pelíticas e pelíticas de cor verde, tradicionalmen- que avança em direção norte até o lago da represa de te conhecidas como verdetes, e depósitos areno-fosfá- Três Marias (Fig. 1). As principais cidades da região ticos encontrados, principalmente, entre as cidades de são Abaeté, , e Cedro do Abaeté. O Cedro do Abaeté-MG e Quartel São João-MG, no alto rio Indaiá é o seu principal eixo de drenagem. da Serra da Saudade. Os depósitos de fosfatos sedimen- Na literatura geológica, a Serra da Saudade ga- tares foram reconhecidos e mapeados anteriormente nhou notoriedade por ser a seção tipo da formação ho- pelo Projeto Cedro do Abaeté (Chaves et al. 1971). mônima, unidade estratigráfica definida originalmente Posteriormente foram mencionados por Dardenne et al. por Costa & Branco (1961), que a colocaram no topo (1986), em artigo sobre fosfatos proterozóicos de ori- do Grupo Bambuí. O posicionamento estratigráfico da gem sedimentar. Formação Serra da Saudade foi revisto por Dardenne O objetivo deste trabalho é contribuir com da- (1978), que a colocou sotoposta à Formação Três Ma- dos estratigráficos sobre o Grupo Bambuí na região da rias. Desde então, essa proposta estratigráfica foi man- Serra da Saudade e apresentar dados petrográficos e se-

1 - PETROBRÁS UM-ES/ATP-JUB, Vitória (ES), Brasil. E-mail: [email protected] 2 - Departamento de Geologia, Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, (MG), Brasil. E-mail: [email protected] 3 - Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear-CNEN, Belo Horizonte (MG), Brasil. E-mail: [email protected]

204 Arquivo digital disponível on-line no site www.sbgeo.org.br Otávio Nunes Borges Lima et al.

Figura 1 - Mapa de localização da Serra da Saudade em Minas Gerais, com as princi- pais vias de acesso. dimentológicos sobre o depósito fosfático, procurando ber: Fm. Jequitaí, Fm. , Fm. Serra de Santa delinear sua evolução geológica. A região é de difícil Helena, Fm. Lagoa do Jacaré, Fm. Serra da Saudade e acesso e carente de dados científicos relevantes. Fm. Três Marias. A unidade basal, Fm. Jequitaí, é glaciogênica e ESTRATIGRAFIA E SEDIMENTOLOGIA DO constituída por diamictitos e, subordinadamente, areni- GRUPO BAMBUÍ NA SERRA DA SAUDADE O tos e pelitos. A Fm. Sete Lagoas representa uma unidade Grupo Bambuí constitui-se numa unidade estratigráfi- carbonática, formada por calcários laminados, calcários ca formada por litofácies siliciclásticas e carbonáticas e dolomitos estromatolíticos, doloarenitos e brechas do- (químicas, bioquímicas e de retrabalhamento), deposi- lomíticas, depositados em ambientes de intermaré, in- tadas sobre uma plataforma marinha epicontinental, no framaré e plataforma carbonática (Nobre-Lopes 1995, final do Neoproterozóico (700 - 600 Ma). A distribui- Lima 1997). A Fm. Serra de Santa Helena representa ção geográfica do Grupo Bambuí, e correlatos, é ampla uma espessa unidade dominada por siliciclásticos finos, e contínua ao longo de uma expressiva faixa do Brasil principalmente siltitos, folhelhos e arenitos muito finos central. Ocorre ao longo de vastas áreas dos estados de e impuros, depositados em plataforma dominada pela Minas Gerais, Bahia, Goiás e parte do Distrito Federal. ação de ondas normais e de tempestades (Guimarães A estratigrafia clássica, e mais usual, do Grupo 1997). A Fm. Lagoa do Jacaré é caracterizada pela as- Bambuí foi definida por Costa & Branco (1961) e por sociação de depósitos carbonáticos de retrabalhamento, Dardenne (1978, 1981). Segundo Dardenne (1978) o principalmente calcarenitos oolíticos a pisolíticos, cal- Grupo Bambuí é constituído por seis formações, a sa- ciruditos e doloruditos, intercalados com níveis de es-

Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (4 - suplemento), 2007 205 Estratigrafia do Grupo Bambuí na Serra da Saudade e geologia do depósito fosfático de Cedro do Abaeté, Minas Gerais pessura variável de siltitos e, raras, bioconstruções car- tos mostram 40 a 50% de quartzo, 30 a 40 % de feldspa- bonáticas. A Fm. Serra da Saudade, de ocorrência mais tos (plagioclásio predomina) e 10 a 20 % de filossilica- restrita, e também dominantemente siliciclástica é for- tos, na forma de micas detríticas. Acessórios são turma- mada por ritmitos silto-arenosos, localmente fosfáticos, lina, epidotos, zircão, opacos e fragmentos líticos. siltitos, arenitos grauvaquianos e subarcosianos e, mais Os carbonatos detríticos foram encontrados em raramente, por pelitos verdes conhecidos na literatura Abaeté e na Serra do Tigre (Fig. 2). Em Abaeté ocorrem geológica como verdetes (Lima 2005). A unidade supe- calcarenitos, brechas e calcilutitos. Na Serra do Tigre rior, Fm. Três Marias é dominada por arenitos arcose- observou-se bioconstruções estromatolíticas com inter- anos médios a finos, mostrando truncamentos de baixo calações de doloruditos. Podem representar a Formação ângulo e estratificação cruzada hummocky, intercalados Lagoa do Jacaré na área, entretanto, a unidade não foi em silititos e ritmitos, depositados em plataforma sili- individualizada no mapa geológico. ciclástica dominada pela ação de ondas de tempestade (Chiavegatto 1992). Formação Serra da Saudade As litofácies da For- Por meio do apoio dos mapas do Projeto São mação Serra da Saudade ocorrem, principalmente, na Francisco, análise de imagens Landsat, e observações parte sul da área investigada, próximo da cidade de Ce- de campo, efetuadas pelos autores, foi possível confec- dro do Abaeté, onde atingem uma espessura de cerca de cionar o mapa geológico (Fig. 2) da região da Serra da 200 metros. Para o norte (Serra do Palmital), a espessu- Saudade e seu prolongamento norte, a Serra do Palmi- ra diminui. Cinco litofácies foram reconhecidas na Fm. tal. No mapa são individualizadas as Formações Serra Serra da Saudade: (1) Ritmito pelito-arenoso; (2) Car- de Santa Helena (predominando a leste), Serra da Sau- bonatos retrabalhados; (3) Ritmito areno-pelítico verde dade (ocorrendo na Serra homônima, porção oeste do (verdete); (4) Arenito fino com hummocky; (5) Ritmito mapa), e, para norte, a Formação Três Marias. Rochas fosfático. do Cretáceo, constituídas pelos Grupos Areado (are- Os ritmitos pelito-arenosos predominam na nitos) e Mata da Corda (vulcânicas básicas alcalinas) base, mostram leitos psamíticos com alguns centíme- ocorrem em discordância sobre os sedimentos protero- tros de espessura, de granulometria média-fina, que se zóicos. Coberturas inconsolidadas são freqüentes, prin- alternam com leitos pelíticos (silto-argilosos). Os car- cipalmente na região norte de Abaeté. Duas seções ge- bonatos retrabalhados ocorrem nas cercanias de Cedro ológicas são apresentadas na figura 3. A primeira, mais do Abaeté e são lenticulares, na forma de calcarenitos ao sul (A-B), passa pela cidade de Cedro do Abaeté, e calciruditos, intercalados com os verdetes. Os are- mostra a Formação Serra da Saudade com maior es- nitos finos com hummocky predominam para o topo, pessura (~200 m) e a importância dos dobramentos de mostram superfícies de truncamento de baixo ângulo eixos norte-sul. A segunda (C-D) mostra a estrutura da e comprimentos de onda entre 1 e 2 metros. Os are- Serra do Palmital, menor espessura da Form. Serra da nitos são imaturos texturalmente e mineralógicamen- Saudade e a importância da cobertura cretácea. te, com granulometria variando de areia média a silte Dados estratigráficos sobre a região da Serra e grãos angulosos a sub-angulosos. Petrograficamente da Saudade são mostrados na figura 4. Identificaram- são constituídos por quartzo (50-40%), micas, cloritas se cinco litofácies na Formação Serra de Santa Helena, e argilo-minerais (30 %), feldspatos (15 a 10 %) e aces- cinco na Formação Serra da Saudade e duas na Forma- sórios como zircão, rutilo e opacos. ção Três Marias. Os ritmitos areno-pelíticos verdes (Figs. 4 e 5) são formados pela sucessão de camadas de 0,5 a 30 cm, Formação Serra de Santa Helena A Formação Serra predominando de 2 a 10 cm, que afloram nas porções de Santa Helena representa a unidade litoestratigráfica elevadas da Serra da Saudade, nos arredores de Cedro de maior expressão, correspondendo a base do Grupo do Abaeté, com espessura aproximada de até 80 metros. Bambuí na área investigada. A espessura deste conjun- São rochas bem estratificadas, com base arenosa e topo to é superior a 250 m. Constitui-se da intercalação de silto-argiloso, com predomínio de camadas planas ou ritmitos pelito-arenosos e camadas centimétricas e, às onduladas, com base plana e topo exibindo convexi- vezes, decimétricas, de siltitos argilosos e ocorrência dades e, internamente, truncamentos de baixo ângulo, esparsa de lentes de carbonatos detríticos. Cinco lito- considerados como estratificações cruzadas por ondas fácies foram reconhecidas na Fm. Serra de Santa Hele- (hummockys) e interpretados como fácies de tempesti- na: (1) Ritmito; (2) Siltito argiloso maciço; (3) Arenito tos (Uhlein et al. 2004, ponto 18, pg. 25). Os ritmitos muito fino com laminação cruzada; (4) Carbonatos; (5) areno-pelíticos verdes (verdetes) podem exibir interna- Siltito com hummocky. mente ciclos de granodecrescência ascendente (Fig. 5), Os ritmitos, que representam a litofácies mais com granulometria variando, na base, de areia fina a abundante, são areno-silto-argilosos, com leitos de are- síltica até silto-argilosa no topo, mostrando cor verde. nito fino e siltito, esse último com lâminas argilosas. A tonalidade verde também pode variar de mais clara Estratificação e laminação plana predo minam, mas na base (areno-siltosa) a mais escura no topo, principal- laminações cruzadas (climbing ripples) e estratificação mente quando coincide com lâminas argilosas. Assim, cruzada por ondas (hummocky) podem ocorrer (Uhlein à medida que a granulometria decresce, a cor verde, et al. 2004, Lima 2005). torna-se mais intensa, mostrando que o mineral cromó- Petrograficamente, ao microscópio, esses ritmi- foro está concentrado nas frações argilosas. Os verdetes

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Figura 2 - Mapa geológico da Serra da Saudade. Compilação dos mapas 1: 250 000, Folhas Três Marias e Bom Despacho, do Projeto São Francisco (COMIG/CPRM 2002) e dados adi- cionais, obtidos pelos autores em trabalhos de campo. Ver localização das seções geológicas A-B e C-D, referentes a figura 3.

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Figura 3 - Seções geológicas A-B e C-D transversais à Serra da Saudade. Exagero vertical é 5X e 2,5 X respectivamente. Localização das seções está na figura 2. Modificado de Lima (2005).

apresentam teores de potássio (K) de 7 a 14% e mi- os ritmitos areno-pelíticos esverdeados, assim como nerais como quartzo, K-feldspato, albita, mica branca, a ocorrência de ciclos granodecrescentes ascendentes, glauconita, clorita e opacos. a associação com arenitos com hummockys, sugerem Análise difratométrica de raio-X (Tab. 1) e resul- processos de retrabalhamento em plataforma dominada tados de microanálise (Microssonda - JEOL Superpro- por ondas de tempestades, intercalados com períodos be) a partir da amostragem dessas rochas indicam que o de calmaria, que favoreceram a sedimentação das lâmi- mineral responsável pela tonalidade verde é a glauco- nas argilosas verdes, ricas em glauconita. nita. Os grãos de glauconita são geralmente inferiores A relação estratigráfica entre as litofácies da a 3µm, portanto na granulometria de argila. Entretanto, Formação Serra da Saudade exibe um padrão granocres- ocorrem grãos de glauconita de granulometria maior cente para o topo (coarsening upward), com ritmitos (silte-areia muito fina), dispersos nos leitos arenosos e argilosos na base e arenitos no topo, indicando aumen- indicando, nesse caso, uma origem detrítica. to na energia do ambiente deposicional, possivelmente A glauconita forma-se nas porções externas da de caráter regressivo. A sedimentação foi em contexto plataforma, em zonas de baixo aporte sedimentar, afas- plataformal, abaixo do nível de ondas normais, com tada da foz dos rios. O material glauconítico se origina ação de ondas de tempestades, onde fluxos episódicos por halmirólise lenta dentro de um micro-ambiente re- portadores de sedimentos se alternavam com deposi- dutor, em comunicação com águas oxigenadas (Odom ção por decantação. As rocha terrígenas da Formação 1984, Odin 1988, Guimarães 1997). O material glauco- Serra da Saudade são imaturas, com deposição rápida, nítico inicial é semelhante a um alumino-silicato férri- sedimentadas próximas à área fonte, em uma bacia sob co, sub-saturado em álcalis, semelhante a uma esmec- influência de processos tectônicos colisionais (Guima- tita, com estrutura mal cristalizada (Guimarães 1997). rães 1997). Em condições de baixo aporte detrítico e suprimento A litofácies de ritmito fosfático será descrita em constante de Fe e K pode evoluir para glauconita, no separado, no próximo item, visando, também, uma dis- início da diagênese. Formadas na plataforma externa, cussão geral sobre o depósito de fosfato de Cedro do elas podem ser retrabalhadas por ondas e correntes e, Abaeté. eventualmente preservadas, em condições alcalinas. A interpretação de fácies de tempestitos para Formação Três Marias A Formação Três Marias

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Figura 4 - Coluna estratigráfica do Grupo Bambuí na região da Serra da Saudade e adjacências. Escala vertical é aproximada- mente 1:2 500. Segundo Lima (2005).

ocorre na parte norte da área investigada. A maior es- GEOLOGIA DOS DEPÓSITOS FOSFÁTICOS DA pessura identificada foi de cerca 80 metros, na extremi- SERRA DA SAUDADE O conhecimento sobre os dade norte da Serra do Palmital. Duas litofácies foram depósitos fosfáticos da Serra da Saudade, remonta ao reconhecidas na Fm. Três Marias: (1) Arenitos amal- início da segunda metade do século XX. Couberam a gamados com hummocky; (2) Siltitos com laminação Guimarães (1967) os primeiros estudos sobre a ocor- plana (Fig. 4). Os arenitos ocorrem em cristas acima rência, distribuição e mineralização dos chamados fos- de 750 m de altitude, são de granulometria média-fina, foritos do Abaeté. Ainda no final dos anos 60, ocorreu mostram disjunção esferoidal e estratificação hummo- o Projeto Cedro do Abaeté (Chaves et al. 1971) para in- cky. Os siltitos são de cor bege a rosada, geralmente vestigar, com maior detalhe, a mineralização e a viabili- alterados. dade econômica dos fosforitos dos arredores da cidade de Cedro do Abaeté-MG. Os trabalhos de pesquisa fo-

Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (4 - suplemento), 2007 209 Estratigrafia do Grupo Bambuí na Serra da Saudade e geologia do depósito fosfático de Cedro do Abaeté, Minas Gerais ram concentrados nas imediações das cidades de Cedro cos mostrou que os grãos de apatita são, principalmente, do Abaeté e Quartel São João. Ao final, constatou-se de granulometria fina a muito fina, equivalente a areia que as concentrações anômalas estavam relacionadas muito fina/silte e argila, onde chegam a representar à siltitos e argilitos verdes do então Membro Serra da mais de 30 % da composição mineralógica (Tab. 2). Por Saudade (Chaves et al. 1971). outro lado, minerais leves como quartzo, microclina e Nas comunidades locais, a sabedoria popular albita ocorrem principalmente nas granulometrias areia acredita que a fertilidade natural das terras situadas à média e areia fina. Granulometrias maiores que areia margem direita do Rio Indaiá, é proveniente da alta con- fina mostram uma redução gradativa na participação de centração de fosfato no solo. No entorno da cidade de grãos de apatita na constituição mineral do ritmito fos- Cedro do Abaeté existem semi-artesanais da ro- fático. Dessa forma, coexistem, nessa litofácies, grãos cha fosfática e do verdete que, em conjunto, são tritura- detríticos maiores de minerais leves e grãos mais finos dos, pulverizados e ensacados para serem vendidos, sem de minerais fosfáticos de maior densidade (2,9 g/cm3). nenhum tipo de beneficiamento, como fertilizantes. Esses minerais fosfáticos de grão fino representam uma matriz nas rochas detríticas mineralizadas (conforme o Sedimentologia e petrografia do ritmito fosfático desenho esquemático da Fig. 7), pois em decorrência da Fm. Serra da Saudade A ocorrência desses de- da diferença de densidade, o comportamento hidrodi- pósitos está compreendida entre as cidades de Quartel nâmico torna-se semelhante. Outros minerais pesados São João e Cedro do Abaeté-MG. A espessura de toda existentes são rutilo e zircão. essa unidade, baseada em furos de sondagem realizados Por intermédio de microanálises, os grãos fos- por exploradores locais, nas proximidades de Cedro do fáticos foram identificados como verdadeiras fluorapa- Abaeté, não ultrapassa 20 metros. No entanto, é prová- titas (Fig. 8). Detalhes da morfoscopia dos grãos, obti- vel a existência de mais de um nível de ritmito fosfá- dos por imagens de elétrons retroespalhados, indicam tico, conforme informações de mineradores locais. Os feições de retrabalhamento sedimentar. Identificou-se a corpos são estratiformes, descontínuos em mapa, con- presença de microfissuras, em grãos sub-arredondados cordantes com o acamamento dobrado, perfazendo len- a sub-angulosos, provavelmente associadas a impactos tes alongadas na direção norte-sul (Chaves et al. 1971). entre os grãos, durante o retrabalhamento sedimentar As camadas são deformadas por dobras angulares (tipo (Fig. 8). chevron), entretanto não apresentam xistosidade ou cli- Além dos grãos detríticos descritos, ocorre, tam- vagem ardosiana. bém, material precipitado intersticial, o qual constitui A rocha mineralizada é representada, principal- um cimento diagenético de composição, freqüentemen- mente, por um ritmito areno-pelítico cinza claro, inter- te, fosfática. Ao microscópio, esses diminutos grãos fos- calado na seqüência de ritmitos areno-pelíticos verdes fáticos, na forma de colofana, dificilmente são individu- (verdetes), na forma de lentes estratiformes. Esses rit- alizados. A colofana corresponde a uma massa agregada mitos fosfáticos ocorrem com diferentes graus de fra- micro a criptocristalina, de cor amarelada a marrom, de turamento, em função dos dobramentos de eixos N-S e finíssimos grãos de apatita e/ou fluorapatita com diferentes estágios de alteração intempérica. Mineral fosfático primário (francolita) não foi Quando parcialmente alterada, essa rocha as- encontrado nas amostras estudadas. Entretanto, Chaves sume um aspecto bandado, devido a alternância de lâ- et al. (1971) descrevem algumas apatitas ricas em flúor minas de diferentes colorações (Fig. 6). Os níveis cla- e carbono que poderiam equivaler a verdadeiras franco- ros, conforme difração de raio-X (Tab. 2) e resultados litas - Ca5(PO4,CO3,OH)3(F,OH). de microanálises, são ricos em caolinita e wavellita, Dessa forma, os teores de fosfato atribuídos a

(Al3(PO4)2(OH)3.5H2O), ambos minerais supergênicos. essa litofácies são dependentes das concentrações de A distribuição e a ocorrência de wavellita nessas rochas apatita, fluorapatita e wavellita. A distribuição dos te- são muito irregulares e descontínuas, pois esse mineral ores de P2O5 para esse depósito é hetereogênea e va- ocorre principalmente como precipitado preenchendo ria de 3 a 14 % com valores médios em torno de 8 % fraturas preexistentes. Portanto, a concentração desse (Tab. 3). Em casos excepcionais, referentes a amostras mineral também é função direta da intensidade de des- muito intemperizadas e ricas em veios preenchidos por continuidades físicas presentes na rocha. Os níveis es- wavellita, os teores podem exceder a 25 % de P2O5. curos são enriquecidos em manganês (Tab. 2), na forma Chaves et al. (1971) mostraram que partes das rochas de óxidos. enriquecidas por fosfato secundário estão associadas A tabela 2 apresenta os resultados referentes à a zonas de charneira de anticlinais, orientados segun- constituição mineralógica e a dispersão dos minerais, do N-S, pois nessas zonas as rochas apresentam uma em função da faixa granulométrica analisada, de amos- maior intensidade de estruturas de deformação rúptil, o tras de ritmito fosfático extraído a 22 m de profundida- que facilitaria a remobilização e a precipitação desses de, em furos de sondagens rasas, nos arredores de Ce- fosfatos secundários. dro do Abaeté-MG. De forma persistente, os minerais Com base nesses dados pode-se afirmar que os encontrados são: apatita e quartzo (dominantes); micro- ritmitos fosfáticos encontrados na Serra da Saudade nas clina, albita, wavellita e mica branca (intermediários); cercanias de Cedro do Abaeté-MG, podem, apenas em clorita e calcita (minoritários). parte, serem classificados como fosforitos, se tomarmos A análise mineralógica desses ritmitos fosfáti- como critério para tal definição uma concentração míni-

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Figura 5 - (A) Ritmito areno-pelítico verde (verdete); (B) Fotomicrografia em luz analizada. Aumento 80 X, nicóis paralelos. Notar a presença de ciclos de granodecrescência ascendente. Cor verde das laminações argi- losas é devido à presença de glauconita.

Tabela 1 - Análise mineralógica, por difração de raio-X, de uma amostra de ritmito pelito- arenoso verde. Análise efetuada no laboratório de identificação mineral do CDTN/CNEN.

Mineral Identificado Fração granulo- Peso (%) Predominante (> Maior Menor métrica Minoritário (< 3%) 30%) (< 30%) (< 10%) Mica branca Albita Areia grossa 10,20 Quartzo - (Glauconita) Microclina Mica branca Areia fina 28,60 Quartzo Albita Microclina Clorita (Glauconita) Mica branca Silte 19,60 Quartzo Albita Microclina Caolinita Clorita (Glauconita) Albita Mica branca Hematita Argila 41,60 Quartzo Microclina (Glauconita) Caolinita Clorita

ma de 10 % de P2O5 (Fölmi et al. 1991, Föllmi 1996). DISCUSSÃO SOBRE A GÊNESE E A MINERALI- ZAÇÃO DO RITMITO FOSFÁTICO DA SERRA DA SAUDADE A partir das características estrati- gráficas, petrográficas e sedimentológicas apresentadas no item anterior, sobre os ritmitos fosfáticos da Fm. Serra da Saudade, pode-se inferir uma evolução geoló- gica para o depósito mineral. Mineral fosfático primário (francolita), apesar de não ter sido identificado neste trabalho, foi descrito por Chaves et al. (1971), na forma de carbo-apatitas, a partir de análise roentgenográfica (método relacionado à incidência e à difração de radiação eletromagnética sobre a rede cristalina de um mineral). Minerais fosfáticos com forma detrítica iden- tificados neste trabalho foram apatitas e fluorapatitas. Figura 6 - Ritmito areno-pelítico fosfatizado, parcial- Acredita-se que os minerais de fosfato precursores fo- mente alterado. Fosfatos sedimentares estão concen- ram, originalmente, detríticos, pelas formas subarre- trados nos níveis mais claros. dondadas, granulometria fina, contraste de densidade

Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (4 - suplemento), 2007 211 Estratigrafia do Grupo Bambuí na Serra da Saudade e geologia do depósito fosfático de Cedro do Abaeté, Minas Gerais

Tabela 2 - Análise mineralógica, por difração de raio-X, do ritmito fosfático conforme faixas granulométricas específicas em mesh -60 +150 (areia média a fina), -50+325 (areia muito fina a silte grosso), -325 (silte médio a argila). Minerais pesados foram separadas também de acordo com a susceptibilidade magnética em diferentes faixas de amperagem (0,25 A; 0,50 A; 0,75 A; 1,00 A; 1,25 A; 1,50 A; 1,75A).

Mineral Identificado Fração Peso (Malhas) (%) Predominante Maior Menor Minoritário (> 30%) (< 30%) (< 10%) (< 3%) Leve Apatita 3,71 Quartzo Mica branca Clorita (-60+150) Wavellita Albita Inter Calcita 1,28 Apatita Quartzo Microclina (-60+150) Mica branca Wavellita Albita Calcita -150+325 23,60 Apatita Quartzo Mica branca Clorita Wavellita Microclina Albita Calcita -325 64,82 Apatita Quartzo Wavellita Microclina Microclina 0,25A - Mica branca 0,16 Apatita Quartzo (-60+150) Wavellita 0,50A Albita Clorita 0,58 Apatita Quartzo (-60+150) Microclina Wavellita Albita Calcita 0,75A 3,34 Apatita Quartzo - Microclina (-60+150) Mica branca Wavellita Albita 1,00A 1,82 Apatita Quartzo - Calcita (-60+150) Wavellita Albita 1,25A 0,52 Apatita - Quartzo Mica branca (-60+150) Wavellita 1,50A Mica branca 0,12 Apatita - Quartzo (-60+150) Wavellita 1,75A Mica branca 0.03 Apatita - Quartzo (-60+150) Wavellita 1,75A 0,02 Apatita - Quartzo Wavellita (-60+150)

em relação a grãos mais grossos de quartzo, pela grande cado e significa a importância da diagênese na evolução participação de siliciclásticos e pela íntima associação da mineralização.. com outras litofácies sedimentares, formadas a partir Os grãos fosfáticos de forma detrítica são prin- de depósitos detríticos retrabalhados. Entretanto, tanto cipalmente de granulometria fina (areia muito fina/silte), as apatitas quanto as fluorapatitas são minerais autigê- portanto estando concentrados na matriz dos ritmitos nicos, possivelmente, gerados a partir da transformação areno-fosfáticos. Ao microscópio, esses diminutos grãos de francolitas. Reações físico-químicas durante a dia- fosfáticos, na forma de colofana, dificilmente são indivi- gênese, sob condições redutoras a sub-oxidantes, pro- dualizados. A colofana corresponde a uma massa agrega- moveram a abertura parcial da estrutura dos de da micro a criptocristalina, de cor amarelada a marrom, francolita e, provavelmente, a liberação de átomos de de finíssimos grãos de apatita e/ou fluorapatita. C, F e, até mesmo, Ca da rede cristalina (Dill 2001). Parte dos grãos de apatita e fluorapatitas exibem Apesar de não serem de origem primária os grãos de indicações de que foram retrabalhados. Dessa forma, apatita e fluorapatita são considerados, neste trabalho, uma gênese sinsedimentar para os precursores desses como pseudomorfos de francolitas, pois preservaram a minerais é inferida. No entanto, o locus de formação forma externa dos grãos primordiais, detríticos. Mate- do fosfato primário não deve ser coincidente com o sí- rial precipitado interticial, representando cimento dia- tio de deposição final dos ritmitos fosfáticos, uma vez genético de composição fosfática foi, também, identifi- que esses sedimentos são de natureza alóctone, como

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Figura 7 - Representação esquemática microscópica da distribuição dos minerais e de suas respectivas distri- buições granulométrica no ritmito fosfático. Notar que as apatitas e florapatitas são encontradas como grãos mais finos, concentrados na matriz da rocha.. Segundo Lima (2005).

Figura 8 - (A) Imagem de elétrons retroespalhado, a podemos perceber pelas inúmeras feições de retraba- partir da microssonda - JEOL Superprobe -, de ritmi- lhamento nesses depósitos. Dessa forma, a ocorrência to fosfático, parcialmente, intemperizado. Em detalhe de níveis de sedimentos enriquecidos em fosfatos de- grãos de K-feldspato (K-fp) e grão sub-arredondado de tríticos se deve, principalmente, a processos físicos de fluorapatita (F-ap); (B) Difratograma da fluorapatita concentração. Com base na proposta de classificação selecionada em A. Segundo Lima (2005). de fosforitos, conforme Follmi (1996), esses depósitos fosfáticos, ou parte deles, podem ser classificados como

Tabela 3 - Análise Química Quantitativa por Espectrometria de Fluorescência de Raios-X, de algumas amostras de verdete e ritmito fosfático encontrados na Serra da Saudade. Laboratório de identificação mineral do CDTN/CNEN. Dados e localização das amostras em Lima (2005).

Elemento Dosado (%) Amostra

Al2O3 CaO Fe2O3 K2O P2O5 MnO2 MgO SiO2 TiO2

Ponto – 98 15,3 0,01 6,06 10,6 2,26 0,78 1,60 64,3 0,86 (Verdete)

Ponto – 162A (Ritmito fosfático -1ª 13,3 13,3 2,34 2,13 18,64 12,37 0,88 30,1 0,49 amostra) Ponto – 162A (Ritmito fosfático - 2ª 15,1 0,10 5,61 7,97 10,62 2,48 1,26 50,3 0,79 amostra)

Ponto - 162B 15,5 0,03 5,94 11,9 2,34 0,27 1,58 62,8 0,80 (Verdete)

Ponto - 37 13,9 0,02 8,26 11,6 1,86 0,46 1,57 58.2 0.80 (Verdete)

Ponto - 37 15,9 0,02 5,56 8,98 O,63 0,04 1,35 66,4 0,93 (Verdete -Fração Argila)

Ponto - 173 (Formação Serra da 14,8 0,11 5,17 10,5 0,96 0,08 1,49 65,6 0,73 Saudade)

Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (4 - suplemento), 2007 213 Estratigrafia do Grupo Bambuí na Serra da Saudade e geologia do depósito fosfático de Cedro do Abaeté, Minas Gerais fosforitos do tipo alóctone. fase quanto a segunda fase são claramente singenéticas. Além dos fosfatos detríticos autigênicos, exis- A terceira fase (Fase 3) marca o surgimento dos tem fosfatos secundários, como a wavellita, formados minerais autigênicos apatita e fluorapatita, durante es- a partir do intemperismo e encontrados, geralmente, tágios de evolução diagenética, em condições redutoras como precipitados preenchendo fraturas e a porosidade a sub-oxidantes, a partir da alteração parcial de franco- secundária da rocha hospedeira. Altas concentrações de litas pré-existentes. wavellita em parte das amostras de ritmitos fosfáticos A fase final (Fase 4) é exclusivamente epigenéti- se devem ao grau de alteração intempérica e à intensi- ca. Essa fase é caracterizada pela alteração supergênica dade de fraturamento na rocha. dos minerais fosfáticos autigênicos pré-existentes e pos- A gênese dos grãos primordiais de fosfato (fran- terior geração de wavellita. Em razão das descontinui- colita) é especulativa. Acredita-se que processos de res- dades e da presença de níveis rochosos permeáveis, que surgência da água do mar (Follmi 1996), onde correntes facilitaram a percolação de soluções mineralizantes, os mais densas, frias e saturadas em P2O5, ao chegarem às limites dessa mineralização secundária podem extrapo- porções mais rasas, com baixo aporte sedimentar, favo- lar os referenciais estratigráficos atribuídos aos ritmitos recem a infiltração e o enriquecimento de águas conatas, fosfáticos e afetar, até mesmo, outras litofácies. responsáveis pela precipitação intersticial de francolita nos sedimentos (Föllmi 1996, Hiatt & Budd 2001). As- CONCLUSÃO Na região da Serra da Saudade, a sim, acredita-se que o sítio de precipitação da francolita geologia regional é representada pelas unidades litoes- não coincida com o sítio deposicional dos ritmitos fos- tratigráficas neoproterozóicas do Grupo Bambuí e pe- fáticos, que mostram várias feições de retrabalhamento las coberturas fanerozóicas. No Grupo Bambuí, doze e, portanto, são de natureza alóctone. A fonte do fosfato litofácies foram identificadas sendo cinco referentes à para as correntes de ressurgência é desconhecida, pro- Fm. Serra de Santa Helena, outras cinco à Fm. Serra da vavelmente atividade microbiana sin-sedimentar. Saudade e duas à Fm. Três Marias. A evolução geológica da mineralização do rit- A Formação Serra da Saudade é representada, mito fosfático pode ser sumarizada em quatro diferen- em sua seção tipo, pelas litofácies de ritmito pelito-are- tes estágios ou fases (Tab. 4). A primeira fase (Fase 1) noso, arenito fino com hummocky, carbonatos retraba- é representada pela precipitação do mineral fosfático lhados, ritmito pelito-arenoso verde (verdete) e ritmito primordial (francolita) em um ambiente deposicional fosfático. Os ritmitos areno-pelíticos verdes (verdetes) de baixa energia e relativamente oxidante, condição são considerados fácies de tempestitos, e exibem ciclos necessária para a adsorção de moléculas de P2O5 por de granodecrescência ascendente, com arenitos finos na óxidos e hidróxidos. base e sedimentos silto-argilosos no topo. Apresentam A segunda fase (Fase 2) corresponde à geração teores de potássio (K) de 7 a 14%; e minerais como dos depósitos alóctones do ritmito fosfático por meio quartzo, K-feldspato, albita, mica branca, glauconita, da erosão e retrabalhamento do ambiente primário de clorita e opacos. Glauconita é o mineral responsável precipitação da francolita, e transporte e acumulação pela cor verde dos verdetes. Os ritmitos fosfáticos cor- dos grãos fosfáticos para o sítio de deposição final da respondem a depósitos clásticos ricos em grãos fosfá- litofácies de ritmito fosfático. Os agentes de erosão e ticos de apatita, fluorapatita e, raramente, francolita, transporte, nessa fase, estão relacionados a episódios de que exibem forma detrítica. Apatita e fluorapatita são tempestades e a ação das ondas normais, provavelmen- minerais autigênicos gerados a partir da diagênese de te, intensificadas durante evento de recuo da linha de prováveis francolitas (possível mineral fosfático pri- costa (evento regressivo). Dessa forma, tanto a primeira mário). Evidências de retrabalhamento, a associação

Tabela 4 - Síntese sobre as quatro fases de mineralização dos depósitos fosfáticos da Serra da Saudade, na re- gião de Cedro do Abaeté - MG. Segundo Lima (2005).

Precipitação de francolita, segundo Chaves et al. (1971), em ambiente de baixa Fase 1 Geração de fostato primário energia e, preferencialmente, óxido.

Erosão dos sítios de deposição primária, transporte, retrabalhamento e acumulação Formação de depósitos Fase 2 dos grãos de francolita no sítio de deposição final de mais alta energia, por alóctones de ritmito fosfático processos físicos, principalmente, ondas e episódios de tempestades.

Geração de fosfatos Transformação da francolita em pseudomorfos (apatita e fluorapatita) durante a Fase 3 autigênicos diagênese.

Transformação dos minerais autigênicos em wavellita por processos de alteração Geração de fosfatos Fase 4 intempérica e concentração destes minerais em descontinuidades físicas das supergênico rochas.

214 Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (4 - suplemento), 2007 Otávio Nunes Borges Lima et al. com fácies de tempestitos, a presença de partículas não tro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear-CDTN, fosfatizadas e de estruturas sedimentares, conduzem à pela infra-estrutura colocada à disposição. A CAPES, classificação desses depósitos como fosforitos do tipo pela bolsa de mestrado que permitiu a realização do alóctone. Alguns leitos, mais intemperizados e fratura- trabalho. A FAPEMIG pelo projeto CRA-1321/98 que dos, podem apresentar teores de P2O5 superiores a 25%, disponibilizou recursos para a realização da pesquisa. devido, principalmente, as altas concentrações de wa- A CPRM-Serviço Geológico do Brasil, Grupo da Bacia vellita, mineral secundário formado pela alteração su- do São Francisco, pelo acesso aos dados e discussões pergênica dos minerais fosfáticos pré-existentes. profícuas. A Comissão Organizadora do III Simpósio sobre o Cráton do São Francisco, em especial ao Dr. Agradecimentos Ao Instituto de Geociências da Uni- Aroldo Misi, e aos dois revisores da RBG, pela oportu- versidade Federal de Minas Gerais, ao Programa de nidade de publicação. Pós-Graduação em Geologia do IGC-UFMG, ao Cen-

Referências

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